Revista do Pioneiro - Ano 2 - N 3

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conta o fato de viverem sob o mesmo teto, algo impensável para muitas famílias modernas, cujas desavenças, em certos casos, chegam a impedir a manifestação da afetividade plena. “Os meus sogros – Zilda e o coronel Dover Caldas – também são maravilhosos e sempre nos dão assistência quando precisamos”, pontua Marjô.

Os primeiros tempos na nova capital

Marjolaine tinha apenas cinco anos. Para sustentar a filha e a si mesma, Claude Marie saiu em busca de um trabalho. “Foi um transtorno muito grande, porque eu me dava muito bem com o Milton”, relembra a pioneira. “Éramos muito unidos e ele, inclusive, fazia questão de falar francês em casa. Antes de morrer, ele havia deixado a chácara no meu nome, mas me fez prometer que a Marjolaine ficaria com o patrimônio, quando completasse 21 anos, o que, naturalmente, foi cumprido”. Os tempos não eram fáceis. Mesmo vivendo um sofrimento atroz, Claude Marie precisava levantar a cabeça e seguir em frente. Alguém como ela, que havia recebido uma educação esmerada em Paris, o que poderia fazer naquela cidade estranha, nascida da sábia “loucura” de um presidente? “Já sei. Vou dar aulas de francês”, pensou. Mas, antes disso, viveu durante um mês e meio apenas à base da mandioca que plantava em sua chácara, batizada carinhosamente de Bernardete, em homenagem à famosa santa. E não se trata meramente de devoção, já que

Fotos: Fabiano Neves

Nada veio por acaso, é claro. Em 1962, após a vinda a Brasília com o marido, o jornalista Milton Tavares do Canto, Claude Marie observou, desalentada, o terreno em que iriam, aos poucos, erigir o seu recanto familiar. O cerrado, recém-queimado, em plena época de seca, era somente um misto desolador de preto e vermelho. O verde parecia algo impensável naquele ambiente aparentemente sem vida. Parecia, frise-se. Atualmente, belos jardins cercam o local e o verde é de uma exuberância ímpar. “Preservo essa mata como a menina dos meus olhos. Não deixo que tirem sequer um pau para fazer cabo de enxada”, orgulha-se Claude Marie.

Mas, no início, com a casa ainda por terminar, não havia luz, telefone nem água. A iluminação era providenciada ao velho estilo de velas e lampiões; uma nascente localizada na propriedade servia de fonte para aliviar a sede e ajudar nas atividades domésticas. As roupas eram lavadas no córrego. A casa, por sua vez, surgia paulatinamente, ainda discreta, de cimento, marcada pelo aconchego e pela simplicidade. Dois quartos, uma sala e uma cozinha. Por enquanto, era o suficiente. Em 1965, o coração de Milton Tavares parou de bater. Em decorrência de uma febre reumática na infância, o jornalista, que então trabalhava como chefe de radiodifusão do Senado Federal, tinha um sério problema de entupimento das artérias. Chegou a fazer tratamento com médicos renomados, como Euryclides de Jesus Zerbini – conhecido no Brasil por ter realizado o primeiro transplante de coração no país – mas a medicina na época ainda não havia avançado o suficiente para salvá-lo.

Na foto, quadros pintados pelo pai de Claude, Maurice Julliard, que, além de artista, também era músico, médico e inventor, tendo criado um mecanismo para máquinas de escrever, que permitia maior suavidade ao toque.

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