THE PRESIDENT

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Autores bons de apetite: Patricia Cornwell, Agatha Christie, Andrea Camilleri e Georges Simenon

citar a culinária francesa. Assim como é impossível abordar a literatura policial sem lembrar o comissário Jules Maigret, criação do belga Georges Simenon, um dos escritores mais prolíficos da história. Surgido em 1931 e protagonista de 75 livros e 28 contos, Maigret se mostra um homem aparentemente comum. Mas se revela um respeitado chefe da Polícia de Paris e um amante da boa mesa, dono de silhueta arredondada, embora nem tanto quanto a dos detetives Charlie Chan, de Earl Derr Biggers, e Adão Flores, do nosso Marcos Rey. Maigret bate cartão na Brasserie Dauphine, onde se empanturra de iguarias variadas. Em casa, é muito bem tratado pela mulher, Louise, que prepara refeições criminosamente deliciosas, como bacalhau à provençal, coq au vin, linguado dieppoise e cassoulet, uma parente francesa da nossa feijoada, nascida na cidade de Carcassonne. O temido homem da lei tem lá seus caprichos. É fã de charutos e vive com um cachimbo de cabo reto entre os lábios. Aprecia um cálice de pastis, mas também vai de vinho, brandy, cognac e seu primo armagnac. Que seus superiores não saibam, mas Maigret tem um fraco por cervejas e por calvados, destilado de maçã, típico da baixa Normandia. A

bebida jorra de tonéis, a partir de fermentação e destilação da cidra, e é uma riqueza com Denominação de Origem Controlada. Ou seja, só pode ser chamado de “calvados” o produto feito naquela região e conforme a legislação francesa, como ocorre com o champanhe. Outro francês de primeira linha, o antropólogo Claude Lévis-Strauss registrou em 1946 que homens e mulheres se tor-

casos ocultos. Dos compostos para fazer venenos à elaborada mesa dos detetives, lá está a gastronomia, não só garantindo que nossos heróis sobrevivam, mas que também tenham uma boa vida. Nesse sentido, Hercule Poirot é exemplar. O metódico detetive criado pela inglesa Agatha Christie em 1920 é símbolo de inteligência e elegância, distribuídos num corpinho roliço e bem alimentado.

Os gourmets do crime têm muitas nacionalidades: o francês Maigret, o iugoslavo-americano Nero Wolfe, o catalão Pepe Carvalho, o italiano Salvo Montalbano e o nosso brasileiríssimo Mandrake naram culturalmente mais desenvolvidos quando passaram a usar o fogo para preparar seus alimentos. Cozimento é transformação, cuidado e aprimoramento. Por isso, não é exagerado pensar que a história da humanidade pode ser contada a partir da evolução da culinária. A cozinha não é um cômodo doméstico qualquer: é lugar de encontro, ateliê e laboratório. Pequenos grandes prazeres

Não à toa, “gastronomia” tornou-se o nome moderno para o que antes chamávamos de “alquimia”, ciência e arte recheadas de mistérios. Tinha que funcionar com uma literatura que vive de segredos e

Atrás dos bigodes arqueados, dos olhos verdes como azeitonas e dentro da cabeça em forma de ovo há uma mente insaciável por respostas, comandando um estômago exigente. Habitante de um simétrico e bem decorado apartamento em Whitehaven Mansions, Londres, o nada modesto Poirot conta com a lealdade do capitão Hastings e os serviços de George, o mordomo que lhe chama de “Sir”. Entre seus prediletos no menu está o frango assado com legumes, acompanhado por licor de cassis ou tisana, infusão de ervas adoçadas com cinco cubinhos de açúcar. Não bastasse a sofisticação, há a sorte, e às vezes a montanha vem até Maomé.

0 6.2016 | THEPRESIDENT |

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