O CHÃO VERMELHO DE DALCÍDIO JURANDIR

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Documentário

Os Escritores e a Resistência Dalcídio Jurandir

Nestes últimos meses, agravouse a situação política em nosso país e por mas que não queiram os nossos auto-suficientes amigos do abstrato e do apoliticismo, essa situação atinge a todos nós, miúdos escritores semicoloniais. Em todo o país foi desencadeado aquele temor da polícia contra a qual dois congressos de escritores se manifestaram com tanta convicção e alarde. Jornais e distribuidoras de livros foram assaltados, presos jornalistas, um vendedor de livros foi encarcerado e acusado de atividades do Cominform... Diante de nosso espanto e da nossa indignação, do silêncio e do estupor de muitos, a reação, cassando os mandatos de legítimos representantes do povo, chega ao cúmulo de aprisionar um deles e acusá-lo como autor de um remoto incêndio no Nordeste. O aparato e as graves declarações de autoridades responsáveis em torno dessa prisão deixaram a nação atônita. A quanto chegou a irresponsabilidade e a infâmia, a quanto chegou o cinismo e a degradação dos poderes que nos governam! E precisamente isto se deu no cinqüentenário do “J’Accusel”, em que Zola, como escritor, como romancista, como homem, soube fulminar a mentira e salvar um inocente. E é evidente que tudo isso atinge aos escritores brasileiros,

- Arte, política e cultura

cuja consciência não esteja ainda embotada e sinta necessidade de gritar contra a torpeza e ficar ao lado do povo nesta hora sórdida. Logo depois da cassação dos mandatos, a Tribuna Popular foi assaltada de madrugada. Vinte e três trabalhadores espancados e encarcerados e agora submetidos a brutal julgamento. Entre estes um herói da FEB que obteve na campanha da Itália as mais altas condecorações, Salomão Malina. Em compensação, soltam-se traidores e acolhemse nazistas vindos da Alemanha que chegam aqui concedendo entrevistas contra o comunismo e banhados no culto a Hitler. Invertem-se os papéis, os patriotas são postos na cadeia, os traidores, exaltados. O Parlamento transformou-se num morno depósito de capituladores e negocistas, e só um poder manda e desmanda, é o do Catete. Mentese, mente-se de uma maneira descarada. A censura postal, de correspondência, a violação do domicílio, o espancamento e a intimidação reduziram a farrapo a Constituição. E pensar que isto não atinge a tranqüilidade do trabalho intelectual, a dignidade do escritor, o esforço disperso e dramático daqueles que ainda pensam em literatura no Brasil será admitir a ignomínia e entregar-se a ela. E é diretamente que a reação

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