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PRIMEIRA PARTE: HOMEOPATIA E NÓS

BENOIT JULES MURE

Passando por períodos de ascensão e impopularidade, a história da Homeopatia no Brasil é longa e começou com a chegada de um discípulo direto de Samuel Hahnemann, o francês Benoît Jules Mure, ou Bento Mure, como ficou conhecido no país. Considerado um dos profissionais mais importantes da medicina brasileira, ele desembarcou no Rio de Janeiro no dia 21 de novembro de 1840, aos 31 anos, cheio de projetos visionários para difundir a Homeopatia como um tratamento médico humanizado.

Enquanto ainda morava na França, Mure, que era parte da burguesia de Lyon, formou-se em medi-

cina na Faculdade de Medicina de Montpellier – instituição que tinha a tradição peculiar de abordar a “medicina vitalista”, que via o organismo como dependente de um princípio vital que, quando abalado, possibilitava o surgimento de enfermidades (uma linha de pensamento bem parecida com a da Homeopatia) – e, ainda jovem, passou boa parte de seu tempo visitando inúmeras clínicas e médicos parisienses para tentar se recuperar de uma tuberculose pulmonar. Para sua surpresa, alcançou a cura quando se submeteu a um tratamento homeopático ministrado por Sebastião Des Guidi, introdutor da Homeopatia na França e discípulo de Samuel Hahnemann, o pai da Homeopatia.

Já como novo discípulo de Hahnemann, Mure dedicou-se a divulgar a Homeopatia na Europa, principalmente, na França e na Itália. Mais tarde, sua vontade de cruzar fronteiras fez com que ele negociasse sua vinda ao Brasil, onde passou a clinicar e difundir a Homeopatia no bairro da Lapa (RJ), tratando escravos e outras minorias socialmente excluídas do Brasil imperial. Durante todo o período de escravidão, a Homeopatia foi a única medicina usada pelos escravos por ser efetiva e de baixo custo.

Em 1843, em parceria com o médico português e discípulo Vicente José Lisboa, fundou o Instituto Homeopático do Brasil. No mesmo endereço, a Escola Homeopática do Brasil, que formava homeopatas dentro dos princípios hahnemannianos puros, mais tarde abriu suas portas.

O trabalho de Bento Mure causou grandes impactos no Império por representar uma medicina social ativa e que acolhia classes sociais que não tinham acesso aos tratamentos médicos da Corte. Consultórios populares foram abertos no Rio de Janeiro e em Salvador, os primeiros ambulatórios gratuitos do Brasil. O Instituto Homeopático do Saí e uma Escola Suplementar de Medicina também foram criadas, assim como novos consultórios na cidade e no interior de São Paulo, ampliando o alcançce da atividade homeopática. Também foi inaugurada a primeira farmácia homeopática do país, a Botica Homeopática Central, assim como a Casa de Saúde Homeopática na Chácara do Marechal Sampaio, em 1846. Já em 1847, Mure e seus companheiros lançaram a revista “A Sciência” para difundir os progressos da homeopatia no Brasil.

O homeopata francês também se dedicou ao estudo da fauna e da flora do país, indo bem além de uma catalogação farmacodinâmica, e sim, apresentando uma listagem dos sintomas que cada uma das substâncias encontradas causava no corpo humano a partir de recomendações hahnemanianas. Esse trabalho experimental ainda serve como pesquisa histórica, terapêutica e de biodiversidade, organizando a matéria médica brasileira com elementos de todos os reinos da natureza em uma época onde muitos deles eram ignorados por outros estudiosos.

Em 1843, Mure voltou para a Europa e, mais tarde, se casou com Sophie Lemaire, que também era uma homeopata experiente. Juntos, eles viveram no Cairo, no Sudão e então em Gênova, onde se dedicaram a ensinar a prática da Homeopatia para leigos e também abriram um consultório homeopático. Em 1854, durante uma epidemia de cólera na região, Sophie e Benoît usaram a Homeopatia, com sucesso, para tratar os doentes. Contudo, o governo não reconheceu seus esforços e também processou seus alunos por exercício ilegal de medicina. Assim, o casal decidiu retornar ao Egito, onde Mure passou seus últimos dois anos de vida. Ele faleceu em 4 de março de 1858, quando se preparava para voltar ao Brasil.

Como legado, Bento Mure deixou as obras “Patogenesia Brasileira e Doutrina da Escola Médica do Rio de Janeiro”, que ficou conhecida mundialmente, e “Prática Elementar da Homeopatia”, com uma tiragem de mais de 10.000 exemplares e que ajudou a reduzir a taxa de mortalidade de 10% para 2-3% entre os escravos brasileiros das plantações de cana de açúcar, o surgimento de novas organizações homeopáticas em território nacional, como a Sociedade Hahnemanniana e a Academia Médico-Homeopática, o crescimento no número de publicações clássicas e originais a respeito da Homeopatia, subsidiadas pelo Instituto Homeopático do Brasil, e os 500 homeopatas que ele ajudou a formar no país.