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Crônica: Henrique Lessa – henriquelessa.75@globo.com - http://www.reidoscaminhos.blogspot.com Ilustração: Fausto Bergocce

GPS

Beira de estrada

O CHAPA MODERNO

D

epois do fim da Segunda Guerra Mundial, lá por volta de 1946, vi pela primeira vez um liquidificador. Um piloto americano, amigo da minha família, trouxe a novidade dos Estados Unidos. Hoje eu sei que o liquidificador foi inventado pelo americano Herbert Johnson, em 1916, mas pelo andar da carruagem, pouca gente no Brasil tinha um. Lembro-me bem quando a minha irmã, na cozinha, ao lado da empregada, colocou frutas com leite e ligou o liquidificador: “ah”, gritou a empregada, “cada coisa que esses americanos inventam”. A partir daquele dia, a empregada começou a divulgar a nova atração da sua cozinha e logo as colegas da nossa rua vinham ver a seção do liquidificador, sempre aplaudida com entusiasmo e creio, com uma pontinha de inveja por ainda não possuírem na cozinha o incrível aparelhinho. Feita a propaganda, as amigas da minha irmã, queriam ter um liquidificador e faziam encomendas ao piloto americano. Não sei se o piloto trouxe mais algum e nem sei por quanto tempo durou esse deslumbramento pelo liquidificador. Creio que logo ele perdeu o seu lugar na mídia caseira com a chegada de outros inventos, como a batedeira, o forno elétrico, o espremedor de frutas, a geladeira e o chuveiro elétrico. A tecnologia ganhava definitivamente o seu espaço. Um dia, entrando na cozinha, vi o liquidificador em cima da geladeira tomando o lugar do famoso pinguim de cerâmica, então, um objeto do passado... A tecnologia que vai tomando conta do transporte de cargas acabou atropelando o chapa, o homem que leva o motorista de caminhão ao seu destino, principalmente nas cidades grandes. Aos poucos, e não sei quanto, um aparelhinho vai tomando o seu lugar. Hoje, o caminhoneiro que tem um GPS no caminhão, não precisa mais parar no acostamento na entrada das cidades para

agenciar o trabalho do velho chapa, que desde a madrugada fica na pista atrás de trabalho. O chapa conhece como ninguém as ruas das cidades e o caminhoneiro, que vem de longe, não pode ficar sem os seus serviços, pois afinal, não é fácil andar com um caminhão ou uma carreta procurando uma rua, quase sempre longe da estrada e não raro numa subida, onde não pode vacilar. Com o GPS o motorista tem à sua frente qual a rua a seguir, a melhor opção e a distância do seu destino. Em breve, os Franciscos, Elias, Joãos e Severinos vão ter que procurar outro ofício, ou apenas carregar ou descarregar os caminhões nos lugares onde não existam ajudantes. Com a tecnologia avançada de hoje, fico imaginando se um dia, não vão inventar um aparelho para substituir o motorista. Pelo jeito, vai ser um aparelhinho de última geração, acoplado ao volante e monitorado da empresa via satélite. Vai ser terrível para a profissão, mas terá o seu lado positivo, pois não teremos mais caminhoneiros assassinados pelos bandidos nas estradas. Vão ser assim as notícias sobre assaltos nas estradas: “mais um assalto na Via Dutra. O bitrem chapa ZZPS 44444-SP, foi levado por bandidos e o seu motorista, o GPSM –23458456, foi substituído por outro equipamento, possivelmente oriundo da China e comprado na rua 25 de março, na cidade de São Paulo. Teme-se que o pior tenha acontecido com o equipamento original, que deve ter sido jogado numa vala na beira da estrada e não está emitindo nenhum sinal de vida”. Bem melhor que as notícias de hoje: “Um caminhão foi interceptado na BR-101 e levado por assaltantes. O motorista foi encontrado morto numa vala na beira da estrada. Ele foi identificado. Tinha 36 anos e deixou mulher e três filhos menores.”. l

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Caminhoneiro


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