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O Abominável Massacre dos Índios Durante a Ditadura Militar

Oswaldo Lima Neto

Fig.1-Esquartejamento de uma índia ao meio por facão pelos agentes do Serviço de Proteção ao Índio (ou Latifundiários?)

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Precisa ser um ser vil como o Bolsonaro para elogiar a ditadura e seus torturadores. A seguir relataremos um genocídio praticado contra os índios brasileiros durante a ditadura militar. Os fatos aqui narrados se originam no Relatório Figueiredo, produzido pelo procurador Jader de Figueiredo em 1968, com mais de 7.000 páginas contando todos os casos de tortura, morte, extermínios, sevícias praticadas contras os índios por agentes do extinto “Serviço de Proteção ao Índio – SPI e por latifundiários. Este relatório foi dado como perdido em um incêndio no Ministério da Agricultura e só foi encontrado por acaso por um pesquisador em 2003 no Museu do Índio. O relatório foi encontrado intato, e relata, por exemplo, que um dos principais instrumentos de tortura dos índios, juntamente com outros crimes bárbaros, era denominado de “tronco” e consistia na trituração dos tornozelos das vítimas colocadas entre duas estacas juntas nas extremidades e ligadas por roldanas que eram aproximadas lentamente. No relatório consta também caçadas humanas promovidas com metralhadoras e dinamites atiradas de aviões, a contaminação intencional de varíola e a doação de açúcar misturado a estricnina e arsênico. O procurador Jader relata que ao chegar a uma aldeia presenciou o corpo de uma índia presa entre duas estacas de cabeça para baixo e cortada ao meio por picadas de facão.

Estima-se que, pelo menos, 8.350 indígenas tenham sido mortos no período investigado pela Comissão Nacional da Verdade em decorrência da ação direta dos agentes do Estado e da sua omissão. No entanto, essa estimativa inclui apenas os casos estudados pela Comissão. Muitos outros casos deverão ser estudados para que se tenha uma ideia mais precisa do número de indígenas mortos durante esse período. Sem dúvida, esse número deve ser exponencialmente maior que a estimativa apresentada pela Comissão Nacional da Verdade.

Este Relatório resultou de Comissões Parlamentarem de Inquérito ocorridas entre 1962-1963 criadas para investigar essas denúncias, e a ocorrência de diversas outras denunciadas por parlamentares. O então ministro do Interior, o militar Afonso Augusto de Albuquerque Lima, decide abrir

Fig.2- Índio sendo torturado

Fig.3- Índios acorrentados como bichos

uma investigação e encarrega o Procurador Jader de Figueiredo de conduzi-la. Ele realiza uma expedição que percorreu 16.000 km pelo país e entrevistou dezenas de agentes do Serviço de Proteção ao Índio e visitou mais de 130 postos indígenas, registrando uma infinidade de crimes praticados pelos agentes e latifundiários e incluíram muitos outros narrados pelos índios. Ao final, o Ministro propôs a demissão de 33 agentes do SPI e a suspenção de 17 deles, porém isso não aconteceu e eles foram inocentados posteriormente pela justiça da época. Também nada aconteceu com 4 pessoas acusadas da posse ilegal de terras indígenas, os latifundiários: Abílio Ayres, Assis Barros, Airton de França e Arlan Cardec Martins Pedrosa.

Quando da apresentação do Relatório em 1968, já durante a ditadura, foi noticiado pela imprensa brasileira e estrangeira a ocorrência desses crimes. O Jornal do Brasil foi um dos que publicou com a manchete “Atrocidades Arquivadas”. E New York Times também publicou. O que aconteceu depois não foi a condenação dos criminosos, mas a perseguição aos funcionários que participaram da investigação. O próprio procurador Jader de Figueiredo foi perseguido e ameaçado de morte por latifundiários.

Quando da notícia do aparecimento do Relatório, o filho de Jader Figueiredo, advogado Jader de Figueiredo Junior, relatava a sua alegria e externava qual seria a maior decepção de seu pai: “é que essas denúncias ficassem no dito pelo não dito”. Infelizmente, o Procurador Jader de Figueiredo faleceu em um desastre de ônibus em 1976, sem nunca ter recebido as honrarias necessárias pela correção e coragem de investigar e redigir este relatório, fato que deveria ser sanado em um futuro próximo.

Para fechar com chave de ouro a conivência do Regime Militar com esse Genocídio, o Ministro de Interior José Costa Cavalcanti de 1969-1974, veio a público negar em entrevista que tenha havido Genocídio.

Como estas informações foram dadas por perdidas por mais de 45 anos elas não são de conhecimento público e se faz necessário que nos esforcemos para divulga-las para mais pessoas. Essas informações foram obtidas de um vídeo intitulado “Relatório Figueiredo - O Massacre – Genocídio de Índios Brasileiros”, encontrado em https:// apoia.se/paralelometaforico. Estes fatos são mais um dos que enlameiam a história do nosso país e que tenho esperança de que em um futuro próximo possamos passar a limpo esses terríveis acontecimentos para que isso sirva de lição para os nossos jovens, pois necessitamos urgentemente de uma país mais humano, mais inclusivo, mais solidário, mais justo, sem qualquer tipo de preconceitos e em que os povos indígenas tenham sua integridade e suas terras garantidas, com o fim imediatamente deste morticínio que infelizmente ainda ocorre atualmente.

Para atestar que este martírio das tribos indígenas continua trago algumas notícias da Rede Brasil Atual (https://www. redebrasilatual.com.br/politica/2021/01/ ataque-indigenas-crimes-impeachment-bolsonaro/, https://www.Redebrasilatual. com.br/cidadania/2021/08/povos-indigenas-denunciam-ataques-e-retrocessos-cometidos-pelo-governo-bolsonaro/) e Maria Laura Canineu e Andrea Carvalho para a UOL, com recentes denúncias deste governo genocida de Bolsonaro.

As comunidades formadas pelos cerca de 900 mil indígenas das 305 etnias do Brasil (Censo IBGE 2010), desde a eleição de Bolsonaro em 2018, têm sido alvos de ataques a direitos, de invasões violentas de suas terras e de crimes que expõem esses povos ao genocídio. A demarcação de terras também foi interrompida – único meio de sobrevivência física e cultural para os indígenas.

Soma-se a essas ameaças o abandono do governo federal diante dos perigos da covid-19. De acordo com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a taxa de mortalidade entre indígenas é o dobro da registrada para o resto da população brasileira. Em 20 de janeiro 2021, havia 46.190 casos confirmados, atingindo 161 povos e levando à morte 927 indígenas.

O jurista Eloy Terena fala ainda sobre a preocupação com a ocupação ilegal das áreas indígenas. Segundo o advogado, o governo Bolsonaro está facilitando a legalização desse tipo de ocupação ilegal. E cita a Instrução Normativa número 9, publicada pela Funai de Bolsonaro em 22 de abril do ano passado. Nela, a Funai passa a considerar passível de emissão de Declaração de Reconhecimento de Limites (documento

que atesta que a propriedade não incide em Terra Indígena (TI) toda posse (sem escritura) ou propriedade que não incida apenas sobre Terra Indígena Homologada; Reserva Indígena; Terras Indígenas Dominiais. “Ou seja, libera para a compra, venda e ocupação todas as Terras Indígenas em estudo, as Terras Indígenas delimitadas pela Funai e as Terras Indígenas declaradas pelo Ministério da Justiça, além das áreas sob portarias de restrição de uso”, explica.

Essa postura mais agressiva do governo Bolsonaro teve consequências perversas para as populações indígenas em seus territórios, conta o advogado. “No Mato Grosso do Sul, estado com o maior número de casos, um trator adaptado foi utilizado por fazendeiros em graves ataques contra comunidades indígenas. Segundo os moradores da TI Dourados, o trator possuía uma perfuração na lateral, através da qual eram disparados tiros em todas as direções. Na denúncia feita pelos indígenas, as investidas contra os Guarani-Kaiowá ocorriam sempre entre as 23h e as 4h.”

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) apontam para um aumento de 30% do desmatamento na Amazônia Legal em 2019 em relação a 2018, atingindo os estados de Roraima, Acre, Amazonas e Pará. As treze Terras Indígenas mais desmatadas, destaca Eloy Terena, foram: Ituna/Itatá, Apyterewa, Cachoeira, Trincheira Bacajá, Kayapó, Munduruku; Karipuna, Uru-Eu-Wau-Wau, Manoki, Yanomami, Menkü, Zoró e Sete de Setembro.

De acordo com o jurista, as Terras Indígenas ocupam 13% do território nacional, 98% delas ficam na Amazônia Legal e um terço dessas terras é alvo de cobiça das mineradoras. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) divulgou o Dossiê Internacional de Denúncias, no qual demonstra como o discurso de ódio do presidente Jair Bolsonaro foi transformado em política de estado. Ou seja, as ações e omissões do governo resultaram em mais violência e conflitos nos territórios indígenas. O desmonte das políticas voltadas aos povos indígenas é relatado a partir da própria Fundação Nacional do Índio (Funai). De órgão governamental responsável pela proteção e promoção dos direitos indígenas, foi transformado em uma agência ineficaz, sem recursos humanos, técnicos e financeiros.

Quando no início do mês de março de 2020 o presidente Jair Bolsonaro mandou um projeto de lei ao Congresso para regulamentar a mineração, a exploração de recursos hídricos e outras atividades comerciais em territórios indígenas, pretendeu institucionalizar e impulsionar essa tendência perigosa, ao legalizar a exploração comercial de recursos naturais em territórios indígenas. O projeto estimularia ainda mais invasões e o desmatamento nesses territórios. Além de impactos ambientais diretos, projetos de mineração e infraestrutura de grande escala, como hidrelétricas, exigem estradas que estimulam o desmatamento, pois permitem um acesso facilitado à floresta para a exploração madeireira e a criação.

Como se vê é urgentíssima a saída deste governo genocida se quisermos salvar os povos indígenas e evitar a catástrofe ambiental provocadas por estes atos insanos.

Oswaldo Lima Neto é Professor Titular Aposentado da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE.