Revista 440Hz Ed. 3

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440 Hz

AFINADA PARA QUEM GOSTA DE MÚSICA

AMARO FREITAS “JÁ ME PERGUNTARAM SE EU ERA O CARREGADOR DO PIANO”

SÉRGIO DIAS O GUITARHERO FUNDAMENTAL



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SUMÁRIO 06 CENA E ENSAIO 08 Nuzzy Records Um olhar sobre a cena de Santa Catarina 10 CANCIONEIROS Violões, violas e vozes que contam histórias 12 COZINHA 14 OS TAMBORES DE ILÚ OBÁ DE MIN Um dos blocos mais importantes do carnaval de rua de São Paulo, o coletivo vai muito além da música. Empodera as mulheres, sobretudo as negras, e dá força para que elas mostrem a sua força 16 MUSICISTA DEMOLIDORA Carol Kaye foi a baixista de etúdio mais importante da história 18 ME ACOMPANHE SE FOR PUDER 20 AMARO FREITAS O piano que arrebenta 24 MUTANTE Y Sérgio Dias acaba de lançar seu mais novo álbum com Os Mutantes e nos conta sobre sua carreira

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30 AS MELHORES GUITARRAS PARA CUSTOMIZAR Coluna Erico Malagoli 32 QUEM TEM VOZ 34 Jorge Mautner Revisitado O novo documentário exibido pela HBO na opinião de Fernando de Freitas 36 Jair Oliveira e os Grandes Pequeninos 38 UM POUCO DE MÁGICA 40 GAITA DE FOLE Levando música underground brasileira para o mundo

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44 DENTRO E FORA DO ESTÚDIO

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46 NIKODEMUS A Ópera-Rock do Karnak, Ou porque devemos prestar em André Abujamra, masmo sem entender o que ele está fazendo 48 RESENHAS Os álbuns que escutamos na Redação 50 SOBRE O PALCO 52 ENCONTROS E LÁGRIMAS Diego El Cigala se apresenta pela primeira vez no Brasil em encontro com Toquinho 56 O BACKSTAGE e o trabalho árduo que acontece atrás dos palcos 58 DINOSSAURO Downbeat, 1949


EDITORIAL ENTRE GIGANTES Conversar com gente talentosa ao produzir cada edição da Revista 440Hz me mostra quão humano é o talento. É impressionante, ainda que exista o mito do “dom artístico”: quanto mais conheço os músicos, mais vejo sua dedicação aos estudos e, claro, em ser e viver tudo aquilo que lhes faz gente como a gente, do tangível ao intangível, das certezas e incertezas e, por que não?, se permitir ser contraditório. Quando olho para essa edição, fico pensando que todas as matérias poderiam ter sido a capa desta ou de qualquer outra edição. É como encontrar um álbum no qual você gosta de todas as músicas. Tão raro! Ainda que não consiga comentar caso a caso, como ignorar que Amaro Freitas me fez chorar durante a entrevista quando disse “já me perguntaram se eu era o carregador do piano”? Como deixar de lado que Jair Oliveira estendeu a conversa além da conta e teve que pedir para a Tania buscar as crianças na escola? Beth Belisário e sua imensa boa vontade com a gente? Ser o único veículo brasileiro na coletiva com Diego el Cigala enquanto equipes de TV da Espanha e reportagem da Reuters América Latina se derretiam a seu charme? Mas a Capa com o Mutante Sérgio Dias é também uma homenagem a toda sua geração, em especial a um grande apoiador da Revista 440Hz que nos deixou em janeiro. João é pai da Ana e do Ian e meu sogro, amava música, em especial Strauss, Dylan e Cash. Viveu nos anos 1970 entre San Francisco e Rochester nos EUA e era, à sua maneira, como muitos de sua geração, um mutante e um tropicalista. Assim, dedicamos essa edição a João Snieska Filho (1945-2020). Go Giants! Fernando de Freitas

440 Hz

Edição 3 - Fev 2020

Diretora de Redação Ana Sniesko Editor-chefe Fernando de Freitas Assistente editorial Ian Sniesko Arte e diagramação Dupla Ideia Design Direção de arte: Camila Duarte Diagramação: Fernando de Freitas Comercial Cida Sena Revisão Luis Barbosa Colaboradores Anneliese Kappey, Carolina Vigna, Erico Malagoli, Marcus Teshainer, Matheus Medeiros

Foto: Ana Sniesko / Arquivo Pessoal

Foto da Capa: Adriana Moraes / Divulgação A Revista 440Hz é uma publicação da Limone Comunicação Ltda.

Caixa Postal 74439 São Paulo, SP, CEP: 01531-970 contato@revista440hz.com.br



CENA E ENSAIO

MAIS QUE UM CARNAVAL

Fotos: Alexandre Urch/ Divulgação

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e há alguns anos a cidade de São Paulo virava um deserto nos dias de folia, hoje já virou destino turístico. Centenas de blocos ocupam o espaço público em diversos circuitos pela cidade. Na Vila Madalena, o Bloco 77 leva o punk para cima do trio. “O bloco começou com uma brincadeira que deu certo. O bloco começou com sete pessoas e focamos nos clássicos, além de umas marchinhas que adaptamos para o universo punk”, conta Shamil Carlos, um dos fundadores e puxador do 77. Quando ouvem uma crítica, eles logo rebatem. “Se o Redson tivesse vivo, ele certamente nos apoiaria”, comenta Shamil, que faz referência ao líder da banda Cólera, uma das figuras mais marcantes do punk paulistano. Passados sete anos, eles não pensam em parar. “Cinco mil pessoas cantando pela paz é maravilhoso”, diz. Na área central da cidade, o Acadêmicos do Baixo Augusta é um clássico. “No primeiro desfile saímos às ruas, imaginando um público de 500 pessoas. Tivemos a presença de 3.000 pessoas”, relembra Ale Natacci, presidente do bloco. Simoninha, um dos fundadores do ABA, é apenas um dos nomes conhecidos que lotam a avenida. Para fazer a imensidão da folia funcionar, as ações vão muito além do samba. “No ano passado, fizemos uma ação em conjunto com a polícia civil, especificamente com a 4Dp, onde conseguimos baixar o número de BOs de furtos de quase 500 em 2018, para 38 em 2019. Além disso, contratamos equipe de limpeza e reciclagem para o lixo”, completa.

Ter fechado o ano sabendo que eu venci o Red Bull Music Breaktime Sessions foi algo muito grande pra mim”.


DENTRO DA MÚSICA Sennheiser, empresa alemã de soluções de áudio, trouxe pela primeira vez para a América Latina, no palco All Club no Camarote Salvador, um sistema de som imersivo em que o público sente que está dentro da música. Com a tecnologia Ambeo Immersive Upmix, o folião viverá a experiência de ‘entrar dentro da música’ graças a um processador sonoro que transforma o som estereofônico em uma esfera imersiva emitindo o som tanto no plano horizontal quanto no vertical. Quem estiver dentro da boate do Camarote Salvador 2020 poderá experimentar curtir a noite com essa sensação. “Escolhemos o camarote salvador porque além de um line up excelente, o evento é pioneiro e referência em música eletrônica. Nenhum outro lugar ou plataforma seria melhor para conseguirmos enaltecer a música e apresentar de forma eficaz esse produto” explica Daniel Reis, sócio da Sennheiser no Brasil.

O NOVO MACHADO DO VIKING! Autor do canal Guitarra Desde o Começo, que ensina como tocar o instrumento em vídeos no YouTube, Marcos de Ros apresentou a sua nova guitarra e contou todos os detalhes que a o seu instrumento. O viking da guitarra do Rio Grande do Sul mostrou a sua Carrozza, que agora conta com captadores Malagoli. Com ela em mãos, ele estará pronto para destruir mais mitos, mostrar bends de derreter o cérebro e te provar que o Chimbinha é um guitar hero brasileiro.

A ex-apresentadora da MTV Brasil Madame Mim formou uma nova banda que começou a se apresentar no circuito alternativo de São Paulo. Dentre os integrantes da banda está o luthier e guitarrista Jaques Molina, figura carimbada do underground brasileiro, e que apareceu na última edição da Revista 440Hz fazendo figuração no vídeo de teste de instrumentos. A estreia da banda aconteceu na 1ª edição do Festival Lab Rock, que ainda contou com Daniel Peixoto, Lau e Eu e Lila.

Fotos: Luiz Santana / Divulgação

BANDA VIR. GO: FIQUE DE OLHO!


SELO

Por Ian Sniesko

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S D R O C E A R N I R A Y T A Z C Z A T N A S NU E D S O T TALEN S O E R B O S R UM OLHA

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oi-se a época em que lançar uma música viável comercialmente era um privilégio reservado apenas aos grandes artistas e ao big three de gravadoras (Sony, Warner e Universal). Hoje, com poucos cliques e o mínimo de burocracia, um artista ou selo independente consegue levar seu som para as principais lojas digitais e plataformas de streaming. Dentro deste cenário, nasceu a Nuzzy Records. Fruto da necessidade vista por Gabriela, CEO da gravadora, de divulgar os talentos de Santa Catarina, até então poucos conhecidos, o selo é pautado na busca pelo reconhecimento

nacional e internacional para os artistas do estado. Atualmente, Gabriela é a única integrante contínua da equipe da Nuzzy Records e declara ter buscado inspiração em selos já conceituados como a Balaclava Records para entender o modelo de negócios e questões como lucros, marketing e criação de visuais gráficos para as bandas. O selo, atualmente, possui dois artistas: Adorável Clichê e Bonfim, com o lançamento de uma nova artista de Blumenau, SC, planejado para breve. “No momento, como sou só eu, o processo de captação (de novas bandas) é bem fechado”,

conta a CEO. Apesar disso, a gravadora está aberta para ouvir novos talentos através do e-mail hello@ nuzzyrecords.com. Um ponto importante, segundo Gabriela, da identidade da Nuzzy Records é o foco em artistas de Santa Catarina somente. Quanto aos pontos cruciais para um lançamento de sucesso, para a CEO “não tem uma receita pronta”: “Uma coisa que a gente percebeu com o Adorável Clichê é que a letra é muito importante, porque a galera se identifica com a letra e consegue ter essa conexão com a banda”. Além da qualidade musical, Gabriela cita o trabalho em


conjunto com a imprensa e a divulgação nas redes sociais, além do trabalho feito antes do lançamento para criar hype em cima do trabalho. Na etapa da distribuição, o selo trabalha em conjunto com a famosa agência OneRPM. Como citado pela CEO, é preciso achar um distribuidor de confiança e adepto das boas práticas a respeito do marketing. A OneRPM, por exemplo, tem como diferencial suas campanhas de divulgação no aplicativo Tik Tok, que vem viralizando nos últimos anos. Tão importante quanto são os registros de direitos autorais: a Nuzzy Records registra as músicas de seus artistas na ABRAMUS e no Ecad. Gabriela também declara que vê com positividade o fato de a música independente estar se tornando cada vez mais forte e se distanciando das grandes gravadoras. “Isso é muito importante para a cena alternativa, mas também é essencial o artista ver que há muito por trás da música, […] o artista tem que ter este outro olhar, sobre marketing e distribuição, e é por isso que é legal ter um selo menor para auxiliar nesse desafio”. Por último, a CEO aconselha: “a ideia é que o selo traga outros olhares para ter essa troca de ideias, […] mas ter um selo não significa que o artista vai bombar: o importante é que os dois (a banda e a gravadora) trabalhem em conjunto”. Não deixe de conferir o site da Nuzzy: nuzzyrecords.com e seu casting,, que agora em fevereiro teve um novo anúncio, a cantora, compositora e estilista Julia Melo que já havia lançado a dançante In the City como single e lança pela Nuzzy o tema Touch, com clima mais denso sem perder a pegada .Synth, mostrando o bom faro de Gabriela.

AS BANDAS ADORAVEL CLICHÊ Fundada em 2013 na cidade de Blumenau, a banda Adorável Clichê apresenta um som único que mistura vertentes do dream pop, rock alternativo e post rock. Suas letras abordam assuntos relacionados à ansiedade e à angústia geradas pela vida em centros urbanos, à pressão da rotina, às mudanças da adolescência para a vida a adulta e relacionamentos conturbados, que servem como um reflexo da situação em que todos do grupo se encontravam até então. Formação: Gabrielle Philippi (voz e guitarra); Marlon Lopes da Silva (guitarra e voz); Diogo Leal (bateria); Gabriel Geisler (baixo); e Felipe Protski (teclado).

BOMFIM Trio Joinvilense que une referências de música experimental e shoegaze com a melancolia e sutileza do dream pop. Formada em 2017, já dividiu palco com as bandas Terno Rei (São Paulo), Gorduratrans (Rio de Janeiro) e Adorável Clichê. Formação: Marcelo Silva (guitarra e vocais); Guilherme Garbin (bateria); Gabriela de Liz (baixo).


NOITE

Por Fernando de Freitas

S O R I E N O I C S IA CAN R Ó T IS H M A T N O C ES QUE Z O V E S A L IO V , S E Õ L VIO


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Fotos: Divulgação

as capitais desse país, em seus bares e lugares estão entranhados talentos que vieram dos muitos interiores. Eles invariavelmente chegaram com uma mala e um violão, um repertório e um sonho. Entre a tradição e a inovação, eles encaixam uma das suas criações entre tantas que reproduzem. O Cancioneiro não é um crooner, não é um interprete, mas alguém que carrega consigo muitas histórias, e como bom contador, aumenta um ponto a cada passagem, fazendo delas um pouco suas. JALES-SP A dupla Neto e Felipe chegou a São Paulo como duo Demerara, vindo de Jales, onde tinham certo público. Os amigos prestaram vestibular juntos, passaram e a carreira continuou. A distância do interior os aproximou de suas raízes e começaram a beber nas fontes da música sertaneja. Mesclaram-se a viola caipira e a guitarra elétrica limpa. Não que eles não sejam rock‘n’roll ou folk, mas foram fundo ao se encontrar com Pena Branca e Xavantinho. As pesquisas entraram fundo nas afinações da viola caipira cujos nomes eles acham deliciosos “Cebolão em Ré”, “Cebolão em Mí”, “Cururu” e “Rio Abaixo” entre outras. Eles também contam com um modelo de violão dinâmico, que confere uma sonoridade toda especial à sua música. Neste caminho, a dupla montou um estúdio em São Paulo e passou a produzir alguns vídeos chamados Café com Demerara, trazendo convidados e, claro, falando e fazendo muita música. Gradualmente perceberam que havia um retorno cada vez mais forte exatamente de Lages, de onde saíram, o que culminou com um show especialíssimo chamado Neto & Felipe em Casa, que se tornou o primeiro DVD da dupla.

UMUARAMA-PR Neste mesmo show, com os holofotes mais baixos, estava Thiago Juliani dando apoio na guitarra. Vindo de Umuarama, Thiago tocava na Soldado Marimbondo, uma banda de rock que parecia ter um futuro promissor. Mas ele não sentia que estava se expressando como queria. Por mais que já tivesse tirado nota a nota cada solo de Eric Clapton, ele se lembra de quando ouviu pela primeira vez o álbum Deja Vù de Crosby, Still, Nash & Young vez e de como entendeu que aquela era a música que queria fazer. Ainda assim, Thiago rejeita o rótulo de folk: “Eu tenho tanta coisa dentro de mim, tanta música brasileira, tem bossa nova, tem folk, mas tem muito pop, tem muito rock. Eu canto em português e folk é coisa dos americanos”. Mas ele dá risada ao contar do seu violão: “Esse Ibanez tem uns 30 anos e a madeira está bem seca. Eu comprei de um cara de Campinas. Ele tem uma ressonância linda devido ao seu formato folk”. E é com esse violão que ele apresenta suas mais novas canções, Ela Foi e Me Escreva, que lançou nas plataformas de streaming e em belos clipes, o primeiro dirigido por Ana Luiza Ponciano com toda dimensão intimista da canção. É importante prestar atenção no timbre do violão, pois Thiago tem apreço especial por dedilhados elegantes que exploram brilhos de variações em harmônicos em acordes. OURO BRANCO - MG Nos bares de Santa Tereza, em Belo Horizonte, nasceu o Clube da Esquina. É por ali que você encontra os melhores músicos mineiros até hoje. E não será surpresa se você encontrar Eduardo Sangy preenchendo a noite dos boêmios ou ele mesmo na boêmia. Sangy saiu da pequena Ouro Branco para o Rio de Janeiro com uma promessa que

envolvia a Rede Globo quando tinha dezoito anos. “Claro que deu errado”, diz ele, sem o menor sinal de arrependimento. Sangy tem a pegada do músico da noite, não gasta a voz, seu violão faz o trabalho de preencher os espaços necessário com as cores de que a música precisa. Mais que isso, como bom viajante, o violão conversa com seu canto, comenta e complementa. Foi numa noite dessas, comemorando o casamento de uma prima em uma pizzaria na Savassi, que conheci Sangy, tocando seu repertório dos anos 60 e 70 de maneira impecável, com tamanha desenvoltura que era impossível que não tivesse um trabalho solo. Perguntei, ele me deu um cartão e, dias depois, de volta a São Paulo, ouvi um de seus EPs. Era justamente o que eu esperava. Sangy, assim como toda uma geração, cresceu entre bolachões do Elvis, dos Beatles e Raul Seixas desarrumados entre outras tantas coisas que os pais acumularam em um canto junto a uma vitrola. Da agulha percorrendo o sulco em 33 rotações, para as palhetadas em um violão, e a descoberta de novos repertórios, a história se repete a cada músico até encontrar aqueles que seguem e os que desistem. Sangy é daqueles que seguem. Seu mais novo EP tem três canções: Give me Strenght, Taking all the pain out of me e Mine O’Mine. Sua voz, já um pouco carregada pelo cigarro, não deixa de ser suave e casa com os dedilhados que tem temperos entre o gospel e o country, mas mantém sempre um quê de rock sessentista. A referência, talvez não muito óbvia, seja o meio da carreira dos Beatles, como algo retirado de Rubber Soul ou Revolver, sem a inocência de Help! e (claro) sem comparações com Sgt. Pepper ou posteriores.


COZINHA ERA UMA VEZ... UM CONTRABAIXO Um contrabaixo tornouse impossível de tocar, após sofrer ‘danos irrecuperáveis’ em um voo da Turkish Airlines. O baixista Tihomir Hojsak compartilhou suas frustrações online, depois que seu instrumento foi quebrado. Ao chegar ao aeroporto Franjo Tuđman, em Zagreb, Croácia, Hojsak ficou horrorizado ao descobrir que seu contrabaixo havia chegado em pedaços. Juntamente com fraturas no corpo e danos nas cordas, a ponte foi quebrada tornando o instrumento impossível de tocar. Até o momento a empresa não se manifestou sobre o ocorrido.

IMPRESSÃO 3D O

músico Dan Pawlovich, baterista da banda de pop-rock norte-americana Panic! At The Disco, construiu, com ajuda da Stratasys Direct Manufacturing, empresa que presta serviços de impressão 3D sob demanda, sua nova caixa acústica. Esta é uma das peças de sua bateria, cujo corpo foi totalmente impresso em 3D, com base em um desenho criado pelo músico. Ele queria um som mais limpo e cristalino e, para isso, sabia que precisava eliminar as peças metálicas do interior da caixa.

Fotos: Shutterstock e Divulgação

CAIXA ACÚSTICA EM


PRATOS COM ESTILO A marca Sabian busca celebrar a individualidade de cada baterista. “Todo baterista soa, toca e parece diferente - e estamos sempre procurando maneiras de oferecer mais meios de expressão para a comunidade de bateristas”, comenta a marca. O lançamento da empresa na NAMM foram os pratos gráficos. “Fizemos parceria com alguns artistas gráficos incríveis para criar esses impressionantes pratos gráficos como uma maneira de os bateristas se expressarem visualmente no palco. A melhor parte é que os instrumentos mantêm a excelente qualidade de som que os bateristas esperam do Sabian”, finalizam.

OLODUM GARANTE Com gravações que aconteceram em pleno dia de Iemanjá, a cantora Roberta Campos contou com o acompanhamento do Olodum para gravar o clipe da música Vem Me Buscar, lançada pela gravadora Deck. O vídeo, com direção de Alisson Louback, foi gravado pelas ruas de Salvador e traz a energia da capital baiana e a inconfundível batida do afoxé Gilmário Marques, Arayê, Elpídio Bastos, Andreia Reis e Gel Santos tocam percussão. Davi Moraes (guitarra), Alberto Continentino (baixo) e Cesinha (bateria) são os integrantes do Olodum que estão no vídeo.

DESTREZA NOS DEDOS O livro Bass Technique Finger Gym (Fundamental Changes), dos autores Simon Pratt e Joseph Alexander, traz uma série de exercícios fundamentais para quem toca baixo. As práticas ajudam a criar a destreza necessária que o instrumento exige. Os autores apostam em técnicas que constroem uma base sólida de habilidades musicais limpas, que cabem em qualquer estilo. Ainda não conta com edição em português, mas a boa notícia é que está disponível gratuitamente para os assinantes do Kindle Unlimited.


BLOCO

Por Ana Sniesko e Fernando de Freitas

E D S E R O OS TAMB N I M E D Á B O ILÚ Um dos blocos mais importantes do carnaval de rua de São Paulo, o coletivo vai muito além da música. Empodera as mulheres, sobretudo as negras, e dá força para que elas mostrem a sua força

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e existe uma forma de medir o sucesso de um evento é saber se ele é capaz de ocupar o Vale do Anhangabaú em São Paulo. É o coração de uma cidade pulsante, um enorme espaço aberto que separa o Centro Velho (Praça da Sé) do Centro Novo (Praça da República), em que os carros passam por todos os lados, menos neste gigantesco vale reservado para as pessoas. São viadutos, túneis, ruas e avenidas cercando as três dimensões desse logradouro com nome indígena que nenhum estrangeiro ousa pronunciar sem medo.

No vale do Anhangabaú aconteceu um dos comícios mais significativos das Diretas Já, na Copa do Mundo foi montado o FanFest da cidade e, claro, foi o palco de inúmeros shows, incluindo algumas edições

das primeiras Viradas Culturais. O evento mais impressionante do Carnaval paulistano nos últimos anos tem sido o cortejo do Bloco Ilú Obá de Min, que abre a festa na cidade, cada vez mais significativa após a sua retomada pelos blocos de rua. Parte exatamente do Vale do Anhangabaú, arrastando uma multidão que segue os tambores tocados exclusivamente por mulheres. Foi para conhecer o Bloco e o Grupo, que é um dos contemplados pelo Natura Musical neste ano, que entrevistamos Elizabeth Belissário, uma de suas fundadoras. Há muitos carnavais vocês movimentam multidões e lotam as ruas de São Paulo. Como nasceu o Ilú Obá De Min?

O Ilú Obá De Min - Educação Cultura e Arte Negra, nasceu em 2004, com intuito de dar continuidade ao trabalho de militância que teve início com o Bloco Afro Sampista Oriashe, do qual eu, Beth Beli, fui também regente e fundadora, em 1999. Desde o término do Bloco Oriashe se passaram cinco anos e muitas mulheres me chamavam para dar continuidade a esse trabalho de ocupação dos lugares públicos e resistências negras. O Oriashe era um bloco misto, com homens e mulheres. Os integrantes do Ilú Obá De Min são majoritariamente mulheres, na regência, na direção e coordenação. Em 2004 realizei um oficina no Centro Cultural Jabaquara junto com Adriana Aragão, percussionista e ar-


Fotos: Divulgação Natura Musical

te-educadora, somente para mulheres, com os toques dos Orixás. Assim nasceu o Ilú Obá De Min. Depois dessa oficina, tomamos as praças e ruas de São Paulo. Quantas mulheres fazem parte do projeto? Hoje o Ilú Obá De Min conta com 450 mulheres em sua formação. Nossas frentes de atuação são o empoderamento das mulheres negras, o resgaste histórico das mulheres negras no mundo e as ocupações em vários territórios de São paulo, principalmente nas periferias. Você é arte educadora, socióloga e fundadora do coletivo. Como aconteceu o seu encontro com a música, Beth? Aos 19 anos iniciei minha vida profissional como percussionista, tocando com a Banda Lá em 1987, uma das primeiras bandas afro de São Paulo. Essa banda me deu base para meus conhecimentos sobre meus ancestrais, sobre como defender os meus e sobre conhecer e reconhecer a história do meu povo preto. Participando ativamente como percussionista, tive as minhas primeiras referências de mulheres negras e conheci as histórias de rainhas, como Nzinga, Dandara, Akotirene, Luiza Mahin, Geledés, Audre Lorde, Raquel Trindade e tantas outras mulheres politicamente corretas e lutadoras. Aos 25 anos, em 1993, fui convocada para reger o bloco afrosampista Orishé – Ori Cabeça e Ashé - Força. Fiz parte desse grandioso bloco por sete anos. Depois da minha saída do Bloco Oriashé, ganhei o mundo e entrei para uma companhia de teatro de rua do Rio de Janeiro, com a qual viajei muito e conheci mais de 20 países, uma riqueza de experiência. Infelizmente, não cheguei a ir à África – fui próximo, mas não pisei lá. Ainda irei pisar, isso é certo em minha vida! O Ilú vai muito além das músicas

e do som do Carnaval. Quais sãs as referências que guiam esse coletivo de força e empoderamento da mulher negra? Quem inspira vocês? Nossas referências vêm de muito longe, do continente africano que nos deu, e ainda dá, muitas inspirações para compor e recontar nossas histórias pelo olhar feminino e pelas vozes de mulheres pretas. Temos referências populares brasileiras também como : Raquel Trindade, filha de Solano Trindade; Leci Brandão, mulher que nunca desistiu de lutar por nossos direitos como cidadãs; Elza Soares, mulher de fibra e coragem, uma verdadeira guerreira; Carolina Maria de Jesus, escritora brasileira, cujo livro Quarto de Despejo, embora traduzido em mais de 25 línguas não encontrou reconhecimento na literatura brasileira, infelizmente; e nossa maior cirandeira, Lia de Itamaracá, que será homenageada por nós em 2020. Essa são nossas inspiradoras vivas para compor nossas letras e enredos. Enquanto no candomblé as mulheres não podem tocar o tambor, no Ilú elas são o foco principal e tocam todos os tipos de percussão. É um movimento de resistência? Mulheres no candomblé não tocam, disse bem! O Ilú Obá De Min é uma organização que tem como pilastras musicais os ritmos tocados no candomblé, e isso não faz dele uma cerimônia religiosa complexa, que é o culto aos orixás. Apenas saudamos os nossos orixás para reverenciá-los, os bens feitos aqui no Aye -Terra, como as riquezas estéticas, alimentares e musicais etc. E o fato das mulheres tocarem tambores no Ilú Obá De Min não tem relação com a posição de suma importância no candomblé, que é o Ogan. Mulher tem a posição de Ekedi, tão importante e respeitoso quan-

to a de Ogan. A nossa relação com o tambor também vem de muito longe, na África existem muitos grupos e organizações de mulheres que tocam diversos tambores. Fora do grupo você também tem um trabalho com arte e música. Pode contar o que a música representa na sua vida? Sou arte-educadora há mais de 20 anos na Instituição Arte Despertar, trabalhando com música nos hospitais GrAACC, nos setores de quimioterapia, internação e brinquedoteca; e Darcy Vargas, nas áreas de internação, UTI pediátrica e hemodiálise. Trabalho também com trilhas musicais, dou aula de percussão e trabalho como diretora musical e regente do Ilú Obá De Min. A música é o meu sustento, minha vida e, a cada dia ela me apresenta, desafios e me propõe ser uma eterna pesquisadora. Digo que, seja lá qual for a profissão que algum ser humano escolhe, a música tem que fazer parte dessa escolha também, porque ela cura. Tenho vivenciado isso todo o tempo. Temos relatos dentro do Ilú de mulheres que lá adentraram e se curaram de profundas dores da vida. Neste ano o Ilú Obá de Min foi um dos selecionados pelo Natura Musical. O que isso representa para vocês? Representa o lugar de referência da produção artística feita por mulheres, pensada por mulheres e dirigida por mulheres. E tem um significado importante, que é o reconhecimento do trabalho desenvolvido por tantas mãos femininas que compõem o Ilú Obá De Min. Temos que estar um todos os lugares, realizando transformações significativas para as nossas histórias pretas, para as crianças pretas, para as mulheres pretas e para todo povo preto. E realizar arte com estruturas financeiras só nos deixa contempladas.


BAIXO Por Ian Sniesko

A A T S I C I S MU A R O D I L DEMO i a mais fo e y a K l o r Ca estúdio e d a t is ix a b importante da história


Fotos: Reprodução

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o universo da música, uma das profissões que, muitas vezes, passa despercebida e/ou esquecida pelo grande público é a de músicos de estúdio. Estes artistas, contratados por bandas e atos para participarem de sessões de gravação, foram, e continuam sendo, cruciais para muitos álbuns de sucesso. Uma das histórias de maior sucesso neste meio é a de Carol Kaye, baixista altamente prolífica, que tocou ao lado de lendas como Ike e Tina Turner, Ray Charles e Nance Sinatra, além de ter participado da produção de obras como o álbum Pet Sounds, dos Beach Boys. A musicista seguiu ativa por 55 anos e conta com um número estimado em 10.000 sessões de gravação na cena musical de Los Angeles. Crescida na pobreza, Carol caiu nesse mundo por acaso: no início da década de 60, ela foi chamada para substituir um baixista que não apareceu para uma sessão na Capitol Records. Mais tarde, passou a fazer parte do prolífico grupo de músicos de estúdio chamado de Wrecking Crew, que tocou em quase todas as obras musicais produzidas em Los Angeles nos anos 60. Além da sua participação em álbuns de estúdio, a baixista também compôs e participou da gravação de trilhas sonoras famosas da televisão e do cinema, tais como Mission: Impossible, The Cosby Show, La Bamba e A Família Addams. A história de Carol é muito importante e merece ser lembrada: a baixista conquistou e lutou por um lugar de destaque em uma indústria altamente misógina e formada majoritariamente por homens (tristemente, o cenário quase não mudou) e que, para completar, subjugava a importância dos músicos de apoio. Na época dos excessos por parte dos músicos, estes trabalhadores eram considerados mão de obra barata e muitas vezes sequer eram creditados no encarte dos álbuns, justamente porque o grande público não podia saber que, muitas vezes, não eram seus ídolos que tocavam em suas próprias gravações. O Wrecking Crew, porém, ajudou a elevar essa profissão a um novo patamar. O grupo cumpria uma rotina árdua de sessões e gravava dia e noite, muitas vezes sem parar sequer para dormir ou fazer suas refeições. Junto com seus parceiros de sessão, Carol deu uma nova cara ao baixo: desobedeceu a regras não escritas e ultrapassou os limites impostos, até então, ao instrumento. Apesar de, muitas vezes, não prestarmos atenção nestas nuances, e o grande público não estar ciente de quem está por trás de algumas das linhas de baixo mais famosas da história, é importante reconhecer Carol Kaye como a mãe de tudo isso. Além de todo seu trabalho como musicista de apoio, a artista também foi professora de música e publicou o livro Como Tocar Baixo Elétrico. Para os interessados, a baixista ainda oferece aulas via Skype e alguns vídeo-tutoriais gratuitos em seu site oficial (carolkaye.com). Vale citar também o documentário First Lady of Bass, dirigido por Pekka Rautionmaa, e o álbum de mesmo nome que o acompanha, além do documentário sobre seu grupo, The Wrecking Crew. Se você quer ouvir o trabalho da artista, é muito fácil: procure por quaisquer um dos hits dos anos 60 e pelo álbum Pet Sounds, do Beach Boys.

ALGUNS TRABALHOS Good Vibrations, Help Me Rhonda, Sloop John B, I Get Around, Wouldn’t It Be Nice (dano), Calif. Girls, God Only Knows, Pet Sounds lp, Heroes & Villains, Caroline No, Surf’s Up, Child Is The Father Of The Man, Do You Like Worms?, Smile lp, Cabinessence, Fire sessions, I Was Made To Love Her, Let Him Run Wild - Beach Boys Something Stupid - Frank & Nancy Sinatra Boots, Sugar Town, You Only Live Twice theme, etc. - Nancy Sinatra Feelin’ Alright - Joe Cocker The Way We Were - Barbra Streisand Tell Her You Love Her, The World We Knew (OD dano fuzz on “World”), How Do You Keep The Music Playing, etc. - Frank Sinatra Hold Me Thrill Me etc. - Mel Carter Godfather Theme, Love Story, Can’t Take My Eyes Off Of You, etc. - Andy Williams IOn Me, Feel So Bad, Understanding etc. - Ray Charles Romeo & Juliet Theme (A Time For Love), Willow Weep For Me, Godfather Theme, others & Doc Severinson lp etc. Henry Mancini Made To Love Her - Stevie Wonder What’d I Say, A Little Less Conversation, Suspicious Minds etc. - Elvis Presley (this cut is claimed by 4 others too) Candy Man, Have A Little Talk, Mr. Bojangles, Legend In My Time, I’m Not Anyone - Sammy Davis Jr. Shaft Theme - movie OD MGM w/J.J.Johnson (credited on sheet music) Someday We’ll Be together Again, Ain’t No Mountain High Enough - Diana Ross (w/Temps, cut 1968 RCA, Paul Humphrey on drums released 1970, you hear her improvising on this after my music fell down on take) If I Could Build My Whole World Around You, Ain’t Nothin’ But The Real Thing - Marvin Gaye & Tami Terrell (Steiner’s studio - LA) Batman Theme & others - Marketts I’m A Believer, Last Train To Clarksville & others - Monkees Homeward Bound, I Am A Rock, Scarborough Fair - Simon & Garfunkle River Deep, Mountain High - Tina Turner Light My Fire - Doors (listed in book) Love Child, Baby Love, Stop In The Name Of Love, Back In My Arms Again, You Can’t Hurry Love, My World Is Empty Without You, Reflections, Love Is Here And Now You’re Gone, You’re All I Need To Get By etc. - Supremes GIT On Broadway TV Show - Diana Ross/Temptations cut 1969 NBC, Al Lapin contractor Come Together - Count Basie Peace Of Mind, Out Of This World - Nancy Wilson Joe Williams Live lp Big Man lp - Cannonball Adderly A Time For Love - Tony Bennett Get Ready, I Second That Emotion - Temptations Bang Bang, Gypsies, Tramps and Thieves - Cher Winter Wonderland - Darlene Love Expected to Fly - Buffalo Springfield Do I Love You? - Ronnie Spector & The Ronettes Do I Love You - Frank Wilson Motown Soul Freak Out - Frank Zappa


ME ACOMPANHE SE PUDER

SE PREPARE PRO LOLLA! Para quem quer ver bem de perto as algumas atrações do Lollapalooza, os Lollaparties são essenciais para complementar o programa. Mais que isso é o esquenta perfeito! Neste ano, antes de conferir as guitarras de Slash, a energia inesgotável de Gwen Stefani ou bandas como Cage the Elefant e Strokes, você tem a oportunidade ver o folk dos Lumineers (que trazem seu ambicioso projeto já comentado pela Revista 440Hz) e City ans Colour. O importante é curtir muita música e se divertir! Os ingressos estão disponíveis em https://premier. ticketsforfun.com.br/

FENDER LANÇA

NOVA LINHA DE PEDAIS Fotos: Shutterstock e Divulgação

A

Fender acaba de lançar uma linha de pedais de efeitos populares, que estreou na edição de inverno da NAMM 2020 em Anaheim, Califórnia. Projetado no sul da Califórnia pela equipe interna de especialistas da Fender, esse novo efeito marca a próxima incursão da marca nos pedais de efeitos acionados por tubos. O MGT Tube Tremolo aproveita a tecnologia de amplificador de tubo da Fender e o coloca em um formato conveniente de caixa de pedais. “Estamos orgulhosos de continuar a expansão de nossa linha de pedais de efeitos e nosso compromisso em ajudar os músicos a dominar seu tom em todas as etapas de sua jornada musical”, disse Richard Bussey, diretor de desenvolvimento de produtos.


QUER UM PIANO? O “piano imortal” está à venda no eBay por nada mais, nada menos, do que 2 milhões de dólares. Ao longo dos anos, esse instrumento exclusivo também foi chamado: “O piano de Siena”, “o piano do rei” e “a harpa de David Piano”. O instrumento alcançou, com ou sem razão, status lendário ao longo dos anos. Isso ocorre principalmente como resultado de um livro semiautobiográfico intitulado The Immortal Piano, do técnico israelense de piano Avner Carmi. Construído no século XIX, em Turim, por Sebastiano Marchisio, só foi terminado pelos seus filhos e netos. O instrumento era, então, uma simples posição vertical em um estojo simples, mas sua qualidade tonal incomum tornava o instrumento um tanto especial. Seu som suave, afirma-se, era diferente de qualquer outro piano. Foi descrito como sendo “... harpa, pelúcido [cristalino], mas mais suave que um cravo”.

Saiba mais em: https://www.worldpianonews.com/

VIOLÃO CANÇÃO

NOTAS NAS ALTURAS Uma musicista estabeleceu o recorde mundial do maior concerto de música clássica de todos os tempos, depois de tocar um piano de cauda a uma altura de 5.000 metros em uma parada do Himalaia. Evelina De Lain apresentou as Noites de Chopin Nº 2 em Mi bemol maior e Nº 20 em C acentuado menor durante a performance de 90 minutos. Ela também tocou seu “Raindrop” Prelude Op 28 Nº 15, além de composições de seu álbum solo Soul Journey. A pianista se juntou a uma equipe que ajudou a dirigir e transportar o piano Challen até o Passo Singela, no Himalaia, na Índia. O concerto nas nuvens arrecadou dinheiro para o Cystic Fibrosis Trust e o piano foi doado a uma escola local.

O músico Chico Saraiva, em Violão Canção (Edições Sesc São Paulo), traz a público uma pesquisa sobre a alternância de papéis do violão, ora como instrumento solista, ora como acompanhador do canto. Para escrever a obra, o autor se baseou em sete entrevistas com expoentes da música brasileira: João Bosco, Paulo César Pinheiro e Luiz Tatit, no campo da canção popular; Paulo Bellinati, Sérgio Assad e Marco Pereira, representando o violão solo; Guinga e Elomar como membros das duas tradições. Organizado por temas, o livro trata de processo criativo, intercâmbios entre letra, melodia e harmonia, aspectos da execução, relação entre instrumentos, violão popular e erudito. Ao longo da conversa, Saraiva e os entrevistados tocam canções, que o leitor poderá ouvir no site do autor. À venda por R$ 60.


PIANO JAZZ

O R A M A S A T I E R F Por Fernando de Freitas

A T N E B E R R A E O PIANO QU


Q

uando Amaro Freitas disse o nome de Johnny Alf, um alerta acendeu do meu lado do telefone. Johnny Alf é considerado por muitos o verdadeiro pai da Bossa Nova, como já ressaltou Ruy Castro, e nada é acidental quando falamos de Amaro. Alfredo José da Silva, nascido na Vila Isabel, em 19 de maio de 1929, era filho de uma empregada doméstica e de um cabo do exército (que faleceu quando Alf ainda era pequeno). Admitido no tradicional Colégio Pedro II, o menino teve as aulas de piano custeadas pela madrinha, que também era patroa de sua mãe. Johnny Alf é pouco reconhecido fora do meio musical. Gravou pouco, viu a cena da Bossa Nova ganhar fama enquanto tentava ganhar a vida na ronda dos bares de São Paulo. Johnny Alf foi um pianista negro que nunca ganhou dinheiro com sua obra e até hoje há uma certa condescendência canalha quando se toca no assunto. Amaro Freitas deixa claro: ele quer romper essa barreira “Eu vivo e pretendo viver de minha obra”. Amaro não faz Bossa Nova. Aliás, ele segue uma máxima de Alf: “música não tem nome, meu bem. Música é som”. Mas é exatamente por isso que ele começa a se diferenciar de sua referência. Amaro é interlocutor de conversa suave e discurso firme. Embora contido, nada nele é tímido, se destacando exatamente por ser quem é e querer mostrar sua existência em sua plenitude. Amaro é um homem negro, grande e de cabelo black power. Suas roupas e adereços remetem aos temas africanos e tudo isso está evidente em

sua música, pelos ritmos do nordeste, pelas influências árabes, o jazz misturado, ora com frevo ora com maracatu. Uma elegância altiva que apenas aqueles que têm orgulho das próprias origens pode estabelecer.

RASIF

Amaro encontrou na obra do escritor Marcelino Freire a inspiração para seu segundo álbum. Quando leu Rasif – O Mar que Arrebenta, o livro de contos que descreve a cidade com suas contradições, ficou estabelecido o mote de um álbum que se pôs a fazer o mesmo. Marcelino Freire conta: “Conheço e gosto muito [de Amaro Freitas] e sei que o livro foi uma inspiração para ele. Fico todo orgulhoso e feliz. Fui ver RASIF no Sesc Pompéia em SP. Um grande músico, um grande artista. A música que dá título ao disco tem essa pegada árabe-pernambucana”. Dona Eni, a primeira faixa do álbum é uma declaração, um posicionamento. Assim como Take the A Train de Billy Strayhorn (e um standard da orquestra de Duke Ellington) é uma declaração e um posicionamento. Se Strayhorn dizia de onde era esse tema e para quem estava compondo, Amaro Freitas abre Rasif dizendo algo como “você tem que entender quem é Dona Eni para desvendar esse álbum”. Não que a pessoa real seja essencial para tanto, mas Rasif é de Dona Eni e Dona Eni é de Rasif. Só quem compreender isso passa pelo primeiro enigma. Os ritmos nas primeiras faixas do álbum são acelerados, ligeiramente ansiosos. Segue assim em Trupé, em

que o piano mantém o caráter percussivo, liderando a bateria e o baixo. Em Ao chegar de Paço, ainda que seja um tema vigoroso, a sensação é de relaxamento após dois temas tão tensos, desembocando no tema que dá nome ao álbum, Rasif. Nesta faixa, o baixo flui solto enquanto o piano toca sequências delicadas que podem ser ouvidas como a contemplação do mar. Não é o mar Caymmi ou da Bossa Nova, mas esse mar de porto multicultural, entreposto e invadido, por vezes nervoso e que só pode ser entendido na foz do Capiberibe. Quando conversamos, perguntei especificamente sobre a música Mantra, que contrariou minhas expectativas em relação a seu nome. Amaro deu uma gostosa risada: “Essa é uma música para causar esse incômodo, para falar do barulho. Eu moro em uma avenida barulhenta de Recife. Quando era adolescente e vivia na periferia e chegava o final de semana, era tevê alta em um vizinho, outro ouvindo brega no último volume, alguém tentando se sobrepor a isso com um rock”. Depois, me veio à mente a sabedoria de Amaro, é fácil meditar no silêncio, o desafio é fazer isso onde há barulho. Encontrar a paz e harmonia onde há confusão talvez seja o convite que faz o pianista e compositor neste retrato urbano. As faixas Aurora e Pleninúrio, por outro lado, têm um caráter suave. A primeira faz bem o sentimento deste levantar da manhã enquanto a segunda me remete a Villa-Lobos, com melodias que lembram a própria natureza. Mas Amaro não se apossa de


Villa-Lobos, ele se reapossa daquilo que Villa-Lobos tomou. O Afrocatu, que fecha o álbum, também é uma declaração. Não apenas da sonoridade e dos ritmos que permeiam toda a obra, mas daquilo que podemos esperar de Amaro como artista, sobre o palco, enquanto pessoa e no futuro. E, citando mais uma vez Marcelino Freire, Amaro vem honrar a tradição de grandes músicos de um “Pernambuco falando para o mundo”...

OBRIGADO POR ME FAZER OUVIR MÚSICA

Um dia Xênia França publicou nas redes sociais uma música de Amaro e disse algo como “obrigado por me fazer ouvir música”. Disso nasceu um papo decorrente da admiração mútua, do qual surgiu uma apresentação na Fundição Progresso. “Nossas agendas nunca batiam, quando eu estava na Europa, ela estava em Nova York; quando eu ia para Nova York,

ela ia para Europa”, conta Amaro sobre a dificuldade de armar um trabalho junto mesmo desejando muito. Quem leu a matéria com Xênia na edição 2 da Revista 440Hz não terá dificuldades de encontrar a sinergia entre os dois músicos. Não apenas por uma sonoridade intensa e a dedicação em cada nota, eles dividem o compromisso com a ancestralidade. A música proporciona a Amaro a libertação necessária para se relacionar com sua própria Eu Você um nó ancestralidade, (2019) que caminha lado a lado com um descobrimento intelectual que o próprio piano lhe proporcionou. Esse instrumento, que ele sabe ser elitista, o leva aos lugares, mas ele não o leva a lugar algum. Como músico, há dois lados nisso, no mais óbvio, ele deve lidar com o instrumento que ele encontra onde vai tocar. No lado menos óbvio, por ser um instrumento elitista, não há espaço no imaginário para homens negros e corpulentos nascidos

Em Boa Hora (2015)

Take Me With You {single} (2015)

na periferia de Recife. “Muitas vezes, eu chego em um lugar e perguntam se eu sou o percursionista ou o baixista. Ninguém acha que eu sou o pianista. Já me perguntaram se eu era o carregador do piano. Essas coisas doem muito”, conta Amaro, que também conta que gostaria de distribuir pianos pelo Nordeste como um dia Luiz Gonzaga distribuiu acordeons. “Até hoje, a tradição do acordeom devemos a Luiz Gonzaga”. Ainda que tenha seu público no Brasil e sua música seja essencialmente brasileira, Amaro está mais ligado com mercado estrangeiro. Seus álbuns foram lançados por selos europeus e suas turnês pela Europa e Estados Unidos são bastante valorizadas. “Você chega em um clube pequeno na Alemanha e eles tem um bom piano, bem cuidado, é um piano antigo, mas é um piano de qualidade”, e são essas coisas que dão prazer a ele, mostrar sua música. “Algumas

Fotos: Divulgação

PIANO JAZZ


pessoas têm um trabalho interessantíssimo aqui no Brasil, chegam na Europa e fazem um set de Bossa Nova, para agradar. Eu vou para lá tocar minha música” ressalta Amaro. E assim, tocando sua música, Amaro não nos conta daquilo que vemos em suas redes sociais, como o encontro com Quincy Jones, mas daquilo que não vemos, da história da bata com que tocou em sua estreia em NY, que comprou com um imigrante africano, e da emoção de usá-la. A conversa com o Pianista não é das grandiosidades, mas dos detalhes e sensibilidades, e isso não é pose, pois está em sua forma de tocar piano, sua virtuose não é egóica, mas cirúrgica. É a precisão de quem transplanta um coração e cuida de cada veia e artéria para sobrevivermos. Amaro faz isso abstratamente ao piano. Sua música é metáfora da violência e da delicadeza de uma mesa de cirurgia, assim como do mar que arrebenta nas praias de Recife. “Meu objetivo é viver da minha obra. Hoje eu estou em uma posição confortável. Passei o dia no estúdio ensaiando com minha banda”, lembra Amaro sobre as dificuldades de ser um músico negro de música instrumental no Brasil e se referindo sempre ao fato de pianistas negros não viverem de sua obra em nosso país. Desta posição confortável também nasceu um projeto com a poetisa Luna Vitrolira, um álbum que produziu e deve ser lançado em breve. “O desafio era fazer com que a música não se sobrepusesse à poesia, que é falada”, diz preocupado o pianista sobre o projeto da escritora, que também é sua namorada. E em 2020 Amaro ensaia com sua banda para gravar seu próximo álbum, mais Amaro que nunca. Seu Chopin, me desculpe. Johnny Alf, dê licença. Deem passagem que Amaro Freitas chegou para ficar e, se precisar, eu carrego o piano para ele.

O mantra vem da impossibilidade do silêncio.

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Fotos: Adriana Moraes / Divulgação

CAPA

Por Fernando de Freitas


O MUTANTE Z Sérgio Dias acaba de lançar seu mais novo álbum com Os Mutantes e nos conta sobre sua carreira

“P

ois eu sonhei e acordei pensando nela....” panpanpanpanpanparaaaaam. Aquela linha de guitarra certeira, mas tão certeira que define o que é o rock brasileiro, o que é a tropicália ou o que é ser um guitarrista no Brasil. É uma linha simples e sem grande dificuldade de execução, mas que casa com o sambalanço de Jorge Ben( jor) e todo seu suingue sem deixar a agressividade elétrica de lado. Minha Menina é, para Sérgio Dias, o que Satisfaction é para Keith Richards, o riff fundamental e mais reconhecível de uma obra profícua e diversa, que fluiu (e flui) ao longo das décadas, e que se tornou uma referência sonora para as gerações futuras.

Na década de 1960 os guitarristas buscavam “seu som”. Contam as lendas que Eric Clapton passava horas testando guitarras e amplificadores nas lojas de Londres e que Jimi Hendrix testava dezenas de pedais whawha da mesma marca (pois havia uma enorme falta de padronização entre eles) até achar aquele que tinha a sonoridade ideal. Os Beatles? Esses tinham até uma equipe para criar geringonças (a grande maioria não servia para nada). Sérgio estava longe de tudo isso e, para encontrar seu som, ele tinha de criar sua própria versão de seus efeitos e, com seu irmão Cláudio, resolvia os problemas com o que tinham à mão.

SOBRE GUITARRAS

“Eu sempre quis ter uma Rickenbaker, queria saber o que aconteceria se eu tocasse uma”, conta fazendo referência aos Beatles, “mas eu não preciso comprar mais uma guitarra. Tenho muitas e guitarras têm de ser tocadas. Não podem ficar como um objeto sem função”. Assim é o pensamento do possuidor da lendária Regvlvs, a guitarra que define o som dos Mutantes e que, hoje, a mantém mais protegida. Sérgio a substituiu por um modelo projetado por ele com especificações praticamente iguais à sua lendária precursora. “Eu estava para entrar em show no Fillmore, a correia soltou e a Regvlvs caiu no chão e rachou. Como a guitarra é muito sólida, aguentou bem o show. Mas depois eu pensei, essa guitarra já foi roubada e voltou. E se eu perco ela de novo?”. Assim nasceu o projeto dessa nova guitarra: “sonoramente ela não perde em nada para a anterior”. Das guitarras Regvlvs desenvolvidas por Cláudio, Sérgio teve duas, uma branca e uma Sunburst, sendo esta última a que permaneceu com ele ao longo dos anos. “A branca eu vendi para um cara lá atrás, eu não tinha grana, então, para comprar um equipamento novo, precisava que vender o que tinha.


CAPA Variax e uma pedaleira da Line 6, daquelas que tem tudo”, embora já faça uma ressalva sobre o instrumento que está sendo construído: “Essa nova guitarra é para jazz, será uma guitarra azul. Eu queria que minha primeira guitarra elétrica fosse azul, mas o cara que fez não tinha a tinta da cor que eu queria e ela ficou com uma cor-de-burro-quando-foge”. Curiosidade para aqueles que querem cada detalhe do timbre: Sérgio usa cordas de calibre .008, ou seja, de calibre extra leve. “Tenho as mãos pequenas, bicho, minhas guitarras têm a escala longa, que aumentam a tensão da corda, e dou bends de dois tons e meio”, revela o Mutante. “Já conversei com o David Gilmore sobre o calibre de cordas depois de um show dele. O cara é um animal, usa cordas muito grossas. Mas olha a força que ele tem nas mãos. Mesma coisa o Hendrix, já viu o tamanho da mão dele?”.

irmão de Sérgio). A banda tomaria o rumo em direção do rock progressivo, o que culminaria na saída de Arnaldo logo em seguida e, sem o mesmo sucesso anterior, encerraria as atividades em 1978. “A gente estava tendo discussões sobre tocar músicas cover para ganhar dinheiro. Preferi acabar com a banda e seguir meu caminho”, conta o guitarrista, que lançou seu primeiro álbum solo em 1980. “Eu amo muito eles dois. Ambos são

Das decisões que tomou ao longo da carreira, se arrepende de duas: não ter aceitado o convite de Ravi Shankar (a quem chama de mestre) para ir estudar cítara na Kinnara School of Music, na Índia - isso significaria se afastar por três meses dos Mutantes -; e não ter tocado no primeiro álbum solo de Rita Lee. “Eu tinha uma devoção muito grande pelos Mutantes, eu me recusei a tocar, ela não precisava de uma carreira solo, ela tinha uma banda. Acabou tocando outro cara” (Alexander Gordin). Sérgio viria a contribuir com Hoje É o Primeiro Dia do Resto da Sua Vida (que, por vezes, é tido como um álbum dos Mutantes lançado com o nome de Rita por questões com a gravadora) e outras tantas vezes ao longo de sua vida. Rita teria uma saída conturbada dos Mutantes (uma vez que isso também significou sua separação de Arnaldo,

meus irmãos e se me ligarem ou se nos encontrarmos, será como se tivéssemos nos visto ontem. Não guardo nenhuma mágoa. A Rita tem esse jeito e, às vezes, faz e fala umas coisas que depois de arrepende”, complementa ainda o Mutante sobre o reencontro com o irmão na ocasião do ensaio para o concerto no Barbican. “Ele apareceu no ensaio na hora marcada, nos abraçamos, “Como vai? Tudo bem?”, começamos a tocar, erramos tudo, mas a energia estava lá”. Porém, antes desse reencontro Sérgio teve muitos encontros que o levaram a caminhos sempre novos. “Eu devo muita coisa a muita gente genial”. Por exemplo, por influência do violinista Leon Shankar, o guitarrista teve um encontro com John McLaughlin, o que o levou para o circuito de jazz de Nova York, onde permaneceu por cerca de dez anos. Lá, formou a banda

“SOU MUTANTE DESDE QUE NASCI”

Eu me arrep não ter tira para es Kinara School disco da Rid grande pelo tocar, ela nã

Fotos: Clarissa Lambert / Divulgação

Esse cara me procurou um tempo atrás para me vender de volta, mas a guitarra estava muito mexida. Não preciso dela só para ter. Não sou saudosista”, conta o guitarrista que, eventualmente, pensa em procurar equipamentos com os quais gravou na década de 60 e 70, mas só se tiver um uso para eles. “Eu ainda uso meu pedal wah-woh que meu irmão fez. O de máquina de costura eu sintetizei para colocar numa pedaleira”. A mentalidade foi sempre mutante. “A branca”, como se refere Sérgio, foi desenvolvida aos poucos, conforme as necessidades do músico. Sérgio era o único guitarrista da banda, algumas músicas precisavam de som de violão, outras de som de guitarra. Cláudio desenvolveu uma captação a partir de uma agulha de vitrola para que a guitarra soasse como um violão. As distorções disponíveis à época tinham um problema: “os transistores apenas distorciam o quinto harmônico, quando você tocava um acorde, ficava tudo embolado” conta o guitarrista. O irmão trouxe a solução: captar o som de cada corda individualmente e distorcer uma por uma, tudo dentro da guitarra. “Aí, quando fizemos a Sunburst, colocamos tudo dentro de uma vez”. E é essa a mentalidade para construir suas novas guitarras, aperfeiçoamento do projeto anterior. “Eu desenhei essa guitarra e passei para um luthier chinês, a quem expliquei tudo que eu queria por telefone, com ajuda de uma tradutora. Ficou perfeita”. Sérgio detalha ainda que “eu sempre tive muito orgulho de ter feito minha guitarra com produtos brasileiros e passei a usar captadores Malagoli agora. Bicho, não troco mais. Estou fazendo até uma guitarra com captador Humbucker pela primeira vez na minha vida”. “Já nos projetos de jazz, eu uso uma


pendo apenas de duas coisas, ado três meses fora Mutantes studar com o Ravi Shankar na l e não ter tocado no primeiro ida. Eu tinha uma devoção tão os Mutantes que me recusei a ão precisacva de uma carreira solo, ela tinha uma banda.


CAPA

Steps of Imagination com Airto Moreira e Flora Purim, excursionando pelos Estados Unidos. Ele conta com prazer imenso dos jams que contavam com músicos como Gil Evans e Jaco Pastorius, entre tantos com quem esteve. “Músicos desse nível dão o prato feito, você toca uma nota só e está tudo bem”. Para ele, não tem preço o olhar entre os músicos no palco, ler e perceber o que está acontecendo entre eles. “Música é linguagem. Às vezes, a nota está num ponto energético, não numa escala”. Quando conheceu Eddy Offord, realizou um sonho, seu verdadeiro ídolo

no Yes era o produtor. “Ele queria fazer trabalhos no Brasil. Eu apresentei as pessoas do mercado. Obviamente, ele desistiu”, mas isso não impediu que Eddy trabalhasse com ele em uma música ao vivo - “foi o melhor som que tive na minha vida, bicho” - e que gravassem um álbum, que nunca foi lançado, devido ao sotaque de Sérgio ao cantar em inglês na época. Em um determinado momento, Eumir Deodato pediu que ele coproduzisse um álbum. Foi ali que caiu uma ficha, ele também poderia ser produtor, afinal, se alguém como Eumir Deodato estava pedindo isso para ele, era um caminho.

E, nestes caminhos, ele não deixava de ser Mutante. Conseguiu que o álbum O A e o Z fosse, finalmente, lançado. Inclusive, escreveu três canções para os outros Mutantes: Surrender e In to Limbo para Arnaldo, nos momentos em que este estava em coma, e Everywhere I go para Rita, que conta ser uma conversa entre eles sobre a possibilidade de ser feliz. Assim se passaram os anos, com Sérgio estabelecendo uma obra diversa que não caberia em classificação de gêneros. Seu irmão levando uma vida mais reclusa. Rita em uma bem sucedida carreira solo. Liminha havia


Música é linguagem. Às vezes uma nota está num ponto energético, não em uma escala. se tornado um dos produtores mais importantes do país e Dinho deixado de se apresentar profissionalmente. Até que, por um mal entendido, surgiu um rumor de que Os Mutantes se apresentariam em Londres, onde acontecia uma homenagem à Tropicália. Entre telefonemas de jornalistas e produtores Dinho confessa a Sérgio: “se você topar, eu topo”, e Sérgio vai em frente. O primeiro ensaio contou com Liminha que, relata Sérgio, perguntava como ele lembrava todos os arranjos e vozes: “Porra, eu arranjei isso!”. O guitarrista montou um set de 21 canções para um show completo assim que viu que Arnaldo e Dinho dariam conta do recado. Para sua surpresa, Liminha preferiu não seguir em frente. Foi então que Sérgio chamou Zélia Duncan e montou a banda que o acompanha até hoje. Do sucesso em Londres, fez-se a apresentação no aniversário em São Paulo. Sérgio, que nunca deixara de ser um Mutante, estava com sua banda no topo do mundo outra vez.

ZZYZX

Após a turnê de reunião, Arnaldo e Zélia decidiram não continuar. Dinho seguiu mais um tempo com Sérgio, e este mantém a banda ativa fazendo shows e gravando. Os Mutantes lançaram, em fevereiro, seu décimo

primeiro álbum de estúdio, o terceiro após a reunião. Intitulado de ZZYZX, não há como não remeter ao álbum O A e o Z (gravado em 1973 e lançado apenas em 1992) e faz pensar se não é justamente a ironia do próprio Sérgio, dizendo que esta é uma banda muito mais próxima do Z. Essa é uma pergunta que não fiz na entrevista, ironias como essa não devem ser explicadas, e se negadas perdem sua mitologia. É, de fato, uma interpretação possível do título que, uma vez no mundo, não pertence mais inteiramente a seu criador. O álbum inicia com a deliciosa Beyond, que remete ao som de Travelling Wilburys, que foi uma reunião de alguns dos maiores compositores, instrumentistas e compositores de uma era. Mutantes nunca escapa de ser comparado com os melhores e abrir um álbum com uma canção que lembra a reunião de Bob Dylan, George Harrison, Jeff Lynne, Roy Orbinson e Tom Petty é uma comparação para poucos. Devemos atentar que Travelling Wilburys era uma reunião de músicos que não precisavam mais provar nada a ninguém e, portanto, gravaram um álbum descompromissado, com tudo o que não fosse fazer música. A sensação é que os Mutantes chegam a ZZYZX com essa mesma liberdade, de poder se relacionar livremente com a música, como puderam um dia fazer no fulgor de sua juventude. Porém, se na juventude, inesperadamente, os Mutantes revolucionaram a música representando a Tropicália melhor que ninguém, fazer um bom álbum mais de cinco décadas depois significa não ter essa pretensão, o que, aliás, provavelmente não tiveram em seus melhores momentos. Assim, Sérgio, que um dia foi o fã de George Harrison que copiava até seus erros e sabe de cor, até hoje, onde isso acontece, pode compor olhando para todo

seu repertório musical para gravar músicas originais que não caem na armadilha de ser um reflexo pálido dos dias de glória. Nesse ponto, ele se dá a liberdade de incluir entre as canções a jazzy Gay Matters, com algo entre o beebop e o cooljazz, num rompimento surpreendente na sequência do álbum para seguir com um tema que poderia ser tirado de um álbum dos Beatles tranquilamente chamado We Love You. Está tudo lá, cada detalhe do arranjo remete à perfeição aos seus ídolos, porém, mais uma vez sem parecer uma imitação. Window Mirrors também poderia ser uma música de Paul, e a bateria soa como Ringo, mas é Sérgio Dias liderando os Mutantes. O mais incrível é que, neste ponto, ele compõe canções mais interessantes que o próprio Paul em seus discos solos mais recentes. Assim, enquanto muitos artistas parecem ter saturado e perdido o contato com a vida real e as ruas, Sérgio faz o que boa parte da sua geração não consegue: música interessante. Cantando em inglês e português, sabendo que seu público está lá fora, e recebendo mais elogios da imprensa internacional. Nós sabemos que não haverá um novo Sgt. Pepper, Exile in Main Street que jamais o Mutantes será revolucionário como foi o trio Arnaldo, Sérgio e Rita, que não haverá uma nova Tropicália, mas este álbum é a prova de que um artista ainda pode ser inventivo e estar em contato com seu tempo, mesmo após uma longa carreira.


COLUNA

Por Erico Malagoli

S E R O H L E AS M S A R R A T I U G IZAR

Imagens: ShutterStock

M O T S U C PARA


Q

uando se quer customizar uma guitarra, há uma série de variáveis a se considerar: custo-benefício, facilidade de customização etc. A ideia é que o instrumento utilizado seja de um valor acessível, mas, ao mesmo tempo, confortável para se tocar e dotado de acessórios de qualidade razoável. A customização que mais vale a pena ser feita, na maioria dos casos, é a troca dos captadores. Um kit de captadores novos pode dar uma nova cara a guitarra e melhorar muito a sua qualidade sonora, além de diminuir o ruído, além de ser uma modificação bastante acessível. É importante também manter a guitarra sempre bem regulada e, posteriormente, caso o músico queira ou seja necessário, revisar a parte elétrica em busca de quaisquer melhoras que possam ser feitas, como troca de cabos, soldas e potenciômetros. O público votou em uma enquete na página da Malagoli, no Facebook, e escolheu três marcas de guitarra para serem customizadas. Usaremos como modelo para customização a Stratocaster, por ser a guitarra mais vendida e procurada no mercado. Tomamos como referência de objetivo a Fender Stratocaster American Standard, que vem com captadores Fat 50 e corpo em madeira alder de fábrica. Em terceiro lugar na enquete veio a marca Condor. Com valor médio de R$ 300, é a guitarra mais barata da lista e é difícil encontrar um instrumento por menos que isso. Com corpo em basswood, a recomendação da Malagoli com base no melhor custo-benefício é o Custom 50: o captador é feito em carretel ABS, o que reduz os preços sem deixar de lado a qualidade. Em segundo lugar, temos a marca LTD. A guitarra se encontra na faixa dos R$ 2.400, a mais cara da lista. O instrumento tem escala em jatobá e maple e corpo em basswood. Por esse valor, já se justifica gastar um pouco mais nos captadores e colocar captadores Custom 54. O Custom 54 é feito sob as mesmas especificações dos Custom Shop da Fender, portanto se aproxima bastante da referência. Em primeiro lugar, ficou a marca SX. O modelo Strato Vintage American tem, assim como a Fender American Standard, corpo em alder. Na faixa dos R$ 800, possui um ótimo custo benefício, por ser barata e apresentar uma madeira de qualidade de primeira linha. Assim como o segundo lugar, recomendamos também o Custom 54. Com essa configuração, por menos de R$ 2.000 o instrumento é o que chegará mais perto de um da marca americana.


QUEM TEM VOZ

A VOLTA DE

VLADIMIR SAFATLE E FABIANA LIAN

Fotosdivulgação

E

ntre 1994 e 1998, Vladimir Safatle e Fabiana Lian compuseram músicas para piano e voz. As “Músicas de Superfície” foram apresentadas em alguns espaços do circuito de São Paulo e o CD, gravado e lançado 25 anos depois em shows lotados em São Paulo, como em uma conversa interrompida há anos. A volta a ela segue íntima, densa e potente. Explorando a estrutura do piano acompanhado para voz, embora sempre em registro tonal, os modos de acompanhamento e arranjo subvertem formato clássico da canção: o piano funciona como uma voz e as letras, híbridas, são interpretadas pela fonética e não pelo sentido das palavras. Nem mesmo a tradicional hierarquia Piano e Voz é respeitada na mixagem. Voz e piano foram gravados, com piano acústico vertical, ou de parede, em um mesmo canal, não permitindo qualquer edição nas canções originais para o lançamento. Isto traz um sabor especial aos shows, onde a dupla experimenta novos formatos para as peças e insere novas canções. Música sempre esteve presente nas carreiras do filósofo Vladimir Safatle e a empreendedora musical Fabiana Lian. As referências diversas e em comum de ambos são visíveis quando desafiam as fronteiras entre o clássico e o contemporâneo, e interpretam canções soturnas de rock, eletrônico e música brasileira. O show vai além do álbum, em um convite para o deslocamento do ouvir, ver e sentir música. No Setlist, as músicas autorais misturam-se a Carlos Gardel, Monteverdi, Portishead, Joy Division. “Este é um disco arriscado para cantora. Ele não te dá harmonias fáceis, mas ao mesmo tempo dá muita liberdade, por não ter fronteiras entre música popular, clássica e contemporânea”, diz Fabiana Lian.


DO TEATRO AO CARNAVAL

Saiba mais em: pedaiseefeitos.com/eventos

O cantor e compositor paulistano Zé Ed atualmente se divide entre seu elogiado trabalho solo, como a voz do Tarado Ni Você e atuando na peça Roda Viva de Zé Celso Martinez Corrêa, onde interpreta o Capeta. Em seu show, Zé se equilibra entre músicas dançantes, que trazem à tona sua veia carnavalesca e baladas, elementos tradicionais da música brasileira se misturam à referências pop. Com uma banda experiente e conhecida da cena musical paulistana, Zé convida à reflexão nas relações e a celebração da vida na cidade grande, tudo muito a ver com sua própria história. Atualmente Zé interpreta o Capeta na peça Roda Viva, escrita por Chico Buarque e dirigida por Zé Celso Martinez Corrêa do Uzyna Uzuna.

55 ANOS DO POETA DO RAP BRASIL E COLÔMBIA PELA PAZ Violência Basta é uma canção colaborativa, que une o talento de artistas brasileiras e colombianas. Como um ideal único, elas cantam para fortalecer o combate à violência em todo o mundo. Melodias e harmonias feitas com instrumentos reciclados a cargo de Andrea Latas, percussões maciças com as meninas da La Perla Bogotá, o rap consciente e positivo da power La Ruka, uma letra que faz uma ode à paz por Amarilis. Juntas, elas fazem um coro que entoa esperança por um mundo melhor.

Prestes a completar 55 anos de idade e mais de 30 anos de carreira, o “Poeta do Rap Nacional” está na estrada, nos palcos, nos fones e na memória afetiva das periferias do Brasil, difundindo poesia, música e reflexões. Lança agora “Anfitriã”, que tem letra e performance de GOG, produção musical de LP, videoclipe da produtora Cria de Rua, direção de Mano K e produção geral de Claudinho Silva. “Anfitriã é quem recebe as pessoas em sua casa, quem convida. Isso resume, literalmente, o que o continente africano significa. Daí, o que inspira, é que vem a poesia e ressignifica, trazendo o que o dicionário e os olhos não conseguem ver nem descrever”, sintetiza o poeta. A música “Anfitriã” será lançada oficialmente em todas as plataformas em 6 de março, mês do aniversário do músico.

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OPINIÃO

Por Fernando de Freitas

Por Ana Sniesko

R E N T U A M JORGE

O D A T I S I V E R

Do “faça você mesmo” à estratégia bem traçada, a banda mostra que sabe o que está fazendo dentro e fora dos palcos


Fotos: Divulgação

C

om a estreia de Jorge Mautner: Kaos em Ação na HBO e HBOGO, dirigido por Mini Kerti, temos não apenas a celebração de um artista essencial para a cultura brasileira e de um dos mais influentes compositores do tropicalismo, mas também um manual sócio-político preciso do espelho de quem somos. Precisamos encarar um fato: Jorge Mautner estava 60 ou 70 anos à nossa frente. E mesmo agora, em idade avançada, nós que estamos imersos na arte, e muitas vezes na arte de vanguarda, ainda não o alcançamos. No primeiro capítulo da série documental, Jorge Mautner é apresentado como o ídolo de nossos ídolos - gente como Caetano e Gil (entre tantos outros não menos importantes) - e é chamado de mito. Os entrevistados, sem exceção, ressaltam o caráter messiânico de Jorge. Essas palavras foram proferidas pelos entrevistados muito antes dos desdobramentos políticos federais que culminaram nas eleições presidenciais. A questão é que Mautner é um profeta do amor e da simpatia, ideólogo anarquista e militante do partido comunista. Ele rejeitou, desde o primeiro momento, o stalinismo em prol de um caminho que buscava o que as pessoas tinham de essencialmente bom, numa cruzada pacifista e artística. Não apena ídolo dos ídolos, ele é gênio entre os gênios. Não em vã palavra, mas por indicação de Mario Schemberg, físico e cientista de primeira grandeza, que encontrou na crítica de arte um caminho poético abstrato possível na aridez da beleza da angústia das questões humanas a que se limitava em seus estudos naturais. Temos que encarar que uma personalidade como Mautner, catalizadora como só ele mesmo pode ser, merecia um status em nosso imaginário cultural muito maior do que lhe concedemos e que Mini Kerti e a HBO, finalmente,

proporcionam enquanto segundo passo de um resgate de nossa própria memória. Devemos ser justos, anos atrás Pedro Bial também apresentou sua versão documental-biográfica em Jorge Mautner – Filho do Holocausto. Mas terá sido o suficiente? Mautner é uma espécie de Allen Ginzberg brasileiro (curiosidade: moraram no mesmo Hotel Chelsea, por algum tempo, em Nova York), mas seus livros estão, em sua maioria, esgotados e desaparecidos dos sebos. Se Tom Zé teve David Byrne para dizer ao mundo (e para nós mesmos) que nós precisávamos ouvi-lo, onde estão os editores de música e livros para nos devolver Jorge Mautner? As cenas do filme experimental O Demiurgo, dirigido por Mautner e estrelado por Caetano e Gil e toda a trupe exilada em Londres, também mostram um magricelo e barbudo Jards Macalé que, em um tempo presente, dividem a execução de Vapor Barato no violão de um e no violino de outro. Vapor Barato é o Maracatu Atômico de Macalé, aquela música que as novas gerações conheceram na voz de uma banda de rock dos Anos 90. Não fosse O Rappa e Chico Science, talvez eu mesmo teria demorado um pouco mais a chegar

nesses músicos. Fosse, por outro lado, O Demiurgo um filme francês, estaria de igual para igual com Simpathy for the Devil de Jean-Luc Goddard. E, chegando ao clássico Maracatu Atômico, temos que encarar uma outra dura realidade: seu parceiro nessa canção, Nelson Jacobina, está praticamente esquecido no imaginário musical brasileiro, mesmo tendo sido um dos mais importantes guitarristas brasileiros por décadas. Faz parte dessas injustiças que nossa cultura impõe aos outsiders, pois Jacobina junto com Mautner era mangue beat antes do mangue beat, nesse costume de Mautner de ser tudo antes daquilo aparecer. Por fim, chegamos ao que é mais importante, Mautner continua à nossa frente e, por isso, ao falar do passado, fala de nosso presente e, ao falar do presente, nos vislumbra o futuro. Mautner continua incomodado com o autoritarismo, com o ódio, com o fascismo. Aquela paz, os ideais que ele cantou na música Não, Não, Não continuam a serem perseguidos pela vanguarda e pelos jovens mais sensíveis e progressistas, assim como Mautner. Mini Kerti está nos apresentando tudo isso. Está disponível no streaming. Cabe a você escutar e refletir.


CRIANÇA

Por Fernando de Freitas

A R I E V I JAIR OESLPEQUENINOS

E OS GRAND


É

Fotos: Divulgação

normal os pais inventarem músicas para seus filhos. Mas quando um compositor como Jair Oliveira se torna pai, surgem canções universais. Assim é o projeto Grandes Pequeninos, que chega ao seu terceiro álbum. Jair Oliveira faz parte de nossas vidas desde que era Jairzinho. Sua carreira, que iniciou dentro do grupo infantil Balão Mágico, voltou a este universo quando se tornou pai. Jair é uma releitura de si, alguém cujo crescimento como artista acompanhamos e que se desprendeu da fama precoce e da sombra de um pai famoso para ser afinado com seu tempo e pares. Quando lançou Disritmia, parecia que Jair havia se descolado de seu passado. Era um álbum de um refinamento tamanho que, apesar de não ser um álbum difícil, era dirigido a ouvidos apurados. Ao longo dos anos, se mostrou não apenas um músico e compositor de talento, mas um produtor de primeiro escalão. Ele faz parte de um grupo de filhos talentosos de artistas míticos que caminham sobre suas próprias pernas, exibindo seus próprios méritos e, inclusive, emprestando seu próprio talento para homenagear e assegurar o legado de seus pais. Jair, Maria Rita, João Marcelo Bôscoli, Max de Castro e Wilson Simoninha, apenas para citar alguns. Mas, no que parecia uma ruptura, ou mesmo um luxo de um músico, lançar um “álbum de produtor” com canções sobre a paternidade, se encontra a chave de um enigma quando ouvimos o álbum Selfie em sequência dos álbuns do projeto Grandes Pequeninos. Jair é um artista preocupado com as questões quotidianas, com olhar no espelho, não por vaidade, mas pela exploração da existência. O próprio álbum Selfie, que remete ao autorretrato, poderia sugerir certa soberba no título, mas as canções mostram que a escolha pela palavra da

moda deixa a demodê e museológica expressão self portrait mais exata. Quando transita nos Grandes Pequeninos, junto de toda sua família, o retrato é um álbum repleto de retratos do crescimento e desta experiência que continuamos a acompanhar depois de mais de 30 anos. Agora, Jair canta as próprias questões diante da infância e dos temas que ele percebe em suas filhas. No nascimento da primeira filha ele cantou junto com os amigos essas conversas e desabafos que compartilhamos para não nos sentirmos sós. Fraldas, cadeirinhas, banho e soninho. No segundo álbum, as crianças puderam cantar as composições do pai, e Jair vestiu a roupa de palhaço novamente para ser, para nós adultos, a figura lúdica que nos guiou a guiar nossos filhos (obrigado, cara, eu precisava disso!). Neste terceiro álbum, é nítido que o envolvimento das crianças nos temas vai muito além da participação na gravação ou na observação paterna e materna. Jair não apenas é um compositor sensível, mas ele deixa entrar questões advindas do crescimento, mudando e, levemente, amadurecendo a música. Também é interessante que Jair dá a Grandes Pequeninos a missão de construir o mundo que ele quer para as filhas. Não é um mundo de faz-de-conta, idílico e irreal, mas uma proposta, é o ato de cantar “o legal é ser diferente”.

Nesse mundo real que vislumbra o que pode ser, as filhas podem chegar e vê-lo ensaiando em casa com alguém, ou vê-lo criando uma nova canção a partir de uma frase qualquer do dia-a-dia. Da mesma forma que ele um dia viu o grande Jair Rodrigues ser um pai como qualquer outro e ser o magnífico artista ao mesmo tempo. “Quando nasci, meu pai já era famoso. Mas, para mim, ele era um cara que, quando eu acordava, estava lá para tomar café da manhã comigo e que, às vezes, estava viajando”, lembra Jair de seu pai, um cara que cara único (conta a lenda que ele, certa vez, ao sair de um show no SESC Interlagos, se juntou a um churrasquinho que acontecia por ali). A única preocupação que Jair parece ter, musicalmente, é manter as harmonias mais simples que seu trabalho solo. Para alguém que sempre tocou e compôs sem esforço aparente, Grandes Pequeninos é o descompromisso no melhor sentido da palavra, é o conforto da sala de casa. É o desenho a mão livre em um caderno de rascunhos, que vem ao mundo quase acidentalmente. E o Balão Mágico? “Cara, às vezes minhas filhas acham essas coisas no Youtube”, fala ele saborosamente. Será que os netos dele um dia encontrarão os Grandes Pequeninos na arqueologia infantil, quando Isa e Laura crescerem?


UM POUCO DE MÁGICA

TROMPETE DE BALAS E ESPERANÇA ACORDEOM EM FESTA A cidade de Viena, na Áustria, reúne mais de 200 acordeonistas no 21º Festival Internacional do Acordeom, que se encerra no final de março. Seja concertina, caixa de squeeze, acordeão ou órgão de mão, o acordeão é realmente versátil: combina melodia e ritmos como nenhum outro instrumento e, portanto, também pode se dar muito bem sem o acompanhamento de outros instrumentos musicais. Será um mês de programação com o instrumento na capital austríaca. Aos domingos, durante o festival, existem matinês de filmes mudos e oficinas de acordeom em colaboração com o Österreichisches Volksliedwerk, a associação austríaca de música folclórica Vai la! https://www.wien. info/en/music-stageshows/pop-rock-jazz/ akkordeon

Fotos: Divulgação

P

ara os filhos de Lara Bolton, ele era o Sr. Phil, o ajudante no refeitório da escola em St. Paul. Desde que Philando Castile foi morto a tiros por um policial durante uma parada de trânsito em Falcon Heights, em 2016, Bolton queria fazer algo para promover conversas sobre violência armada. Professora de canto da Universidade de Minnesota, ela ouviu uma história de rádio pública no ano passado sobre o Instrumento da Esperança – um trompete, feita de cartuchos de bala, criado após um tiroteio em 2018 em uma escola secundária da Flórida que deixou 17 estudantes mortos.Isso lhe deu uma ideia. Ela usaria esse instrumento para continuar o diálogo sobre a violência armada. “É um assunto urgente”. A música pode e deve mudar destinos e os instrumentos musicais são armas mais eficientes que armas de forgo. Pelo menos essa é opinião de Revista 440Hz.


SEXTA BÁSICA NA VILA MADALENA

DESORDEM E PROGRESSO

A Sexta Básica, plataforma de eventos musicais, se une à cantora, compositora e produtora musical Patricia Secchis e ao Bloco Madalena, que, em 2019, levou mais de 70 mil pessoas à Avenida Faria Lima no Carnaval. A segunda edição da parceria será realizada na Avenida Paulo VI com dispersão na Sumaré, no domingo de Carnaval, dia 23, a partir das 14h. O pesquisador cultural e DJ Thiago Costa, aka Thiagão, responsável por trazer a Sexta Básica para São Paulo comandará a concentração. O bloco promete tomar a avenida com um repertório variado que vai do samba ao pop, garantindo uma mistura incrível de ritmos..

A primeira parte da compilação Desorden y Progreso organizada pela plataforma mexicana Onda Mundial já está disponível para audição. O lançamento mundial conta com quatro músicas de artistas nacionais, que misturam eletrônico com elementos da música brasileira. São eles: Raiany Sinara, com Noites são para; DJ Malka, com Meus Remédios; EXZ, com a faixa Campo Elástico e a dupla Yule & JGB, com Santa Crew. A primeira parte da compilação, dividida em quatro e que será lançada até abril de 2020, ainda trará nomes como Brisa Flow (MG), JLZ (DF), Teto Preto (SP), Telefunksoul (BA), DJ Patricktor4 (BA) e DJ Tudo (SP), entre outros. Desorden y Progreso tem seleção do produtor Béco Dranoff e de Lucia Anaya, diretora de A&R da Onda Mundial.

Clique para baixar! https:// backl.ink/113937347

TEM METAL NO BLOCO Os 12 integrantes formam a fanfarra Metais Pesados, criada em meados de 2015, no Rio de Janeiro. Ao som de grupos como Black Sabbath, AC/DC, Motörhead, Queen e Steppenwolf, o grupo leva o som do heavy metal para o carnaval, mostrando como a festa de rua é democrática. As músicas são adaptadas para uma banda de percussão e metais, na qual cada instrumento tem uma afinação específica para fazer a mágica acontecer. “A gente aproveita as plataformas de streaming para ver essas referências e criar a nossa própria versão”, explica Enzo Tessarolo, saxofonista e arranjador.


MÚSICA DO MUNDO Por Matheus Medeiros

GAITA DE FOLE

COMPREENDENDO O INSTRUMENTO QUE ATRAV


S

empre que penso na gaita de fole, me vem a lembrança um episódio de Friends em que o Ross tenta tocar o instrumento enquanto Phoebe guincha ao seu lado para acompanhar a suposta canção. Retratado na cultura pop por seu caráter irritante, o instrumento tem origem milenar e é considerado, até hoje (!), uma arma de guerra. “As relações entre o poderio militar e a gaita de fole geram diversas teorias. Desde sua disseminação na Europa pelo Império Romano até seu uso como instrumento de intimidação pelos escoceses nas batalhas campais contra os ingleses nos séculos XVII e XVIII”, explica o maestro e suboficial fuzileiro naval da Marinha do Brasil, José Paulo Pereira Filho, fundador do projeto Brazilian Piper. Segundo o maestro, a gaita de fole é o único instrumento musical a ser classificado como uma arma de guerra. “O exército escocês (Highland Dancers) precisava manter as tropas sob alerta, portanto eles usavam a gaita de fole não apenas para ameaçar seus adversários, mas também para manter seu próprio exército em prontidão”, complementa.

Devido à complexidade técnica da gaita de fole, sua má execução costuma associá-la a um instrumento de beleza estranha ou exótica. Por exemplo, sua escala é composta por apenas nove tons musicais e é necessário que o gaiteiro desenvolva uma sincronia para que todos os sons sejam emitidos corretamente. Na gaita de fole escocesa (great Highland bagpipes), a execução das notas é feita através do soprete, peça responsável por distribuir o ar em duas direções: na parte inferior, a melodia é executada pela ponteira e seus 11 buracos, dos quais oito são encarregados da melodia e três da afinação; na parte superior, a harmonia é feita pela junção de sons de ombreira, média e copa (bordões ou drone), sempre a duas oitavas abaixo da melodia, controladas pelo movimento suave do gaiteiro sobre o fole. Atualmente, segundo o músico João Paulo, existem 186 tipos de gaita de fole espalhados pelo mundo. As diferenças mais relevantes quanto a suas sonoridades dizem respeito aos tipos de ponteiro (cônico ou cilíndrico) e palhetas (simples ou duplas). Além da Escócia, países como Irlanda, Inglaterra, Portugal, Alemanha, Espanha, França, Turquia e Polônia possuem seus próprios tipos e tradições diferentes de gaitas.

ORIGEM E DIFUSÃO

Apesar da tradição escocesa, de acordo com João Paulo, os registros mais

VESSA OS SÉCULOS E AS CULTURAS

consistentes sobre a origem da gaita de fole vêm das escavações na cidade de Ur, localizada atualmente no Irã. “As primeiras gaitas de fole eram formadas por uma flauta anasalada com uma palheta (bombarda) e um chifre de animal, que eram atrelados a um couro de animal (fole) oriundo de culturas pastoreias. A Escócia pode ter sido um dos últimos países europeus a receber o instrumento”, conta João. Modelos de gaita de fole mais complexos foram desenvolvidos a partir da Renascença e aprimorados durante o período Barroco. Isso porque os foles mecânicos e diversas peças de regulagem permitiram que o instrumento (museta) alcançasse mais oitavas da escala cromática. Segundo o maestro, entretanto, com a chegada de novos instrumentos (principalmente os de câmara), como o cravo e o alaúde, a gaita de fole foi perdendo popularidade. “Os saraus, que eram realizados anteriormente ao ar livre, foram trazidos para dentro de teatros e catedrais. A potência sonora do instrumento, muito útil em espaços abertos, foi sendo deixada de lado por instrumentos mais suaves”, explica o maestro. Registros históricos apontam que a gaita de fole ibérica foi um dos pri-


MÚSICA DO MUNDO


meiros instrumentos europeus a soarem na América do Sul. Isso devido a uma carta escrita por Pero Vaz de Caminha a Pedro Álvares Cabral durante o período das navegações portuguesas ao Brasil. O instrumento só voltaria ao país séculos depois, mas, novamente através de ligações militares. Ainda segundo o maestro, foi em 1954 que a gaita de fole retornou ao Brasil com a compra de um navio cruzador inglês pela marinha brasileira. “Esse navio tinha duas gaitas de fole que foram doadas para a banda dos fuzileiros navais. Só em 1956 a gaita de fole foi introduzida na banda dos fuzileiros, que, logo em seguida, determinou a compra de mais seis gaitas para que se formasse um naipe de 8 gaitas de fole”.

GAITA DE FOLE E INCLUSÃO

A Banda de Gaitas Brazilian Piper, fundada pelo maestro João Paulo, é uma Instituição Social sem fins lucrativos que atua desde 1999 no município de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, sendo a pioneira no segmento e com maior número de integrantes gaitistas. O projeto tem o objetivo de contribuir para a diminuição do tempo ocioso das crianças e jovens por meio da música, utilizando a cultura escocesa e as gaitas de fole como instrumento de inclusão social. “Decidi criar o projeto assim que fosse para a reserva da marinha. Eu ficava maravilhado com a alegria das crianças ao verem a banda de fuzileiros navais passar ao som de tambores e gaitas de foles”, completa. A Brazilian Pipers vem sendo considerada uma iniciativa inédita, não só no

Estado do Rio de Janeiro, mas em âmbito internacional, tendo se apresentado em cidades brasileiras e, recentemente, no Chile. A Banda conta com um vasto repertório de músicas celtas e, enfatizando a diversidade cultural, inclui músicas e ritmos brasileiros como samba e MPB, tocados por suas típicas gaitas escocesas. É improvável que a gaita de fole se torne um instrumento popular na Brasil, mas ele tem seu lugar em nossa cultura longe do apenas do pitoresco. Das muitas tradições que fazem parte de nossas culturas migratórias, é possível sempre resgatar o intrumento de alguma forma, sem que se associe somente à uma das poucas que não nos pertence, a anglo-saxã, em particular a escocesa.


Foto: Divulgação

DENTRO E FORA DO ESTÚDIO

SPCINE LANÇA PROVEITO

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CCSP foi palco para o lançamento do clipe de Proveito, do rapper gaúcho Zudizilla, com participação da cantora baiana Luedji Luna. A produção é resultado do concurso m-v-f- future talent by spcine, que nesta edição contou com a parceria da Delicatessen Filmes. O intuito desta iniciativa do m-v-f- é encontrar e capacitar novos talentos do audiovisual, dando-lhes a oportunidade de dirigir um clipe profissional. O clipe de Proveito ficará disponível gratuitamente na estante do Music Video Festival (MVF), da Spcine Play, que reúne videoclipes de diversos artistas nacionais e internacionais. Vai lá! www.spcineplay.com.br

Conhecida pelos seus microfones, a Shure participa da NAMM Show, evento anual da National Association of Music Merchants (Associação Nacional dos Comerciantes de Música), que acontece na Califórnia (EUA). A companhia vai apresentar sua linha de fones de ouvido premium Aonic 50 - para os profissionais da indústria fonográfica. O Aonic 215 conta com o mesmo design dos fones que músicos utilizam para monitoramento in-ear durante apresentações ao vivo. Vale ficar de olho! Seu garoto Propaganda é Adan Livine.

Fotoo: Divulgação

FONES PREMIUM SÃO DESTAQUES DA SHURE


Foto: Vlad Tchompalov / Unsplash

2019 já adiantou algumas transformações grandes no campo da música, desde o consumo até a produção, e elas só tendem a aumentar no ano que começa. A CDBaby, distribuidora on-line de música independente, destacou algumas mudanças. As músicas estão ficando cada vez menores. Em 2019, a duração média das faixas do Top 40 foi de três minutos e sete segundos. São 30 segundos a menos que no ano anterior. Isso é um reflexo direto do streaming e da descoberta de músicas por playlists. Consequentemente, músicas pop tradicionais tiveram sua estrutura renovada, para diminuir as chances de o ouvinte pular logo nos primeiros segundos, já que tem mais 52 artistas na mesma playlist para ouvir..

Foto: LinkedIn / Reprodução

CADA VEZ MENORES

ELA PROTEGE SUA MÚSICA Jessica Sobhraj, cofundadora e CEO da Cosynd, tem a missão de ser a guardiã dos trabalhos criativos. A empresa projetou uma plataforma que automatiza contratos e registros de direitos autorais para criadores e empresas independentes, trabalhando em conjunto com o U.S. Copyright Office. A Cosynd simplificou o processo de documentação de dados cruciais de propriedade e registro de direitos autorais de todos os tipos de conteúdo - músicas, vídeos, imagens e literatura. “Comecei a ver o que os artistas estavam usando e vi que poderia melhorar esse processo”, comenta em entrevista para a Forbes.

Foto: Josh Appel / Unsplash

DINHEIRO DE VOLTA Deezer, Spotify Xbox e Looke passam a fazer parte da Cashback World, uma comunidade que permite aos seus consumidores receberem cashback e outros benefícios a cada compra realizada. Segundo o App Annie, companhia de análise do mercado mobile, o Brasil está entre os países com maior tempo gasto em plataformas de streaming, como o Looke e Deezer. E agora os assinantes dessas plataformas poderão receber cashback (dinheiro de volta) ao comprarem eVouchers (vales-compras digitais) da Cashback World para utilizar com os serviços dessas empresas. Saiba como se cadastrar em www.cashbackworld. com/br/registration/public


LANÇAMENTO

Por Ian Sniesko

S U M E D O K NI . Ou, porque k a n r a K o d ck A Opera-Ro s prestar atenção em er o d ainda devem ra, mesmo sem enten m André Abuja fazendo tá o que ele es

A banda, depois de lançar três álbuns, em meados dos anos 1990, passou por uma longa pausa, que se estendeu de 2003 a 2018, quando Abujamra finalmente estreou a ópera-rock Nikodemus, também em comemoração aos 26 anos do projeto. Nikodemus nasceu do apreço do compositor pelo famoso álbum Tommy (também uma ópera rock), da banda britânica The Who. A narrativa do álbum gira em torno de um rei que possui o poder de inventar tudo o que deseja, e o seu conflito com um vilão que tenta se apossar de suas criações. Todos os dez personagens da história são representados pelos integrantes da banda. Dentre estes

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há de tudo: um macaco, um cavaleiro e até mesmo um astronauta. André criou toda a história juntamente com Ana Clara, de apenas 9 anos, que cresceu ouvindo Karnak e é fã fervorosa da banda. Não fica muito claro onde se passa a narrativa: talvez em algum ponto quase inimaginável do nosso vasto universo e nos planetas e corpos celestes que o habitam. E se engana quem acha que a escolha foi feita com o intuito de distanciar os personagens da vivência cotidiana: suas personalidades e experiências pessoais são recheadas de referências e similaridades com o nosso mundo.

QUEM DÁ VIDA À ÓPERA

O personagem principal, e que dá nome ao enredo, é o rei Nikodemus. Seu poder é criar os mais diversos objetos que ainda não foram inventados. É interpretado pelo próprio André Abujamra. O destaque vai para o teor de suas invenções, que vão desde um aparato para fazer cócegas nos pés dos bebês até um dispositivo que evita soluços e engasgos em idosos durante o sono: bugigangas que nos parecem inúteis e, ao mesmo tempo, muito familiares. O vilão do enredo, Bomb-Bad-Ratus, tem como principal objetivo se apos-

Imagens: Reprodução

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Karnak, projeto de André Abujamra, já ultrapassou sua maioridade de experimentações na indústria musical. Em 1992, o artista fez uma viagem ao redor do planeta munido de um gravador de som portátil e coletou dezenas de inspirações dos mais variados estilos tradicionais de música mundo afora. De volta ao Brasil, o compositor misturou o material coletado com influências de pop, rock e música eletrônica. E assim nasceu o Karnak.


sar das invenções do rei Nikodemus. O personagem é uma representação de uma figura bastante conhecida por nós, especialmente nos dias de hoje: o fascista opressor. Coincidência ou não, Bomb-Bad-Ratus é dotado de um grande poder de persuasão. Como coadjuvantes, temos o Macaco Azul da Galicéia: um animal oriundo de um planeta frio que consegue trocar de coração com as pessoas; Bowie Balde Bilder, um cavaleiro errante; Cabelus, o braço direito do vilão Bomb-Bad-Ratus; Ticus e Pomps, os ladrões de feno, “bandidos mortais dos metais pesados” que andam presos um ao outro por uma corrente; Carneiros, um ermitão; Ikuki Stolarski, astronauta baterista; e Sergius III, o rei do planeta não-habitado Crush.

A MUSICALIDADE DA TRAMA

Contando com 5 faixas, além dos trechos narrados, o álbum é bastante diverso musicalmente, com elementos que vão de arranjos complexos de guitarras, metais e percussões, a sintetizadores e efeitos sonoros eletrônicos bem distribuídos ao longo das composições. Como primeiro destaque, a composição homônima ao disco Nikodemus. Uma das coisas que chamam a atenção nesta faixa é a frequente troca de acordes entre seus diferentes segmentos e as progressões harmônicas que, apesar de complexas, deixam uma sensação de “eu já ouvi isto antes” pairando em nossa mente, talvez reminiscente das trilhas-sonoras de programas infanto-juvenil. Os arranjos de guitarra e metais são complexos, e trocam a todo o instante de fraseado. Na faixa Bomb Bad Ratus vem à tona o lado eletrônico do disco. A percussão

que dá ritmo à música passou por um downsampling: processo que diminui o número de amostras (sample rate) do som e o deixa com essa cara de música de videogame antigo - por exemplo, o baixo também é sintetizado. Além dos elementos já citados, vale dar nota ao fraseado com tom percussivo da guitarra e seu solo na última parte da música, que nos lembra até mesmo uma jam session. Em O Mundo Está de Ponta Cabeça, o Karnak nos apresenta uma grande variedade de ritmos e sonoridades. Ao ouvir as primeiras guitarras distorcidas na introdução, não imaginamos que o ritmo que se segue é de reggae/dub enfatizado por um sintetizador de baixo dinâmico e que traz bastante impacto rítmico à composição. O baixo sintetizado reaparece em Macaco Azul da Galicéia, uma faixa que apresenta um ritmo bastante “funkeado”. Novamente, fraseados rítmicos de guitarra e um mérito que precisa ser dado à linha de bateria, que, neste caso, parece funcionar não apenas como uma base, mas, também, como um instrumento de linha de frente na música. A faixa O Duelo Fantástico é o ápice de tudo o que nos foi apresentado no disco. Longa, a música é dotada de muitas variações ao longo do arranjo e de instrumentações complexas. A primeira parte é energética e constrói progressivamente o teor da composição até o segundo ato: um mix atmosférico de cordas, sintetizadores e um coral que apoia a de voz principal. Nikodemus é a prova de que uma história inventiva e, à primeira vista, sem pé nem cabeça pode virar um álbum conceitual que nos causa mais indagações e fagulhas na mente do que muitas composições pseudo-intelectuais. Ver uma banda brasileira lançando uma ópera rock também é interessante: nós estamos acostumados a lembrar apenas das grandes obras estrangeiras do gênero, como Tommy, do The Who, e Bohemian Rhapsody, do Queen.

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RESENHAS HOTSPOT - PETSHOPBOYS

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s Pet Shop Boys são velhos conhecidos na cena do pop mundial. Famosos por seu hit West End Girls, influenciaram milhares de artistas que vieram depois e ajudaram a definir o som dos anos 80; Som este que apresentou novas técnicas e sonoridades que permeiam até hoje nas mais variadas produções. Hotspot já é o décimo quarto álbum da carreira da banda. E é interessante ver como mesmo depois de tantos anos eles conseguem manter a mesma identidade sonora e a mesma essência de sempre. As vezes você não tem certeza se está ouvindo uma música lançada em 2020 ou 1980. As faixas mesclam técnicas de produção modernas com instrumentos com uma sonoridade retrô como os famosos sintetizadores digitais oitentistas. Na faixa Dreamland, a banda faz até uma colaboração com o trio bem mais jovem Years & Years, o que traz certa modernidade para a música. Vale lembrar também das estruturas e melodias do álbum, que impressionam por sua qualidade. É aquele tipo de coisa que você tem certeza de ter ouvido antes e ao mesmo tempo soa novo: fruto, novamente, do fato de que o Pet Shop Boys veio de uma das eras de ouro da música pop.

LÁ PELAS TANTAS - CEZINHA

Cesinha é um baterista que já tocou em incontáveis discos e shows com os maiores artistas brasileiros. O artista, que até pouco tempo apenas havia trabalhado como músico de estúdio e de apoio, decidiu lançar o seu próprio álbum, Lá Pelas Tantas. O músico produziu o próprio trabalho junto com o violoncelista Federico Puppi. O processo de produção do álbum foi bastante importante para que os artistas conseguissem chegar na sonoridade desejada: Cesinha gravou todas suas partes de bateria em primeiro lugar, e chamou amigos para tocarem em seguida. Essa aproximação deu ao instrumento percussivo um lugar de destaque. O som do álbum é temperado com bastante percussão a brasileira por parte de Cesinha. O baterista usou das mais variáveis técnicas, como baquetas com cerdas e diferentes chocalhos, para dar essa cara mais tradicional ao disco. Para acompanhar a sua bateria, Cesinha chamou alguns amigos como Luiz Brasil, Mú Carvalho, Lucy Alves, Lucas dos Prazeres e Davi Moraes, por isso o trabalho também dá merecida atenção a instrumentos como baixo, viola, bandolim, violino e até um pouco de guitarra em algumas faixas.

SINGLES E EPS QUE CHAMARAM A ATENÇÃO

Light Years Out Lee Ranaldo e Raül Refree

48

Homem da Meia Noite Cordel do Fogo Encantado

Janeiro Ave Sangria


SEEKING THRILLS – GEORGIA

A multi-instrumentista Georgia ainda é nova na cena e indústria musical. Tendo lançado seu primeiro álbum em 2015, a artista retorna com Seeking Thrills, uma obra de puro synthpop com uma produção e instrumentação bastante trabalhadas. Georgia já foi comparada com Missy Elliot e MIA no seu álbum debutante. Apesar de ser uma comparação válida, no trabalho de 2020 a artista mudou um pouco as coisas e pegou mais leve na sonoridade: há menos distorções e as estruturas são mais estáveis e menos imprevisíveis. Na faixa de abertura do disco, About Work The Dancefloor, a cantora disserta sobre o quanto a pista de dança é importante na vida das pessoas; Acompanhada de várias camadas de sintetizadores e baterias eletrônicas. A música, por sua letra e instrumentação, já deixa claro o tema e a atmosfera do álbum. Talvez uma das coisas que mais agradem os ouvintes em Seeking Thrils é que, apesar das composições serem modernas, elas trazem sempre um ar de nostalgia com elas; Principalmente sons e temas que remetem aos anos 90 e 2000. Sem falar da capa do disco, que parece ser uma fotografia que veio direto dos anos 80.

RAIZ - FRAN

E

stá tudo alí. O tambor e os temas. Ele só esconde à primeira vista o sobrenome, Francisco Gil lança um álbum forte e cheio de referências em sua estreia. “Raiz” conta com 9 canções e explora ritmos de origem africana e ritmos brasileiros associados a elementos de produção que flertam com a música pop e o R&B americano. Trazendo frescor, novidade e singularidade ao som do cantor. O álbum conta com as participações de seu avó Gilberto Gil e de Caetano Veloso (em canções diferentes) e Russo Paparusso do Baianasystem. Não é “pra tocar no radio” parafraseando seu avô, mas monta um repertório para apresentações interessantes.

Happy Circa Waves

Superbood Wolfmoon Pearl Jam

Tem Márcio Lugó


UM POUCO DE MÁGICA

NO CORAÇÃO DO ILLINOIS

M

ergulhada em uma rica história da música, Chicago é o berço da house music e do jazz, que une os sons dos estilos Mississippi Delta e Dixieland para criar um toque único em um gênero bem conhecido. Por meio de clubes de música contemporânea, locais icônicos e festivais de renome, a cidade é um destino único para quem aprecia a arte. O ano de 2020 foi considerado o “Ano da Música de Chicago” pela prefeita Lori E. Lightfoot e pelo Departamento de Assuntos Culturais e Eventos Especiais para destacar a vibrante e histórica cena musical de Chicago. Ecoando pelas ruas dos bairros únicos da cidade, é possível ouvir sons de hip hop, indie rock, experimental, Latinx, clássico e muito mais. Saiba mais em @ ChooseChicagoBR

Segundo um estudo realizado pela plataforma Eventbrite, 78% dos organizadores brasileiros pretendem fazer mais eventos em 2020, devendo também aumentar suas equipes em 66% dos casos para atender a demanda. Na outra ponta, apenas 3% dos entrevistados afirmam que irão produzir um menor número de eventos. Mundialmente, o país lidera as expectativas na área, à frente do Reino Unido, que pretende aumentar em 58%, e Alemanha, com 56%.

Fotos: Divulgação

MOVENDO MULTIDÕES


FESTIVAIS DO OIAPOQUE AO CHUÍ

MÚSICA NACIONAL É DESTAQUE NO ECAD

Quem já viveu a experiência de buscar informações sobre festivais no Brasil sabe que esta não é uma tarefa fácil. Muitas vezes, o evento não tem um bom site oficial e as informações ficam dispersas nas redes sociais. Este foi o gancho para que surgisse o Mapa dos Festivais, um buscador de festivais de música no qual estão reunidas todas as informações relativas a eventos de norte a sul do país, desde o mais independente, passando por festivais de sertanejo, de música gospel, música eletrônica, chegando aos clássicos Lollapalooza e Rock in Rio. “Queremos que as pessoas viajem o Brasil e vivam novas experiências a partir dos festivais de música”, diz Juli Baldi, diretora criativa que está à frente do projeto ao lado de Rafael Achutti.

O mercado de direitos autorais da música segue em crescimento. Os resultados do Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) mostram que houve um aumento de 17% no número de beneficiados em comparação ao ano anterior. Em 2019, mais de 383 mil compositores, músicos, intérpretes, editoras, gravadoras e associações de música receberam R$ 986,5 milhões pela execução pública de suas músicas. Do valor total distribuído, 65% foram destinados ao repertório nacional, contribuindo para impulsionar a economia do país e movimentar a cadeia produtiva da música.

Confira em: www.mapadosfestivais.com.br

ALEXANDRE PIRES EM VIÑA DEL MAR O cantor e compositor é o único brasileiro confirmado no line up da 61ª edição do Festival Internacional da Canção de Viña del Mar, que acontece de 23 a 28 de fevereiro no Anfiteatro Quinta Vergara (Chile). Convidado para finalizar as apresentações do dia 27 de fevereiro, Alexandre Pires irá dividir o palco com a banda americana Maroon 5 e com o comediante Paul Vasquez (El Flaco). O repertório escolhido pelo cantor, todo em espanhol, faz parte da turnê “Mi Corazón Latino”. O evento será transmitido pelos canais pagos Fox Channel e Fox Life e pretende atingir 200 milhões de expectadores.


SHOWS

Por Carolina Vigna e Fernando de Freitas

E

le chega como em um filme. Os trajes e adereços exagerados, entre ouros e cores e um lenço belíssimo. A figura inconfundível de um artista que poderia ter saído de uma obra de ficção, própria dos exageros cênicos. Se todos à sua volta percebem o magnetismo, ele, confortável, se diz “um peixe dentro d’água” e flui livremente como flui entre canções e estilos em sua obra. A convite da Estrella Galícia, estivemos no Centro Cultural Rio Verde para acompanhar o primeiro encontro entre Diego El Cigala e Toquinho, antes do ensaio que precederia o show que apresentariam no dia seguinte. A Revista 440Hz era o único veículo brasileiro neste encontro, que contava com cobertura televisiva em língua espanhola.

CONHECENDO O ARTISTA

Dizer que um artista é sensível e transmite muita emoção é de uma redundância quase ridícula. Ser um artista é ser capaz de transformar a poética em algo que outra pessoa possa fruir. Ou seja, é transmitir emoção com sensibilidade. Entretanto, redundante ou não, esse é o primeiro pensamento que temos quando ouvimos El Cigala. De origem cigana, Diego Ramón Jiménez Salazar nasceu em Madrid no dia 27 de dezembro de 1968. Em 2013, o cantor flamenco deixou sua terra natal e emigrou com a família para a República Dominicana. Ser artista é também respeitar sua arte e seu público, mesmo em situações muito difíceis. Diego El Cigala se apresentou em agosto de 2015, em Los Angeles, horas depois de perder a esposa

de mais de 25 anos e a mãe de dois de seus filhos, Amparo Fernandez. El Cigala manteve a apresentação por uma promessa que fez à falecida esposa de que, acontecesse o que fosse, seguiria no palco. Amparo e Diego se conheceram em um concerto de Paco de Lucia. Tornaram-se inseparáveis. Sua carreira solo começou em 1997 com o álbum Undebel e seguiu por um caminho além do flamenco, incluindo jazz, salsa, tango e MPB. El Cigala é conhecido por boas parcerias. Recentemente, cantou em São Paulo com Toquinho, ocasião dessa entrevista. Sua parceria com Bebo Valdés é memorável. Toquinho prometeu, no palco, escrever um bolero para Diego El Cigala. Podemos, então, torcer por um novo espetáculo desse calibre.

Imagens: Reprodução

E S O R T N O ENC S A M I R G Á L


Diego El Cigala se apresenta pela primeira vez no Brasil em encontro com Toquinho

Fotos: Murilo Medina e Felipe Mazzucatto / Divulgação

A SEDUÇÃO

Sentado à mesa com a reportagem e Toquinho, em uma noite quente do verão paulistano, a conversa poderia ser confundida com uma boa prosa entre amigos, que se refrescavam com uma boa cerveja. O músico brasileiro explicava a diferença técnica entre o violão brasileiro e o flamenco. Detalhes de posicionamento de mãos... e ao lembrar das inversões de acorde de seu professor _____, Diego sorri a oportunidade. É hora de explorar o segredo, e faz ele mesmo a vez de repórter e pergunta: “de onde vêm tantas harmonias da música brasileira?”. A elegância e a simpatia com que faz a pergunta colocam o Editor desta Revista em uma posição de absoluto conforto. Sim. Eu também sorrio. Internamente eu sorrio muito. Toquinho nos conta como é construí-

da a música de Tom Jobim, das influências do bolero no samba-canção, das fontes em comum com o jazz, na África e nos modernistas eruditos. Em certo ponto, o Brasileiro crava “João Gilberto é a Bossa Nova. Só ele é a Bossa Nova”. Não é hora de abrir uma discussão, mas de ouvir. Mas fica claro que Toquinho não é Bossa Nova. Mas Diego El Cigala é, como ele próprio se define, um peixe dentro d’água, e, rapidamente, se torna o assunto. É o seu show. Ele esperou muito para esta invasão ao Brasil, e traz consigo a pólvora da canção cubana. “Eu tinha medo”, ele revela, “como tive medo quando decidi gravar um álbum de tangos argentinos”. Porém, não há resquício de pavor nos olhos ou nos lábios no cantor, apenas o atrevimento saboroso das histórias de um viajante que, em

sua breve passagem, conta suas peripécias e se prepara para lançar novo empreendimento. “O Brasil tem muitos ritmos a serem explorados. Eu amo a bossa nova e o samba. Mas vocês têm o frevo e o maracatu também. É um país muito rico musicalmente” explica El Cigala sobre o que espera de sua relação com o país que se iniciava nesta apresentação. Essa é a primeira vez do músico no Brasil, que faz planos para construir aqui mais um braço de suas incursões musicais. Para o brasileiro que busca conhecer a música espanhola, Diego recomenda que se busquem os músicos da Idade de Ouro do Flamenco, gravados entre os anos de 1920 e 1950 e, claro, Paco de Lucia. Ao violonista, a quem já prestou homenagem em um álbum, El Cigala dedica a maior reverência e diz, com


grande pesar: “após a sua morte ficou um grande buraco na música espanhola”.

UM PEDAÇO DE ALMA

Sobre o palco, a elegância. A banda, um trio de piano, contrabaixo e bateria com a responsabilidade de acompanhar a estrela com repertório variado. Os músicos são jovens, mas têm a manha dos experientes antigos músicos da noite. Isso significa relaxamento e economia. Sempre a nota justa. É de uma banda assim que um artista como Diego El Cigala precisa. Sua voz ligeiramente áspera e pontuada nos tons mais altos contrasta com nossa tradição de um canto mais aveludado e redondo. Mesmo os temas cubanos que ele canta são interpretados de maneira muito própria - tampouco estamos acostumados com a voz de Ibrahim Ferrer. Cada sílaba é uma nota que pulsa em seu limite de tensão e toca o público. É uma experiência única ver um artista que pode reinterpretar canções do cânone com tal elegância e emoção e, ao mesmo tempo, de forma tão pessoal e

própria. Dos Gardênias ou Veinte Años são canções que acompanham o imaginário de qualquer um que goste de música latina, mas é preciso prestar atenção em como canta El Cigala, em cada detalhe. E o que dizer de sua versão de Eu sei que vou te amar ao lado de Toquinho? Quantas versões definitivas nós ouvimos dessa canção até nos depararmos com esta, que nos reapresenta a sensação de conhecê-la pela primeira vez?

Mas, somos arrebatados em Lágrimas Negras. A canção que talvez seja a obra-prima de um artista dedicado a colocar tudo de si em cada nota para ser, como ele mesmo se define “um peixe dentro d’água”. O público é formado de pessoas que já conheciam sua obra e fica claro que se derramam de prazer em uma noite dedicada àquele encontro, não o que aconteceu no palco, mas entre o palco e a plateia.


Brasil abraça Espanha O evento O SON Estrella Galicia “Brasil abraça Espanha”, que aconteceu no Centro Cultural Rio Verde, como uma série de espetáculos temáticos que promovem encontros como o que presenciamos é uma experiência cultural que transcende a música e se relaciona com gastronomia e degustação de cervejas. Foram apresentadas as cervejas Estrella Galicia, 1906 Reserva Especial, 1906 RED, 1906 BLACK e Jabuticaba, acompanhadas das tradicionais tapas espanholas e harmonizadas com algumas músicas brasileiras na performance do grupo Meninos do Morumbi (A Associação Meninos do Morumbi, fundada em 1996 por Flavio Pimenta, já atendeu mais 14.000 jovens em seus 20 anos de existência, sempre trabalhando a inclusão social por meio da música). Para o gosto dos autores desta matéria, que conferiram o evento, as preferidas foram a 1906 BLACK, com seus tons entre o amargo e o adocicado com bastante equilíbrio e, claro, a Jabuticaba. Nada é mais brasileiro que a jabuticaba!

REGISTROS DO ENCONTRO


PRODUÇÃO PorIan Sniesko

BACKSTAGE O TRABALHO ÁRDUO

Fotos: Ale Catan

QUE ACONTECE ATRÁS DOS PALCOS


S

ão inúmeros os processos e os profissionais envolvidos no backstage de uma apresentação musical: seja uma banda que se apresenta diariamente em um pequeno pub ou grandes festivais e mega produções que lotam estádios, trazer a melhor experiência sonora ao público de um show não é tarefa fácil. É importante lembrar que o processo começa antes mesmo que qualquer acorde soe pelas caixas de som. Os famosos, porém injustiçados roadies, têm o trabalho árduo de montar os instrumentos no palco, se certificar de que o esquema previamente planejado está sendo cumprido, e fazer o cabeamento necessário até o sistema de PA. Junto com os roadies trabalham os técnicos de cada instrumento. Dentre eles os técnicos de guitarra, baixo, bateria, microfone etc. O trabalho destes é um pouco mais específico e voltado para um ou mais grupos de equipamentos da banda. O técnico de guitarra, por exemplo, se certifica de que os instrumentos do guitarrista estão aptos para a performance e os adendos, como amplificadores e pedais, estão corretamente configurados e cabeados. Além disso, técnicos e roadies têm outra tarefa bastante importante: a microfonação de cada instrumento. Um amplificador de guitarra mal microfonado pode estragar toda a performance, portanto é importante conhecer, além das técnicas necessárias, os microfones que trazem o melhor resultado para cada caso. O Shure SM57, por exemplo, é um microfone dinâmico famoso por seus bons resultados em microfonar amplificadores e até caixas e chimbais de bateria. Seu irmão, Shure SM58, é, sem sombra de dúvidas, o padrão mundial para vocais devido a sua durabilidade e qualidade. Com o trabalho inicial concluído no palco, é hora dos engenheiros de som entrarem em ação. A correta mixagem

do som ao vivo é um ponto crucial. Assim como as músicas de estúdio são mixadas por profissionais altamente qualificados e com ouvidos bastante treinados, as performances ao vivo precisam do mesmo cuidado. O trabalho do engenheiro de som é, antes de tudo, o de se certificar de que cada canal está corretamente conectado tanto com o sistema de som quanto com o retorno dos músicos. A tarefa, então, é equalizar de acordo com o local e a sonoridade de cada instrumento, aplicar compressão, reverbs, delays e outros efeitos, além de nivelar o volume de cada elemento da apresentação. Outro detalhe importante, o som que o público ouve não é o som que os músicos ouvem, aliás, dependendo do tamanho da banda e de sua estrutura, cada músico recebe individualmente em seu retorno um som diferente para que tenha as melhores referências para tocar. Além de seu instrumento, que deve estar em destaque no seu canal, pode ter como referência um ou outro colega em sobreposição aos outros. Por isso que a passagem de som é um momento importante para os músicos a cada apresentação, é hora de checar se todo esse trabalho foi feito corretamente. Alguns artistas, além de especificar cada ponto em contrato, pedem algo muito específico, como um copo de M&Ms sem nenhum confeito marrom. Se a produção é incapaz de tirar uma cor, imagina de montar o palco direito? Com tudo pronto, os artistas podem entrar em ação. Mas o trabalho do backstage não para aí: é preciso que cada membro da equipe permaneça em seu posto e fique atento a quaisquer problemas que possam vir a acontecer na performance. Depois do show, o desafio é não ficar com dor nas costas desmontando e descarregando toneladas de equipamentos com cautela, para que eles possam seguir para a próxima apresentação.


DINOSSAURO

9 4 9 1 T A E B DOWN Por Marcus Teshainer

Era tarde, chegou correndo. Depois de ter se perdido inúmeras vezes pelas ruas de Nova York, finalmente chegou ao clube. O porteiro colocou uma mão em seu peito, estava lotado, sem chance. Foi em vão, não é possível! Lá de dentro saiu um homem, negro, elegantemente vestido. Acendeu um cigarro, puxou uma longa tragada. Deu uma olhada para o lado e lá estava ele, com cara de cachorro chutado para fora da festa. O negro jogou o cigarro, tirou uma nota da carteira, colocou no bolso do porteiro, disse alguma coisa em seu ouvido, passou por ele e sumiu para dentro. -Pode entrar! Não podia acreditar, mas também não quis contestar, foi correndo, meio cego, sem saber muito bem o que estava rolando. - O Duque falou que você ia chegar, ele disse para você se sentar naquela mesa, perto do palco e não abrir a boca. Olhou, era uma mesa grande, tinha bastante gente sentada nela. No melhor lugar, com os dedos entrelaçados na frente do queixo estava Duque, com um sorriso bobo, de deleite, olhando para ela, que, no palco, cantava com sua voz aveludada. Ao seu lado, um judeu branquelo, cara de um homem bom, gravata preta, olhar admirado, recostado no espaldar da cadeira. O som era incrível, inacreditável, o trompete do negro de braços fortes era tão doce quanto a voz dela. Foi até lá, procurou um lugar na mesa, nenhuma cadeira próxima a aqueles homens elegantes babando por ela. Nem perceberam sua presença. Achou uma cadeira largada no fundo da mesa, perto da bateria. Teria uma visão por trás do palco. Sentou-se ao lado do prato de ataque na esperança de que o baterista, um negro enorme com cara de mal, que tinha uma bateria com um E e um J impressos na parte de fora do bumbo, enfiasse uma baquetada na sua cabeça. Não aconteceu. Pediu uma dose de Jim Bean, foi servido. Agora a cena toda estava completa, do jeito que viu nos filmes de que gostava. Um lugar escuro, uma cantora negra, um trompetista que, às vezes, cantava com sua voz rouca, um baterista suado e um pianista sorridente. Não entendeu por que o tal do Duque lhe possibilitou entrar, queria agradecer, mas era para ele ficar de boca calada, ficou. Acabou o Bourbon antes do fim da segunda música. Levantou-se, caminhou até a porta e saiu. Chegando em casa, dias depois, contou à esposa. - O bar era como qualquer bar que a gente tem aqui, uma cantora negra de uma voz muito linda cantava uma música que eu não entendia. O baterista, enorme, enfiava a mão no prato deixando-o surdo, o trompetista, às vezes, cantava com uma voz rouca e sorria mostrando os dentes. O pianista, gordo, com a cara redonda, corria os dedos pelo teclado. Mas o melhor de tudo, de tudo mesmo, foi tomar aquele uísque, delicioso, suave. Pena ser tão escuro, não teve oportunidade de fazer uma foto. Se conhecesse alguém, tudo faria mais sentido. Marcus Teshainer é apaixonado por música e literatura e atua como psicanalista clínico nas horas não vagas. Escreveu os contos a convite da Revista 440Hz.


COXIA Anneliese Kappey

Ana Sniesko Erico Malagoli

Camila Duarte Fernando de Freitas

Carolina Vigna Ian Sniesko

Luis Barbosa

AFINADA PARA QUEM GOSTA DE MĂšSICA

Tatiana Carline

440 Hz



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