Onco& Ano VII - Ed. 35

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Dificuldades de acesso O perfil dos idosos também tem mudado, pois muitos deles estão muito mais conscientes da importância de hábitos saudáveis. “Vejo que existem diferentes tipos: aqueles hígidos e independentes, que tomam suas decisões e se interessam pelo tratamento, outros mais dependentes e passivos, alguns que querem receber o tratamento”, resume Herchenhorn. “Mas a maioria dos pacientes que recebo é do primeiro tipo.” Apesar da mudança de comportamento, a população idosa ainda recebe o diagnóstico com a doença em estágio mais avançado. Um estudo da National Cancer Intelligence Network, no Reino Unido, mostra que é três vezes mais provável que um idoso tenha um câncer detectado em uma situação de emergência com a doença em estágio avançado do que por meio de exames de rotina. Uma pesquisa brasileira de 2014 conduzida pelo Inca com participação de Luiz Claudio Santos Thuler corrobora com o dado. Ao analisar 37 mil casos de câncer de colo do útero, os pesquisadores observaram que as mulheres com mais de 50 anos têm mais possibilidade de receber o diagnóstico já em estágio avançado. “Isso ocorre porque a mulher deixa de ir ao posto ao fazer o acompanhamento médico, que em geral é feito pelo ginecologista quando ela está em idade sexualmente ativa”, explica o epidemiologista. Os programas de rastreio para alguns tipos de câncer também não cobrem a faixa etária dos idosos. No Brasil, por exemplo, o SUS só preconiza o exame periódico de mamografia para mulheres de até 69 anos. Estudos internacionais apontam que mulheres idosas com expectativa de vida maior que cinco anos poderiam se beneficiar da ma-

mografia e do rastreio de câncer de intestino com colonoscopia. O oncologista clínico Gilberto Amorim, coordenador do grupo de mama e oncologista clínico do Grupo Oncologia D'Or, aponta que a recomendação do Ministério da Saúde é ultrapassada. “A expectativa de vida tem aumentado no mundo inteiro, e o entendimento que temos hoje é de que a mamografia deve ser feita enquanto houver uma expectativa de vida de cerca de dez anos para a frente”, afirma. “Se a paciente tiver condições físicas, deve continuar a fazer o exame.” Outro ponto que merece atenção em relação ao câncer em idosos é a sub-representação desse grupo em ensaios clínicos. Embora os idosos respondam pela maior parcela dos pacientes com a doença, a maioria dos estudos feitos até pouco tempo atrás não os incluía. “Grande parte dos tratamentos que usamos hoje foi desenvolvida com base em estudos que não levaram em conta os pacientes idosos ou que tinham uma amostra muito pequena de idosos, e isso é um obstáculo importante que enfrentamos na clínica”, diz Herchenhorn. Mesmo nos estudos em que os idosos estão incluídos, a amostra nem sempre é representativa da realidade. “Quando eles são incluídos, o mais comum é que sejam aqueles pacientes mais hígidos que não têm comorbidades”, diz Mattos. “Na hora de o médico definir um protocolo de tratamento para um idoso, encontra poucos estudos para basear sua decisão.” Mas o cenário está mudando. Dos 58 ensaios clínicos sobre câncer iniciados no Brasil em 2016, 51 (88%) incluíam pacientes com mais de 65 anos de idade. “Me parece uma tendência natural que mais idosos sejam incorporados nos estudos clínicos, o que é necessário e felizmente está ocorrendo”, conclui Thuler.

Espaço nas políticas Apesar de os idosos representarem a maioria dos pacientes e das mortes por câncer no país, com perspectiva de aumento, não existe hoje uma política nacional de oncologia voltada para esse grupo. Ao contrário de outros países da Europa e dos EUA, não há no Brasil grupos organizados de pacientes especificamente idosos ou práticas de advocacy voltadas para esse segmento. Luciana Holtz, presidente da Oncoguia, ONG que presta serviço de advocacy para pacientes, pontua a dificuldade de lidar com esse grupo. “O paciente idoso tem algumas particularidades. Atualmente temos muitas informações disponíveis na internet, mas nem sempre os idosos têm acesso ao mundo digital”, diz. Hoje a maioria dos atendimentos prestados aos idosos pela instituição ocorre por telefone, via 0800. Poucas leis voltadas para o paciente idoso, direta ou indiretamente, são propostas. Um dos projetos que tramitam hoje no Senado e que podem favorecer o grupo é o PL 286/14, que cria mais um tipo de benefício da Previdência Social, o auxílio-doença parental, voltado para familiares que fazem o papel de cuidadores de cônjuges, pais, filhos, padrastos, madrastas etc. A princípio, o benefício é voltado para todas as idades, mas Holtz comenta que faria sentido remodelá-lo para atender a idosos e crianças. “Com o atual caos na previdência, aplicar um auxílio desse tipo não parece razoável, mas no caso de pacientes idosos faz todo o sentido. A maioria deles, assim como as crianças, necessita do cuidado de um familiar para seguir com o tratamento.”

Onco& abril/maio/junho 2017

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