Nossos sonhos nao cabem em suas urnas

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Painel de Geopolítica, Meio Ambiente, Cultura e Matemática Cotidiana

Tarifa Zero e Movimento Passe Livre Entenda as propostas, os projetos e por que é possível

ISSN 2179-1538

Edição dupla (números 2 e 3) | ano 3

gl c cal

R$ 29,80

Arena Maracanã A elitização do futebol brasileiro

Partido Pirata Utopia ou realidade?

Nossos sonhos não cabem em suas urnas Alexandre Borges Alexsandra Camara Ana Maria Hoyos Cadavid André Flávio Soares Ferreira Rodrigues Barbara Bianca Gerbelli Bianca Pochmann Zambonato Carlos Sixirei César Medeiros “Nerckie” Cynthia Helena Dibbern Flora Lorena Branco Muller Frei Betto Gustavo D’Almeida Scarpinella Helissa Renata Gründemann Hermínio M. da Rocha Sobrinho Humberto Ramos Iara Souza Vicente Israel Alves Lucena Gomes Ivys Urquiza Galvão Jorge Machado Lara Leite Barbosa Larissa Santos Leonardo Boff Letícia Maciel Luciana Lima Lúcio Gregori Luiz Augusto Grimaldi Sampaio Luiz Henrique Dias Luiza Erundina Marcelo Pimenta e Silva Marcelo Pomar Márcio Rogério Silva Marcos Frazão Mariana Soares Domingues Mateus do Nascimento Mateus Prado Pablo Ortellado Paulo Cesar de Abreu Paiva Junior Paulo Jubilut Paulo Roberto Elias de Souza Rafael Cerva Melo Renata Nunes Duarte Renato Billia de Miranda Sidney Jard Tádzio Peters Coelho Thaís Aguiar Vinícius Tischer Viviane Yonamine Wéllia Pimentel Santos


Seu autêntico plano de estudos.

516s. pág

31

s fascículo

(11)

4513-8660

(11) 9 9423-1131

guiaenem.org.br

www.

Materiais didáticos


edit rial Fernando de Souza Coelho, Professor

Mateus Prado, Educador

Pedro Ivo Batista, Socioambientalista

Edicão dupla, para caber muito mais! 2013 nem acabou, e já se inscreve na história brasileira como um ano marcante, cujos acontecimentos ficarão na memória coletiva do país, e certamente continuarão reverberando no engendramento de diversas situações que ainda vamos viver. Como esquecer as cenas de importantes avenidas brasileiras repletas de gente de todas as idades, origens e segmentos? Os flagrantes abusos de repressão policial? O “mico” da grande mídia, que no primeiro momento tratou de reproduzir seu papel de sempre, criminalizando as lutas sociais, mas, depois da avalanche de réplicas e tréplicas desmentindo suas versões nas redes sociais, teve que amenizar o discurso reacionário e substituir o termo “vândalos” por “manifestantes”? E o que dizer da patética tentativa que muitos fizeram de explicar e categorizar o que estava acontecendo – afinal, todo esse barulho só por vinte centavos? O movimento é de esquerda? É de direita? É populista? É um golpe disfarçado? Qual é a pauta? Quem está à frente? Para evitar constrangimentos, certos estão os prudentes que não se apressaram em fazer análises reducionistas de um quadro tão complexo, envolvendo uma gama de anseios, configurações e interesses que não cabem em uma resposta única. Esse, aliás, é o ponto de partida de nossa capa – “Nossos sonhos não cabem em suas urnas”, ensaio assinado por Mateus Prado que, entre outros assuntos, reflete o caráter heterogêneo do momento que vivemos, a crise de representação que ele denuncia, e a necessidade de novas formas de participação para as quais aponta. E como esses sonhos não cabem nas urnas, também não se esgotam em um texto apenas, por isso, optamos por fazer uma edição dupla, abrindo mais espaço para que outros pensadores compartilhem seus pontos de vista sobre o assunto. Frei Betto, no artigo “Recado das ruas” reflete sobre o papel dos partidos e dos líderes numa sociedade desencantada com a democracia delegativa. Lúcio Gregori, Ex-Secretário de Transporte de São Paulo, explica os fundamentos e a aplicabilidade da Tarifa Zero. Nossa colaboradora de edições anteriores, Iara Souza Vi-

cente, alerta para a importância de não fazer julgamentos superficiais sobre esse delicado momento no texto “As manifestações de junho e o mito da história única”. Representando o Movimento Passe Livre, Marcelo Pomar e Flora Muller tratam de esclarecer alguns pontos de vista do MPL. Enquanto isso, a dupla Sidney Jard e Paulo Roberto de Souza analisa a importância da Internet como forma de mobilização social no artigo “Meio é Mensagem”. Reflexões afins extrapolam a análise das manifestações. O teólogo Leonardo Boff, por exemplo, apresenta um olhar mais metafísico sobre as questões políticas e relações sociais no texto “As esquerdas precisam de biologia”. O professor Jorge Machado conta mais sobre o Partido Pirata, uma experiência que já existe em diversos países como alternativa aos partidos e formas de participação tradicionais. Por fim, Luiza Erundina nos convida a uma reflexão sobre a atividade dos detentores dos canais de comunicação com o artigo “Polêmicas em torno de uma falsa questão”. Como nem só de política e humanidades se nutre a mente, também fizemos uma criteriosa seleção de textos de outras áreas, entre as quais destacamos importantes artigos de Matemática, como a geometria dos fractais e uma elucidação do professor Israel Alves Lucena Gomes sobre funções. Erosão, ciclos biogeoquímicos e sistema imunológico são alguns dos temas que trazemos na área de Ciências da Natureza, e, para o público pré-vestibular e candidatos ao Enem, dicas imperdíveis de estudo de Ciências e Matemática com os professores Nerckie e Paulo Jubilut. Enfim, estamos com o dobro de páginas, é muito material para comentar em apenas um editorial, e escolher o que falar está difícil – tem muitos textos imperdíveis. Convidamos então o leitor a virar a página e se dispor à vontade dessa seleção. Esperamos que ela contribua para sua formação de repertório, e que venha o futuro! Os editores

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sumário

por Lúcio Gregori

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Tarifa Zero – sempre foi possível

por Frei Betto

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Recados das ruas

por Mateus Prado

Expediente: Editores: Fernando Coelho, Mateus Prado e Pedro Ivo Batista Conselho Editoral: Renato Eliseu Costa e Wagner Iglesias Gestora Pedagógica: Ana Paula Dibbern Editora de Conteúdo: Ângela Arraya Diretor de Criação: José Geraldo S. Junior Projeto Gráfico: Lucas Paiva Diagramação: Lucas Paiva e Daniel Paiva

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Nossos sonhos não cabem em suas urnas


por Marcelo Pomar e Flora Muller

18 As esquerdas precisam de biologia por Leonardo Boff

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Polêmicas em torno de uma falsa questão

Movimento Passe livre: entenda a luta

por Marcos Frazão

por Luiza Erundina

40 Aplicacões da ressonância em nosso cotidiano por Ivys Urquiza Galvão

44 Fractais – uma “nova geometria” por Alexsandra Camara

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Arena Maracanã – futebol da elite

por Jorge Machado

46 10 dicas de estudo por Paulo Jubilut

82 Meio é Mensagem: movimentos sociais na Galáxia Internet por Sidney Jard e Paulo Roberto Elias de Souza

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Como realmente aprender Matemática por César Medeiros “Nerckie”

Partido Pirata, utopia ou partido do futuro?

88 A erosão do solo e seus desdobramentos por Gustavo D’Almeida Scarpinella e Renato Billia de Miranda


Escreva o mundo de hoje. Envie seu artigo e colabore para o debate da sociedade sobre os temas do momento.

Pensamentos globais, acões locais A Revista Glocal - Painel de Geopolítica, Meio Ambiente, Cultura e Matemática Cotidiana é uma publicação de atualidades do Instituto Henfil Educação e Sustentabilidade, que tem como objetivo divulgar informações qualificadas sobre arte, cultura, política nacional e internacional, meio-ambiente, geopolítica, economia, questões sociais, ciência e matemática. O formato colaborativo abre espaço em suas páginas para que estudantes de graduação e pós-graduação, pesquisadores, professores e especialistas em diversas áreas publiquem seus artigos em português, inglês ou espanhol.


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As funcĂľes da MatemĂĄtica De que modo elas podem ser verificadas em nosso dia a dia?

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N

ão é preciso ter estudado matemática por muitos anos para se defrontar com o tema “funções”. Mesmo sem um conhecimento profundo sobre o assunto, é extremamente fácil encontrar essa ferramenta matemática todos os dias na natureza, em cada escolha que tomamos, nas telas dos computadores, celulares, televisões e, claro, em quase todas as relações matemáticas, físicas, químicas e até mesmo em nossa linguagem. Dentre as diversas definições de “função”, uma é: “função é toda relação que atribui uma resposta dada a uma pergunta”. Muitas relações usadas pela física são descritas por funções, por exemplo: a descrição do espaço em função do tempo. Pensemos em mais um exemplo: um motorista dirige em determinada velocidade. Sua localização também é função do tempo, ou seja, de acordo com o passar do tempo, sua localização muda. Pensando em seu carro, a aceleração é função da pressão feita no pedal do acelerador. O mesmo se dá em smartphones, televisões, monitores de computador, etc., cujas imagens são funções dos sinais recebidos por um processador de vídeo ou de uma antena. Por que “função”? Esse termo foi atribuído pelo filósofo, matemático e diplomata alemão Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646-1716). Como todos os termos matemáticos, o nome foi dado para que seja feita a relação direta com objetos ou situações corriqueiras de nossas vidas, bem como no verso shakespeariano: “A paixão aumenta em função dos obstáculos que se lhe opõem”. O conceito de função foi muito importante para a construção da sociedade como ela é hoje e não há limites para as possibilidades de suas aplicações. Essa concepção sofreu uma grande reformulação e um novo ponto de vista através do matemático Leibniz, citado acima, e o físico, matemático, astrônomo e alquimista inglês Isaac Newton (16431727), os quais, depois de uma disputa intelectual acirrada, chegam aos mesmo resultados, nomeando a nova Teoria de Cálculo Diferencial. Um marco histórico da utilização incisiva e sistemática de funções foi o período entre os séculos XVIII e XIX, marcado por um conjunto de mudanças tecnológicas com um profundo impacto no processo produtivo (o período da Revolução Industrial). Nesse momento, cálculos envolvendo

funções foram utilizadas para otimizar o trabalho dos empregados, ajustando seus horários, sua localização e movimentação. Funções também foram utilizadas para a construção de máquinas e, posteriormente, na substituição dos próprios trabalhadores. A mudança de paradigma do processo produtivo gerou profundas mudanças econômico-sociais. Outro marco histórico, de dimensão científica, foi o “princípio da relatividade especial” de Albert Einstein (1879-1955), que abriu espaço para que outros matemáticos e físicos surgissem com uma nova fórmula para o cálculo da massa de um corpo, chamada “massa relativística”. Entre outros acertos, afirmou-se aqui que a massa de um corpo é função da sua velocidade. Atualmente, em economia, os valores das ações que aumentam ou diminuem são resultado do cálculo de funções que variam “em função” de algum outro produto (da inflação, da unidade monetária, entre outros). Em informática, no reconhecimento de voz, a ativação de um comando no celular, computador ou videogame é função de um conjunto de fonemas responsáveis pela formação de uma palavra ou frase que ativa comandos no aparelho. Isso é possível devido às funções descritas pelos linguistas. As mesmas funções também são utilizadas em softwares tradutores de idiomas. Existem inúmeras funções e inúmeros tipos de funções que podem e devem ser aplicadas nas diversas esferas da atuação humana. Antes do Iluminismo, de Leibniz e de Newton, as funções já eram usadas, ainda que sem uma definição formal. Porém, durante e após os séculos XVII e XVIII, foram mais investigadas, o que nos permitiu aplicações mais efetivas e a geração de novas tecnologias. Todos os tipos de funções foram importantes para a construção de novos conceitos científicos. Nesse sentido, o estudo dessa teoria deve ser cuidadosamente visto e revisto, para a aquisição de novos conhecimentos. Israel Alves Lucena Gomes Graduando em Matemática Aplicada com habilitação em Métodos Matemáticos na USP.

Mais No sentido do uso da função após Revolução Industrial para melhora na eficiência da produção, podemos citar o Fordismo e o aperfeiçoamento da linha de montagem. Os veículos eram montados em esteiras rolantes, que se movimentavam enquanto o operário ficava praticamente parado.

Também chamado de Cálculo Infinitesimal ou somente de Cálculo, é a teoria que estuda as taxas de crescimento ou decrescimento (coeficiente angular ou inclinação de uma curva) de uma grandeza e o acúmulo dessas quantidades, dada a função que descreve a grandeza.

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Comportamento

Criminoso, Caso de SaĂşde PĂşblica 12


Qual é a saída para a diminuição dos índices de criminalidade?

É

debatido usualmente que a condição humana é intrínseca ao conflito, especialmente por nos relacionarmos em sociedade. A percepção da dinâmica capitalista suscita conflitos de diversas naturezas, tanto no que tange à economia quanto ao aspecto social ou ainda no âmbito da política, agravando a exclusão e, em muitos casos, estimulando o uso da violência como item preponderante para se afirmar dentro de uma sociedade onde a economia global gira em torno do capital, em que tudo passa a ser mercadoria e esta, aos moldes da teoria marxista, ganha valor de uso e de troca, enquanto o individual passa a sobrepor os interesses da comunidade e o hiperconsumismo vira sinônimo de prosperidade e exaltação para o indivíduo e para a gestão da dinâmica capitalista. O tripé da seguridade social “saúde, previdência e assistência social” já não garante os direitos básicos para conter a desigualdade inaceitável. Porém, pobreza e injustiça social já não são mais os problemas centrais que o país enfrenta, pois a criminalidade, a meu ver, já sobrepuja essas questões. Noticiários e estatísticas apontam incansável e cotidianamente elevadas taxas de violência, caos, sentimento de medo e privação de liberdade. Esse é o quadro que vivenciamos e cujas implicações se traduzem em índices expressivos de criminalidade, tendo, por conseguinte, diversos fatores que atingem abrupta e diretamente a sociedade. Friederich Engels, avaliando o papel do trabalho na transformação do homem, considerava este como condição básica e fundamental de toda vida humana. O homem modifica a natureza e a domina a fim de servir-se. Contudo, para eliminar o antagonismo entre as classes, faz-se necessária uma transformação dos meios de produção. Fato é que a sociedade capitalista é desigual e que o capitalismo gera a violência, uma vez que a satisfação das necessidades do presente são fatores impulsionadores para o sentimento de completude dos indivíduos, sobrepondo-se ao bem estar coletivo. Como o Estado contemporâneo não garante o pleno emprego, o homem sente-se desamparado sem a proteção estatal e tendo que enfrentar a tensão gerada pela intensa concentração de renda, o estigma e a cobrança em superar sua exclusão social. O pensamento marxista parte do princípio de que o conflito é a origem dos problemas sociais. Tal conflito é proveniente das relações impostas pelo modo de produção e traduzem a necessidade de controle da classe capitalista e de resistência

das classes exploradas, uma vez que os impactos desse sistema trazem inúmeras consequências, dentre elas a subnutrição, a mortalidade infantil, as doenças endêmicas, os menores e idosos abandonados, o desemprego, a prostituição, o analfabetismo, entre outros. A exclusão concretiza a marginalização e a forma que o Estado encontra para manter a ordem é, muitas vezes, a repressão. Contudo, fazer uma interpretação focalizada e reducionista dos fenômenos da violência fundamentando-os em características de ordem biológica ou individual, julgando apenas o Estado como único responsável pelo caos de crimes existentes, ou ainda analisando a estrutura familiar como a principal desencadeadora desse fenômeno, advém de uma visão errônea de que a pobreza é que torna o sujeito criminoso. Esses fatores analisados isoladamente seriam argumentos equivocados. Contraditoriamente, tais fatos devem ser considerados atrelados como fenômenos que não podem ser isolados, e confrontá-los com a falência do sistema judiciário-prisional torna-se imprescindível. Assim, podemos compreender que a condição necessária para a redução acelerada dos índices de criminalidade passa pela lógica da interdisciplinaridade. Passa pela integração de todas as políticas de proteção social. Passa por uma vivência fecunda, e em constante processo de construção e intercomunicação entre as distintas áreas do saber, o que se torna também um desafio de participação e envolvimento, articulação e integração de conhecimentos em busca de um trabalho coletivo eficaz. Passa pela preocupação com a educação desde a tenra infância, pelo exercício da cidadania como um dos fatores preponderantes na contenção da criminalidade, junto das políticas sociais públicas de assistência social, saúde e outras, como o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, ou ainda políticas públicas de geração de trabalho e renda.

O alemão Friederich Engels foi um teórico do socialismo científico. Foi coautor de Karl Marx em diversas obras, entre elas o famoso Manifesto Comunista, publicado pela primeira vez em 1848.

Wéllia Pimentel Santos Bacharel em Serviço Social, cursou especialização em Criminologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Atualmente, é graduanda do Bacharelado em Humanidades pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri UFVJM.

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O SUS estรก doente?

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Um panorama do nosso Sistema Único de Saúde

A

dministrar e fazer funcionar um sistema de saúde não é tarefa fácil, principalmente se tratando de um amplo território de diversidades econômicas e culturais como o Brasil. Sobretudo em países da América Latina, o equilíbrio entre investimentos e ações de qualidade em saúde perpassa a árdua tarefa de planejar e programar o funcionamento do setor. No Brasil, o setor saúde, que é fator essencial à vida da população, plana à beira das discussões acerca dos investimentos e da gestão pública. Diante disso, nos acostumamos a ligar ao SUS e à saúde brasileira imagens de filas, falta de atendimento, tristeza e, acima de tudo, de desrespeito à vida humana. Mas, afinal de contas, como o nosso SUS (que em seu nome já diz: Sistema Único de Saúde, deveria ser único e igual para todas as pessoas), apresenta ocasiões e cenas, muito conhecidas por nós, de claro e óbvio desrespeito à vida humana? Será que existe tratamento para isso? Nossa saúde está doente? Existe cura? Ante a essas questões, vale lembrar que o SUS emergiu de lutas a partir de um movimento social composto pela população, juntamente com as universidades e os trabalhadores da área da saúde, que ficou conhecido como Reforma Sanitária. Como em diversos países, no Brasil, a Reforma Sanitária se propôs a produzir modificações nos modelos e na forma de fazer saúde. Com a configuração do SUS e sua afirmação a partir da Constituição Federal de 1988, o acesso à saúde passou a ser direito de todo e qualquer cidadão brasileiro, codificando e estruturando a saúde por princípios bem determinados como: Universalidade, Integralidade e Equidade. A problematização que a discussão apresenta consiste em pensar como um sistema de saúde que foi projetado para ser universal, integral e equânime promove falta de medicamentos, falta de consultas, enfim, faltas e mais faltas. Parafraseando os ensinamentos do grande mestre Paulo Freire, que escreveu uma vez: “movo-me na esperança enquanto luto e, se luto com esperança, espero”, penso e logo afirmo a necessidade de lutarmos e nunca desistirmos de uma saúde melhor, de uma saúde para todos. Logo, certamente nossa “doença”, não é o SUS, e sim como ele foi e está sendo conduzido. A

qualidade da saúde do nosso país está arraigada em um solo de corrupção, má gestão dos financiamentos e gastos públicos, e ainda na mentalidade de muitos profissionais, advindas talvez dos modelos prévios de atenção à saúde no Brasil, que insistem em fazer da saúde pública, saúde de pobres ou saúde de qualquer jeito. Há ainda outra faceta do nosso SUS que pouco faz parte do conhecimento da população em geral e minimamente se faz aparecer nos discursos sobre o assunto. O SUS hoje realiza a grande maioria dos transplantes e cirurgias de grande porte no Brasil, procedimentos esses que em geral não são cobertos por planos de saúde. É pelo SUS que a qualidade dos medicamentos é assegurada, através do controle de produção e comércio em território nacional. A vigilância em saúde impede, ou tenta impedir, a proliferação exacerbada de zoonoses e de doenças de transmissão ambiental. Pelo SUS, hoje muitas pessoas tem acesso a medicamento gratuitamente, incluindo nesta lista remédios de alto valor comercial, como os receitados para SIDA (AIDS), entre outros diversos feitos. Este panorama mostra que o nosso problema não é o SUS enquanto configuração da saúde, mas sim uma velha conhecida e já diagnosticada doença: a gestão pública do Brasil. Partidos vão, políticos vêm, mas nossa luta e nossa esperança é contínua, como dizia Paulo Freire, se lutarmos com esperança, esperemos nós uma saúde melhor, simplesmente colocando o nosso SUS em prática, sem as barreiras de má gestão, ou mau financiamento, afinal de contas saúde é prioridades para todos. Sendo assim, pode-se afirmar: nossa saúde está doente! Mas apresenta um quadro de boas probabilidades de “cura” e “tratamento”, e se passar por uma boa “terapêutica”, certamente teremos um excelente “prognóstico”.

Diferente da higienista e cruel Reforma Sanitária no Rio de Janeiro no início do século XX, a Reforma Sanitária da década de 1970 foi um movimento que precedeu a criação do Sistema Único de Saúde, quando buscava-se uma saúde mais democrática, de direto a todos e sem privilégios ou barreiras sociais. Essa Reforma, junto das lutas do período e das discussões apresentadas na VIII Conferência Nacional de Saúde, culminaram na formulação do SUS, hoje afirmado na constituição de 1988 e nas leis 8.080 e 8.142 de 1990.

Rafael Cerva Melo Bacharel em Enfermagem e estudante de Saúde Coletiva na Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Porto Alegre/RS.

Normamente a imagem do Sistema Único de Saúde é vinculada à decadência e à precariedade. Os grandes veículos de mídia trazem somente informações trágicas sobre o SUS, o que muitas vezes nos leva a pensar que ele é um grande problema no Brasil. No entanto, há uma outra faceta que deve ser mostrada: muitos tratamentos e pesquisas são realizados e não são apresentados ao grande público. Ao discutirmos esse tema, devemos nos lembrar que o SUS é uma importante conquista e um valioso patrimônio do povo brasileiro.

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Especial

Ex-prefeita de São Paulo, Luiza Erundina fala sobre liberdade de expressão, censura e necessárias atualizações no marco regulatório das comunicações no país.

Polêmicas em torno de uma falsa questão Uma polêmica vem sendo alimentada, à exaustão, pela mídia em torno de uma falsa questão, a de que, ao se propor um novo marco regulatório para as comunicações no Brasil, estaria-se atentando contra a liberdade de expressão e querendo ressuscitar a censura no país

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quem interessaria essa polêmica? Certamente não aos que lutaram contra o arbítrio e em defesa das liberdades democráticas e que pagaram muito caro pela reconquista dos direitos humanos, inclusive o direito à informação e à comunicação. A polêmica ganhou fôlego após o Partido dos Trabalhadores ter aprovado, recentemente, no seu 4º Congresso Nacional, uma resolução que defende a regulamentação dos meios de comunicação no Brasil. Tal proposta está em perfeita sintonia com o que a sociedade civil organizada aprovou na 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada em dezembro de 2009, e que contou com a participação de mais de 1.600 delegadas e delegados tirados em conferências preparatórias promovidas em todos os estados da federação.

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É insustentável a manutenção do atual quadro legal e normativo da mídia no Brasil, que, além de desatualizado, apresenta vazios jurídicos que comprometem o pleno desenvolvimento do setor de comunicações no país, o qual precisa atender às exigências e responder aos enormes desafios da era digital. Para se ter uma ideia da gravidade da situação, basta lembrar que o Código Brasileiro de Telecomunicações, principal fundamento legal, é de 1962 e, portanto, completamente desatualizado, além de ter sido fragmentado pela Lei Geral de Telecomunicações, que é de 1997, e que também está defasada. A Constituição Federal de 1988, no capítulo V, criou a possibilidade de atualização e democratização do nosso sistema de comunicação. Contudo, o importante avanço no plano institucional não teve eficácia, até os dias de hoje, em razão desses dis-


positivos constitucionais ainda não terem sido regulamentados pelo Congresso Nacional por meio da aprovação de legislação infraconstitucional. Como se vê, o marco regulatório em vigor é um verdadeiro caos, o que também contribui para manter as irregularidades que se acumularam ao longo de quase meio século. Citaria, entre outras, a propriedade cruzada que gera a absurda concentração da propriedade dos meios de comunicação nas mãos de poucos grupos privados, que também se beneficiam com o fato do Estado, como órgão regulador, se omitir em sua função fiscalizadora e não coibir o oligopólio e outros tantos abusos. Ademais, quando se propõe o controle público dos meios de comunicação, a reação dos que detêm, há décadas, as concessões de canais de rádio e televisão é imediata e sem razão de ser; alegam que tal controle representaria um desrespeito à liberdade de expressão. Ao contrário disso, o que a sociedade de fato reivindica é a elaboração de um novo marco regulatório que corresponda ao estágio de desenvolvimento tecnológico da era digital e que garanta a todas e todos os cidadãos brasileiros o direito à comunicação e ao pleno exercício da liberdade de expressão.

Luiza Erundina Entre muitos cargos na vida pública, a assistente social e mestre em Sociologia Luiza Erundina foi prefeita da cidade de São Paulo entre os anos de 1989 e 1993.

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natureza

Sistema Imunológico Humano: Herói ou Vilão? O controle dos mecanismos de ação do sistema imunológico é essencial para uma resposta imune adequada contra um agente agressor corporal

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I

munidade são os mecanismos de defesa do organismo humano contra o ataque dos agentes agressores teciduais (físicos, químicos e biológicos) capazes de provocar doenças. O sistema imune é constituído por um conjunto de órgãos linfoides, tecidos, células e moléculas que protegem o nosso corpo da ação desses agentes. Esse sistema tem como função primordial defender o organismo dos agentes infecciosos, tais como: vírus, bactérias, fungos, protozoários e produtos tóxicos secretados por esses microrganismos, prevenindo doenças e inibindo ou controlando as que já estão instaladas. O sistema imunológico atua numa rede de cooperação, envolvendo a participação de muitos componentes estruturais (tecidos), moleculares e celulares (leucócitos). Nesse cenário, encontra-se o delicado equilíbrio entre a saúde e a doença, em que tanto a deficiência quanto o exagero da resposta imune resultam em dano tecidual, que pode resultar em enfermidade. A deficiência da resposta imune pode deixar o nosso corpo mais propenso ao desenvolvimento de disfunções causadas por agentes infecciosos oportunistas. Embora ela seja fundamental para a defesa contra a maioria dos agentes infectantes, têm sido acumuladas, nos últimos anos, evidências de que, em muitas doenças infecciosas, os principais aspectos patológicos não estão relacionados com uma ação direta do agente agressor, mas sim com uma resposta imune anormal, mediada pelos leucócitos ou por anticorpos, os quais podem reagir de maneira exagerada com certas estruturas presentes em tecidos do organismo, ocasionando doenças. Componentes e ação do sistema imune humano A função imunológica tem sido conceitualmente dividida em imunidade inata e imunidade adaptativa. A imunidade inata representa a primeira linha de defesa do organismo, desenvolvendo uma resposta rápida a centenas de diferentes patógenos. É representada por barreiras físicas (epitélios e mucosas), químicas e biológicas (substâncias teciduais), células especializadas (leucócitos) e moléculas solúveis (proteínas plasmáticas), presentes em todos os indivíduos, independentemente de contato prévio com agentes agressores microbianos, e não altera a intensidade da resposta imune após o contato com o antígeno. Os componentes da imunidade inata estão estrategicamente distribuídos, em vários locais do corpo, onde os antígenos costumam ter acesso ao

organismo, os quais constituem as principais vias de entrada de microrganismos, tais como: pele, mucosas, trato gastrointestinal, trato respiratório, genitália e outras vias. A imunidade adaptativa é caracterizada por uma resposta imune mais tardia, interagindo com a imunidade inata, sendo altamente específica para cada espécie de patógeno e até contra substâncias antigênicas de origem não microbiana (ex.: drogas, venenos, proteínas, etc.), levando ao desenvolvimento da memória imunológica do indivíduo. É formada por células denominadas linfócitos, os quais circulam no sangue e na linfa do nosso corpo. Os linfócitos são divididos, basicamente, em duas populações celulares: linfócitos B e linfócitos T. Os linfócitos B são responsáveis pelo reconhecimento de antígenos e produção de anticorpos (imunoglobulinas). Essas moléculas protegem o nosso corpo da ação de toxinas e agentes infecciosos. Os linfócitos T também reconhecem antígenos que são apresentados por alguns tipos de leucócitos da imunidade inata, tais como os macrófagos e as células dendríticas. Essa população de linfócito é responsável pela produção de moléculas solúveis denominadas citocinas, as quais auxiliam na ativação celular, proliferação, intensidade e regulação da resposta imune contra algum agente agressor.

Agentes agressores teciduais são elementos físicoquímicos ou biológicos (microrganismos) que apresentam potencial para lesar ou destruir células teciduais.

Atividade do sistema imune pode provocar doenças O sistema imunológico tem por finalidade manter a homeostase do organismo, combatendo as agressões teciduais em geral. Alguns fatores endógenos ou exógenos, tais como estilo de vida sedentário, estresse, alterações emocionais, alterações hormonais, mutações genéticas, alimentação inadequada e infecções, podem afetar o equilíbrio da ação de células e de moléculas do sistema imune, ocasionando o surgimento das doenças alérgicas (alergias), doenças tumorais e até de doenças autoimunes, nas quais leucócitos agem de forma inadequada e exagerada sobre antígenos ou estruturas teciduais próprias, provocando lesões teciduais, necrose, processo inflamatório e doenças no organismo humano.

Hermínio M. da Rocha Sobrinho Biomédico, professor do curso de Medicina da PUC Goiás, Mestre em Medicina Tropical pela UFG e doutorando em Medicina Tropical, área de Imunologia.

Antígenos são partículas ou moléculas, de natureza microbiana ou não, capazes de interagir com receptores de superfície dos leucócitos ou com as moléculas de anticorpos, desencadeando uma resposta imunológica. A maior parte dos antígenos reconhecidos pelos linfócitos induzem a formação das células de memória.

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Assunto atual, pauta das manifestações de 2013 e reivindicação do Movimento Passe Livre, projeto foi proposto e estudado há mais de duas décadas

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oltemos 23 anos atrás, em julho de 1990. A prefeita de São Paulo era Luiza Erundina. Propusemos, e ela concordou, em fazer uma alteração radical no serviço de ônibus municipais. No lugar do usuário pagar a tarifa no ato de utilização do serviço, a ideia era fazer com que ele fosse pago indiretamente por meio dos impostos e taxas que a prefeitura cobra. Assim como acontece com a coleta de lixo, a iluminação, a saúde, a educação e a segurança públicas. O que significa essa diferença no modo de pagar o serviço? Significa dividir essa conta pela sociedade toda, seguindo aquilo que se faz desde os primórdios da contemporaneidade socioeconômica ocidental, ou seja, os impostos são cobrados de forma progressiva seguindo a regra: paga mais quem tem mais, menos quem tem menos, e não paga quem não tem. Casos típicos dessa modalidade de impostos são o imposto de renda e o imposto sobre a propriedade urbana, conhecido como IPTU. Por que o transporte coletivo tem de ser pago diretamente, se é tão importante para o funcionamento da cidade e para que os cidadãos cheguem até os serviços de saúde, educação ou ainda a todos os demais serviços e atividade urbanas? E por que impor um limite nas possibilidades de uso pelo conjunto da população que não tem recursos necessários para fazer todas as viagens de que possa precisar? Uma sociedade não funciona adequadamente se seus cidadãos não têm boa saúde, boa educação, e não se sentem em segurança. Será que ela funciona adequadamente se milhões de pessoas não podem ter a mobilidade necessária para viver e realizar suas atividades? Trinta e sete milhões de brasileiros andam a pé ou não chegam onde querem e precisam chegar por falta de recursos para tanto. A tarifa é, assim, uma verdadeira catraca na vida da imensa maioria das pessoas. Tarifa Zero era o nome fantasia para a proposta, que significava um novo serviço gratuito. Para isso, eram necessários novos recursos. A reforma

proposta foi, sobretudo, sobre esse imposto socializante que é o IPTU. Para obter o princípio exposto, 33% dos imóveis da cidade que tinham até 60 metros quadrados de área seriam isentos, e 44,7 % dos imóveis adicionais pagariam progressivamente até, no máximo, Cr$1990,00 (o cruzeiro era a moeda da época) por mês de IPTU aumentado, dependendo do tamanho do imóvel, seu padrão construtivo e região da cidade. A tarifa de ônibus era de Cr$ 35. Façamos então uma conta. Considere duas pessoas de um imóvel (os mais caros dos 44,7%) usando ônibus duas vezes por 22 dias úteis (o que é uma estimativa conservadora para fazer tudo que se precisa num dia, fora fim de semana, que ninguém é de ferro, não é?), que gastariam Cr$ 3080,00 por mês. Ou seja, com a reforma, ficariam “no lucro“ em Cr$ 1090,00 por mês. Assim, 77,7% ficariam “no lucro” entre Cr$ 3080 e Cr$ 1090 por mês. O salário mínimo em setembro de Cr$ 1990 era de Cr$ 6056,31. Como toda proposta inovadora, a Tarifa Zero sofreu e sofre grande hostilidade, em geral dos que não querem que as coisas mudem, certamente porque está muito bom para eles. Uma pesquisa feita pelo Instituto Toledo e Associados em novembro de 1990 apontou que 77% dos paulistanos eram a favor da reforma tributária proposta e, em consequência, da Tarifa Zero. Curiosamente, os mesmos que ficavam “no lucro”. Mas a Câmara Municipal não aprovou. Ao lembrar do caso, penso em uma frase que o Henfil diria: “Putsgrila! Como é difícil mudar as coisas!”. Quem sabe agora, com a voz das ruas. Quer saber mais? Acesse o link www. tarifazero.org.

Lúcio Gregori Engenheiro, foi Secretário dos Transportes de São Paulo entre 1990 e 1992, durante a gestão de Luiza Erundina, quando então desenvolveu e sugeriu a implementação do projeto Tarifa Zero.

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Uma “nova geometria”:

os fractais

“Nuvens não são esferas, montanhas não são cones, os litorais não são círculos, a casca das árvores não é lisa e tampouco a luz viaja em linha reta” (Benoit Mandelbrot)

Q

uem pensa que a geometria euclidiana pode resolver todos os problemas da natureza e que as figuras geométricas têm dimensão bem determinada, onde a reta tem dimensão um, uma superfície possui dimensão dois e um sólido possui dimensão três, está muito enganado! Existe a geometria dos fractais, cuja dimensão pode não ser expressa por um número inteiro.

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Várias definições de fractais surgiram com o aperfeiçoamento de sua teoria, porém, a noção que serve de fio condutor foi introduzida por Benoit Mandelbrot, na qual o termo fractal nasceu do adjetivo latino fractus, que significa “irregular” ou “quebrado”. Outras características de um fractal, além da dimensão, são a autossemelhança e a complexidade infinita. Autossemelhança está relacionada ao fato de um fractal apresentar cópias aproximadas de si mes-


mo em seu interior, já a complexidade infinita indica que nunca conseguiremos representá-lo completamente, pois a realização de um procedimento é repetida infinitamente. Existem vários tipos de formações fractais, mas vamos nos deter à “Curva de Koch”, exemplo de construção que utiliza uma regra fixa de substituição geométrica. Consideremos que o segmento inicial AB (Figura 0) tenha comprimento C = 3m. Vamos dividi-lo em três partes iguais e substituir a parte do meio por dois segmentos de igual comprimento (Figura 1). Assim, cada segmento terá 1m e o comprimento da nova curva (adição dos quatro segmentos) será de 4m. Continuando o processo em cada segmento, proceda da mesma maneira: divida-o em três segmentos iguais e substitua o do meio por outros dois de mesmo comprimento. Essa nova curva (Figura 2) terá 16 segmentos, cada um com 13 m, logo, seu comprimento (adição dos 16 segmentos) deverá ser 16 vezes 13 , que é 5,3333....m. Você pode dizer que este comprimento é bem definido e que não tem nada de surpresa. Mas, para obtermos um fractal, precisamos repetir esse procedimento infinitas vezes.

A Figura 0

B C(0) = 3m

A Figura 1

A Figura 2

B C(1) = 4·1 = 4m

C(2) = 16· 1 = 16 = 5,333...m 3 3

B

As Figuras 3 e 4 a seguir nos dão uma ideia do resultado final, conhecido como Curva de Koch, pois foi Niels Fabin Helge Koch (1870-1924), matemático sueco, quem a descreveu:

A

B

Figura 3

A Figura 4

B

Imagine cada segmento sofrendo o processo de formação dos quatro segmentos. O comprimento total da curva irá aumentar, pois a cada procedimento será multiplicado por 43 . Assim, mesmo iniciando em A e terminando em B, o comprimento da curva tende ao infinito. Quando Koch a apresentou para outros matemáticos, ela foi considerada um monstro, uma aberração matemática e que não teria nenhuma aplicação prática. Dizemos que uma reta possui dimensão 1 (unidimensional) e que um plano possui dimensão 2 (bidimensional). Observa-se que o contorno da C é mais do que um segmento de reta, mas menos do que um plano, é mais do que unidimensional e não chega a ser bidimensional. A dimensão dessa curva é aproximadamente 1,26186, maior que 1 e menor que 2, usualmente denominada dimensão fractal. Fractais na natureza Os matemáticos da época de Koch estavam enganados ao dizer que sua curva não teria aplicação na vida real, pois, algum tempo depois, geógrafos perceberam que o litoral dos continentes e ilhas é mais parecido com sua curva do que com uma poligonal ou outra linha qualquer. Digamos que Koch foi salvo pelos geógrafos. Observa-se que alguns objetos da natureza apresentam propriedades fractais. Experimente pegar uma couve-flor. Se você cortar um galhinho dela, verá que o pedaço é parecido com a planta inteira. Pesquisas realizadas mostram que os fractais podem ser encontrados em nosso universo, desde os aspectos das nuvens, montanhas, árvores, brócolis, relâmpagos, até a distribuição das galáxias. A aplicação do conceito de fractal em problemas reais se apresenta em áreas como biologia, geografia, medicina, música, economia, meteorologia, geologia e outros. O conhecimento sobre essa geometria possibilita compreender melhor o crescimento das plantas, oferece uma nova visão da anatomia interna dos seres vivos, auxilia no estudo de superfícies caóticas, entre muitos outros exemplos. A utilização de fractais na escola auxilia no estabelecimento de conexões com outras ciências, mostra limitações da geometria euclidiana, explora o desenvolvimento do senso estético, estimula a curiosidade, desenvolve a visualização de padrões e as representações aritmética, algébrica e geométrica. A análise de situações deste tipo relaciona os campos da álgebra, da aritmética e da geometria em um processo de interação e dependência intrigante.

Alexsandra Camara Mestre em Educação Matemática e professora do ensino médio no Colégio Marista Santa Maria.

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A importância da dimensão artística Reflexo vivo da mente criativa, refúgio e reprodução da realidade mutável – ela é tudo isso e muito mais

A

A capela renascentista mais famosa é a “Cappella Sistina”, localizada na Itália, no Palácio Apostólico do Vaticano. Sua arquitetura e decoração são admiradas por pessoas do mundo inteiro, pois possui pinturas em afrescos de Michelangelo, Rafael, Bernini e Botticelli.

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dimensão científica está presente na vida de estudantes do mundo inteiro, apresentando-se em suas várias divisões, conhecidas como biologia, física, química, geografia e outras áreas específicas. Diante dessa realidade essencialmente científica, fica uma pergunta no ar: qual é a importância da dimensão artística, que também faz parte dos currículos escolares? Para responder a essa pergunta, é necessário analisar detalhadamente sua função ao longo do tempo e da história, envolvendo aspectos culturais, religiosos e sociais. A imensa teia do conhecimento humano interliga filosofia, ciência e sabedoria mística, deixando também um espaço singular para a entrada da arte em nossas vidas. Seria a arte nada mais que um refúgio ou, bem além disso, um verdadeiro reflexo de todas as possibilidades que a mente criativa tem acesso? Ou ainda uma reprodução elaborada e estilizada da vasta realidade que nos cerca? Rebuscando os dados históricos, é perceptível a necessidade do fazer artístico desde tempos remotos, tendo como exemplo as pinturas rupestres do período paleolítico. A linha do tempo também mostra criações egípcias, mesopotâmicas, gregas, romanas e várias outras, seguindo em ascendência até os dias atuais, onde a arte ocupa um espaço essencial na esfera humana. Dentro do contexto religioso, é notável sua presença significante onde se faz necessária a tentativa de reproduzir o que existe de divino, bom e puro. As pinturas de Michelângelo, Boticelli e Bernini nas capelas renascentistas e os hinos entoados em corais líricos são a prova da importância da arte para a religião. Partindo para o contexto social, observamos a arte como forma de interação e entretenimento, onde


é possível criar e apreciar histórias, produções cinematográficas, músicas ou contemplar belas exposições plásticas. Ela ganha então o significado de refúgio e realidade paralela, onde é permitido esquecer o cotidiano e a vida comum. Analisando, por fim, o âmbito cultural, podemos concluir que a cultura de uma sociedade é formada por costumes, crenças, estilo de vida e, é claro, pela produção artística. Sem esse item, é quase impossível reproduzir a essência de um povo, a sua visão de mundo, suas origens, músicas, danças, ritmos, maneiras exclusivas de pintar e esculpir, vestimentas, culinária e outros. A capacidade de criação é uma das principais diferenças entre o homem e as espécies animais. A mente criativa é capaz de recolher dados da realidade e sintetizá-los de uma forma inovadora, dando vida a outras interpretações e dimensões. Nenhuma forma de inteligência artificial é capaz de fazer literatura, cinema, artes plásticas ou música com as peculiaridades que somente a inteligência humana alcança. Os avanços tecnológicos são meios de aperfeiçoar algumas técnicas e trazer maior realismo a modalidades como fotografia, pinturas e filmes, mas estão

muito longe de serem necessidades absolutas para o ser artístico. O homem que faz arte não depende das últimas tecnologias, pois é possível criar o fantástico a partir do bruto, do simples e, muitas vezes, do nada. No ato criativo, o homem não só admite a possibilidade de infinitas interpretações, como também afirma que a ciência, a filosofia e o senso comum não são suficientes para gerar um sentido maior. É necessário algo mais, algo que trabalhe com as imperfeições, com os desejos de impossível e que trilhe um caminho para o surreal. Leonardo da Vinci já dizia: “A arte diz o indizível; exprime o inexprimível, traduz o intraduzível.” Ela significa, então, não só um refúgio de idealizações, como também um reflexo original de nossa realidade mutável, um reflexo vivo da mente humana que carrega consigo o poder de elaborar, moldar e traduzir o impossível, ampliando e recriando os horizontes do existir. Letícia Maciel Graduanda de Filosofia da Universidade Católica de Brasília.

A mente humana e suas características singulares é abordada com bastante profundidade em uma área denominada “filosofia da mente”. Um dos aspectos mais intrigantes é exatamente a capacidade de gerar sentido que somente o homem possui. A autoconsciência que elabora novos mundos e cria infinitas interpretações da realidade é algo exclusivo do ser humano. A arte, portanto, só é possível para a mente que possui um nível de consciência privilegiado em comparação às outras espécies.

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