Novo projeto de "O amor nos tempos do cólera"

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OBRAS DO AUTOR O amor nos tempos do cólera A aventura de Miguel Littín clandestino no Chile Cem anos de solidão Cheiro de goiaba Crônica de uma morte anunciada Do amor e outros demônios Doze contos peregrinos Os funerais da Mamãe Grande O general em seu labirinto A incrível e triste história da Cândida Erêndira e sua avó desalmada Memória de minhas putas tristes Ninguém escreve ao coronel Notícia de um sequestro Olhos de cão azul O outono do patriarca Relato de um náufrago A revoada (O enterro do diabo) O veneno da madrugada (A má hora) Viver para contar OBRA JORNALÍSTICA Vol. 1 – Textos caribenhos (1948-1952) Vol. 2 – Textos andinos (1954-1955) Vol. 3 – Da Europa e da América (1955-1960) Vol. 4 – Reportagens políticas (1974-1995) Vol. 5 – Crônicas (1961-1984) OBRA INFANTOJUVENIL A luz é como a água Maria dos Prazeres A sesta da terça-feira Um senhor muito velho com umas asas enormes O verão feliz da senhora Forbes


GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ

Tradução de ANTONIO CALLADO 45a edição

2016


CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ G21a García Márquez, Gabriel, 1928-2014 O amor nos tempos do cólera/ Gabriel García Márquez; tradução de Antonio Callado. – 45. ed. – Rio de Janeiro: Record, 2016. Tradução de: El amor en los tiempos del cólera ISBN 978-85-01-10815-9 1. Romance colombiano. I. Callado, Antonio. II. Título. 16-36030

CDD: 868.993613 CDU: 821.134.2(861)-3

Título original: EL AMOR EN LOS TIEMPOS DEL CÓLERA Copyright © 1985 by Gabriel García Márquez Design de capa, projeto gráfico e composição de miolo: Renata Vidal Ilustração (adaptada) de capa e miolo: 1evgeniya1 / dreamstime.com Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, no todo ou em parte, através de quaisquer meios. Os direitos morais do autor foram assegurados.

Direitos exclusivos de publicação em língua portuguesa somente para o Brasil adquiridos pela EDITORA RECORD LTDA. Rua Argentina, 171 – Rio de Janeiro, RJ – 20921-380 – Tel.: (21) 2585-2000, que se reserva a propriedade literária desta tradução. Impresso no Brasil ISBN 978-85-01-10815-9

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Para Mercedes, ĂŠ claro.



Vão antecipados estes trechos: já têm sua deusa coroada. Leandro Díaz



E

ra inevitável: o cheiro das amêndoas amargas lhe lembrava sempre o destino dos amores contrariados. O doutor Juvenal Urbino o sentiu logo que entrou na casa ainda mergulhada em sombras, à qual chegara acudindo a chamado de urgência para se ocupar de um caso que para ele tinha deixado de ser urgente há muitos anos. O refugiado antilhano Jeremiah de Saint-Amour, inválido de guerra, fotógrafo de crianças e seu adversário de xadrez mais compassivo, se havia posto a salvo dos tormentos da memória com uma fumigação de cianureto de ouro. Encontrou o cadáver coberto com uma manta no catre de campanha onde sempre dormira, perto de um tamborete com a vasilha que havia servido para vaporizar o veneno. No chão, amarrado pela pata ao catre, estava o corpo estendido de um grande dinamarquês preto de peito nevado, e junto a ele estavam as muletas. O quarto sufocante e salpicado de cores, que servia ao mesmo tempo de alcova e laboratório, mal começava a se iluminar com o resplendor do amanhecer na janela aberta, mas era luz bastante para proclamar de pronto a­autoridade da morte. As outras janelas, assim como todas as frestas do aposento, estavam amordaçadas com trapos ou seladas com papelão preto, o que aumentava sua densidade opressiva. Havia uma mesa grande atulhada de frascos e vidros bojudos sem rótulo, e duas vasilhas de estanho descascado sob um foco de luz ordinário coberto

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de papel vermelho. A terceira vasilha, a do líquido fixador, era a que estava junto do cadáver. Havia revistas e jornais velhos em todos os cantos,­pilhas de negativos em placas de vidro, móveis que­brados,­mas tudo estava preservado da poeira por mãos di­li­gen­tes. Embora o ar da janela houvesse purificado o am­biente, ainda persistia para quem soubesse identificá-lo o rescaldo morno dos amores sem ventura das amêndoas amargas. O doutor Juvenal Urbino havia pensado mais de uma vez, sem ânimo premonitório, que aquele não era um lugar propício para se morrer na graça de Deus. Mas com o tempo acabou por supor que sua desordem obedecia talvez a uma determinação cifrada da Divina Providência. Um comissário de polícia se havia adiantado com um estudante de medicina muito moço que fazia sua prática forense no dispensário municipal, e eles é que haviam arejado o aposento e coberto o cadáver enquanto chegava o doutor Urbino. Ambos o cumprimentaram com uma solenidade que dessa vez tinha mais de condolência que de veneração, pois ninguém ignorava o grau de sua amizade com Jeremiah de Saint-Amour. O mestre eminente apertou a mão de ambos, como jamais deixava de fazer com cada um de seus alunos antes de começar a aula diária de clínica geral, e depois segurou a beira da manta com as pontas do indicador e do polegar, como se fosse uma flor, e descobriu o cadáver palmo a palmo com uma parcimônia sacramental. Estava nu em pelo, teso e torto, com os olhos abertos e o corpo azul, e parecia cinquenta anos mais velho do que na noite anterior. Tinha as pupilas diáfanas, a barba e os cabelos amarelados, e o ventre atravessado por uma cicatriz antiga costurada com nós de ensacador. O trabalho das muletas tinha dado uma enver­gadura de galeote a seu torso e seus braços, mas as pernas inermes eram as de um órfão. O doutor Juvenal Urbino o contemplou um instante com o coração doendo, como poucas vezes nos longos anos de sua contenda estéril contra a morte.­ — Poltrão — disse a ele. — O pior já tinha passado.

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