Continente #129 - Naïf

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1 cidadão kane No filme, é emblemática a figura central do diabólico magnata da mídia orson welles 2 Além de ter sido roteirista e diretor, ele atuou como protagoniista do filme

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Charles Foster Kane, personagem do revolucionário filme de Orson Welles, lançado em setembro de 1941, na América do então jovem diretor, gênio cooptado por Hollywood como raramente foram contratados gênios autênticos, no chamado star system dos grandes estúdios. E se 70 anos é muito tempo, então a cabeça de Moloch pode ser substituída pela feia cabeça do contemporaníssimo Rupert Murdoch, australiano que é o maior empresário do ramo da comunicação no planeta, atualmente às voltas com a justiça inglesa para explicar os grampos telefônicos e outros crimes que seu tipo de imprensa “marrom” – a mesma de Kane – estaria cometendo, há tempos, sem que ninguém se

mexesse, na Inglaterra, para investigar o conglomerado jornalístico (News Corp) de Murdoch a sério, até o escândalo bater à porta da intimidade do exprimeiro ministro Gordon Brown. Esse cheiro de rato morto no sovaco dos magnatas da imprensa, não só de língua inglesa, tem – justificadamente – o batismo de um nome duplo, no cinema: Kane/Hearst. Explica-se: o filme realizado pelo rapaz de “brilhante futuro nas artes” (há sete décadas) foi, pioneiramente, para o olho do furacão do assunto da falta de escrúpulo na mídia, ao se basear, em parte, na trajetória real de William Randolph Hearst, lendário dono de cadeia americana de jornais, na primeira metade do século 20. É um homem como ele que vira o objeto do quebra-cabeça cinematográfico ao qual Welles se dedicou como se remontasse um vitral partido, revolucionando a narrativa, no cinema, ao usar linguagem de máxima potência para tratar de um “Moloch” típico.

CONTROVERSO

Welles foi um verdadeiro gênio – num século cheio de falsos gênios – e Cidadão Kane é a obra mais importante não só da sua filmografia como diretor (ele era também ator, mágico amador, jogador inveterado e moleque, digamos, nas horas vagas de atirar pianos nas piscinas

dos hotéis, como fez no Copacabana Palace). Longa-metragem que está sempre no topo das listas dos melhores filmes de todos os tempos, Citizen Kane – como muitas obras-primas – foi uma realização controversa desde seu começo na cabeça de Orson, ajudado por John Houseman (primeiro colaborador importante de Welles, no teatro e no rádio). Houseman foi uma das amizades firmes do carismático moço vindo da pequena Kenosha, no Wisconsin, onde George Orson Welles nasceu no dia 6 de maio de 1915. Duas décadas depois, ele chegava àquela Nova York da luz no fundo do túnel da Depressão econômica, disposto a conquistar a grande cidade com alto talento e um carisma de derrubar avião. Para começo de conversa, Welles fez descer do céu não as aeronaves comuns, movidas a combustível vulgar e tudo o mais, porém, nada menos que discos voadores pilotados por marcianos em aventura de invasão da Terra. Tratava-se da primeira grande façanha com a marca OW, na história das artes da comunicação. Nessa época, Welles produzia The Mercury Theatre on the Air, um programa radiofônico no qual teatralizava, digamos assim, obras literárias do seu gosto, com inteira liberdade de escolha e estilo (sorte

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