Revista Túnel | Vol. 6, n. 1, 2021

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Ilustração: Luciana Ruiz de Vilhena

Moda sustentável

Produção e consumo conscientes estão em alta

Segurança alimentar Os riscos globais da extinção de polinizadores

comunicação entre você e a ciência

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O futuro da alimentação pode vir dos laboratórios

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Carne cultivada

volume 6/ nº1/ 2021

edição #1 - 2018


06 10 Destaque

Mulher na ciência

O futuro está na mesa: os impactos da carne cultivada em laboratório

Cientista e empreendedora: os desafios entre pesquisa e mercado

Ciência e Tecnologia

Tecnologia e inovação

Homem e máquina: tecnologias podem ser perigosamente humanas

Design sustentável: produção e consumo de moda conscientes em alta

Sociedade

Ciência e comunidade

“Tecnofobia e tecnolotria”: a importância do equilíbrio nas redes sociais

Ar-condicionado natural: árvores urbanas enfeitam e protegem cidades

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28 32 Sociedade digital

Eu faço ciência

Revolução das máquinas: transformações na educação e no trabalho

Veículos eficientes: alternativa para meio ambiente e alta de combustíveis

Ciência e comunidade

Tecnologia e inovação

Segurança alimentar: extinção de polinizadores tem reflexos globais

Oficina de Ideias: espaço é um convite para experimentação e criação

36 40 44 Descomplicado

Astrodinâmica: do GPS na sua mão ao monitoramento da Terra via satélite


comunicação entre você e a ciência

EXPEDIENTE

Projeto Gráfico Luciana Ruiz de Vilhena

Diretor-Geral Prof. Flávio Antônio dos Santos Vice-Diretora Profa. Maria Celeste Monteiro de Souza Costa Diretor de Pesquisa e Pós-Graduação Prof. Conrado de Souza Rodrigues Coordenadora de Divulgação Científica e Tecnológica Sônia Miranda de Oliveira Secretário de Comunicação Social Luiz Eduardo Pacheco Conselho Editorial Conrado de Souza Rodrigues Flávia Dias Gilberto Todescato Telini Sônia Miranda de Oliveira Editores-Chefes Flávia Dias – MTB 9.167/MG Gilberto Todescato Telini - MTB 18.351/MG

Equipe de Jornalismo André Luiz Silva Diogo Tognolo Flávia Dias Gilberto Todescato Telini Nívia Rodrigues Organizadores Diretoria de Pesquisa e Pós-Graduação – DPPG Coordenação de Divulgação Científica e Tecnológica - CGDCT Secretaria de Comunicação Social – SECOM Apoio Fundação de Apoio à Educação e Desenvolvimento Tecnológico – Fundação CEFETMinas Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG Coordenação de Jornalismo e Conteúdo Coordenação de Design e Comunicação Audiovisual

Projeto Editorial Flávia Dias Diagramação Luciana Ruiz de Vilhena

Contatos www.periodicos.cefetmg.br dct@dppg.cefetmg.br redacao@cefetmg.br

Av. Amazonas, 5.253 – Nova Suíça – Belo Horizonte/MG CEP: 30421-169 / Tel: (31) 3319-7110 www.cefetmg.br

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A ciência para o amanhã A sexta edição da revista Túnel é um convite para pensar sobre o futuro. O ritmo de produção e consumo são sustentáveis em longo prazo? A relação homem-máquina é saudável ou adoecedora? Como ficam as dimensões do ensino e do trabalho diante de uma revolução tecnológica que modifica o que sabemos até agora? A alimentação do ser humano nas próximas décadas é motivo de preocupação. Segundo a ONU, em 2050, com 10 bilhões de habitantes na Terra, será impossível alimentar toda a população com os recursos de que dispomos atualmente. De olho nesse temor, a Túnel destaca a carne cultivada, ou carne de laboratório, que promete ser uma alternativa para esse cenário. A pesquisadora do CEFET-MG Aline Bruna da Silva é uma das pioneiras no Brasil no desenvolvimento da tecnologia que movimenta milhões de dólares ao redor do mundo. Para garantir a segurança alimentar da sociedade, outra preocupação é com os polinizadores, que enfrentam risco de extinção. Cerca de 75% da alimentação humana depende diretamente de plantas polinizadas ou beneficiadas pela polinização animal. As causas e alternativas para lidar com esse cenário são trazidas pela pesquisadora Milene Biachini, do campus Araxá. O cenário de escassez de recursos naturais também abriu os olhos da indústria de moda. Projetos de design sustentável já compõem o currículo de alunos no campus Divinópolis, que se esforçam para pensar soluções produtivas sustentáveis para consumidores do futuro. Preservar, portanto, é uma palavra de ordem, em especial as árvores urbanas, que garantem beleza, mas, principalmente, benefícios diretos para as cidades, tema de uma conversa com o pesquisador em Engenharia Florestal Daniel Brianezi. A mobilidade das pessoas vai impactar diretamente o planeta. Diante da alta nos combustíveis e de uma indústria automobilística pouco sustentável atualmente, estudantes do CEFET-MG projetam veículos com maior eficiência energética. Veículos mais inteligentes virão, também, de fábricas cada vez mais inteligentes, graças à internet das coisas e à computação na nuvem. Uma 4ª revolução industrial em curso, que reduz postos de trabalho e modifica as formas de aprender, é tema da seção Sociedade Digital, com o pesquisador Vandeir Robson Matias. Mas as máquinas são inteligentes até que ponto? Imagine um carro autônomo, programado por mentes humanas, que está na rua e precisa tomar decisões difíceis em algum momento, sobre quem atropelar, por exemplo. O que pode acontecer? Uma reflexão com a filósofa do campus Curvelo Marinês Barbosa alerta para tecnologias que podem se tornar perigosamente humanas. E a relação das pessoas com produtos dessas tecnologias, como as redes sociais, pode trazer quais impactos? É o que discute o professor Bráulio Chaves. Em um mercado de trabalho desafiador, mulheres cientistas buscam interface com o empreendedorismo em busca de oportunidades inovadoras. Mas quais são as perspectivas para esse novo tipo de relação entre academia e setor produtivo? Por falar em novos arranjos, a Oficina de Ideias do CEFET-MG possibilita que pessoas criem e sejam protagonistas a partir do seu próprio conhecimento. E para descomplicar, que tal pensar na importância da astrodinâmica em coisas do dia a dia, como o GPS? Desejamos a você, leitor, ótimas reflexões sobre o futuro! Gilberto Todescato Telini – Editor-Chefe

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DESTAQUE

O FUTURO O FUTURO ESTÁ NA MESA ESTÁ NA MESA

Carne cultivada em laboratório promete impactos positivos na alimentação humana e no meio ambiente; pesquisadora do CEFET-MG é uma das pioneiras no Brasil no desenvolvimento da tecnologia

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Gilberto Todescato Telini

60% das novas doenças infecciosas se originaram em animais (ONU). O setor agropecuário é responsável por 14,5% das emissões de gases do efeito estufa globais oriundas de atividades humanas (FAO/ONU). Em 2019, 10 municípios com maior área desmatada na Amazônia Legal concentram a maior população de bovinos do Brasil, juntos, esses municípios foram responsáveis por quase 30% da área desmatada na região (uma área equivalente a uma cidade e meia de São Paulo) e por 22,5% das queimadas (Mercy for Animals). Estes são apenas alguns dos diversos problemas relacionados à criação de animais para alimentação humana, uma das principais causas dos problemas ambientais mais urgentes no mundo, que incluem aquecimento global, degradação de terras, poluição do ar e da água e perda de biodiversidade, de acordo com cientistas da ONU. Além disso, com o crescimento global da população, esse sistema de produção de alimentos será insustentável: até 2050, com aproximadamente 10 bilhões de habitantes no planeta, será impossível alimentar tanta gente. Por isso, “o desenvolvimento de novas tecnologias do setor é uma questão de sobrevivência”, revela a professora Aline Bruna da Silva, do Departamento de Engenharia de Materiais (DEMAT), responsável pela condução de pesquisas com carne cultivada, também conhecida como carne de laboratório. “A carne cultivada é uma carne para consumo humano, produzida a partir do cultivo de células animais em laboratório. Essa é uma nova frente tecnológica que utiliza técnicas de reprodução da engenharia de tecidos, combinando materiais e células, para obtenção de carne idêntica à carne convencional. Ou seja, é simplesmente carne”, detalha. Basicamente, a produção de carne cultivada envolve a extração de células de um animal, como células-tronco, em uma biópsia. A seguir, esse material é expandido em um biorreator com nutrientes adequados (meio de cultura) para proliferação e diferenciação das células. A carne, então, é colhida. “O produto resultante dessa tecnologia é uma carne real, mas sem a necessidade de sacrifício de animais, obtida em ambiente limpo, livre de doenças e sem uso de antibióticos durante sua produção”, pontua a pesquisadora.

Ecossistema e saúde agradecem A tecnologia garante a alimentação humana sem a necessidade da criação de animais para obtenção de carne, trazendo benefícios para a saúde e para o meio ambiente. “Estima-se que com a produção de carne cultivada o consumo de energia pode ser reduzido em até 50%, a emissões de gases de efeito estufa entre 75 e 90%, o consumo de água entre 80 e 95% e o uso de terra em até 99%”, detalha Aline. O tempo de produção da carne cultivada é outra variável que chama a atenção: uma tonelada do produto levará cerca de duas semanas para ser produzida. A criação de um boi pronto para abate leva, em média, dois anos. Na nutrição, as carnes cultivadas são consideradas fontes alternativas de proteína animal, que podem trazer benefícios para a saúde humana. “Os níveis de gordura e colesterol nas carnes cultivadas podem ser controlados, levando a resultados potencialmente positivos para a saúde, uma vez que valores elevados de colesterol no sangue podem levar ao desenvolvimento de doenças crônicas não-transmissíveis, como as doenças cardiovasculares. Devido às características inerentes da sua produção, estas carnes também podem ser fortificadas com vitaminas e minerais e, dessa forma, se enquadrar como um alimento de relevante valor nutricional”, explica a nutricionista do CEFET-MG em Varginha, Andreza Campos.

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Para o presidente da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), entidade que busca promover a alimentação à base de vegetais em prol da saúde individual e coletiva e reduzir impactos ambientais e exploração animal, a carne cultivada pode ser uma “opção interessante”, com contribuições para o meio ambiente e para a vida dos animais. “Vemos como um desenvolvimento, uma novidade que pode, sim, atingir um grupo numeroso de pessoas que, até então, não abre mão de comer carne e é relutante quanto às grandes possiblidades disponíveis na alimentação à base de vegetais”, pontua Ricardo Laurino.

Por outro lado ... Nenhuma empresa de carne cultivada atingiu produção comercial em termos de escala ou custo no mundo, apesar dos avanços nos últimos anos. O primeiro hambúrguer totalmente cultivado em laboratório foi fruto de pesquisas lideradas pelo professor Mark Post, Biólogo da Universidade de Maastricht (Holanda) e custou U$ 330mil. Hoje, o mesmo hambúrguer já pode ser produzido por U$ 10. As dificuldades passam por desafios técnicos e científicos para alavancar a tecnologia, que vão desde o desenvolvimento da linhagem celular ao projeto do biorreator, além da formação de profissionais qualificados para atuar na área, aponta a professora Aline. Além do custo do produto, é preciso considerar um fator determinante para que ele chegue à mesa dos brasileiros: o consumidor, avalia a nutricionista Andreza. “É importante que este tipo de produto possa replicar as experiências sensoriais (visão e paladar) trazidas pelo consumo de

carne. Passar pela aprovação dos consumidores, incluindo vencer a resistência por ser um produto ‘de laboratório’, enquanto há forte preferência por alimentos naturais, deve ser o desafio mais decisivo”, completa.

Regulamentação No mundo, as negociações para comercialização desses novos produtos estão a todo vapor. Em 2020, a empresa israelense Eat Just recebeu aprovação regulatória para vender seu produto de frango cultivado em Singapura. Logo em seguida, foi a aprovada e regulamentada a primeira instalação para produção da carne, também em Singapura. A segurança alimentar é um fator decisivo para aprovação e regulamentação de produtos pelos órgãos de fiscalização e controle. Por isso, a indústria alimentícia deve atender a padrões de qualidade, tanto nos aspectos higiênico-sanitário, quanto nutricional, ou seja, precisa estar atenta à isenção de contaminantes de toda ordem e oferecer nutrientes e minerais, esclarece a nutricionista Andreza. No Brasil, grandes empresas, como a BRF e a JBS, declararam recentemente que estão investindo nessa tecnologia e pretendem comercializar carne cultivada no país a partir de 2024. Essas notícias mobilizaram o The Good Food Institute (GFI), instituição sem fins lucrativas que busca promover e financiar soluções inovadoras para resolver o problema da alimentação no mundo. A entidade organizou um workshop para reguladores brasileiros, com foco nas equipes do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal do Ministério da

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Agricultura, Pecuária e Abastecimento (DIPOA/MAPA) e da Gerência Geral de Alimentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (GGALI/Anvisa). Durante o evento, realizado entre 17 e 22 de junho de 2021, foram apresentadas informações sobre a técnica de cultivo celular para obtenção de produtos cárneos, além de pontos importantes a ser considerados na regulação, com destaque às questões de segurança do processo e do produto final, relembra a professora Aline, que esteve entre as apresentadoras da tecnologia para os órgãos de fiscalização, ao lado do biólogo e professor da UniSociesc, Dr. Bruno Bellagamba; do cientista do GFI Estados Unidos, Dr. Elliot Swartz; e do engenheiro químico e professor da Universidade Federal de Santa Catarina, Dr. Luismar Porto. O workshop reuniu 70 profissionais. Esse foi o primeiro grande movimento para regulamentação da carne cultivada no Brasil, mas os desafios ainda são grandes, afinal o produto é novo e os protocolos precisarão ser traçados. “A regulamentação convencional da carne não servirá para essa nova realidade e já existem iniciativas para definir regulação e controle, porém trabalhando na incerteza, afinal, não há processos bem definidos. Mesmo questões tão simples, como a deterioração e proliferação de microrganismos patogênicos na carne cultivada, precisam ser pesquisadas para que seja possível definir as bases da regulamentação”, complementa a nutricionista Andreza.


Servindo futuro A indústria de carne cultiva, atualmente, resume-se a menos de 100 start-ups ao redor do mundo. Elas receberam cerca de U$350 milhões em investimentos apenas em 2020 e cerca de U$250 milhões até agora, em 2021. A GFI, na última rodada de investimentos, disponibilizou cerca de U$5 milhões para cerca de 22 projetos, espalhados em quatro continentes e oito países. Um deles é de autoria da professora Aline que, em parceria com a UFMG, pretende desenvolver scaffolds para a produção de cortes de carne de frango. No total, o projeto foi contemplado com U$240 mil para financiamento de pesquisas e formação de pessoas. As pesquisas seguem até 2023.

Como é feita a carne de laboratório

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A carne de laboratório é criada a partir de uma cultura de células multiplicadas.

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O processo consiste no isolamento de células de bovinos, suínos ou frangos com a capacidade de se regenerar.

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Por meio de biópsia, são retiradas as células de um músculo animal, sem o sacrifício dele.

Com isso, após algumas semanas, podem se transformar em tecido muscular esquelético. São utilizadas células satélites que recebem nutrientes para se replicar. O crescimento gera um pedaço de carne.

Fonte: Jayme Nunes, especialista de marketing regional da Life Science na Merck

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Essas células são colocadas em grandes tanques biorreatores e recebem oxigênio e nutrientes, como açúcar e minerais.


SER CIENTISTA E EMPREENDEDORA...

É POSSÍVEL? 10


Nívia Rodrigues

Pesquisa, lattes, quali/quanti. Inovação, contratos, rentabilidade. Maternidade, organização da casa, casamento. Os “combos”, muitas vezes, não se encaixam, mas fazem parte do cotidiano das mulheres que enfrentam os desafios de serem cientistas e empreendedoras. Desafios que, muitas vezes, aliados à hostilidade do mercado e à visão crítica do “sonho empreendedor” contribuem para afastar a presença de mulheres cientistas desse ambiente. Em 2020, quase metade (48,7%) dos empreendedores do Brasil eram mulheres, segundo dados da Rede Mulher Empreendedora. Porém, de acordo com o estudo “Female Founders Report 2021”, no mesmo ano, somente 4,7% das startups brasileiras de base tecnológica foram fundadas por mulheres e 5,1% tinham como fundadores homens e mulheres. O estudo foi elaborado pela empresa de inovação “Distrito” em parceria com a “Endeavor”, rede global de empreendedorismo, e a “B2Mamy”, que capacita e conecta mães ao sistema inovador. Os dados nos dão uma amostra de como o empreendedorismo na academia é hostil à presença feminina, tendo como exemplo a área de inovação.

mulheres; além disso, o valor destinado às startups lideradas por elas correspondem a 65% do valor recebido por eles e, quanto maior o investimento, maior a discrepância. Na Incubadora de Empresas Nascente, do CEFET-MG, por exemplo, não há histórico de empreendedoras proponentes de projetos. Já a Coordenação de Inovação e Empreendedorismo (CIE) da Instituição aponta que em 46,34% dos pedidos de proteção de propriedade intelectual há a participação de mulheres. Enquanto 59,15% dos pedidos de patente de invenção tiveram a participação delas, há uma drástica queda quando se analisa os pedidos de proteção de programas de computador: 36,47%. Ou seja, atividades ligadas às ciências exatas e às tecnologias são ainda mais hostis a elas. A professora Ludmila Guimarães, do Departamento de Ciências Sociais Aplicadas (BH), ressalta que o cenário fica ainda mais complicado quando se alia recortes de gênero, raça e sexualidade, e alerta para os perigos da relação entre pesquisa e mercado. “No meu ponto de vista, relacionar a ciência com um fim financeiro possibilita cada vez mais o ‘empresariamento’ da própria educação. O propósito da educação, da ciência e da pesquisa se perde nesse caminho para atender às demandas do capital”, avalia.

Transformar um processo ou um produto desenvolvido em laboratório em um modelo de negócio palpável e, por que não, rentável, exige conhecimento e dedicação que, muitas vezes, não são nem o desejo nem foco das pesquisadoras e do Contraponto mercado. Segundo o Bancodo Mundial, dos Grandes empresas ramo7%tecnológico avançam e retrocedem. O investimentos de risco nos mercados emergen- Porém, o empreendedorismo, como qualquer motivo? A tecnologia se por tornar humana outroperigosamente modelo, tem seus percalços: insegurança tes são destinados a negóciospode liderados

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financeira e no negócio, riscos e ansiedade e estresse pelo excesso de tarefas estão entre eles. A professora Ludmila vai mais fundo no tema. “O empreendedorismo mantém a condição de pobreza, mas, ao mesmo tempo, ‘pinta’ um cenário futuro, para que as pessoas vislumbrem dias melhores. Temos uma questão ideológica forte que gira em torno da atividade empreendedora. Um processo de alienação que vai desde o ensino fundamental, atinge a mídia e o apoio de base pública que fomenta o empreendedorismo”.

Academia e fonte de renda

Ludmila cita o trabalho de pesquisa realizado por Janaína Ferraz, autora do livro “Para além da prática empreendedora do capitalismo brasileiro”, que aborda o empreendedorismo como modo de precarização do trabalho, retirada de direitos e aumento da exploração dos trabalhadores. “Há uma lógica de poder e dominação, uma romantização ingênua, que não apresenta as contradições da prática empreendedora”, define.

A experiência tem sido um desafio positivo por tirá-la da zona de conforto. “Nessa área da mineração, eu vejo que existe, tanto na faculdade como no mercado de trabalho, um preconceito relacionado à condição física e intelectual das mulheres. Em vista disso, os obstáculos das mulheres podem ser maiores que os dos homens”. Apesar de não ter vivenciado situação concreta de preconceito, Larissa considera a importância de desenvolver ações de incentivo ao empreendedorismo feminino. “Em nosso processo seletivo, por exemplo, buscamos envolver todos os alunos da faculdade, independentemente de qualquer condição, de uma forma diversa e inclusiva”, explica. No futuro, a estudante pensa em conciliar vida acadêmica e empreendedorismo. “Quero contribuir para que o Movimento Empresa Júnior (MEJ) seja uma experiência enriquecedora na vida de outras pessoas como também foi na minha”.

Especialmente sobre o caminho trilhado por pesquisadoras que empreendem, Ludmila acrescenta: “a carreira docente é uma formação que permite que o capital se aproprie de forma barata de pensadores que são verdadeiros ‘cérebros de obras’. A futura pesquisadora não tem saída: ou rompe o contrato de dedicação exclusiva ou vive com um valor que mal consegue pagar as passagens de ônibus ou vende sua capacidade de pesquisa para quem queira utilizá-la para solucionar problemas”, aponta.

Larissa Oliveira cursa Engenharia de Minas no campus Araxá e, desde 2019, quando ingressou na faculdade, foi convidada a participar da “Engmine Jr.”, Empresa Júnior do curso, como jovem aprendiz. A curiosidade e a possibilidade de agregar conhecimento na área fez com que aceitasse o convite. Depois de passar pelos cargos de trainee e diretora de projetos, agora é diretora-presidente da empresa.

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Os desafios são tanto para a cientista que empreende baseada na pesquisa desenvolvida nos laboratórios, como para a mulher que está na academia, mas busca empreender em outras áreas. É o caso da estudante do 5° período de Engenharia Ambiental e Sanitária Letícia Murta, que integra o Programa de Educação Tutorial (PET) do curso de Graduação em Administração (BH) e já conhece bem a realidade de empreender e conciliar a vida acadêmica. Letícia tem uma loja on-line de moda há cerca de um ano e revela que tem muita dificuldade em conciliar as duas atividades. Como a empresa ainda é pequena, o principal obstáculo é ter que cuidar de todas as etapas do negócio sozinha, com a faculdade e os programas extracurriculares. Ela considera que a academia ainda não favorece satisfatoriamente o empreendedorismo feminino. “Por mais que tenha notável melhora nos últimos tempos, o ambiente de empreendedorismo na academia ainda é predominantemente masculino. Muitas vezes, as mulheres empreendedoras estão buscando complemento ou melhora de renda devido à disparidade salarial consequente do meio acadêmico”, avalia. Pensando nessas e outras dificuldades, o PET-ADM deu início à capacitação de mães empreendedoras por meio de lives e cartilhas. O projeto “Guia para Empreendedoras” conta com o apoio do projeto de Extensão “Engrena” e do Grupo “Amor de Mãe”. Precificação e marketing estão entre os temas abordados. A equipe verificou que essas mulheres não possuíam conhecimento em técnicas de gestão e empreendedorismo e produziu um conteúdo com conceitos básicos, por meio de uma linguagem acessível e diferentes abordagens pedagógicas de aprendizagem. O objetivo é capacitar as mulheres, possibilitando maior independência nos processos e oportunizando o desenvolvimento de empreendimentos.

Cientista, proteja sua pesquisa: • Fique atenta aos critérios para pedido de patente: novidade, atividade ou ato inventivo, aplicação industrial; • não divulgue o estado da técnica; • proteja a novidade; • faça a busca de anterioridade; • no CEFET-MG, procure a Coordenação de Inovação e Empreendedorismo (CIE): cie@cefetmg.br .

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CIÊNCIA E TECNOLOGIA

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QUÃO HUMANA A

TECNOLOGIA

PODE SER?

Grandes empresas do ramo tecnológico avançam e retrocedem. O motivo? A tecnologia pode se tornar perigosamente humana

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Gilberto Todescato Telini A tecnologia passou, recentemente, a ser objeto de estudo da filosofia. Mas por quê? Imagine que uma grande empresa tenha criado uma inteligência artificial para interagir com adolescentes nas redes sociais e ela estivesse fazendo apologia ao nazismo e ao racismo. Ou que uma outra, tão grande quanto aquela, tenha criado tags para armazenar fotos semelhantes de um álbum e pessoas negras fossem identificadas automaticamente como animais. E que uma terceira, gigante no setor tecnológico, tivesse um banco de dados de reconhecimento facial que erroneamente relacionasse pessoas inocentes a crimes. Essas situações, de fato, aconteceram e motivaram, por questões éticas e morais (entre outras), empresas com Google e Microsoft a incorporar filósofos nas suas equipes. E por que esses profissionais são importantes nesse contexto? “Pensar filosoficamente sobre a tecnologia é procurar saber o que ela é, como e por que ela existe e de que modo ela nos afeta, ou seja, quais são os impactos gerados por ela sobre nós mesmos e sobre o mundo”, responde a professora Marinês Barbosa de Oliveira, pesquisadora da filosofia da tecnologia. Questões contemporâneas são objeto de estudo dessa área do conhecimento: transformações no mundo do trabalho a partir da substituição humana por máquinas; problemas psicológicos decorrentes do vício em aparelhos eletrônicos; depredação de ecossistemas pela poluição causada pelas indústria e seus resíduos; estreitamento do limite entre público e privado gerado pelo uso cada vez mais intenso, tanto por indivíduos, como por governos e corporações de tecnologias de controle e monitoramento.

Esse último aspecto merece atenção! Um levantamento de uma empresa de proteção de privacidade na internet, a Surfshark, em 2020, revelou que 98 países utilizam a tecnologia de reconhecimento facial em algum tipo de vigilância pública. O estudo, feito com dados de 194 países, aponta que, além desses, 12 já aprovaram o uso, mas

não implementaram a tecnologia; 13 consideram aplicá-la; 68 não usam; e três proíbem. A tecnologia de reconhecimento facial, usada pelo Facebook para facilitar a identificação e marcação de fotos em seus mais de 2 bilhões de usuários, também foi incorporada pelas gigantes Apple, Google, Amazon e Microsoft. O mercado, estimado em U$3,2 bilhões em 2019, deve alcançar U$7 bilhões em 2024, segundo análise da empresa de pesquisa indiana MarketsandMarkets. “A tecnologia do reconhecimento facial deve ser utilizada de modo indiscriminado? Como fica o nosso direito à privacidade? Até que ponto é desejável estar sendo monitorado em todos os lugares? Isso representa segurança ou insegurança? Hoje já sentimos as consequências da venda de nossos dados pessoais a empresas e governos, por exemplo. Que uso é feito dessas informações?” Essas são reflexões propostas pela professora Marinês sobre a utilização de uma ferramenta que redimensiona os limites entre público e privado.

Dupla face da tecnologia A história da humanidade está vinculada diretamente à tecnologia. Por meio dela, a sobrevivência e a evolução da espécie no planeta foram possíveis. “Através de criações de artefatos, fomos capazes de controlar a natureza e vencer os limites de nosso corpo. Podemos habitar praticamente todos os ambientes, produzindo alimento, abrigo, segurança e conforto”, explica. Tempo e espaço têm novas configurações em um mundo interligado. Barreiras geográficas e culturais foram rompidas por fios invisíveis. Paradoxalmente, esses mesmos fios criaram uma “espécie de casulo, no qual nos abrigamos e nos sentimos protegidos dos problemas, conflitos e frustrações que os encontros reais acabam por produzir”, contrapõe a filósofa.

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“Por um lado, facilidades e benefícios estão diretamente relacionados à tecnologia, que encurta distâncias via meios de transporte e comunicação e prolonga a nossa vida, por meio de medicamentos, intervenções cirúrgicas, imunizantes, produção e processamento de alimentos e tratamento de água, por exemplo. Na outra ponta, as mesmas tecnologias causam problemas, como exposição precoce às telas, isolamento e sedentarismo de crianças e adolescentes; exclusão digital de pessoas menos favorecidas; além de possibilidades para extermínio em massa, por meio de armas químicas, nucleares ou de engenharias sociais, como as utilizadas pelo nazismo”, completa.

máquinas usassem linguagem, formassem conceitos e abstrações e resolvessem problemas tipicamente humanos e fossem capazes de melhorar a si próprias. “De lá para cá, muitos avanços foram feitos nesse sentido e hoje a inteligência artificial se tornou parte de nossas vidas. Artefatos como Aléxia, casas e carros inteligentes e supercomputadores capazes não só de pensar e resolver certos problemas mais rapidamente que nós, mas, sobretudo, de aprender de modo exponencial as sutilezas de nossa linguagem e comportamento”, explica Marinês. Mas, voltando ao exemplo da decisão do carro, o que estaria em jogo seriam competências éticas e morais, não apenas a competência da máquina. “A aprendizagem moral depende do desenvolvimento de empatia, de consciência das consequências dos atos e da absorção e elaboração de códigos e costumes desenvolvidos culturalmente. Nesse sentido, é possível que uma máquina aja eticamente diante de conflitos complexos que nos são impostos a todo o momento? Uma vez que as máquinas inteligentes aprendem com os humanos, é possível evitar que absorvam também nossos costumes e comportamentos nocivos, decorrentes de nossos preconceitos e discriminações?”, encerra a filósofa.

Versão simplista de inteligência Agora, imagine um carro autônomo nas ruas, programado por mentes humanas, limitadas por ignorâncias e preconceitos. Esse veículo terá que tomar decisões difíceis em algum momento, sobre quem atropelar, por exemplo. O que pode acontecer? Nesse ponto, estamos diante da inteligência artificial, expressão usada pela primeira vez em 1955, em um estudo da Faculdade Dartmouth (EUA). Os pesquisadores queriam fazer com que

Riscos da inteligência artificial No MIT, pesquisadores identificaram que algoritmos para identificar o gênero com base no rosto classificaram mulheres de pele escura como homens em quase 35% das vezes. Para os homens com pele clara, a taxa de erro era menor que 1%. http://proceedings.mlr.press/v81/buolamwini18a.html

A ONG norte-americana American Civil Liberties Union revelou que o programa de reconhecimento facial da Amazon erroneamente identificou 28 membros do Congresso dos EUA como criminosos cadastrados em uma base de fotos pública. Quase 40% dos resultados errados envolveram pessoas negras — algo desproporcional, já que somente 20% dos congressistas são negros. https://www.aclu.org/blog/privacy-technology/surveillance -technologies/amazons-face-recognition-falsely-matched-28

Fonte: Revista Galileu

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RESÍDUOS DE

FRUTAS... TÁ NA MODA

Mercado mostra demanda crescente por produtos mais sustentáveis; resíduos em matérias-primas ecológicas encontram refúgio na indústria da moda

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Flávia Dias

No mundo da moda, grandes marcas de roupas e acessórios vêm investindo, cada vez mais, em novos tecidos e couros veganos, produzidos com resíduos de frutas e, assim, assumem-se como responsáveis socioambientais. Muitas empresas encontraram uma solução para os tecidos sintéticos nos subprodutos da indústria alimentícia. Essa iniciativa se torna interessante já que cerca de 45% das frutas e verduras, segundo a Organização para Alimentação e Agricultura (FAO), nem sempre são colhidas ou são descartadas devido à sua aparência. Além disso, pode-se considerar o descarte de resíduos de frutas que é feito pela indústria de sucos. Empresas usam resíduos de frutas como matéria-prima e criam materiais adequados para moda, calçados e acessórios. A empresa de mulheres “Orange Fiber”, por exemplo, torna-se destaque, por alavancar as questões socioambientais, transformando cascas de laranja em tecido. Resumidamente, a partir da tecnologia que extrai celulose das sobras das laranjas que são espremidas, a celulose é transformada em um tecido parecido com seda. A “Orange Fiber” transforma subprodutos de sucos cítricos em tecidos sustentáveis, reduzindo o desperdício e a poluição. A empresa italiana “Frumat”, por sua vez, transforma resíduos da indústria de maçãs em materiais usados em moda, calçados e acessórios. Outra empresa italiana, a “Vegea”, combinou moda e vinho e criou um couro de uva, derivado da indústria vinícola italiana. O biomaterial é obtido pelo processamento do bagaço de uva composto pelas peles, sementes e caules, que são descartados ou queimados durante a produção do vinho. Segundo o professor de moda do campus Divinópolis Rodrigo Bessa, a consciência voltada para sustentabilidade em relação ao consumo é trabalhada há anos em alguns países da Europa, principalmente na educação básica, e isso faz com que uma parcela da juventude tenha um novo comportamento de consumo. “Existe uma parcela dos jovens europeus que estão comprando cada vez menos produtos de moda ou fazem escolhas em querer consumir produtos em lojas que trabalham uma moda com viés sustentável ou, até mesmo, preferem comprar roupas em brechós. Com isso, o mercado começa a ver essas mudanças significativas, uma vez que o consumidor final começa a exigir práticas com viés sustentável no processo criativo, produtivo e na comercialização de produtos”, explica. O CEFET-MG também está preocupado com as questões ambientais na moda. Na matriz curricular do curso de Design de Moda, ofertado no campus Divinópolis, a disciplina “Projeto de Design Sustentável”

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permite que os estudantes tenham a oportunidade de criar produtos de moda com viés sustentável. O curso visa formar designers capazes de propor novas soluções, considerando aspectos estéticos, ergonômicos, funcionais, tecnológicos, produtivos e sustentáveis. Dessa forma, propicia uma visão ampla sobre os processos criativos e produtivos, estimulando a atitude empreendedora com viés sustentável nos projetos executados em sala de aula. O professor aponta a importância da reutilização dos produtos de vestuário que, segundo ele, está relacionada com o contexto global, uma vez que os reaproveitamentos de roupas que seriam descartadas no lixo, possibilitaria a produção de menos resíduos têxteis. “Diante disso, a reflexão é fazer com que os alunos tenham consciência de que é possível criar a partir da reciclagem de produtos de moda como uma forma de estratégia sustentável, pois é uma das práticas para evitar que no futuro aconteça o esgotamento de recursos naturais. Para isso, os estudantes podem, por exemplo, transformar uma camisa social em um vestido, ou costurar inúmeras gravatas formando assim uma saia, ou até mesmo, criar novas peças com a técnica conhecida como patchwork (trabalhos com retalhos de tecidos)”, destaca Rodrigo. “E é essa consciência que precisa ser trabalhada cada vez mais nas escolas e universidades brasileiras: uma educação/formação com um olhar para a sustentabilidade.” De acordo com o professor, o Brasil caminha devagar em relação à criação de moda com viés sustentável. “Gosto muito de usar a palavra ‘viés’ quando o assunto é sustentabilidade, uma vez que é difícil no mercado de moda afirmar que um produto é 100% sustentável, pois não temos conhecimento do histórico dos processos das matérias-primas que são utilizadas na produção. Diante disso, acredito que algumas marcas de moda no Brasil estão desenvolvendo produtos com um viés sustentável, no sentido de um ‘olhar’ para a sustentabilidade. Porém, infelizmente, isso ainda não é uma consciência da maioria das fábricas de roupas no território nacional. E é essa consciência que precisa ser trabalhada cada vez mais nas escolas e universidades brasileiras: uma educação/formação com um olhar para a sustentabilidade”, destaca Bessa. E você, já pensou ou teve alguma iniciativa que tornou as suas roupas sustentáveis? Vale a pena a reflexão.

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SOCIEDADE

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CONECTADOS Uso das redes sociais aumentou durante a pandemia – mas qual impacto isso traz?

Diogo Tognolo

Isabela Ribeiro, estudante do curso técnico em Trânsito, usa, frequentemente, as mídias sociais para conversar com seus amigos e familiares e ter acesso a conteúdos diversos, como arte, música, memes e notícias. Luana Santos, aluna de Química Tecnológica, afirma que seu uso de mídias sociais aumentou durante o período de pandemia da covid-19. “Foi como consegui me distrair e foi a melhor maneira do tempo passar mais rápido”, afirma. Ela conta que sempre gostou de ler e escutar música, mas, nos primeiros meses de isolamento social, sentia-se entediada rapidamente se não estivesse nas redes sociais. As duas não estão sozinhas. Uma pesquisa das empresas WeAreSocial e Hootsuite mostra que cerca de 70% da população brasileira estava presente nas redes sociais em janeiro de 2021. 96,3% da população têm acesso a celulares. Em média, os brasileiros passam 3h42 minutos por dia nas redes sociais.

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Todo esse consumo é saudável? Ele pode nos impactar? Segundo Bráulio Chaves, professor do Departamento de Ciências Sociais e Filosofia do CEFET-MG, a relação da juventude com as redes sociais digitais é um traço sociológico importante do contexto atual. Ele vê um aumento no uso com a pandemia, mas destaca um processo de “plataformização” da sociedade, que é anterior à questão sanitária. “Tais situações acabam sendo mais visíveis com a juventude que, inegavelmente, estabeleceu nas duas últimas gerações maior aproximação com tais transformações”, explica. “Assim, com a massificação das redes sociais digitais, aparecem os problemas correlacionados a elas, como, por exemplo, uso excessivo, disseminação de comportamentos antidemocráticos, acirramento de situações de angústia e quadros de sofrimento mental”. Bráulio vê esses problemas relacionados à massificação das redes sociais, mas afirma que seus impactos devem ser pensados de forma mais

graduada: “não cair numa tecnofobia e, muito menos, numa tecnolatria”. Para o professor, há fenômenos sociais interessantes em curso nas redes sociais, como a compreensão de que elas podem ser, por um lado, espaços de construção de laços políticos e terrenos férteis para diálogo e críticas fundamentadas. Por outro, podem simplificar processos que são complexos. Tomando a política como exemplo, o docente do CEFET-MG fala sobre o impacto da “compreensão das redes como o espaço – único e exclusivo – da política, ou do que se imagina no senso comum que ela seria, como se uma postagem no Twitter ou vídeo no TikTok dessem conta da complexidade dos processos políticos”. Tal compreensão pode empobrecer o debate e criar um ambiente de “um ‘vale-tudo’ de ideias, negando pressupostos sociais de convivência básicos, sendo canais de difusão de visões conservadoras e reacionárias, inclusive um polo importante de negacionismo”. Bráulio cita ainda o papel que

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as redes sociais têm na busca de certos padrões, ao tomarmos por referência uma vida que só existe, por exemplo, no Instagram. “Tal situação também está relacionada com certos padrões estéticos, formas de sucesso, em que a busca da felicidade está esvaziada ao ser balizada por esses referenciais externos”, afirma. “Sem dúvida, isso é um motivador importante também de quadros de ansiedade e inconformismos, porque essas identificações funcionam também como uma negação de si”. Luana concorda com o professor ao analisar o seu próprio uso da tecnologia. “Vejo que me comparo mais com os outros e, assim, me cobro mais, o que na maioria das vezes é ruim, porque o que é postado é uma pequena porcentagem do dia a dia de tal pessoa e todos possuem uma rotina e realidade diferentes”, conta. “Também sinto que fico mais irritada quando vejo as pessoas repercutindo e exaltando pessoas e falas mentirosas”. Para Isabela, o momento tem sido de perceber que os espaços digitais


não são espaços democráticos de fato. “Posso expressar a minha opinião, mas o algoritmo que vai escolher a quem ela vai chegar e qual proporção irá tomar. Além disso, essa questão do algoritmo me incomoda pela busca incessante em me manter conectada e isso muitas vezes é fruto, assim penso, de uma invasão de privacidade”. O uso, no entanto, não causa só problemas, mas traz também o pertencimento e o contato – tão prejudicados durante a pandemia da covid-19. As redes sociais, afinal, são, como afirma Luana, “um espaço gigantesco comprimido em uma tela de celular”. “Digo que conheci Belo Horizonte muito mais pelo celular durante a pandemia do que antes. Pude conhecer a cena artística da cidade, os passeios culturais, tudo isso pelas mídias sociais”, detalha a estudante. “Também pude fazer novas amizades com pessoas do CEFET que antes eu nunca tinha conhecido. Então, acho essa aproximação muito interessante”. Isabela

também conseguiu manter maior contato com pessoas que não estão presentes no seu cotidiano. “Além disso, vejo que também leio mais notícias, pois elas aparecem na minha timeline (quando sigo as mídias de veículos jornalísticos) e sinto que se tivesse que ver televisão para isso, eu estaria desinformada”, conta a aluna de Trânsito. No fim, afirma Bráulio, as redes sociais devem ser encaradas como parte da nossa sociedade, mas não de maneira determinante na influência ou formação de comportamentos. “Elas não criam, por si só, comportamentos, visões de mundo meritocráticas, padrões de beleza, mas são a resposta a um modelo de organização social em que esses pilares são fundamentais”, afirma o professor. O que é possível fazer é tentar lidar de maneira mais saudável com as redes. Isabela conta que faz constantes tentativas – nem sempre bem-sucedidas – de se desconectar: “Já desinstalei as redes sociais no final de

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semana para poder ter um tempo de descanso real, também já tentei desinstalar durante a semana para não ter distrações, principalmente nos períodos que preciso fazer exercícios da escola”. Luana coloca horários para mexer nas redes e diminuir seu tempo on-line: “Além disso, quando vejo que estou incomodada com algo, levo para a terapia – faço uma vez por semana –, o que tem me ajudado bastante desde que comecei”. Para Bráulio, o caminho é entender o que há para além das redes e os papéis que elas podem, ou não, desempenhar de forma satisfatória. “É preciso não emular nesses espaços digitais certas relações sociais que apenas acontecem na sua amplitude nas redes sociais ‘presenciais’, na materialidade da vida”, afirma. “De outra parte, buscando fazer delas espaços de diálogo, da boa argumentação, do entretenimento saudável e que não utiliza de pretextos para a disseminação do ódio”.


CIÊNCIA E COMUNIDADE

“SE ESSA RUA FOSSE

MINHA” Pesquisador do CEFET-MG Daniel Brianezi explica como as florestas urbanas geram benefícios que contribuem para o bem-estar social e qualidade ambiental das cidades

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Flávia Dias

Você já pensou nos benefícios ambientais e sociais gerados pelas árvores que estão na sua rua, na sua cidade? São muitos, garante o engenheiro florestal e professor do CEFET-MG Daniel Brianezi. Além de deixarem o ambiente mais bonito, elas “melhoram a drenagem pluvial, colaborando com a infiltração das águas da chuva e amenizando o risco de inundação. Além da melhoria do microclima, as árvores podem colaborar com a retenção de poluentes pelas superfícies das plantas e absorção de gases, como o dióxido de carbono. A partir da fotossíntese, as plantas removem o dióxido de carbono, convertendo-o em carbono armazenado nos componentes arbóreos acima e abaixo do solo”. O pesquisador destaca que as árvores urbanas são “indivíduos arbóreos presentes nas cidades que desempenham diversas funções ecossistêmicas, como fixação de dióxido de carbono atmosférico, melhoria do microclima, ciclagem de água, entre outros”. Outro conceito importante nesse sentido é o de floresta urbana, “que é a vegetação, predominantemente arbórea, integrante do espaço urbano como, por exemplo, a vegetação presente em praças, parques e vias urbanas. O Parque Municipal das Mangabeiras, em Belo Horizonte, e o Parque Nacional da Tijuca, no Rio de Janeiro, são exemplos de florestas urbanas”, complementa. Um super ar-condicionado De acordo com o Departamento de Agricultura dos EUA, uma árvore pode refrescar tal qual um ar-condicionado para dez quartos que funcione 24 horas por dia. Esse efeito se deve, segundo o professor, à estrutura das árvores, em especial às folhas. “As copas das árvores colaboram para a interceptação da radiação solar, ou seja, absorvem mais radiação e refletem menor quantidade de radiação solar incidente, colaborando para a maior umidade do ar e do solo no local”, explica. “A radiação solar interceptada pela planta é dependente da posição solar e de elementos vegetais, como a área foliar, ângulo e disposição das folhas e propriedades óticas da vegetação. Há influência também da evapotranspiração, processo de transferência de vapor d’água para atmosfera essencial para o ciclo da água (formado pela evaporação da água pelo solo e pela transpiração das plantas)”, completa Daniel. Os benefícios vão muito além da beleza cênica e paisagística, elas contribuem para o ciclo hidrológico, proteção do solo e dos recursos hídricos e servem de barreira para ventos. Destacam-se ainda a provisão de alimentos, fluxo gênico e servir de abrigo para a fauna. Estudos apontam que as áreas verdes geram benefícios sociais ao proporcionar ganhos na saúde física e mental das pessoas, reduzindo, por exemplo, o estresse. “Não é à toa que as pessoas buscam esses espaços para lazer, caminhadas e corridas, por exemplo”, reflete Daniel. Segundo o professor, para que os benefícios sejam potencializados é importante que as áreas verdes urbanas sejam bem planejadas e manejadas, e não apenas inseridas como adorno ou, por vezes, consideradas um óbice nos centros urbanos. A avaliação fitossanitária, por exemplo, é fundamental para evitar problemas como mortalidade e quedas de árvores. Diante de um cenário alarmante sobre as mudanças do clima, faz-se necessária a adoção de estratégias de mitigação e adaptação climática nas cidades. “Quanto maior a riqueza e diversidade das espécies arbóreas e melhor a qualidade do sítio maiores são os benefícios gerados. Esses benefícios tornam-se especialmente relevantes considerando que 56% da população mundial e 85% dos brasileiros residem nas cidades”, afirma Daniel.

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SOCIEDADE DIGITAL

QUANTAS REVOLUÇÕES SÃO NECESSÁRIAS PARA PROMOVER A INCLUSÃO NA

EDUCAÇÃO? Como a 4ª Revolução Industrial impacta nas práticas educativas e nos processos de inclusão dentro e fora de sala de aula

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Nívia Rodrigues

planejar melhor nesse cenário extremamente dinâmico e incerto”, avalia Vandeir.

Quatro revoluções industriais promoveram grandes mudanças no mundo. Revoluções que alteraram modos de vida e de interação humana, entre eles, as formas de aprender e ensinar, as relações de trabalho e as maneiras da sociedade se organizar. Desde 2010, estamos na chamada 4ª Revolução Industrial, sentindo e vivendo as transformações bem de perto. E como fica a educação nesse novo cenário?

Exclusão

Na 1ª Revolução, as modificações eram pequenas e lentas, já na 4ª Revolução, as alterações são intensas, amplas, se espalham “na velocidade da luz” e envolvem inteligência artificial, robótica, internet das coisas, metodologias de tratamento de dados, disseminação da informação e nanotecnologia. As tecnologias mudam o mundo como conhecemos e representam uma nova “era” justamente pela velocidade, pelo alcance e pelo impacto. A indústria sofre alterações e a educação também. O professor do Departamento de Geociências (campus Nova Suíça) e do Mestrado em Educação Profissional e Tecnológica do CEFET-MG, Vandeir Robson Matias, conta que a educação é pressionada a responder com a (re)elaboração de currículos, o uso de tecnologias em sala, o desenvolvimento de projetos científicos e, ao mesmo tempo, com a formação de profissionais que atendam às demandas do mercado de trabalho, que é atingido diretamente pelas revoluções. Segundo o relatório “O futuro do trabalho”, do Fórum Econômico Mundial, em 2018, o trabalho era realizado 71% por humanos e 29% por máquinas. A previsão é que em 2025, a relação passe a ser de 48% desenvolvido por humanos e 52% por máquinas. Além da formação de mão de obra, a educação se coloca como essencial no debate sobre essas relações. “A educação deve ter o papel de produzir uma reflexão crítica, porque todo esse cenário é um phármakon, palavra do grego arcaico que significa remédio e veneno. Portanto, temos que observar a dosagem para não sermos intoxicados. A sociedade só vai conseguir ter esse pensamento crítico se a educação criar condições para isso. É a partir da crítica que os indivíduos poderão se

As “divisões” entre as revoluções industriais não representam rupturas e nem acontecem de forma homogênea em todo o mundo, nem dentro de um mesmo país, estado ou cidade. As transições de fases na economia, na educação e nos processos de industrialização e de pesquisa científica seguem o modelo globalizado, em que alguns países controlam e outros permanecem na periferia dos processos, como é o caso do Brasil. A tônica dos incluídos e dos excluídos continua e de forma ainda mais visível. Segundo Vandeir, a formação profissional no País ainda é aquém nesse cenário, o que não quer dizer que não haja esforços sendo feitos para reduzir essas desigualdades. “Existem investimentos em tecnologia da informação, assim como em ciências dos dados. Uma área que cresce muito nesse cenário é a de cidades inteligentes, e já temos cursos de formação para esses profissionais”. Algumas iniciativas são desenvolvidas no próprio CEFET-MG, como os cursos de pós-graduação latu sensu em Internet das Coisas, em Engenharia de Processos Industriais Automatizados, em Sistemas Eletrônicos e Automação Industrial, e nas várias ações desenvolvidas no ensino verticalizado, do nível médio técnico ao doutorado. Mas, em escala global, a escassa formação de mão de obra qualificada e o pouco acesso às tecnologias de ponta continuam promovendo a exclusão. O professor explica que a revolução cria a sensação de homogeneização e igualdade de acesso, mas, na realidade, as desigualdades são ampliadas, uma vez que o mercado imputou à mão de obra a necessidade da ampliação do conhecimento, mesmo não garantindo a absorção ou o aperfeiçoamento. “Temos uma pressão sobre o estudante, para que ele se adapte à lógica de mercado, imprimindo as concepções de empreendedorismo e competição que não garantem inserção e qualidade de vida. As condições não são as mesmas para todos. Todo mundo sai perdendo, mas quem perde mais são os estudantes mais vulneráveis”, lamenta.

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Revoluções industriais:

1760

Marco: invenção da máquina a vapor O que trouxe: mecanização dos processos manuais; maior número de fábricas, profissões e, consequentemente, produtos; crescimento das cidades, da mecanização no campo e das estruturas ferroviárias. Malefícios: a necessidade de matérias-primas agrícolas e minerais ampliou a exploração de muitos povos, inclusive no continente africano.

1850 Marco: utilização da energia elétrica O que trouxe: manufatura em massa com produção e aprimoramento de equipamentos de informática; mercado sedento por consumo. Malefícios: desvalorização do que não é moderno, como, por exemplo, o trabalho feito pelos povos indígenas; aumento das migrações, devido aos avanços tecnológicos.

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1950

Marco: Era da Informação, da computação e da automação O que trouxe: avanços das tecnologias de informação, das telecomunicações e da eletrônica unidos ao campo científico; globalização das economias; incentivo ao consumo por meio do marketing. Malefícios: desvalorização e exploração da mão de obra e superexploração dos recursos naturais.

2010 Marco: interconexão de todas as etapas da produção O que trouxe: “fábricas inteligentes”, com automatização total, por meio de sistemas ciberfísicos, graças à internet das coisas e à computação na nuvem. Malefícios: redução dos postos de trabalho, exclusão digital. Fontes: UOL Educação e BBC

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EFICIENTES! Estudantes do CEFET-MG constroem veículos mais eficientes, em cenário de problemas ambientais e alta nos preços

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Diogo Tognolo

Em outubro de 2021, a gasolina chegou a ser encontrada a R$ 7 em postos pelo Brasil. Os combustíveis fósseis, além de estarem sofrendo diversos aumentos em seu preço e pesando no bolso dos motoristas, contribuem de forma determinante para o aquecimento global e são recursos finitos: um estudo da empresa petrolífera British Petroleum prevê que as atuais reservas podem acabar em 2067. Mesmo veículos elétricos – que são tidos como mais eficientes e menos poluidores – trazem impactos ambientais na fabricação e descarte de suas baterias, e a energia elétrica usada na sua recarga pode vir de fontes poluentes. Com todos esses problemas no horizonte, e o uso intenso de veículos particulares, como podemos pensar em melhorar a eficiência dos nossos carros?

Esta é uma das questões que move estudantes da Ecofet, equipe membro do Núcleo de Engenharia Aplicada a Competições, com sede no campus Nova Gameleira do CEFET-MG. A equipe é composta por estudantes de diversas áreas e constrói protótipos automotivos, com o objetivo de participar de uma competição de eficiência energética.

Bernardo Lima, estudante de Engenharia Elétrica e capitão da equipe, explica a importância de que projetos como a Ecofet se dediquem a pensar na forma como os carros são construídos. “A cada dia, torna-se mais importante o consumo eficiente de recursos. Essa mentalidade também deve ser expandida para a energia, especialmente no contexto atual de crise hídrica,

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que afeta diretamente a geração de energia elétrica no Brasil, que passa a depender de usinas termelétricas, alimentadas com a queima de combustíveis fósseis”, afirma. Para Bernardo, uma forma de evitar os problemas que têm acontecido é tornar o gasto energético de veículos mais eficiente e limpo. “Isso só é possível, atualmente, através da utilização de biocombustíveis, como o etanol, ou com veículos elétricos que possuem altíssima eficiência”, explica. “Assim, trazer esse conhecimento para estudantes de engenharia que futuramente estarão no mercado de trabalho é extremamente importante”. A Ecofet conta com dois protótipos, um elétrico, movido por um motor do tipo BLDC, e outro movido por um motor à combustão de etanol.


O carro à etanol, já comum nas ruas brasileiras, usa um combustível obtido, principalmente, a partir da fermentação da cana-de-açúcar, que diminui a emissão de monóxido de carbono e é fabricado a partir de fontes renováveis. Já o motor do tipo BLDC usa ímãs que convertem a energia elétrica em energia mecânica. O trabalho dos estudantes é justamente fazer com que esses motores consigam ser mais eficazes. “Os carros construídos pelo Ecofet buscam atingir o menor consumo energético possível, seja em veículos propulsionados por motores de combustão interna movidos a etanol ou motores elétricos”, conta o estudante. Em ambos os veículos, os estudantes trabalham com o conceito de “downsizing”, buscando reduzir o tamanho

dos motores utilizados. “Isso traz alguns problemas inerentes, como a baixa potência de tais propulsores. Consequentemente, trabalhamos muito na parte de controle dos motores, para conseguir extrair o máximo de eficiência de cada projeto”, conta Bernardo. “Outro ponto de suma importância é a redução do peso dos veículos, por isso trabalhamos apenas com materiais de ponta, construindo o chassi em alumínio e a carenagem em fibra de carbono”. Anualmente, os estudantes da Ecofet participam da competição global Shell Eco-Marathon. Desde sua fundação, em 2007, a equipe participou de mais de dez competições e esteve no pódio diversas vezes. Além da constante melhora nos protótipos já

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construídos, os alunos do CEFET-MG também olham para outras formas de pensar a mobilidade nas cidades. “Já iniciamos o projeto de um veículo elétrico de conceito urbano, que em um futuro próximo substituirá o atual protótipo elétrico”, afirma o capitão da equipe. Segundo dados do Ministério da Infraestrutura, o Brasil contava, em dezembro de 2020, com mais de 58 milhões de automóveis. É esse enorme mercado que os estudantes da Ecofet buscam revolucionar. “A equipe também ajuda a preparar futuros engenheiros para levar ao mercado de trabalho um pensamento mais eficiente, capaz de otimizar ainda mais os projetos, visando tanto os materiais empregados, quanto os processos que serão executados”, projeta Bernardo.


CIÊNCIA E COMUNIDADE

SEGURANÇA ALIMENTAR

“SOCOOORRO”

Quase 35% dos polinizadores, especialmente abelhas e borboletas, enfrentam risco de extinção, segundo a ONU

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Flávia Dias Donas de um papel fundamental na saúde dos ecossistemas, as abelhas correm o risco de extinção e pedem socorro. O sumiço dessas pequenas criaturas se deve ao uso exagerado de agrotóxicos, além do desmatamento e das mudanças climáticas. Como consequência, a segurança alimentar do globo corre perigo. Nos últimos anos, os apicultores vêm relatando o desaparecimento de abelhas ou morte de colônias inteiras em diversas regiões do planeta. No Brasil, segundo a professora do campus Araxá do CEFET-MG Milene Bianchi, esse fenômeno foi observado com mais frequência na Região Sul e passou a ser foco de vários estudos científicos. Para a pesquisadora, “o mais provável é que os eventos relatados tenham sido causados por vários fatores de forma conjunta, como a aplicação de inseticidas em culturas visitadas pelas abelhas (como os neonicotinoides), o manejo inadequado das colônias e a presença de pragas e agentes patogênicos”. As principais causas do desaparecimento das abelhas, de acordo com a pesquisadora, são alterações no uso da terra (desmatamento, perda e fragmentação de hábitat); uso indiscriminado de agrotóxicos de alta toxicidade; doenças e pragas nas colônias; poluição atmosférica; invasão de espécies vegetais exóticas; safras geneticamente modificadas; e mudanças climáticas.

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Mas existem soluções para o problema. As ameaças aos polinizadores podem ser mitigadas com a implementação de práticas que protejam a biodiversidade, principalmente por meio da conservação de áreas naturais e da implementação da agricultura sustentável. “Diversas iniciativas podem ser adotadas de forma simultânea, tais como: a recuperação de áreas degradadas para o restabelecimento dos habitats das abelhas; a conservação de áreas silvestres em Área de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal próximas às áreas de cultivos; a criação de corredores ecológicos interligando fragmentos florestais; o plantio de espécies que são utilizadas pelas abelhas para alimentação ou nidificação; o uso de práticas agroecológicas na produção dos alimentos; a adoção do manejo integrado de pragas; o controle e redução do uso de inseticidas; o acompanhamento a longo prazo dos efeitos cumulativos das doses subletais dos inseticidas; o monitoramento do deslocamento de colônias; o controle de pragas e doenças em colônias de abelhas sociais; e o acompanhamento dos efeitos das mudanças climáticas sobre a distribuição das espécies vegetais”, afirma Milene. As abelhas têm um papel fundamental na produção agrícola e segurança alimentar global. “Cerca de 75% da alimentação humana depende direta ou indiretamente de plantas polinizadas ou beneficiadas pela polinização animal. No Brasil, calcula-se que a polinização relacionada à

produção agrícola tem um valor de US$ 12 bilhões ao ano. Alguns cultivos são altamente dependentes da polinização e, por isso, necessitam de animais polinizadores nativos para que ocorra a formação dos frutos. A polinização garante a produção de maior número de frutos, frutos com mais sementes, melhor formato, maior valor nutritivo, melhor sabor e durabilidade”, explica a professora. Segundo o “Relatório Temático sobre Polinização, Polinizadores e Produção de Alimentos no Brasil” publicado em 2019 pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES) e a Rede Brasileira de Interações Planta-Polinizador (REBIPP), as abelhas formam o maior grupo de polinizadores e contemplam cerca de 48% do total de espécies identificadas como visitantes florais de cultivos vinculados à produção de alimento no Brasil, sendo reconhecidas como polinizadores exclusivos de 74 cultivos.

Ciência e insetos Pesquisadores do CEFET-MG estão atuando para conter essa extinção, como é o caso do trabalho “Polinização: o conhecimento como estratégia para a conservação”, que desempenhou seu papel na divulgação sobre a importância dos insetos para todos os participantes dos eventos, ao abordar o papel das abelhas como polinizadoras, o declínio da comunidade de abelhas e a conservação dos ecossistemas. O trabalho foi vencedor da 29ª Mostra Específica de

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Trabalhos e Aplicações (META) em Araxá e, como resultado, foi convidado a participar da 19ª Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (FEBRACE) em 2021. Desde 2019, com alunos do curso de Eletrônica, a professora Milene começou a desenvolver um projeto de divulgação científica sobre os insetos, tendo como público-alvo alunos e comunidade externa ao CEFET-MG. “Como poderíamos mudar o sentimento de medo e asco que muitas pessoas têm da classe insecta?”. Essa questão norteou o trabalho dos pesquisadores. Trabalharam por meses na montagem e criação de duas coleções, de plantas e de insetos que seriam expostas para a comunidade. Durante a intervenção, algumas curiosidades sobre a história natural das espécies foram contadas e debates realizados sobre quais mudanças o homem tem causado ao meio ambiente e como isso interfere nas relações ecológicas, cadeias alimentares e ciclagem de nutrientes. “Um ponto-chave naquele momento era a divulgação da importância das abelhas para os sistemas agrícolas e silvestres, pois os casos de declínio populacional e morte de colônias inteiras de abelhas preocupavam a comunidade científica, os apicultores e os produtores agrícolas. Os agentes polinizadores prestam serviços ecossistêmicos essenciais, pois a maioria das espécies de plantas não se reproduziria sexualmente e formaria os frutos utilizados pelo homem”, explica Milene.


O grupo vai retomar as atividades de extensão realizadas no âmbito do Projeto Educação Ambiental Integrada ao Espaço “Horta e Viveiro”, que possui como um dos principais objetivos estimular os alunos na produção e consumo de alimentos orgânicos. O manejo das hortaliças sem uso de agrotóxicos é um fator decisivo para a conservação das abelhas, grupo que não é alvo dessas substâncias, mas que indiretamente são as maiores vítimas da aplicação indiscriminada em culturas agrícolas. “Atuando em diferentes esferas, buscamos ampliar a divulgação científica sobre a importância dos insetos e, em especial, das abelhas, promovendo pesquisas, oficinas, cursos e intervenções na escola. As ameaças aos serviços ecossistêmicos prestados pela natureza ao homem, a conservação de áreas silvestres e as mudanças climáticas devem ser temas norteadores de amplo debate em diferentes esferas da sociedade”, conclui.

Dia Mundial das Abelhas As abelhas desempenham um papel tão importante para o planeta que a Organização das Nações Unidas (ONU) criou, em 2017, um dia mundial só para elas: 20 de maio. Datas como esta ajudam a sensibilizar sobre o significado das abelhas para a humanidade e as pessoas a tomarem medidas para sua preservação.

O que é polinização? A polinização é a transferência do grão de pólen de uma flor para o estigma de uma outra flor da mesma espécie. A polinização é um serviço ecossistêmico fornecido pela natureza ao homem, ou seja, um benefício direto ou indireto na produção de bens e serviços. Devido à atuação dos polinizadores, o homem pode desfrutar de alimentos, fibras, madeira, medicamentos e biocombustíveis. A conservação dos polinizadores é responsável pela manutenção da biodiversidade e segurança alimentar, por isso está relacionada aos objetivos e metas da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Entre os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), podemos reconhecer a influência dos polinizadores em diversos deles, principalmente nas metas estabelecidas por dois deles: ODS 2 – Fome Zero: Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável. ODS 15 – Vida Terrestre: Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade.

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MOVIMENTO QUE TRANSFORMA

CEFET-MG conta com quatro laboratórios makers, que promovem criatividade, experimentação e proatividade

Nívia Rodrigues “Learning by doing”: em bom português, “aprenda fazendo” ou, em bom “mineirês”, “põe a mão na massa, sô!”. O lema maker resume o movimento que hoje é uma realidade em todo mundo. Novas maneiras de produção, de relações de trabalho e de acesso a tecnologias contribuem para o fortalecimento dessa cultura, que ganha nova estrutura no CEFET-MG com a criação da Oficina de Ideias. O movimento maker é baseado em pilares como criatividade, colaboração, experimentação, proatividade e sustentabilidade. De acordo com o portal Inovação, do Sebrae Minas, a ideia é que qualquer pessoa possa criar, com ferramentas acessíveis e processos específicos sem, necessariamente, possuir uma formação acadêmica ou técnica. O maker é o protagonista do processo ao construir algo baseado em seu conhecimento. “Os laboratórios maker te dão a oportunidade de não precisar do sistema produtivo. O que antes era domínio das indústrias de grande porte, hoje é um desk, ou seja, está na sua mesa, como os computadores desktops e as impressoras 3D”, acrescenta a coordenadora da Oficina de Ideias

do CEFET-MG, professora Cláudia França (Coordenação de Artes - BH). A professora explica que a cultura maker preza pelo compartilhamento. “Tudo é horizontal. Nos laboratórios, ao lado da pessoa que é autodidata, está trabalhando um engenheiro pós-graduado. Não há hierarquia”. São várias as influências históricas e culturais do movimento maker, como, por exemplo, a necessidade de recuperação de equipamentos no pós-guerra, a superação de crises econômicas que favoreceram o “faça você mesmo” e a criação de um contraponto à superprodução industrial e à cultura do desperdício. O grande marco maker foi o lançamento, em 2005, da revista estadunidense Make Magazine, que difundiu o movimento. A Make Community, comunidade criada pela revista, mapeou cerca de 900 espaços maker em todo o mundo antes da pandemia. O número de makers ou “fazedores” também não para de crescer, e o CEFET-MG passa a integrar mais fortemente esse universo. As ações makers passam a ser institucionalizadas por meio da Oficina de Ideias, que é responsável pela coordenação de atividades de

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aprendizagem colaborativa, apoiando a inovação e o empreendedorismo da comunidade interna e externa da Instituição. A Oficina é composta por 11 espaços: coworking (espaço colaborativo de trabalho), DIY – Do it Yourself (faça você mesmo) e o CEFET-Maker. Todos estão ligados à Coordenação de Inovação e Empreendedorismo (CIE) da Diretoria de Extensão e Desenvolvimento Comunitário (DEDC) do CEFET-MG. São três laboratórios maker instalados nos campi Belo Horizonte, Divinópolis e Varginha, financiados graças a aprovação em chamada pública realizada pela Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec), do Ministério da Educação, e um laboratório maker em Leopoldina, financiado com recursos próprios da Instituição.

A primeira fase da instalação dos laboratórios, já concluída, previa a aquisição de equipamentos, a seleção e capacitação de estudantes voluntários e de estagiários e a construção das políticas de uso dos laboratórios. Criado por uma equipe gestora multidisciplinar, o documento busca institucionalizar o acesso aos laboratórios, definindo critérios como a natureza dos projetos, o uso do espaço físico e dos insumos e o recebimento da comunidade externa. O coordenador do laboratório em Varginha, professor Telles Cardoso (Departamento de Computação e Engenharia Civil), acrescenta que membros da equipe gestora estão envolvidos em projetos de extensão em parcerias com indústrias, que envolvem treinamentos e atividades nas áreas de sistemas embarcados, robótica, prototipagem e programação.

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“Fazedores” Para Cláudia, a cultura maker tem um “Q” de informalidade, mas é importante entender que os laboratórios integram um espaço institucional e acadêmico. “A preocupação é para que as pessoas não virem usuários dos equipamentos sem a reflexão sobre a técnica e a tecnologia. É criar diálogos e reflexões entre a informalidade e o acadêmico”, vislumbra.

learning by doing, o protagonismo do aluno, o pensamento crítico e o desenvolvimento de soluções inovadoras”, avalia Telles. O professor destaca ainda que Varginha está inserida em uma região com diversos polos industriais e empresas interessadas em absorver soluções inovadoras. “O projeto visa fazer do laboratório um ambiente de aprendizagem cooperativa e colaborativa, despertando potenciais criativos em toda a comunidade acadêmica”, conclui.

O trabalho é desenvolvido por docentes e técnicos administrativos de áreas diversas, além do envolvimento de estudantes dos níveis médio técnico, graduação e pós-graduação. As ações são definidas conjuntamente pelos campi participantes, que atenderão também os demais campi da Instituição no Estado, possibilitando a integração dos diferentes cursos e áreas de conhecimento do CEFET-MG com os processos técnicos, tecnológicos e digitais fomentados pelos lab makers ao redor do mundo.

Laboratórios Maker do CEFET-MG * Campus Gameleira (BH) * Campus Divinópolis * Campus Leopoldina

“A implementação do laboratório CEFET-Maker contribui com toda a comunidade através de projetos com a participação direta dos alunos de toda a rede pública, além da formação de profissionais de ensino, disseminando a cultura

* Campus Varginha

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DESCOMPLICADO

ASTRODINÂMICA, VOCÊ DEPENDE DELA

Tecnologias e temas que tratamos hoje, como internet, monitoramento da Terra (aquecimento global, queimadas, previsão de tempo), têm a ver com a astrodinâmica

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André Luiz Silva Num primeiro momento, ao ouvir sobre astrodinâmica – área de pesquisa que envolve o cálculo de trajetórias dos corpos celestes e o estudo das órbitas espaciais –, tem-se a impressão de algo distante, complexo e de pouco impacto no nosso dia a dia. Ledo engano! A astrodinâmica tem, sim, influência direta na vida das pessoas. As agências espaciais americana e europeia, por exemplo, têm programas de proteção contra o risco de impacto de asteroides contra o nosso planeta. Tais programas vão mapear e estudar corpos celestes com possibilidade de vir a colidir com a Terra. Esses objetos, então, têm suas coordenadas definidas e estudadas (olha a astrodinâmica aí!). Há possibilidade, inclusive, de acompanhar esses programas, que são públicos e de livre acesso, 1 2 nos sites da NASA e da Agência Espacial Europeia (ESA) . A astrodinâmica, ao realizar o cálculo das trajetórias espaciais, tem relação direta com a execução de missões espaciais e é, claro, seu sucesso. Bem antes do lançamento já são definidos pelos engenheiros da missão, quais as datas previstas de lançamento, tempo de missão e de viagem, e data de chegada ao alvo. Numa missão a Marte, por exemplo, é importante se definir a janela de lançamento. Isso porque, as órbitas da Terra e de Marte estão dispostas de tal maneira que, a cada dois anos, há maior aproximação entre esses dois planetas. Para economizar combustível e tempo, as missões para Marte são sempre planejadas dentro desse período. Por isso, no início de 2021, um grupo de sondas chegou a Marte, todas elas aproveitando essa janela de lançamento, como noticiou a BBC 3. Geraldo Oliveira, que é professor do CEFET-MG campus Contagem e doutor em Engenharia e Tecnologia Espaciais pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), explica que a astrodinâmica é importante não apenas para o sucesso das missões espaciais, como o telescópio espacial Hubble, as missões Apolo para a Lua, o envio das diversas sondas e robôs da NASA para outros planetas do nosso Sistema Solar, mas para a própria vida moderna. “É com base no cálculo de órbitas que são enviados satélites de comunicação, meteorológicos, sensoriamento remoto, militares e de navegação, como o sistema de posicionamento global, ou GPS. Tecnologias e temas que tratamos hoje e que não podemos mais abrir mão, como internet, monitoramento da Terra (aquecimento global, queimadas, previsão de tempo), só são conhecidos e estudados hoje, graças à manutenção desses satélites em órbita, o que é feito no campo de estudo de trajetórias espaciais”, explica.

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Aprendendo astrodinâmica O professor Geraldo Oliveira, que integra o Grupo de Estudo e Divulgação de Astronomia Intercampi (Gedai) do CEFET-MG, coordena, entre outros, o projeto de extensão “Desenvolvimento e lançamento de satélites didáticos: CubeSat/CanSat”, que tem por objetivo construir e lançar um satélite didático para explorar a prática de observação e realização de pesquisas na alta atmosfera. “O conceito CanSat consiste em desenvolver e lançar um pequeno satélite, simulando todas as fases de desenvolvimento e os principais subsistemas de um satélite. O processo requer um método de aprendizado baseado em problemas, em que o estudante é o protagonista e inventor, que deve solucionar as adversidades que enfrentará”, conta o pesquisador.

* Cursos de pós-graduação:

* Livros: * Orbital mechanics: for engineering students, de Howard D. Curtis; * Dinâmica do voo espacial, de Maria Cecília Zanardi;

Astrodinâmica para todos

* Fundamentos de Astronáutica e suas aplicações, de Maria Cecília Zanardi e Sandro Fernandes * Fascínio do universo, organizado por Augusto Damineli e João Steiner (gratuito) * Curso de introdução à Astronomia e Astrofísica do INPE (apostila gratuita)

* INPE

* ITA

* UEMA

* UFPE

* UFRN

* UNESP

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Para ele, este tipo de projeto extensionista desperta o interesse e engaja os alunos do nível médio para a entrada em cursos de ciências e engenharia. Mais uma maneira de incentivar o interesse pela área vem dos diversos eventos (olimpíadas, feiras, competições etc.) sobre Astronomia e Astrofísica, como a Jornada de Foguetes e a Olimpíada de Astronomia. “A partir do momento em que se faz algo lúdico, você atrai as pessoas. As competições têm a capacidade de atrair os jovens alunos, agregar as pessoas em torno de algo que as estimule; são excelentes formas de trazer os mais jovens para essa área, o que os motivará ainda mais a buscarem empregos, cursos e formação nessas áreas”, diz Geraldo.

* Cursos de graduação: * Filmes: * Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA);

* Canais do Youtube:

* Apollo 13 (1995) * O céu de outubro (1999)

* Universidade de Brasília (UnB) * Interestelar (2014) * Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

* Perdido em Marte (2015)

* Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

* Estrelas além do tempo (2016)

* Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)

* O Primeiro Homem (2018)

* Space Today, de Sergio Sacani

* Astroneos

* INPE

* Agência Espacial Brasileira

* Kurzgesagt * Universidade Federal do ABC (UFABC) * GDOP UNESP * Universidade Federal do Maranhão (UFMA) * Centro Espacial ITA

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