Continente #192 - (Patti Smith)

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PATTI SMITH O poder do sonho

De como a compositora, cantora, poeta, artista plástica e ativista norte-americana, que completa 70 anos neste mês, construiu o caminho que marcou a presença da mulher no rock TEXTO Débora Nascimento

“Aos 20 anos de idade, embarquei naquele ônibus. Estava com meu macacão de algodão, minha blusa de gola olímpica preta e a velha capa de chuva cinza que comprara em Camden. Minha pequena mala, de xadrez amarelo e vermelho, tinha alguns desenhos a lápis, um caderno, as Illuminations, algumas mudas de roupas e fotos dos meus irmãos. Eu era supersticiosa. Era uma segunda-feira; eu havia nascido em uma segunda. Era um bom dia para chegar a Nova York. Ninguém estava me esperando. Tudo esperava por mim”,

escreveu Patti Smith, na aclamada autobiografia Só garotos (2010). Em julho de 1967, Patricia Lee Smith saiu de Nova Jersey. Nada a prendia: havia largado a fábrica de triciclos e a faculdade de Pedagogia, não conseguia um emprego melhor, não tinha namorado, muito menos dinheiro. Ninguém a atava: os pais, os irmãos ou o filho que acabara de ter, fruto de uma relação fugaz com um rapaz de 17 anos. “Conforme minha gravidez avançava, tive que procurar refúgio em outro lugar. Vizinhos críticos dificultaram as coisas

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para minha família, tratando-a como se estivesse abrigando uma criminosa.” Durante o período da gestação, recebeu a acolhida de um casal de artistas plásticos, que acabou adotando o bebê. À espera do parto, longe da família e sem rumo, buscava refúgio na arte: “Eu me deliciava com pequenos prazeres, enfiava uma moeda na jukebox e ficava ouvindo Strawberry fields três vezes seguidas. As palavras e a voz de John Lennon me davam força quando eu fraquejava”. O nascimento da criança, que ela não tinha condições de criar, foi entendido como o aviso para uma mudança. “Jurei a ela que seria alguém na vida.” Patti deixou Nova Jersey para viver o seu sonho. Apenas com a passagem de ida. Esperançosa e inexperiente, desembarcou em Nova York, como o personagem de Jon Voight em Midnight cowboy (1969). Era uma época em que a cidade ainda não vendia o metro quadrado mais caro do mundo. Havia muita violência, prostituição e lixo nas ruas. Mas começava a ser criado o ambiente sociocultural que conduziu o lugar ao que é hoje. Recém-chegada,


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