Jornal do Teatro #06

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“AA vida Casa da Lenha ” de Lopes-Graça em palco “Vermelho Transparente ” Um “thriller” psicológico onde a verdade está longe de ser simples “ALygiaConfissão de Leontina ” Fagundes Telles no Teatro Nacional “Ana e Hanna ” Um retrato dos dias de hoje


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António Ramos Rosa recebe Medalha de Mérito Cultural

Editorial Um Palco Plural Este jornal apresenta uma dupla vertente: apresenta ao público as próximas produções do Teatro Nacional e, ao mesmo tempo, inclui um suplemento onde se expõe a programação que propomos até finais de 2007. Comecemos pelos quatro novos espectáculos que temos para mostrar até ao final de Novembro, produções que, na sua diversidade, representam de forma bastante significativa os eixos da programação que queremos desenvolver a médio prazo. Antes de mais, há a estreia de “A Casa da Lenha”, um espectáculo que evoca vida e obra de Fernando Lopes-Graça, enquanto nos fala deste país e do que aqui se passou entre os anos 30 e a Revolução de Abril. Uma história que, a muitos de nós, fará recordar momentos significativos das nossas vidas. Para os mais novos, os que não viveram esta época e têm dificuldade em imaginar certas realidades, poderá funcionar como um abanão nas consciências e um alerta para estes tempos em que a facilidade parece ter tomado conta de tudo. Depois, não podemos deixar de falar em “Vermelho Transparente”, uma produção estreada fora de Lisboa e que nos mostra como é possível escrever boas histórias em português quando os dramaturgos se disponibilizam a trabalhar em equipa com os encenadores e a escutar a respiração dos seus textos em cena. Foi o que fizeram Jorge Guimarães e Rui Mendes, num espectáculo que tem uma interpretação notável de Helena Laureano, extremamente bem acompanhada por Luís Esparteiro. Da nossa parte, parabéns a toda a equipa. Do Brasil, chega-nos “A Confissão de Leontina”, nas palavras da nossa Lygia Fagundes Telles. Recomendamos que não percam esta oportunidade de ouvir, em cena, um conto de uma das maiores escritoras de língua portuguesa de sempre. Finalmente, um tema que nos vai acompanhar durante muito tempo: o do diálogo/ confronto de culturas num mundo cada vez mais intercultural. “Ana e Hanna” é uma história forte e o espectáculo é-nos servido por uma equipa artística de luxo, liderada por António Feio. Uma produção que confrontará o público mais jovem com uma realidade que muitos têm de enfrentar diariamente. Por tudo isto, vale a pena voltar a vir ao Teatro Nacional.

Aproveitando a festa de aniversário dos 82 anos de António Ramos Rosa, que teve lugar no Salão Nobre no dia 17 de Outubro, a Ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, condecorou o poeta com a Medalha de Mérito Cultural. A homenagem, que contou com a presença de cerca de trezentas pessoas das mais variadas idades, foi prestada por vários escritores e críticos literários amigos do poeta. João Rui de Sousa, Pedro Mexia, Urbano Tavares Rodrigues, Casimiro de Brito e Gastão Cruz partilharam o seu testemunho sobre o homem e o escritor. “Generosidade” foi a palavra mais ouvida ao longo da sessão para caracterizar António Ramos Rosa, autor de poemas como “O Funcionário Cansado” ou”Estou Vivo e Escrevo Sol”. O poeta, que cativou a assistência, manifestou-se contra a “ditadura da banalidade”, encarando a escrita como um privilégio. Com mais de 50 anos de vida literária, António Ramos Rosa, que se destaca no nosso panorama cultural como um dos maiores poetas contemporâneos, tradutor e ensaísta, foi recentemente galardoado com o Prémio do Pen Clube. À pergunta do poeta “como é que um velho pode nascer?”, responde o reconhecimento de uma vida feita de palavras.

TNDM II no Salão Internacional do Livro de Teatro

A Livraria do Teatro Nacional D. Maria II esteve no VII Salão Internacional do Livro de Teatro, que se realizou no Círculo de Belas-Artes de Madrid. Foi a primeira vez que o TNDM II se fez representar naquele salão, integrando a delegação portuguesa chefiada pela APAD – Associação Portuguesa de Argumentistas e Dramaturgos.

Novidades editoriais na Livraria do Teatro

Já estão disponíveis na Livraria do Teatro três importantes revistas de teatro editadas em língua espanhola: “Art Teatral”, “Primer Acto”, “Paso de Gato” (México). Também disponível está o último número da revista ADE – Associação dos Directores de Cena.

Carlos Fragateiro José Manuel Castanheira

“A Casa da Lenha” estreia dia 16

“A Casa da Lenha”, uma co-produção do Teatro Nacional D. Maria II e da Comuna – Teatro de Pesquisa, da autoria de António Torrado, com encenação de João Mota, desenho de luz de Paulo Graça e direcção musical de António Sousa, vai contar com a participação do coro da Associação Coral de Lisboa Cantat, dirigido pelo Maestro Jorge Alves, do pianista Nuno Barroso, da cantora lírica Verena Barroso e da cantora lírica Veren Barroso. Uma produção que implica a participação de um elenco constituído por 29 actores. Mais desenvolvimentos nas páginas de 3 a 7.

www.teatro-dmaria.pt

RESERVAS>

Reservas@teatro-dmaria.pt Reservas> 21 325 08 35 Informações> 21 325 08 27

Ficha Técnica DIRECÇÃO> Carlos Fragateiro

COLABORAÇÃO> Baptista-Bastos

e José Manuel Castanheira

DOCUMENTAÇÃO> André Camecelha

COORDENAÇÃO> Pedro Mendonça

GRAFISMO> Nuno Patrício

COORDENAÇÃO EDITORIAL> A. Ribeiro dos Santos

FOTOGRAFIA> Margarida Dias

REDACÇÃO> A. Ribeiro dos Santos,

PROPRIEDADE> TNDM II, SA

Margarida Gil dos Reis, Ricardo Paulouro

IMPRESSÃO> Mirandela Artes Gráficas

Concertos da Antena 2 Novembro>21 Dezembro>12

Francisco Franco (Guitarra), 22 > Tiago Mileu (Piano) Projecto DAFHTET, 13> Samuel Lercher e Anne Kaasa


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Entrevista

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João Mota

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No ano em que se assinala o centenário de nascimento de Fernando Lopes-Graça, o Teatro Nacional e a Comuna apresentam um espectáculo de homenagem que evocará a vida e obra deste grande compositor A. Ribeiro dos Santos

Recordar um homem

que lutou pela Liberdade

Fernando Lopes-Graça era natural de Tomar. Assim como o encenador João Mota e o maestro António Sousa. No ano em que se assinala o centenário de nascimento do grande compositor português, os dois últimos decidiram homenagear o seu conterrâneo mais-do-que ilustre e desenharam as linhas daquele que seria um espectácu-

Encomendou-se um texto – ao escritor António Torrado –, contrataram-se os actores – entre os do TNDM II, os da Comuna e convidados – e o resultado chegará em breve à Sala Garrett. João Mota diz que Carlos Paulo esteve sempre na sua cabeça como “escolha óbvia” para dar cara e corpo a Lopes Graça. Não tanto pelas semelhanças fí-

actor, porque este papel é muito difícil de fazer. Trabalho com o Carlos Paulo há 36 anos e sei perfeitamente do que é capaz: tem uma interioridade, uma compreensão das coisas, um sentido crítico e uma ironia... Ao mesmo tempo, um ar de rebeldia que o Lopes-Graça também tinha. A escolha, para mim, era evidente”, conclui.

João Mota diz que Carlos Paulo esteve sempre na sua cabeça como “escolha óbvia” para dar cara e corpo ao compositor. Não tanto pelas semelhanças físicas, que as há, entre os dois, mas porque precisava de um actor de grande fôlego lo-homenagem para apresentar, quase em regime caseiro, aos fins-de-semana, entre Tomar e a Comuna. Mas o resultado saiu-lhes melhor do que a encomenda. Ao saber do projecto, o secretário de Estado da Cultura, Mário Vieira de Carvalho, desafiou-os a tentar uma co-produção com o Teatro Nacional, e o espectáculo ganhou contornos de mega-produção.

sicas, que as há, entre os dois, mas porque precisava de um actor de grande fôlego. “Quando se pediu ao António (Torrado) que escrevesse a peça, foi desde logo com esta premissa: que fosse sempre o mesmo actor a fazer de Lopes-Graça. Era importante que fosse o próprio a contar a sua história, senão perdia-se a narrativa...”, explica o encenador. “E precisávamos de um grande

Ao jeito de Brecht

Em termos formais, a peça, de contornos nitidamente brechtianos, que António Torrado escreveu, inicia-se com um LopesGraça já velho, a compor ao piano (a célebre canção “A Minha Terra”) e termina exactamente da mesma forma: o compositor ao piano, enquanto se ouve um excerto do seu “Requiem”. Pelo meio, há uma sucessão de

memórias que vão desfilando pelo palco, como que projecções da cabeça do músico, enquanto se ouvem, evidentemente, outros trechos musicais. A escolha da banda sonora recaiu sobre António Sousa sublinha que este não é – nem pretende ser – um espectáculo de música. Antes um espectáculo de teatro com música. “É importante que o público fique com uma visão completa da obra do Fernando LopesGraça, que é uma obra monumental. Ele abordou todos os géneros musicais, com excepção da ópera, e é preciso passar por todos eles. Mas sem massacrar ninguém. Este não é um espectáculo para melómanos, é um espectáculo para todo o público”, explica o maestro. No cenário de José Manuel Castanheira haverá também lugar para as projecções: um filme mudo como aqueles que Lopes-Graça acompanhava ao piano, ainda adolescente, e imagens de 1926, aquando da chegada ao poder do Estado Novo. “Haveria mais projecções a fazer, mas resultaria num espectáculo de três horas e ninguém quer isso”, remata João Mota.

A história de “A Casa da Lenha” “A Casa da Lenha” traça o percurso biográfico de Fernando Lopes-Graça, com especial incidência em alguns dos momentos marcantes deste que foi um dos maiores compositores, musicólogos e intelectuais do século XX. Apresentando-nos de início um Lopes-Graça de idade avançada, a peça recua no tempo, como se se tratassem de flashes de memória e apresenta-nos o universo do compositor, desde a sua infância até à idade adulta. Uma extensa galeria de personagens com quem Lopes-Graça privou na infância, passando pelos companheiros universitários em Coimbra ou, em 1937, o exílio em Paris contribuem para o retrato do artista mas, sobretudo, do homem. A mãe, o pai, a tia Helena, o irmão, o amigo João José Cochofel, Júlio Dantas, o director do Conservatório, o Tenente Aboim, os companheiros de tertúlia, António Ferro, Pedro Prado, Vieira da Silva e Arpad Szènes, Béla Bartók são algumas das personagens que constituem esta que é, antes de mais, uma homenagem ao mestre que compôs músicas como “Acordai” ou “O Menino de sua Mãe”. MGR


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Elenco

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A Casa da Lenha

CARLOS PAULO >

MANUEL COELHO

FERNANDO LOPES-GRAÇA

Nasceu em Tomar, a 17 de Dezembro de 1906 e foi uma das figuras mais emblemáticas do séc. XX português. A actividade cultural, artística, pedagógica e cívica de Lopes-Graça foi ainda complementada pela composição musical. Uma obra extensa que abrange quase todos os géneros musicais. A sua militância cívica e política na oposição ao Estado Novo valeu-lhe perseguições, prisões e um exílio temporário em Paris (1937-1939). Morreu a 27 de Novembro de 1994, na Parede.

JOÃO TEMPERA JORGE ANDRADE >

JOSÉ GRAÇA

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TENENTE ABOIM

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AUGUSTO ALVES HENRIQUES

Empregado do comércio, pertencente à célula comunista de Tomar.

Hóspede dos Graça. Sugere que seja o irmão de Fernando, José, a ter aulas de piano.

Irmão de Fernando Lopes-Graça. >

ANTÓNIO FONSECA CARTAXO

Surge inicialmente de capa e batina, estudante e posteriormente como membro da República Coimbrã.

VICTOR RIBEIRO >

TÂNIA ALVES >

TIA HELENA

Mulher muito religiosa.

JOSÉ NEVES

SARA BELO >

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AUGUSTO TAMAGNINI

Membro da República Coimbrã. Acabará por ser um médico de renome.

MÃE

É caracterizada ao longo de várias etapas da sua vida e será, tal como Fernando, a primeira e a última personagem a surgir nesta peça.

ANTÓNIO BANHA >

ELISIÁRIO

Velho Elisiário, é hóspede da pensão dos Graça. >

JOÃO GROSSO >

PAI

Surge em várias fases da sua vida. Dono de uma pensão familiar.

AGENTE

Agente da PVDE (Polícia de Vigilância e Defesa do Estado).

HUGO FRANCO >

ANTUNES DA SILVA

Escreverá o poema “Vinde ver a Primavera” que servirá de inspiração a Lopes-Graça a uma das suas famosas Canções Heróicas.

DIRECTOR (Júlio Dantas)

Escritor e político, foi uma das figuras mais proeminentes na vida cultural do seu tempo. Foi presidente da Academia das Ciências de Lisboa e surge aqui como professor e director do Conservatório Nacional.


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Elenco

A Casa da Lenha

MARIA ALBINA Mãe de João José Cochofel. Aristocrata culta.

LUÍS GASPAR >

PEDRO PRADO

Publicou, em 1929, com Lopes-Graça, no Conservatório de Lisboa, a revista «Música». Membro da equipa da Emissora Nacional.

JOÃO RICARDO

CAMISA AZUL Membro do grupo de extrema direita (Nacional-Sindicalista) de Rolão Preto. >

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PROFESSOR

(admite-se que seja Luís de Freitas Branco) Nascido a 12 de Outubro de 1890 em Lisboa. Estudou composição e metodologia da história da música em Berlim e, em Paris, conheceu Claude Debussy e a estética do Impressionismo. Foi nomeado professor no Conservatório de Lisboa e seu director entre 1919 e 1924. A sua obra antecipou outras correntes vanguardistas.

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PAULA MORA

AUGUSTO PORTELA >

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ANTÓNIO FERRO

Comissário-geral da representação portuguesa na Exposição Internacional de Paris de 1937 e Director do Secretariado de Propaganda Nacional. Intelectual que marcou a cultura da primeira metade do século XX.

AGENTE

Agente da PVDE (Polícia de Vigilância e Defesa do Estado).

RUI QUINTAS JUIZ Cúmplice do sistema. >

FILIPE PETRONILHO JÚLIO MARTIN >

JORGE CRONER DE VASCONCELOS

Pianista, compositor e pedagogo foi responsável pela cadeira de História da Música da Academia de Amadores de Música. Leccionou Composição, Canto e História da Música no Conservatório Nacional de Lisboa. BÉLA BARTÓK Compositor húngaro, pianista e coleccionador de música folclórica, é um dos maiores compositores do século XX. Foi um dos fundadores da etnomusicologia, da antropologia e etnografia da música. >

(FERNANDO) Nini Ferreira Farmacêutico, foi uma presença constante na vida de Tomar e do compositor. >

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MARIA AMÉLIA MATTA

ARMANDO JOSÉ FERNANDES

Compositor e pianista. Professor na Academia de Amadores de Música, foi depois docente do Conservatório Nacional durante mais de vinte anos. Trabalhou como compositor, na Emissora Nacional. ARPAD SZÈNES

Pintor de origem húngara nasceu em Budapeste. Fixa-se em Paris, em 1925, onde conhece Maria Helena Vieira da Silva, com quem casará em 1930.

MARIA DA GRAÇA AMADO DA CUNHA Uma das intérpretes favoritas de Lopes-Graça, que conheceu enquanto aluna e pianista num concerto no Teatro Éden, em Lisboa. A sua amizade duraria mais de 50 anos. >

LÚCIA MARIA >

HELENA VIEIRA DA SILVA

Nasceu em Lisboa, em 1908, e morreu em Paris, em 1992. Estudou Anatomia na Faculdade de Medicina em Lisboa e aos 18 anos partiu para Paris inscrevendo-se nas academias La Grande Chaumière e Scandinave. Abandonou a escultura para se dedicar à pintura e à gravura.


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A Casa da Lenha < 16 NOVEMBRO 30 DEZEMBRO

Crónica sobre

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Fernando Lopes-Graça

CASA ONDE NASCEU FERNANDO LOPES-GRAÇA Fotografia cedida pela Câmara Municipal de Tomar © Carlos Alves

LOPES-GRAÇA A LER. Local desconhecido. Anos setenta Fotografia cedida pelo Museu da Música Portuguesa, Cascais LOPES-GRAÇA COM CERCA DE OITO ANOS, em Tomar Fotografia cedida pela Câmara Municipal de Tomar

LOPES-GRAÇA COM A PROFESSORA DE PIANO Lopes-Graça com a professora Rita Lemos e a colega Inês Bento Tomar. Data indeterminada Fotografia cedida pela Câmara Municipal de Tomar

LOPES-GRAÇA A DIRIGIR O CORO DA ACADEMIA DE AMADORES DE MÚSICA. Data indeterminada Fotografia cedida pela Câmara Muncipal de Tomar © Carlos Alves

O JOVEM LOPES-GRAÇA AO PIANO, Tomar, 1921. Fotografia cedida pelo Museu da Música Portuguesa, Cascais

LOPES-GRAÇA EM COIMBRA Lopes-Graça com José Régio, Adolfo Casais Monteiro, João Gaspar Simões e Albano Nogueira. Coimbra, 1933 Fotografia cedida pela Câmara Municipal de Tomar

Texto de Baptista Bastos* «O Lopes-Graça é daqueles criadores que, por si só, são a marca incomparável de uma cultura e conferem a uma época a sua fisionomia muito própria» José Gomes Ferreira

Num dos admiráveis desenhos de João Abel Manta vê-se Fernando Lopes-Graça e o Coro que dirigia, perseguidos pela polícia política. É um daqueles testemunhos éticos e estéticos a que o grande artista plástico (arquitecto, pintor, desenhador, cartoonista, retratista, ilustrador) modestamente chama «caricaturas», e que fornecem o retrato terrível de uma sociedade esquecida da clemência e ignorante da tolerância. João Abel explica, naquele desenho, o que é a firmeza de carácter, a convicção, a integridade moral, o sentido cívico de um homem que tinha a dimensão do século. Lopes-Graça não é, somente, o maior compositor português do século XX, mas um dos mais importantes e originais de sempre. Foi, também, um prosador enorme, de estilo

Um homem

moderno com um forte pendor clássico, sem alienar a pedagogia e a altercação que ela comporta e explica. A «Caça aos Coelhos», um violentíssimo e sarcástico ataque a Ruy Coelho, compositor afecto ao salazarismo, pertence ao historial da polémica portuguesa. Aliás, ele nunca dissociou a literatura da música, considerando-as complementares uma à outra. Assim como só compreendeu a universalidade da música através das raízes nacionais, das específicas expressões das tribos de que o mundo é formado: relação e inter-relação. O Graça não era para graças. A austeridade e o rigor que a si próprio devia, exigia-os aos outros. E a grandeza que o aureolava jamais alterou a sua modéstia exemplar. Gostava de comer, de beber e de fumar. Partia os cigarros ao meio, enganosamente julgando que os fumava em menor número. E bebia em pequenos goles, som alegria e imenso prazer. Sabia de vinhos, de poesia, de música, bem entendido!, e de mãos! «Já viu a beleza das mãos da Olga Prats? Só mãos daquelas podem dar música ao mundo». Não me es-

queço destas frases. Mais: aprendi a olhar para as mãos das pessoas a fim de tentar adivinhar que música interior elas detêm. A lista de amigos de Lopes-Graça era vultosa. E àqueles de nós para quem a música não era, propriamente, uma precedência, ela avisava: «Não se pode viver sem música como não se pode viver sem ideias!» A marca impositiva do seu ânimo tornava-o, ocasionalmente, agressivo. «Tudo garganta, tudo garganta!» para lembrar António Cartaxo: «O Graça foi um grande coração em estado de efervescência». Enfrentar e convencer, esclarecer e fazer amar, ensinar a ouvir para se aprender a respeitar. Ou: conhecimento, paixão e vontade. A luta contra o fascismo encontra nele um criador vigilante e sem tréguas. As «Heróicas» pertencem ao património da Resistência. E pouca gente sabe que muitas dessas canções, inspiradas nos maiores poetas portugueses, foram apropriadas pela resistência grega, cantadas pelos antifascistas espanhóis e pelos Jograis de São Paulo. Foi preso, perseguido e humilhado. Um corpo frágil

numa alma de mármore. Não abjurou, não traiu, não capitulou. Viveu em casas modestas. Foi frugal em tudo menos na amplitude das amizades. Embalo muitas memórias do Maestro e amigo. Já o escrevi; repito-o agora. A grandeza do seu comportamento assumiu, em diversas ocasiões da vida nacional, a exemplaridade de um compromisso e de uma outra moral, a que se associava uma incomum coragem física e intelectual. E, agora, permitam-me esta memória pessoal: pelos começos dos anos de 40, com 5 ou 6 anos, caminhava, levado pela mão do meu pai, pelo Aterro (Avenida 24 de Julho) acima. O Velho Bastos apresentava a cidade ao filho, costume que lhe era próprio, ao mesmo tempo que me advertia dos perigos e das ciladas que me esperavam pela vida adiante. Eis senão quando se ouve um ruído cavo, que aumentava e se tornava cada vez mais nítido. Centenas e centenas de operários da Parceria dos Vapores desciam o Aterro, a caminho do Terreiro do Paço. A curta distância, filas de polícias fardados e à paisana, legionários e


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Crónica sobre

FERNANDO LOPES-GRAÇA A DIRIGIR O CORO DA ACADEMIA DE AMADORES DE MÚSICA NUM RECITAL ORGANIZADO PELO CINE-CLUB DO PORTO Porto, 9 de Dezembro de 1962 Fotografia cedida pelo Museu da Música Portuguesa, Tomar

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Casa da Lenha >

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Fernando Lopes-Graça

FERNANDO LOPES-GRAÇA A DIRIGIR O CORO DA ACADEMIA DE AMADORES DE MÚSICA Tomar, 5 de Março de 1977 Fotografia cedida pelo Museu da Música Portuguesa, Cascais

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FERNANDO LOPES-GRAÇA COM DULCE CABRITA E MICHEL GIACOMETTI À PORTA DO TEATRO DE PONTA DELGADA Ponta Delgada, 1966 Fotografia cedida pelo Museu da Música Portuguesa, Cascais

FERNANDO LOPES-GRAÇA EM TOMAR, A DIRIGIR O CORO DA ACADEMIA DE AMADORES DE MÚSICA Tomar, 5 de Março de 1977 Fotografia cedida pelo Museu da Música Portuguesa, Cascais

FERNANDO LOPES-GRAÇA COM OLGA PRATS DURANTE UM RECITAL/CONFERÊNCIA NA CASA DA CULTURA DAS CALDAS DA RAÍNHA, EM COMEMORAÇÃO DO 1.º CENTENÁRIO DE BÉLA BARTÓK Caldas da Rainha, Outubro de 1981 Fotografia cedida pelo Museu da Música Portuguesa, Cascais

FERNANDO LOPES-GRAÇA COM CARLOS ALELUIA NUM PASSEIO NA RIA DE AVEIRO Ria de Aveiro, 22 de Março de 1952 Fotografia cedida pelo Museu da Música Portuguesa, Cascais

LOPES-GRAÇA Local e data desconhecidos Fotografia cedida pelo Museu da Música Portuguesa, Cascais

para um século

Fonte: fotos retiradas do site WWW.LOPES-GRACA.COM

outro pessoal de má catadura. O embate era inevitável. O meu pai pegou-me ao colo e resguardou-me na entrada de um prédio, mesmo ao lado da escadaria do Conde Barão. Nunca mais me esqueci. Com o alvoroço da curiosidade vi, através da janelita gradeada da porta, homens de fato-de-ganga caminhando com a altivez e o destemor de quem está na posse da razão. À frente, na primeira linha do protesto, um pequeno grupo de homens vestidos à civil. O meu pai apontou para um deles, baixo, de óculos, rosto alevantado: «É o Lopes-Graça! É o Lopes-Graça! Olha bem, olha bem, e não te esqueças deste nome!» A aprendizagem das coisas da vida compreende a fixação de nomes como este, e de episódios que tais. Pelos anos de 60, já redactor de «O Século», e numa mansa madrugada, pedi ao arquivista do jornal, de nome Afonso Costa e detentor de uma memória inacreditável, que me trouxesse fotos das greves da Parceria. «O Século» dispunha de um arquivo invulgar, cujo destino desconheço. E lá estava, num conjunto de fotografias, o

Fernando Lopes-Graça, lá estava ele, à frente, sempre à frente do que lhe parecia justo. Várias fotos obtidas por Ismael Ferreira, a testemunharem a magnitude da liberdade contra a brutalidade da opressão. Conservo muitas lembranças deste gran-

é combater. Andou pelo país, de um para o outro lado, dirigindo, tocando, comentando, regendo o Coro da Academia dos Amadores de Música, afinal o Coro do Lopes-Graça, que entoava. «Não fiques para trás ó companheiro!» – a bandeira de todas as esperanças, a

«Foi preso, perseguido e humilhado. Um corpo frágil numa alma de mármore. Não abjurou, não traiu, não capitulou» de português, deste artista extraordinário que, amiúde, foi a representação da pátria no silêncio e na dor, e a expressão da liberdade nas masmorras e nas perseguições. A música do Graça demonstrava uma clara evidência estética e a enunciação de que resistir

salvaguarda dos nossos sonhos. Mas são as «Sonatinas Recuperadas», as «Sonatas para Piano», de que aconselho o CD editado pela Câmara Municipal de Matosinhos, «Integral das Sonatas para Piano», tocadas pelo exímio pianista António Rosado.

Mas é o «Canto de Amor e de Morte», o «Concerto da Camera Col Violoncelo Obbligato», peça encomendada por Rostropovich, que o interpretou pela primeira vez em Moscovo; o levantamento da música popular realizado em colaboração com Michel Giacometti; o «Requiem para as Vítimas do Fascismo em Portugal» ou as «Sete Predicações de ‘Os Lusíadas’» – um caudal impressionante de trabalho e de génio. Creio que as extremas dificuldades enfrentadas por Fernando Lopes-Graça, durante o período salazarista, só as resolveu por a si próprio ter imposto rudes horários de composição e de estudo. Durante longos anos os únicos proventos conseguidos para subsistir provinham dos magros direitos de autor. E, não o esqueçamos nunca, dessa admirável cadeia de amizades que sempre rodeou e atendeu com afectividade este homem de espantoso talento, de rara probidade – e o nosso companheiro Fernando Lopes-Graça. *Jornalista


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Entrevista

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Vermelho Transparente < 7 NOVEMBRO 23 DEZEMBRO >

Jorge Guimarães

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“Todo o meu trata de loucura”

teatro Entrevista conduzida por A.

Ribeiro dos Santos

Qual é a sensação de voltar ao palco do Teatro Nacional, quase dez anos depois de cá ter visto a sua primeira peça, “Cenas de uma Tarde de Verão”? É uma sensação boa, sobretudo porque me sinto bem recebido. E é sempre um privilégio ter um texto na casa de Garrett. JORGE GUIMARÃES

Rezam as crónicas que a estreia de “Vermelho Transparente”, no Cartaxo, foi muito aclamada. Foi um momento tão exaltante como se diz? Foi. Foi um espectáculo com uma vibração interior fantástica, em que a Helena Laureano teve uma ‘performance’ extremamente sentida. Ela tomou a personagem até aos ossos e apresentou-a de forma inexorável. Apoiada sempre pelo Luís Esparteiro, claro. Sem o dueto, a peça não se sustentaria. J.G.

Falemos da génese da peça. Lembrase em que circunstâncias a escreveu? J.G.

Lembro-me muito bem e até não sei

se deveria revelar isto... Um dia, estava a jantar com uma amiga e passou-me pela cabeça, através de coisas que me dizia, que ela eventualmente podia estar a pensar matar o marido. Deixou de ser a minha amiga para passar a ser uma personagem atingida pelos demónios shakespearianos que, a breve trecho, a transformariam numa heroína de tragédia. Fui para casa e escrevi dois actos, na altura julgando que tinha a peça concluída.

E não tinha? J.G. Não. Quando, pouco mais tarde, fui a Inglaterra, assistir à estreia da minha peça “All for Nothing”, em Londres, fiquei doente. Em Londres ou se apanham mulheres bonitas ou gripes feias. Fui à cama e, no meio de um estado febril, surgiu-me o terceiro acto, que escrevi de uma assentada.

A peça gira em torno do mundo da psicanálise. De que modo é que se relaciona com esse universo? J.G.

Julgo que, de um modo geral, todo

meu teatro, de forma mais ou menos deliberada, trata da loucura.

A peça “Vermelho Transparente” tem um enredo cinematográfico e há quem diga que faz lembrar um filme de Hitchcock. Concorda com isso, ou não? J.G. Todos nós somos o somatório de todo esse mundo palpitante que nos cerca e que nos envia constantemente mensagens. Sou uma pessoa sensível ao mundo hitchcockiano, evidentemente. E na peça que apresentei em Londres houve alguma crítica que me associou à temática bergmaniana, o que também estará certo. É impossível que a minha obra seja isenta de influências de tudo aquilo de que gosto.

quer de cenas inteiras. De acordo com os pressupostos que me pôs, arranjei o texto para encurtar o espectáculo e para facilitar o trabalho aos actores.

O Teatro Nacional está a preparar a edição da sua peça. Que versão será? A inicial ou a cortada para o espectáculo? J.G. A versão cortada, que me deu trabalho a compor. E como a peça foi apresentada nesta versão, talvez a apresente assim mesmo.

A senhora em quem se inspirou para escrever a peça vai assistir ao espectáculo? J.G. Vai.

E vai reconhecer-se? Em que medida é que a proposta de encenação do Rui Mendes correspondeu às suas expectativas? J.G. O Rui Mendes fez uma abordagem bastante literal à peça. Ele queria que a peça tivesse determinada duração, o que me obrigou a fazer cortes, quer pontuais

J.G. Não sei, mas suspeito que não. O juízo que as pessoas fazem de si próprias nunca corresponde àquilo que os outros pensam delas...

A história de “Vermelho Transparente” Mercedes, de 38 anos, procura um psicanalista para lhe falar do sonho recorrente que tem com um vestido vermelho. No sonho, vê o marido, António, fazer amor com a irmã gémea, Dora. É a primeira de uma série de sessões em que a arquitecta vai revelando, gradualmente, os seus traumas: uma infância atormentada pela indiferença do pai, um juiz pouco dado à fidelidade; uma adolescência afligida pelos ciúmes da irmã (a preferida do progenitor); um casamento perturbado pelo fantasma da traição. Numa das sessões, Mercedes relata um episódio estranho que acaba de lhe acontecer: numa visita a uma torre em que está a trabalhar, António perde o equilíbrio e julga estar a ser alvo de uma tentativa de assassinato por parte da mulher. O psicanalista tenta escalpelizar o momento, mas Mercedes esquiva-se e acabará por não voltar às sessões de terapia. Quem vem ao consultório é Dora, a gémea, que anuncia o pior: António morreu em circunstâncias misteriosas. Teria sido obra de Mercedes, sua mulher? Teria sido Dora, sua cunhada e amante? A verdade, porém, está longe de ser simples... ARS


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A Confissão de Leontina <

Entrevista

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Kelzy Ecard

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“A Confissão de Leontina”

ou a luta pela sobrevivência

A actriz brasileira Kelzy Ecard dá voz a Leontina, mais uma das personagens femininas que se soma a todas as outras da galeria da escritora Lygia Fagundes Telles. O “retrato de milhares de mulheres brasileiras” é, nesta peça, incarnado pela intérprete que confessa comover-se ao dar corpo à personagem, respirando através dela Entrevista conduzida por Margarida Como caracterizaria esta mulher, mais uma da galeria de mulheres de Lygia Fagundes Telles, que interpreta durante 60 minutos? KELZY ECARD Leontina é uma mulher simples, sem nada de especial, a não ser a sua extraordinária fé na vida e a sua vontade de sobreviver. A sua pureza de alma, a sua crença nas pessoas conferem-lhe uma humanidade comovente.

Como é que construi esta personagem? K.E. A composição de Leontina partiu de uma tentativa de nos aproximarmos o máximo possível da humanidade dessa personagem; todo o gestual, a apropriação do texto foi marcada para dar suporte a esta narrativa. Eu uso um pouco o meu sotaque de infância para deslocar esta mulher do falar urbano quotidiano.

O que tem esta mulher em comum com a realidade brasileira? K.E. Ela é o retrato de milhares de mulheres brasileiras: sem instrução, sem perspectiva, sem família, contando apenas com a nossa incrível capacidade de resistência. Ela é uma mulher do interior – tal como eu – e embora a sua história seja radicalmente diferente da minha, eu conheci muitas Leontinas e tudo o que esta personagem narra sobre as suas memórias é-me muito familiar. Talvez tenha sido o motivo primeiro que me seduziu neste texto.

Como analisa a “culpa” e o “crime” associados a Leontina? K.E. A Leontina é tão ingénua que nem sequer teve noção do crime cometido. Não vou dizer que a culpa não é dela, mas do sistema, porque é corriqueiro usar esta explicação num país com tantos miseráveis como o nosso, mas é um facto que ela se defende. Como a sua dor é grande, a intensidade desta reacção é que acaba por torná-la autora deste crime.

Gil dos Reis

Quais os riscos da adaptação de um texto literário a uma peça de teatro? K.E. Hoje no Brasil há inúmeras experiências com esta linguagem. O risco é sempre grande, na medida em que muitos textos literários não contêm drama nem acção suficientes para a tradução cénica. Leontina foge um pouco deste risco, na medida em que é uma confissão em primeira pessoa e construída com mestria pela autora, Lygia Fagundes Telles. Este conto – embora não catalogado desta maneira – é verdadeiramente um monólogo. Esta proposta de encenação de “A Confissão de Leontina” partiu de um desafio que fez a António Guedes. Porquê a escolha deste texto? K.E. A história desta personagem comoveu-me muito. Como já disse, eu conheci muitas Leontinas na minha infância, e de alguma maneira quis dar voz a esta mulher tão representativa da nossa nacionalidade.

A história de “A Confissão de Leontina” Leontina Pontes dos Santos foi acusada de assassínio e roubo. “A Confissão de Leontina” é um longo monólogo ao longo do qual a protagonista passa em retrospectiva a sua vida, os seus momentos de felicidade, os amores, as traições, os instantes de solidão e as desilusões. Reconhecendo-se mais uma habitante da grande cidade, sujeita às injustiças da vida, Leontina reconstitui o seu percurso, desde os tempos de infância em que vivia numa pacata povoação – Olho d’Água. Uma infância árdua e pobre que a obrigou a trabalhar desde pequena, mas mais feliz do que os tempos que se seguiriam. Leontina habitava uma casa velha nas redondezas da vila com a mãe, que lavava roupa na Lagoa para sobreviver, com a irmã Lúcia, deficiente, e o primo Pedro, o único a prosseguir nos estudos e por quem Leontina guardava uma especial admiração. Com a morte da mãe, Leontina viu-se responsável por uma casa aos 12 anos. Pouco tempo depois, a irmã morre afogada na Lagoa e Pedro arranja um emprego na cidade. Leontina vê-se só e transforma-se numa sobrevivente, fazendo trabalho doméstico noutras casas que lhe permitisse ir um dia para a cidade. A chegada à cidade é conturbada e, até certo ponto, uma desilusão. Entre algumas aventuras amorosas, momentos de desespero e até mesmo de tentativa de suicídio, Leontina encontra emprego num salão de baile. Certo dia, admirando um belo vestido na montra de uma loja, Leontina é surpreendida por um estranho que lho oferece. Um aventura que determinou a vida de Leontina que, no meio de agressões corporais de que acaba por ser vítima, atinge e mata o homem em legítima defesa. Leontina é presa. A sua história, semelhante a tantas outras, mas contada pela voz da protagonista, é uma reposição da verdade, da sua história aos olhos do mundo, mas sobretudo um reviver íntimo e muito pessoal. MGR

Assim que li o conto, as imagens que ela descreve formaram-se todas na minha cabeça, como se fossem minhas. Outro motivo, privado: eu tinha acabado de ter o meu filho, Pedro, e foi uma maneira de produzir um trabalho possível no meio das fraldas e das mamadeiras. “Uma voz para um palco”. Quais são as exigências do estar sozinha em cena durante uma hora? K.E. Muitas. Não foi só a preparação física e vocal, é também o facto de que estou todo o tempo a respirar pela personagem. É a minha sensibilidade que está ao serviço da Leontina, a minha atenção constantemente alerta. É um desafio maravilhoso.


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Conversa

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António Feio

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A diferença como palavra

chave

O texto é de John Retallack e a encenação de António Feio, que dirige uma história de vida e de luta contra a exclusão social. Um espectáculo que é um retrato do nosso tempo e que se destina especialmente a um público mais jovem Ricardo Paulouro

Contando já com um extenso caminho enquanto actor e encenador, António Feio não tem dificuldade em admitir que a encenação se afigura cada vez mais como um projecto de vida. Apesar de ainda lhe ser difícil recusar o prazer da representação, a encenação “é uma área muito mais consistente”, afirma. “Ana e Hanna”, de John Retallack, em cena a partir de 1 de Dezembro na Sala Garrett, interpretado por Rita Calçada Bastos e Vânia, é mais um dos desafios que se soma à longa lista de trabalhos de António Feio. Cruzou-se por acaso com o teatro, talvez por influência da mãe que fazia na época teatro amador: “Numa altura qualquer ela [a mãe] estava a fazer um espectáculo no Experimental de Cascais, numa peça dirigida pela Carlos Avilez. ‘A Casa de Bernarda Alba’, de Lorca. Eu às vezes ia aos ensaios, até que surgiu a hipótese de fazer um es-

pectáculo infantil encenado pela Glicínia Quartin. A partir daí houve outro convite do Avilez para fazer o ‘Mar’, do Miguel Torga, e desde então nunca mais parei”. Uma carreira de sucesso, dizemos nós, onde o cómico e o dramático se cruzaram. Hoje, António Feio reconhece que foi naturalmente “empurrado para uma área mais ligada ao humor”. Apesar de se sentir atraído pela comédia, sobretudo por razões de produção, António Feio define-se como “um actor e encenador que se sente bem a fazer qualquer tipo de trabalho dramático”. “Ana e Hanna” promete, aliás, ser uma agradável surpresa, sobretudo para o público mais jovem. “O facto de ter duas actrizes jovens, de ter uma forte componente musical, a história em si, que retrata a adolescência, são os principais factores para este espectáculo poder atrair muita gente, sobretudo o

público adolescente”. Mas esta história tem ainda a potencialidade, no entender de António Feio, de “fazer a ponte com a plateia através da música e do texto. Trata-se da história de duas raparigas, uma portuguesa e outra kosovar que, no fundo, se acabam por entender através da música. Mesmo tendo vidas, percursos e experiências completamente diferentes, aquilo que as acaba por unir, para além de uma amizade que cresce, é, essencialmente, a música.” Adaptada a partir do texto do dramaturgo inglês, John Retallack, esta história começa em Tavira. “No fundo – explica António Feio - acabamos por falar de pessoas que em vez de estarem em Inglaterra estão aqui em Portugal, onde os problemas de integração são idênticos. É sempre mais interessante centrar as personagens e a própria história na nossa sociedade, mesmo

porque cria uma empatia mais forte com o público”. Essa empatia será potenciada pela música, quase uma terceira protagonista. Música que é, aliás, uma das paixões de António Feio. Esta história faz-nos reflectir sobre o facto de vivermos numa sociedade onde cada vez mais a diferença é a palavra-chave. Hanna é obrigada a sair do seu país e a recomeçar um projecto de vida noutro local. “A questão central é que há uma forte pressão por parte dos países de acolhimento que, por vezes, rejeitam a inclusão de novas pessoas. É isso que nos acontece actualmente”, afirma António Feio. “Temos muita gente a vir de fora, de várias zonas como o Brasil ou os países de Leste, e a integração é difícil, por questões económicas e culturais. É este também o retrato que nos pinta este espectáculo”.


Ciclo do Conheciment

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Gianluigi Tosto

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Gianluigi Tosto regressa ao Teatro Nacional com a interpretação dos textos fundadores da literatura europeia, “Ilíada”, “Eneida”e “Odisseia”. Uma herança que nos mostra como as civilizações mudam mas a obra fica

Tosto

Gianluigi

Ricardo Paulouro

Comovente e Perturbador “Canta, ó deusa, a cólera de Aquiles (...)”. O primeiro verso da “Ilíada”, considerado pela crítica o primeiro livro da literatura europeia, consegue ser lido nos nossos dias sem perder a sua capacidade de nos (co)mover. Gianluigi Tosto contribui para a valorização desta herança da cultura ocidental. O actor italiano dá voz e corpo aos três textos fundadores do género épico – “Ilíada”, “Eneida” e “Odisseia” - sem precisar de recorrer a

grandes artifícios. Um actor para um palco onde, no caso do primeiro texto, se conta a história da guerra de Tróia. Qualquer um dos três textos deixa-nos perplexos face ao relato pormenorizado de cada morte ou de cada golpe de lança. Mas em qualquer um deles respira-se poesia. Gianluigi Tosto, aproveitará a ocasião da sua estadia em Portugal para conduzir um

Calendário

A CASA DA LENHA 3.ª a Sáb. 21H30, Dom., 16H00 VERMELHO TRANSPARENTE 4.ª a Sáb. 21H45 Dom., 16H15 A CONFISSÃO DE LEONTINA 4.ª a Dom., 19H00 ANA E HANNA 3.ª a 6.ª e Dom., 11H00, Sábados e feriados 15H30

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workshop sobre «o corpo do actor». Ao longo destas sessões de trabalho, Tosto dará especial atenção ao treino do corpo e da voz do actor, bem como à interacção entre o corpo e a mente. A voz e o seu controlo, bem como a consciência de alguns elementos fundamentais no corpo humano, como a articulação dos membros, ou simplesmente o alinhamento da coluna vertebral, serão alguns dos tópicos de trabalho.

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As inscrições para actores, a serem entregues no Teatro Nacional D. Maria II até dia 17 de Novembro, deverão ser feitas mediante a apresentação do CV, com foto, e o preenchimento da ficha disponível para o efeito nas instalações do teatro. O workshop, com um custo de 50 euro, decorrerá nos dias 27 e 28 de Novembro e 4, 5, 11 e 12 de Dezembro entre as 15h e as 19h.

ILÍDA ODISSEIA ENEIDA 5.ª a Dom. 19h. ANTENA 2 CONCERTOS 19h TEATRO PAPEL WORKSHOP 2.ª a 6.ª 10h30, 14h30 (sob maração) Sáb. 14h30 CORPO DO ACTOR WORKSHOP 2.ª e 3.ª entre as 15h 19h

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7 Nov. a 23 Dez.

SALA ESTÚDIO

“Vermelho Transparente” De Jorge Guimarães Teatro Nacional D. Maria II Encenação RUI MENDES PRODUÇÃO

8 a 19 Novembro

SALÃO NOBRE

“A Confissão de Leontina” De Lygia Fagundes Telles Dudu Sandroni Encenação ANTÓNIO GUEDES PRODUÇÃO

16 Nov. a 30 Dez.

SALA GARRETT

“A Casa da Lenha”

De António Torrado Teatro Nacional D. Maria II e Comuna - Teatro de Pesquisa Encenação JOÃO MOTA CO-PRODUÇÃO

“Ilíada” “Odisseia” “Eneida”

de Homero

23 a 25 Nov. e 14 Dez.

30 Nov. e 2, 3 e 15 Dez. 7 a 9 e 16 Dez.

de Homero

de Vírgilo

Direcção GIANLUIGI TOSTO

1 Dez. a 27 Mar.

SALÃO NOBRE 19h

“Ana e Hanna” SALA GARRETT

De John Retallack Teatro Nacional D. Maria II Encenação ANTÓNIO FEIO PRODUÇÃO

ESPLANADA COM VISTA PARA O ROSSIO DE 3.ª A DOMINGO


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