Revista Tabu | 12a Ed | Ano 7 | Jul 23

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a revista que quebra paradigmas

12 ed | ano 7 julho 2023

EDITORAL

Neste mês de Julho, se traz através deste meio de comunicação uma miríade de assuntos que nem sempre são abordados pelos grandes oligopólios midiáticos. Nada mais interessante, então, que mergulhar em determinados assuntos quenosfazemrefletiracercadeinjustiças,qualidadedevida,das minorias,doacessoevalorizaçãodacultura,emuitomais. Por estes motivos, a Revista Tabu apresenta em primeira instância: os desafios na ressocialização depois do sistema prisional, uma dura realidade que se perpetua até os dias atuais. Uma perspectiva humanizada é projetada também para as demandas de pessoas transgênero e os desafios que estas passamdentrodosistemacarcerário.

Além disso, a revista também carrega reflexões acercadaprópriaculturanorte-riograndense.Oscineclubessão, pela primeira vez na história do nosso periódico, abordados para conscientizar e valorizar a necessidade do acesso à cultura, incentivar a visibilidade das produções audiovisuais do estado e do território nacional. O cinema, que tantas vezes é elitizado e igualmente desvalorizado para os menos favorecidos, recebe aqui um foco importantíssimo: espaços culturais que uma vez já foramcinemas,equeperderamarecogniçãopelopovopotiguar.

Seguindo adiante, também se explora o meioambiente e os desafios pelos quais ele passa. Buscamos, através de entrevistas e observações, expressar e detalhar os desafiospelasquaisaspráticasdereciclagempassamnacidade de Natal. Na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, as adversidades enfrentadas por um grupo na coleta pelo campus também são exploradas para conscientizar o estado crítico no qual o meio-ambiente se encontra com o desgaste massivo de resíduos.

Esteperiódicotambémbuscacontemplaradiárialuta porumamelhorqualidadedevidanasperiferias,comumesforço advindo dos próprios moradores dessa zona na Grande Natal para modificar, de alguma forma, o ambiente onde vivem. Com entrevistas que engrandecem e valorizam os trabalhadores autônomos, integrantes das minorias que, vistas de um ponto estatístico,sãoamaioria.

Por último e não menos importante, encontra-se um conjunto de fotografias inseridas no âmbito da fotorreportagem, com o objetivo único de apresentar o esporte como agente transformador: através de sua pura prática, o esporte é capaz de agregar valor cultural, educacional e saúde a quem o pratica. Toda a equipe da RevistaTabu espera trazer aos entrevistados e situações neste periódico o protagonismo e holofotes que, indiscutivelmente, todos merecem, por um Brasil mais idôneo, quequebraparadigmasetabus.

EXPEDIENTE

Revista-laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, elaborada por alunos do componente currícular Laboratório de Planejamento e Pesquisa em Jornalismo (2023.1). Periodicidade semestral: Edição 11. Julho 2023.

Coordenação e revisão: Antonino Condorelli

editores

Cultura:

Melissa Albuquerque

Direitos Humanos: Ana Laura Alvarenga Meio Ambiente: Eduarda Silva

Periferia: Hyrlanda do Vale

Criação e editoração: Talita de Assis

Instagram: @taburevista

Reportagem

Resistência renascente: a luta pela democratização da cultura nos centros históricos de natal

Reportagem

Explorando a diversidade cinematográfica: os cineclubes da ufrn como espaços de debate e entretenimento

resenha

NOTURNOS, A PARTEIRA E SANGUE DO BARRO

reportagem Pensando ressocialização de maneira racional

entrevista

Primeiro, o nome social

coluna

Violência prisional, violência nas ruas

Reportagem

Os processos de coleta e de reciclagem na UFRN

entrevista "A área social e ambiental sempre foram preocupações minhas presentes no jornalismo",

Luiza de Sá

entrevista "Essas temáticas devem estar no nosso dia a dia",

Agnes Dantas

entrevista "Ser Lixo zero é uma meta, é algo que hoje deve fazer parte do nosso dia a dia",

Hilquias Sabino

coluna

Nem tudo é culpa do governo

reportagem

BALÉ DA RALÉ: CRIANDO UM NOVO HORIZONTE NA FAVELA DO JAPÃO

PERFIL

Charliê Chancho: Ação e empatia

crônica

Mãos que rendem

coluna

Periferia: um espaço culturalmente rico e socialmente desafiador

fotorreportagem esportes urbanos • sumário • 5 99 13 14 17 19 22 26 28 30 32 34 40 42 43 44
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Alimentação estragada, abusos físicos e psicológicos, abuso de autoridade, uso de força e transmissão de doenças, essas e tantas outras fazem parte da realidade de todos os presídios brasileiros. A cada dia que passa, fica cada vez mais difícil acreditar na função socialdosistemacarceráriobrasileiro,ou seja, oferecer caminhos para que o detento consiga se reinserir na sociedade.

A Lei de Execução Penal Brasileira (Lei nº7.210de11dejulhode1984),quetem como finalidade efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado, é uma das mais completas existentes no mundo, entretanto não é colocada em prática no país. O Estado prefere tratar as penas apenas como um meio de castigar o indivíduopelodelitorealizado.

Emumasociedadequealmejaajustiçae a segurança para todos os seus cidadãos, é fundamental refletir sobre a importância da ressocialização do preso como parte integrante do sistema prisional.

O foco excessivo na punição, muitas vezes acompanhado de negligência em relação à reintegração dos detentos à sociedade, tem levado a altas taxas de reincidência.Essarealidadecriaumciclo vicioso, onde indivíduos que já cumpriram suas penas retornam ao mundo exterior sem as ferramentas necessárias para uma reintegração

adequada,oqueaumentaaschancesde voltaremacometercrimes.

Nesse contexto, a ressocialização emerge como uma alternativa viável e necessária, se baseando na ideia de que aprisãonãodeveserapenasumlugarde reclusão, mas também um espaço de transformação, reeducação e preparação para a vida após o cumprimento da pena. Trata-se de um processo que visa reconstruir a identidade e a autoestima dos detentos, além de proporcionar habilidades práticas e conhecimentos para que possam se reintegrar à sociedade de formaprodutiva.

Pedro Chê, coordenador do movimento Policiais Antifacismo, aponta que a principal ferramenta para iniciar uma mudança nesse sistema é "acreditar", acreditarquetodoserhumanoépassível de mudança, porém dentro de condições favoráveisparaisso.

O papel da sociedade é de suma importância para que as mudanças comecem a acontecer. É preciso superar preconceitos e estigmas associados aos detentos.

Além disso, é fundamental investir em políticas públicas que promovam a reintegração e garantam a continuidade dos programas de ressocialização. “Não há interesse em investir nessa população, não é uma pauta que converta votos em períodos de campanhaeleitoral”afirmaPedro.

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A importância de discutir a ressocialização no sistema prisional como forma de avanço social
pensando ressocialização de maneira racional por Talita de Assis e Willian Medeiros

Todavia, ao investir em programas de reintegração efetivos, os governos reduzem os custos associados à reincidência criminal, como também a sobrecarga do sistema prisional, os gastos com segurança pública e os prejuízos econômicos causados por atividadesilícitas.

"É preciso a mídia dar visibilidade a casos que funcionam", enfatizou o professor e delegado de Polícia Civil, Fernando Alves. A mídia muitas vezes contribui na criação do imaginário popular a figura do detento e instala uma sensação de insegurança sob a população.

Baseado nisso, o sistema atual de administraçãonospresídiospotiguaresé de "contenção", onde a principal e única

É PRECISO ACREDITAR!

pedro chê, coordenador do movimento «policiais antifacismo» do rn

preocupaçãodosgestoreséevitarafuga e rebeliões, negligenciando assim, todososdireitosbásicosdoindivíduo.Tal método,culminaemcasosdeterrorismo, como os do início do ano de 2023 em várias cidades do estado, em que grupos de facções reivindicaram por meio de ataques terroristas melhorias no sistema carcerário.

Diversas iniciativas de ressocialização têm sido implementadas em diferentes países, demonstrando resultados promissores. Estudos demonstram que, quando um detento recebe tratamento adequado e oportunidades de se desenvolver pessoal e profissionalmente durante o cumprimento da pena, as chances de voltar a cometer crimes diminuem significativamente. Pensar em reinserçãoépensardemaneiraracional.

projeto alvorada

No Rio Grande do Norte o projeto"Alvorada"buscaquebrar esse ciclo, oferecendo uma alternativa. Seu objetivo é capacitar mulheres que foram encarceradas,visandopromover sua inclusão social e reintegração ao mercado de trabalho.

A professora Edneide Bezerra, coordenadora do projeto, explica que o "Alvorada: inclusão social e produtiva de pessoas que saíram do sistema prisional", estabelece uma rede de colaboração entre instituições com experiência nas áreas de educação, trabalho, justiça e políticas penais. Juntos, esses esforços têm como objetivo oferecer oportunidades de inclusão social e inserção profissional para indivíduos que saíram do sistema prisional na

região metropolitana de Natal, por meio de programas de formaçãoinicial.

A educação é um dos aspectos fundamentais para a ressocialização do preso, pois proporciona conhecimento, habilidades e oportunidades para uma inserção positiva na sociedade. A LEP (Lei de Execução Penal) prevê que o Estado deve garantir a oferta de ensino fundamental e médio nos estabelecimentos penais, bem como incentivar a formação profissionaldosdetentos.

Através da educação, os presos têm a chance de adquirir novas competências e perspectivas, aumentando suas chances de encontrar emprego e reconstruir suas vidas após o cumprimento dapena.

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primeiro, o nome social por Cecília Calaça e Kaio Pimentel

Saiba como a Secretaria Estadual de Diversidade Sexual e de Gênero age com o encarceramento da comunidade transgênero

Janaína Lima foi Coordenadora Estadual de Diversidade Sexual e de Gênero do Estado do Rio Grande do Norte de 2019 a abril de 2023. A secretaria foi criada em junho de 2019, mês do Orgulho LGBTQIAP+, durante o governo de Fátima Bezerra (PT). Lima confessa que o preconceito habita em todas as dimensões, seja dentro ou fora das grades de ferro. As políticas públicas eram inexistentes antes de 2019, por conta disso, foi criada uma portaria para mapear a população de forma contínua. O hábito era de que ao ser direcionada para o sistema penitenciário, a mulher transgênero era obrigada a cortar o cabelo, sendo tratada,portanto,comoideáriodehomem.

Afirma que todo ano ingressam no cárcere novas transexuais. “Infelizmente”, lamenta. Na cela masculina de um presídio do município de CearáMirim, há celas específicas para a comunidade

trans e uma técnica de enfermagem trans que atua paralevarsaúdeerepresentatividade.Nachamada diária para triagem, primeiro o nome social. Depois, o nome de batismo, ou morto, como também é conhecido.Asmulheres,duranteotempoqueestão detidas, trabalham na cozinha e recebem a farda comonomesocial.

A ex-coordenadora citou, espontaneamente, o presídio de Alcaçuz como um lugar com detentas transsexuais. Entretanto, relatou que a capital, Natal, não possui alas destinadas para o público T. Além disso, informou que foi encaminhada uma doação milionária governamental, recentemente, para a aquisição de itens de higiene pessoal nas cadeias, porque a falta de visitas, indicando o abandono familiar, dificultam o acesso delas aos cuidadosbásicoscomocorponodiaadia.

O difícil quadro alimenta as redes de trocas de favores sexuais entre os presos que fazem “escambo” de sexo em virtude de um sabonete, por exemplo, segundo a entrevistada. Fora as denúncias de casos de transfobia sendo proferidas até por agentes penitenciários que geram um ambiente amedrontador. Por conta de dificuldades internas de convívio que firmou-se um acordo para impor a criação das celas especiais como uma forma de controlar hostilidades e carência afetiva. Por outro lado, contrapõe que não foi de comum acordoentreasinteressadas.

Rebecka de França, atual Coordenadora Estadual doRioGrandedoNortedeDiversidadeSexualede Gênero, enfatiza e acrescenta os aspectos abordadosporJanaínaLima,suaantecessora.

O cenário encontrado antes do cárcere, a prostituição, é responsável por várias violências e exposições. A maioria vai pelo roubo ou furto. É válido entender o contexto dessa minoria e o seu recorte social. O mercado de trabalho não é receptivo com a população transexual, então, são apresentadas a esfera da prostituição com poucas escolhas.

Existe o estigma, comentado por França, que as travestis são “ladras”, até mesmo as que não estão exercendo o ofício de garota de programa. É algo que a própria chegou a viver, quando uma pessoa mudou de calçada por teme-la ou por achar que pode cometer algum delito. Naquele momento, ela

estavaapenascaminhandoànoite.

O estigma está presente na mídia também. Na maioria dos noticiários, é algo notável que ao apresentarem um caso de violência ou conflito, envolvendo a comunidade, a imprensa foca na trans. O agressor tem a imagem preservada. Enquantoofoco,emtese,deveriaestarnaviolência cometidapelooutro.

Com a presença da cela separada, surge o questionamento do porquê elas são enviadas para um setor masculino, e não o feminino, no entanto é algo que as próprias travestis preferem. Rebecka, comenta que mesmo diante de um cenário áspero, as travestis encontram uma zona de escape, por terem suas identidades mais aceitas, e pela possibilidadedeencontrarumcompanheiro. Ela pontua que a sociedade, principalmente os homens, enxergam o corpo da travesti como um brinquedo sexual sem humanidade. É um grupo que é fortemente invisibilizado e tem a história apagada.

Felizmente, hoje o cenário tende a mudar. Existe representatividade na política. As mulheres transexuais que estão à frente dos cargos políticos, viabilizam e contribuem para a criação de projetos, melhorias e a visibilidade desse público. Claramente,éumcaminhoextensoaserpercorrido nessa busca por direitos, mas com elas no poder, existe a perspectiva do progresso nessa luta. Elas representamedãosignificadoàpalavraresistir.

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por
ana laura alvarenga

Violência prisional, violência nas ruas por Luanda

Tavares

“A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.” É o que diz o Art. 10 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. A realidade vivida pelos detentos nasprisõesnoRioGrandedoNorte,entretanto,não poderia ser mais distante do que está escrito no livro-base das leis e do direito brasileiro. Em 2017, 27 pessoas foram mortas no Massacre deAlcaçuz. Em 2023, mais de 50 cidades potiguares sofreram com ataques coordenados pelo crime organizado. O denominador comum entre esses dois eventos? O caos, a violência e a desumanização no sistema carceráriopotiguar.

AjovemConstituiçãobrasileira,criadahámenosde meio século, apresenta ideais de igualdade e respeito à vida humana no país, mas ela não se apresenta forte o suficiente para desfazer séculos deformaçãodeumpaísconstruídosobrepilaresde violência. Desde a colonização, a desigualdade social é endêmica na nossa sociedade, e o apreço pela brutalidade mostrou-se presente em momentos decisivos da nossa história. De fato, um país que viveu duas décadas de ditadura militar, cuja parcela da população defende com veemência atéosdiasatuais,viveentrelaçadoàviolência.

Não é nenhum segredo que a situação dos presos no país é sub-humana. A percepção de grande parcela da sociedade sobre indivíduos que cometem crimes pode ser representada por duas frases famosas no imaginário popular: “bandido bom é bandido morto”; “direitos humanos para

humanos direitos”. Aos bandidos, não há solidariedade ou pena. Há apenas a passional buscaporjustiçaemmoldeshamurábicos. NoRioGrandedoNorte,asituaçãonãoédiferente. Há denúncias de tortura e maus-tratos nas prisões do estado há anos e as recorrentes ondas de ataqueemdiversascidadespotiguareseohistórico demotinsnasprisõesatestamessarealidade.

Em janeiro de 2017, Alcaçuz e o Pavilhão 5 - como sãopopularmenteconhecidos,respectivamente,os presídios Doutor José Francisco Fernandes e RogérioCoutinhoMadruga,divididosporummuroforam palco de cenas sanguinárias em um motim catapultado por uma disputa entre as facções do PCC (Primeiro Comando da Capital), organização criminosa paulista formada há mais de duas décadas,edoSindicatodoCrimedoRN.

O cenário era o seguinte: os presos estavam, até então, divididos por facções, de forma que os integrantes do PCC ocupavam o Pavilhão 5 e os integrantes do Sindicato do Crime do RN ocupavam, em maioria, o restante dos pavilhões do presídio de Alcaçuz. As grades das celas já não existiam, pois foram retiradas durante um motim anterior, de 2015, então tudo o que dividia as facções inimigas eram as paredes de concreto entre os diferentes pavilhões. Naquele momento, um total de 1.328 pessoas ocupavam a prisão, sendo 862 em Alcaçuz e 466 no Pavilhão 5. A capacidade máxima, contudo, era de 1.022 pessoas.

A relação entre os casos de violência no RN e as condições sub-humanas impostas aos presos no sistema carcerário estadual
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Com uma ocupação de cerca de 27% a mais do que a capacidade permitida, a vivência dos detentos era caótica. Há relatos de presos que dormiam em pé, casos de estupro, violência sexual e tortura, com eletrochoques, ingestão forçada de água sanitária e obrigaçãovexatóriadeficaremnus.Semcontarafaltade controle do Estado sobre a alimentação, que havia se tornado uma moeda de troca pelas facções dentro da prisão.

Em 2017, em um contexto de inércia do Estado, o motim foi acendido pela profunda inimizade entre o PCC e o Sindicato do Crime do RN. Membros do PCC conseguiram sair do seu pavilhão e realizaram uma chacina, matando 27 pessoas de acordo com o número oficial confirmado pelas autoridades públicas. O estado perdeuocontroledopresídioesóconseguiuacabarcom omotimapósduasdantescassemanas.

Em 2023, o PCC e o Sindicato do RN, que mesmo com histórico de desavenças profundas a ponto de desencadear uma chacina como a de 2017, realizaram uma trégua mútua. O objetivo comum era a luta pela melhoria nas condições impostas aos detentos de Alcaçuz. Iniciou-se, então, a onda de violência que atingiu diversas cidades do estado no mês de março deste ano. Entre os dias 13 e 25 de março foram realizados ataques a veículos, ônibus, prédios públicos e comerciais na capital e no interior do Rio Grande do Norte.Foramaproximadamente300ataquesemmaisde 50 cidades, que resultaram em pelo menos 4 mortes. No dia 15 de março, logo após o início dos atentados, cerca de 100 mulheres e familiares foram protestar em frente à o Centro Administrativo do Governo do Estado do Rio Grande do Norte, reinvidicando melhores condições e tratamentoaospresosnoestado.

Após o motim de 2017, a resposta do governo frente foi o endurecimento das condições em Alcaçuz. A prisão foi repaginada, regras mais duras foram impostas e, também, foi criado mais um pavilhão no presídio. É possívelafirmarqueadesorganizaçãodeixoudeseruma das principais características da gestão penitenciária potiguar. Mas a violência e o desrespeito à vida humana não.

OMinistérioPúblicodoRioGrandedoNorteafirmaquea causa dos ataques de 2023 foi o fim de “regalias”, proibidas em uma decisão punitivista após a chacina de 2017, como por exemplo o uso de ventiladores e televisõesnascelaseexistênciadasvisitasíntimas. OArt.41daLeideExecuçãoPenalafirmaqueédireitodo detento a “visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados”. Embora não

expresse de forma explícita o direito à visita íntima, ela é normatizada em diversos estados brasileiros, pois configura uma forma de manter o elo do preso ao mundo exterior, facilitando a reinserção na sociedade após o fim da pena. Além disso, de acordo com o Relatório de Inspeção em Unidades de Privação de Liberdade no RN, realizado pelo MNPCT (Mecanismo Nacional de Prevenção à Tortura) em 2023, as visitas familiares que são permitidas ocorrem apenas uma vez ao mês, com umahoradeduração,ecomapermissãodepresençade apenas um familiar e uma criança, dificultando a manutençãodoslaçosafetivosentreosapenadosesuas famílias, especialmente àqueles presos que possuem mais de um filho e é impossibilitado de ver todos no mesmomês.

No relatório há, também, denúncias das mais diversos práticas de tortura, maus-tratos e tratamento desumano paracomospresidiários.Elesrelatamseguiremsofrendo castigos físicos constantes, como choque elétricos e aprisionamento em celas de “castigo”, sem alimentação. O Art. 41 da Lei de Execução Penal afirma que são direitos dos presos “assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa”, contudo os presos estão essencialmente isolados do mundo externo; o acesso a atendimento jurídico é mínimo, não havendo advogados ou defensores públicos lotados na prisão; o acesso à educação e ao trabalho é baixo; a atenção à saúde e higiene é praticamente inexistente, havendosurtodedoençasevitáveis,comoatuberculose; a alimentação é precária; os banhos de sol são permitidos por apenas meia hora a cada duas semanas. Há relatos, também, de transferências irregulares e até mesmo desaparecimentos forçados e assassinatos de presos.

Acegueiracausadapelasanguináriabuscaporvingança para com os criminosos no Brasil ignora um elemento chave no direito do nosso país: aqui, não existe prisão perpétua. O período máximo de aprisionamento a um indivíduo no Brasil é de 30 anos, e, seguindo os trâmites da lei, é provável que suas sentenças sejam finalizadas aindaantesdecompletaressastrêsdécadas.

Essas pessoas que são torturadas diariamente em prisões comoAlcaçuz irão retornar à sociedade, e, como seres humanos que são, estarão moldadas pelas experiências vividas nelas. Se não houver um esforço voltado à reintegração e aproximação dos apenados à vida em sociedade, se não houver um esforço em respeitar os direitos humanos e apresentar outras possibilidades de existência em sociedade que não seja por meio do crime, o ciclo vicioso da violência nunca acabará.

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