Revista PARQUES E VIDA SELVAGEM n.º 42

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Ano XII • N.º 42 • 21 de março 2013

Contra-relógio DIVERSIDADE BIOLÓGICA AGRÍCOLA Reportagem PAUL DO BOQUILOBO Entrevista NA PISTA DOS DINOSSAUROS LUSITANOS

Cowntdown Agricultural Biological Diversity Report Boquilobo Wetland Interview On the trail of the dinosaurs

6,8 HECTARES DE PARQUE BIOLÓGICO DE GAIA + CONCURSO DE FOTOGRAFIA ESTAÇÃO LITORAL DA AGUDA + RESERVA NATURAL LOCAL DO ESTUÁRIO DO DOURO



EDITORIAL 3

Nuno Oliveira

Diretor da revista "Parques e Vida Selvagem"

Cada vez se descobrem mais espécies novas O Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazónia, de Manaus, e o Museu Emílio Goeldi, de Belém do Pará, vão apresentar 15 novas espécies de aves descobertas na Amazónia

U

ma dessas espécies é uma gralha, do género Cyanocorax que, apesar dos seus cerca de 35 centímetros de comprimento e de viver a 150 km a sul da Manaus, nunca fora descrita. Esta descoberta vem elevar a biodiversidade brasileira para cerca de 1840 espécies de aves. Luís Fábio Silveira, curador de ornitologia do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo disse que “Apenas a Colômbia tem mais espécies do que nós, aproximadamente 1900.

Mas, daqui a uma década, devemos chegar às duas mil espécies de aves conhecidas no Brasil. Há vários exemplares de aves desconhecidas nos museus brasileiros, oriundas de diversos biomas, que serão descritas nos próximos anos.” Entre as muitas espécies novas de 2012, contam-se o Macaco-lesula, Cercopithecus Iomamiensis, da República Democrática do Congo, a cobra noturna Sibon noalamina, do Panamá, a pequena violeta, Viola lilliputana, do Peru, e o mais pequeno vertebrado conhecido, a rã da Nova Guiné, Paedophryne amauensis, que em adulta não ultrapassa 8 mm. Já este ano, António Frias Martins, da Universidade dos Açores, anunciou a descoberta de 30 novas espécies de moluscos nas ilhas do arquipélago, a juntar às 102 já descritas para os Açores. No Atlântico foram encontrados fósseis que permitiram a uma equipa liderada por Ismael Miján, da Sociedade Galega de História Natural, em que participou Otávio Mateus, professor de Paleontologia na Universidade Nova de Lisboa e investigador no Museu da Lourinhã, identificar quatro novas espécies de baleias, já extintas. A intensificação dos trabalhos de investigação é responsável por estas descobertas: cada vez maior número de cientistas anda no terreno, percorrendo os quatro cantos do mundo. Mas milhões de espécies continuam por descobrir. Recentemente, Quentin Wheeler, da Universidade do Arizona, afirmou: "Não sei se fique mais surpreendido com as espécies descobertas todos os anos ou com a nossa enorme ignorância sobre a biodiversidade de que fazemos parte".

OUTRAS ESPÉCIES EXPANDEM A SUA ÁREA DE DISTRIBUIÇÃO O Peneireiro-cinzento (Elanus caeruleus) é uma ave simbólica em Portugal, por no passado recente ser muito rara, e por isso usada como emblema do NPEPVS (Núcleo Português de Estudo e Proteção da Vida Selvagem) e da LPN (Liga para a Proteção da Natureza). Rapina de pequeno porte (cerca de 80 cm de envergadura), tinha uma área de distribuição inicial essencialmente tropical; a partir da África subsariana colonizou a África do Norte e chegou à Península Ibérica, onde se reproduziu pela primeira vez em 1963, no Alentejo; em 1975 reproduziu-se em Espanha, na Estremadura. A população foi aumentando ao longo das últimas décadas, e expandiu-se: chegou a França e ao Médio Oriente. Em Portugal ocorria apenas na metade Sul da país mas, aos poucos, tem vindo a conquistar o Norte e, hoje, é presença regular, por exemplo, na ria de Aveiro.

CADA VEZ MAIS ESPÉCIES A DESAPARECEREM O Livro Vermelho das espécies ameaçadas, da UICN (União Internacional para a Conservação da Natureza), regista a existência de 20 219 espécies animais e vegetais em risco de extinção, contra as 19 570 do ano anterior. No entanto, só uma pequeníssima parte (4%) das cerca de 1,7 milhões existentes no mundo está suficientemente estudada. Embora a causa principal das extinções seja a destruição dos habitats naturais, muitas outras se lhe juntam. A revista “Landscape and Urban Planning” publicou um estudo de

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4 EDITORIAL

Daniel Paton, Francisco Romero, Javier Cuenca e José Carlos Escudero, da Universidade espanhola da Estremadura, sobre 91 espécies de aves, feito em parques de pequenas vilas de Portugal e Espanha, onde o nível de ruído não ultrapassa os 40 decibéis (dB) e em parques de grandes cidades, com ruído acima dos 70 dB. Descobriram, que as espécies mais intolerantes ao ruído são a Estrelinha-de-poupa (Regulus regulus), a Rola-brava (Streptopelia turtur), o Pica-pau-malhado-pequeno (Dendrocopos minor), a Águia-de-asa-redonda (Buteo buteo), a Andorinha-dáurica (Cecropis [antigo género Hirundo] daurica) o Corvo (Corvus corax), o Papa-figos (Oriolus oriolus), o Rouxinol-bravo (Cettia cetti), o Pardal-espanhol (Passer hispanoliensis) e a Toutinegra-de-cabeça-preta (Sylvia melanocephala). A construção de barreiras acústicas nas estradas e o aumento da área das zonas verdes podem ajudar a diminuir a perda da biodiversidade urbana. Mas também pragas de doenças podem ameaçar espécies, por vezes devido aos impactos humanos nos ecossistemas. Desde a década de 1980 conhece-se o efeito do fungo Batrachochytrium dendrobatidis sobre as populações de anfíbios, causando-lhes uma doença denominada quitridiomicose. Um grupo de cientistas portugueses, espanhóis e ingleses (Rosa, et all, 2012) vem agora demonstrar, na revista “Animal Conservation”, que a doença está a matar os sapos-parteiros (Alytes obstetricans) na Serra da Estrela e a causar o seu rápido declínio neste parque natural. Em agosto de 2009 centenas de girinos de sapos-parteiros foram encontrados mortos na lagoa do Covão das Quelhas, tendo-se comprovado que a referida doença foi a causa dessas mortes.

VERDE URBANO Ainda a revista “Landscape and Urban Planning” publica, no seu último número de 2012, um artigo de Mary K. Wolfe e Jeremy Mennis, onde se demonstra, com base em estudos feitos em Filadélfia (EUA), que os espaços verdes urbanos contribuem para a diminuição da criminalidade. Diz Jeremy Mennis, professor de geografia da Universidade de Temple que “Há uma ideia antiga, em planeamento urbano, segundo a qual não se devem ter grandes maciços de vegetação nas cidades, porque isso pode encobrir o crime, escondendo a atividade criminal ou permitindo a fuga dos criminosos.

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Mas os espaços verdes bem conservados podem ter o efeito de reduzir o crime”, e defende que estar num ambiente natural suprime os precursores do comportamento violento.

MÁ QUALIDADE AMBIENTAL MATA O estudo da OMS (Organização Mundial de Saúde) “Environmental Burden of Disease” (responsabilidade ambiental nas doenças) estima que morram, por ano, 16 700 portugueses com doenças provocadas por problemas ambientais, como a poluição, a qualidade da água, o tipo de construção dos edifícios (uso de amianto, por exemplo), radiações UV, poluição sonora, etc. Só devido a infeções respiratórias decorrentes da má qualidade do ar, a OMS estima que morram anualmente cerca de dois mil portugueses. Isto para não falar no uso abusivo de herbicidas que o Plano Nacional de Saúde correlaciona com o cancro da mama e outras doenças; que mal fazem umas ervas no passeio? Que justificação pode haver para “lavar” ruas com herbicidas? Felizmente isso irá acabar em breve, pois a Lei n.º 26/2013, de 11 de abril, transpôs para o direito português a Diretiva n.º 2009/128/CE, que regula o uso de produtos fitofarmacêuticos e determina que “Em zonas urbanas e de lazer só devem ser utilizados produtos fitofarmacêuticos quando não existam outras alternativas viáveis, nomeadamente meios de combate mecânicos e biológicos” e que “A partir de 26 de novembro de 2015, os produtos fitofarmacêuticos apenas podem ser aplicados, por aplicadores habilitados, com formação superior ou de nível técnico-profissional, na área agrícola ou afins”.

COMER INSETOS O relatório da FAO (Organização para a Alimentação e Agricultura das Nações Unidas), intitulado “Edible insects - Future prospects for food and feed security” (insetos comestíveis - perspetivas futuras para a segurança alimentar e alimentação), apresentado recentemente em Roma, depois de revelar que 2 mil milhões de pessoas (28% do população mundial) já incluem regularmente insetos na sua alimentação, vem sugerir que estes invertebrados podem ajudar a resolver o problema da nutrição da população mundial que continua a aumentar, podendo chegar aos 9 mil milhões de habitantes em 2050. O relatório aponta mais de 1900 espécies de insetos comestíveis, desde escaravelhos a lagartas, abelhas, formigas, gafanhotos, cigarras, libélulas e moscas. Aos que (ainda) acham que um escaravelho ou

uma borboleta não servem para nada, vem agora a FAO dizer que, a acrescentar às muitas utilidades dos insetos já conhecidas, junta-se o seu potencial para alimentação de pessoas e animais. Afinal, a biodiversidade é mesmo muito importante!

PRÉMIO PARA RIBEIRO TELLES NO ANO EM QUE “LHE” ACABAM COM A REN O engenheiro agrónomo e arquiteto-paisagista Gonçalo Ribeiro Telles, que completou no passado dia 25 de maio 91 anos, recebeu o prémio Sir Geoffrey Jellicoe 2013, uma espécie de prémio “Nobel” da área da arquitetura-paisagista. Uma das suas obras mais conhecidas são os jardins da Fundação Gulbenkian e a ele se deve a criação de REN (Reserva Ecológica Nacional) em 1983, quando era Ministro da Qualidade de Vida. A REN foi criada pelo Decreto-lei n.º 321/83, de 5 de julho, integrava, pois, “todas as áreas indispensáveis à estabilidade ecológica do meio e à utilização racional dos recursos naturais, tendo em vista o correto ordenamento do território”. Instrumento importantíssimo que ao longo de décadas impediu desmandos urbanísticos e outros, é agora ameaçado de extinção pela resolução do Conselho de Ministros n.º 81/2012, de 3/10/2012. A determinado passo, essa Resolução afirma uma coisa incrível: “... os principais objetivos que presidiram à instituição da REN foram perdendo relevância prática e, ao invés, acabaram por potenciar entropias e disfunções no próprio sistema do ordenamento do território, criando dificuldades excessivas no relacionamento institucional entre os vários serviços da administração e os particulares.” Ou seja, a Resolução do Conselho de Ministros acolhe a argumentação daqueles que sempre deram cabo do território e que veem na REN um inimigo a abater! A REN não perdeu relevância, nem entrou em conflito com outros instrumentos de ordenamento do território. Recentemente (maio de 2013) foi anunciado pelo Diretor-geral do Território, que a Reserva Ecológica Nacional irá ser extinta e substituída por um “Plano Sectorial de Riscos”; ou seja, vai reduzir-se a REN às situações em que ela acautelava riscos, como sejam leitos de cheia e arribas, deixando de fora a proteção do território. A ver vamos!


OPINIÃO 5

Luís Filipe Menezes Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia

Gaia: espaço verde mais espaço verde

A

contribuir para incrementar o turismo em torno das Camélias ou Japoneiras, como já acontece com parques similares na Galiza. Isto porque o turismo não se faz só com grandes coisas, mas também com o somatório de muitos pequenos e diversificados polos de atracção. Em breve – esperemos que em Junho – abrirá o Parque da Ponte Maria Pia, que aproveita o abandonado canal ferroviário Porto/Lisboa e transforma um perigoso buraco, coberto de silvas, num local aprazível de passeio e lazer, que um dia terá continuação numa via ciclo-pedonal

através da Ponte Maria Pia, até ao Porto. E ainda este ano esperamos requalificar o Parque de Merendas de Arcozelo e completar a 2.ª fase do Parque de S. Caetano, obras que deverão ter início em Junho. Outro objectivo é prosseguir a ampliação do Parque Biológico, iniciada no ano passado com a aquisição de 7 hectares de novos terrenos e abri-los à visitação o mais depressa possível.

João L. Teixeira

política municipal de criação e desenvolvimento de espaços verdes prossegue a bom ritmo, tendo em Maio sido aberto mais um, o Parque do Conde das Devesas, cuja temática são as Camélias e, em particular, as variedades portuguesas de Camélias. Estas belíssimas flores de Inverno são cada vez mais populares em todo o Mundo; este novo parque pode, ao apresentar uma coleção de mais de 120 variedades – algumas raríssimas – devidamente identificadas,

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Na produção desta revista, ao utilizar um papel com 60% de fibras recicladas (Satimat Green) em vez de um papel não reciclado, o impacto ambiental foi reduzido em:

Inverno 2012• 2013

1762 kg de aterro

159

litros de água

1590

kg de CO2 (gases de efeito de estufa)

38170

kWh de energia

3804 kg de madeira

2863

km de viagem num automóvel europeu de consumo médio

FICHA TÉCNICA Revista “Parques e Vida Selvagem” Diretor Nuno Gomes Oliveira Editor Parque Biológico de Gaia Coordenador da Redação Jorge Gomes Fotografias Arquivo Fotográfico do Parque Biológico de Gaia Propriedade Águas e Parque Biológico de Gaia, EEM Pessoa coletiva 504763202 Tiragem 10 000 exemplares ISSN 1645-2607 N.º Registo no I. C. S. 123937 Dep. Legal 170787/01 Administração e Redação Parque Biológico de Gaia Rua da Cunha • 4430-681 Avintes Portugal Telefone 227878120 E-mail: revista@parquebiologico.pt Internet http://www.parquebiologico.pt Conselho de Administração José Miranda de Sousa Maciel, Nuno Gomes Oliveira, Serafim Silva Martins, José António Bastos Cardoso, Brito da Silva

www.facebook.com/parquesevidaselvagem

Errata Na revista PARQUES E VIDA SELVAGEM n.º 41 publicou-se um artigo sobre o Parque Natural do Litoral Norte. Quando da candidatura ao atual estatuto de conservação o sítio Montedor (Natura 2000) foi justamente proposto para esse enquadramento, o que não acabou por acontecer. Uma saída de campo a este sítio foi por lapso formal, assim, referenciada como sendo percurso dentro do PNLN. Se formos otimistas, será futurologia? Nesse caso o território sob maior proteção seria alargado no porvir.

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Capa: Lontra-europeia, mãe e cria nascida no Parque Biológico de Gaia o ano passado. Foto de João L. Teixeira


47 30

14

77

20 DIVERSIDADE

BIOLÓGICA AGRÍCOLA

contra-relógio Se é verdade que a diversidade biológica é a base da agricultura, mais certo é que a diversidade biológica agrícola inclui ecossistemas, animais, plantas e micro-organismos relacionados com a alimentação e a agricultura. Na Década da Biodiversidade é obrigatório pensar nisto.

54 RESERVA NATURAL DO PAUL DO BOQUILOBO

reportagem Paul ou pântano, como quiser, o Boquilobo pertence a uma minoria de zonas húmidas que não chegaram a desaparecer. Quer se comemore em 2013 o Ano Internacional para a Cooperação pela Água quer se celebre o Dia Mundial das Zonas Húmidas em 2 de fevereiro, a verdade é que a água todos os dias é indispensável à vida e os ecossistemas que a conservam são do maior interesse. É por essa razão que possui tão elevada biodiversidade.

50 NA PISTA DOS DINOSSAUROS LUSITANOS

entrevista Alguns eram pequenitos, mas os que ficam na memória são os maiores, com uma dimensão que à nossa escala nada parecia capaz de derrubar. Uma lição que pode ser retida pelo ser humano: no que toca aos frágeis equilíbrios da Terra, a verdade é que não passamos de ínfimas formiguitas diante da natureza. Falamos com Octávio Mateus, paleontólogo com muito trabalho já realizado em torno dos dinossauros.

SECÇÕES 8

Cartoon

9 Ver e falar 12

Fotonotícias

14

Portfolio

22

Quinteiro

26

Dunas

32

Espaços verdes

47

Sair da casca

60

Reportagem

64

Pesquisa

68

Migrações

70

Retratos naturais

72

Atualidade

77

Crónica

Parques e Vida Selvagem primavera 2013• 7


8 CARTOON Por Ernesto Brochado

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Desejo adquirir os seguintes tĂ­tulos nas quantidades indicadas: Livro “Guia da Reserva Natural Local do EstuĂĄrio do Douroâ€?de vĂĄrios autores ...........................................â‚Ź5,00 Livro “JosĂŠ BonifĂĄcio de Andrada e Silva: Um Ecologista no SĂŠc. XVIIIâ€? de Nuno Gomes Oliveira............â‚Ź10,00 Livro “Ecoturismo e Conservação da Naturezaâ€? de Nuno Gomes Oliveira .................................................... â‚Ź10,00 Livro â€œĂ reas de Importância Natural da RegiĂŁo do Portoâ€? de Nuno Gomes Oliveira .................................â‚Ź25,00 Livro “Manual da Confecção do Linhoâ€? de Domingos Quintas Moreira...........................................................â‚Ź5,00 Livro “Empresas Municipaisâ€? de Catarina Siquet ...........................................................................................â‚Ź11,00 Livro “Conservação dos Sistemas Dunaresâ€? de vĂĄrios autores .......................................................................â‚Ź5,00 Livro “Cobras de Portugalâ€? de Jorge Gomes .....................................................................................................â‚Ź5,00 Livro “Uma Escola Sem Muros: DiĂĄrio de Um Professorâ€?, de Paulo Gandra..................................................â‚Ź7,00 Livro infantil “Galvino e GalvĂŁo, a Galinha-de-ĂĄgua e o GaleirĂŁoâ€? de Manuel Mouta Faria ..................... â‚Ź15,00 Livro infantil “As HistĂłrias de D. Lavandisca AlvĂŠolaâ€? de Manuel Mouta Faria ..............................................â‚Ź2,50

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8 • Parques e Vida Selvagem primavera 2013


A palavra

A revista de outono saiu em 24 de outubro com o “Jornal de Notícias” e os leitores começaram logo a reagir... Revistas anteriores Vários leitores continuam a enviar pedidos de aquisição de revistas mais antigas. Como entretanto já não há exemplares em armazém para atender a todos os pedidos, a alternativa de reunir uma coleção completa recai na internet: basta ir ao site www.parquebiologico.pt, procurar Recursos e aí Revistas — todas as anteriores edições da revista «Parques e Vida Selvagem» estão aí disponíveis.

novidades sobre as assinaturas desta publicação que já entrou no seu 12.º ano de vida. Raquel Gaspar escreve: «Eu gostaria de passar a receber a revista. Tenho especial interesse em receber os números que contêm a rubrica “Vamos desenhar...”: como poderia fazer? Eu vivo em Azeitão. Obrigada!». Explicou-se que em 2013 seria provável que viesse a haver um preço simbólico para assinatura da revista, que tem sido oferecida nos últimos anos, dando curso ao seu esforço de educação ambiental. Contudo, a edição eletrónica desta publicação está acessível desde o n.º 1 no site do Parque Biológico de Gaia no botão Revistas.

Licranços

Albano Soares

A

chamada telefónica da manhã trazia a voz de José Carlos Quental. Lamentava que «nem em Vale de Cambra nem em S. João da Madeira» encontrara a revista “Parques e Vida Selvagem” no “Jornal de Notícias”. É percetível que a época que se atravessa levou a uma distribuição regional e nem todo o Norte de Portugal ficou abrangido nessa distribuição. Outras vozes, a maioria por correio eletrónico, referiam o mesmo facto, em outras partes do país. Não foi o caso de quem vive na Área Metropolitana do Porto, como José Oliveira Silva, de Vila Nova de Gaia, que escreve no seu e-mail: «Boa tarde! Tenho encontrado por vezes em alguns locais públicos a vossa revista, pela qual vos endereço os meus mais sinceros parabéns, não só pelos temas tratados e seu desenvolvimento/esclarecimento, como pela divulgação e realce dados a escritos e dúvidas dos vossos leitores. Sempre que a encontro leio com prazer os temas tratados, pelo que gostaria que me informassem como posso ter acesso a esta publicação. Parabéns e continuem»! Na resposta explicou-se que não será difícil, a breve prazo, encontrá-la numa visita ao Parque Biológico de Gaia e que haverá a seu tempo

Indaga Júlio Luzes, de Vila Nova de Gaia: «Será que, como especialistas em bichinhos desses, me podem dizer duas ou três coisas sobre os licranços, de forma a desmistificar a paranóia de que são extremamente perigosos?» Resposta breve: «Os licranços, que não são serpentes, são répteis como os lagartos. A espécie em causa tem um nome científico que diz algo sobre o seu comportamento inofensivo – Anguis fragilis (“serpente frágil”). São muito dados a lesões vertebrais se mal manipulados e na cadeia alimentar são paparoca de muitas outras espécies, entre répteis, aves, mamíferos. O seu papel é importante no controlo de populações de invertebrados que sem os seus predadores naturais podem tornar-se pragas. Nalgumas aldeias por vezes dizia-se “Picadela de licranço nem uma hora de descanso”. Parece que de boca em boca o animal poderá estar a ser confundido com algo completamente diferente, um aracnídeo, o lacrau ou escorpião».

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Ana Gonçalves

Ana Gonçalves

Ana Gonçalves

S Podarcis bocagei (Seoane - 1885)

S Erica cinerea Linnaeus

Passeio no Parque Normalmente não aprecio locais onde se mantenham animais selvagens em cativeiro por, em muitos casos, não respeitarem sequer a suas necessidades mais básicas mas, a meu ver, o Parque Biológico de Gaia é uma ótima exceção. Não só os animais vivem em condições adequadas – possuem espaços amplos, limpos, de acordo com a seu habitat natural, não demasiado expostos ao público e com zonas onde se podem refugiar (o bem-estar do animal não é sacrificado em prol do observador) – como é transmitida a necessidade de conservação da nossa biodiversidade.

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S Burhinus oedicnemus (Linnaeus - 1758)

No parque existe um centro de recuperação de animais selvagens. É possível ver neste momento, logo no início do percurso, exemplares de peneireiro-cinzento, Elanus caeruleus, e de bufopequeno, Asio otus, irrecuperáveis; e faz parte do Projeto LIFE Trachemys tendo por lá nascido crias de cágado-de-carapaça-estriada, Emys orbicularis, no ano passado. Também se podem observar as invasoras que estão na origem da necessidade em criar o Projeto. Outro facto a assinalar é que o Parque conta com uma enorme variedade de espécies, sobretudo aves e mamíferos, e representa bem a esse nível o território nacional pelo que quem o visita fica com

uma ideia mais alargada das espécies, nativas do nosso país, relativas a estes dois grupos de animais. Quanto a mim, de entre as espécies de aves que lá se podem ver gosto em especial do alcaravão, Burhinus oedicnemus. O próprio ambiente envolvente é muito atrativo porque ao longo de todo o espaço se veem árvores e arbustos autóctones, assim como a fauna que aí habita em liberdade. É o caso dos facilmente observáveis esquilos-vermelhos, Sciurus vulgaris, e ainda o dos mais esquivos como as doninhas, Mustela nivalis. Na época certa ainda se observam diversas


espĂŠcies de anfĂ­bios (jĂĄ encontrei tritĂŁo-deventre-laranja, Lissotriton boscai) e, com alguma sorte, espĂŠcies de insetos bastante interessantes como as cabras-louras, Lucanus cervus, e a rara borboleta Apatura ilia. EspĂŠcies mais comuns sĂŁo esta urze, a Erica cinerea, e a lagartixa Podarcis bocagei que tive a possibilidade de registar.

Por Ana Gonçalves http://visionemnaturae.blogspot.pt/2012/08/ parque-biologico-de-gaia.html

Aqu

O fungo Clathrus archeri Ă primeira vista parece uma lula com trĂŞs ou seis tentĂĄculos. OriginĂĄrio da Tasmânia, na AustrĂĄlia, tem um cheiro nauseabundo, tipo carne em putrefação, e nĂŁo ĂŠ comestĂ­vel. Isso nĂŁo impede que diversos insetos, principalmente algumas espĂŠcies de mosca, se sintam atraĂ­das para a sua “carneâ€?. Ao pousarem, acabam por dispersar a bom ritmo os esporos espalhados nos tentĂĄculos com que este fungo se reproduz. Esta estratĂŠgia reprodutiva ĂŠ eficaz e os resultados comprovamse ao contabilizar-se os habitats que ocupa, nomeadamente as zonas mais hĂşmidas de bosques e parques e um pouco por todo o Norte peninsular numa expansĂŁo contĂ­nua. Quando estĂĄ a frutificar aparece de inĂ­cio um vĂŠu esfĂŠrico cinzento esbranquiçado, rodeado por uma capa gelatinosa e por uma cutĂ­cula que se abre pelo vĂŠrtice de onde emerge o carpĂłforo de cor vermelha pĂĄlida que passa a vermelha intensa quando completamente maduro. A sua consistĂŞncia ĂŠ fofa e porosa. Ao que parece, os esporos deste fungo chegaram Ă Europa de forma acidental, no

interior de navios carregados com lĂŁ de ovelha importada da Nova Zelândia e com destino a fĂĄbricas francesas, regiĂŁo de Los Vogos, onde o fungo foi descrito pela primeira vez na Europa em 1914. Em 2002 o MinistĂŠrio do Ambiente francĂŞs considerou o Clathrus archeri uma espĂŠcie invasora e recomendou a erradicação, uma vez que nĂŁo eram conhecidas as consequĂŞncias da rĂĄpida proliferação em territĂłrios de outras espĂŠcies. AlĂŠm deste tipo de ameaças, na Europa, existem milhares de fungos sob pressĂŁo nos seus habitats naturais pela poluição quĂ­mica no solo ou plantaçþes mono-especĂ­ficas de ĂĄrvores que se destinam Ă indĂşstria. Os cogumelos carecem de clorofila e nĂŁo podem criar substâncias orgânicas, por isso, encontram-se classificados num reino chamado Fungi. Utilizam a matĂŠria orgânica jĂĄ existente para obter as suas substâncias vitais. O que popularmente se conhece como “cogumeloâ€? ĂŠ o carpĂłforo que cresce do micĂŠlio quando ocorrem condiçþes climĂĄticas favorĂĄveis. Hugo Oliveira

Ana Gonçalves

S Quercus robur Linnaeus

Cogumelo exĂłtico

Por Filipe Vieira

De segunda a sexta-feira das 10h00 Ă s 12h30 e das 14h00 Ă s 18h00

SĂĄbados, domingos e feriados das 10h00 Ă s 18h00

1SBJB EB "HVEB t 7JMB /PWB EF (BJB E 7FOIB WJTJUBS OPT Parques e Vida Selvagem primavera 2013• 11


12 FOTONOTÍCIAS

primavera Cheirinho de

As plantas não se contêm: antes que a estação mais florida do ano entrasse no calendário já havia corolas amarelas, brancas e lilazes a agitarem prados e caminhos

Jorge Gomes

Sangue-frio? Sim, até certo ponto, mas quando apetece namoriscar, sejam fêmeas ou machos de lagarto-de-água, pela calada lá acabam por juntar trapinhos e tratar de fazer arribar novas gerações: a fêmea está à esquerda...

João Petronilho

Lagartos enamorados

12 • Parques e Vida Selvagem primavera 2013

Na Ásia estes insetos dão esplendor a um festival popular, concretamente na Coreia e na Tailândia. Em Portugal, já se contam décadas em que, de noite, visitantes miúdos e graúdos organizados em grupos percorrem, fascinados, o trilho de descoberta da natureza do Parque Biológico de Gaia para contemplarem as luzes que estes pequenos animais emitem entre a primavera e o verão. A espécie da fotografia, Luciola lusitanica, é a que mais abunda em junho, quando parece que as constelações vêm visitar o bosque encantado sob a batuta destes insetos bioluminescentes.

Jorge Gomes

João L. Teixeira

Chegou a hora dos pirilampos


Acordar depois do frio Ombreando com morcegos, os ouriços-cacheiros representam os animais notívagos que se defendem do frio invernal com uma boa soneca, a chamada hibernação. Agora que a primavera chegou, fazem questão de apanhar o ritmo e, omnívoros, não desdenham petiscar uma minhoca ou um caracol: o bom tempo traz crias e, no que toca às fêmeas, há aleitação a preparar. Apesar de estarem ativos sobretudo de noite, o crepúsculo e o amanhecer são alturas que também proporcionam um encontro inesperado com algum destes animais.

Voa apenas nesta altura mais primaveril do ano, para pôr ovos e dar lugar à geração vindoura. Chamam-lhe Glaucopsyche melanops, da família dos Licenídeos, mas se a quiser conhecer melhor poderá designá-la por borboleta azul-deolhos-pretos, como fazem os britânicos...

Bolbosa resiliente As Scilla são pequenas plantas que abundavam nos bosques da região. Assim que os primeiros sinais do fim do inverno se passeiam pela atmosfera, o bolbo lança da terra uma folha verde. Depois, como se não quisessem perder a corrida, os botões ascendem para que a sua luz acene aos insetos desta vaga na quadrícula certa do calendário. Aqui e ali, poupadas aos solos calcinados pelos incêndios sistemáticos, à plantação de exóticas e à impermeabilização do solo, afloram em março nos sítios mais esquecidos ou guardados para que a sua participação no tecido da vida, a biodiversidade, não se perca.

João L. Teixeira

Única no ano

Parques e Vida Selvagem primavera 2013• 13


14 PORTFOLIO Concurso Fotográfico

10.ª edição

Abertura com entrega de prémios da 10.ª edição do concurso Parques e Vida Selvagem: Ricardo Fonseca, membro do júri, entrega o prémio Arte Fotográfica a Paulo Latães, pelo seu «Inferno»

exposição relativa ao concurso nacional de fotografia da natureza Parques e Vida Selvagem abriu sábado, 3 de novembro, pelas 15h00, com a entrega dos diversos prémios. O salão reservado a estas mostras, no Parque Biológico de Gaia, lotou. Quer os premiados quer os demais concorrentes puderam apreciar em primeira mão a meia centena de trabalhos expostos, acompanhados por um catálogo melhorado, de várias páginas, a marcar a década de realização deste concurso. Em 2012 o júri foi constituído por Ricardo Fonseca, Gaspar de Jesus e Nuno Gomes Oliveira. Ricardo Fonseca disse que «é de registar um número muito significativo de concorrentes que o concurso teve o mérito de fidelizar. O sucesso do concurso de Fotografia Parques e Vida Selvagem implica para o Parque Biológico a responsabilidade de manter a iniciativa que, em boa hora, há dez anos tomou. Os fotógrafos certamente não esmorecerão o seu entusiasmo e cada ano teremos o privilégio de continuar a apreciar um conjunto de fotografias da natureza com uma qualidade ao nível do que de melhor vemos nas publicações da especialidade». Na próxima primavera este concurso será retomado com novidades.

Nature Photography Contest portfolio The Exhibition of the Parks and Wildlife Nature Contest opened on November, 3rd with the presentation of the winning awards. In the Biological Park of Gaia, the Hall reserved for this Exhibition was packed. Both the winners and the competitors could enjoy the fifty photographs exhibited, accompanied by a catalogue that marked the ten years success of this Nature Photography Contest. 14 • Parques e Vida Selvagem primavera 2013

PRÉMIO ARTE FOTOGRÁFICA “Inferno” de Paulo Latães


PRÉM FAUNA PRÉMIO «Natureza Íntima», Salinas da Marinha da Troncalhada, Aveiro: «Entre maio e julho acompanhei alguma algumas das espécies de aves que elegem este local para nidificar,de que é exemplo esta andorinha-do-maranã. Para estas aaves, as salinas são atrativas uma vez que não sofrem a influência do ciclo diário das marés, oferecendo-lhes por isso condições de alimentação e abrigo particularmente vantajosas. É um verdadeiro exemplo de que apesar da forte presença humana derivada da atividade salineira, é possível atingir um equilíbrio entre o aproveitamento económico de um recurso e a conservação dos valores naturais, neste caso, as aves.» HUGO AMADOR • Nikon D7000 • Nikon 300 mm.

PRÉMIO FLORA, LÍQUENES E FUNGOS «Cogumelos» – «O bosque ripícola do ribeiro de Corgo, em Arcos, Tabuaço, apresenta-se pela altura do outono na sua maior transfiguração. O desfolhar colorido do arvoredo dá lugar a espessos tapetes de folhas entrelaçadas pelo vento. Contrariando esta aparente perda de vitalidade, os cogumelos dão ares da sua graça irrompendo, aparentemente vindos do nada, em locais mais sombrios e húmidos». JORGE SANTOS • Nikon D70 • Nikon 60

PRÉMIO PAISAGEM «De Costas Voltadas» – «Esta foto foi obtida num dos meus raids fotográficos ao Alentejo. Na zona de Castro Verde, pareceu-me na altura interessante a extensão de flores, a árvore isolada e o céu com bastantes nuvens. Tal conjunto poderia dar uma composição interessante». MIGUEL AUGUSTO MESQUITA • Nikon D700 • Objetiva Nikon 24-70

mm micro • Abertura f/9 • Vel. 1/60s.

(a 24 mm) • Abertura f/22 • Vel. 1/250

Parques e Vida Selvagem primavera 2013• 15


PRÉMIO REGISTO DOCUMENTAL «Estrela-do-mar» – «Esta imagem foi captada na Costa da Caparica. Normalmente, acompanho com alguma regularidade os pescadores locais e tenho a possibilidade de documentar a realidade presente no seu dia-a-dia. A imagem da estrela surge num desses momentos, em que com algum tempo de espera encontrei uma estrela à beira-mar e reparei nas texturas, formas e luz que a embalavam. Enquanto a fotografava, apareceu a onda do mar, que decidi incluir na imagem. Achei que a espuma iria enriquecer mais a composição». JOÃO COUTINHO • Nikon D90 • Abertura f/9.0 • Vel. 1/320 • ISO 200.

PRÉMIO JORNAL DE NOTÍCIAS - JÚNIOR «Primavera À Conquista de Albergaria da Serra» – Serra da Freita, Arouca. «Em caminhada de final de primavera, reparei que as nuvens cobriam a serra, formando um “degradé” curioso. Dava a impressão que o despontar do novo ciclo de vida tomava conta da aldeia e suas gentes». GONÇALO SILVA (11 anos) • Canon EOS

PRÉMIO FLORA FUNGOS E LÍQUENES «Gerânio que encontrei, em maio deste ano, num terreno baldio perto da praia da Madalena, Gaia. Penso tratar-se de uma espécie botânica de jardim, mas parecia muito bem adaptada à vida selvagem. As pétalas já tinham caído. O que me atraiu foi a forma como o estigma e o estilete, pelo seu colorido contrastante, emergiam das sépalas e se destacavam do verde que os rodeava». JOSÉ MELIM Pentax K20D • Objectiva

550D • Objetiva Canon EF-S18-55 IS • Abertura f/9.0 • Vel. 1/250, ISO 100.

Pentax 50 mm | 2.8 Macro • Abertura f/5,6 • Vel. 1/180 • Dist. Focal 50 mm • ISO 100.

16 • Parques e Vida Selvagem primavera 2013


PRÉMIO JÚNIOR «Garça branca e seu reflexo» – «Neste lindo dia estava na Reserva Natural Local do Estuário do Douro, com o meu avô, a fotografar. Fica próximo da minha residência. Gosto muito da reserva, dada a diversidade de aves que lá costumo encontrar». PEDRO CALDAS Cardoso (13 anos) • Nikon D90 • Abertura f/6.3 – Vel. 1/2000.

O FIM DA LINHA «Em altura de nidificação, ia reparando num maior número de aves que apareciam mortas na berma das estradas, naturalmente seriam juvenis que se deixavam ficar sem receio e acabavam atropelados. E foi assim que, mal vi um gaio, numa tarde em que regressava a casa depois de mais um dia de trabalho, pensei logo em fazer um registo que descrevesse o sucedido. Mais pela noite voltei ao local e fiz a fotografia, compondo e esperando que passasse um carro e deixasse as linhas de luz, com uma velocidade mais lenta da exposição» SÉRGIO ESTEVES • Nikon D90 • Nikon 12-24 mm • Abertura f/4 • ISO 640.

BICOS DE CEGONHA «Semi-encobertos por um manto de lã seminal libertada pelo pequeno bosque de choupos, um grupo de bicos-de-cegonha peleja por um lugar ao sol. Casal de S. Tomé (Mira)». JOÃO PETRONILHO • Nikon D300s • Objetiva Nikkor AF-S 105mm 1:2.8 G ED VR • Vel. 1/2000s • Abertura: f/3.2. ISO 200.

Parques e Vida Selvagem primavera 2013• 17


ARICIA CRAMERA «Sempre que chega a primavera, gosto de percorrer os campos e bosques, registando a explosão de vida que nessa altura ocorre. Fascinam-me particularmente os insetos não só pela função que desempenham mas também pela diversidade de formas, tamanhos e cores que apresentam. Esta pequena borboleta da família Lycaenidae, cuja distribuição ocorre essencialmente no Sul da Europa e Norte de África, descansava da atividade frenética diária, num prado, em Vila Nova de Gaia». VÍTOR SOUSA • Nikon D90 • Objetiva Sigma 180 mm f/3,5D - Abertura f/8 - Vel. 1/60s • ISO 200 • Flash.

BAIXA VELOCIDADE «A foto do pato-real foi tirada no Parque da Pasteleira, onde aparecem algumas espécies não residentes e que se mantêm por períodos mais ou menos longos. No caso dos patos-reais, são frequentadores regulares, dividindo o seu tempo pelo Parque e pelo Estuário do Douro». Luís gosta de «praticar e desenvolver técnicas pelas quais me interesso especialmente, concretamente a baixa velocidade de obturação». LUÍS PINHEIRO TORRES • Canon Mark IV • objetiva 300 mm f:4.0 • Abertura f/6.3 • Vel. 1/80s • ISO 160.

18 • Parques e Vida Selvagem primavera 2013


FUSELO FUS ELO, O ÉPICO ÉPICO MIGRADOR NA ALBUFEIRA DO AZIBO «Em setembro, numa das minhas habituais saídas tive a sorte de registar a presença, algo inesperada e pouco comum, deste épico i d O llocall é dde uma riquíssima i í i e surpreendente d t di id d A pureza ddas suas ááguas, a abundância b dâ i dde alimento, li t e vegetação t ã envolvente l t é ideal id l não ã sóó para as espécies é i residentes id t e estivais, ti i migrador. diversidade. como reúne condições favoráveis de stop-over às espécies migratórias em trânsito». JOSÉ PAULO CARVALHO PEREIRA • Nikon D70s • Vel. 1/250 • Abertura f/13.

TONS DE OUTONO» «O percurso da Penoita, Caramulo, é mágico no outono, a estação do ano em que mais me dedico à captação de imagens de paisagem. Nesta em particular, tinha acabado de chover e todas as cores ficaram mais saturadas: o momento pareceu-me ideal para a realização desta fotografia». CÉSAR OLIVEIRA • Canon EOS 1D Mark IV • EF 24-70 F2.8 L • Flash 580 EX II.

Parques e Vida Selvagem primavera 2013• 19


20 CONTRA-RELÓGIO

Diversidade

agrícola Agricultural Biological Diversity

A diversidade biológica agrícola é a fonte de um sem-fim de alimentos e matérias-primas que servem para produzir inúmeros bens

H

oje em dia a maioria das espécies cultivadas e o próprio gado domesticado são o resultado de alguns milhares de anos de intervenção humana, com base na reprodução seletiva e noutras práticas de origem humana. Se é verdade que a diversidade biológica é a base da agricultura, mais certo é que a diversidade biológica agrícola inclui ecossistemas, animais, plantas e microorganismos relacionados com a alimentação e a agricultura. E mais: cada planta, animal e microorganismo desempenha uma determinada função ao regular os serviços essenciais dos ecossistemas, tais como a conservação da água, a decomposição dos detritos e o ciclo de nutrientes, a polinização, o controlo de pragas e enfermidades, a regulação do clima, o controlo da erosão e a prevenção das inundações, o sequestro do carbono e muitos mais. Embora seja verdade que as práticas agrícolas modernas possibilitaram um grande aumento

20 • Parques e Vida Selvagem primavera 2013

countdown If it is true that Biological Diversity is the basis of agriculture, then it is more certain that Agricultural Biodiversity includes ecosystems, animals, plants and micro-organisms related to food and agriculture. In the midst of this Biodiversity Decade, it is necessary to review this subject.

de produção de alimentos, contribuindo assim para a segurança alimentar e a redução da pobreza, também é facto que elas são responsáveis por danos consideráveis à diversidade biológica. É assim sobretudo pela mudança de usos da terra e de igual modo pela sua sobreexploração, com a intensificação dos sistemas agrícolas de produção, o uso excessivo de produtos químicos e de água, a carga de nutrientes que procuram as linhas de água, adicionando-se ainda a contaminação e a introdução de espécies exóticas invasoras. A agricultura forma parte da paisagem e neste contexto tem de ser gerida de maneira sábia, sustentável. Os conhecimentos tradicionais de maneio agrícola são fundamentais para manter a diversidade biológica e garantir a segurança alimentar global. Hoje em dia estes conhecimentos seculares estão a desaparecer, menosprezando-se regra

geral a importante contribuição que estes saberes podem trazer. A agricultura enfrenta agora duros reptos, assentes na necessidade de satisfazer as necessidades de uma população em contínuo crescimento e, ao mesmo tempo, de reduzir a pressão sobre os recursos da Terra e a diversidade biológica. Tecnicamente é possível superar estas dificuldades mas, para isso, fazem falta mudanças importantes nas políticas e um planeamento mais dilatado. Torna-se fundamental que os produtores agrícolas, os consumidores, os governos e demais agentes diretamente interessados colaborem mais de forma eficaz para obterem maior proveito da contribuição que a diversidade biológica pode atingir dentro de metas próximas de uma agricultura sustentável. Fonte: www.cbd.int


factos &números matéria de utilização de água doce, • àEmagricultura corresponde cerca de 70% da água utilizada pelos seres humanos em todo o mundo, e o limite sustentável de extração de água já foi alcançado ou ultrapassado em muitas zonas.

O ritmo a que se está a perder • solo fértil no mundo é entre 13 a 18 vezes superior ao ritmo a que os ecossistemas naturais o criaram. Existem mais de 25 mil espécies de • abelha, mas as populações estão a diminuir. Um terço da produção de plantas cultivadas em todo o mundo tem de ser polinizada para produzir mais sementes e mais frutos. A desflorestação nos Trópicos e nas • regiões subtropicais, promovida em

João L. Teixeira

muitos sítios pela agricultura, pode levar à redução da precipitação a nível regional, o que afeta a administração sustentável de água.

20 000

Água (m3)

15 000

A agricultura é responsável por • 44% das emissões de metano e aproximadamente por 70% de óxido nitroso no estado gasoso. 20% das emissões de • COCercanadedécada de 90 originam-

Cacau 19 928

2

se na alteração de uso da terra, principalmente devido à desflorestação para fins agrícolas.

Castanha de caju 14 218

Mais de 826 milhões de pessoas • sofrem de fome e necessitam de 100 a 400 calorias adicionais por dia.

10 000

Entre as crianças em idade pré• escolar, 32% delas apresentam um

Lentilhas 5 874

peso insuficiente.

5 000 Azeitonas 3 015

0

Soja 2 145

Arroz 1 673

Maçãs 822

Laranjas 560

Framboesas 413

Cultivo em toneladas no período compreendido entre 1996 e 2005

Batatas 287

Mirtilo 276

Vinte por cento das 6500 raças de • animais domesticados enfrentam a extinção. Aproximadamente ¼ da população • mundial — 1300 milhões de pessoas — trabalha na agricultura.

Parques e Vida Selvagem primavera 2013• 21


22 QUINTEIRO

Dulce Anastacio

Cancro do

STratamento de inverno com oxicloreto de cobre

O

C. parasitica é um organismo que consta do Anexo II, parte A, secção II, alínea c, ponto 3, do Decreto-lei n.º 154/2005, republicado pelo Decreto-lei n.º 243/2009 de 17 de setembro, sendo por isso considerado um organismo prejudicial cuja introdução e dispersão é proibida, quando presente em vegetais de Castanea Mill e Quercus L., destinados à plantação, exceto sementes. Pensa-se que o fungo terá sido introduzido nos Estados Unidos através da importação de plantas da China ou Japão. Foi identificado pela primeira vez no ano de 1904, em Nova Iorque. No final dos anos 20 do século passado, cerca de 3,5 biliões de castanheiros americanos (Castanea dendata) estavam infetados, conduzindo praticamente ao desaparecimento desta espécie. Na Europa, a doença foi assinalada pela primeira vez em Itália, em 1938, tendo-se difundido rapidamente. No final dos anos 60, as zonas cultivadas a sul da Europa já se encontravam contaminadas. Em Portugal o alerta surge em 1989, em castanheiros europeus (Castanea sativa) 22 • Parques e Vida Selvagem primavera 2013

nas regiões de Carrazedo de Montenegro e Parada. Apesar de em finais dos anos 90 se ter implementado o “Programa Nacional de Erradicação do Cancro do Castanheiro”, tendo a Direção Regional de Agricultura de Trás-osMontes ao longo de três anos monitorizado 82 mil castanheiros, não foi possível erradicar o fungo, tendo, no entanto, havido uma diminuição dos níveis de infeção. Este programa permitiu ainda que os produtores adotassem um conjunto de boas práticas culturais que limitaram a rápida dispersão da doença.

Sintomas

Os sintomas iniciais da doença, folhas secas de cor amarela-acastanhada e ramos secos entre a folhagem ainda verde, podem ser confundidos com outras patologias. A observação mais atenta dos ramos e tronco, permite detetar a presença de cancros de cor avermelhada nas plantas jovens, com fendilhamento longitudinal da casca nas adultas. Sobre os cancros, na primavera, com chuva são visíveis pústulas de cor amarela-alaranjada, constituídas por peritecas e picnidios (frutificações sexuadas e assexuadas,

SSintomas da doença em fase inicial Dulce Anastacio

O “Cancro do Castanheiro” é uma doença provocada pelo fungo Cryphonectria parasitica (Murrill) Barr., que se encontra disseminada pelos soutos e castinçais portugueses, constituindo uma das principais causas do seu declínio

SCancro (coloração avermelhada)

SEstroma do fungo

respetivamente) do fungo. Debaixo da casca, observa-se o micélio, de cor esbranquiçada ou amarelada em forma de leque. Como consequência do ataque do fungo há um estrangulamento anelar, que impede a circulação da seiva, conduzindo à morte dos ramos situados acima da lesão. Abaixo da lesão há desenvolvimento de ramos adventícios.

Hospedeiros

Castanea spp. (castanheiros), particularmente C. dendata (castanheiro americano) e C. sativa (castanheiro europeu), C. molissima e C. crenata têm um grau elevado de resistência. Quercus spp., Castanopsis, Acer, Rhus typhina e Carya ovata poderão esporadicamente ser infetados, não assumindo a doença gravidade comparável com a do castanheiro.


Dulce Anastácio

lei n.º 243/2009 (constatação oficial de que os vegetais são originários de áreas isentas de C. parasitica ou não se observaram sintomas da presença de C. parasitica, nem no local de produção nem na sua vizinhança imediata, desde o início do último ciclo vegetativo completo). • Colher material para enxertia em soutos sãos.

Gisela Chicau

Gisela Chicau

Dulce Anastacio

Dulce Anastacio

Os resultados de um estudo realizado por Gouveia, et al., indicaram que o corte e extirpação de ramos são mais eficazes se realizados em pomares onde o nível de infeção ainda é baixo. Esta prática não permite uma recuperação definitiva das árvores. Deverá promover-se a formação da copa das árvores o mais cedo possível, de forma a evitar grandes cortes. Nalguns locais tem-se observado a cicatrização espontânea de cancros. Este fenómeno devese à presença de estirpes hipovirulentas de C. parasitica. No âmbito da luta biológica tem-se procurado implementar esta metodologia, através do isolamento das estirpes hipovirulentas, quando presentes, nos povoamentos, e posterior inoculação nas árvores infetadas. Por Gisela Chicau Eng. Agrónoma Maria Dulce Anastácio Eng. Agrónoma Miguel Rebelo Eng. Agrícola (DRAPN – DSCA)

Bibliografia Agrios, G. N. (2005) Plant Pathology, 5th edition, Elsevier Academic Press, London, UK. 922pp.

SCirro de C. parasitica

SFendilhamento longitudinal da casca

SCancro (coloração avermelhada)

Biologia

Meios de controlo

C. parasitica penetra no hospedeiro através de feridas na casca (poda, fendilhamentos, etc.). Os cirros alaranjados libertados dos conídios em condições de elevada humidade relativa, que contêm elevado número de esporos (picnidiósporos), são transportados pelo vento, chuva, insetos, pássaros e pequenos mamíferos, dispersando assim a doença. O transporte de madeira e garfos infetados, e a utilização de instrumentos de poda sem desinfeção, contribuem igualmente para a dispersão do cancro do castanheiro. Os ascósporos, são projetados das peritecas (fenómeno mecânico) a poucos centímetros, sendo posteriormente transportados a maiores distâncias pelo vento. Tanto os picnidiósporos, como os ascósporos dão origem a novas infeções.

• Corte de ramos com cancros (cerca de 20 cm abaixo da lesão). • No tronco e ramos de maior diâmetro, extirpação dos cancros, até atingir madeira sã, pincelando a ferida com uma pasta à base de cobre. • O material lenhoso infetado deve ser queimado no local. • Desinfetar os instrumentos utilizados na poda (lixívia diluída ou álcool a 70o). • Podar com tempo seco. • Na plantação de pomares novos, utilizar plantas sãs. Chamamos a atenção para o facto de todas as plantas de Castanea spp., exceto sementes, terem de circular acompanhados por um passaporte fitossanitário, que atesta o cumprimento das exigências específicas que constam do Anexo IVAII, ponto 7 do Decreto-

BRAGANÇA, Helena et al. “Cancro do castanheiro” – dispersão da doença em Portugal. Caso-estudo para determinação de factores de dispersão. Disponível em http://www.esac.pt/cernas/cfn5/docs/T5-44.pdf Acessos em 23 nov. 2012. BRAGANÇA, Helena et al. Survey and geographic distribution of chestnut blight in Portugal. Rev. de Ciências Agrárias, Lisboa, v. 31, n. 2, dez. 2008. Disponível em http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S0871-018X20080002000 18&lng=pt&nrm=iso Acessos em 23 nov. 2012. CARVALHEIRA, Marta et al. O “Cancro do Castanheiro” no Nordeste Transmontano – Medidas para Travar o seu desenvolvimento. Silva Lusitana, Lisboa, 8(2):239 – 244, 2000. Disponível em https://bibliotecadigital. ipb.pt/bitstream/10198/5954/3/Silva%20Lusitana.pdf Acessos em 23 nov. 2012. GOUVEIA, Eugénia et al. Epidemiologia do cancro do castanheiro. Dinâmica da distribuição espacial de Cryphonectria parasitica (Murril) Barr. Disponível em https://bibliotecadigital.ipb.pt/handle/10198/3361 Acessos em 23 nov. 2012. OEPP/EPPO (2005). Cryphonectria parasitica. Bulletin Bulletin 35, 271-273. Disponível em http://www.eppo. int/QUARANTINE/fungi/Cryphonectria_parasitica/ pm7-45(1)%20ENDOPA%20web.pdf Acessos em 28 nov. 2012.

Parques e Vida Selvagem primavera 2013• 23


24 QUINTEIRO

Aves selvagens

Vai um cheirinho?

A

té há bem pouco tempo era ponto assente que a esmagadora maioria das aves não teria um olfato significativo. As suas perceções esgotar-se-iam, indiscutivelmente, na visão e na audição. Começaram entretanto a surgir factos que questionam esse ponto de vista. Um deles envolve aves tão habituais como os estorninhos. Observou-se que levam para os seus ninhos folhas de determinadas plantas no intuito de repelirem a presença de piolhos e outros parasitas. Agora que o inverno abre caminho à próxima estação do ano, começará a ouvir as aves a cantar no seu jardim. Poderá concluir que deverão ter um bom sentido auditivo, superior ao nosso, não só para distinguirem a territorialidade e tudo o que lhe está associado como para estarem alerta face

24 • Parques e Vida Selvagem primavera 2013

a predadores, dada a sua posição intermédia na cadeia alimentar. Se não conjugarem as perceções para detetarem a tempo o avanço de um gato, por exemplo, evidenciariam uma fragilidade fatal. Também se tornou evidente que a visão é um sentido muito desenvolvido nas aves, quer à distância quer na proximidade das ramagens de uma árvore. A deteção de grão, de larvas de insetos e outros alimentos revela-se rápida e eficaz. Outros sentidos — como o tato, o paladar ou o olfato — costumavam passar ao lado no que toca às pesquisas ornitológicas. Mesmo assim, quantas vezes observou uma das mais frequentes aves das cercanias, o melro, a bicar certeiramente no relvado e a extrair minhocas que decerto não vê à superfície do solo? Isso leva a ponderar que esta ave terá um ouvido muito apurado. Mas, mesmo que à partida pareça errado, até que ponto não se poderá colocar a hipótese de haver algum tipo de odor associado ao sítio em que uma minhoca está ativa que o melro consegue detetar? Seja como for, não é de duvidar que haja novidades na investigação científica neste campo que venha a desmistificar ideias-feitas que se consolidam com o tempo até que sejam, com fundamento, postas em causa. A arte da sobrevivência na vida selvagem não é tarefa fácil e só a conjugação de um leque alargado de soluções na obtenção de alimento consegue dar a estes seres de metabolismo acelerado um tempo de vida que lhes permite passar os seus genes aos descendentes. Faz sentido por isso ajudar esta fasquia da biodiversidade na medida em que lhe seja possível. A conservação de habitats de alimentação e de reprodução é fundamental mas se puder manter no seu jardim um comedouro para aves selvagens estará com certeza a auxiliar. Agora que o inverno se torna mais curto, o tempo de reservar território e fazer ninho está a chegar. Já instalou alguma caixa-ninho no seu jardim? Texto Jorge Gomes

João L. Teixeira Glen Fergus | Wikipedia

A ideia de que as aves têm um sentido do olfato pouco apurado começa a tremelicar: pensava-se que a vida destes animais se centrava em pouco mais do que a excelência da visão e da audição, mas a pesquisa avança e colhe novidades em torno desta pergunta – o olfato destes animais será mesmo um sentido menor?

O quivi, Apteryx X sp., consegue cheirar minhocas até pelo menos 15 centímetros de profundidade. Como evoluiu em habitats do atual território neo-zelandês praticamente sem predadores pôde desistir de voar aplicando esse esforço evolutivo no desenvolvimento de outros sentidos.


Wikipedia

Jorge Gomes

SEstorninho-malhado: esta espécie costuma fazer ninho em buracos de árvores e de muros, onde põe alguns ovos azulados; aceita também caixas-ninho, só que com uma abertura de um diâmetro um pouco maior do que as próprias para chapins e outros passeriformes de menor dimensão WNão deixa de ser polémico, mas depois de instalada uma caixa-ninho no seu jardim, fora do alcance dos gatos, pode optar por a limpar no inverno. Na fotografia, a reforma de alguns ninhos em mau estado no Parque Biológico de Gaia por técnicos de educação ambiental

O urubu, sul-americano, X consegue localizar pelo olfato debaixo da floresta tropical carcaças de que se alimenta

Parques e Vida Selvagem primavera 2013• 25


26 DUNAS

Cordão dunar Levados pelo embalo das ondas ou simplesmente deambulando ao sabor da brisa marinha, há cerca de 14 quilómetros de litoral em Vila Nova de Gaia, passadiços fora. Domina ali o cordão dunar, sobretudo para sul, logo a seguir aos granitos de Lavadores, com a bonita idade de aproximadamente 300 milhões de anos, nas palavras dos geólogos. Ao dirigir-se para sul, a linha da costa faz-se de areia. Para que esta se aguente, há uma espécie botânica do grupo das gramíneas que não deixa os seus créditos em mãos alheias: chama-se estorno e leva por nome científico Ammophila arenaria. Sob a areia, estende longas raízes que, além de assegurarem a vida da parte visível da planta, à luz do sol, criam uma estrutura eficaz na retenção das areias que dão corpo à duna. Juntam-se sucessivamente umas boas dezenas de outras espécies de plantas

nativas típicas do ambiente dunar, reunindo todas elas diferentes talentos para ali viver, sempre com raízes neste tipo difícil de solo. O cordão dunar continua a ser a primeira linha de proteção da terra face ao mar. Os passadiços e os regeneradores das dunas são ambos estruturas de madeira pensados para ajudarem a reabilitar estes habitats sob proteção legal, sem contudo fazerem milagres. No cordão dunar, rumo a sul, tem ainda muito para ver, ao sabor de cada estação, inclusive no inverno. Certo é, mesmo assim, que nada substitui uma visita pessoal a estes espaços onde a salsugem do mar se sente ao longo de todo o ano.

SManhã de 4 de outubro: libertação de borrelhos-de-coleira-interrompida reabilitados no Centro de Recuperação do Parque Biológico de Gaia

Parque de

Dunas

João L. Teixeira

da Aguda 26 • Parques e Vida Selvagem primavera 2013


João L. Teixeira

N

o inverno os borrelhos andam em bandos. E estamos em crer que estes dois juvenis, libertados na manhã de 4 de outubro, andem pelo litoral a dar à asa entre a rebentação das ondas do mar e as dunas com a sua vegetação típica. No nosso clima, esta é a época do ano em que as plantas das dunas sentem temperaturas mais frias e quando a humidade mais as visita, enquanto preparam o rejuvenescimento da primavera. Ao visitar o Parque de Dunas da Aguda, não verá agora a maior parte das flores destas espécies, que ajudam a distingui-las na areia, mas nem por isso a sua função fixadora deixará de se sentir. Este parque com cerca de dois hectares, desde 1997 que sensibiliza a população para a

importância da conservação dos ecossistemas dunares. Numa primeira linha as dunas são essenciais para travar o avanço do mar. No caso concreto da Aguda, se estas dunas desaparecessem — e para isso bastaria abri-las ao pisoteio para as pessoas acederem ao mar sem passadiços — a estrada

passaria a ser uma marginal constantemente inundada, no inverno, pelas ondas do mar, que chegaria às casas. As dunas são também o habitat de muitas espécies animais e vegetais, algumas delas endémicas, ou seja, com populações restritas a uma região, ou raras. As plantas das dunas são o tecido pelo qual se torna consistente a vida de aves do litoral, como os borrelhos, de pequenos répteis e anfíbios, invertebrados, entre outros. Aquilo que mais destrói as plantas que vivem nas dunas é a construção ilegal, o despejo de lixo, a circulação desordenada de veículos motorizados ou mesmo andar a pé em cima delas. Além disso, as dunas são habitats protegidos por lei. Protegê-las é um serviço que a todos beneficia.

Parques e Vida Selvagem primavera 2013• 27


28 DUNAS

Reserva Natural Local do Estuário do

Durante o Fim de Semana Europeu de Observação de Aves estiveram ativos centena

E

SFim de Semana Europeu de Observação de Aves na RNLED

Joaquim Oliveira

m 6 e 7 de outubro realizou-se o Fim de Semana Europeu de Observação de Aves (EuroBirdwatch 2012). O evento, de caráter internacional, é promovido anualmente pelo BirdLife, uma associação ornitológica que tem por parceiro em Portugal a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves. Na Reserva Natural Local do Estuário do Douro estes dias juntaram ambas as instituições e o Parque Biológico de Gaia, entidade gestora desta área protegida. Quem passeava perto sentiu curiosidade. Depois das observações e de explicado o contexto, houve até quem dissesse: «O passeio de bicicleta trouxe-nos aqui. Ficamos felizes por este encontro casual que nos enriqueceu». Outra participante afirmou: «Achámos a iniciativa muito interessante. Gostávamos que repetissem e agradecemos a disponibilidade do técnico que nos acompanhou». Outro interveniente expressou-se assim: «Gostámos! Moramos aqui tão perto e não tínhamos conhecimento da variedade de aves que aqui passam...». «Adorámos a aproximação às aves. Ver espécies diferentes, que nunca vimos, só em fotografias. As crianças ficaram fascinadas. Obrigada pelo momento especial», diz uma mãe. Ao todo, sábado, 6 de outubro, contaram-se 91 participantes e no dia seguinte 228. Em ambos os dias foram observadas 40 espécies de aves. Registaram-se 31 espécies de aves no sábado, e, domingo, 36. Os registos que se têm realizado desde 2010 nesta Reserva Natural, inseridos no plano de Rastreio de Aves Anilhadas, têm contribuído para conhecer os movimentos de deslocações de espécies europeias que são acompanhadas por projetos de estudo específicos, reconhecendo-se cada vez mais a nível europeu a importância de pequenos espaços que hoje são desvalorizados pelo facto das aves apresentarem fidelidade a determinados locais que não estão diretamente associados a grandes áreas.

Espécies observadas na Reserva 6 e 7 de outubro de 2012

SPato-preto, Melanitta nigra, uma ave que passa o inverno no mar português e regressa na primavera à nidificação na tundra do Norte europeu

Pelecaniformes

Phalacrocorax carbo Ciconiformes Egretta garzetta Ardea cinerea Anseriformes Anas platyrhynchos Melanitta nigra

Charadriiformes

Haemantopus ostralegus Charadrius hiaticula Arenaria interpres Pluvialis squatarola Calidris alpina Calidris alba Numenius arquata Numenius phaeopus Limosa lapponica

28 • Parques e Vida Selvagem primavera 2013

Actitis hypoleucos Tringa totanus Larus marinus Larus fuscus Larus michahellis Ichthyaetus melanocephalus Chroicocephalus ridibundus Thalasseus sandvicensis

Columbiformes Columba livia Apodiformes Apus apus

Coraciiformes Alcedo atthis

Falconiformes Falco tinnunculus

Passeriformes

Delichon urbicum Cecropis daurica Hirundo rustica Motacilla alba Pica pica Cisticola juncidis Phylloscopus trochilus Oenanthe oenanthe

Saxicola torquita Turdus merula Phoenicurus ochruros Passer domesticus Carduelis chloris Serinus serinus


João L. Teixeira

Douro

as de participantes

SGaivota com a anilha de cor azul com código N.JAR e anilha metálica com referência L912857, em ativo “chapinhar gastronómico” - ave observada na RNLED desde 11 de julho de 2012 a 29 de setembro do mesmo ano.

Chapinhar para petiscar

SHélder Vieira viu em 30 de novembro de 2012 uma gralha-cinzenta, Corvus corone cornix, com o telescópio a alimentar-se junto dos corvosmarinhos na "ilha" de areia em frente ao observatório mais avançado da RNLED. Trata-se de uma subespécie do Centro da Europa. Paulo Leite, fotógrafo da natureza, estava ao lado e conseguiu registar esta raridade quando voou: será a segunda vez que a espécie é observada em Portugal!

Escrevedeira-das-neves Nos dois últimos meses do ano passado passou pela Reserva Natural Local do Estuário do Douro uma escrevedeira-das-neves, Plectrophenax nivalis. Trata-se de uma espécie de ave de «alta montanha que se distribui pelas regiões árticas da Europa, da Ásia e da América». No inverno «migra para latitudes mais temperadas. Portugal não é um dos seus locais importantes de invernada mas, mesmo assim, esta ave pode ser vista entre outubro e março nas terras altas e nas zonas dunares». Na RNLED, a lista ornitológica já vai além da 210.ª espécie ali observada. João L. Teixeira

Paulo Leite

A

gora que estamos no inverno é altura de relembrar os tempos de infância, em que todos tínhamos um certo gosto por chapinhar nas poças. Este comportamento, que para as crianças é um divertimento, para muitas aves pode ser uma questão de sobrevivência. A RNLED é o cenário indicado para recordar esses momentos de juventude, observando as aves. Deixamos assim aqui um registo concreto. Uma gaivota Larus fuscus intermedius belga (nasceu em Zeebrugge - West-Vlaanderen - próximo da fronteira com Holanda), com pouco mais de dois anos de idade, tem permanecido na RNLED, fazendo desta área protegida a sua segunda morada. Tem-se revelado exímia na técnica de “chapinhar” (trembling foot), técnica utilizada normalmente em águas turvas e lamacentas que auxilia na captura de pequenos animais aquáticos. Pode ser descrita da seguinte forma: a ave desloca-se devagar sempre com as patas na água, arrastando-as e agitando-as alternadamente provocando uma trepidação que dura alguns segundos. Desta forma tenta localizar e capturar potenciais presas que estejam escondidas na lama, conseguindo assim boas refeições. O “trembling foot” é um comportamento evidente em muitas espécies. Talvez a tradução mais compreensível seja “bater com os pés rápida e alternadamente”. Esta técnica começou a ser descrita no final da segunda década do século passado e é utilizada por borrelhos, tarambolas, pilritos... Algumas gaivotas também utilizam este estratagema nas zonas intertidais e encharcadas, batendo na água (chapinhando) de forma a remexer o substrato, conseguindo capturar pequenos animais ali escondidos. Este chapinhar é também utilizado pelos borrelhos durante a altura de nidificação como forma de criarem a concavidade própria na areia (ninho) para colocarem os ovos. É interessante observar estas aves que lembram o sapateado de Fred Astaire e Ginger Rogers dos famosos musicais da Broadway da década de 30, ou mesmo o sapateado irlandês, verdadeiros artistas naturais que atuam numa “casa de espetáculos” conhecida por RNLED. Por Paulo Faria

Parques e Vida Selvagem primavera 2013• 29


30 DUNAS

Aguda estação litoral Vocação

Desde tempos remotos, o mar foi fonte de alimento, local de descoberta, de comércio e lazer SPesca artesanal na Praia da Aguda

O

Homem percorre-o há milhares de anos mas apenas em 1872 é que começou a fazer os primeiros estudos de Biologia Marinha e Oceanografia, com o navio inglês “Challenger”, já equipado com laboratórios e instrumentário científico a bordo. Desde então, as Ciências do Mar evoluíram, sobretudo na segunda metade no século passado. Quase ao mesmo tempo nasceram as Estações Marinhas na costa europeia para fornecer condições de trabalho para o estudo dos organismos marinhos no seu habitat natural. A mais antiga estação data de 1871 e foi construída em Roscoff na costa Norte de França. A mais famosa de todas, a Estação Zoológica de Nápoles, nasceu em 1873 na Itália. Grandes cientistas visitaram-na regularmente para estudar a fauna e flora marinhas locais. As amostragens do material eram tarefa dos pescadores locais que conheciam muito bem a área e também eram peritos nas técnicas de colheita. Isto motivou os fundadores das primeiras estações marinhas a construírem os edifícios perto ou mesmo dentro dos portos de pesca locais. No Porto, a Estação de Zoologia Marítima foi criada em 1914 pelo Professor Doutor Augusto Nobre da Universidade do Porto. Em paralelo, os Aquários Públicos conquistaram o mundo ao longo das costas. O primeiro aquário público abriu em Londres no ano de 1853, e o primeiro guia de um aquário foi publicado em 1855. Em Lisboa, o

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SEstação de Zoologia Marítima Dr. Augusto Nobre (Autor desconhecido)

Aquário Vasco da Gama foi inaugurado em 1898, numa cerimónia de grande impacto público e na presença da Família Real. Desde então a evolução técnica e científica dos aquários nunca mais parou e continua a surpreender ano após ano, com construções arquitetónicas cada vez mais sofisticadas. Grandes Oceanários, com milhões de litros de água salgada artificial, foram erguidos, até longe da costa, no interior de alguns países. Até hoje construíram-se mais de 650 aquários em todo o mundo, para além dos que estão integrados nos jardins zoológicos. Atualmente, 50 novos oceanários/aquários estão em construção e esta tendência parece que não vai parar. No entanto, apenas metade das cem maiores cidades do mundo possui um aquário público, em contrapartida algumas cidades têm mais do que um.

SAquário Vasco da Gama (Marinha Portuguesa)

Com 60 milhões de litros de água, que albergam mais de cem mil animais de 800 espécies diferentes, o maior oceanário do mundo o “Marine Life Park” abre em Singapura em dezembro de 2012, com um investimento total de 5,4 mil milhões de euros. A visita a um aquário, desde que este esteja organizado e montado pedagogicamente, contribui para informar, ensinar e consciencializar o público em relação à biodiversidade aquática, aos problemas e programas de conservação e proteção da Natureza… muito mais do que qualquer artigo na imprensa diária, numa revista de divulgação científica ou num canal de televisão. A mensagem transmitida por um aquário ao visitante deve fazê-lo sentir-se consciente e, assim, mais responsável pela preservação de um património de beleza indescritível e de


SEstação Litoral da Aguda ELA

SAquário da ELA

importância ímpar, que são os oceanos e mares, lagos, rios e ribeiros. A Estação Litoral da Aguda (ELA) nasceu numa praia conhecida pela pesca artesanal, a Praia da Aguda em Vila Nova de Gaia, município que adotou e se responsabilizou pelo projeto. A ELA é pequena quando comparada com a grande maioria dos aquários públicos mas também integra um Museu das Pescas, que exibe objetos únicos de todo o mundo, alguns com mais de dois mil anos de idade. Ainda tem um Departamento de Educação e Investigação que fornece vários programas de educação ambiental para todas as classes de idade e todos os níveis pedagógicos, incluindo o ensino superior. A famosa frase “small is beautiful” pode aplicarse ao caso da ELA. Em cada visita encontra-se algo de novo e diferente. Espécies locais são

SMuseu das Pescas da ELA

introduzidas e mantidas nos aquários, algumas delas raridades, enquanto outras conseguem mesmo reproduzir-se ou atingir grandes dimensões em pouco tempo. É uma montra representativa da biodiversidade aquática local, sobretudo marinha. As coleções no Museu das Pescas são enriquecidas com novas peças vindas dos cantos mais remotos do mundo, e os Programas Pedagógicos são esporadicamente atualizados e adaptados de acordo com as novas realidades. A ELA pratica investigação científica nas áreas da Ecologia Marinha, Aquacultura e Pescas, e também está ativa no âmbito da conservação da Natureza, recuperando e libertando organismos marinhos como tartarugas-marinhas (Caretta caretta) e lavagantes juvenis (Homarus gammarus), o que tem sido feito sistematicamente nos últimos anos.

A vocação da ELA é inspirar os visitantes de todas as faixas etárias para melhor entenderem, valorizarem e se preocuparem com a vida marinha costeira, informando, educando e divertindo ao mesmo tempo, através de uma exposição fascinante. Por Mike Weber

ESTAÇÃO LITORAL DA AGUDA Rua Alfredo Dias, Praia da Aguda 4410-475 Arcozelo • Vila Nova de Gaia Tel.: 227 536 360 / fax: 227 535 155 ela.aguda@mail.telepac.pt www.fundação-ela.pt

Parques e Vida Selvagem primavera 2013• 31


32 ESPAÇOS VERDES

N

a manhã de 18 de dezembro, o presidente do Município de Vila Nova de Gaia, Luís Filipe Menezes, apresentou no Parque da Lavandeira a candidatura ao próximo quadro comunitário de apoio da reabilitação da estufa do jardim romântico da quinta da Lavandeira. Para esse feito está criada uma parceria entre a família proprietária de terrenos adjacentes ao Parque da Lavandeira, onde se situa uma estufa com interesse histórico, «um exemplar único na Península Ibérica, associado a um jardim romântico». Em visita ao local, Menezes afirmou: «Temos o compromisso de tratar bem este espaço

32 • Parques e Vida Selvagem primavera 2013

e preparar uma candidatura para recuperar este património». Adiantou que está em curso «um conjunto de processos que visam alargar os espaços verdes do concelho», sendo «este parque municipal o mais central da cidade». Rematou: «É um trabalho que não está fechado. Espero que nos próximos anos continue». Numa década «os cidadãos de Gaia dispõem do triplo de área verde conseguida no concelho: de 2,5 metros quadrados por habitante, Gaia oferece agora 8,5 metros quadrados», sublinhou Menezes. Este parque fica em Oliveira do Douro. Com entrada grátis, está aberto todos os dias e nele ocorrem várias iniciativas de participação gratuita.

João L. Teixeira

Parque da Lavandeira


João L. Teixeira

Parque Botânico do

castelo

O

praia algumas cantarias de granito aparelhadas à maneira romana, estruturadas entre si. Procedeu-se de imediato à sua limpeza e registo. Entretanto em meio subaquático os mergulhadores registaram diversas existências de espólio e outros elementos que valorizam o conhecimento do sítio. No final dos trabalhos foi reposta a paisagem, pois não era possível, nas atuais circunstâncias, manter à vista as estruturas descobertas. Os trabalhos desta campanha passaram

Concluiu-se a terceira campanha de escavações arqueológicas no Castelo de Crestuma em 22 de setembro e confirmou-se a existência de um cais romano entretanto à fase de estudo, devendo prosseguir no terreno no verão. Como aconteceu noutras épocas, quando o inverno passar o Parque Botânico do Castelo irá começar a cobrir-se de um novo ciclo de floração silvestre, o que dá um toque singular à linda paisagem do sítio. A entrada neste parque é grátis. Direitos Reservados

Agenda

trabalho de campo tem vindo a ser promovido pela empresa municipal Águas e Parque Biológico de Gaia e realizado pelo Gabinete de História, Arqueologia e Património da Confraria Queirosiana, coordenado pelos arqueólogos J. A. Gonçalves Guimarães e António Manuel Silva. Os arqueólogos suspeitavam que existisse na praia de Favaios este porto, com base no espólio vindo de longe, nas cantarias de bom porte por ali dispersas e nas indicações do levantamento geofísico ali realizado por geo-radar, que indiciou a existência de estruturas enterradas na areia. Também a compreensão do sítio que o estudo do complexo arqueológico de Crestuma tem vindo a proporcionar foi decisiva. Para tal foram mobilizados diversos meios técnicos e uma equipa com núcleos de aptidões diversas. Enquanto na praia junto à linha de água foi colocada a operar uma máquina escavadora, eram cheios sacos de areia para entivar a área escavada e acionado um grupo de motobombas. No rio Douro uma equipa de mergulhadores da Companhia de Sapadores Bombeiros efetuou o reconhecimento subaquático da zona sob a indicação dos arqueólogos. Todas estas ações foram devidamente registadas em terra, e também na água através da colaboração da Junta de Freguesia de Crestuma, que para o efeito disponibilizou um barco e tripulação. Começaram a aparecer na área escavada da

As mulheres do campo vêm à vila Aos sábados de manhã, venda de legumes sem pesticidas.

Yoga A orientação é da responsabilidade da Dr.ª Luísa Bernardo, que proporciona a atividade em regime de voluntariado. Quartas e sextas-feiras às 9h45.

Tai Chi Às terças e quintas-feiras, aulas às 9h30. Participação e entrada grátis.

Pode seguir o Parque da Lavandeira no Facebook, no site www.parquebiologico.pt (botão Parque da Lavandeira), enviar uma mensagem pelo e-mail lavandeira@parquebiologico.pt ou telefonar para 227 878 138.

SMomento dos trabalhos arqueológicos de setembro do ano passado

Parques e Vida Selvagem primavera 2013• 33


João L. Teixeira

34 ESPAÇOS VERDES

Área ampliada 6,8 hectares

Caminho de Viseu Área existente até 18 de maio de 2012 35 hectares

Parque Biológico de Gaia

ampliado O Plano Diretor Municipal já marcava os novos espaços há anos mas só nesta altura se tornou possível alargar os 35 hectares que compõem este equipamento de educação ambiental

“O

alargamento do Parque Biológico de Gaia surge no contexto de um grande objetivo: chegar em apenas uma década a uma ocupação de espaços verdes per capita em Gaia que tivesse o nível do Norte da Europa», disse o presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, Luís Filipe Menezes, quando da cerimónia que assinalou a nova fase de ampliação do Parque Biológico de Gaia, no final da manhã de 30 de outubro passado.

34 • Parques e Vida Selvagem primavera 2013

Aos 35 hectares já florestados somaramse agora mais sete, em parte graças à colaboração de mecenas da campanha “Confie ao Parque Biológico de Gaia o Sequestro de Carbono”, em curso desde há quatro anos. Os resultados desta iniciativa tinham sido acabados de apresentar no auditório por Nuno Gomes Oliveira que referiu uma ligação histórica à segunda Invasão Francesa, nos idos de 1809, de um velho caminho, o caminho de Viseu.

Nas próprias palavras de Menezes, o alargamento do Parque Biológico em mais sete hectares é um passo para atingir os 58 que constam do Plano Diretor Municipal, capazes de consolidar esta pequena reserva de natureza «como parque urbano com este tipo de características, porventura o mais importante e mais significativo da Península Ibérica». Esta ampliação da área do Parque está associada «a uma política de educação ambiental e a uma prestação de serviços um pouco por todo o país».


João L. Teixeira

S Luís Filipe Menezes: plantação simbólica de um carvalho na área ampliada

Visita à área X ampliada do Parque

Além disso, estes metros quadrados verdes garantem «42 hectares de floresta autóctone que fixam a cada ano 1600 toneladas de dióxido de carbono». No novo espaço há também uma ribeira, que enriquece a biodiversidade da área recémadquirida. Ficam a faltar 16 hectares para o parque agregar a área que o afasta da auto-estrada. Estando marcado o 30.º aniversário do Parque Biológico de Gaia para março de 2013, esta foi, com certeza, a antecipação de uma boa prenda.

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36 ESPAÇOS VERDES

Carlos Pimenta visitante

2 500 000 A

o final da manhã, o Parque Biológico de Gaia recebeu o visitante n.º 2 500 000, Carlos Pimenta, antigo Secretário de Estado do Ambiente. O Presidente do Município gaiense, Luís Filipe Menezes marcou presença e disse, a respeito de Carlos Pimenta, que é “o grande criador da política ambiental em Portugal”. As declarações foram prestadas depois de um breve passeio pelo percurso de descoberta da natureza até ao complexo de exposições intitulado Biorama, local onde Carlos Pimenta não disfarçou o facto de se sentir sensibilizado com a distinção e com a evolução do Parque: “Este projeto em Gaia é do melhor que há no mundo. Hoje, ao ver o Parque, a sua expansão, o seu número de visitantes e, principalmente, a obra que é feita com amor por toda uma comunidade viva de pessoas, recheada de vivências e de educação ambiental, sinto-me comovido”. Adiantou que “não é só o produto interno bruto por habitante que mede a realização de cada um: é também o tipo de relação com o verde, a sensação de que não estamos a delapidar o capital natural”. E confessou: “Tenho para mim que a grande crise que a humanidade terá de enfrentar – eu sou um otimista, acho que temos capacidade

para a enfrentar – não é a crise dos problemas financeiros, mas sim a crise do capital natural que a geração atual e as anteriores, desde a revolução industrial, geraram, com a perda de biodiversidade, a quantidade de espécies que desaparecem cada dia para sempre, com a acumulação de resíduos tóxicos e de metais pesados e de outras substâncias que se acumulam na cadeia alimentar. Se hoje se fizer uma análise de sangue a um albatroz do Pacífico surge um cocktail de químicos que não havia no final da II Grande Guerra Mundial. Não há natureza que aguente este tipo de excessos”. Como registo do momento ficou uma placa comemorativa na entrada do centro de acolhimento do Parque. O Município de Vila Nova de Gaia “investiu cerca de 125 milhões de euros na melhoria das condições ambientais” ao longo do mandato de Luís Filipe Menezes. Hoje distingue-se com cerca de 8 metros quadrados de espaços verdes por habitante, “um valor ao nível dos países nórdicos”, salientou o autarca.

João L. Teixeira

Conhece o Parque Biológico de Gaia desde o seu início: em 9 de novembro, Carlos Pimenta foi o visitante n.º 2500000!

SDe tarde Carlos Pimenta visitou a Reserva Natural Local do Estuário do Douro

36 • Parques e Vida Selvagem primavera 2013

SCarlos Pimenta: “Hoje, ao ver o Parque, a sua expansão, o seu número de visitantes e, principalmente, a obra que é feita com amor por toda uma comunidade viva de pessoas, recheada de vivências e de educação ambiental, sinto-me comovido”


Parque Ponte Maria Pia

João L. Teixeira

Em 11 de dezembro o presidente do Município de Vila Nova de Gaia, Luís Filipe Menezes, despoletou a fase inicial da construção do Parque Ponte Maria Pia, um dos novos espaços verdes da cidade. Para o efeito, simbolicamente plantou a sua primeira árvore, um azevinho. Este parque «é muito interessante porque fica situado numa zona urbana e de transição de freguesias», disse, referindo entretanto o prolongamento até à ponte Luís I para, mais tarde, através de um circuito ciclo-pedonal e outro para veículos elétricos, fazer a ligação entre a Alfândega do Porto e a Praia da Granja. O parque vai desenvolver-se em duas fases. Nesta, abrange o espaço até ao viaduto do antigo canal ferroviário Porto/ Lisboa, desativado.Na segunda estenderse-á até à ponte Maria Pia. Será um parque simples, de passeio e de lazer, mas importante numa área densamente povoada.

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João L. Teixeira

38 ESPAÇOS VERDES

SMaria da Luz Gebusa liberta um andorinhão juvenil reabilitado pelo Centro de Recuperação de Fauna Selvagem

Maria da Luz Gebuza visita o Parque Biológico João L. Teixeira

M

SExposição permanente “Encantos & Desencantos”

38 • Parques e Vida Selvagem primavera 2013

aria da Luz Gebuza, esposa do Presidente da República de Moçambique, visitou em 22 de novembro o Parque Biológico de Gaia. Recebida inicialmente no auditório, assistiu a um vídeo que apresenta uma síntese do que é o parque, tendo ainda, após uma apresentação do Presidente do Conselho de Administração das Águas e Parque Biológico de Gaia, EEM, José Miranda de Sousa Maciel, sobre o trabalho realizado na última década em matéria de melhoria da qualidade da água e do saneamento em Vila Nova de Gaia, visitado a exposição permanente “Encantos & Desencantos” e as exposições temporárias que a complementam. No início do pecurso de descoberta da natureza libertou vários andorinhões juvenis, reabilitados pelo Centro de Recuperação de Fauna do Parque, também eles aves migradoras que nesta época andam em África. A passagem de Maria da Luz Gebusa, que curiosamente é bióloga, por este equipamento de educação ambiental foi possível tendo em consideração o facto de nessa altura ter estado em viagem de trabalho na região do Porto. A visitante disse que a visita a Portugal é uma oportunidade singular para o reforço das relações de cooperação e amizade existentes entre os dois países e povos: «Fazemos votos para que esta cooperação se fortifique cada vez mais em prol da melhoria das condições de vida das populações dos dois países», afirmou Maria da Luz Guebuza.


João L. Teixeira

CENTRO DE RECUPERAÇÃO 39

Crias de andorinhão em recuperação

Andorinhões

João L. Teixeira

E

ntre a numerosa fauna que tem dado entrada no Centro de Recuperação do Parque Biológico de Gaia destacam-se alguns visitantes alados que fazem invernada em África e são, também, entre aves, as mais adaptadas a uma vida aérea. Estamos a referir-nos aos andorinhões. Ao longo do verão é normal a entrada de algumas crias que, certamente descuidadas no seu primeiro voo, acabam por aterrar no solo. Enquanto para a maioria das aves isso não é nenhum problema, pois levantam voo quando quiserem, como os andorinhões têm patas muito curtas e asas longas, não conseguem retomar o voo. É geralmente nessa circunstância que as pessoas as encontram e ficam preocupadas, pensando que estão feridas. Bem... pontualmente até poderão estar, ou apenas enfraquecidas, mas não na maioria das vezes. Bastaria soltá-las com a mão a meia altura e elas

SUma das crias tardias de andorinhão Apus palidus, a ser alimentada com larvas de inseto

retomariam o voo, como se se soltassem de um penhasco para darem espaço às asas. Um dos casos mais tardios de entrega de crias de andorinhão no Centro de Recuperação tem como protagonista Lara Reis, professora na Escola dos Carvalhos, que nos dias 16 e 18 de outubro entregou para reabilitação duas destas aves: «Um dos andorinhões apareceu pousado no hall da sala» e o outro «estava no chão do recreio: foram os alunos que nos alertaram». Querendo dar bom destino aos animais, «falei com outra professora que me disse que seria de os entregar ao cuidado do Parque Biológico de Gaia». Após exame veterinário e respetiva recuperação ambas as aves foram anilhadas por técnicos habilitados para o efeito e, em 17 de novembro, reencontraram a liberdade, quando após alguns círculos no ar rumaram ao calor do Sul. Acresce dizer que, a norte, este registo poderá ser o primeiro de uma nidificação estranhamente tardia.

Parques e Vida Selvagem primavera 2013• 39


Que será isto? Quando em 24 de outubro a revista “Parques e Vida Selvagem” foi distribuída, Alexandrina Morgado, de Marrazes, foi a primeira leitora a acertar no passatempo proposto: «Tomo a liberdade de tentar identificar as espécies da recente edição “Parques e Vida Selvagem” - Borboleta: Iphiclides feisthamelii, de nome comum borboleta-zebra. Ave: Haematopus ostralegus, de nome comum ostraceiro». Na lista de obras publicadas pelo Parque Biológico de Gaia escolheu como prémio o livro “Ecoturismo e conservação da natureza”, que lhe foi imediatamente enviado. António Luís Silva, de Valbom, foi o segundo leitor mais rápido: «Olá! Nunca é demais dar-vos os parabéns, e agradecer-vos por este magnífico trabalho que é a divulgação da natureza através desta vossa revista,

nomeadamente a existente nos parques naturais da região. A borboleta representada na fotografia da revista n.º 41 do ano XII, tem como nome comum: borboleta rabo-de-andorinha, que pelo seu padrão, também é chamada de borboleta-zebra. Pertence à classe dos insetos; pertence à ordem: Lepidoptera; à família: Papilionidae; ao género: Iphiclides. E é mais um belo ser com que nós coabitamos neste maravilhoso planeta». Nesta nova edição, quem sabe se não chega a sua vez de alcançar algum prémio? Para a presente edição de inverno, ficam estas fotografias de flora e fauna. É capaz de identificar estes seres vivos? Se for, não deixe de nos dizer! As fotografias publicadas são sempre de vida selvagem que já foi observada na região. As duas respostas mais rápidas recebem como prémio um dos livros editados pelo Parque Biológico de Gaia. Deve ser indicado um dos nomes vulgares reconhecidos ou, melhor ainda, o género ou o nome científico. Se acertar numa só de ambas as espécies, a sua resposta é igualmente considerada na lista das mais rápidas. Os leitores já premiados em edições anteriores só o serão se não houver outra resposta certa (este item só é válido durante um ano a partir da atribuição do prémio). Então, já sabe o nome de alguma destas duas espécies?

Joana Pereira

Passatempo

Agenda

Eis algumas das iniciativas a curto prazo que podem ser do seu interesse...

É tempo dos mais pequenos se divertirem nas oficinas que chegam em julho Estes espaços lúdicos e educativos destinam-se a crianças e jovens dos cinco aos 14 anos e decorrem de 1 a 5 de julho, de 8 a 12 de julho, de 22 a 26 de julho e de 29 de julho a 2 de agosto. Há também Campos de Verão. Encontra mais informações indo a www.parquebiologico.pt, clicando em Atividades.

Para participar tem de fazer a inscrição no Gabinete de Atendimento, através do e-mail atendimento@parquebiologico.pt, que funciona de março a setembro das 9h00 às 19h00. Os telefones diretos são 227 878 137 e 227 878 138.

40 • Parques e Vida Selvagem primavera 2013

João L. Teixeira

Oficinas de Verão


Gabriel Moreira

Envie-nos o seu e-mail para revista@parquebiologico.pt ou por carta para Parque Biológico de Gaia Revista “Parques e Vida Selvagem” 4430-681 Avintes O prazo para as respostas termina em 30 de junho de 2013.

Noites dos Pirilampos • Nos dias 1, 7 e 8 de junho, de 11 a 15, de 17 a 22 e de 25 a 29 do mesmo mês o Parque Biológico de Gaia recebe visitas, sob reserva, às 22h00 para observação de pirilampos e outros animais noturnos. Nesta época do ano a espécie mais abundante é o pirilampo Luciola lusitanica: de noite, os machos voam por vezes em elevado número à procura de fêmeas. Depois, há ainda observações astronómicas. Dia 1 de junho às 21h30 abre também a exposição do concurso de fotografia astronómica com a entrega dos prémios.

Sábado no Parque • Dia 1 de junho o Parque prepara algumas atividades especiais para os seus visitantes, com início às 11h00, quando decorre o atelier “Detetives no Parque”. Às 14h30, decorre a conversa do mês intitulada “Insetos à lupa”, levando a mostra de Paulo Latães que abre às 15h00 no salão de fotografia da natureza o mesmo título. Meia hora depois começa

a visita guiada pelos técnicos do Parque e o percurso ornitológico. No mesmo dia às 22h00 há observações astronómicas, se as condições meteorológicas o permitirem, sendo às 21h30 a abertura da exposição do concurso de fotografia astronómica com entrega dos prémios. Em 6 de julho, o atelier chama-se “Jogos de cores, cheiros e sabores” e a conversa do mês é sobre “Flora portuguesa em perigo”.

Anilhagem científica de aves selvagens • Nos primeiros e terceiros sábados de cada mês, das 10h00 às 12h00, os visitantes do Parque podem assistir de passagem pelo percurso de descoberta da natureza (Quinta do Chasco) a estas atividades, se não chover.

Observação de aves selvagens • Nos primeiros domingos e nos segundos

se tiver, um guia de campo de aves europeias e binóculos à Reserva Natural Local do Estuário do Douro. Com telescópio, estará um técnico do Parque para ajudar os presentes a identificar as aves do Litoral a partir dos observatórios ali instalados.

Exposição de Fotografia da Natureza "Insetos à Lupa" • Na Década da Biodiversidade, lançada pelas Nações Unidas até 2020, esta mostra temática vai abrir às 15h00 de sábado, 1 de junho. Patente todos os dias até fins de agosto no horário de abertura do Parque Biológico.

Receba notícias por e-mail Para os leitores saberem das suas atividades a curto prazo, o Parque Biológico sugere uma visita semanal a www.parquebiologico.pt A alternativa será receber os destaques, sempre que oportunos, por e-mail. Para isso, peça-os a newsletter@parquebiologico.pt

Mais informações

Simpósio Internacional sobre Conservação de Cágados • O Parque Biológico, entre 22 e 24 de maio,

Gabinete de Atendimento atendimento@parquebiologico.pt Telefone direto: 227 878 138 4430-861 Avintes - Portugal

vai organizar um Simpósio Internacional sobre tartarugas de água doce, no âmbito do Projeto LIFE-Trachemys, em que se encontra envolvido.

sábados de cada mês, das 10h00 às 12h00, leve,

Parques e Vida Selvagem primavera 2013• 41


42 ESPAÇOS VERDES Fauna

Novidades

N

o final do ano passado nasceram duas lontraseuropeias no Parque Biológico de Gaia. Depois de demorada permanência na segurança da toca, ciosamente defendidas pela progenitora, começaram a sair à luz do dia em novembro. Em 1 de dezembro, sábado, pelas 13h30, um juvenil selvagem de corvo-marinho-de-faces-brancas, Phalacrocorax carbo, pousou no Parque Biológico de Gaia o tempo suficiente para um mergulho. Como é habitual nesta espécie de mergulhão, a secagem das asas obrigatória fez-se à vista de todos, e o regresso provável à Reserva Natural do Estuário do Douro ter-se-á abreviado por uma hora. Não há registo, que se saiba, da presença de um indivíduo selvagem desta espécie no Parque anteriormente. Os corvos-marinhos podem ser observados em estado selvagem com facilidade, às dezenas, na Reserva Natural Local do Estuário do Douro, por exemplo. São aves que nadam muito bem debaixo de água e conseguem capturar peixe como as tainhas que abundam ali. Em 12 de novembro pela hora do almoço, andava a apanhar o sol de outono uma osga adulta, Tarentola mauritanica, espécie mediterrânica que começa a fazer cada vez mais aparições no Norte. As osgas alimentam-se de insetos e outros pequenos invertebrados, sendo não só inofensivas como benéficas para o ser humano.

Jorge Gomes

SPoucos dias depois das primeiras aparições das duas crias: 15 de novembro ao fim da tarde

SEste corvo-marinho foi um visitante inesperado

42 • Parques e Vida Selvagem primavera 2013


João L. Teixeira

Flora

Musgo-trança ou Musgo-do-sono Hypnum cupressiforme Hedw.

Filipe Vieira

M

usgo pleurocárpico (cresce prostrado), irregularmente ramificado, muito variável nas dimensões. Forma tufos extensos, de cor verde, verde-amarelada ou acastanhada. Os filídios (pequenas folhas) dos ramos são semelhantes aos filídios do caulóide (análogo a um caule) e têm uma forma ovado-lanceolada, com um ápice muito delgado e curvado. Para além disso, os filídios são côncavos e imbricados, ou seja, estão muito juntos e geralmente sobrepostos ao longo do caule, o qual se assemelha a uma pequena trança. Apresenta cápsulas com alguma frequência; são normalmente cilíndricas, inclinadas e com opérculo curto. É uma espécie muito variável no seu aspeto (polimorfa), sendo aceites cerca de 5 variedades desta espécie na Península Ibérica. É a espécie mais comum do género Hypnum que se distingue facilmente pelos filídios que fazem lembrar pequenas foices, uma vez que são todos curvados em direção ao solo. É um dos musgos mais abundantes em vários tipos de substrato. Coloniza preferencialmente troncos, mas também rochas e solo, em locais geralmente sombrios, sobretudo em bosques. É uma espécie bastante cosmopolita que está distribuída por todo o mundo. Em Portugal, é bastante vulgar de norte a sul de Portugal. No Parque Biológico de Gaia é possível encontrá-

la em troncos de árvores e taludes húmidos. Neste tipo de ambientes, funciona como habitat e refúgio para muitos invertebrados e desempenha um papel importante como microestufa onde germinam sementes de plantas vasculares. Atualmente, compostos obtidos a partir desta espécie têm sido estudados e testados como biopesticidas. Por outro lado, é uma espécie moderadamente sensível à poluição atmosférica e tem sido bastante utilizada como bioindicador da deposição de metais pesados, quer a nível internacional, quer nacional. O nome Hypnum deriva da palavra grega “Hypnos” que significa sono. Devido à suposição antiga de que induziria sono, tufos desta espécie foram muitas vezes colhidos para encher almofadas e colchões. Porém, muitas dúvidas subsistem relativamente à veracidade desta explicação para a origem do nome. Recentemente, esta espécie, tal como tantas outras de musgo, enfrenta uma ameaça preocupante: é das espécies mais utilizadas para decoração de presépios. Sabia que o crescimento desta planta é tão lento que pode demorar vários anos até que cresça no mesmo local de onde foi removida? Já agora, vale a pena pensar nisto. Texto Helena Hespanhol e Cristiana Vieira (CIBIO-UP). Foto Cristiana Vieira

Parques e Vida Selvagem primavera 2013• 43


44 O VOO DAS AVES

João L. Teixeira

SColhereiro, Platalea leucorodia, com anilha de cor nascido na Holanda

José Rollo

Colhereiro e corvo-marinho

C

om a bonita idade de quatro anos, já adulto, este colhereiro foi anilhado no ninho em 9 de julho de 2008 e é supostamente um macho. Esta ave nasceu na Holanda. É uma ave migratória que todos os anos regressa à sua terra natal. Contudo, este colhereiro escolheu no seu primeiro ano de vida e uma grande viagem para sul, rumo à Reserva Natural Local do Estuário do Douro, para passar os períodos de frio. Na Holanda esta espécie ornitológica usufrui de uma atenção e estima especial, idêntica à que acontece no nosso país relativamente às cegonhas. Estas aves estiveram em perigo de extinção durante a década de 80. Os países do Norte, reconhecendo o seu valor como espécie, conseguiram utilizar a imagem do colhereiro para estimular o interesse na proteção de aves selvagens. Na atualidade a população já não está tão ameaçada nos locais de reprodução mas é fundamental assegurar as condições naturais dos locais de invernada no Sul e os que utiliza durante as migrações. No caso desta ave em particular pode-

44 • Parques e Vida Selvagem primavera 2013

se testemunhar o contributo concreto da Reserva Natural Local do Estuário do Douro na salvaguarda desta espécie da fauna europeia e especificamente população reprodutora no mar de Waden. Diferente é o caso do corvo-marinho-de-facesbrancas (Phalacrocorax carbo) proveniente de um lago de França, o Lac Grand-Lieu (Loire Atlantique). Esta área protegida é em grande parte uma Reserva Natural (2700 ha – que representa 67% da área do lago) e inclui a maior colónia francesa de corvos-marinhos, em que o número de casais nidificantes nesse local varia consoante os anos entre 500 e 1300. Há ainda a particularidade de ter sido a primeira colónia que surgiu em território continental da França em 1981. Outras colónias francesas situam-se em ilhas da costa atlântica (Normandia e Bretanha; fonte: Loïc Marion CNRS-Ecobio). A anilhagem de corvos-marinhos-de-facesbrancas realizada na Europa tem demonstrado que estas aves apresentam comportamentos que evidenciam preferências por certos sítios, sendo fiéis aos locais de nascimento, e revelam preferência por certos locais de invernada.

SO corvo-marinho com a anilha CA71501 (7-10-2012)

O corvo-marinho em referência anilhado ainda como não voador no ninho, a 11 de maio de 2011 no Lac Grand-Lieu (Loire Atlantique), além da anilha metálica com a referência CA71501, recebeu anilhas de cor que permitem a sua identificação à distância. O primeiro registo do corvo-marinho-de-facesbrancas CA71501 na RNLED ocorreu a 11 de outubro de 2011 por Paulo Leite. Foi novamente registado na RNLED a 25 de dezembro de 2011 por Thijs Valkenburg. O primeiro registo em 2012 foi realizado a 7 de outubro durante as atividades de simulação de observação visual de anilhas de leitura à distância realizadas durante o EuroBirdwatch de 2012 (6 e 7 de outubro). O último registo foi a 7 de dezembro confirmando a escolha desta ave pela RNLED para passar o inverno de 2012. Por Paulo Faria


Jorge Gomes

ANILHAR 45

SFerreirinha

SUma das redes essenciais ao funcionamento deste trabalho científico

SToutinegra: colheita de dados biométricos

SGaio em análise

SAnilhagem de papa-moscas

SAnilhagem de um cuco

Estação de Esforço Constante Está em curso o projeto Monitorização de Aves Invernantes, da Associação Portuguesa de Anilhadores de Aves, «que visa o estudo das populações de passeriformes invernantes em Portugal com recurso à anilhagem científica de aves selvagens»: a presente edição teve início em 15 de novembro

A

iniciativa «tem como objetivo compreender a origem geográfica das populações de aves invernantes, avaliar as interações entre as populações invernantes e residentes e estudar a fidelidade aos territórios de inverno». Para funcionar baseia-se no trabalho das Estações de Esforço Constante que mais não são do que grupos de anilhagem científica de aves selvagens que visam «obter informação que possa auxiliar a entender e a explicar as alterações nas populações de aves, através de um programa de capturas regulares durante a época de reprodução, em locais e habitats específicos». As estações «inserem-se no projeto à escala europeia EURO-CES, Constant effort ringing in Europe, promovido pela EURING, baseado no método CES (Constant Effort Sites), utilizado já por algumas centrais de anilhagem europeias e tem como meta principal monitorizar as populações

das espécies de aves mais comuns». A associação pretende «divulgar o MAI junto dos anilhadores, incentivando as estações de esforço constante a desenvolverem o projeto e os anilhadores a estabelecerem novas estações com especial ênfase no interior do país e ilhas», afirma Miguel Araújo, da APAA. Adianta ainda que «há interesse em aumentar o número de estações, para que a monitorização das aves invernantes em Portugal seja mais abrangente». Com mais de seis anos de funcionamento contínuo a Estação de Esforço Constante em serviço no Parque Biológico de Gaia aderiu em 2012 a este projeto. Os visitantes do parque podem assistir a parte do funcionamento destas sessões que costumam decorrer nas manhãs dos primeiros e terceiros sábados de cada mês, se não chover.

Parques e Vida Selvagem primavera 2013• 45


46 OBSERVATÓRIO

A

constelação de Orionte, representando um gigante caçador com origem na mitologia grega, é uma das mais facilmente identificáveis no céu noturno, em particular durante o inverno. Durante os meses de dezembro, janeiro e fevereiro, pode ser vista acima do horizonte sul pouco depois de anoitecer (figura). As sete estrelas mais brilhantes da constelação formam um quadrilátero (uma estrela por vértice) dentro do qual se encontram três estrelas quase perfeitamente alinhadas. As estrelas que formam o quadrilátero são Betelgeuse, Bellatrix, Rigel e Saiph, começando no vértice superior esquerdo e seguindo no sentido dos ponteiros do relógio. No interior, as Três Marias, como são conhecidas na tradição oral portuguesa, têm por nome, da esquerda para a direita, Alnitak, Alnilam e Mintaka. Estes nomes exóticos são na realidade corrupções dos seus nomes originais em árabe, eles próprios em grande parte absorvidos da herança cultural de civilizações passadas como a da Grécia Clássica. Betelgeuse é uma supergigante vermelha mil vezes maior, 120 mil vezes mais luminosa e 15 vezes mais maciça do que o Sol. Colocada no centro do Sistema Solar, o Sol e todos os planetas até Júpiter, inclusive, ficariam no seu interior. É tão grande que a sua temperatura superficial é mais baixa do que a do Sol, o que lhe dá uma tonalidade alaranjada facilmente detetável à vista desarmada. Está situada a cerca de 640 anos-luz (a distância percorrida pela luz em 640 anos, à velocidade de 300 mil quilómetros por segundo). As restantes seis estrelas são todas mais quentes do que o Sol, motivo pelo qual têm um brilho brancoazulado. Bellatrix, a cerca de 250 anos-luz, é seis vezes maior, 6500 vezes mais luminosa e oito vezes mais maciça do que o Sol. Rigel, a uma distância de 850 anos-luz, é uma estrela colossal, tão luminosa como Betelgeuse mas muito mais quente. É "apenas" 80 vezes maior e 20 vezes mais maciça do que o Sol. Saiph, no canto inferior esquerdo do quadrilátero, situa-se a cerca de 650 anos-luz e é 22 vezes maior, 60 mil vezes mais luminosa e 15 vezes mais maciça do que o Sol. Dentro do quadrilátero, as Três Marias, apesar

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Cocheiro Júpiter Castor

Touro Gêmeos

Orionte e a Estrela do Cão

Capella

Bellatrix

Orionte

Betelgeuse

Pollux

Três Marias Nebulosa de Orionte

Cão Menor

Unicórnio Rígel

Saiph

Prócion

Lebre

Sirius

Cão Maior

Sul

de alinhadas de forma tão precisa, estão a distâncias diferentes do Sol - o alinhamento é um mero acaso de perspetiva. Alnitak, Alnilam e Mintaka situam-se respetivamente a 750, 1300 e 900 anos-luz. São também estrelas absolutamente notáveis: Alnilam, o exemplo mais extremo, é 275 mil vezes mais luminosa, 25 vezes mais maciça e 25 vezes maior do que a nossa estrela; Mintaka é um sistema com duas estrelas, cada uma com 20 vezes a massa e 90 mil vezes a luminosidade do Sol, que orbitam em torno uma da outra em cada 6 dias; Alnitak é um sistema triplo em que a estrela mais maciça e luminosa tem 20 vezes a massa e 100 mil vezes a luminosidade do Sol. Rigel, Saiph e as Três Marias nasceram, em gerações diferentes, numa "maternidade" estelar existente na direção da constelação de Orionte. Situada a 1300 anos-luz, esta "maternidade" é na realidade uma nuvem gigante de gás e poeiras interestelares a partir das quais se formam novas estrelas. A pequeníssima parte desta nuvem que é visível em telescópios, e mesmo à vista desarmada, é designada de Nebulosa de Orionte e corresponde à "estrela" central de um pequeno grupo de três mesmo por debaixo das Três Marias. Esta porção da nuvem é tornada visível pela ação da intensa radiação ultravioleta, emitida por estrelas recém-formadas, sobre o gás interestelar, provocando a sua fluorescência.

Vista por um telescópio ou em fotografias, a Nebulosa de Orionte é um objeto de grande beleza e de grande significado: em locais como este testemunhamos o nascimento de novas gerações de estrelas, um processo que demora milhões de anos a concluir-se. Mas as noites de inverno têm outro espetáculo reservado para o observador do céu. Seguindo por uma linha imaginária definida pelas Três Irmãs, para o lado esquerdo e para baixo, podemos observar a estrela com maior brilho aparente do céu noturno, Sirius, a luminária da constelação do Cão Maior. A constelação representa um dos cães que seguia o gigante caçador Orionte. De brilho intenso, brancoazulado, Sirius é, no entanto, apenas 25 vezes mais luminosa e duas vezes mais maciça do que o Sol. É a estrela mais brilhante do céu simplesmente porque se encontra a apenas 8.7 anos-luz de distância. No antigo Egito, o primeiro avistamento desta estrela antes do nascer do Sol marcava o início das cheias do Nilo e por isso Sirius tinha uma importância central para a civilização. Os gregos e os romanos atribuíam o calor excessivo dos meses de verão a este aparecimento de Sirius, a "Estrela do Cão", sendo esta a origem do termo "canícula". Texto Luís Lopes


SAIR DA CASCA 47

Piscar o olho à

selvagem

Só depende de si próprio tornar 2013 o seu melhor ano de observação da natureza: a criação de um caderno de campo vem mesmo a calhar para registar dados colhidos em todos os percursos da natureza que vier a realizar

O

s cadernos de campo, quadriculados ou não, destinam-se a reter informação testemunhada por si e permite agregar elementos para consulta a posteriori dos dados colhidos em cada percurso de descoberta que vier a palmilhar. Seja organizado para não ficar com dúvidas sobre as suas anotações! A forma mais prática de o organizar é a sequência cronológica. Por este processo o caderno estruturase através das datas das observações de flora e de fauna que realiza. Não interessam só espécies raras. Aquilo que hoje abunda, amanhã pode ser escasso. A primeira página deve ser usada para identificar o caderno com o título que lhe queira dar e o seu nome. Escrever o seu contacto também é útil, caso num dia mau venha a esquecer-se dele em sítio indeterminado. O caderno de campo terá assim uma folha de rosto, a abertura do caderno, os assuntos sob observação, locais e datas, descrições e até desenhos. Mais tarde, poderá consultar anotações e comparar registos ano após ano, o que alimentará a sua memória e robustecerá o seu conhecimento da vida selvagem.

Parques e Vida Selvagem primavera 2013• 47


48 SAIR DA CASCA

Caracol, Alberto Vale

Peto-verde, Francisco Bernardo

INVERNO

PRIMAVERA

A temperatura mais baixa traz visitantes do Norte da Europa que no resto do ano não se avistam normalmente por cá. Esta época reúne oportunidades que não duram muito mais que um par de meses. À beira-mar, por exemplo, poderá ver uma maior concentração de garças e encontra várias espécies que envergam roupa de inverno. É o caso do guincho, uma pequena ave do grupo das gaivotas, que perdeu a cor preta da cabeça e agora está branca. Os dias com menos luz não lhe retiram a possibilidade de sintonizar a hora certa do dia para aprender a escutar o entardecer. No seu jardim, é boa altura para instalar um lago e atrair a natureza para mais perto de si. Plante de preferência arbustos autóctones! Pode ser inspirador, desiniba-se: escreva, fotografe, grave vídeos, e não deixe de os partilhar connosco... Esta época também é propícia a visitar uma sessão de anilhagem científica de aves selvagens. Em Vila Nova de Gaia, no Parque Biológico, se não chover, nos primeiros e terceiros sábados de manhã de cada mês, funciona um grupo há já mais de seis anos.

Mesmo sem a mudança de hora de 31 de março, a luz do Sol já começa a durar mais tempo. Se teve o cuidado de instalar uma caixa-ninho no seu jardim quem sabe se não será ocupado por exemplo por um casal de chapinsreais? Poderá fazer o diário de crescimento como já aconteceu com várias pessoas. Cada uma à sua maneira, as árvores de folha caduca vão começando a rebentar, muitas com flores e depois folhas, a fim de aproveitarem a sofreguidão dos insetos polinizadores, como moscas e abelhas, que ajudam, e muito, a produzir mais frutos. Nas bermas dos caminhos, as flores despontam sucessivamente. Em fins de fevereiro ou início de março poderá começar a ver as primeiras espécies de libélula. No Parque Biológico a espécie mais regular é a donzelinha-vermelha, Pyrrhosoma nymphula. Também os primeiros morcegos começam a voar e os ouriçoscacheiros despertam do torpor invernal, nas noites já menos frias, para tratarem de se alimentar.

Chapim-carvoeiro, José Manuel Carvalho

Interação, Luís S. Gonçalves


Garça-real, Mário L. Rocha

Galeirão, César Oliveira

VERÃO

OUTONO

Tire um dia e transforme-se num detetive da natureza. Não se garante é que não lhe apanhe o gosto: entusiasme os seus filhos ou sobrinhos! Uma pinha roída, uma concha de caracol escaqueirada, uma pegada na lama, um ovo azulado partido… há que puxar o fio à meada. Depois, há que incentivar a diversidade da vida e, nisso, os invertebrados estão à mão de semear: junte várias canas ocas ou mesmo tubos amarrados e aquiete o resultado num sítio recôndito do seu jardim – diversos pequenos animais como insetos, aracnídeos, moluscos irão aproveitar a hospedagem e enriquecer o quadro de espécies à porta de casa, atraindo outros. Não se esqueça que há grupos nas redes sociais que ajudam a identificar, dentro do possível, as espécies que vai fotografando, sejam aves, libelinhas, borboletas, gafanhotos, répteis e anfíbios, e muitas outras fasquias da biodiversidade! Se precisar de alguma dica envie-nos um e-mail para revista@parquebiologico.pt

Já sabe que de repente surge outra mudança de hora, desta vez em 27 de outubro. Os dias já foram bem maiores! Não lamente. Embora ainda venha longe, nesta altura aumentam significativamente as migrações das espécies aladas, sejam aves ou insetos. As árvores vão começando a convencer-se que vêm aí dias frios e amarelecem as folhas cuja cor se confunde com os frutos. Se tiver um diospireiro por perto, comece a observar o trânsito. Toutinegras, chapins, melros e tordos, borboletas como a almirante-vermelho vão ali alimentar-se, nos frutos que não faz mal deixar para a vida selvagem. Súbito, terá boas surpresas: anote, registe, não deixe longe o seu caderno de campo!

Macho de toutinegra-de-barrete, Jorge Gomes

Melanárgia, José Rafael Moreira

Parques e Vida Selvagem primavera 2013• 49


50 ENTREVISTA

Na pista dos dinossaur A lesson from the dinosaurs

Portugal está entre os dez países com melhores jazidas de fósseis de dinossauros no mundo: quem o afirma é Octávio Mateus, paleontólogo e professor auxiliar da Universidade Nova de Lisboa A conversa decorre no Museu da Lourinhã, no Núcleo de Paleontologia, pelo que, de repente, vê-se um ninho fossilizado com ovos deste predador, encontrado ali perto, em Paimogo. Parece argiloso... A conversa continua: Octávio Mateus — É verdade, é mesmo um ninho de Lourinhanossaurus antunesi. E temos crias, dentro dos ovos. Vê ali um ossinho de embrião? Isto é raríssimo. Na altura em que foram descobertos, estes eram os únicos embriões de dinossauro de toda a Europa. Foram também os mais antigos do mundo, mas entretanto já descobriram outros. Seja como for este é um ninho bastante grande e permite perceber a sua evolução, a sua nidificação, o seu comportamento, etc. É tão raro que no ano em que foi anunciado, em 97, entrou para a lista das cem descobertas mais importantes em todos os domínios da ciência para esse ano. Nestes casos será possível extrair ADN?

Octávio Mateus — Depende da conservação mas diria que sim. É muito difícil extrair ADN com qualidade de um dinossauro com 150 milhões de anos! É preciso que esteja preservado ao detalhe. Em todo o caso, estes ossinhos estão tão bem preservados que até temos células individuais que formam o osso. Está tudo impecável. O osso não está petrificado? Octávio Mateus — Está petrificado mas mesmo assim... sabe que a fossilização ainda não é completamente compreendida. Não se trata de algo que é orgânico e, num estalar de dedos, se transforme em mineral. É gradual e leva seguramente milhões de anos. Nalguns casos até continua a preservar a matéria orgânica original apesar de ter mais de 100 milhões de anos. Nunca o fizemos, mas a julgar pelo aspeto aposto

Simão Mateus

Carla Cerejo | CIID 2002

J

uvenil? Está bem, mas não deixa de intimidar! Mede de comprimento quatro metros e a réplica mexe com os sentidos. Trata-se do esqueleto de uma das várias espécies de dinossauro encontradas apenas na Lourinhã. O réptil tinha uma cabeça grande e andava apoiado nas patas traseiras. O nome, Lourinhanossaurus antunesi, foi dado em homenagem ao paleontólogo Telles Antunes por Octávio Mateus. O investigador elucida com a paixão que nutre desde criança pelo tema: «Era um dinossauro carnívoro e, em adulto, poderia medir nove metros». O que torna ainda mais interessante esta conversa é que o nosso interlocutor descobriu na Lourinhã a capital lusitana dos dinossauros. E, para que não haja dúvida, sublinha que «Portugal, face ao seu tamanho, é talvez o país com mais espécies de dinossauros por metro quadrado! Os cinco países mais destacados neste aspeto são os EUA, a China, o Canadá, a Argentina e a Mongólia. Países gigantescos – a China é cem vezes maior que o nosso país». Bem, contra factos não há argumentos.

Some of the dinosaurs were small, but the ones we remember are the largest ones, with a size that nothing seemed to be able to topple. We spoke to Palaeontologist Octávio Mateus, who has made many and varied studies about dinosaurs.

Embrião de Lourinhanossaurus

50 • Parques e Vida Selvagem primavera 2013

Ninho de Lourinhanossaurus


0

Era

Período

Terciário

Quaternário

Cenozoico

ros lusitanos

Milhões de anos

Neogeno

Paleogeno

65

Cretáceo

144

Mesozoico

rem alguma atenção a um ninho destes: era um sítio tão importante! Havia tanto esforço ali, e depois iam deixá-lo à sua sorte? Repare que os crocodilos também cuidam do ninho e das crias. Outra curiosidade: no meio de cem ovos de dinossauro havia três ovos diferentes, distintos, bem mais pequenos, com um terço do volume e uma casca mais fina. A estrutura era diferente: parecem ser ovos de crocodilo. O que fazem estes ovos de crocodilo no meio de cem ovos de dinossauro? Para já, é difícil que seja coincidência. São os mais antigos ovos de crocodilo de todo o mundo! Isso é um parasitismo de nidificação tipo… O do cuco? Octávio Mateus — A cria de cuco lança fora os ovos da ave hospedeira e esta começa a alimentá-la apenas a ela. Estes crocodilos dificilmente conseguiriam fazer algo idêntico. Os ovos destes dinossauros eram três vezes maiores... O que parece acontecer é um comensalismo em

Jurássico

206

Triássico 250

Pérmico 290

Carbonífero

360

Devónico 410

440

Paleozoico

que há alguma matéria orgânica ali. Em matéria de conhecimento científico estamos ainda hoje numa fase de provar o que é e o que não é matéria orgânica. Mesmo que consigamos recolher ADN, este é uma cadeia complexa e frágil. O máximo que vamos conseguir dizer é que usa o mesmo sistema que os outros vertebrados. Isso já sabemos. É a mesma coisa que termos um livro comido pelos bichos e conseguimos ler umas quantas frases ou palavras. Sim, está bem, podemos perceber a grafia um bocado diferente, podemos talvez compreender a língua, mas nunca vamos conseguir compreender a prosa. É impossível saber se cuidavam das crias? Octávio Mateus — Não é impossível. Neste caso há várias indicações. Temos mais de cem ovos, aposto que eram 150 ovos pelo menos. É muita coisa! Haveria talvez várias fêmeas a pôr ovos no mesmo ninho, como as avestruzes fazem hoje. Isto é possível. Penso que seria difícil os dinossauros não presta-

Silúrico

Ordovícico

510

Câmbrico Lourinhanossaurus antunesi, um carnívoro bípede

570 Extinções massivas

Pré-Câmbrico


SO supercontinente Pangea no Jurássico já se tinha separado e o território português atual estaria na posição assinalada no mapa com um círculo, próximo dos atuais Canadá e EUA

que o crocodilo punha os ovos no ninho deste dinossauro – na minha opinião devia ser o sítio mais bem guardado à face da Terra. Quem se atreveria a mexer num ninho de dinossauros carnívoros daquele tamanho? Beneficiavam assim dessa proteção. Podemos pensar que este pensamento é rocambolesco, que é difícil de ocorrer, mas hoje há tartarugas que põem ovos em ninhos de crocodilo! Beneficiam da sua proteção. Esse comportamento existe. Ora se isto estiver correto só faz sentido se houver cuidados parentais. É curioso que este Lourinhanossaurus foi o primeiro dinossauro a que dei nome científico. Os fósseis de dinossauros do nosso país não são as mesmas espécies que se divulga na televisão a partir do património paleontológico dos EUA? Octávio Mateus — É fauna muito parecida com a dos EUA. A nível genérico é idêntica, a nível específico é diferente. A réplica do esqueleto que está à entrada desta secção do museu é do Miragaia longicollum. Não tem nada a ver com Miragaia no Porto, mas tem a ver com a aldeia de Miragaia na Lourinhã. Além disso, mira vem de mirabilis, maravilhoso, e gaia equivale a deusa da Terra. Portanto, “maravilhosa deusa da Terra”; longicollum, pescoço comprido. Nós descobrimos toda a parte da frente deste dinossauro e o original está aqui. Estes são os ossos originais com 150 milhões de anos! Uma das coisas impressionantes nesta descoberta é a sua anatomia: repare que os estegossauros – isto é um tipo de estegossauro – nos EUA tinham placas muito grandes e um pescoço curto. O nosso tem placas pequenas e um pescoço muito longo. Tem 17 vértebras cervicais, o que dá dez a mais que uma girafa. Os estegossauros tinham 9 e este tinha 17. Estão em circulação miniaturas feitas pelo

52 • Parques e Vida Selvagem primavera 2013

Octávio Mateus explica X as diferenças entre o dinossauro lusitano Miragaia longicollum e os estegossauros da América do Norte

Carnegie Museum, nos EUA, famoso pelo rigor das miniaturas que fazem para as crianças: há dois bonecos diferentes cujo original se encontra neste museu e está já a ser comercializado para todo o mundo. Se se quisesse promover Portugal desta forma quanto custaria fazer isso? É o valor que temos em património. Por exemplo, a Discovery fez o ano passado um documentário só sobre os dinossauros na Lourinhã. Já passou nos EUA. Quanto nos custaria produzir isso? E é resultado direto desta pesquisa científica... Octávio Mateus — Sim, por vezes as pessoas perguntam que utilidade tem esta investigação, a própria ciência – é a mesma utilidade de um recém-nascido. Que utilidade tem? Pode vir com um potencial gigantesco. Um recém-nascido pode ser o próximo Mozart, o próximo Newton ou Einstein... Não sabemos. A ciência é a mesma coisa. Os dados que recolhemos agora podem revelar-se de grande interesse no futuro. Já se sabe que a Lourinhã centraliza muitas novidades fósseis de dinossauros, não é? Octávio Mateus — É verdade, e isso ocorre por várias razões. Realmente havia cá muitos dinossauros mas

aqui também existem os terrenos certos, na idade certa, com os ambientes certos. Noutros sítios, na mesma altura era mar – os dinossauros não eram marinhos. No Jurássico aqui havia um sítio com muita água, vegetação luxuriante, muitos rios, era um sítio onde os dinossauros facilmente podiam viver. Basicamente, temos um ecossistema muito rico com herbívoros e carnívoros. A biodiversidade cria recursos e o padrão repete-se na época dos dinossauros. Aliás, estamos na Década da Biodiversidade... Octávio Mateus — Isto mostra a grande paleodiversidade de Portugal. Embora haja muito trabalho pela frente, temos duas dúzias de espécies. Por exemplo, não tão conhecido como outros dinossauros, temos aqui no museu o Draconyx loureiroi. É uma espécie única, um holótipo. Trata-se de um espécime de referência para se classificar uma espécie. Sabe que sempre que surge uma nova espécie temos de ter o exemplar de referência. No fundo é o padrão perante o qual todos os outros são comparáveis. Neste museu temos cinco padrões. Veja: o Dinheirossaurus lourinhanensis, Miragaia longicollum, Draconyx loureiroi, Lourinhanossaurus antunesi e o Allosaurus europaeus. Todos eles batizados por mim, são parte do património


SAllosaurus fragilis

SPegada fóssil de dinossauro com escamas perfeitamente definidas: uma impressão digital

português e é impressionante como um museu de pequena dimensão como o da Lourinhã tem este número de holótipos. Soubemos também que descobriu o primeiro fóssil de dinossauro de Angola e da Bulgária... Octávio Mateus — Angola é um terreno espetacular. Está no começo. Um paleontólogo deve ter uma costela de engenharia mecânica? É que a partir de uma vértebra vir a alcançar uma boa parte de um esqueleto de dinossauro... Octávio Mateus — É preciso realizar muita anatomia comparada. Um dos dinossauros tem um nome estranho: Dinheirossaurus... Octávio Mateus — Tem este nome bizarro porque foi descoberto na praia de Porto Dinheiro nos anos 80 e início de 90. Em termos de grandes escavações de dinossauros foi das minhas primeiras. Bons tempos. Este dinossauro tinha 25 metros de comprimento e foi uma nova espécie para a ciência. Conseguimos saber que o corpo era, em grande parte, constituído por sacos de ar. Eles eram ocos! As vértebras tinham buracos onde entravam literalmente sacos de ar, o que os tornava relativamente leves para o tamanho que tinham.

Continuavam a ter toneladas de peso, é claro, mas para o volume enorme dos seus corpos eram mais leves do que seria de esperar. Isso permitia-lhes ter um grande tamanho sem terem de investir em matéria orgânica, osso, músculo, etc. Ossos ocos como os das aves? Octávio Mateus — Exato. Na verdade as aves descendem de dinossauros que tinham estas estruturas. Esse pormenor permitiu duas coisas: uma, serem mais leves para poderem voar; depois, os sacos de ar estão ligados à respiração. Enquanto o nosso sistema respiratório é simples, inspiramos e expiramos, as aves inspiram para dentro desses sacos de ar, o ar passa então pelos pulmões e só depois é expelido. Isso permite às aves ter uma respiração de longe mais eficaz que a nossa. Outro detalhe: estes dinossauros não tinham molares, não conseguiam mastigar. O que faziam é o que as aves fazem hoje. Engolem areia para a moela esmagar os alimentos. Eles também comiam areia, só que em tamanho dinossáurico! Os gastrólitos que eles ingeriam serviam para esmagar os alimentos e encontramo-los hoje fossilizados. Além do Allosaurus europaeus, em Portugal há outros fósseis de grandes predadores?

Octávio Mateus — Não havia maior que o Torvosaurus tanneri. Toda a gente pensa que é o Tyrannosaurus rex. Ele tem essa dimensão, toda a estrutura é de T. rex – só que este fóssil é do Jurássico superior e o T. rex é do Cretáceo superior. Pensará que é tudo a mesma coisa, mas não é assim. Quando o primeiro T. rex apareceu já este era fóssil há 80 milhões de anos. Veja que é maior a distância de tempo deste para o T. rex do que do T. rex para nós. Impressionante! Era o maior predador terrestre do Jurássico. Como distingue um e outro? Octávio Mateus — Entre outras coisas, o T. rex possui dentes mais adaptados para cortar, enquanto o Torvosaurus tinha dentes mais adaptados para esmagar. Em Portugal, as espécies de dinossauro descobertas já passaram as duas dúzias e recordam que a vida na Terra, por maior que seja o domínio que algum ser aparente ter, é sempre frágil e pode sucumbir perante perdas de biodiversidade.

Texto Jorge Gomes Fotos João L. Teixeira

Parques e Vida Selvagem primavera 2013• 53


54 REPORTAGEM

Boquilobo Wetland Natural Reserve Boquilobo Bog belongs to a area of wetlands that have not yet disappeared. Whether one celebrates the International Year of Water Cooperation in 2013 or the World Wetlands Day on February 2nd, the truth is that water is essential for life and the ecosystems that preserve it deserve our best interests. That is why this protected area has so much Biodiversity.

54 • Parques e Vida Selvagem primavera 2013

Junto à Golegã, a Reserva Natural do Paul do Boquilobo estende-se ao longo de 816 hectares: nutrida pelo rio Almonda, um afluente do Tejo nascido na serra de Aire, esta zona húmida é «um dos poucos locais do território português em que nidifica o zarro e o colhereiro»


Boquilobo A maior área protegida de paul em Portugal

U

ma pergunta pousa na paisagem: «Não sei se já reparou nas cegonhas. Sabe o que estão a fazer?». Sob a copa de um velho sobreiro vê-se a colina a descer, suave, e a esconder-se por baixo do paul. Na superfície inundada surgem linhas dominadas por freixos e por várias espécies de salgueiro. Em dezembro ainda há folhas amareladas no arvoredo, um efeito causado pela clorofila sempre que esta molécula complexa desatina e enrubesce a vegetação. A voz que lança a dúvida é de Fernando Faria Pereira, supervisor da Reserva Natural do Paul do Boquilobo. Sobre o horizonte há aves de larga envergadura

a rodarem sem pressa em espirais ascendentes: «Ganham altura numa coluna de ar quente», respondi. Estamos no ponto mais elevado das proximidades, a partir do qual é possível ver além da imensa zona alagada a Golegã e, mais longe ainda, as colinas da Chamusca. Fernando trabalha no Boquilobo desde 85. Nessa altura, «na região havia dois casais de cegonha, hoje são centenas», refere. Aquelas cegonhas serão as mesmas que se veem na primavera? «Não sabemos. Estas podem ter vindo do Norte e as que estiveram aqui a criar poderão ter ido para sul...», diz Fernando. Se algumas tivessem passado pela anilhagem científica conseguir-se-ia identificar alguns

indivíduos ao longo do ano. Seja como for, esta área de montado, em matéria de humidade, é o oposto de um paul. A vegetação mediterrânica impera, sendo indisfarçáveis as folhas da cebola-albarrã, a aflorarem da terra: «Julguei que era invenção, mas um historiador confirmou. O bolbo desta planta é venenoso e, quando das Invasões Francesas, contava-se que uma noite tinham furtivamente metido na cozinha do exército inimigo bolbos de albarrã». Os cozinheiros confundiram-nos com a cebola comestível e os estragos sentiram-se na batalha... Em piso de terra batida, os solavancos do jipe atiram a voz do condutor, António Figueiredo, guarda da natureza: «Vai ali um saca-rabo!». Refere-se a um mangusto habitual neste habitat.

Parques e Vida Selvagem primavera 2013• 55


56 REPORTAGEM

SÁguia-sapeira: a rapina mais dependente das zonas húmidas

SAs cegonhas-brancas hospedam-se o ano inteiro no paul

SBando de abibes

O pequeno mamífero corre até que se perde de vista por trás dos sobreiros. «É uma fêmea!», completa.

O domínio da água Há dois tipos de cheias no Boquilobo. Um resulta das chuvas absorvidas pela bacia hidrográfica do Tejo. Outro chega à área protegida através do maciço calcário estremenho, representado pela serra de Aire, cheia de fissuras e canais subterrâneos. Perto de uma casa típica, branca com rebordo azul, há um marco com as datas gravadas segundo os níveis das cheias. António recorda: «Há uns anos atraquei aqui o barco à janela. O sr. José servia o copito de vinho de galochas...». Em volta, há oliveiras antigas, espaçadas com qualidade, não como hoje se planta à maneira industrial, densa, com perdas claras de biodiversidade. Este espaço protegido tem características próprias: «A área mais baixa do paul está a cerca de dez metros de altura em relação ao nível médio das águas do mar» e «o rio Almonda que passa aqui vai desaguar a cerca de 12 metros de altura». Isto significa «que antes da intervenção humana possivelmente o rio Almonda espraiava-se por 56 • Parques e Vida Selvagem primavera 2013

WCebola-albarrã

aqui e depois teria um esquema de drenagem para o Tejo porventura não muito bem definido». Quando «o homem intervencionou este espaço em termos históricos para viabilizar a agricultura deixou uma evidência expressiva: a regularização do traçado do rio Almonda, que passa segundo linhas retas aqui no paul e que aceleram o escoamento». Mais perto de Torres Novas este rio ainda é muito meandrizado. Na área que hoje está sob alçada da Reserva Natural elevaram outrora as margens e minimizaram o transbordo para os campos: «Grande parte do ano o rio corre mais alto que o paul mas como as margens estão elevadas não há contacto com a reserva. Construíram uma rede de valas que permite a drenagem e serve igualmente para rega». Na Reserva, há peixes habituais, como uma das espécies de tainha, conhecida e comida na região como fataça, ou a enguia, que elege um festival regional, mas há também «endemismos lusitânicos, o ruivaco e a boga-portuguesa». Em toda a área protegida, há níveis diversos de conservação. A reserva natural abriga «a área de proteção complementar que possui mecanismos de


SGansos-bravos

SCarvalho-cerquinho: quercínea mediterrânica

SAntónio Figueiredo assinala níveis de água mais antigos

proteção menos apertados — permite-se a agricultura dentro de algumas condições». Este espaço «envolve os núcleos principais da reserva e são propriedade de particulares». Há também «a área de proteção parcial, que permite o pastoreio mas não a agricultura. É aqui que se desenrola o trilho de conservação da natureza». Segue-se «a área de proteção total, sendo cerca de 80% deste espaço pertença do Estado. Está quase sempre alagada». O plano de ordenamento «prevê ainda as áreas de intervenção específica, que correspondem aos núcleos urbanos das quintas que ocupam a maior parte dos terrenos que são área protegida, nomeadamente a quinta do Paul, a da Broa e a de Miranda». Céu cinzento. Hoje o sol não rompe as nuvens e o frio ainda está para norte. O Boquilobo padece de alguma poluição, cujos efeitos estão a caminho de diminuir: «Está previsto o melhoramento da ETAR de Torres Novas e a remodelação da estação dos Riachos. Com esta janela descortina-se a despoluição do rio Almonda». Outro problema emergente, não só deste paul, «é uma dor de cabeça mundial em termos

de conservação da natureza: a introdução de espécies exóticas». É o caso «do lagostimvermelho-da-louisiana: não o introduzimos aqui obviamente, mas esse crustáceo chegou ao Boquilobo e trouxe muitos problemas». Quem mais os sente são «as espécies de anfíbio e de peixe que aqui vivem. O lagostim alimenta-se das larvas desses organismos». A verdade é que o paul é um ecossistema muito produtivo como é habitual nas zonas húmidas. Além de purificar a água e de reter a biodiversidade, ajuda a regular as cheias no inverno e, no estio, favorece a disponibilidade de água doce ao ser humano e aos outros seres vivos.

Trilho pedestre Ainda o ano não terminou e já há freixos em flor... Vamos agora a pé num percurso de terra batida à face do paul. O ar tépido traz laivos de calmaria depois das chuvadas do dia anterior. Súbito, «Olhe: uma pegada de texugo!», diz Fernando Faria Pereira. Observa atentamente o recorte fresco da pressão exercida na lama pelo mamífero notívago pintado a preto e branco, nem por isso menos castiço. «E está aqui outra!».

Caminhamos pelo trilho de descoberta da natureza. Em volta as ervas dominam, verdejantes, ao nível do solo emerso e, acima delas, a copa despida dos salgueiros desenha um túnel espontâneo. À distância, o espelho de água é uma paisagem tranquila, onde se sucedem várias cortinas de vegetação: «Podemos ver em certas alturas uma quantidade de aves apreciável no paul», mas «vir aqui apenas pela observação de aves é um bocado enganador», sublinha o guia. No paul «há perto de 250 espécies ornitológicas, isso é verdade, só que grande parte do ano a maioria dessas aves estão concentradas na área de proteção integral». Ao longe, patas imersas, há garças e cegonhas à procura do almoço. Junto de plantas que emergem do espelho de água andam felosas, em voo acrobático, a petiscar insetos. Mais acima, canta um cartaxo exibicionista, como é típico da espécie. «Este trilho está intransitável nalgumas partes do ano – fica coberto de água». Não é o que ocorre neste dia. As bagas rubras dos pilriteiros, que aqui ainda têm muitas folhas por cair, juntam mais cor ao passeio.«Uma espécie de mamífero também frequente é o toirão», adianta. Parques e Vida Selvagem primavera 2013• 57


58 REPORTAGEM

SVê-se a colina a descer, suave, e a esconder-se por baixo do paul

Além do abrigo que proporciona «o paul é o mais importante garçal do país e funciona como zona de concentração para espécies invernantes», sendo disso exemplo as várias espécies de patosbravos, galeirões e limícolas, como os bandos fuselos que ali pousam em passagem no inverno. «O ano passado andaram por cá grous. Chegaram por altura do S. Martinho e ficaram até março», altura em que terão procurado o Norte da Europa para nidificar. O estatuto de proteção do paul do Boquilobo acumula a designação de sítio Ramsar, de Reserva da Biosfera e de Zona Especial de Proteção para as Aves. Ao longo do ano, entre os grupos que visitam o paul do Boquilobo dominam as crianças, sem 58 • Parques e Vida Selvagem primavera 2013

exclusividade. Além deste trilho pedestre, que excede três quilómetros, os visitantes podem fazer um outro pelas estradas da periferia da Reserva. Ao fim da tarde, viram-se aí bandos de garçaboieira, de abibes e tarambolas, duas espécies de peneireiros, búteos, águias-sapeiras, entre outras aves. Fernando Faria Pereira recorda que uma vez orientou a visita de um grupo de militares: «Estávamos no observatório. Às tantas há um militar que fixa o olhar e diz: «Estou a ver ali um bicho dentro de água, mas aquilo não é um cão, é uma lontra!». Penso eu cá para os meus botões – eu nunca vi aqui uma lontra, só vestígios, deve estar a ver mal».

Alterca a voz de um camarada: «Estás maluco. As lontras são difíceis de ver. Mostra lá os binóculos!». Assim que espreitou deu o braço a torcer: «Ó pá, tens razão! É mesmo uma lontra!». Fernando apressou-se: «Empreste-me os binóculos!», conta numa gargalhada, e explica: «Já se tinha ido embora...». Era uma lontra. O militar que confirmou sabia distingui-la. Sorte de principiante! Mesmo que não o seja, quem sabe se quando visitar o paul não lhe acontece também algo do género? Texto Jorge Gomes Fotos João L. Teixeira


SAs garças-boieiras são aves que abundam na região

SObservatório do Braço do Cortiço: Fernando Faria Pereira

SInício do trilho de descoberta da natureza do paul

TCentro de Interpretação

Reserva Natural do Paul do Boquilobo Centro administrativo Edifício Equuspólis Rua D. João IV • 2150-170 Golegã Telefone 249 820 550 Correio eletrónico icnf@icnf.pt www.icnf.pt

39º 23’N e 8º 32’W


60 REPORTAGEM

Mata do

adernal único na Europa

Bussaco report The woods of the Bussaco Forest bring together Biodiversity and Historic Buildings, among other points of interest. It has 105 hectares with an altitude ranging from 100 to 500 metres. Under the canopy of hundreds of plant species, water flows everywhere. This forest joins together a special heritage of historical, religious, military, nature, landscaping, architectural and cultural significance.

Na parte Noroeste da serra do Bussaco, entre Coimbra e o Caramulo, contam-se 105 hectares de mata dispostos sensivelmente entre os cem e os 500 metros de altitude: memorial de antigos monges, militares e poetas, hoje marca diferença pela sua biodiversidade em várias unidades de paisagem — a floresta-relíquia, o arboreto, os jardins e o vale dos fetos...

60 • Parques e Vida Selvagem primavera 2013

U

m ácer cobre o trilho atapetado de folhas amareladas, encharcadas ainda de uma chuva recente. Estamos no arboreto da mata. Milene Matos, investigadora do Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro em serviço na mata do Bussaco, acompanha-nos e acentua: «Esta mata marca a primeira descrição da salamandralusitânica para a ciência». Refere-se a um anfíbio que, em todo o mundo, existe apenas no Noroeste da Península Ibérica. Em 1864, Bocage foi o cientista que lhe deu o nome pelo qual é hoje conhecida, Chioglossa lusitanica. Longe de ser caso único entre endemismos


Joaquim Pedro Ferreira

Também no trilho religioso a biodiversidade domina

Salamandra-lusitânica

Cogumelo Xylaria hypoxylon

ibéricos aqui presentes, juntam-se-lhe outros mais habituais. É o caso do tritãode-ventre-laranja, da rã-ibérica ou do lagarto-de-água. Esta manhã não é a altura adequada para estas pérolas de biodiversidade se mostrarem, mas «de noite, abundam pelo trilho, e temos de ter cuidado para não as calcar». A caminhada não quer despacho no bosque luxuriante. É tempo de olhar os raios de sol que conseguem fugir ao bloqueio da folhagem densa do arvoredo que se atira ao céu e cria um ar tépido onde a humidade brilha por toda a parte. Nota-se uma vegetação de transição, onde predominam espécies mediterrânicas, ainda

Milene Matos, bióloga

com lugar para o carvalho-alvarinho e o azevinho. O folhado, Viburnum tinus, a uva-de-cão, Tamus communis, a salsaparrilha-bastarda, Smilax aspera, os medronheiros e os muitos adernos antigos, Phillyrea latifolia, coexistem sem guerra maior pela luz, cada um no seu nicho climácico. Estes últimos estão distribuídos pela encosta Sudoeste da mata, onde se centra o domínio da floresta-relíquia. No clímax da sucessão ecológica, este bosque mediterrânico dá uma ideia de como seria o relevo antes da transformação operada pelo ser humano. Hoje, sob o cuidado do projeto Bright,

Parques e Vida Selvagem primavera 2013• 61


62 REPORTAGEM

O Vale dos Fetos está a ser reabilitado e apresenta alguns exemplares arbóreos da espécie Dicksonia antarctica

incluído no programa LIFE/Natureza e Biodiversidade, empreende-se «a conservação das áreas de adernal, habitat que em toda a Europa apenas se conhece na Mata Nacional do Bussaco». Não há pressa pelo caminho. Uma pedra na berma segue o exemplo geral. Cobre-se de camadas de musgo, sob as folhas redondas dos umbigos-de-vénus, as folhas penteadas dos fetos, hospedando pequenos cogumelos e sabe-se lá que mais — nem uma nesga da rocha se avista! Adiante uma placa explica o bosque e a poucos metros um dos adernos exibe um tronco ainda mais largo do que o dos arbustos vizinhos. Retorce-se num voltear oblíquo, tão caprichoso que não se consegue ignorar. Fica a ideia de muita idade. Quantos anos poderá ter esta planta de porte arbóreo? Milene Matos fixa os olhos claros no colosso e estima: «Talvez uns 400 anos...». Outra dúvida se impõe — terá sido esta a parte da mata que despoletou do Nobel português da literatura, José Saramago, o breve dizer «Mata do Buçaco, não se descreve, o melhor é perdernos nela»? Para se perceber este património luso multifacetado, estão em curso medidas de conservação, abrigando algumas delas a participação de voluntariado.

62 • Parques e Vida Selvagem primavera 2013

Um dos exemplos decorre do controlo e erradicação de espécies invasoras, que podem deitar a perder o oásis de biodiversidade que é o Bussaco, agora cercado de pobres florestas exóticas: «Gostamos de envolver vários públicos, desde visitantes, residentes e entidades públicas e privadas», introduzindo-os, explica Milene Matos, «em atividades práticas de conservação, nomeadamente no combate controlado de espécies vegetais invasoras ou na recolha e propagação de sementes». Entre as plantas invasoras contam-se sobretudo duas acácias australianas, a tradescância sul-americana e o louro-cerejo, curiosamente este último «disseminado em boa escala por fuinhas»... Na mata há viveiros cujo produto é replantado para reabilitar os bosques autóctones onde se evidencie maior vulnerabilidade. Cheio de história, «os primeiros registos sobre o Bussaco remontam ao século II», diz Milene Matos. «Poderia ainda não haver ocupação humana nessa época e teria servido de refúgio a cristãos em fuga». No século XVII, «a mata foi procurada pela ordem dos Carmelitas Descalços com a ideia de estabelecerem o seu deserto», um espaço distante do mundanismo, centrado na busca de Deus e da natureza. «Construíram o convento de Santa Cruz» e foi graças ao seu domínio que os adernos antigos

não desapareceram: impedia a população de obter lenha nesta mata. O fervor religioso recriou o percurso da via-sacra, à escala real do que aconteceu em Jerusalém, um dos trilhos ainda existentes, palmilhado em pleno bosque. Os monges plantaram um cipreste oriundo da América Central, o chamado cipreste-do-bussaco, Cupressus lusitanica, a árvore exótica que domina o arboreto: «Era semelhante a um cipreste do Líbano, presente na Terra Santa». A restante vegetação exótica foi introduzida na mata «pelos antigos serviços florestais, a partir de 1856. Hoje contam-se 257 espécies lenhosas». As características climáticas, geológicas e a vegetação luxuriante são amigas da água. Na verdade, funciona como uma gigantesca esponja, com ecossistemas que purificam a água e a conservam, soltando-a em fontes e linhas de água que se ouvem no trilho. Escondidos de olhares pouco especializados, bordalos, Squalius alburnoides, e ruivacos, Achondrostoma oligolepis, são pequenos peixes ameaçados de extinção que dão por ali à barbatana. Pelo bosque voam, furtivos, gaviões e açores. Acautelem-se esquilos e pássaros com estes guardiões do bosque. A noite é das corujas e das ginetas, das raposas e dos javalis, neste oásis de biodiversidade, cheio


S Folhado, uma planta mediterrânica Arquivo FMB

S O bosque retém a água por toda a parte, nos lençóis freáticos e à superfície, em sintonia com a Década da Biodiversidade

de espécies protegidas por legislação nacional e internacional. A mata pode também ser percorrida por mais dois trilhos, o da água e o militar, este último ligado às Invasões Francesas de 1810. A velha oliveira, chantada no meio da estrada, é intocável. Corre a lenda que o duque de Wellington, comandante aliado das tropas luso-inglesas, ali terá atado o seu cavalo. Na mata do Bussaco, em cada estação do ano, os ritmos renovam-se numa paleta de matizes próprios com o condão de perdurar e, mesmo que se mudem os tempos e as vontades, quando ali passear não tenha pressa, apure o ouvido, o olfato, e observe para além dos limites da luz: perceberá por que faz sentido ali ir e, mais tarde, voltar.

Texto Jorge Gomes Fotos João L. Teixeira S A multiplicação de acácias leva à perda de muitas espécies nativas: uma equipa de voluntários trata de controlar as invasoras

* Optou-se pela grafia antiga de Bussaco.

T Convento de Santa Cruz do Bussaco – o remanescente na zona à direita

Mata do Bussaco Fundação Mata do Bussaco Mata do Bussaco 3050-261 Luso Telefone 231937000 Correio eletrónico gabpresidencia@fmb.pt www.fmb.pt

40º 33’N e 8º 28’W

Parques e Vida Selvagem primavera 2013• 63


Kerry Kilshaw/WildCRU

64 PESQUISA

SDurante o inverno, a lebre-variável (Lepus timidus) apresenta pelagem branca, que utiliza para se camuflar na neve

Foto-armadilhagem quando os animais se fotografam a si próprios

C

onservacionistas e cientistas têm deparado com imensos obstáculos: um deles é a obtenção de dados fiáveis que permitam delinear medidas de conservação. Recentemente, o uso de armadilhas fotográficas tem permitido documentar espécies em locais onde até então eram desconhecidas, descrever novos comportamentos e até descobrir novas espécies. Estamos perante uma evolução ou revolução no conhecimento da biodiversidade? Muitas espécies são elusivas, raras e vivem em locais remotos tornando-se difíceis de capturar e até mesmo de ver. Com o avanço tecnológico e científico, o estudo destas espécies recorre cada vez mais a metodologias não-invasivas que permitem detetar e identificar indivíduos sem a necessidade de os ver ou capturar diretamente. A foto-armadilhagem é uma destas técnicas e é cada vez mais utilizada, tendo já contribuído para um aumento substancial do conhecimento científico sobre várias espécies. Habitualmente são

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usadas câmaras digitais ativadas por sensores de temperatura e movimento que são dispostas em locais onde as espécies têm maior probabilidade de ocorrer, como trilhos, pontos de água ou tocas e que fotografam o animal quando este passa diante da câmara. Utilizando esta metodologia, uma equipa composta por investigadores espanhóis e marroquinos documentou recentemente pela primeira vez a presença de lobo-africano (Canis lupus lupaster) nas montanhas Atlas em Marrocos. Também em 2012, a organização Panthera divulgou as primeiras imagens de um gato-dourado (Caracal aurata) no Gabão. Esta espécie é considerada como sendo o felino africano sobre o qual existe menor conhecimento e consequentemente um dos mais difíceis quando se quer delinear estratégias de conservação. A mesma organização registou também pela primeira vez a utilização de plantações de óleo de palma por jaguares (Panthera onca), na América do Sul. As plantações de óleo de palma são há muito consideradas como um dos responsáveis pela destruição do habitat nativo do jaguar, contudo até agora não se sabia se a espécie

evitava totalmente estas áreas ou se era capaz de se deslocar através destas. Vários outros registos de espécies ameaçadas de extinção foram também obtidos nos últimos anos como é o caso de uma chita (Acinonyx jubatus) documentada no Sara argelino em 2009. Esta população poderá estar criticamente ameaçada e até este registo existiam poucas evidências fiáveis que confirmavam a presença deste felino na Argélia. Situação semelhante aconteceu com a confirmação da ocorrência do criticamente ameaçado crocodilo-siamês (Crocodylus siamensis) no Camboja. O uso de armadilhas fotográficas permitiu ainda a descoberta de novas espécies tais como o coelho-listrado-deannam (Nesolagus timminsi) nativo do Laos e Vietname e uma nova espécie de musaranhoelefante (Rhynochocyon udzungwensis) registada na Tanzânia. A aplicação da foto-armadilhagem não tem no entanto originado apenas boas notícias, uma vez que tem documentado a ausência de várias espécies criticamente ameaçadas durante algumas expedições. Em 2002 e 2003 campanhas de foto-armadilhagem não detetaram a presença do lince-ibérico (Lynx pardinus) na região da serra da Malcata


Duarte Cadete e Sara Pinto

Kerry Kilshaw/WildCRU

Duarte Cadete e Sara Pinto

SGato-bravo (Felis silvestris silvestris) fotografado durante uma sessão de foto-armadilhagem na Escócia. A população escocesa de gato-bravo é principalmente ameaçada pela a hibridação com o gato-doméstico e segundo estimativas recentes podem existir apenas 400 indivíduos em estado selvagem

SFotografia de lobo-ibérico (Canis lupus signatus) capturada em Portugal, a sul do rio Douro. Os investigadores utilizam a foto-armadilhagem para monitorizar esta esquiva e ameaçada população

WJuvenil de lobo-ibérico (Canis lupus signatus)

e Guadiana, duas das possíveis áreas onde a espécie poderia ainda ocorrer em Portugal. O uso da armadilhagem fotográfica é cada vez mais amplo. Recentemente conservacionistas têm utilizado armadilhas fotográficas para registar a presença de caçadores furtivos em regiões onde a caça e a captura ilegal de animais são a maior ameaça à preservação de várias espécies. Também no conflito homem-animal o uso de fotoarmadilhagem tem sido um elemento importante. A conservação do lobo (Canis lupus) é um destes exemplos. Devido à falta de presas naturais o lobo recorre por vezes a animais domésticos, principalmente gado, para se alimentar. Este facto tende a gerar atitudes negativas em relação à espécie, incluindo muitas vezes perseguição direta e extermínio de lobos. Para compensar estas perdas, vários países implementaram um sistema de indemnização que cobre os danos causados durante ataques de lobos. Contudo a presença de cães assilvestrados, que podem formar matilhas e que podem também recorrer a estas fontes de alimento, causará danos similares, embora estes não sejam cobertos pelo sistema de indemnizações. Em Portugal, tal como noutros países, é uma técnica auxiliar que já foi testada

com sucesso e que pode funcionar como uma fonte de informação complementar para a correta identificação das espécies responsáveis pelos ataques atribuídos ao lobo. Contudo, a aplicação da foto-armadilhagem apresenta limitações. Embora cada vez mais se experimente aplicar esta tecnologia em diferentes cenários (por exemplo para monitorizar o uso de cavernas por morcegos) o uso de armadilhas fotográficas tem revelado sucesso principalmente no estudo de mamíferos florestais. Espécies de maior porte têm maior probabilidade de serem detetadas e em ambiente florestal a fauna tende a deslocar-se através trilhos que vão sendo criados durante a passagem de diferentes espécies. Isto permite que o investigador tenha uma noção concreta de onde colocar as câmaras, contrariamente ao que acontece em ambientes mais abertos, aumentando a probabilidade de ser bem sucedido na sua captura fotográfica. Os felinos têm sido um dos alvos principais destes estudos uma vez que o seu padrão natural da pelagem permite identificar cada indivíduo que é fotografado ao contrário do que acontece com outras espécies. Em grande parte a recente explosão na utilização

de armadilhas fotográficas deve-se também à redução de custos. Uma câmara para fotoarmadilhagem custa tipicamente entre 150 e 400 euros e em estudos onde são utilizadas dezenas de estações fotográficas (usualmente entre 10 e 20), os custos podem facilmente atingir valores de milhares de euros. Existem ainda outros custos significativos, como por exemplo o custo de pilhas, cartões de memória e o possível extravio. Investigadores e conservacionistas deparam por vezes com o roubo do equipamento. Seja por curiosidade ou má intenção parece existir uma irresistibilidade a estas armadilhas, que desaparecem ou são estragadas. Por vezes também os próprios animais ou as condições climatéricas podem danificar o equipamento. Deste ponto de vista é fácil entender porque ainda existe alguma apreensão na utilização desta tecnologia, nomeadamente em países em desenvolvimento. Embora tenha demonstrado um grande potencial e seja atualmente um auxílio inquestionável para a investigação científica e conservação da biodiversidade, um dos maiores trunfos desta técnica é talvez um

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dos menos esperados. Até há alguns anos, o trabalho de investigadores e conservacionistas era de pouca acessibilidade ao cidadão comum. Este era, e ainda é, um verdadeiro problema para a conservação da biodiversidade pois é compreensivelmente difícil motivar a população para a proteção de espécies que nunca viram e das quais até a comunidade científica pode ter poucos registos. O conhecimento de espécies raras estava restrito a visitas a museus de história natural ou instituições zoológicas. Porém, o uso de armadilhas fotográficas veio trazer dezenas de espécies, grande parte das quais espécies carismáticas, para dentro da nossa casa cativando a nossa atenção para a temática da conservação da biodiversidade. Atualmente é fácil receber fotos de espécies que estão a ser fotografadas nos mais remotos cantos do mundo, por exemplo via Facebook ou YouTube. A aplicação Instant-Wild, uma parceria entre a Zoological Society of London e a Microsoft, permite receber quase em tempo real fotos tiradas por armadilhas fotográficas em locais remotos de países como Quénia, Sri Lanka, Mongólia ou Indonésia. A filosofia por detrás da construção desta aplicação é o envolvimento de milhares de pessoas na identificação das várias espécies que são capturadas, ajudando a categorizar a enorme quantidade de dados que os conservacionistas têm de analisar. Desta forma qualquer pessoa pode diretamente participar na monitorização de várias espécies por todo o mundo. A fotoarmadilhagem veio desta forma preencher um pouco o vazio que existia na relação do investigador com o grande público. Esta ligação mais próxima permite não só transmitir valores ambientais mas também cativar o público para atuar ativamente na conservação da biodiversidade. Vários projetos de conservação e científicos que utilizam armadilhas fotográficas têm recorrido com sucesso a campanhas de “crowdfunding” para se financiarem. Nestas campanhas qualquer pessoa pode contribuir com um pequeno montante para a compra de uma câmara que será utilizada na conservação de uma ou várias espécies, sendo possível receber acesso exclusivo a algumas das imagens que foram capturadas durante o estudo que ajudou a financiar. Texto André Silva

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SMontagem de uma câmara de foto-armadilhagem. O equipamento é tipicamente colocado em árvores, estacas ou pedras direcionadas para um trilho que os investigadores pensam poder ser utilizado pelas espécies-alvo

A origem da foto-armadilhagem No advento da fotografia, durante o século XIX, o equipamento fotográfico era volumoso e pesado, limitando muito a aplicação da fotografia. O interesse pela fotografia de vida selvagem nasce progressivamente, mas espécies elusivas, como animais noturnos, que habitam em locais remotos continuavam a não ser possíveis de fotografar. George Shiras, no final do século XIX, criou um sistema que permitia que os animais se fotografassem a si próprios. Utilizando uma câmara fotográfica, acoplada a um sistema de flash, ligou através de um pequeno fio um isco ao obturador da sua câmara. Ao investigarem o isco os animais fotografavam-se a eles próprios. O sistema provou-se eficiente e durante alguns anos George Shiras fotografou a vida até então desconhecida de diversas espécies entre as quais a lebre-americana, castor-americano, esquilo-cinzento, visão-americano e urso-pardo. Durante o século XX o trabalho deste fotógrafo foi replicado em várias partes do mundo, permitindo fotografar espécies até então desconhecidas ou raramente fotografadas em estado selvagem, como é o exemplo da primeira fotografia de tigre tirada com este sistema na década de 1920 por Frederick Champion na Índia. A tecnologia despertou interesse entre cientistas e na segunda metade do século XX já com o desenvolvimento de equipamentos bastante mais pequenos e sofisticados, alguns trabalhos científicos utilizaram a foto-armadilhagem, nomeadamente para estudar a distribuição e os ritmos de atividade de várias espécies. Na década de 1990 as câmaras fotográficas são acopladas a sensores de infra-vermelhos que ativam o obturador da câmara quando o feixe de luz é interrompido. O sistema foi testado com sucesso na deteção de vários carnívoros na Califórnia. Ullas Karanth em 1995 utiliza câmaras fotográficas para identificar individualmente tigres e determinar a sua densidade em algumas regiões na Índia, a sua metodologia é replicada para vários outros estudos com felinos, nomeadamente jaguares, leopardos e ocelotes. Atualmente, as armadilhas fotográficas são utilizadas em várias regiões do mundo por investigadores, organizações não governamentais de ambiente e até por particulares gerando milhares de imagens que monitorizam o funcionamento de vários ecossistemas.

Para saber mais Smithsonian Wild – Esta iniciativa permite visualizar mais 200 mil fotografias tiradas por armadilhas fotográficas em projetos espalhados por todo o mundo. http://siwild.si.edu/ Photo trapping - Blogue português sobre foto-armadilhagem. http://phototrapping.blogspot.pt BBC Wildlife Camera-trap Photo of the Year - Concurso organizado pela BBC que elege as melhores fotos provenientes de armadilhas fotográficas em cada ano. http://www.discoverwildlife. com/gallery/bbc-wildlife-camera-trap-photo-year-2012-%E2%80%93-winners


BLOCO DE NOTAS 67

SPilrito-escuro, Calidris maritima

Avifauna do Estuário do Cávado Ao percorrermos o circuito de visitação do estuário do Cávado somos confrontados com um quadro interpretativo a alertarnos para o caráter efémero das formações geológicas e dos ecossistemas que hoje caraterizam esta faixa do litoral norte, mas que se transformarão com o inexorável avanço do mar

É

assim, envolvidos pelos altos valores cénicos e ambientais que conferiram o estatuto de área protegida ao litoral de Esposende, que nos são apresentados os seus habitats ribeirinhos, o meio marinho adjacente e os sistemas dunares que lhes estão associados, instáveis, frágeis e vulneráveis como a biodiversidade que suportam. Agora que, face à melhoria das acessibilidades entretanto criadas, nos é mais fácil desfrutar dos atributos paisagísticos deste estuário, não é difícil sermos assaltados pela frustração ao percebermos que, apesar do atual recuo da linha de costa resultar sobretudo de um ciclo normal na evolução da Terra, em muito temos contribuído para acelerar o desaparecimento deste nosso valioso património natural. A erosão costeira, resultante da subida do nível médio das águas do mar e da redução dos caudais dos rios, continuará a emagrecer os areais das nossas praias, onde ainda podemos ver os pilritos-d’areia (Calidris alba) a alimentarse. Mas, a par destes, o que sucederá aos borrelhos-de-coleira-interrompida (Charadrius alexandrinus) que todos os anos se deparam com a destruição das dunas que lhes serviam

de berço? E assim que o mar invadir o estuário quantos biótopos se extinguirão? E quantas das aves, suas habitantes, debandarão como os pinguins (Spheniscidae) que em tempos muito remotos também se terão distribuído por estas latitudes? Mais ecléticas, as rolas-do-mar (Arenaria interpres) colocaram-se entre as primeiras a descobrir oportunidades de sobrevivência nos recifes rochosos recentemente expostos com o sumiço das areias das praias esposendenses. E o processo de colonização deste novo meio atrairá certamente outros organismos e outras cadeias de vida se estabelecerão. Foi nestas circunstâncias que na última estação se deu o primeiro registo conhecido do pilrito-escuro (Calidris maritima) por estas paragens e, eventualmente, será assim que outras espécies mais adaptadas à vida nas rochas, como as petinhas-marítimas (Anthus petrosus), passarão a visitar-nos com maior assiduidade. É que a instabilidade geológica do nosso litoral continuará, assim como no passado, a destruir e a criar mundos novos. Por Jorge Araújo da Silva www.verdes-ecos.blogspot.com

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68 MIGRAÇÕES

Em Portugal só se observam grous-europeus selvagens no tempo frio, entre novembro e fevereiro. Mais a sul, algures no Alentejo, conseguem ver-se bandos por vezes com centenas de aves. Se se sentem ameaçados levantam voo numa breve corrida e, em pleno batimento de asas, formam um V no céu.

Grus grus

Grou-comum voar na Europa de lés a lés

o tamanho da cegonha, o grou-europeu nidifica na tundra, nas margens de zonas húmidas, do Norte da Europa, para onde se desloca normalmente em março. Foi este ritmo migratório, comum a tantas aves selvagens, que deu fôlego à convenção de Ramsar. Os grous que já poderá ter visto nos campos de Moura ou de Évora, por exemplo, ao deixarem batidos pelo frio o habitat de nidificação, poderão ter voado ou pousado no território de uma dúzia de países.

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Percebe-se, por isso, que a conservação deste setor da biodiversidade tenha necessariamente de envolver o maior número possível de países. Esta espécie, bem distribuída, abrange três continentes: a Europa, o Norte de Àfrica e parte da Ásia. Alimentam-se de matéria vegetal, rizomas, frutos e sementes, bem como, entre outras ementas, de insetos e crustáceos. A publicação “Hirundo” dá nota de uma pesquisa feita por um grupo de cientistas estonianos* sobre as migrações do grou-europeu, sendo algumas das aves


Migração primaveril Migração outonal

controladas através de anilhas de cor e por dispositivos ligados a satélites entre 1997 e 2011. Em síntese, conseguiram um total de 3810 registos de 221 grous-europeus, com 2257 observações de 201 aves realizadas fora da Estónia. Muitos destes grous passaram o inverno na Estremadura espanhola, vizinha das terras alentejanas onde se verão por estes dias. A população invernante no nosso país, hoje, estima-se em cerca de 2 mil indivíduos. Texto Jorge Gomes Fotos João L. Teixeira *"Hirundo 24: 41-53 (2011), Aivar Leito.

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70 RETRATOS NATURAIS

Vamos desenhar... plantas Reminiscências do paganismo pré-cristão europeu, as plantas de folhagem persistente e verde-escura, nas quais pontuam contrastantes drupas vermelhas, como no azevinho ou nas gilbardeiras que ocorrem em matagais umbrios, são ainda muito procuradas como adorno, na ocasião das festividades do Natal

E

Azevinho Ilex aquifolium

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se o Natal evoca nos portugueses o sentimento de grupo e união familiar, a necessidade de adorno das casas para receber os mais próximos com enfeites brilhantes e coloridos (onde os pátrios verde e o vermelho imperam), que embelezam a árvore de natal ou as portas ou os centros de mesas. Esta quadra festiva permite ainda o retorno em nós do espírito da criança aquando da construção do presépio, forrado com tapetes de felpudos musgos. Na verdade tudo parece dar o mote para dedicarmos alguma da nossa atenção à ilustração do fabuloso mundo verde, ou seja, das plantas. Ilustrar plantas é adentrar no domínio da botânica, enquanto ciência da biologia, e, concomitantemente, entrar no apaixonante universo da ilustração botânica – e o uso do termo "universo" é propositado. De facto, ao estudo e o desenho ou pintura das plantas, na multitude de formas, tamanhos e cores, constituiu um motivo que sempre fascinou o Homem. A arquitetura e a harmonia das composições florísticas, e mais ainda daquelas ditas florais (plantas com flor), têm o poder de suscitar emoções que levam quase sempre a apreciações positivas do que se olha (perceção), do que se vê (chama e capta a atenção), ou ainda do que se observa (analisa visualmente). Sendo que as plantas com flor são na sua maioria temporalmente muito efémeras, motivam à conservação da sua memória e não


b

a

são poucos os exemplos em que a representação destas plantas surge aliada aos primevos desenhos e pinturas, em paredes, tábuas ou telas, antes mesmo de passarem a ilustrar as páginas dos manuscritos (como por exemplo, os códices religiosos, minuciosamente tintados pelos monges copistas), ou dos primeiros incunábulos (cadernos impressos da centúria de quinhentos), que precederam os livros encapados. Um dos primeiros realces a fazer é o do que a ilustração botânica é um campo tradicionalmente bastante vasto. Dada a precocidade deste tipo de estudo na história do conhecimento humano (inicialmente mais voltada para o uso prático, medicinal ou económico – sistemática artificial – do que para uma sistematização natural e apoiada na história evolutiva da espécie), a botânica acabava por englobar toda uma série de domínios que hoje já não se encontram incluídos no reino das plantas. Curiosamente, ainda hoje se observam algumas perceções erróneas sobre o que realmente é a ilustração botânica, que urge clarificar, bem como também esclarecer que ilustração botânica é muito mais do que ilustração de angiospérmicas (plantas com flor) – a qual, por motivos óbvios, é aquela que agrega mais seguidores, tanto nos que apreciam, como nos que executam e/ou criam. Desenhar plantas é desenhar aqueles seres fotossintetizantes (autotróficos), sejam eles micro ou macroscópicos (a maioria das herbáceas, arbustos e árvores), sejam terrestres, ou aquáticas, dulciaquícolas ou marinhas. Assim, hoje em dia é comummente aceite que os fungos são um reino à parte das plantas (incapazes de fazer fotossíntese, i. é, são seres heterotróficos), e como

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g

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d h

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2

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c

4

Anatomia externa do azevinho açoriano (Ilex azorica) 1. Folha a - face superior b - face inferior 2. Flor c - botão d - flor/florescimento e - flor/inicio da frutificação 3. Fruto f-h - fases da maturação i - fruto em corte longitudinal 4. Sementes

i

tal deve-se evitar a representação destes seres no domínio da ilustração botânica (apesar de este tipo de ilustrações ainda ser recorrente em obras dedicadas à ilustração botânica recentemente publicadas), uma vez que pertencem à ilustração micológica (independentemente de se desenharem hifas, ou as suas frutificações, os cogumelos, que também serão alvo de abordagem, mais à frente, nesta rubrica). Existe ainda uma outra ressalva a fazer e que é preciso ter em consideração – as microalgas, independentemente do meio em que

se inserem, não estão taxonomicamente incluídas no reino Plantae (são consideradas Protistas), logo a sua representação não pode ser incluída na disciplina da ilustração botânica. Por seu lado, as macroalgas marinhas já fazem parte deste domínio e subcategoria da ilustração científica. Na realidade, pode-se afirmar que ambas estarão indexadas à ilustração ficológica, ou seja à ilustração de algas (uma disciplina da figuração científica que é recente, com cerca de 250 anos, se comparada com a ilustração). Regra geral, fazer ilustração botânica é ilustrar as espécies de briófitas (no qual se incluem os musgos), as pteridófitas (dominadas pelos fetos), as gimnospérmicas (como as coníferas) e as angiospérmicas (plantas com flor). Este tipo de ilustração pode ser restrito a algo tão simples como a ilustração de apenas uma folha, ou parte da flor ou do fruto, se em respeito à anatomia externa, ou então de um corte anatómico interno (onde se mostre a relação dos tecidos vegetais num caule, folha ou raiz), ou pode mostrar ainda a planta inteira (hábito) – e que será o tema dos próximos artigos, onde o verde irá imperar.

Texto e ilustrações

Fernando Correia

Gilbardeira Ruscus aculeatus

Biólogo e ilustrador científico Dep. Biologia, Universidade de Aveiro fjorgescorreia@sapo.pt www.efecorreia-artstudio.com

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72 ATUALIDADE

Na aldeia da Castanheira, em plena serra da Freita, abriu ao público em 3 de novembro a Casa das Pedras Parideiras, na verdade o Centro de Interpretação deste singular geo-sítio. Este pólo de apoio surge depois de reabilitada uma casa antiga, em desuso, nas proximidades do afloramento principal das afamadas pedras, já abordadas pela PARQUES E VIDA SELVAGEM (n.º 27, disponível em www.parquebiologico.pt, no botão Revistas). Trata-se de um equipamento que pretende contribuir para a conservação, a compreensão e a valorização deste tipo de património geológico, assim como para promover as visitas turísticas e educativas deste espaço, que se integra num conjunto total de 41 geo-sítios (sítios com interesse geológico) classificados pelo Arouca

Joaquim Peixoto

Pedras-parideiras: geo-sítio ganha centro de interpretação

Geopark, membro das Redes Europeia e Global de Geoparks, sob os auspícios da UNESCO. Com marcação, é possível a visualização de um filme no auditório intitulado “Pedras Parideiras: Um tesouro geológico”, seguindo-se uma visita aos afloramentos externos. No filme, faz-se uma viagem dos primórdios do planeta Terra à atualidade da região, sendo possível compreender os mistérios que envolvem estas pedras peculiares.

Prémio Júnior - Edição de 2012 Pedro Caldas Cardoso, Garça branca e seu reflexo

Acompanhe este Concurso no site do Parque Biológico de Gaia www.parquebiologico.pt ou no Facebook www.facebook.com/parquebiologicodegaia

ES D A D I NOV REVE! EM B

CONCURSO NACIONAL DE FOTOGRAFIA DA NATUREZA PARQUES E VIDA SELVAGEM 2013 • 11.ª edição 72 • Parques e Vida Selvagem primavera 2013


Imitar para interagir

Enorme meteorito eliminou 83% de répteis

Os papagaios tendem a imitar as vocalizações uns dos outros com vista a estabelecerem algum tipo de interação, segundo um estudo recente de uma equipa de cientistas. Thorsten Balsby da Universidade de Aarhus e os colegas da Universidade de Copenhaga, na Dinamarca, chegaram a esta conclusão quando observaram que as aves submetidas à pesquisa reagiam mais rapidamente e com maior frequência sempre que um dos papagaios imitava o chamamento de outros. Balsby disse, num artigo publicado na revista "PLOS One", que se sentia surpreendido pelo facto de as aves conseguirem imitar as variações subtis das vocalizações de contacto. Muitos destes animais vivem uma parte do ano em bando, o que desafiará os psitacídeos a complexificarem o seu sistema de vocalizações. O cientista explicou que a constante mistura de aves de vários bandos na floresta poderia estar na origem desta adaptação.

Um asteróide terá colidido com a Terra há 65 milhões de anos, no final do Cretáceo, e terá originado enormes perdas de biodiversidade, incluindo a extinção dos dinossauros. Mas não foram apenas esses seres vivos que desapareceram do planeta. Um novo estudo publicado na revista “PNAS” destaca que o sinistro terá aniquilado 83% de espécies de lagartos e serpentes, sublinhando que «só os pequenos animais com uma ampla distribuição geográfica sobreviveram neste período». De acordo com esta pesquisa, defendem os investigadores, «as origens da fauna moderna só podem compreender-se tendo em conta as grandes catástrofes que ocorreram nessa altura». Cerca de «9 mil espécies de lagartos e serpentes continuam hoje a existir não por se terem adaptado melhor mas porque ganharam

por defeito, já que os seus concorrentes diretos tinham sido eliminados». Concluídos os exames dos fósseis de serpentes e lagartos obtidos em trabalho de campo no Oeste da América do Norte – do Novo México a Alberta, Canadá – regiões favoráveis à colheita de uma elevada diversidade de fósseis de répteis dessa era, verificaram que entre as espécies examinadas, 21 eram conhecidas e as outras totalmente desconhecidas. O estudo conseguiu reconstruir as relações dos répteis extintos a partir de mandíbulas fragmentadas. Esta variedade de espécies de répteis mostra a grande biodiversidade dessa era: «Os lagartos e as serpentes rivalizavam com os dinossauros em termos de variedade», afirmou Nicholas Longrich, do Departamento de Geologia e Geofísica de Yale, um dos autores da pesquisa.

I JORNADAS ARQUEOLÓGICAS

CASTELO DE CRESTUMA VILA NOVA DE GAIA 28-29 DE JUNHO DE 2013 AUDITÓRIO DO PARQUE BIOLÓGICO DE GAIA

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74 PROJETO Cada dia que passa há mais empresas e cidadãos a confiarem ao Parque Biológico de Gaia o sequestro de carbono Ajude a neutralizar os efeitos das emissões de CO2, adquirindo área de floresta em Vila Nova de Gaia com a garantia, dada pelo Município, de a manter e conservar e de haver em cada parcela a referência ao seu gesto em favor do Planeta

Para mais informações pode contactar pelo n.º (+351) 227 878 120 ou em carbono@parquebiologico.pt Parque Biológico de Gaia, Projeto Sequestro do Carbono 4430-681 Avintes • Vila Nova de Gaia

Sequestro de Carbono Agrupamento de Escolas Ovar Sul - Curso EFA B3 • Agrupamento Vertical de Escolas de Rio Tinto • Alice Branco e Manuel Silva • Amigos do Zé d’Adélia • Amigos do Zé d’Adélia e Filhos • Ana Filipa Afonso Mira • Ana Luis Alves Sousa • Ana Luis e Pedro Miguel Teixeira Morais • Ana Miguel Padilha de Oliveira Martins • Ana Paula Pires • Ana Rita Alves Sousa • Ana Rita Campos, Fátima Bateiro, Daniel Dias, João Tavares e Cláudia Neves do 11.º A (2009/10) da Escola Secundária de Oliveira do Douro • Ana Sofia Magalhães Rocha • Ana Teresa, José Pedro e Hugo Manuel Sousa • António Miguel da Silva Santos • Arnaldo José Reis Pinto Nunes • Artur Mário Pereira Lemos • Bárbara Sofia e Duarte Carvalho Pereira • Bernadete Silveira • Carolina de Oliveira Figueiredo Martins • Carolina Sarobe Machado • Carolina Birch • Catarina Parente • Cipriano Manuel Rodrigues Fonseca de Castro • Colaboradores da Costa & Garcia • Cónego Dr. Francisco C. Zanger • Convidados do Casamento de Joana Pinto e Pedro Ramos • Cursos EFA Básicos (2009/10) da Escola Secundária Dr. Joaquim Gomes Ferreira Alves • Deolinda da Silva Fernandes Rodrigues • Departamento Administrativo Financeiro da Optimus Comunicações, SA - DAF DAY 2010 • Departamento de Ciências Sociais e Humanas da Escola Secundária de Ermesinde • Departamento de Matemática e Ciências Experimentais (2009/10) da Escola Secundária de Oliveira do Douro • Dinah Ferreira • Dinis Nicola • Dulcineia Alaminos • Eduarda e Delfim Brito • Eduarda Silva Giroto • Escola Básica da Formigosa • Escola Dominical da Igreja Metodista do Mirante • Escola EB 2,3 de Valadares • Escola EB 2,3 Dr. Manuel Pinto Vasconcelos, Projecto Pegada Rodoviária Segura, Ambiente e Inovação • Escola EB 2,3 Escultor António Fernandes de Sá • Escola Secundária Almeida Garrett - Projecto Europeu Aprender a Viver de Forma Sustentável • Escola Secundária Augusto Gomes • Escola Secundária do Castelo da Maia • Família Carvalho Araújo • Família Lourenço •

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Fernando Ribeiro • Francisco Gonçalves Fernandes • Francisco Saraiva • Francisco Soares Magalhães • Graça Cardoso e Pedro Cardoso • Grupo ARES - Turma 12.º B (2009/10) da Escola Secundária dos Carvalhos • Grupo Ciência e Saúde no Sec. XXI - Turma 12.º B (2009/10) da Escola Secundária Dr. Joaquim Gomes Ferreira Alves • Grupo de EMRC da Escola Básica D. Pedro IV - Mindelo • Guilherme Moura Paredes • Hélder, Ângela e João Manuel Cardoso • Inês, Ricardo e Galileu Padilha • Joana Fernandes da Silva • Joana Garcia • João Guilherme Stüve • João Monteiro, Ricardo Tavares, Rita Mendes, Rita Moreno, e Sofia Teixeira, do 12.º A (2011/12) da Escola Secundária Augusto Gomes • Joaquim Pombal e Marisa Alves • Jorge e Dina Felício • José Afonso e Luís António Pinto Pereira • José António da Silva Cardoso • José António Teixeira Gomes • José Carlos Correia Presas • José Carlos Loureiro • José da Rocha Alves • José, Fátima e Helena Martins • Lina Sousa, Lucília Sousa e Fernanda Gonçalves • Luana e Solange Cruz • Manuel Mesquita • Maria Adriana Macedo Pinhal • Maria Carlos de Moura Oliveira, Carlos Jaime Quinta Lopes e Alexandre Oliveira Lopes • Maria de Araújo Correia de Morais Saraiva • Maria Guilhermina Guedes Maia da Costa, Rosa Dionísio Guedes da Costa e Manuel da Costa Dionísio • Maria Helena Santos Silva e Eduardo Silva • Maria Joaquina Moura de Oliveira • Maria Manuela Esteves Martins Alves • Maria Violante Paulinos Rosmaninho Pombo • Mariana Diales da Rocha • Mário Garcia • Mário Leal e Tiago Leal • Marisa Soares e Pedro Rocha • Marta Pereira Lopes • Miguel Moura Paredes • Miguel Parente • Miguel,

Cláudia e André Barbosa • Nuno Topa • Paula Falcão • Pedro Manuel Lima Ramos • Pedro Miguel Santos e Paula Sousa • Professores (2010/11) da Escola Secundária de Oliveira do Douro • Professores e Funcionários (2009/10) da Escola Secundária de Oliveira do Douro • Protetores do Ambiente Professores e Alunos da Escola Básica de Canidelo • Regina Oliveira e Abel Oliveira • Ricardo Parente • Rita Nicola • Sara Pereira • Sara Regueiras, Diana Dias, Ana Filipa Silva Ramos do 11.º A (2009/10) da Escola Secundária de Oliveira do Douro • Serafim Armando Rodrigues de Oliveira • Sérgio Fernando Fangueiro • Tiago José Magalhães Rocha • Tiago Pereira Lopes • Turma A do 6.º ano (2010/11) do Colégio Ellen Key • Turma A do 8.º ano (2008/09) da Escola EB 2,3 de Argoncilhe • Turma A do 9.º ano (2009/10) da Escola Secundária de Oliveira do Douro • Turma A do 11.º ano (2010/11) da Escola Secundária de Ermesinde • Turma A do 10.º ano e Professores (2010/11) da Escola Secundária de Oliveira do Douro • Turma A do 12.º ano (2010/11) da Escola Secundária de Ermesinde • Turma C do 10.º ano (2010/11) da Escola Secundária de Ermesinde • Turma D do 10.º ano e Professores (2010/11) da Escola Secundária de Oliveira do Douro • Turma D do 11.º ano (2010/11) da Escola Secundária de Ermesinde • Turma E do 10.º ano (2008/09) da Escola Secundária de Ermesinde • Turma E do 12.º ano (2010/2011) da Escola Secundária de Ermesinde • Turma G do 12.º ano (2010/11) - Curso Profissional Técnico de Gestão do Ambiente do Agrupamento de Escolas Rodrigues de Freitas • Turma IMSI do Curso EFA - ISLA GAIA (2008/09) • Turmas A e C do 10.º ano (2009/10) da Escola Secundária de Oliveira do Douro • Turmas A e C do 11.º ano; A e B do 12.º ano e Professores (2010/11) da Escola Secundária de Oliveira do Douro •Turmas B e C do 12.º ano - Psicologia B (2009/10) da Escola Secundária de Oliveira do Douro • Turmas B e D do 11.º ano (2009/10) da Escola Secundária de Oliveira do Douro • Turmas A, B e G do 12.º ano; G e H do 11.º ano e F do 10.º ano (2010/11) da Escola Secundária de Ermesinde • Vânia Rocha


Posto de Abastecimento de Avintes

Para aderir a este projecto recorte o seguinte rectângulo e remeta para: Parque Biológico de Gaia • Projeto Sequestro do Carbono • 4430 - 681 Avintes • Vila Nova de Gaia Pretendo/Pretendemos aderir à Campanha Confie ao Parque Biológico de Gaia o Sequestro do Carbono apoiando a aquisição de

m2 de área florestal X € 50 =

Junto se envia cheque para pagamento

euros.

1 m2 = €50 - 4 kg/ano de CO2

Procedeu-se à transferência para o NIB 0033 0000 4536 7338 05305

Nome do Mecenas Recibo emitido à ordem de Endereço N.º de Identificação Fiscal

Telefone

e-mail

O Parque Biológico pode divulgar o nosso contributo

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76 BIBLIOTECA

Memórias do Bussaco Contam-se várias publicações de velha data no fundo bibliográfico do Parque Biológico de Gaia sobre a serra do Bussaco e a sua mata, doada em 1628 por D. João Manoel, bispo e conde de Coimbra, à ordem dos Carmelitas Descalços, que nela, em 1630, iniciaram a comunidade

E

m 1864 foi publicada a 3.ª edição de Memorias do Bussaco seguidas de uma viagem á Serra da Louzan, dedicado a José Pimentel, visconde de Gouvêa pelo autor, Adrião Pereira Forjaz de Sampaio, e editado pela Bibliotheca Moré. Nestas páginas, quer em prosa quer em poesia, descreve-se o Bussaco. Na primeira parte a sua mata, o horto e as principais edificações, capelas e fontes. Numa segunda são descritos aspetos da sua história, o seu nome e fundação, a vida no mosteiro e as ermidas. No final, em apêndice, ofícios trocados pelos generais no decorrer da batalha do Bussaco em 1810, onde se debateram forças anglo-lusas de um lado e tropas francesas de outro. O autor dedica ao honrado amigo João de Lemos as páginas finais, onde descreve aspetos vários da serra da Lousã. Guia Histórico do Viajante no Bussaco CASTRO, Augusto Mendes Simões de; Coimbra, 1833. Augusto M. Castro formou-se em Direito na Universidade de Coimbra e publica este guia em 1833, dedicando-o a Augusto Filipe Simões. O autor reúne nesta publicação textos já publicados em jornais mas dispersos e outros

76 • Parques e Vida Selvagem primavera 2013

O projeto Raízes Bibliográficas da História Natural de Portugal (RBHNP), em desenvolvimento pelo Parque Biológico desde 2008, visa reunir publicações antigas sobre a história natural de Portugal e das ex-colónias portuguesas, com as quais o Parque tem protocolos de cooperação. Pode consultar o catálogo de publicações em www.parquebiologico.pt clicando em Biblioteca.

inéditos, propositados para a obra. Desde a fundação do deserto do Bussaco pela ordem dos Carmelitas, à descrição das portarias, as pinturas do claustro, as igrejas, ermidas, capelinhas e fontes, mata e flora, até um apêndice com transcrições de documentos oficiais redigidos por altura da batalha do Bussaco. Há neste guia, escrito em português antigo, e já em segunda edição, um documento importante da Imprensa da Universidade de Coimbra do século XIX. O Bussaco MATTOS, Silva; MENDES, Lopes; 1874. Esta edição impressa pela Lallemant Frères, Lisboa, é dedicada, como se verifica logo nas primeiras páginas, a Elisa, filha de Augusto Matos. Contém transcritas duas cartas trocadas entre os autores e nos vários capítulos que se seguem a descrição daqueles que são os principais aspetos do Bussaco, desde a mata ao edificado. No início do livro há uma pequena carta a 1/10000. Elucidário do Viajante no Bussaco (com estampas e mapa); CASTRO, Augusto M. S. de; Coimbra, 1921. Enquanto se aguardava a 5.ª edição do Guia Histórico do Viajante no Bussaco, Castro reuniu

neste elucidário de 64 páginas e uma planta da mata, os principais aspetos deste lugar e incluiu nele (últimas páginas) um itinerário para quem quer em pouco tempo visitar a mata, sem perder as principais atrações. Bussaco: Its Monastery, Battle, and Woods, its Uses as a Health Resort Dr. D. G. DALGADO, da Academia de Ciências de Lisboa, 1916. Esta edição, em inglês, contém duas plantas e um mapa, tendo sido editada em 1916 – Lisboa. A planta II, nesta edição, é relativa ao posicionamento das tropas envolvidas na batalha do Bussaco. É de salientar o facto de em nenhuma das outras edições sobre o Bussaco este documento estar presente, o que já confere por si só alguma raridade a esta publicação. No 1.º capítulo encontra-se uma descrição geral do Bussaco, sendo o 2.º dedicado aos aspetos religiosos, nomeadamente ao convento e à vida da comunidade. O 3.º capítulo é sobre a batalha e o 4.º capítulo é dedicado aos aspetos de fauna e flora. No 5.º e no 6.º capítulo revelam-se os aspetos turísticos e relacionados com saúde. Por Filipe Vieira


CRÓNICA 77

Jorge Paiva Biólogo

Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra jaropa@bot.uc.pt

Ecossistemas dunares I

A relevância da flora do Litoral

P

ortugal Continental tem uma costa bastante extensa (1230 km), com diversificados ecossistemas. É maioritariamente arenosa (ecossistemas dunares), com algumas arribas, promontórios e raras pequenas ilhas e ilhéus rochosos (ecossistemas rupícolas), estuários de razoável dimensão (ecossistemas de sapal) e algumas lagoas costeiras (ecossistemas lacustres). Além destes ecossistemas, há os ecossistemas marinhos, com vegetais imersos (“pradarias marinhas” e as “florestas marinhas de kelp”) ou com seres predominantemente microscópicos, flutuantes ou imersos (ecossistemas planctónicos). Os ecossistemas dunares são extraordinariamente dinâmicos, com prédunas, dunas embrionárias, móveis, semifixas e praticamente estabelecidas (fixas), com espaços interdunares. A planta “emblemática” das dunas móveis é o estorno (Ammophila arenaria) e a da duna fixa é o pinheiro-manso (Pinus pinea). Nos ecossistemas rupícolas do litoral as plantas são aero-halinas [ex.: o “emblemático” funcho-marítimo (Crithmum maritimum)], apresentam um característico hábito em coxim, são predominantemente xerófitas e aromáticas, variando a composição florística dos ecossistemas consoante a composição

rochosa. Nas arribas calcárias existem muitas plantas calcícolas como, por exemplo, o alecrim (Rosmarinus officinalis) e nas graníticas, areníticas ou metamórficas, muitas silicícolas, como, por exemplo, a sabina-das-praias (Juniperus turbinata). Nos sapais as plantas pioneiras são gramíneas, com a emblemática morraça (Spartina maritima), seguindo-se-lhe predominantemente quenopodiáceas halófitas, desde as herbáceas, como a gramata (Salsola kali), subarbustivas, como a gramata-branca (Halimione portulacastrum) até às arbustivas da retaguarda, como a salgadeira (Atriplex halimus). Nas lagoas costeiras, de águas salobras a jusante e dúlcidas a montante, ocorrem não só plantas aquáticas [ex.: pêlos-de-velha (Zannichellia obtusifolia)], como também terrestres marginais [ex.: o “emblemático” caniço (Phragmites australis)]. As “pradarias marinhas”, praticamente já inexistentes na nossa costa, são ecossistemas das placas litorais sujeitas às marés e estão cobertas tanto de plantas vasculares, [ex.: a fita-do-mar (Zostera marina)], como de macro-algas (ex.: Caulerpa prolifera). As “florestas marinhas de kelp” são ecossistemas das rochas marinhas de baixa profundidade (até 100 m) das regiões temperadas e frias

Os ecossistemas dunares são extraordinariamente dinâmicos, com pré-dunas, dunas embrionárias, móveis, semifixas e praticamente estabelecidas (fixas), com espaços interdunares

duna secundária

duna primária

duna semifixa

duna fixa

vale interdunar

duna embrionária

pré-duna

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78 CRÓNICA

SDunas terciárias, com Pinus pinea

predominantemente de macro-algas castanhas gigantes (kelp), como as laminárias (ex.: Laminaria hyperborea). O plâncton, constituído por micro-organismos flutuantes ou imersos (até 100 m), consumidores (zooplâncton) e produtores de biomassa (fitoplâncton) é um ecossistema crucial das cadeias tróficas dos oceanos, pois aí se encontram os produtores primários, as micro-algas, como Clorófitas (ex.: Dunaliella salina) e outras que, atualmente, não pertencem ao reino das plantas (Plantae), como, por exemplo, as diatomáceas e os dinoflagelados. Como se sabe, as plantas são produtoras de biomassa por terem a capacidade de utilizar a energia solar através de reações endotérmicas. Estando estes ecossistemas da orla marítima não sombreados, as plantas são extremamente produtivas, podendo, por isso, sustentar um elevado número de consumidores da biomassa vegetal, que, por sua vez, alimentam os respetivos predadores (consumidores). Em todos estes ecossistemas há pois uma elevadíssima biodiversidade, particularmente os lacustres e marinhos, mais ricos em água. As “pradarias marinhas”, as “florestas marinhas de kelp” e os sapais funcionam até como “maternidades” e “creches” piscícolas. Além da relevante quantidade de biomassa que produzem, as plantas exercem ainda um importante papel na despoluição (absorção de CO2), na produção de oxigénio (O2) e na manutenção desses ecossistemas, particularmente na fixação dos substratos. No litoral marítimo arenoso existem comunidades vegetais claramente diferenciadas paralelamente à costa, pois as plantas não estão igualmente adaptadas ao baixo teor de elementos essenciais, à fraca disponibilidade de água doce, ao vento, à salinidade e à mobilidade das areias. A acumulação das areias no litoral

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SEcossistema dunar

SDunas primárias e secundárias

é, naturalmente, faseada e diferenciada. Numa fase inicial as areias transportadas pelo mar são arrastadas pela ação do vento, formando-se pequenas e baixíssimas elevações (ecossistema pré-dunar ou ante-dunar), onde nascem as primeiras plantas. Dá-se, assim, o início da fixação das areias e consequente “embrião” das primeiras dunas (embrionárias ou primárias), que vão crescendo com cada vez mais plantas e sucessivamente maiores (dunas secundárias ou móveis), tornando-se semifixas (dunas terciárias) já com plantas subarbustivas, até se estabilizarem (dunas fixas ou paleodunas), com estrato arbustivo e arbóreo. As depressões entre as elevações das dunas (ecossistemas interdunares) são também

S Dunas de regiões tropicais: Scaevola plumieri

colonizadas por plantas, grande parte delas distintas das que se encontram no topo das dunas. Assim, a comunidade vegetal mais próxima do mar, o ecossistema ante ou pré-dunar, as plantas aparecem dispersas sobre essa extensa superfície arenosa ± ondulante e extremamente dinâmica. A eruca-marinha (Cakile maritima, com a subsp. maritima no litoral a sul do Tejo e a subsp. integrifolia a norte) pode considerar-se como a espécie “emblemática” deste ecossistema, acompanhada, por vezes, pelo polígono-marítimo (Polygonum maritimum) e, na costa ocidental a norte do Tejo, pelo sapinho-das-praias (Honckenya peploides).


SCamarinhas (Corema album)

SPancratium maritimum

SScaevola plumieri

A seguir estão as dunas embrionárias ou dunas primárias, que constituem a transição entre a praia e as dunas móveis ou dunas secundárias, onde estão instaladas as plantas pioneiras na fixação dunar e capazes de suportar imersões esporádicas em água do mar, como, por exemplo o feno-das-areias (Elymus farctus, com a subsp. farctus no litoral algarvio e sudoeste e a subsp. boreo-atlanticus comum em todo o resto do litoral), que é a espécie dominante do declive frontal das dunas virado ao mar. Outras espécies comuns e, normalmente, mais para a retaguarda do feno-das-areias, são a maleiteiradas-areias (Euphorbia peplis), a morganheiradas-praias (Euphorbia paralias), a corriola-da-

praia (Calystegia soldanella), o cardo-marítimo (Eryngium maritimum), a junça-das-areias (Cyperus capitatus) e o narciso-das-areias (Pancratium maritimum). As dunas vão crescendo pela ação do vento e das plantas, formando-se as dunas secundárias ou de areias móveis, onde se instalam plantas fixadoras com raizame comprido e muito ramificado ou de rizomas igualmente longos, profusamente ramificados em todas as direções e emissoras de numerosas raízes laterais. A planta “emblemática” destas dunas, dominante na cobertura vegetal da metade superior do acervo dunar, é o estorno (Ammophila arenaria subsp. arundinacea). Portanto, além das plantas já citadas, aparecem

outras plantas, também com ação fixadora, como os cordeirinhos-da-praia (Otanthus maritimus), os goiveiros-dapraia (Malcolmia littorea) e leguminosas (plantas nitrificantes) herbáceas de extrema relevância para estes ecossistemas arenosos paupérrimos em compostos nitrogenados. São exemplos destas plantas dunares, as luzernas-das-areias (Medicago marina e Medicago littoralis) e, no litoral a sul do Tejo, o trevo-rasteiro-dapraia (Lotus arenarius). Diminuído o efeito do vento, o grau de mobilidade da areia é menos intenso e as dunas tornam-se semifixas (dunas

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80 CRÓNICA terciárias) e na superfície dunar até já se instalam algumas criptogâmicas, como musgos (e líquenes) haloresistentes. As plantas mais características destas dunas são já subarbustivas, como a madorneira (Artemisia campestris subsp. maritima), a perpétua-das-areias (Helichrysum italicum subsp. picardii) e a escrofulária-das-areias (Scophularia frutescens var. frutescens) e outras psamófitas como o tomilho-das-areias (Thymus carnosus), um endemismo lusitano (litoral alentejano e algarvio), as granzas-dapraia (Crucianella angustifolia e Crucianella maritima) e ervas anuais como o rabo-decoelho (Lagurus ovatus), a silene-das-areias (Silene littorea subsp. littorea) e a erva-matapulgas (Odonites virgata). Estas plantas ocorrem também nas areias fixadas e nitrificadas do ecossistema interdunar, que oferecem ótimas condições para plantas de sistema radicular curto, com profusa ramificação caulinar, formando amplas manchas arredondadas como a erva-prata (Paronychia argentea, com a var. argentea, a mais comum, e a var. angustifolia no litoral algarvio) e o morrião-das-areias (Anagallis monelli). As dunas estabilizadas ou paleodunas são colonizadas já por plantas mais robustas, algumas ainda subarbustivas como a camarinha (Corema album), outras arbustivas como a sabina-das-praias (Juniperus turbinata subsp. turbinata) e arbóreas como o pinheiro-manso (Pinus pinea), particularmente no litoral a sul do Tejo. As leguminosas destas dunas fixas e das dunas terciárias são também subarbustivas ou arbustivas, como, por exemplo, o tojo-arnal (Ulex europaeus subsp. latebracteatus). Devido à intensa e constante destruição da vegetação nativa todo o cordão dunar do litoral português tem vindo a ser invadido por plantas alóctones e até nativas (mas características de outros ecossistemas). Assim, as infestantes barrilhas (Mesembryanthemum crystallinum e Mesembryanthemum nodiflorum), originárias da província da África do Sul, invadem desde o ecossistema pré-dunar até às dunas fixas e a erva-das-pampas (Cortaderia selloana) já aparece desde as dunas primárias. As invasoras lenhosas ocupam mais as dunas terciárias e as paleodunas. São exemplos tanto plantas nativas, como o pinheiro-bravo (Pinus pinaster) e urzes (particularmente a Erica arborea), como alóctones como o australiano miopóro (Myoporum laetum) e várias espécies de acácias australianas, particularmente a Acacia melanoxylon e a Acacia longifolia.

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S Planta das dunas das costas tropicais: corriola-pé-de-cabra (Ipomoea pes-caprae)

Praticamente já não existe no nosso litoral continental um sistema dunar perfeitamente sequenciado. Como sabemos, grande parte do litoral foi destruído por implantação imobiliária desregrada, desordenada e, a maioria das vezes, ultrapassando a lei. As autarquias, além de terem sido as grandes responsáveis por terem autorizado isso, também colaboraram nessa destruição com a construção de artérias urbanas e infraestruturas de recreio e “pseudodesportivas” sobre o ecossistema dunar. Assim, está a dar-se a destruição de muitas dessas construções e até de praias que deixaram de ter a proteção dunar. Esta transgressão marinha vai ser mais drástica com os efeitos da subida do nível médio dos oceanos resultante do aquecimento global, do

qual só duvidam da sua ocorrência, os incultos, os interesseiros, os corruptos e egocêntricos com falta de escrúpulos. A construção de paredões, perpendiculares ou paralelos, ao mar e a colocação de estacaria nas dunas nuas de vegetação, não tem dado os resultados que pretendiam todos aqueles que ou são “cegos”, incrédulos ou não têm escrúpulos em desbaratar as finanças públicas. Além disso, o litoral continua a ser utlizado como um vazadouro de lixo. É só percorrê-lo antes da abertura da época balnear ou até de manhã cedo antes da limpeza que as autarquias executam durante a época balnear. Enfim, além de ser importante que se obrigue a cumprir a lei do domínio público marítimo, são


SPemphis acidula

SGuilandina bonduc

SPemphis acidula

necessários excelentes programas de educação ambiental nas estações de Rádio e Televisão públicas. É para isso que nós pagamos impostos: para termos emissoras dessas com programas de utilidade pública e não apenas de diversão. Os ecossistemas dunares litorais são idênticos em qualquer parte do Globo Terrestre. Apenas as plantas são diferentes, pois a sua ação fixadora ou nitrificante é a mesma. Assim, por exemplo, nas costas tropicais e subtropicais, a convolvulácea correspondente à nossa corriolada-praia (Calystegia soldanella) é a corriola-péde-cabra (Ipomoea pes-caprae com a subsp. pes-caprae confinada às costas do Oceano Índico e a subsp. brasiliensis, a mais difundida) e a leguminosa herbácea que a acompanha é

o feijoeiro-das-praias (Canavalia rosea), com a mesma função nitrificante das nossas luzernasdas-areias (Medicago marina e Medicago littoralis). Nas dunas tropicais e subtropicais da Ásia, Polinésia e Autralásia, a gramínea com funções correspondentes às do nosso feno-das-areias (Elymus farctus) e do nosso estorno (Ammophila arenaria) é a erva de-espigas-aciculares (Spinifex littoreus). As dunas terciárias e paleodunas estão igualmente cobertas de subarbustos, arbustos e algumas árvores; algumas destas plantas são leguminosas lenhosas, como a espinhosa silvada-praia (Guilandina bonduc) das costas tropicais do Velho e Novo Mundos, outras são de géneros não europeus, como a Grewia glandulosa, uma tiliácea de flores violáceas do litoral do Quénia,

Tanzânia, Moçambique, ilhas adjacentes e próximas (Seicheles, Comores e Madagáscar) e a Pemphis acidula, uma litrácea arbustiva do litoral marítimo, distribuída pelas costas do Oceano Índico e Pacífico desde a África Oriental até às Filipinas, Papua e Austrália; e outras pertencentes a famílias inexistentes na Europa, como a goodeniácea de flores brancas pseudo-unilabiadas, a uva-da-praia (Scaevola plumieri), um arbusto ou árvore pantropical que chega a colonizar as dunas secundárias.

(Continua no próximo número)

Parques e Vida Selvagem primavera 2013• 81


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Ana Alves

82 COLETIVISMO

A sobrevivência do priolo

Texto Joana Domingues

Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves Avenida da Liberdade, n.º 105 - 2.º - esq. 1250 - 140 Lisboa Tel.: 21 322 0430 / Fax: 21 322 04 39 spea@spea.pt • www.spea.pt

82 • Parques e Vida Selvagem primavera 2013

SDos nove ovos nasceram oito juvenis, todos fêmeas

Nasceram mais cágados-de-carapaça-estriada Em 19 de junho passado foi induzida no Parque Biológico de Gaia a postura a uma fêmea de cágado-de-carapaça-estriada, Emys orbicularis, capturada na lagoa de S. Lourenço, no Algarve, local a que foi posteriormente devolvida. Após 64 dias de incubação artificial, dos 9 ovos nasceram 8 juvenis, todos fêmeas, que serão de acordo com este programa oportunamente restituídos à natureza. Esta espécie de cágado está em perigo de extinção em Portugal e é protegida por lei. No nosso país existem populações isoladas, especialmente a sul do rio Tejo, embora também ocorra no Minho. Este projeto integra-se no Programa LIFE, um instrumento financeiro para a conservação da natureza na União Europeia. Está a ser desenvolvido em Portugal e Espanha com a

coordenação da Generalitat Valenciana Conselleria de Infrastructuras, Territorio y MedioAmbiente (Valência, Espanha), e a participação de instituições como o CIBIO-ICETA da Universidade do Porto, o Parque Biológico de Gaia e a ALDEIA-RIAS. Este projeto LIFE tem em vista o desenvolvimento de estratégias e técnicas demonstrativas para a erradicação de cágados invasores, como é o caso das espécies do género Trachemys, até há pouco tempo comercializadas como animais de estimação.

Jorge Gomes

A campanha “Vamos preservar o priolo”, espécie única no mundo, que vive apenas na ilha de São Miguel, decorre até ao final de fevereiro e pretende mobilizar todo o apoio para continuar o trabalho de conservação desta espécie e a manutenção do seu habitat florestal nos Açores. O objetivo é angariar 21600 euros através de donativos que podem ser feitos em http:// www.indiegogo.com/PreserveAzoresBullfinch O atual projeto LIFE Laurissilva Sustentável, coordenado pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves e financiado pelo programa LIFE, termina em breve. É necessário manter o esforço para preservar esta ave. Com o dinheiro angariado pretende-se continuar a reflorestação do habitat do priolo com plantas autóctones e evitar que a vegetação exótica invasora volte a proliferar. O crowdfunding e a plataforma Indiegogo são meios recentes, com sucesso na angariação de fundos para projetos e causas, apelando ao altruísmo de todos os que querem contribuir. Os donativos podem ir dos 5 dólares aos 2500 dólares e todos os valores têm recompensas. A população de priolos foi considerada praticamente extinta no século XX e aumentou de três centenas em 1990 para mil indivíduos em 2012. O trabalho da SPEA e dos seus parceiros tem sido retirar as plantas exóticas e plantar arbustos e árvores produzidas num viveiro do projeto, também ele em risco. Faça o seu donativo!


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