La Ursa n° 2

BRASÍLIA - DF, ANO 1. EDIÇÃO 2.

JAN-JUN . 2024

AZULEJAR PERNAMBUCO Uma herança islâmica

Vênus Paulo Roberto Diário de Tempestades Jhean Lima O Sonhador Jorge Recife

Índice Pablo Santos Diretor Pablo Santos Editor

Laursarevista.blogspot.com Revistalaursa@gmail.com @Revistalaursa

Recifarra Modelo

Bruno Cavalcanti Fotografia

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AZULEJAR PERNAMBUCO

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VÊNUS

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DIÁRIO DE TEMPESTADES

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POESIA

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A PALAVRA

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O SONHADOR

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CARTAS NÃO ABERTAS PARA ALECRIM

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O MAR BEIJOU SOPHIA

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SUA IMAGEM ESTÁ DESAPARECENDO

PESADELO DE CRIANÇA

Nota do Editor

A escrita me trouxe até aqui. Através dela, absorvo a energia que permite desvendar meus próprios mistérios intrínsecos e, após anos submerso nas asas de criadores, eis a hora de cocriar, soando reconfortante a materialização em meus ouvidos, a textura em meus dedos e o sabor picante do léxico carregando a minha vivência na arte.

Ora aprendemos com as palavras, ora elas aprendem conosco e, fundindo-se humano e imaterial, arte e letra, assim nasce a La Ursa, consistindo numa publicação dedicada à literatura, às artes, à pluralidade cultural e visibilidade artística.

Pelo sangue recifense que habita em mim, saboreie nestas duas edições de estreia textos sobre as origens do título desta publicação, assim como seja embebido de poesias por: Noélia Ribeiro; Pietro Costa; Paulo Roberto; Pablo Santos; Ariane Araújo; Jhean Lima e Jorge Recife, impacte-se com o horror, fantasia e crônica de: Nifrido; Guilherme Alberico e Sparr, encantese com o artigo de Antonio Bernardini, além das ilustrações e fotografias de: Brendo Francis; João Henrique, Niél Sàlim e Rayllone Petrelli.

“A fusão da arte em letras”

Pablo Santos DIRETOR

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A zulejar Pernambuco Antonio Bernadini Uma herança islâmica que transcende séculos de história, a arte do azulejo chega em Portugal por volta 1498, por influência do rei de Portugal, D. Manuel I, logo após uma viagem às cidades espanholas de Toledo, Saragoça e Sevilha. El-rei fica encantado com a exuberância dos interiores mouriscos que vê e assim nasce a arte de azulejar em Portugal, que influenciará vários artistas ao longo de toda história, até os dias de hoje.

No início do século XIX, a corte portuguesa refugia-se nas Terras de Vera Cruz e traz consigo a magnífica arte da azulejaria. Dá-se, assim, início a um novo padrão estético e cultural às novas cidades brasileiras, o que despoleta o crescimento da arte de Azulejar no norte do Brasil.

(Painel retratando a Revolução de 1817)

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Pernambuco: desenhos, padrões e cultura A cidade de Recife, no Estado de Pernambuco, mantém viva nos dias de hoje a arte secular da azulejaria, legado deixado pelos portugueses que antes destinava-se apenas a decorar igrejas, mosteiros e casas coloniais e que agora mistura-se com a modernidade da cidade do século XXI. Os azulejos estão presentes em várias fachadas de edifícios, residências e governamentais espalhados pela cidade. Os famosos azulejos azuis monocromáticos misturam-se agora com novos padrões, cores e formatos criados por diversos artistas e arquitetos.

Além da aplicabilidade já mencionada, os Azulejos são grandes livros de história, pois registram acontecimentos marcantes, que não devemos esquecer. Ao passear pelas ruas do centro de Recife, podemos contemplar o painel em azulejos denominado “Revoluções Pernambucanas”, que foi criado em 1967 pelo artista pernambucano, Corbiniano Lins. Este painel retrata três momentos históricos de revoluções que ocorreram no Estado de Pernambuco, a Revolução Pernambucana de 1824, a Confederação do Equador em 1824 e a Revolução Praieira de 1848.

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José Corbiniano Lins foi um pernambucano nascido em Olinda no ano de 1924. Fez parte do movimento de Arte Moderna do Recife durante a década de 1950, juntamente com nomes como Abelardo da Hora, Reynaldo Fonseca, Samico e Celina Lima Verde. Participou ainda de diversas exposições coletivas e individuais em galerias, museus e espaços culturais, tanto no Brasil, como Europa e América Latina.

(Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira - IMIP)

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O modernismo português na arte de ornamentar edifícios Na década de 50, chega a Pernambuco o arquiteto português, Delfim Amorim, que ao longo das últimas décadas se tornou num grande nome na arte da azulejaria. Delfim Amorim trouxe um frescor modernista às fachadas dos edifícios pernambucanos, cujo também se deve à sua parceria com Luís Domingues - o maior azulejista do Recife! Juntos, transformaram a estética da cidade, aliando a arte secular da azulejaria e a criatividade contemporânea.

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Vênus Paulo Roberto

Diga-me, Vênus! Irei ou não naufragar nesse desejo aureolar?

Tua ilha é distante do alcance humano!

Teu caminho é engano, cuja jornada é mortal, pois no mar, és, sereia igual.

Um pensamento profícuo à justiça, assim como os anseios à libertinagem invejar a beleza, ou primavera por lembrar-se de ti! A mais bela!

Feridas que não matam, apenas marcam cicatrizes como seu olhar encantador.

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Diário de Tempestades Jhean Lima Havia comprado, mais cedo, em uma livraria que fica na esquina próxima à minha casa, um caderno que tem na capa uma ilustração diferente e chamativa, algo que, habitualmente, não se põe em capas de cadernos comuns. Era uma espécie de vendaval, uma grande tempestade que prende a atenção dos nossos olhos pelo rebuliço que é feito na bela paisagem submetida à inquietação do vento.

De alguma forma, o desenho no caderno me levou a certa lembrança do meu tempo de adolescência. Quando sentia vontade de condescender com as manias da fase dessa mocidade. Queria transformar toda vivência daquela época em poesia, escrever versos que retratassem as desilusões e, também, as bonanças de cada momento vivido.

Sim! Queria possuir uma espécie de diário, mas era reprimido pela minha sádica ignorância, baseada nos preceitos do preconceito, arraigado em mim pela sociedade. “Ter um diário é coisa de menina!”, é o que se ouvia quando ousava comentar esse fato no grupo de amigos que me cercava. Resultado: deixei passar uma oportunidade propícia de mostrar às pessoas que, por algumas vezes, é saudável quebrar as regras, quando se trata de autoafirmação sem autodestruição.

No entanto, esse caderno, essa ilustração me deram forças para arguir a constatação antiga. É hora, sim, de finalmente ter o meu diário e de escrever, nele, os versos de uma nova vida que assume e encara de frente os antigos desejos.

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Poderia muito bem aderir ao estilo moderno e criar uma pasta em meu computador intitulada “Meu Diário”, mas, não! Desta vez, prefiro ser atrasado e usar os meios de antigamente. O caderno com a capa de tempestade veio a calhar! É como se essa tempestade evidenciada na capa reunisse entusiasmos para escrever as primeiras linhas, fazendo das páginas, já meio amareladas do caderno (que ninguém quisera comprar pelo desenho, subjetivamente, triste), o documentário de um tempo novo daquela vida remota.

Então, o que se escrever como abertura? O texto inicial deveria ser equivalente ao tema acometido pelo desenho da capa, à lembrança trazida por ele e ao sentimento que o meu coração anuía naquele momento. Depois de alguns minutos de reflexão, sentado à mesa da sala, sob a luz de um abajur coberto por um tecido alaranjado, comecei a registrar as palavras afilhadas do desejo emotivo que me abrasava. A minha única companhia naquele momento era o cenário da pouca luz que me contornava, as pancadas do relógio na parede e o pulsar alentado do coração dentro de mim.

O primeiro texto reuniu os três tópicos preestabelecidos. As palavras relampejavam o tema da ilustração, estilavam em pingos fortes o sentido daquele momento de solidão e diziam: “Por um tempo que se perdeu no tempo, a chuva forte que trazia o medo do som estardalhante dos trovões, o brilho ofuscante dos raios, o vendaval que provoca o pulsar desordenado do meu coração não molhava mais o rosto do meu sentir tão sentido, porque os pingos da chuva foram ficando escassos com a ausência da sua presença. E o que era temporal (em mim) transformou-se numa suave neblina que, de muito leve e de forma atemporal, tocava o tempo do meu sentimento.

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Mas, a imprecisão típica desse temporal, outra vez, confunde o tempo estável do que acalmava e acalantava a força do temporal de outrora. Agora, há uma possibilidade de a chuva cair de novo... o vento sopra forte... da janela, vê-se o reluzir dos raios, ouve-se já o estouro dos trovões que, mesmo a certa distância, dá o sinal certo da sua presença. O medo bate à porta, o coração acelera e segue um ritmo descompassado... outra vez, a tempestade que o meu amor espera de você.”

Apesar da solidão que se completava com a falta e a espera, eu estava muito feliz com o meu caderno/diário. Poderia, enfim, escrever sobre os meus dias e noites de tempestades sem que nenhuma tempestade de oposição me contrariasse. Assumi, pois, o compromisso de todas as noites, sob a mesma luz do abajur laranja, relatar nas páginas do Meu Diário um fato importante do meu dia até que possa completar todas as páginas (uma a uma) para, quem sabe, em outros dias, compor outro Diário de Tempestade.

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Poesia Jhean Lima Ela vem a qualquer hora E chega rodopiando feito bailarina Com seus pliés perfeitos E seus intermináveis fouettés Às vezes, vem feito Pierrô Que apaixonado pela Colombina Eterniza suas lágrimas Na esperança do amor viver Outras vezes, vem como criança Agarrada num algodão doce Com gargalhadas infinitas, Girando ao carrossel Ela vem, sempre vem...

Entusiasmada, perturbadora Inquieta ou acolhedora E preenche-me a alma, leva-me ao céu

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Ela é quem dita as normas Conduz os meus sentimentos Dela, colho as emoções Em infinitas contradições Vivo poesia, em cada pedaço Do que vivo e sinto Espero ansioso, inquieto e receptivo As surpresas da sua chegada.

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O Sonhador Jorge Recife

Rapaz..

Tem gente que dá até medo de olhar de tão bonita que é.

Repara!

Fico só de rabo de olho, mas com todo respeito Não sou de constranger, Sou só de admirar Fico a me perguntar Um pouco meio sem jeito Tá danado O que é isso?

Além de ser tão bonita Também fala bonito! É beleza e inteligência E eu que achei que era só aparência, mas fiquei surpreendido

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Encostou bem do meu lado Parecia realeza Com sua voz tão suave E com tamanha certeza Me convidou pra que eu sentasse Do seu lado em sua mesa.

Eu desprovido de igual certeza Pois sem ver em mim tanta beleza Fiquei meio assustado Pois nunca havia imaginado Que isso aconteceria Me sentei, fiz companhia E fiquei abestalhado Ao ponto que a noite passava E a gente conversava Percebi algo diferente Que mais vale uma prosa, uma trova, um papo bom Do que o corpo de gente As horas foram passando O encanto alimentando De acordo com a prosa Ela de lá é eu de cá Pra nós não faltava assunto Podia ser de política Ou coisa de outro mundo

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Vi que ela era diferente Que gostava de leitura Aproveitei, falei uns versos Tava gostando do progresso De como ela me envolvia Fiz poema, poesia, pois estava admirado!

Ali, sentado do seu lado Me sentindo como um rei Já era, uma, duas, três A neblina como um véu Eu pensei no meu dossel Me joguei na fantasia Mas tudo ficou turvo A voz meia distante Fiquei meio assombrado Sem enxergar um palmo adiante O seu rosto me sumia Ouvi uma voz que me dizia Era pura gritaria!

Acorda seu cabra!

Acabou o teu descanso... É hora de voltar pro trampo Sai de baixo dessa árvore Vê se tu cria coragem E para de gemer Pois se o patrão perceber Que tu tá aí dormindo Vai te demitir sorrindo E quem vai chorar é você!

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A Palavra Jorge Recife A palavra é um mar oceano tão profundo difusa, oriunda da alma deságua em porto Seguro. À deriva, pelo vento À palavra é levada Traz lembranças, sentimentos À palavra nos translada As vezes é rio profundo Outrora maré rasa Dependendo da lua É enchente maré brava Como um som de cachoeira Semelhante ao da voz Véu que se lança , é tão forte À palavra do algoz Quando o tempo é de chuva Cabeça d'água, água turva Ela vem com tanta raiva Nos sufoca , nos machuca.

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À palavra que sussurra Ao pé do ouvido faz promessas À palavra que confessa Que canta à esperança À palavra da criança que traduz toda inocência À palavra de nobreza Que demonstra beleza Uma alma cristalina Pode ser também sagaz À palavra da menina À palavra do rapaz À palavra que antes de tudo Existia lá em cima Deus em forma de verbo Palavra se dissemina Que castiga e cura a alma Que escurece ou ilumina Nos envolve e seduz Nos conduz versos e rimas Subjuga, nos divide Faz canção e determina Que faz juras de amor canta o homem sua dor E também nos discrimina.

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Cartas Não Abertas Para Alecrim Pablo Santos

03 de fevereiro de 2022 Um mês desde sua saída repentina e, vagarosamente, soa como trezentos e sessenta e cinco dias que não recebo chuva em minhas raízes. Vê-lo, através de uma tela, é reconfortante, mas doloroso simultaneamente; é como visualizar uma holografia ativa, bela, em contrapartida, ao me aproximar, escapa das minhas mãos e torna-se pungente, vago, violento…

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03 de março de 2022 “Seu rosto está desaparecendo”, foi o que disse a mim, todos os dias, durante essas últimas três semanas que não tivemos contato. O tempo se mostrou rápido perante os eventos diários, mas, em meu interior, soava indolente como uma tempestade de inverno, fria e silenciosa.

Repentinamente, surge uma centelha de fogo: eu obtive notícias de vossa pessoa.

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03 de abril de 2022 Contive-me por um tempo, a fim de não permitir que a hostilidade de sua tratativa me consumisse; hostilidade, essa, instável e mascarada, mas é tarde demais. O fim é o fim, definitivamente, não culpo você por ter retornado às redondezas, mesmo que por pouco tempo, sem ao menos ter dito: “estou por aqui”, ou ter ido embora deste lugar sem ter se despedido, ou ler diversos elogios e afirmações de “saudades” para com as fotos nas redes sociais de outrem, ou ter feito promessas que não pôde cumprir. Era de se esperar: não finalizei o ciclo, e ele me engoliu de forma enfurecida, dado que fiquei impossibilitado de estender mais dor. Espero que, em afinidade com seu desleixo, a omissividade torne-se uma constante em mim para contigo. Em suma, essas cartas podem e deveriam acabar aqui, agora.

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Sua imagem está

Desaparecendo Pablo Santos

Aos poucos, sua face em pixels que Tinha em mente está sumindo, está Se dizimando com os seus dizeres.

Uma promoção fora a melhor coisa Que ocorrera a nós, pois pude me Enxergar no vazio de suas palavras.

Nas cartas que para mim escrevo, Retomo o controle com verdades Amargas que cercam-me desde o Nosso primeiro e insano beijo.

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O Mar Beijou Sophia Pablo Santos

Este mundo imperfeito levou meu 6º novembro; As cinco flores do meu ventre; Progenitores do meu infinito; O mar incessante em mim; Minha ressonante voz czarista; Por fim, este mundo levou você de mim.

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Pesadelo de Criança Daniel Heldt Urban Essa história são memórias do primeiro sonho lembrado pelo autor, no dia de seu aniversário de 4 anos, em um 27 de junho onde o gelo da garagem, no qual o aniversário fora comemorado, ainda dá calafrios nas reminiscências.

Comemorei meu aniversário de 4 anos na garagem do prédio que minha mãe zelava. Pelas fotos, recordo-me bem da blusa de elefantinho dourado vestido prontamente para uma partida de críquete, e a onda do cabelo cogumelo reinava entre as crianças sem discernimento para escolher o próprio corte de cabelo. Era o meu caso.

Após me empanturrar de pasteizinhos fritos com recheio de carne moída, que em minhas memórias eram guardados e levados por mim mesmo em um copinho plástico de cor azul, fui dormir com um sorriso nos lábios, a pança cheia de bobagens que eu tanto amava, e com meus novos brinquedos me acompanhando na jornada para pegar o expresso do Reino dos Sonhos.

A garagem à frente do apartamento de zeladoria se dava por três vagas, cada uma contendo uma porta para que veranistas da cidadezinha litorânea pudessem guardar os seus pertences de banhistas.

A porta da garagem do meio acordou minha família com suas três batidas ritmadas, o gelado do frio de inverno adentrava os edredons e, mesmo com quatro anos, cheguei à conclusão que estava com medo.

Meu irmão gêmeo, também acordado pelas batidas, estava desconcertado, não distinguia o real do imaginário. E meus pais, ligando as luzes do quarto, chamaram-nos para ver o que estava acontecendo naquela garagem. Era melhor levar os filhotes para a armadilha do que deixá-los correndo perigo dentro de casa.

A porta foi aberta, e a lufada de ar foi iminente, congelando pai, mãe, e os dois irmãos gêmeos. Mas não tinha ninguém batendo na porta pela parte de dentro, como todos haviam pensado.

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Cobertas entrelaçadas, era hora de dormir mais uma vez, mas não tão rápido, havia, sim, alguém batendo na porta da vaga do meio da garagem à frente do apartamento do zelador. Mais uma vez levantamos e fomos até lá, as batidas estavam muito mais ensurdecedoras no eco da garagem vazia de inverno.

Meu pai abriu a porta já sem paciência, o velho revólver .38 em mãos, para caso algo devastador acontecesse. A mesma lufada de ar, a mesma sensação de congelamento, mas ainda assim não havia vivalma batucando na porta de madeira.

Exaustos, seguimos para casa, e ao entrar na porta da frente, que ficava então nossa própria casa, não eram mais batidas altas e ritmadas, eram socos violentos e disformes, ecoando agonia por mãos até então desconhecidas, ainda na porta do meio da vaga de garagem.

A família inteira correu até o local, alguém não parecia estar bem lá dentro, e foi quando meu pai abriu aquela porta pela última vez. Um corpo desabou na frente da família, separando a esquerda em pai/filho e direita em mãe/filho. O corpo estava decomposto quase por completo. Parecia ter vindo do mar, algas tocavam o que restavam do tecido do quase-esqueleto, e seus ossos eram cobertos em sua maioria por um limo. Pedaços de pele cheias de hematomas de variadas cores.

O que mais me amedrontou era a boca semiaberta com os dentes esqueléticos à mostra, enquanto um pedaço do lábio superior parecia carcomido por peixes, era aterrorizante só aquela parte do lábio pendendo na parte inferior da caveira.

Amarrado no pescoço do ser putrefato, uma grande placa de latão com dizeres gigantescos, que, mesmo eu não sabendo ler, sabia muito bem o que significava: FELIZ ANIVERSÁRIO Acordei aos prantos, gritando pela dor que o corpo não mais sentia há muito em meu horripilante pesadelo. Meus pais vieram assustados me socorrer, e dessa vez a porta do meio da garagem continuou silenciosa.

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Ariane Araújo Aquela menina calada Pelos adultos amedrontada Até pelo “choro” de Deus era culpada Cresceu assustada A adolescente atarefada Por tudo responsabilizada De traumas não foi poupada Quantas feridas foram criadas Hoje, uma mulher preparada Por alguns, decepcionada Por poucos, apaixonada Aprendeu a ser equilibrada Percebeu que por nada era culpada Merece ser muito amada.

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Ricardo e Heloisa Ariane Araújo Os alunos do quinto ano do ensino fundamental se conhecem desde o jardim de infância. A turma vem estudando junto por todos estes anos.

Ricardo tem uma paixonite por Heloísa e nunca falou nada para a colega de classe. Este ano, Ricardo está sentindo como se a paixão estivesse mais intensa. Ele fica olhando para a colega, escrevendo seu nome no caderno, pensa em presenteá-la, mas não tem coragem de se declarar.

Heloísa, por sua vez, é uma aluna dedicada e parece não pensar em meninos. Não percebe a paixonite do colega de sala e trata todos da mesma maneira.

Por já estarem crescendo, os pais de Ricardo e de Heloísa autorizam os filhos a irem à escola sozinhos. Ricardo aproveita da proximidade de sua casa com a casa de sua colega e sempre vai acompanhando Heloísa. As crianças conversam sobre as atividades da escola, sobre os colegas, professores, futuro.

Ricardo vive com seus pais e um irmão mais novo que ainda não vai à escola.

A diferença de idade entre os irmãos, faz com que os pais precisem dar atenção diferenciada a eles. Ricardo fala pouco sobre seus sentimentos e quando está com Heloísa apenas conta a parte boa de ter um bebê em casa.

Heloísa, por sua vez, é filha única e mora apenas com a mãe. Não tem contato com o pai e se sente muito triste com esta situação. Na escola demonstra ser introvertida, mas no caminho, a sós com o colega Ricardo, fala de seus sentimentos e emoções. Porém, ao chegar na escola, sentam-se separados e só voltam a se falar ao irem para casa.

Nesta rotina eles foram passando o quinto ano. Deixando de se falar nas férias. No sexto ano tudo estava novamente acontecendo como no ano anterior.

Chegou o aniversário do irmão de Ricardo. Heloísa foi convidada e foi à festa com sua mãe. As famílias já se conheciam, afinal os filhos sempre estudaram juntos. Não havia laços de amizade, pois a mãe de Heloísa sempre foi bastante reservada.

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Após a festa, Ricardo criou coragem e conversou com o pai: — Pai, posso falar com o senhor? Iniciou o garoto.

— Claro filho. O que houve? — respondeu o pai, com tom sereno.

— Eu gosto da Heloísa de um jeito estranho. — Completou Ricardo.

O pai do menino começou a rir e não validou os sentimentos do filho.

Nem, ao menos, conversou a respeito.

Ricardo foi para seu quarto e chorou arrependido por ter aberto seu coração ao pai. No dia seguinte, domingo, a família estava tomando café da manhã e o pai de Ricardo tocou no assunto: — Você não vai acreditar, mulher, no que seu filho disse ontem?

— O que foi Ricardo? — Perguntou a mãe preocupada.

— Disse que gosta da colega dele. Aquela que veio ontem. Filha daquela vizinha largada. — explicou o pai de Ricardo.

Neste momento, o menino teve uma reação que espantou os pais. Ele bateu na mesa com os punhos e gritou: — Ela não é largada!

E foi para seu quarto. O pai do garoto brigou e o deixou de castigo sem assistir televisão.

No dia seguinte, Heloísa e Ricardo foram à escola e a menina percebeu que algo incomodava o colega. Ele sempre conseguia disfarçar as emoções, mas esta, que dizia respeito a ela, ele não estava conseguindo. Ricardo preferiu não dizer a verdade e desconversou alegando estar cansado, pois brincara bastante no dia anterior.

Ao chegarem na sala de aula, Heloísa sentou-se ao lado do colega. Fato este, que causou em Ricardo um misto de estranheza e felicidade. Será que ela também estaria sentindo algo por ele? Seria pena? Seria preocupação?

Quantas perguntas passavam pela cabeça do menino. Heloísa percebera que o colega não estava bem e quis ser uma boa amiga ficando ao lado dele.

A mãe da menina sempre dizia em casa que homem não presta e que Heloísa não poderia nem pensar em namorar tão cedo. Então, qualquer coisa de diferente que ela sentisse, logo deveria ser esquecido.

Após a escola, Ricardo comentou que por ele não voltaria tão cedo para casa. Heloísa propôs, então, que fossem passear na praça que ficava na quadra de baixo. E assim fizeram.

Eles se divertiram na pista de skate, nos brinquedos da praça, conversaram sentados no banco e nem perceberam o tempo passar. Quando Heloísa olhou o relógio, já era 14h30 e alertou Ricardo quanto à bronca que levariam dos pais.

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Ao chegarem, os pais das crianças já estavam juntos pela rua, próximo à casa de Heloísa e o pai de Ricardo começou a falar alto: — Está vendo? A sua filha que está estragando nosso filho. Por causa dela ele se atrasou para o almoço. A mãe de Heloísa, não conseguiu nem defender a filha e só mandou a filha entrar.

A conversa com a filha foi longa a respeito de não ir a lugar nenhum com o filho dos outros e de manter-se afastada do filho deste vizinho estressado que joga a culpa dos erros do filho dele nos filhos dos outros.

Heloísa escutou tudo o que a mãe tinha a dizer e passou o resto da tarde chateada e pensativa. Durante o resto da semana manteve-se afastada de Ricardo, o que causou tristeza em ambos. Ricardo não conseguia aproximarse da menina por vergonha do que o pai havia dito e, assim, os dias iam passando. Eles fazendo novas amizades, indo à escola com outros colegas e se afastando cada dia mais.

Ricardo nos dois anos seguintes foi estudar em outra escola e viu Heloísa poucas vezes pelas redondezas. Os dois se cumprimentavam por educação, mas sentiam que poderiam ter nutrido uma linda amizade que foi desfeita por falta de diálogo entre os adultos.

Já estava na hora de cursarem o nono ano e Heloísa foi para outra escola.

Por coincidência era a escola na qual Ricardo estudava. Muita coisa havia acontecido nos últimos anos, eles já não eram iguais, seus pais já não eram iguais e ao se encontrarem na mesma turma novamente sentiram algo de especial. Ricardo convidou Heloísa para sentar-se junto ao grupo de amigos do qual fazia parte e a apresentou como amiga de infância.

Para Heloísa foi muito bom não se sentir deslocada em uma escola nova.

Os amigos de Ricardo eram simpáticos, gentis e inteligentes. Ao fim do dia, Maurício, um dos amigos de Ricardo, pediu a ele que “adiantasse” as coisas entre Heloísa e ele. Naquele instante Ricardo percebeu que outros rapazes já olhavam para ela e teriam a coragem que ele nunca teve. Ele precisava explicar ao amigo que não suportaria ver Heloísa com outro rapaz e que quem precisava falar com ela e se “adiantar” era ele. E assim Ricardo fez.

Perguntou a Heloísa: — Como você irá para casa?

— Vou andando mesmo. — Respondeu a menina.

— Podemos, então, voltar a ir juntos? Adoraria te acompanhar como antigamente. — Completou Ricardo.

— Claro que sim. — Disse Heloísa sorrindo.

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Os dois foram embora falando sobre os últimos anos, sobre o irmão de Ricardo e o quanto estava grande. Até que Ricardo criou coragem de conversar sobre o que sempre desejou, mas nunca teve coragem. Ele iniciou a conversa dizendo: — Helô, sei que nos afastamos devido à grosseria do meu pai naquele dia.

Eu já não estava bem porque havia discutido com ele no dia anterior e você me fez tão bem ficando ao meu lado. Pena que perdemos a hora e geramos tanta discussão. Esses últimos anos longe de você em outra escola e te vendo de longe foram horríveis.

— Eu não queria ficar sem falar com você ou fingir que não te conhecia, mas minha mãe falou para não agir da mesma maneira. Ela ficou muito triste com seu pai e por sua mãe não ter dito nada. E até hoje não entendi o porquê de o seu pai ter falado daquele jeito, só pelo fato do atraso para o almoço? — Falou Heloísa indignada.

— Não só por isso. No dia anterior eu havia dito a ele algo que quero dizer a você há algum tempo e ele riu de mim. Por isso estava muito triste na segunda.

— Calma aí. Algo que quer dizer a mim? E tem dois anos que disse a seu pai? — Questionou Heloísa — Isso. — Respondeu Ricardo, com firmeza.

— Eu disse a ele que gosto de você. Mas hoje, após ficar longe e te encontrar na escola hoje cedo, percebi que o que sinto é bem forte e não é coisa de criança. — Completou Ricardo olhando fixamente nos olhos de Heloísa.

— Eu gosto de você de uma maneira diferente desde o segundo ano e minha mãe sempre dizia que era paixonite de criança e que isso iria passar com o tempo. — Disse Heloísa timidamente.

Eles riram e se abraçaram fortemente. Conversaram sobre como iriam contar aos pais que estavam namorando e decidiram ir aos poucos.

Começaram namorando no caminho e nos intervalos da escola.

Os amigos achavam o casal bonito e a união em nada atrapalhava o desempenho escolar deles. Foi quando Ricardo tomou a iniciativa de em um domingo ligar para Heloísa e combinar de ir no fim da tarde pedir a mão dela em namoro para a mãe.

Lá chegando, o rapaz pediu com licença, aceitou sentar-se no sofá da sala e começou a conversar com a mãe de Heloísa dizendo:

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— Bem, D. Helena, nos conhecemos há bastante tempo e, por mais que eu ainda seja jovem e a Helô também, queremos que a senhora saiba que nos afastamos após a ignorância do meu pai há dois anos, mas nunca deixamos de gostar um do outro.

— Como assim? — Perguntou Helena.

— Mãe, já conversei com a senhora. Lembra? — Falou Heloísa envergonhada.

— Fique calada Heloísa, estou conversando com seu amigo. — Completou Helena.

— Eu entendo a preocupação da senhora, D. Helena. Mas não irei permitir que meu pai seja grosseiro com a Helô e com a senhora novamente. Desde que ele saiu de casa há um ano e pouco, minha mãe está muito melhor e nossa família vai muito bem. Ele nos vê pouco, acredito que nem faz muita questão na verdade. Só quero que a senhora permita que eu namore sua filha.

Não faltarei com o respeito com ela. — Disse Ricardo com toda tranquilidade possível para o momento.

— Obrigada pela sinceridade, Ricardo. Conversei com sua mãe esta semana, pois já havíamos percebido as mudanças em vocês. E claro que confio em você para namorar minha menina. Ela é muito responsável e sempre contou para mim sobre os sentimentos dela a seu respeito.

Ela abraçou Ricardo que respirou aliviado. Heloísa e Ricardo foram passear um pouco na praça aquela noite, pois, finalmente, poderiam namorar em outro local além da escola.

Durante a semana, Heloísa foi à casa do namorado conversar com a mãe do rapaz e brincar um pouco com o cunhado.

Quando o pai de Ricardo viu os dois juntos, percebeu que o filho estava falando sério quando disse que gostava de Heloísa. Não era coisa de criança.

O casal concluiu o nono ano. Cursaram o ensino médio na mesma escola.

Passaram por teste vocacional. Ricardo decidiu cursar direito e Heloísa, psicologia.

— Ricardo, nosso amor de infância sempre será parte de quem somos. — Disse Heloísa antes de dar um beijo no amado no baile de formatura.

— Eu te amo. — concluiu Ricardo.

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Jon H. Lima: criando ilustrações e narrativas fantásticas Ilustrador brasiliense, formado em Artes Visuais pela Universidade de Brasília, produz narrativas em quadrinhos, novelas híbridas e ilustração de fantasia, amplamente inspirado por jogos eletrônicos.

Atualmente reside em São Paulo, atuando também como professor de artes.

Sua principal produção hoje é Silverthorn, uma história em novela híbrida (mesclando elementos de quadrinhos e texto em prosa) que reúne diferentes mitologias e referências, trazendo também uma experiência muito ligada aos jogos digitais, principalmente os de RPG. Silverthorn nos conta a história de Asger, e sua jornada por um universo e mundos misteriosos, novas culturas e novas formas de ver a vida. Seu maior desafio não será de forma alguma os monstros e os perigos que encontrará, mas sim quebrar sua própria percepção da existência.

Silverthorn muito em breve entrará em uma campanha de financiamento coletivo pelo Catarse para publicação do primeiro volume compilado, e além disso o artista possui uma página no Patreon onde publica para seus apoiadores diversos trabalhos, como fanarts e originais. Que tal uma nova jornada pelo mundo da fantasia, e ainda de quebra apoiar um artista brasiliense?

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