TFG - Cidade, Casa, Dormitório

Cidade Casa Dormitório

Renata de Castro Pante Orientação: Carlos Faggin

Trabalho Final de Graduação FAU USP dezembro 2016

Agradecimentos Agradeço ao meu orientador Carlos Faggin, que vem me acompanhando desde o início de minha graduação com sua orientações e conselhos, demonstrando o verdadeiro valor de um professor ao dar espaço e incentivar meus trabalhos.

Agradeço à minha família, especialmente aos meus pais, que sempre fizeram da minha educação uma prioridade, mesmo em tempos difícies.

Agradeço ao meu companheiro Ricardo Assumpção que sempre esteve ao meu lado, disposto a me ajudar, principalmente nas noites mal dormidas de entrega de projeto.

Sumário 9 Introdução 13

Séculos XVI e XVII (1554-1711)

19 Mobiliário 20

Móvel em Portugal

22

Móvel no Brasil - 1º Período

31

Século XVIII (1711-1822)

43

53

Móvel no Brasil - 2º Período

Século XIX (1822-1889)

53

Antes da Ferrovia (1822 a 1860)

63

Casa do Barão de Itapetininga

67

Depois da Ferrovia (1860 a 1889)

78

Sobrado do Coronel Teixeira de Carvalho

81

Palacete do Barão de Piracicaba II

86

Móvel no Brasil - 3º Período

101

Século XX (1889-1930)

101

O Café (1889 a 1930)

111

Campos Elíseos

113

Chácara do Carvalho

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Palacete Elias Chaves (Palácio Campos Elíseos)

121

Casa de José de Souza Queiroz

125

Higienópolis

127

Vila Maria

131

Vila Penteado

135

Avenida Paulista

139

Mansão Matarazzo

142

Vila Horácio Sabino

146

Palacete Dr. Nicolau Moraes Barros

148

Casa Numa Oliveira

152

Móvel no Brasil: Ecletismo e o Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo

156

1930 e o modernismo de Warchavchik

162

Surgimento e atuação da Cia City em São Paulo

168

Casa Modernista na Rua Itápolis

176

Casa da Rua Bahia

185

A modernização do mobiliário brasileiro, o móvel produzido por Warchavchik

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Considerações Finais

215 Glossรกrio 221

Fonte das imagens

231 Bibliografia

Introdução

“Muitos caminhos levam ao quarto: o repouso, o sono, o nascimento, o desejo, o amor, a meditação, a leitura, a escrita, a procura de si mesmo, Deus, a reclusão procurada ou imposta, a doença, a morte. Do parto à agonia, o quarto é o palco da existência, ou pelo menos seus bastidores, onde, tirada a máscara, o corpo despido se abandona às emoções, às tristezas, à volúpia. Aí passamos quase metade de vida, a mais carnal, a mais entorpecida, a mais noturna, a da insônia, dos pensamentos errantes, do sonho, da janela sobre o inconsciente ou sobre o além: e esse claro-escuro reforça seu encanto.”¹

“Cidade, casa, dormitório” nasceu do desejo de pesquisar a história do dormitório no Brasil. Um cômodo que hoje possui uma função tão importante e central nas residências, talvez o espaço da morada contemporânea que atenda ao maior número de funções e possivelmente o cômodo de maior permanência, é um pequeno “apartamento” dentro da habitação. Então surgem as perguntas: onde teve suas origens? Por que possuímos um cômodo destinado ao repouso noturno? Como ele era nos primeiros anos da Colônia?

A partir de que momento o dormitório passou a ser um espaço não só para o repouso, mas também para lazer e estudo?

Infelizmente não foi possível responder a todas essas questões.

Informações a respeito do dormitório são raras e quanto mais distante na história procuramos, mais difíceis elas nos parecem de encontrar. Obviamente surgem indagações como: “por que ninguém fala dos dormitórios? Por que os viajantes descreviam tanto o cotidiano das cidades, mas não os dormitórios? E por que Ender ou Debret não produziram séries de aquarelas que mostrassem os dormitórios?”. Possivelmente a combinação da cultura portuguesa, com heranças mouriscas marcadas pela segregação dos espaços residenciais, aliada ao catolicismo e a busca constante pelo afastamento da promiscuidade, transformaram o dormitório em “espaço tabu”, quase nunca mencionado, o espaço mais íntimo e restrito de uma residência, sendo até mesmo utilizado para guardar o que de mais valor possuía o dono da casa e espaço de pouca permanência.

Outra hipótese é que, a exemplo do que ocorria na Europa agrária pré-Revolução Industrial, o dormitório em si não existiu por muitos séculos. As pessoas na verdade dormiam todas juntas em grandes cômodos que só possuíam essa função de repouso durante a noite, 9

quando com sacos de palha os mais pobres “faziam” suas camas, daí a expressão inglesa “make the bed”. Seja como for, de alguma forma dormiu-se na cidade de São Paulo e dessa grande incógnita dos primeiros dormitórios, as alcovas, ao dormitório polivalente dos nossos dias, houve um caminho, houve mudanças, que tentouse pesquisar.

Porém a escassez de informações nos resultou em uma estrutura diferente: não sendo possível encontrar informações sobre o dormitório, buscou-se sobre as casas; não sendo possível encontrar nas informações da casa, buscou-se na cidade. É daí que surge o título dessa pesquisa, esses três fatores estão constantemente relacionados: a cidade muda ao longo dos séculos, a casa também e o dormitório não poderia ser diferente.

Outra questão que é importante alertar ao leitor, diz respeito aos recortes. Em todas as pesquisas é necessário delimitar o tema de forma a garantir uma melhor aproximação e precisão ao trabalho.

Foram escolhidos três recortes: temporal, geográfico e econômico.

O recorte econômico se deu pelas elites paulistanas e a justificativa é relativamente simples: existe uma facilidade maior de encontrar informações a respeito das famílias mais ricas do que das mais pobres ou de classe média. Além disso, as mudanças ocorridas nos costumes e residências dessa classe social, muitas vezes decorrem de uma escolha feita pela própria elite. Por exemplo, o fato da nossa elite cafeeira construir e residir em palacetes inspirados no modo de vida francês, veio de uma opção em se aproximar ao modo de vida europeu e se afastar dos “caipiras” do Brasil; porém em momento algum os imigrantes e ex-escravos optaram por residir em cortiços. No entanto, é necessário reconhecer que ambas formas de morar tiveram importância na história da vida privada brasileira.

O recorte temporal abrange desde a formação da Vila de São Paulo até a década de 1930. Apesar de existirem poucas informações a respeito dos primeiros três séculos de São Paulo, sabemos que existiam pessoas morando aqui e produzindo residências, é preferível citar, mesmo que com pouca profundidade, esses séculos do que nega-los a existência e repetir o apagamento dessa parte de 10

nossa história. E por que terminar em 1930? O século XX é marcado por um aumento drástico na velocidade das transformações econômicas, urbanas e sociais, não sendo possível no período disponível para essa pesquisa acompanha-las com a devida atenção. Por isso, optou-se por finalizar a pesquisa na década de 1930, quando São Paulo conhece as primeiras residências modernistas de Warchavchik, apontando as mudanças que estariam por vir nas décadas seguintes.

O recorte geográfico inicialmente era a capital paulista, porém foi necessário delimitar ainda mais o objeto de estudo, por isso nos primeiros séculos analisou-se residências apenas do triângulo histórico, uma vez que a área urbana paulista se manteve por muito tempo restrita ali. Nos séculos XIX e XX, com o crescimento da cidade e a realização de novos loteamentos residenciais de luxo, optamos por analisar as residências que foram construídas nessas novas áreas urbanizadas ou semiurbanas da cidade: Campos Elíseos, Higienópolis, Av. Paulista e posteriormente os loteamentos da Cia. City.

Como o leitor irá notar, apesar da divisão de capítulos ser em séculos, esses não obedecem a divisão convencional. O motivo é que a história do Brasil e os agentes atuantes nela não podem ser controlados por viradas de século, dessa forma nosso século XVI se inicia em 1554, com a Primeira Missa e por se tratar de um período muito curto e com poucas mudanças, o primeiro capítulo engloba o século XVII também, que vai até o ano de 1711, data em que São Paulo foi elevada à categoria de cidade. O capítulo seguinte, correspondente ao século XVIII, se inicia no ano de 1711 e finaliza em 1822, com a declaração de independência. O capítulo referente ao século XIX, entre 1822-1889, período curto, porém com grandes transformações, principalmente a partir da construção da ferrovia em São Paulo na década de 1860. O último capítulo, o século XX, se inicia em 1889 e finaliza em 1930, pelos motivos ditos anteriormente.

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notas 1 PERROT, Michelle. Histรณria dos Quartos. Sรฃo Paulo, Paz e Terra, 2011, pp. 15.

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Séculos XVI e XVII (1554-1711) Em 25 de janeiro de 1554, jesuítas portugueses celebraram a primeira missa da Vila de São Paulo, localizada na região formada pelos vales dos rios Tamanduateí, Tietê e Pinheiros. A região escolhida para o povoamento era rica em peixes e o clima, favorável à criação do gado europeu e à plantação de legumes, frutas e flores trazidas de Portugal. Os habitantes da Vila eram em sua maioria funcionários enviados da Metrópole, padres, comerciantes, picheleiros (artesãos que trabalham com estanho), ferreiros, sapateiros, marceneiros, entre outros.

Durante muitos anos a vila e a cidade de São Paulo ficaram isoladas do resto do mundo, situação determinada pela íngreme Serra do Mar. A dificuldade de acesso resultava também na escassez de alguns produtos, cabendo aos moradores adaptarem-se com a matéria prima e tecnologia presentes no planalto. A ausência de tijolos e pedras levou a produção de casas de taipa de pilão, a dificuldade de acesso à madeira e a ausência de mão-de-obra especializada resultou na escassez de mobiliário. A taipa de pilão, sistema construtivo trazido de Portugal, herança da presença árabe na península ibérica, era utilizado para erguer paredes e muros, a terra úmida é prensada entre formas de madeira, os taipais.

As limitações construtivas oriundas do isolamento resultaram em moradas simples e térreas durante as primeiras décadas. Relatos descrevem São Paulo como uma cidade com muitas ruas, em sua maioria desordenadas e mal calçadas.² Durante o século XVII o crescimento da cidade se deu de forma lenta, por conta do surgimento de novos núcleos fundados pelos paulistas. “Em 1611 os paulistas fundaram Mogi das Cruzes, em direção às cabeceiras do Tietê. Em 1625 fundaram Santana do Parnaíba, descendo o Tietê, no limite do trecho navegável. Vieram depois Taubaté (1645), Jacareí (1653), Jundiaí (1655), Guaratinguetá (1657), Itu (1657), Sorocaba (1661) e Curitiba (1693). Ao terminar o século XVII, os paulistas haviam povoado a região do planalto, em todas as direções. [...] Era portanto um rápido processo de crescimento extensivo e um lento processo de crescimento interno.”.³

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Imagem 1: Visualização do sítio original da Cidade de São Paulo (1563) segundo estudo de Mertig. À direita, no fundo o Pico do Jaraguá.No meio a colina central entre os rios Anhangabaú e Tamanduatei. Acervo da Revista do Arquivo Municipal, nº 23, 1936.

Tendo em vista esse fenômeno é possível e necessário utilizarmos como exemplos as residências urbanas dessas cidades para levantar informações a respeito das casas paulistanas dos séculos XVI e XVII, uma vez que quase todas foram demolidas ou muito alteradas durante o período Republicano.

O interior das residências durante os primeiros 250 anos do povoamento paulista sofreu poucas mudanças. As casas possuíam quintais estreitos e compridos, com algumas árvores frutíferas e animais, decorrência da ausência de bens de consumo.4 Do ponto de vista do programa arquitetônico, as residências eram simples: muitas possuíam chão de terra batida, poucos cômodos e com sobreposição de funções, iluminação limitada e escassez de mobiliário. As paredes grossas de taipa absorviam o calor durante o dia, e como São Paulo era extremamente fria de noite, as paredes grossas e a ausência de alpendres se faziam necessários para manter o interior dessas residências com temperaturas confortáveis.

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Os telhados eram de duas águas e a cumeeira paralela à rua, pois não existiam recursos e materiais para construção de calhas e telhados mais complexos que circundassem pátios de insolação.

Dessa forma, a ventilação e iluminação eram provenientes das aberturas localizadas na face voltada para rua ou para o quintal e inevitavelmente os cômodos centrais ficariam sem janelas, tornando-os espaços de pouco prestígio e permanência. O valor da residência estava diretamente ligado ao comprimento das testadas e consequentemente ao número de portas e janelas na face voltada para a rua. As residências urbanas possuíam altos pés-direitos e paredes internas mais baixas, a fim de proporcionar uma melhor circulação do ar no ambiente interno. Apenas as alcovas possuíam forros, tornando-as ainda mais abafadas e malcheirosas.5 O programa de necessidades das casas urbanas dos primeiros séculos era bastante simples, podendo ser acomodado em pequenas construções, pois a maior parte das residências da pobre Vila passavam a maior parte do ano fechadas e desabitadas. A maior parte de seus donos tinham como moradia fixa as casas rurais, visitando São Paulo algumas vezes ao ano, geralmente em ocasiões de festas religiosas:

“De fato, habitavam continuamente o burgo bandeirante somente os padres, certos negociantes em suas ‘logeas’ e toda a gama de artesãos, como seleiros; ferreiros fazendo ferraduras e até armas brancas; picheleiros, que lidavam com vasilhames de estanho importados do Reino, latoeiros, cuja matéria prima tanto podia ser o cobre como o latão, naquele tempo chamado de ‘arame’; armeiros, fogueteiros, alfaiates, sapateiros, oleiros dos arrabaldes beira-rio, além dos padeiros ou açougueiros. Suas chamadas ‘tendas’ muitas vezes eram armadas nas salas da frente e a freguesia era atendida através da janela aberta, não havendo a precisão de entrar na casa. Praticamente, todos os chamados ‘homens bons’ componentes do governo municipal, principalmente os da vereança, vinham a São Paulo só nos dias pré-determinados de reunião.”6

O cômodo destinado ao repouso nos primeiros séculos era a alcova, localizada no núcleo central da residência. Utilizadas para dormir, eram muitas vezes equipadas com redes ou catres além de penicos, 15

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Imagem 2: Planta de residência urbana do século XVII. A planta apresentada decorre dos estudos realizados por Carlos Lemos com base em informações contidas em inventários. 1: Sala da Frente; 2: Dormitório para Viajantes; 3: Alcovas; 4: Cômodos de serviços (provavelmente serviam a cozinha); 5: Varanda

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fogareiros e baús. As redes não podiam ser presas diretamente às paredes de taipa, por isso, utilizavam-se estacas de madeira, presas ao chão para levantar as redes. Os catres (vide glossário) eram camas de montar, objeto apropriado nesse período em que se viajava muito, alternando a estadia entre o urbano e o rural. É possível também que uma outra forma de dormir nesses séculos fossem os estrados cobertos com almofadas, herança árabe à cultura ibérica no século XIV. Dentro das alcovas ficavam também os baús e caixas, esses armazenavam objetos de altíssimo valor desde roupas, tecidos, pratarias, até mesmo especiarias. Os tecidos importados eram utilizados apenas em eventos especiais, por serem extremamente caros e altamente disputados nos inventários, como foi o caso de uma saia de tecido fino, “avaliada por valor maior que o da residência de sua proprietária recém-falecida” 7.

Como já dissemos, a ausência de janelas aliada à construção de forros comprometia a ventilação e a iluminação do ambiente. Eudes Campos em sua tese aponta as razões pela qual a população portu16

guesa optava por dormir em ambientes com a ventilação tão comprometida:

“A razão mais provável para o hábito, agora tido como malsão, de dormir em total isolamento em relação ao exterior, a par da segregação familiar típica das sociedades de tradição cultural ibérica, foi a sobrevivência de crenças da velha medicina lusitana, que via na má influência dos astros e dos fenômenos meteorológicos (determinados tipos de vento ou tempestades com descargas de eletricidade atmosférica, por exemplo) as causas de inúmeras moléstias epidêmicas e endêmicas. Decerto os adormecidos, durante o repouso noturno, estariam mais sujeitos aos malefícios das estrelas, das conformações planetárias e até da luz da lua, advindo talvez daí o costume de as pessoas se recolherem à parte mais interna das habitações.”8

As alcovas poderiam se abrir para a sala da frente, para o corredor ou para a sala dos fundos. Quando abertas para a sala da frente, destinavam-se aos viajantes ou parentes distantes. A grande distância entre os núcleos urbanos e a dificuldade de locomoção, nesse período, tornava necessário que o viajante pernoitasse no meio do caminho, “a hospitalidade, longe de ser uma virtude, era uma obrigação social, imprescindível à sobrevivência [...] Essa hospitalidade brasileira, outrossim, não se limitava só as casas rurais mas, também às moradas urbanas.”9 Esses dormitórios para visitas na área social da residência levaram muitos anos para desaparecer.

Mesmo com a melhora nos transportes e o surgimento de hotéis na capital, as famílias mais ricas mantiveram esse dormitório no andar térreo para parentes e amigos. As alcovas com aberturas para a sala dos fundos ou para o corredor, eram de uso da família. A sala dos fundos, segundo Carlos Lemos, ficou conhecida no linguajar comum como a “varanda”10, local onde a família se reunia e que servia também como sala de jantar, ambiente marcado pela sobreposição dos usos estar e lazer, e de uso principalmente feminino:

“É através da atuação feminina que percebemos a perfeita superposição estar-serviço. Havia a segregação moura de mulheres e elas, nunca aparecendo a ninguém e sempre espreitando pelas frestas das portas e pelas treliças das rótulas, organizavam na intimidade das dependências internas da morada a subsistência da família, conservando hábitos, transmitindo ensinamentos,

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mantendo tradições, usos e costumes, [...] Essa superposição estar-serviço houve em qualquer classe social, porque ao elemento feminino não restavam outras alternativas além daquelas do forno, fogão, agulha e uma ou outra roça no fundo do quintal, na horta no parreiral. Por isso, tanto na casa da classe dominante, como na pobre, vemos a mulher criando seus filhos e vivendo o dia a dia na zona de serviço”.11

As plantas apresentadas nesse e no próximo capítulo tratam-se de representações esquemáticas das residências urbanas no Brasil colonial. As construções desse período da nossa história foram demolidas e substituídas com o passar dos anos, alguns estudiosos procuraram recriar plantas esquemáticas a partir de relatos, inventários e residências remanescentes do mesmo período em outras cidades. Sabemos que nos primeiros séculos a maior parte das residências eram térreas e que o uso de sobrados se intensifica principalmente com a vinda das riquezas açucareiras para a região.

Sabemos também que nas residências rurais, os dormitórios de hóspedes recebiam acabamentos melhores que os dormitórios das famílias, é de se especular que esse comportamento pudesse se repetir nas residências urbanas: “Um sítio com casas de três lanços de taipa de pilão coberta de telha com dois aposentos assoalhados com seus corredores e um oratório também forrado... (Matias Rodrigues da Silva, cujo inventário é de 1710).”12 Inventários dos primeiros séculos da colonização revelam que o catre e a rede eram as principais peças de repouso do morador do planalto paulista.13 As camas e leitos eram raros e sinais de riqueza, sendo documentadas apenas a partir de 1619. São mencionadas nove camas e não há especificações sobre elas, já os leitos apareciam descritos “com cortinas” ou “com pé de jataí” ou “de jacarandá” e etc.14 Nesse momento é importante fazer a distinção entre os termos “cama” e “leito”. Atualmente eles designam a mesma peça de mobiliário, porém até o século XVI em Portugal e XVII no Brasil, a palavra “cama” possuía um significado diferente: era apenas a colchoaria e os demais apetrechos para dormir. Portanto, quando a palavra “cama” aparece nos inventários desse período, podemos 18

supor que se tratasse apenas da colchoaria, e o termo “leito” se refere à armação do móvel utilizado para o repouso. Tilde Canti também especula que nesses inventários o termo “leito” serviria para designar os móveis de origem portuguesa, e os “catres” seriam os leitos executados no Brasil, com ou sem dossel.15 Entre os acessórios citados nesses inventários estão presentes: 111 colchões (pano, pano e algodão, pano de flandres, com enchimento de palha, etc.); 374 lençóis (na maioria eram lençóis de pano de algodão, mas também linho, bretanha, holanda e ruão); travesseiros (principalmente de pano de algodão, linho ou seda); fronhas (de algodão ou de linho); poucas colchas e muitos cobertores (principalmente os cobertores de papa).16 O grande número de colchões comparado ao número de leitos e catres, apresentados nos inventários, leva Carlos Lemos a fazer três suposições: “muitas pessoas dormiam com aquele acessório no chão ou também podia, aquela peça, cobrir algum catre não desmontável ou, finalmente, ele poderia permanecer empilhado em camas mais ‘confortáveis’.”17 Apesar desses objetos hoje nos parecerem comuns e serem citados diversas vezes em inventários, suas presenças em documentos oficiais demonstram o valor que possuíam naquela sociedade, sendo tratados como posses dignas de herança. Nota-se também que a presença de produtos importados da Europa é recorrente, já que a produção paulistana desses bens era rara ou inexistente.

Mobiliário18 O mobiliário brasileiro é um desdobramento do móvel português, que por sua vez teve influência muçulmana, italiana (durante o Renascimento e Barroco), chinesa e indiana (durante as Navegações), espanhola e por fim o Rococó francês do século XVIII. Pode-se dizer que o mobiliário brasileiro recebeu todas essas influências, porém na maior parte das vezes elas não vinham diretamente dos países de origem e sim eram repassadas através dos portugueses.

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Até o século XX a maior parte do mobiliário no Brasil vinha de fora. A Colônia era obrigada a importar de Portugal e mesmo após a Independência, quando já existiam artesãos especializados na fabricação de móveis, a aristocracia continuou a preferir produtos importados aos produzidos no Brasil.

De acordo com Glória Bayeux19 , a história do mobiliário brasileiro relativa à procedência pode ser agrupada em três categorias: os importados, em um primeiro momento da Europa e posteriormente também dos Estados Unidos; o mobiliário produzido no Brasil para uma elite econômica, que segue estilos europeus e norte-americanos; e por fim os móveis populares que eram uma adaptação dos outros tipos, com custos menores e materiais mais acessíveis.

A matéria prima utilizada era de proveniência brasileira, sendo as principais madeiras o cedro, a canela, o jacarandá-da-baía, o vinhático e a suçucanga. Os artesãos, no entanto, eram portugueses ou “reinóis”, filhos de portugueses nascidos em território brasileiro.

Além da madeira, era usado na construção de móveis o metal, nas ferragens e adereços, e o couro, a palhinha e o tecido para os estofados.

Lucio Costa utiliza uma divisão de três períodos para analisar o desenvolvimento do mobiliário no Brasil.20 Nesse capítulo, faremos uma breve introdução a respeito do mobiliário português e também, trataremos do primeiro período utilizado por Lúcio Costa, os períodos seguintes serão abordados nos próximos capítulos.

Móvel em Portugal Como já mencionamos, o mobiliário português recebeu influências de diversos povos. No século XVI o cotidiano português ainda não dispunha de muitos móveis. Com a dominação árabe na península ibérica e o descobrimento dos caminhos das Índias, o móvel português passa por fortes transformações, substituindo as características góticas por motivos florais e zoomórficos.21 20

Da relação entre Portugal e o Oriente, surgem os móveis de estilo indo-português. Inicialmente importados diretamente das Índias, eles passam a ser fabricados na Metrópole no final do século XVI com a chegada de artesãos indianos. Portugal não importou apenas os móveis do Oriente, mas também de Veneza, Gênova, Flandres e Espanha.22 Esse estilo de mobiliário atinge seu auge durante o século XVII, quando passa a ser exportado para toda a Europa. O século XVIII vê o declínio e o gradual desaparecimento desse estilo, porém é necessário ressaltar que muitas características desses móveis se mantiveram presentes nos estilos seguintes, como por exemplo: talha rendada, embutidos com temas hindus, metal rendilhado, etc.23

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Imagem 3 Contador português estilo indoportuguês do século XVII. Madeira teca e ébano, marfim e latão. Fabricado na Índia. Acervo do Palácio Nacional de Sintra.

Imagem 4: Leito português do século XVII. Pau-santo, vinhático e metal.

Possivelmente fabricado em Goa. Acervo do Palácio Nacional da Pena.

Quanto aos móveis de repouso24 em Portugal, sabemos que os leitos surgem no século XI, porém eram raros e designavam apenas a armação. Até o século XIV, a principal forma de dormir era sobre estrados cobertos com almofadas, costume de influência árabe. O catre, originário da Índia e China, é uma espécie de leito simples de montar, porém em Portugal, e posteriormente no Brasil, designavam também os leitos sem dossel e colunas.

Móvel no Brasil - 1º Período Abrange os séculos XVI e XVII, no Brasil equivale a parte do período colonial e em Portugal envolve o reinado de D. Manoel (1495-1521), 22

a fase da dominação espanhola (1541-1640), e os reinados de D. João IV (1640-1656) e D. Pedro II (1683- 1706).

O mobiliário desse período pode ser dividido em duas tipologias características. A primeira compreende os móveis fabricados na própria Colônia, principalmente em regiões de difícil contato com a Metrópole, como é o caso de São Paulo. Já o segundo pode ser observado nas peças de mobiliário que eram trazidas diretamente de Portugal e em cópias feitas aqui.

Os móveis feitos no Brasil são um retrato da dificuldade de comunicações entre Colônia e Metrópole. A baixa influência externa nesse período fez com que os colonos construíssem seus poucos móveis com estilo e características próprias. De maneira geral, pode-se dizer que eram móveis simples, de feitio robusto e com ferramentas inadequadas. As ligações entre os elementos estruturais eram feitas com encaixes, pregos e colas.

Em regiões como São Paulo, por exemplo, houve grande influência indígena no mobiliário, por conta do difícil acesso ao litoral e da economia baseada na subsistência. Um exemplo dessa influência é o uso das redes no cotidiano dos colonizadores. As tribos indígenas que habitavam a região possuíam diferentes formas de dormir, algumas dormiam direto no chão, ou sobre estrados e até mesmo em jiraus, porém a forma mais comum para o repouso eram as redes, podendo ser feitas de algodão ou fibras de tucum, dependendo da tribo e da região. Na região paulista as tribos Tupi-Guarani utilizavam-se de redes tecidas em algodão.

O segundo tipo de mobiliário, marcado pelas influências renascentistas e orientais, surge entre 1530 e 1540 com o estabelecimento da produção açucareira no Brasil. A partir desse momento, peças de mobiliário vindas da Metrópole ou de outras colônias portuguesas começam a ser compradas dos navios de passagem, principalmente no Nordeste brasileiro. Esses móveis, como observamos pelos inventários, eram raros em São Paulo, porém presentes, especialmente nas residências mais abastadas de funcionários da Coroa.

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Imagem 5: Leito de Bilros, em estilo híbrido e tardio, do século XVIII. Jacarandá e metal. Coleção de Maria Cecilia Fontes.

Os jesuítas tiveram grande influência no mobiliário dessa época, pois para a instalação de colégios e missões trouxeram de Portugal empreiteiros, carpinteiros e ferreiros que propagaram um estilo de linhas retas e austeras, conhecido como seiscentista. Além disso, com as Reduções Jesuíticas do Sul do Brasil e do Paraguai, muitos índios aprenderam com os religiosos (especialmente os espanhóis) os ofícios de marceneiro, entalhador e torneiro. Quando esses indígenas foram capturados pelos bandeirantes e trazidos para São Paulo, é possível que tenham reproduzido aqui o que haviam aprendido, surge então um tipo de mobiliário com características hispânicas e elementos diferentes aos dos móveis portugueses.25 24

notas 2 “É a cidade aprazível pelo terreno e saudável pelos ares e não é muito pequena, pois se conhece a sua grandeza pelo número de ruas, cujas são: de São Bento, Direita, de São Francisco, das Casinhas, da Freira, de São Gonçalo, da Sé, das Flores, do Carmo, que é onde está o palácio dos generais, do Rosário, da Quitanda e Nova de Guaçu, todas elas com suas travessas correspondentes, com o defeito porém, de serem a maior parte das casas térrea e as ruas mal ordenadas e mal calçadas.”

Manoel Cardoso de Abreu in BRUNO, Ernani Silva. Memórias da cidade de São Paulo: Depoimentos de moradores e visitantes/1553-1958. São Paulo, DPH, 1981, pp. 20.

3 REIS, Nestor Goulart. São Paulo: Vila, Cidade, Metrópole. São Paulo, Via das Artes, 2004, pp. 44-45.

4 “A casa urbana paulista do tempo colonial [...] não apresentou em duzentos e cinquenta anos [...] muitas alterações em seu planejamento e construção. É que as cidades sempre foram muito pobres e, sobretudo, dependiam da roça. O morar urbano [...] não era farto de bens de consumo como nos sítios autossuficientes.

Todos viviam mal e pouco proveito tiravam de seus quintais. Quintais estreitos e compridos, com algumas árvores frutíferas, com seus ranchos para a lenha trazida pelos caipiras e para o sono de um ou outro escravo, com suas ‘casinhas’ naquele tempo também chamadas ‘secretas’, suas galinhas, suas cabras, seus cavalos de sela, muitas vezes de hóspedes renitentes, e até mesmo com suas vacas leiteiras.” In LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Casa Paulista, São Paulo, Edusp, 1995, pp. 114.

5 “Acomodação, nas casas urbanas, às limitações dos telhados de duas águas, que determinava, no âmago das construções, as baterias de alcovas escuras e abafadas e isso ficou tão arraigado no ato de morar que, às vezes a gente fica em dúvida, se aquela planta era daquele jeito, porque o certo era dormir confinado no ar tapado cheirando à fumaça de azeite de peixe ou se dormia ali porque a arquitetura exigia, não dando outra opção [...] Altos pés direitos para aumentar o volume de ar. Paredes internas baixas, inclusive nas casas ricas, paredes não de separação efetiva de ambiente, mas de seleção das atividades. Casa de telhas vãs, permitindo que o ar corra pela casa adentro. Forros, só nas alcovas das pessoas enricadas e preconceituosas, que preferiam o desconforto do enclausuramento à promiscuidade olfativa e acústica própria da continuidade espacial.” In LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Transformações do espaço habitacional ocorridas na

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arquitetura brasileira do século XIX in: Anais do Museu Paulista NS.1, São Paulo, 1993, pp.96-97.

6 LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira (2004), Organização Urbana e arquitetura em São Paulo dos tempos coloniais. In PORTA, Paulo (Org.), História da Cidade de São Paulo: A cidade colonial 1554-1822. São Paulo, Paz e Terra, pp. 182-183.

7 LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira (2004), Organização Urbana e arquitetura em São Paulo dos tempos coloniais. In PORTA, Paulo (Org.), História da Cidade de São Paulo: A cidade colonial 1554-1822. São Paulo, Paz e Terra, pp. 184.

8 CAMPOS, Eudes. Arquitetura paulistana sob o Império: aspectos da formação da cultura burguesa em São Paulo. Tese (Doutorado) – FAUUSP, 1997, pp. 470.

9 LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Transformações do espaço habitacional ocorridas na arquitetura brasileira do século XIX in: Anais do Museu Paulista NS.1, São Paulo, 1993, pp. 99.

10 “Naturalmente, a segregação da família na parte ‘íntima’ da casa continuou, mas o ‘corredor’ central fronteiro dos primeiros tempos em algumas casas desapareceu, transformando-se em sala de receber; e, em compensação, o corredor de trás permaneceu, ganhando importância e se transformando na ‘varanda’, local alpendrado onde a família se reunia. A expressão varanda, desde então ficou no linguajar comum para designar a sala dos fundos e sala de jantar, inclusive na casa urbana.” In LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Casa Paulista, São Paulo, Edusp, 1995, pp. 77.

11 LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Cozinhas, etc. Tese (Doutorado) – FAUUSP, 1972, pp. 49.

12 “Parece que os quartos para hóspedes mereciam melhor acabamento que os demais, é o que fazem supor várias passagens dos autos [...].” in LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Notas sobre a arquitetura tradicional de São Paulo. São Paulo, FAU USP, 1969.

13 Analisando 102 documentos, a partir de 1590, Ernani Silva Bruno relatou a menção de 160 redes, havendo entre os moradores aqueles que dispusessem de duas, três e até seis redes. Quanto à caracterização destas peças existem poucas

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informações, sendo estas às vezes classificadas como “rede de dormir” ou “rede de carijó” ou “rede grossa” ou “rede chã” e etc. Quanto aos catres, foram citados 153 em 99 documentos, sendo que vários moradores possuíam dois ou três exemplares desta peça. As descrições dos catres nestes testamentos geralmente eram “catre ordinário” ou “catre singelo” ou “catre de torno” e etc. BRUNO, Ernani Silva. O Equipamento da casa bandeirista segundo os antigos inventários e testamentos. São Paulo, D.P.H. da Prefeitura de São Paulo, 1977, pp.77.

14 “Das nove camas mencionadas nos velhos documentos não há nenhuma especificação, e dos oito leitos registram-se um de cortinas, um de pé de jataí, um de jacarandá todo prateado. Camas ou leitos aparecem apenas em 13 documentos, o mais antigo dos quais é do ano de 1619.” In BRUNO, Ernani Silva. O Equipamento da casa bandeirista segundo os antigos inventários e testamentos. São Paulo, D.P.H. da Prefeitura de São Paulo, 1977, pp. 78.

15 CANTI, Tilde. O móvel no Brasil: Origens, Evolução e Características. Lisboa, Agir e FRESS, 1999, pp. 255.

16 “Dos acessórios e peças de repouso os documentos mencionam 111 colchões, de pano de algodão ou de pano de flandres, com enchimento de paina, de macela ou de lã. Arrolam-se 374 lençóis, em sua maioria de pano de algodão, mas vários de outros tecidos, tais como Bretanha, Holanda (tecido de linho fechado, manufaturado nos Países Baixos) e de ruão (linho tosado que se fabricava na cidade francesa desse nome). Os travesseiros, também de pano de algodão, de linho ou de seda, de pano de linho lavrado com suas rendas pelo meio, de carequim com suas rendas pelas ilhargas e abotoado, de pano de algodão lavrado com sua linha azul e com suas rendas. As fronhas, de algodão de linho, uma descrita como de cabeçal de pano de linho com sua rede por bocal e ilharga. As colchas são registradas em número reduzido, sendo uma delas descrita como brolada de vermelho e as franjas vermelhas e maçanetas da mesma. Os cobertores registram em boa quantidade brancos ou de cores, sendo os mais numerosos os cobertores de papa, que era uma lã basta. Registra-se um cobertor branco de marca maio. E entre os possivelmente mais requintados, um bordado de tafetá amarelo ao redor e outro de pano verde com suas guarnições de redor de veludo verde.” In BRUNO, Ernani Silva. O Equipamento da casa bandeirista segundo os antigos inventários e testamentos. São Paulo, D.P.H. da Prefeitura de São Paulo, 1977, pp. 78.

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17 LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira (2004), Organização Urbana e arquitetura em São Paulo dos tempos coloniais. In PORTA, Paulo (Org.), História da Cidade de São Paulo: A cidade colonial 1554-1822. São Paulo, Paz e Terra, pp. 188.

18 Parte desse texto foi retirado do Relatório Final da Pesquisa de Iniciação Científica com bolsa FAPESP: “Da Casa ao Palácio: o móvel capaz de contar sua própria história” da aluna Renata de Castro Pante sob orientação do Prof. Dr. Carlos Augusto Mattei Faggin.

19 BAYEUX, Glória. O móvel da casa brasileira. São Paulo, MCB, 1997.

20 “O mobiliário do Brasil pode ser, assim, da mesma forma que o norte-americano e todos os demais de fundo europeu, classificado em três grandes períodos: o primeiro abrange os séculos XVI e XVII e prolonga-se mesmo até começos do Setecentos; o segundo, período barroco por excelência, estende-se praticamente por todo o século XVIII; e o terceiro e último, isto é, o da reação acadêmica, liberal e puritana iniciada em fins desse século, corresponde para nós, principalmente, à primeira metade do século XIX.” In COSTA, Lúcio. Arquitetura Civil III. Mobiliário e Alfaias. São Paulo, FAU-USP/MEC-IPHAN, 1975, pp. 139.

21 “O descobrimento do ‘caminho das Índias’ por Vasco da Gama em 1498 e para a China do Sul (Macau) em 1516, dão início às rotas comerciais ligando essas regiões a Portugal e provocam, consequentemente, o aparecimento de novos elementos no estilo quinhentista português, pois dos portos desses países e de outros portos orientais chegam a Portugal, além das especiarias, objetos de arte e de luxo, uma boa dose de orientalismo, que irá juntar-se à herança recebida dos árabes e influenciar os costumes portugueses. A decoração mobiliária sofre, nessa época, uma verdadeira revolução em seus ornatos: em substituição aos motivos florais de estilo gótico aparecem elementos fito e zoomorfos, característicos da flora africana e asiática e da fauna exótica.” In CANTI, Tilde. O móvel no Brasil: Origens, Evolução e Características. Lisboa, Agir e FRESS, 1999, pp. 22.

22 “Em Portugal, no fim do século XVI, vamos encontrar, além das peças de mobiliário oriundo da China e da Índia, móveis vindos de Veneza, Gênova, Florença.

Flandres e Espanha.” In CANTI, Tilde. O móvel no Brasil: Origens, Evolução e Características. Lisboa, Agir e FRESS, 1999, pp. 23.

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23 “[...] após as ‘pragmáticas filipinas de proibição’, os acharoados, aplicações de madrepérola e dourado nos móveis de influência chinesa, começaram a desaparecer. Entretanto, os acharoados persistem em algumas peças até o século XVIII, sobretudo em móveis sacros.” In CANTI, Tilde. O móvel no Brasil: Origens, Evolução e Características. Lisboa, Agir e FRESS, 1999, pp. 24.

24 Será utilizada a classificação apresentada por Tilde Canti no livro “O móvel no Brasil: Origens, Evolução e Características”. Nesse trabalho, a autora separa o mobiliário em quatro categorias: guarda, descanso, repouso e utilidade, nas primeiras alcovas do século XVI e XVII no Brasil, encontramos principalmente os móveis de repouso e guarda.

25 “Aparecem também leitos com elementos estranhos aos empregados nos móveis portuguess, graças a novas influências, entre elas a hispano-americana das Reduções Jesuíticas do Sul do Brasil e do Paraguai, onde os índios aprendiam diversos ofícios, entre eles os de marceneiro, entalhador e torneiro, com religiosos, em sua maioria espanhóis. Esses indígenas, a partir do século XVII, retirados das reduções pelos bandeirantes e levados para São Paulo e arredores, foram, sem dúvida, aproveitados pelos paulistas nos ofícios que haviam aprendido. Daí o surgimento de móveis dentro de um estilo sul-americano, à imagem do sucedido em algumas regiões do vice-reinado do Peru.” In CANTI, Tilde. O móvel no Brasil: Origens, Evolução e Características. Lisboa, Agir e FRESS, 1999, pp. 108.

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Século XVIII (1711-1822) A partir do século XVIII é possível distinguir algumas transformações urbanas que seriam intensificadas nos séculos seguintes. O desenvolvimento do comércio e a ampliação da economia exportadora da Capitania repercutiram sobre a Capital, surgindo na segunda metade do século novas formas de arquitetura além de uma série de reformas e construções. A Guerra de Independência norte-americana estimulou a exportação brasileira, principalmente para Inglaterra que passava pelo processo de Industrialização.26 Os edifícios anteriores a 1765 eram mais simples e parecidos com os dos séculos anteriores. O impulso tomado pelas atividades agrícolas açucareiras no centro do estado gerou um maior desenvolvimento na construção da Capital. Pela cidade passavam os produtos que seriam levados para Santos ou para Minas Gerais, e com os impostos sobre esses produtos a capital paulista enriquecia.

Nesse contexto, iniciou-se o processo de acumulação e formação das grandes riquezas, como das famílias Silva Prado, Jordão, Souza Queiroz, Tobias Aguiar27, donas das principais residências paulistanas. Acredita-se que no final do século XVIII esse aumento de riquezas na cidade tenha atraído profissionais portugueses, gerando grandes reformas modernizadoras. Lisboa havia sofrido um forte terremoto em 1755, sendo necessária praticamente sua reconstrução, possivelmente esses técnicos vieram a São Paulo alguns anos depois, onde introduziram novidades na construção civil.28 Além da riqueza oriunda do comércio, o ano de 1765 é marcado pela chegada de Morgado de Mateus, considerado um divisor de águas na história da cidade de São Paulo.29 Durante os dez anos de seu governo, Morgado de Mateus foi responsável por aumentar a prosperidade na agricultura e na economia, melhorou-se a ligação com o litoral, aumentando as influências externas na cidade. Porém deve-se destacar que essas mudanças não significaram um aumento na qualidade de vida da população, São Paulo continuou a ser uma cidade pobre.30 Em carta escrita ao Marquês de Pombal em 1766, Morgado de Mateus descreve São Paulo da seguinte maneira:

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Imagem 1: “Desenho por ideia da cidade de São Paulo”, mapa em nanquim do século XVIII, autor desconhecido. Acervo da Biblioteca Nacional

Imagem 2: Fotografia da Praça da Sé em 1862. Apesar ter sido tirada um século depois, é possivel ver ao fundo a Igreja de São Pedro e de cada lado sobrados com características da segunda metade do século XVIII. À esquerda, o sobrado e as duas casas térreas, possuem características das construções do século XVII e início do XVIII.

“Está edificada a Cidade de São Paulo, no meio de uma grande campina em sítio um pouco elevado, que a descobre toda em roda. O seu terreno é brando e tem as ruas planas, largas e direitas e algumas bem compridas, porém não são calçadas, todas as paredes dos edifícios são de terra; os portais e alisares de pau, por ser muito rara a pedra, mas não deixa de ter conventos, e bons templos, e altas torres da mesma matéria com bastante segurança e duração; os mais suntuosos e melhores são a Sé, este Colégio que foi dos Jesuítas, especialmente o seminário em que estou aquartelado, a Igreja do Carmo, e o seu convento que se está reedificando, a de São Bento, que não está acabada, e o de São Francisco que é antigo, e o pretendem reformar; há mais um recolhimento de mulheres coisa limitada; nas ruas principais, tem casas grandes e de sobrado. Todas as mais são baixas com quintais largos, que as fazem parecer de maior extensão; os seus arredores são alegres, mais infrutíferos, cuido que pela negligência dos naturaes; por uma parte é regada da Ribeira Tamanduatiy, que com repetidas voltas a circula e com as suas enchentes inunda a maior parte da campanha, fertilizando-o

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de bons pastos; pela outra parte tem um pequeno ribeiro diminuto de águas, e juntos entram a pouco no Tietê ou Niemby, rio grande, que discorrendo até a Vila de Ytú, que na língua da terra quer dizer – salto d’água – ali se despenha e ao depois é navegável, admitindo as frotas de canos, que com dilatada viagem transportam as mercadorias para a nossa capitania do Cuyabá e Matto Grosso de onde trazem o ouro em abundância, e os quintos para Sua Majestade que Deus Guarde, podendo-se também navegar pelo mesmo rio Niemby para o Paraguay entrando no Paraná ou Rio Grande, e do sobre dito rio passar por outros com facilidade ao Rio da Prata, e Nova Colônia do Sacramento, porque para todas estas partes e outras mais que não cabem na brevidade desta descrição, dá fácil entrada ao sobre dito rio. Conta esta cidade atualmente segundo a lista que mandei tirar de trezentos e noventa e dois fogos, seiscentos e quarenta e nove homens e oitocentas e sessenta e sete mulheres, [...] dos referidos se acham residentes na Sé, duas Dignidades, e sete Cônegos, um dos quais serve de Vigário Capitular. Além deste, há vinte Clérigos, e doze tonsurados, quarenta e cinco Religiosos, Capuchos, nove Carmelitas calçados, quatro Beneditinos e vinte recolhidas com duas serventes. [...]”31

O capital proveniente das exportações açucareiras foi utilizado em obras de infraestrutura para melhorar os acessos à cidade e possibilitar sua expansão. Os terrenos antes periféricos, ao se tornarem mais acessíveis, foram ocupados pela elite na forma de chácaras.

Esse modelo de residência se intensifica no século XIX, tendo como exemplos a de Dona Ana Machado, a Chácara Fonseca, a Chácara do Regente Feijó, entre outras.32 Dona Veridiana Valéria da Silva Prado, por exemplo, residiu em uma chácara na Rua da Consolação, ao lado da Igreja. A sede dessa chácara era um sobrado de taipa construído no século XVIII, apesar de Veridiana só vir a residir nessa casa a partir de 1848.33 As chácaras eram consideradas uma forma mais confortável de residir na cidade, pois apesar de não fazerem parte da área urbana, eram ainda relativamente próximas ao centro. Outra facilidade das chácaras era que nesses grandes terrenos, muitas vezes servidos por nascentes, era possível criar animais e cultivar alimentos, algo importantíssimo em um período de pouco abastecimento.

Em 1808, com a vinda da família real portuguesa para o Rio de Janeiro e a abertura dos portos às nações amigas, produtos que an35

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Imagem 3: Localização da antiga chácara Imagem 4: Sobrado de taipa do século XVIII, sede da chácara onde veio a residir anos depois Dona Veridiana da Silva Prado. Localizado na Rua da Consolação, ao lado da Igreja de mesmo nome.

tes eram de difícil acesso para a população paulistana começam a fazer parte do dia-a-dia. Essa importação resultou na mudança de padrões, sendo em alguns casos tomadas medidas oficiais para a adoção de soluções mais “civilizadas”, como por exemplo, a substituição dos muxarabis por vidraças, gradis de ferro e cortinas importadas.34 As casas tiveram seus pés direitos aumentados, sendo comuns residências térreas desse novo período serem mais altas que os sobrados do século anterior.35 Mesmo assim, ainda em 1819, viajantes notavam a falta de produtos de luxo no cotidiano paulistano, como relata Carl Friedrich Philipp von Martius:

“Entre os moradores de São Paulo o gosto pelo luxo europeu ainda não se desenvolveu tanto como entre os ricos baianos, pernambucanos e maranhenses. Cuida-se mais do anseio e da comodidade na disposição da casa do que de elegância e suntuosidade e, em vez do mobiliário leve americano e dos espelhos franceses, encontram-se nas salas daquelas províncias cadeiras enfileiradas, pesadas, que datam de longos decênios e um pequeno espelho com a sua moldura

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da manufatura de Nuremberg, no qual um alemão imaginará reconhecer um compatriota.”36

O mesmo viajante descreveu uma residência em que dormiu por volta de 1819, em Taubaté. Apesar do relato se basear em uma residência que não é paulistana, podemos supor que essa seria muito parecida com as residências encontradas na capital paulista.

“A casa, que um morador da vila compartilhou conosco, era, de resto, pouco própria para nos oferecer teto conveniente. As casas são raramente de mais de um pavimento, as paredes são quase que geralmente de vigas fracas ou de vigas amarradas com cipós, barreadas e caiadas com tabatinga, que se

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Imagem 5: Aquarela de Thomas Ender, 1817, interior de uma residência em São Paulo

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Imagem 6: Planta de sobrado urbano século XVIII. À esquerda pavimento térreo e à direita pavimento superior.

1- Loja; 2- Alcova; 3- Serviços; 4- Sala de Visitas; 5- Varanda; 6- Cozinha.

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encontra aqui e acolá, à margem do rio; o telhado consiste em telhas ocas ou ripas, raras vezes de palha descuidadamente colocada, e nas paredes abrem-se uma ou duas janelas de rótula. O interior corresponde à efêmera construção e ao material pobre. A porta de entrada, em geral meio ou inteiramente fechada com tranca, dá logo na peça principal da casa que, sem soalho e sem paredes caiadas, mais parece um paiol. Esse compartimento serve de sala de estar e de visita. Despensa ou também algum quarto contíguo para hóspedes ocupam o resto da frente da casa. Na parte dos fundos estão os quartos da mulher e do resto da família, que aquí, segundo costume português, logo se retiram para esses cômodos quando chegam pessoas estranhas. Dessas peças passa-se à varanda

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coberta, que, em geral, ocupa quase toda a extensão e dá para o quintal. Às vezes também existe uma idêntica varanda na frente da casa. A cozinha e o rancho dos criados, em geral um pobre telheiro, acham-se no fundo do quintal, atrás da casa.”37

As casas mais ricas possuíam dois andares, sendo o primeiro destinado à loja, ao corredor de acesso ao quintal do lote, à escada que levava ao pavimento superior e em alguns casos algumas alcovas.

No pavimento superior encontramos uma grande quantidade de alcovas. As com aberturas para sala de visitas ou salão, assim como as localizadas no térreo, destinavam-se aos viajantes ou parentes.

Assim como nos séculos anteriores, o principal cômodo destinado ao repouso era a alcova, que se manteve com as mesmas características. Provavelmente a única mudança seria uma diminuição no uso de redes e um aumento na presença de catres.38 É no século XVIII que surgem com mais frequência nos inventários as cômo39

Imagem 7: Planta de sobrado urbano século XVIII. À esquerda pavimento térreo e à direita pavimento superior.

1- Loja; 2- Corredor; 3- Salão; 4- Alcova; 5- Varanda; 6- Cozinha.

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Imagem 8: Mapa de localização do Solar da Marquesa de Santos, atual Museu da Cidade.

Imagem 9: Fachada do Solar da Marquesa de Santos, localizado na rua Roberto Simonsen 136. A residência do século XVIII teve sua fachada refeita aproximadamente em 1880 recebendo a feição neoclássica.

das e armários, móveis considerados de luxo, uma vez que ainda a maior parte da população guardava seus pertences em caixas ou baús.39 As alcovas possuíam ligações internas entre elas, uma vez que noções de privacidade mais próximas ao que entendemos atualmente surgiram no Brasil apenas a partir do fim do século XIX e início do século XX. Mesmo assim, esses dormitórios com ligações internas custaram a desaparecer das residências paulistas.

As plantas apresentadas nesse capítulo, assim como no anterior, baseiam-se em reconstruções, porém sabemos da presença de uma construção urbana remanescente desse período, o Solar da Marquesa. Sua construção data da segunda metade do século XVIII, afirmação sustentada pela presença de envasaduras de vergas curvas. Domitila de Castro Canto e Melo adquiriu essa residência do Brigadeiro Joaquim José Pinto de Morais Leme em 40

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1834. O Brigadeiro por sua vez havia comprado o sobrado de seus primeiros donos em 1802, após esses terem morado nesse terreno por 90 anos. Os documentos de tombamento da residência no Departamento de Patrimônio Histórico, indicam que as primeiras referências ao imóvel datam de 1739-1754. Esses documentos citam quatro casas de André Alvares de Castro, provavelmente desses sobrados, dois foram unidos ainda no século XVIII, transformando-se em um único imóvel onde viria a residir a Marquesa. Através de prospecções realizadas nessa residência, ficou provado que de fato eram dois sobrados e que o piso original do térreo desse imóvel era o chão batido.

A partir dessas informações e analisando as plantas do solar, sabemos que as paredes mais grossas tratam-se de paredes de taipa e as mais finas, taipa-de-mão ou de pau-a-pique. Vemos também uma grossa parede de taipa no centro da planta, que recebeu aberturas posteriores, mostrando as duas residências originais do século XVIII e que possuem plantas muitos similares as recriadas por outros autores.

Móvel no Brasil - 2º Período40 Período que abrange o reinado de D. João V (1706-1750) até parte do de D. Maria I (1777-1816), época equivalente no Brasil ao período da mineração. As influências desse período no móvel português e por consequência no brasileiro são francesas e inglesas.

Durante a mineração no Brasil, a Coroa Portuguesa volta seus olhares para a região de Minas Gerais a fim de arrecadar o máximo de impostos possíveis e manter controle sobre toda extração aurífera.

Esse ouro gera em Portugal, e em certa medida no Brasil também, gastos espantosos. Durante o reinado de D. João V a Metrópole atinge seu apogeu de gastos, tendo um governo marcado por excessos.

Essas práticas se prolongarão até a época de D. José I e D. Maria I. No Brasil, isso significou um maior destaque à vida material e ao 43

Imagem 10 (páginas anteriores): Plantas do Solar da Marquesa de Santos.

As paredes na cor preta são as originais em taipa (pilão e de mão). As paredes de cor cinza são referentes à acrescimos posteriores. O tracejado vermelho indica a parede que os dois sobrados originais dividiam.

conforto, portanto, foram adquiridos mais móveis e alfaias para a casa brasileira.

O estilo D. João V coincide também com a necessidade de ostentação por parte das elites e o excesso de ornamentação das igrejas com o objetivo de atrair fiéis. No início esse estilo sofreu resistência por causa de seu caráter renovador, porém uma vez aceito, esse mobiliário teve grande expansão, de modo que no final do século XVIII a produção brasileira chegou a ser maior que a portuguesa e pela primeira vez a Colônia passou a fornecer à Metrópole peças de mobiliário.

As igrejas foram beneficiadas por esse período, pois ganharam muito dinheiro com os devotos. Foram empregados metais preciosos em diversos móveis e alfaias para dar maior glória aos cultos. Já os móveis de uso doméstico eram raramente dourados e sim com muitos entalhes, graças às madeiras brasileiras de alta qualidade.

No entanto isso não significa que os móveis mais populares não continuassem a recorrer aos modelos tradicionais implantados pelos jesuítas.

A partir desse momento as peças de mobiliário passam a ter um maior ajustamento ao corpo e comodidade. Os entalhes e curvas vão evoluindo até chegar ao exagero das composições Barrocas.

Com D. José I e D. Maria I esse exagero diminui chegando a módulos mais discretos. Alguns autores defendem que essa diminuição de exageros se deu pela necessidade de uma urgente reconstrução da cidade já que em 1755 Lisboa foi atingida por um forte terremoto.

No século XVIII, o mobiliário produzido no Brasil também passou a ser entalhado de forma rasa e assimétrica, ao estilo D. José I, tendo como principais motivos decorativos as conchas estilizadas, os frisos em C e S e os elementos vegetais como o trevo, pequenas flores, margaridas e ramos de folhagens.

O estilo D. Maria I é o último de origem portuguesa sobre o mobiliário produzido e utilizado no Brasil. Com a vinda da Corte Real para a Colônia, o estilo D. Maria I, que em Portugal progressivamente 45

Imagem 11: Cama com Cartela do século XVIII, originária do Brasil. Jacarandá da Bahia. Entalhada a mão com elementos barrocos do estulo João V. Acervo do Museu da Casa Brasileira.

se enfraquecia, acabou aqui se afirmando com o acréscimo de elementos não utilizados no móvel português. Geralmente em madeiras mais claras, os móveis passaram a apresentar pernas retas, de secção quadrangular ou cilíndrica, sempre afinando para baixo.

Os elementos decorativos tornaram-se mais delicados através da aplicação de laços de fita, entrelaçados em ramos, guirlandas de rosas e pássaros.

Os leitos desse período eram predominantemente de estilo seiscentista. Os elementos do barroco ao pouco foram se misturando aos elementos tradicionais de torneados, balaústres, goivados, etc.

O estilo D. João V, herdado de Portugal, permaneceu na Colônia até o fim do século XVIII, marcado pelos entalhes altos com vazados em volta da cabeceira, com desenhos de conchas e folhas estilizadas.

Os espreguiceiros, começam a aparecer com mais frequência no Brasil, essas camas de repouso diurno são colocadas nas salas nobres da residência. Esses móveis, mais estreitos que as camas e com oito pernas, seguiam o mesmo estilo das camas.

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Imagem 12 (página anterior e nessa página à esquerda): Cama de solteiro do século XVIII, originária da Bahia.

Cabreúva e Jacarandá do Litoral. Estilo Rococó, com entalhes assimétricos.

Acervo do Museu da Casa Brasileira.

Imagem 13 (nessa página à direita): Espreguiçeiro do século XVIII, estilo de transição entre D. João V para D. José I. Jacarandá da Bahia. Acervo do Museu da Casa Brasileira

notas 26 “A economia brasileira esteve em ascensão do fim do século XVIII até a Independência do Brasil. As guerras de independência americana, a revolta de escravos e depois as guerras de independência na América espanhola teriam estimulado as exportações brasileiras para a Europa, particularmente para a Inglaterra, que em franco processo de industrialização vinha aumentando suas importações e, assim, elevando o preço das matérias-primas. Dessa forma, São Paulo aproveitava-se de uma conjuntura internacional favorável para finalmente participar do comércio internacional.” In ARAÚJO, Maria Lucília Viveiros.

Os interiores após a expansão da economia exportadora paulista in: Anais do Museu Paulista V.12, São Paulo, 2004, pp. 132-133.

27 “Delineavam-se em São Paulo mudanças nas condições de acumulação, com a formação de novos setores de riqueza. Datam dessa época as fortunas das famílias que se tornariam hegemônicas até as primeiras décadas do século XX, como Silva Prado, Jordão, Souza Queiroz, Tobias Aguiar etc. ao mesmo tempo, retornavam paulistas que haviam estado nas regiões de mineração. Com experiências em comércio passavam a atuar como empresários em São Paulo e participavam da liderança de atividades econômicas, na fase de expansão agrícola, das últimas décadas do século XVIII.” In REIS, Nestor Goulart. São Paulo: Vila, Cidade, Metrópole. São Paulo, Via das Artes, 2004, pp. 66.

28 “No último quartel do século XVIII, acreditamos tenha tido início a onda de ‘modernidade’ nas construções paulistanas, mercê da chegada de profissionais do Reino atraídos pela relativa abastança trazida pelo açúcar e pelo comércio de muares. Vieram técnicos treinados nas obras de reconstrução de Lisboa, após o terremoto de 1755, quando muitas novidades foram introduzidas na arte de construir, sobretudo na carpintaria, com o surgimento das ‘gaiolas’, estrutural autônomo com cargas verticais e pontuais nos esteios; sistema logo introduzido em Minas e tardiamente chegado em São Paulo, sendo usado com proveito na arquitetura do café. Com a técnica das gaiolas veio, também, a moda das vergas de portas e janelas de arco abatido, logo chamadas pelo povo de vergas de ‘canga’, porque semelhantes àquele artefato que, apoiado no pescoço do boi, prende-o ao carro.” In LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira (2004), Organização Urbana e arquitetura em São Paulo dos tempos coloniais. In PORTA, Paulo (Org.), História da Cidade de São Paulo: A cidade colonial 1554-1822. São Paulo, Paz e Terra, pp.170.

29 “Trataremos, neste texto, da cultura material da sociedade paulistana dos tempos coloniais, dividindo o período em dois segmentos, indo o primeiro desde

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os dias da fundação do burgo até a chegada de Morgado de Mateus, em 1765, e, o segundo, daquele ano até a Independência. Essa dupla abordagem tem a sua razão de ser, pois a vinda do fidalgo comparece como um divisor de águas – anteriormente a ele o isolamento de serra acima e a pobreza vieram caracterizar um repertório de bens culturais, além de modesto, calcado em repetições de soluções antigas, como acabamos de afirmar. E, após a presença do governador e de seus sucessivos substitutos, uma cultura material ‘moderna’, já que caudatária de todo o aprendizado advindo das lições aprendidas com a reconstrução de Lisboa, que fora destruída em 1755 pelo terremoto, outro marco divisor de sabedorias e procedimentos lusitanos. A partir do governo de Morgado, portanto, aqui chegaram os reflexos do Iluminismo de Pombal para se contraporem à luz bruxuleante da lamparina caipira.” In LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira (2004), Organização Urbana e arquitetura em São Paulo dos tempos coloniais. In PORTA, Paulo (Org.), História da Cidade de São Paulo: A cidade colonial 1554-1822. São Paulo, Paz e Terra, pp. 180.

30 “Já dissemos que a vida paulista sofreu melhoras a partir do governo do Morgado de Mateus, aqui aparecido para governar em 1765. De fato, sua permanência de dez anos provocou alguma prosperidade em todos os campos de atividades; a agricultura, por exemplos, foi incrementada, e a economia muito se desenvolveu com a produção do açúcar na região capitaneada pela cidade de Itu; o comércio firmou-se definitivamente às custas do fornecimento de gêneros básicos às localidades da chamada zona ‘das vertentes’ mineiras [...] O caminho do mar fora bastante melhorado e as novidades chegavam com regularidade antes desconhecida. Tais sucessos, entretanto, não significam que a riqueza surgira no Planalto dos jesuítas para melhorar os hábitos de todos. Afora os poucos ricos, sobressaíam os pobres e remediados de sempre, e São Paulo continuou sendo a capital menos favorecida de quaisquer recursos da Colônia.” In LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira (2004), Organização Urbana e arquitetura em São Paulo dos tempos coloniais. In PORTA, Paulo (Org.), História da Cidade de São Paulo: A cidade colonial 1554-1822. São Paulo, Paz e Terra, pp. 189.

31 TOLEDO, Benedito Lima de. São Paulo: Três cidades em um século. São Paulo, Livraria Duas Cidades, 1981, pp. 15.

32 “Dessa época datam as chácaras mais antigas, que chegaram a ser utilizadas como residências permanentes ou de permanência frequente, das famílias mais abastadas. [...] Logo ao redor da área urbanizada ficavam as chácaras de

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Da. Ana Machado [...] Aos pés do Morro da Tabatinguera ficava a Chácara do Fonseca [...] Do outro lado do Tamanduateí havia a do Ferrão, depois chamada da Figueira e da Marquesa pois pertenceu também a Marquesa de Santos. No caminho do Oratório havia a que pertenceu ao Regente Feijó; no Caminho do Guaré (Florêncio de Abreu) a do Miguel Carlos; por detrás do jardim público a do Campo Redondo, depois de Mauá. No caminho de Campinas havia a das Palmeiras e junto à Cidade Nova a do Arouche. As casas das chácaras que foram de Martinho Prado (ao lado da igreja da Consolação) e do Brigadeiro Luís Antônio (na esquina da atual Rua São Luís com a Rua da Consolação) podem também ter sido construídas nesse tempo, mas não há registros seguros. Outra foi a do Comendador Souza Barros, filho do Brigadeiro Luís Antônio, na Rua São João, que já existia em 1817.” In REIS, Nestor Goulart. São Paulo: Vila, Cidade, Metrópole. São Paulo, Via das Artes, 2004, pp. 89-90.

33 “D. Veridiana vinha de sua chácara na Rua da Consolação. Morava num sobrado de taipa do século XVIII que ficava ao lado da Igreja. A chácara se estendia até a altura das atuais Avenida 9 de Julho e Rua Augusta. Nessa casa vivia desde 1848, e usava-a quando passava temporada em São Paulo ou para dar a luz a seus filhos, deixando a Fazenda Campo Alto onde residia com o marido.” In HOMEM, Maria Cecília Naclério. História dos Bairros de São Paulo: Higienópolis grandeza e decadência de um bairro paulistano. São Paulo, DPH, 1980, pp. 42.

34 “Mas depois de 1808, com a ‘abertura’ dos portos, com a crescente importação de novos produtos de acabamento, os padrões começaram a se alterar. Como no Rio de Janeiro e em Salvador, nos anos seguintes foram adotadas medidas oficiais para proibir o uso de muxarabis nos sobrados e estimular a adoção de soluções consideradas mais civilizadas, de agrado dos países exportadores, o que incluía vidraças, gradis de ferro e cortinas.” in REIS, Nestor Goulart. São Paulo: Vila, Cidade, Metrópole. São Paulo, Via das Artes, 2004, pp. 107.

35 “Na arquitetura residencial houve alterações fundamentais nos pés direitos, surgindo outra escala nas construções. Uma casa térrea levantada nos fins do século era mais alta que outra de sobrado levantada nos primeiros séculos.” In LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira (2004), Organização Urbana e arquitetura em São Paulo dos tempos coloniais. In PORTA, Paulo (Org.), História da Cidade de São Paulo: A cidade colonial 1554-1822. São Paulo, Paz e Terra, pp. 173.

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36 BRUNO, Ernani Silva. Memórias da cidade de São Paulo: Depoimentos de moradores e visitantes/1553-1958. São Paulo, DPH, 1981, pp. 34.

37 LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Casa Paulista. São Paulo, Edusp, 1995, pp.

114-115.

38 “Já falamos das redes representando a cultura material dos índios dentro das casas da cidade e constatamos seu gradual desaparecimento nos papéis do juizado de órfão, à medida que o tempo avança, dando o lugar às numerosas menções a camas, leitos e catres, alguns ditos ‘da terra’, estes, no entanto, já bastantemente presentes desde os primeiros dias.” In LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira (2004), Organização Urbana e arquitetura em São Paulo dos tempos coloniais. In PORTA, Paulo (Org.), História da Cidade de São Paulo: A cidade colonial 1554-1822. São Paulo, Paz e Terra, pp. 187.

39 “O móvel que percorre ininterruptamente os inventários, desde os primeiros dias até a data da nossa independência política, é a caixa, grande, pequena, alta, baixa, com pernas ou gavetas, das mais variadas madeiras, com ou sem fechaduras ou alças nos topos, à moda árabe. Nas caixas, canastras, arcas ou baús, alguns forrados de couro, ou chapeados de ferro, guardava-se de tudo – sobretudo roupas, enxovais, toalhas, lençóis, aviamentos em geral, armas, mantimentos secos e tantas coisas mais. Às vezes, serviam até de bancos. Armários e cômodas, no começo muito raros, aparecem com frequência a partir da segunda metade do século XVIII.” In LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira (2004), Organização Urbana e arquitetura em São Paulo dos tempos coloniais. In PORTA, Paulo (Org.), História da Cidade de São Paulo: A cidade colonial 1554-1822. São Paulo, Paz e Terra, pp.

187.

40 Parte desse texto foi retirado do Relatório Final da Pesquisa de Iniciação Científica com bolsa FAPESP: “Da Casa ao Palácio: o móvel capaz de contar sua própria história” da aluna Renata de Castro Pante sob orientação do Prof. Dr. Carlos Augusto Mattei Faggin.

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Século XIX (1822-1889) Após a Independência, as mudanças ocorridas em São Paulo podem ser separadas em duas etapas: a primeira de 1822 a 1860, data em que se decidiu pela construção da ferrovia Santos-Jundiaí, período de transformações lentas e discretas. A segunda fase, referente a 1860 e 1889, é marcada por intensas mudanças ligadas essencialmente a inauguração da ferrovia, principalmente na década de 1870.41

Antes da Ferrovia (1822 a 1860) A primeira metade do século XIX em muito se assemelha aos séculos anteriores. A cidade ainda se mantinha principalmente no triângulo central formado pelos conventos das ordens religiosas: Carmelita, Beneditina e Franciscana. A área de maior destaque e concentração da elite era a região da Rua do Carmo, entrada da cidade para quem vinha do Rio de Janeiro. O paulatino aumento da comunicação entre essas duas cidades fazia dessa rua um espaço de prestígio na pequena cidade.42 As construções urbanas continuaram a utilizar a técnica da taipa.

Em 1857 existiam nove fábricas de telhas e tijolos na cidade, mas o uso do tijolo era quase que exclusivo para ladrilhos.43 Como veremos a seguir, os tijolos utilizados nas primeiras residências, construídas após a inauguração da ferrovia, eram importados e apenas nas primeiras décadas do século XX que a cidade passa a fabricar os tijolos utilizados na construção civil.

As moradias urbanas da elite eram sobrados, em sua maioria o térreo servia de loja, depósito, armazém, escritório ou oficina dos escravos e o andar superior era usado como residência.44 Na maioria dos casos, repetia-se a planta dos séculos anteriores com alcovas no centro voltadas para varanda ou sala de jantar45 e a sobreposição de atividades no mesmo cômodo. Em algumas residências maiores existiam duas salas da frente, uma para os homens e outra para as mulheres.46 Essa sala de jantar ou varanda, segundo o pastor norte-americano Daniel Kidder, era utilizada para arejar as 53

Imagem 1 (próxima página): Planta Imperial da Cidade de São Paulo em 1810. Levantada pelo Capitão de Engenharia Rufino J. Felizardo e Costa e copiada em 1841 com todas as alterações.

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Imagem 2: Mapa de localização do cruzamento entre as ruas São Bento e Direita.

Imagem 3: Vista dos Quatro Cantos, com os antigos solares do Barão de Iguape (à esquerda) e do Brigadeiro Jordão (à direita), ambos provavelmente datados da segunda década do século XIX. Fotografia de Militão de Azevedo, 1887.

alcovas.47 No decorrer do século, com a gradual separação entre a vida privada e as atividades econômicas nas famílias mais ricas, essas se mudam para os novos loteamentos (Campos Elíseos, Santa Ifigênia, Higienópolis, etc.), mas mantém no centro urbano suas atividades financeiras.48 Nota-se nesse período o surgimento de algumas novidades, como o aparecimento de dormitórios com janelas, decorrência da crescente preocupação com a salubridade dos cômodos, fato que se acentuaria muito no fim desse século, com o surgimento dos primeiros palacetes. Em anúncios de jornais, proprietários que buscavam alugar ou vender casas, destacavam a presença de janelas em alguns dormitórios.49 A residência do Barão de Iguape, por exemplo, localizado na esquina da Rua São Bento com a Rua Direita, comprada no ano de 1825, era uma construção de dois andares, caracterizada por grande quantidade de janelas com sacadas e grade de ferro.

O acesso para o pátio interno se dava pela Rua Direita, por onde entravam os carros de bois trazendo alimentos.

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Em meados do século XIX, a residência abrigou o Comendador Antônio Prado, neto do Barão de Iguape e filho de Dona Veridiana Prado, que veio a São Paulo estudar Direito. Em relatos, Antônio Prado conta que dormia no andar térreo da residência e que seu avô o recomendava que estivesse de volta em casa antes das oito horas, quando o Barão trancava a porta de casa:

“Não contrariando as ordens recebidas, recolhia-se o estudante cedo.

Depois de tomar o clássico chá das 9, muito em uso nesses bons tempos, beijava a mão do seu venerado avô, recolhendo-se ao seu quarto no andar térreo. Contava ainda o Conselheiro: ‘pensam que eu ia deitar-me logo? Nada disso. Erguia a vidraça da janela, que era muito baixa, pulava para rua e colocava um pequeno calço na vidraça para suspendê-la na minha volta, e assim, livre, ia reunir aos meus colegas para alguma estudantada em repúblicas de companheiros alegres.’”50

Como veremos a seguir nas plantas da residência do Barão de Itapetininga, nesse momento se inicia a substituição da alcova pelo dormitório, ainda que de forma tímida. Nota-se também que nas residências mais abastadas, quando não possuíam o térreo destinado ao comércio, esse era ocupado até mesmo com dormitórios, provavelmente apenas para visitas.

Esse período apresenta outra inovação, as plantas residenciais passam a contar com os chamados “quartos de toalete”, cômodos destinados à higiene pessoal e ao ato de se vestir. A palavra toalete, como explica Bill Bryson, passou por muitas transformações a respeito de seu significado: “Originalmente, por volta de 1540, era um tipo de pano, diminutivo da palavra francesa ‘toile’, ‘tela’ ou ‘pano’.

Passou então a denominar um paninho para se usar nas penteadeiras (de onde vem ‘toiletries’, ou ‘artigos de beleza e higiene’). Daí se tornou a penteadeira em si; depois, o ato de vestir-se; depois, qualquer tipo de sala particular perto de um quarto; depois um aposento usado como lavatório; e, finalmente, o próprio lavatório.

Isso explica por que, em inglês, ‘toilet water’ [água de toalete] pode significar tanto uma perfumada água de colônia como ‘a água que fica dentro do vaso sanitário’.”51. Nas plantas dos séculos anteriores, não encontramos nenhum cômodo que possua a denominação de 57

“quarto de toalete”, porém é possível que as atividades ligadas à higiene e beleza ocorressem nas próprias alcovas e não em um cômodo específico, como passa a acontecer no século XIX.

Imagem 4: Sobrado de três andares que pertenceu ao Comendador de Souza Barros.

Na residência do Comendador Luís Antônio de Souza Barros, um dos poucos exemplares urbanos de três andares, o térreo destinava-se a morada de algumas lavadeiras com seus maridos, sendo esses também funcionários da residência (jardineiro, padeiro, cozinheiro e sapateiro). O primeiro andar da residência destinava-se ao dormitório do casal, a grande sala de estar, que durante o dia era utilizada como sala de costura, a sala de visitas e a sala de refeições.

O segundo andar da residência era ocupado pela sala de estudos, o dormitório das filhas mais velhas que o dividiam com a governanta alemã52, e conjugado a esse, o dormitório das crianças.53 A solução de separar o quarto dos adultos do quarto das crianças acompanha todo o século XIX e parte do XX. O quarto infantil na maioria das vezes possuía grande proximidade com as áreas de serviço e menos nobres da residência, especialmente porque os responsáveis por educar e cuidar das crianças eram os empregados, estrangeiros ou não. Já os dormitórios dos adultos possuíam um status maior, ocupando a área mais nobre e íntima da residência.

Em seus relatos, Maria Paes de Barros traz informações importantes a respeito de um tipo particular de dormitório, o quarto do recém-nascido, e os ritos de passagem na vida dessa criança logo após o nascimento:

“Os bebês chegavam regularmente, cada dois anos mais ou menos, quando misteriosamente aparecia na casa uma boa mulata, amável e risonha [provavelmente uma parteira], que apresentava aos pequenos um novo irmãozinho. Era este recebido com júbilo e imediatamente submetido aos excessivos cuidados habituais. Coberto o soalho de um encerado escuro, semicerradas as janelas, durante vários dias permanecia o pequenino no vasto dormitório. Nessa meia obscuridade penetrava frequentemente, silenciosa, pés descalços, a escrava de serviço trazendo um pequeno braseiro de prata, com brasas vivas, junto ao qual eram aquecidas as camisinhas e outras peças do vestuário do pequeno. E quando se julgava o ar um tanto corrompido, deitava-se um punhado de açúcar com alfazema sobre as brasas. Dias depois, passava o pequeno para o quarto de

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vestir, habituando-se à luz nessa peça clara e alegre, toda forrada de acetinado papel branco, com ramos de rosas pálidas atadas com fita azul-celeste; o soalho era coberto por esteirinha fina. Mobiliavam-na, a um lado, a cômoda preta ornada de incrustações douradas e, tomando toda a parede adjacente, o vasto guarda-roupa com seus cabides engenhosos e grande gavetas. Ali vinham todos os dias os pequenos admirar os progressos do irmãozinho, que se desenvolvia sob os cuidados e o carinho da boa Joaquina, a pajem africana.”54

Nesse relato, notamos que além do dormitório para o recém-nascido possuir uma dinâmica distinta nos primeiros dias de vida da criança, o quarto de vestir também é acrescido de significado para além de cômodo destinado à toalete e ao vestir-se. Ele era utilizado também como cômodo de adaptação do recém-nascido ao mundo. Era comum a persistência de alcovas sem janelas utilizadas para os primeiros dias após o nascimento da criança Carlos Lemos especula que a preocupação em manter “o recém-nascido no escuro da alcova talvez tenha a intenção de esticar por mais alguns dias a obscuridade do útero materno. [...] Câmara Cascudo, em seu Dicionário do Folclore Brasileiro, no verbete ‘Parto’, também fala em ambiente escurecido apropriado ao momento do nascimento de uma criança para que ela não viesse a ter ‘gênio vivo, impulsivo, arrebatado’.”55 É durante o século XIX que se intensifica ainda mais a presença da elite em chácaras. Apesar de se localizarem fora do centro urbano, essas residências por vezes eram extremamente próximas à cidade. Essa forma de morar atraiu muitos fazendeiros, pois oferecia maior conforto em relação aos sobrados. As chácaras eram grandes terrenos, com pomar, horta, estábulos, lagos, jardins e local para criação de animais. Em alguns casos, famílias ricas residentes em sobrados com quintais pequenos, possuíam também chácaras ou sítios ao redor da cidade de forma a abastecer a residência com frutas, verduras, leite, queijos, carne e etc.56 Apesar do interior das casas ter permanecido modesto57, já é possível notar algumas mudanças em relação aos séculos anteriores. De maneira geral, os objetos contidos nas residências tanto de classe 59

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Imagem 5: Mapa de localização da Rua Tabatinguera Imagem 6: Chácara de Dona Ana Machado, localizada entre a Rua da Tabatinguera e Chácara dos Ingleses.

Fotografia de Militão de Azevedo. .

média quanto de elite eram essencialmente os mesmos, a grande diferença estava nos valores de tais objetos.58 O levantamento realizado por Maria Lucília Viveiros Araújo59 estudou 146 inventários post-mortem no período compreendido entre 1800 e 1850. Com as informações disponíveis pelo estudo, é possível discorrer a respeito das mudanças em relação ao conforto ocorridas no século XIX. O aumento do número de cômodos refletiu também em um crescimento na quantidade de móveis e objetos de decoração.

No que diz respeito aos dormitórios, surgem com mais frequência camas luxuosas: com entalhes, embutidos, cabeceiras almofadadas, gavetas, cortinados, etc. Uma cama encontrada na casa de um dos inventariados foi avaliada em 13$000 (treze mil réis), enquanto uma cama comum custava 1$000 (mil réis). No entanto, mesmo nas casas mais ricas, nem todos os leitos eram luxuosos. Uma mesma residência possuía tanto camas sofisticadas como catres rústicos.60

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Os colchões que antes apareciam de forma mais incisiva nos inventários dos séculos anteriores começam a rarear, possivelmente por terem seus valores diminuídos. Os travesseiros geralmente acompanhavam as camas mais sofisticadas, por isso eram revestidos de tecido adamascado ou seda.61 As redes, assim como os colchões, tão comuns nos séculos anteriores, desaparecem dos inventários na década de 1820. O baixo custo fez com que elas não precisassem mais serem inventariadas.62

Imagem 7: Cama do século XIX, estilo D. João VI, fabricada no Brasil. Pertenceu ao Barão de Iguape. Acervo do Museu da Casa Brasileira

Para guarda de roupas existiam as cômodas e os guarda-roupas. O valor das cômodas estava ligado diretamente ao número de gavetas, ferragens e embutidos, chegando a custar 28$000 (vinte e oito mil réis). Os guarda-roupas também eram móveis caros, as classes menos abastadas ainda guardavam suas roupas e objetos em baús, caixas ou cabideiros. Aparecem com maior frequência nesse período os espelhos e após 1822 surgem também embutidos em outros móveis (mesas, cômodas, etc.). Os que eram colocados nos quartos estavam à venda nas lojas por valores baixos ($200 a $480).63 A higiene pessoal era feita nos dormitórios com bacias que ficavam embaixo da cama e eram utilizadas para as mãos, banho, barba e etc.64 Analisando os móveis do final do período nota-se que esses foram perdendo o rebuscamento, porém passaram a integrar conjuntos.

As lojas vendiam as madeiras e as ferragens para fabricação do móvel, e era necessário encomendar do artesão a sua manufatura.

Havia também a alternativa de importar os móveis, muito utilizada pelos mais ricos.

O aumento do número de móveis levou a uma diminuição de sua versatilidade passando a servirem usos mais específicos. Isso permitiu também uma diminuição na sobreposição de funções nos cômodos de residências mais abastadas, que passam a ser marcadas pela separação dos usos em ambientes específicos.65

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Casa do Barão de Itapetininga Joaquim José dos Santos Silva, o Barão de Itapetininga, era um proprietário rural paulista, nascido em 1799 e falecido em 1876.

Construiu na cidade de São Paulo em 1830, uma residência localizada na Rua de São José (atual Libero Badaró), sendo uma das primeiras a apresentar duas portas de entrada, dispostas de forma simétrica na fachada, com influências neoclássicas.66 A entrada nobre situava-se no eixo da Rua Direita, encaminhando o visitante ao grande vestíbulo com escada social para o primeiro andar, onde seria recebido. A porta de serviços, localizada na direita da fachada, levava aos cômodos e à escada de serviços da residência. Como nas moradias dos séculos anteriores, a cozinha permanece situada no apêndice. Nota-se que mesmo o andar térreo sendo ocupado com cômodos, o pavimento superior ainda é considerado “andar nobre”.

A construção dispõe de duas salas de jantar, mostrando a transição pela qual as residências passavam nesse período. Uma das salas de 63

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Imagem 8: Ao fundo, o solar do Barão de Itapetininga (1799-1876), construído por volta de 1830. Foto provavelmente de 1889.

Imagem 9: Mapa de localização da antiga residência do Barão de Itapetininga..

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Imagem 10 a - Planta do pavimento térreo da residência do Barão de Itapetininga. 1- Vestíbulo; 2- Escritório; 3- Alcova; 4- Quarto; 5- Sala de Jantar Íntima; 6- Copa; 7- Serviço; 8- Cozinha.

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Imagem 10 b: Planta do pavimento superior da residência do Barão de Itapetininga. 1- Sala de Espera; 2- Sala de Visitas; 3- Quarto de Vestir; 4- Quarto; 5- Copa; 6- Sala de Jantar de Cerimônia; 7- Alcova.

jantar (a do andar superior) era utilizada para cerimônias e eventos, com uma copa anexa, acessível pela escada de serviço. A outra sala de jantar (do andar térreo) se aproximava do uso das antigas varandas, marcada pela sobreposição de usos e pelo estar íntimo da família, não sendo aberta às visitas e localizada próxima à cozinha.

As plantas apresentadas da residência do Barão de Itapetininga decorrem da tese de doutorado de Eudes Campos67, que reconstituiu essa moradia a partir do inventário do Barão e das plantas publicadas nos periódicos por ocasião da destruição do imóvel em 1889.

No andar térreo o sobrado dispõe de três alcovas e um dormitório.

A alcova ligada ao escritório, destinava-se aos visitantes ligados ao proprietário por laços comerciais.68 As outras duas alcovas e o dormitório, por estarem ligados à sala de jantar íntima, deduz-se que seriam ocupadas por membros de muita proximidade da família, ou então, não eram utilizados para dormir e sim como depósito de móveis usados (o inventário descreve que nesses cômodos existiam: camas, armários, cadeiras, lavatórios, etc.).

No andar superior da residência, além dos cômodos destinados ao receber formal, existiam três dormitórios e uma alcova, além do quarto de vestir. O dormitório diretamente ligado ao quarto de vestir era de uso do casal. A ligação direta entre o quarto de vestir e a sala de receber, nos faz levantar hipóteses de que esse era utilizado também como quarto para receber visitas mais íntimas, principalmente familiares, da mulher.

O testamento não revela a presença de camas nos outros dormitórios ou na alcova, o que poderia ser justificado por esses dormitórios serem de uso dos filhos do casal que não mais residiam nesse sobrado e provavelmente eram pouco utilizados como dormitórios.69 Não encontramos referências a respeito diretamente do mobiliário presente no dormitório principal da residência do Barão de Itapetininga, porém, de acordo com o mobiliário presente nas resi66

dências de elite desse período, podemos supor que esse ambiente era ocupado por: camas com cortinados, lavatórios com tampos de pedra, guarda-vestidos, camas de ferro, marquesas, cômodas inteiras e meias-cômodas, todos de origem francesa.70

Depois da Ferrovia (1860 a 1889) Os primeiros séculos da Vila de São Paulo foram marcados pelo isolamento geográfico, e poucas influências europeias, restritas a Portugal. Com a chegada da família real ao Rio de Janeiro, a abertura dos portos às nações amigas e posteriormente abertura da ferrovia ligando a capital paulista ao porto de Santos, as influências europeias no cotidiano do planalto aumentaram expressivamente. Não é de se estranhar, portanto, que o interior das residências paulistanas também passasse por mudanças substanciais nesse período. Para melhor entendermos essas mudanças, é necessário estudar as transformações na forma de morar europeia, e principalmente francesa, que tiveram início ainda no século XVI, e se intensificaram nos séculos XVIII e XIX, chegando aos novos palacetes paulistanos no final do século XIX.

“Orgulhosa desses progressos, oriundos em parte da ação patriótica individual, a Paulicéia ia perdendo sua aparência de pequena cidade para assumir ares de grande capital. Alargando e calçando suas ruas, expandia-se por todos os lados, embelezando-se com construções modernas, que substituíam as casas pequenas e baixas. [...]”71

Nos palácios europeus os conceitos de privacidade não eram os mesmos que conhecemos nos dias de hoje. Os nobres e seus criados perambulavam por todos os ambientes das residências e parentes poderiam visitar os palácios a qualquer hora.

“Nos palácios elisabetanos, por exemplo, era habitual que os dormitórios fossem ligados uns aos outros, formando uma sucessão de cômodos similar a um corredor interrompido por portas. O corredor não existia como recurso para guardar a intimidade, e esse conceito, que define os quartos de hoje, é uma

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Imagem 11: Modelo de vilas suburbana apresentada por Cesar Daly, em seu livro “L’architecture privée au XIXe siècle, sous Napoléon III” (1864).

necessidade tão recente quanto impensável durante a história anterior do dormitório.”72

No que diz respeito aos dormitórios desse período, membros da corte tinham livre acesso a esse cômodo, sendo comum os nobres receberem visitas nesse espaço, algumas vezes até deitados ou recostados. Como nos conta Maria Cecília Naclério Homem: “Na corte de Luís XIV, os nobres presenciavam o seu despertar; era um privilégio poder participar de sua toilette.”.73 Bill Bryson reforça essa informação afirmando que: “Os registros mostram que o mordomo e o camareiro do rei Henrique V permaneciam no aposento quando ele tinha relações com Catarina de Valois. [...] Nessas circunstâncias os cortinados de cama davam um pouco de privacidade e também reduziam as correntes de ar, mas cada vez mais passaram a ser vistos como refúgios anti-higiênicos para poeira e insetos.”74 Apesar desses costumes, a partir do século XVI se desenvolve na Europa o conceito de “privacidade” e “higiene”. É na casa da burguesia francesa que se iniciam as mudanças no que diz respeito à arquitetura, de forma a diminuir a sobreposi68

ção de atividades nos cômodos e o contato com os criados da residência. Como resultado dessas mudanças, os cômodos sofreram diminuições e adquiriram maior autonomia, houve um aumento no número de cômodos e cada um passou a ser utilizado para uma função específica e para cada gênero específico. Os homens possuíam a sala de bilhar, a biblioteca e o fumoir; as mulheres permaneciam na sala da senhora.

Ao mesmo tempo, com o aumento das epidemias, iniciou-se um maior cuidado com a higiene e as residências começaram a receber mais luz solar e serem mais arejadas. Para melhor atender a essas demandas, as casas passaram a contar com um vestíbulo de distribuição responsável pela insolação dos cômodos da casa, a presença de porões, responsáveis por diminuir a umidade, além de se isolarem as construções no centro dos lotes de forma a dificultar a propagação de ruídos e odores e é claro, de dar mais privacidade à família.75 Essas transformações adotadas na França e em grande parte da Europa vem para o Brasil através da elite que passava parte de seu tempo em Paris. No entanto, elas não ocorrem de forma repentina.

Incialmente adota-se na casa paulistana o porão e o recuo de um dos lados, e só nos novos loteamentos do fim do século XIX e início do XX (Campos Elíseos, Higienópolis, Avenida Paulista e etc.), passa-se a adotar a estrutura de vila francesa.

Como veremos, essa nova forma de morar francesa não foi aplicada exatamente igual nas residências da capital paulista, alguns elementos tradicionais da arquitetura paulistana se mantiveram, como por exemplo: a sala de jantar maior que os outros cômodos e próxima à cozinha, um quarto independente de hóspedes no andar térreo, hortas, pomares e poços d’água no terreno além das edículas para acomodar os criados.76 Com o crescimento da ferrovia houve também o aumento da produção rural. A riqueza levada ao comércio da capital, aliada ao aumento dos recursos públicos, intensificou os investimentos em obras e serviços. Pelo fato de São Paulo exercer papel fundamental 69

nesse cruzamento entre meios de transporte, muitas famílias da elite se instalaram na capital para exercer controle sobre a produção de açúcar e café, o mercado financeiro e as obras de infraestrutura. Entre figuras dessas famílias estão: Antônio da Silva Prado (depois Barão de Iguape), seu sócio João da Silva Machado (depois Barão de Antonina), o Brigadeiro Tobias de Aguiar, o Brigadeiro José Arouche de Toledo Rendon, o Senador Vergueiro, entre outros.

Os ricos fazendeiros passaram a residir em São Paulo por conta da substituição da mão de obra escrava pela imigrante, “o sistema de controle de produção deixou de ser o de pressão permanente sobre os antigos escravos, substituindo-se pelo sistema de contrato por produção, o que permitiu aos fazendeiros ausentarem-se de suas propriedades durante uma parte do ano, sem risco de prejuízos”77.

Por ainda dependerem do transporte ferroviário, os fazendeiros que chegavam à cidade, preferiam morar próximos à Estação da Luz, surgem então os bairros Santa Ifigênia, Chá e posteriormente Campos Elíseos.78 A modernização advinda da ferrovia também teve consequências sobre a iluminação, o transporte público, água, esgoto e lazer.

Algumas dessas transformações tiveram como agente o poder público, mas em sua maioria decorreram de iniciativas privadas. Em 1872 é instalada a primeira usina de gás para iluminação das vias públicas. Para os interiores eram vendidos lampiões de querosene vindos dos Estados Unidos, gerando grandes melhorias na vida noturna das residências.79 O desenvolvimento da cafeicultura, ainda que em seu início, trouxe mudanças ao modo de vida da sociedade e consequentemente às residências. O aumento das viagens para Paris fez com que a elite aprendesse lá novos conceitos de “civilité”, associados à higiene pessoal, roupas, educação e elegância. Aqueles que não acompanhassem essas mudanças passaram a ser considerados “caipiras”.80 Na segunda metade do século, começam a surgir novos bairros, que se davam pelo parcelamento das antigas chácaras, como por exemplo, a Chácara do Chá loteada em 1876. Os loteamentos provi70

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É nesse período que começa a se delimitar a segregação social no território urbano. Bairros de baixada ou com topografia mais acidentada foram caracterizados pela ocupação popular, já as áreas mais altas e planas da cidade possuíam preços elevados e eram procurados pela elite. Esse foi o caso dos bairros da Luz e Santa 71

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“Assim, uma a uma, as antigas chácaras, tão apreciadas pelos viajantes que por aqui passaram na primeira metade do século, começam a ser loteadas, de forma empírica e desordenada. Na região norte da cidade, além da chácara Mauá, são loteadas as chácaras do Miguel Carlos e do Bom Retiro; para leste a da Figueira e do Ferrão; para sul a de D. Ana Machado, do Cônego Fidélis, da Glória, do Fagundes, do Barão de Limeira, do Menezes e do Lavapés; para oeste as do Senador Queirós, de Martinho Prado e do Marechal Arouche de Toledo.

Mais afastadas, os sítios do Caaguaçu, onde seria aberta a Avenida Paulista, o Tapanhoim, o Ipiranga, a Casa Verde, a Freguesia do Ó, o Anastácio e a Freguesia da Penha. É a ‘segunda fundação de São Paulo’, para usar-se a consagrada expressão do professor Eurípedes Simões de Paula.”81

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nham de iniciativas de grandes empresários e proprietários dessas, e não havia diretrizes gerais para esses loteamentos, tornando o tecido urbano uma colcha de retalhos.

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Imagem 12: Residência neoclassica de José Maria Gavião, na esquina da Rua Alegre com a Rua Episcopal. Fotografia de Militão de Azevedo, c.1862. Acervo do Museu Paulista da USP. Imagem 13: Mapa de localização da antiga residência de José Maria Gavião, esquina das ruas Brigadeiro Tobias e Washington Luís.

Imagem 14: Algumas das Chácaras que foram loteadas para ceder lugar aos palacetes de São Paulo no século XIX (baseado na Planta Geral da Cidade de Sã0 Paulo - Gomes Cardim 1897) 1- Chácara Elias Chaves 2- Chácara do Carvalho 3- Campo Redondo 4- Marquês de Três Rios 5- Barão de Antonina 6- Chácara Miguel Carlos 7- Brigadeiro Gavião Peixoto 8- Barão de Piracicaba II 9- Brigadeiro Tobias 10- Chácara da Figueira 11- Chácara Senador Feijó 12- Chácara Dona Ana Machado 13- Chácara do Osório - antiga chpacara Menezes 14- Chácara Fagundes 15- Sítio Tapanhoim 16- Local provável do Sítio Ipiranga - Brigadeiro Jordão 17- Chácara Barão de Limeira 18- Chácara do Capão 19- José Borges de Figueiredo - Joaquim E. de Lima 20- Dona Maria Antônia 21- Chácara Martinho da Silva Prado 22- Res. Conselheiro Ramalho 23- Chácara velha do Senador Souza Queiroz 24- Chácara do Chá 25- Chácara do Arouche 26- Chácara do Sen. Feijó, depois do Barão de Piracicaba 27- Chácara Jaguaribe 28- Chácara Dona Veridiana da Silva Prado 29- Chácara Conselheiro Ramalho 30- Chácara Floriano Wanderley 31- Chácara das Palmeiras

Ifigênia, onde foram construídos palacetes e chácaras das famílias mais ricas, nas atuais ruas Brigadeiro Tobias e Florêncio de Abreu.

Quanto às residências desse período, notamos o início da substituição da taipa pelo tijolo. O aumento do consumo urbano gerou mudanças na construção civil, trazendo novos materiais, em sua maioria importados da Europa. A noção de conforto residencial também se alterou com a presença de móveis mais refinados, peças de vestuário, cortinas, vidros, etc. As casas começam a ter recuos laterais. Com a vinda da Missão Artística Francesa, em 1816, foi introduzida no Brasil a arquitetura neoclássica, como é caso da residência na chácara de José Maria Gavião Peixoto e de um sobrado de três andares situado na Rua Quinze de Novembro, revestido de azulejos na fachada.

No interior das residências, a importação gerou grandes mudanças e os novos utensílios domésticos vieram para facilitar a vida de quem podia importa-los. Os “fogões econômicos” substituíram os fogões caipiras, vieram também os moinhos de café, móveis estofados e banheiras, essas instaladas em dormitórios ou em quartos construídos nos quintais. Nos dormitórios surgem novos mobiliários e peças de decoração: toilettes com tampo de mármore, penicos, escarradeiras, criados-mudos, cômodas, guarda-roupas, vidros, cristais, porcelanas, quadros, cortinas, tapetes e etc.82 A profusão decorativa se apresentou também nas paredes com pinturas esmaltadas, nos vidros lapidados com jatos de areia, nos vitrais e nas peças de marcenaria, como escadas, pisos, portas e janelas. Um belo exemplo dessas decorações é a primeira residência do cafeicultor Elias Pacheco Chaves, localizada na rua São Bento, construída em 1881. Em 1897, quando o dono da residência se muda para o Palacete Elias Chaves no bairro Campos Elíseos, a residência da rua São Bento passa a abrigar o escritório Prado, Chaves & Cia. Em suas memórias, o advogado e político Jorge Americano, descreve:

“Quem quiser saber como tinha sido antes uma residência rica, vá à sede da Companhia Prado Chaves, na Rua de São Bento, onde residia até o fim do século passado a família Prado. No andar térreo, dependências. Sobe-se por uma escada ao andar superior onde há um saguão com claraboia, que serve de

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Imagem 15: Entrada da primeira residĂŞncia de Elias Chaves na rua SĂŁo Bento, onde depois funcionou a empresa Prado, Chaves & Cia. Fotografia do acervo do Condephaat, anterior a 1947.

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Imagem 16: Elementos decorativos do sobrado de Elias Chaves, localizado na rua SĂŁo Bento. Escadaria principal do sobrado, excelente trabalho de marcenaria. Fotografia do acervo do Condephaat, anterior a 1947.

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distribuidor. Salão na frente, quartos dos lados, dando janelas para áreas, sala de jantar com janelas para os fundos, um corredor lateral com banheiro, copa, cozinha, despensa. Ornatos de estilo nas portas, janelas e teto. Grandes lustres de cristal, para velas, pendentes do teto em estuque trabalhado. Chão em mosaico de madeiras variadas e paredes forradas de seda ou papel-cetim estampado.”83

Cada vez mais o uso de alcovas diminui e os dormitórios com janelas se tornam mais presentes. A crescente preocupação com a higiene desestimulou o uso desses ambientes sem janelas. Como veremos nos exemplos a seguir, algumas casas ainda possuíam as alcovas, porém é possível que essas não fossem mais utilizadas 77

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Imagem 17: Elementos decorativos do sobrado de Elias Chaves, localizado na rua São Bento. Detalhe do vidro lapidado com as iniciais EC. Fotografia do acervo do Condephaat, anterior a 1947.

Imagem 18: Localização do sobrado, Rua São Bento, 189.

como dormitórios e sim como espaço de armazenamento de objetos ou então dormitórios para ocasiões especiais.

O aumento de móveis estofados indica um aumento no conforto desses objetos, as tão comuns cadeiras com assento de palha são substituídas por poltronas estofadas. E assim como os móveis passaram a ter usos mais específicos, os cômodos também acompanharam essas transformações. A propagação dos quartos de toalete, quartos de vestir ou boudoirs, reforçam a separação, já existente, de cômodos específicos para cada gênero.

Sobrado do Coronel Teixeira de Carvalho

Imagem 19: Fachada do sobrado do Cel. Teixeira de Carvalho, localizado na rua Florêncio de Abreu, 111.

Imagem 20 (página seguinte): Plantas do sobrado do Cel. Teixeira de Carvalho. À esquerda o pavimento térreo: 1- Sala; 2- Vestíbulo; 3- Gabinete; 4- Sala de Jantar; 5- Quarto de Hóspede; 6- Copa; 7-W.C.; 8- Cozinha; 9- Despensa; 10- Lavanderia. À direita o pavimento superior: 1- Sala; 2- Dormitório; 3- Desvão do Telhada; 4- Passagem; 5- W.C.; 6- Banho; 7- Toalete.

Esse sobrado, construído em 1884, se apresenta como uma construção de transição entre o típico sobrado urbano, comum aos séculos anteriores, e o palacete. Situado na Rua Florêncio de Abreu, nº111, a residência apresenta algumas características inovadoras: possui recuos laterais, duas entradas (social e de serviço) e o modelo de distribuição dos cômodos no estilo francês, com salas no térreo, cozinha na parte de trás da residência e quartos e banheiros no andar superior.

Construído com tijolos, o sobrado do Coronel Teixeira de Carvalho, importante comerciante de origem portuguesa, apresenta solução construtiva francesa recebida de forma indireta, provavelmente pelo mestre-de-obras responsável ou através do Rio de Janeiro, cidade em que o proprietário morava antes de se mudar para capital paulista.84 Notavelmente esse sobrado se manteve quase intacto até 1975.

Após a morte do Coronel, em 1930, sua filha Marieta permaneceu na residência, sem realizar grandes alterações, inclusive no que diz respeito ao mobiliário e decoração, até falecer, em 1975. Nessa ocasião, os bens foram leiloados e encontram-se descritos nos arquivos do Condephaat que por sua vez realizou o tombamento do imóvel.

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Imagem 21: À esquerda mesa lavatório com tampo de pedra e espelho. Ao centro, quarto principal da residência, cama com dossel e criados mudo. À direita guarda-vestidos com espelho.

Entre os móveis encontrados, existiam peças desde o século XVIII, porém a maioria eram objetos do final do século XIX. Quanto ao quarto, a mobília contava com: cama com dossel, dois criados-mudos, duas cadeiras de palhinha, lavatório, guarda-vestidos, guarda -roupas, penteadeira, psichê, camiseiro com espelho, etc.

Analisando a planta dessa residência, percebemos a presença do quarto de hóspedes no andar térreo e os quartos dos moradores no andar superior. Nota-se, porém que o quarto de toalete se situa muito afastado dos dormitórios e próximo ao banheiro e w.c.

O usual seria o quarto de toalete estar diretamente conectado ao dormitório, porém é possível que as atividades normalmente ligadas ao “quarto de toalete” fossem exercidas no próprio dormitório ou então no dormitório adjacente ao principal, tornando desnecessária a presença de um cômodo específico para a toalete. Essa hipótese é reforçada pelo rol de móveis presentes no dormitório: o 80

lavatório, a penteadeira, o psichê e a grande quantidade de armários.

Apesar de não haver indicações na planta, a partir das fotografias retiradas do processo de tombamento do Condephaat, notamos que existiam janelas laterais na residência, inclusive nos dormitórios. Essa construção já se apresenta sem nenhum exemplar de alcova.

Palacete do Barão de Piracicaba II O Barão de Piracicaba II, Rafael Tobias de Aguiar Paes de Barros (1830-1898), era filho de fazendeiros do café. Mudou-se para São Paulo vindo de sua fazenda, no município de Rio Claro. Na Capital, Rafael Tobias de Aguiar Paes de Barros, atuou na fundação do Jockey Club de São Paulo e da Cia. Cantareira de Águas e Esgotos.

Em 1877, o Barão de Piracicaba II, título recebido do Imperador em 1880 por ter doado parte dos terrenos necessários para construção da Santa Casa de Misericórdia, mandou erguer na esquina das ruas Brigadeiro Tobias (antiga Rua Alegre) e Rua Senador Queiroz um palacete para nele morar com sua família, sendo esse o primeiro sobrado paulistano com recuos laterais e frontais.85 Essa construção apresenta as características dos palacetes franceses, sendo explicado pela viagem realizada pelo Barão em 1858 a Paris. Ao que consta, a planta foi desenhada pelo próprio fazendeiro e executada por escravos e mestres-de-obras. Nas paredes foram utilizados tijolos gravados com as armas do Império, provenientes da olaria Sampaio Peixoto, em Campinas. O pioneirismo na técnica resultou em paredes com espessura muito além do necessário (90 cm).86 A residência foi construída com recuos frontais e laterais, jardins e separação da entrada social e de serviço. O lote continha também 81

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Imagem 22: Localização do Palacete do Barão de Piracicaba II Imagem 23: Palacete de Rafael Tobias de Aguiar, Barão de Piracicaba II (c.

1877). Desenho de Alberto Esteves, 1952.

Acervo do Museu da Faculdade de Medicina da USP.

pomar, senzala, edícula para os funcionários assalariados, quintais, canil, lenheiro, horta e casa do porteiro.

No que diz respeito ao interior da residência ainda existiam características próximas aos sobrados urbanos: no primeiro andar a zona de estar ficava na frente e a cozinha nos fundos. Os dormitórios eram conjugados, porém apresentam algumas inovações comuns ao fim do século XIX: quartos com janelas (a planta mostra apenas duas alcovas), quartos de vestir, especialização dos espaços e decoração profusa, toda importada de Paris pela Casa Garraux.

O palacete era muito grande, contava com 34 dormitórios, dois banheiros completos, além de: salões, saletas, galerias, salas de refeição, bilhar, sala de estudos, salas de jogos, terraços, cozinha, etc.87 Observando as plantas apresentadas por Maria Cecília Naclério Homem, notamos que não é possível contar 34 dormitórios, o que nos leva a duas hipóteses: os espaços marcados como dormitórios na planta possuíam subdivisões, que na ocasião do levantamen82

to realizado pelo Escritório de Ramos de Azevedo, não foram desenhados, ou a contagem de dormitórios realizada leva em conta aqueles localizados fora da residência, nas edículas.

A ala direita da residência foi acrescida posteriormente à construção, dando ao palacete formato de U. Nessa nova ala foram construídos: sala de jogos, dormitórios, w.c., lenheiro, sala de crianças e banheiro.88 Pela análise das plantas, é possível supor que no andar superior, os dois dormitórios conjugados com acesso ao quarto de toalete, eram os dormitórios do Barão e da Baronesa de Piracicaba II. Os dormitórios do segundo andar construídos posteriormente, provavelmente destinavam-se aos filhos ou netos do casal, assim como os dormitórios localizados no andar térreo da residência. O palacete contava também com um quarto de hóspedes e quartos para alguns empregados.

Com o depoimento de Cecília Pereira de Souza Braga, neta do Barão de Piracicaba II, é possível descrever em detalhes os dormitórios da residência:

“No quarto da Baronesa, além da cama e das mesinhas de cabeceira ornamentadas com castiçais de prata, havia um armário com portas espelhadas, mesas de mármore, cadeiras de palhinha, poltronas e divã. Uma lamparina de prata pendia do teto diante de um oratório. Sobre a cômoda, uma bandeja com copo, açucareiro e jarra de opalina. No quarto de toilette, a Baronesa mantinha mesa vestida de gorgorão florido, espelho veneziano ladeado de castiçais de opalina roxa, lavatório, guarda-vestidos, cadeiras, cadeirinha-gôndola, chaise-longue e armário pequeno para remédios e artigos de perfumaria. Sobre o lavatório, um jogo francês completo de toilette, personalizado pelas iniciais BP gravadas em ouro e azul, compunha-se de panela de água, cuba, caixa de escovas, uma de sabão, urinol, bol para esponjas, pote para pasta, um bol para barba, uma jarra de zinco, balde de água servida, caixa de houppel (esponjas) e um par de frascos. Mobiliavam o quarto do Barão diversos armários, lavatório, mesa de toilette, burra-cofre, espelhos cama e poltronas. Sobre a mesa, encontravam-se escovas e pentes de prata, e sobre o lavatório, outro jogo francês de toilette, réplica do anterior.”89

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Imagem 24a: Planta do palacete do Barão3de Piracicaba II, levantamento realizado3 pelo Escritório de Ramos de Azevedo, desse 6 levantamento se perdeu a planta do pavimento intermediário existente nas duas 7 alas dos fundos, que contava com dois dormitórios, lenheiro, banheiro, depósito e oito dormitórios de empregados. Pavimento Térreo: 1- Sala de Jogos; 2- Saguão; 3- Dormitório; 4- Galeria; 5- Sala de Estudo; 6- Adega (em baixo), Quarto de Hóspede (em cima); 7- W.C.; 8- Lavanderia; 9, 10, 11, 12 - Quarto de Empregados, Quarto de Costura e Quarto de Passar; 13- Ginástica e Jogos Infantis; 14- Quarto de Empregados e Banho; 15- Lenheiro e Depósito.

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3 Sala Vermelha; 3- Escritรณrio; 4- Sala de 3Piano; 5- Hall; 6- Dormitรณrio; 7- Sala de Vestir; Imagem 24b: Pavimento Superior: 1- Sala Azul; 26 8- Sala da Senhora; 9- Copa; 10- Sala de Jantar; 11- Sala de Crianรงa; 12- Banheiro; 7 13- Despensa; 14- Cozinha; 15- Terraรงo; 16- Alcova.

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Na descrição apresentada, é notável a presença de dormitórios separados para o casal, modelo mais comum nas residências da nobreza europeia. Os palacetes construídos nas décadas posteriores não possuíam tal divisão, Michelle Perrot ao tratar dessa separação nos palácios e casas burguesas da França diz:

“Nas casas nobres, continua-se durante um certo tempo separando o Senhor e a Senhora, e associando os lavabos contíguos, o quarto de Monsieur e o quarto de Madame. Legado durável: Viollet-le-Duc faz o mesmo em 1873 na sua burguesa Histoire d’une Maison. Em geral, Madame dispõe de um espaço mais amplo, o ‘grande quarto’, onde pode receber como antigamente, e onde Monsieur eventualmente se junta a ela, como faziam o rei e a rainha, por isso sendo designado como o lugar a relação conjugal. Madame conserva o poder de fechar sua porta, o que não é mais o caso no apartamento burguês, bem menor, onde o quarto torna-se único. A esposa perde espaço e liberdade. Embora reine, em princípio, sobre a casa, não tem mais um espaço próprio.”90

Podemos, também, a partir da relação de móveis encontrados nesses cômodos especularmos a respeito das atividades desenvolvidas neles. Além do repouso, no quarto da Baronesa a presença de um oratório leva a crer que era um espaço íntimo para reza; a mesa e as cadeiras poderiam servir para que a Baronesa escrevesse suas cartas; as poltronas e divã caracterizam um espaço para o descanso informal. Já o quarto do Barão, não apresenta tantos móveis, indicando que ele possuía outros espaços na residência e fora dela para desenvolver atividades como leitura, escrita, descanso, etc.

A residência foi alugada em 1918 para a Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, e nela funcionou o Instituto de Higiene, que aí permaneceu até 1931. O palacete foi demolido em 1942, dando espaço a um prédio.

Móvel no Brasil - 3º Período91 Com o advento de novas técnicas proporcionadas pela Revolução Industrial, a produção de mobiliário experimentou um conflito 86

entre arte e indústria. “Com a Revolução Industrial, ou seja, com a passagem do trabalho artesanal para a produção mecânica, e, a utilização de novos materiais, configurou-se uma profunda e crítica alteração nos resultados. Os objetos, antes frutos da habilidade criadora do artesão, passaram a ser reproduzidos em série pelas máquinas, sem que houvesse, para tanto, um desenho compatível com o moderno modo de produção.”92. Essa competição entre o homem e a máquina, fez com que muitos artesãos optassem por recriar estilos do passado, desde o Clássico até o Gótico, causando a proliferação de diversos novos estilos.

Por esse motivo, Lucio Costa nomeia seu terceiro e último período de “reação acadêmica”93, final do século XVIII e boa parte do século XIX. Corresponde à vinda de D. João VI (1816 – 1826) ao Brasil, junto com a missão francesa e parte do reinado de D. Pedro II (1831 – 1889).

Com a abertura dos portos às nações amigas (1808), declarada por D. João VI, o comércio com a Inglaterra passou a ser permitido, libertando o Brasil do monopólio português. Nesse período o Brasil aumenta consideravelmente as importações, inclusive de mobiliário, da Inglaterra e, posteriormente, da França, Reinos da Prússia e Estados Unidos.

Nesse contexto, podemos dizer que a primeira metade do século XIX foi marcada pela assimilação de móveis de estilos franceses, como o Diretório e Império, estilos ingleses como o Adam, Sheraton, Hepplewhite e Regência e o alemão Biedermeier. A partir da adaptação e reprodução desses estilos, o Brasil deu origem a estilos próprios: Sheraton Brasileiro, D. João VI e Beranger ou Pernambucano.

Esses estilos são marcados por uma volta ao partido retilíneo e à composição regular. A presença de embutidos de madeiras claras ou em marfim, torneados miúdos, estrias, caneluras, gomos e uso da curva. Tampos de mesa e consoles feitos em mármore também correspondem a esse período.

O estilo Sheraton é de origem inglesa, marcado pela simplicidade de execução e a delicadeza dos elementos decorativos. Ele não foi 87

Imagem 25: Cômoda estilo D. João IV, originária de São Paulo. Com frisos contornando a caixa e leques nos cantos das gavetas. Acervo do Museu da Casa Brasileira.

Imagem 26: Cama de solteiro estilo Império Francês do século XIX, originária do Rio de Janeiro. Entalhada com dragões ladeando um brasão com a coroa imperial com as iniciais TCM. Feita em jacarandá da Bahia e mogno.

Acervo do Museu da Casa Brasileira.

apenas adaptado ao Brasil, mas também foi reinterpretado, gerando o estilo Sheraton Brasileiro.

O mobiliário de estilo D. João VI compreende o período de 1816 até o Império Brasileiro e é de inspiração inglesa e francesa. É caracterizado pelo uso do jacarandá preto, estruturas planas, presença de cordões, rosetas, pernas recortadas ou torneadas em anéis sobrepostos, estrias e arremates em ponta de diamantes.

Julião Beranger era um marceneiro que se estabeleceu em Recife em 1816, criou uma “escola” e um estilo próprio que recebeu seu nome ou Pernambucano. Baseado no estilo Império, Neorrococó e 88

o estilo Biedermeier, seus móveis acabaram apresentando um caráter regional inspirado na fauna e flora brasileira.

As camas do começo do século foram aos poucos perdendo os vazados nas cabeceiras e se tornaram mais uniformes, com recortes simples. Com tantos estilos em voga simultaneamente, em cada peça de mobiliário predominava um estilo específico, no caso das camas era o estilo Império ou Diretório, ambos de influência francesa.

O início desse século também marca a presença de lavatórios, mesas de toaletes, penteadeiras e psichê, móveis que antes eram raros, passam a fazer parte do dia-a-dia das famílias mais abastadas.

Imagem 27: Espelho de pé, oriundo da França, estilo Império. Espelho utilizado para vestir, construído em jacarandá da Bahia, vinhático e apliques em bronze.

Acervo do Museu da Casa Brasileira.

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notas 41 “Nas décadas que seguiram à Independência, as mudanças ocorreram em São Paulo de modo relativamente lento. É possível mesmo dividir esse período em duas etapas: a primeira até 1860, quando se decidiu a construção da ferrovia Santos a Jundiaí. Foi um período com discretas transformações na vida urbana e lento crescimento econômico. A segunda, a partir de 1860 – sobretudo de 1870 a 1889 – quando as consequências da inauguração dessa linha férrea, e das demais, levaram a amplas e aceleradas mudanças nas atividades produtivas, na Província e na própria cidade.” In REIS, Nestor Goulart. São Paulo: Vila, Cidade, Metrópole. São Paulo, Via das Artes, 2004, pp. 111.

42 “Nesse tempo a zona do Carmo reafirmava a sua tradição de área fidalga, por certo fortalecida pela situação da rua do Carmo: entrada da cidade para os que procediam do Rio de Janeiro, com as comunicações se tornando mais frequentes.”

In BRUNO, Ernani Silva. História e Tradições da Cidade de São Paulo (1828-1879).

Rio de Janeiro, José Olympo Editora, 1954, pp. 563.

43 “Em 1857 havia na cidade nove pequenas fábricas de telhas e tijolos. Mas não se fazia uso de tijolos senão para ladrilhar, e a primeira grande fábrica só se inaugurou parece que no ano de 1859, no Bom Retiro.” In BRUNO, Ernani Silva.

História e Tradições da Cidade de São Paulo (1828-1879). Rio de Janeiro, José Olympo Editora, 1954, pp. 473-474.

44 “Entretanto alguns fazendeiros abastados passaram a habitar, como as famílias paulistanas de mais recursos, os pavimentos superiores dos sobradões que se ostentavam nas ruas principais de São Paulo. Na maioria dos edifícios de dois pavimentos – à semelhança, aliás do que ocorria nas outras cidades do Brasil e em grande parte das hispano-americanas – só o de cima era utilizado para morada, servindo o térreo para loja ou mesmo para estábulo ou cocheira.” in BRUNO, Ernani Silva. História e Tradições da Cidade de São Paulo (1828-1879). Rio de Janeiro, José Olympo Editora, 1954, pp. 466-469.

45 Sala de Jantar e Varanda, nesse caso se referem ao mesmo cômodo. A sala de jantar nos primeiros séculos era utilizada como espaço de estar informal principalmente feminino. Por ser um cômodo próximo da cozinha, a sinhá podia fazer seus trabalhos manuais, ao mesmo tempo em que cuidava da produção de alimentos da casa.

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46 “O que caracterizava o sobrado era também a superposição de funções e a localização do estar formal. Este, utilizado por hóspedes ou visitantes, permanecia separado, pelas alcovas, do estar informal ou familiar, que transcorria na sala de jantar. Um corredor no sentido frente-fundos levava os escravos, criados e membros da família a cruzar as diversas zonas. Nos grandes sobrados, esse esquema era mais amplo, destinando-se uma sala da frente para as mulheres e outra para os homens, de forma que no estar formal o convívio masculino se apartava do feminino.” In HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp.

33-34.

47 “Já que estamos no assunto descreveremos o arranjo interno das moradias paulistas, descrição essa que se aplica também as de outras regiões do império.

Varia muito a divisão das casas, quase todas, porém, são construídas de forma a deixar uma área interna que serve para arejar os dormitórios.” In KIDDER, Daniel. Reminiscências de Viagens e Permanências no Brasil. Vol. 1. São Paulo, Martins Editora, 1972, pp. 189.

48 “A partir do século XIX, os negócios e as funções econômicas foram gradualmente separados do mundo familiar.” In ARAÚJO, Maria Lucília Viveiros. Os interiores após a expansão da economia exportadora paulista in: Anais do Museu Paulista V.12, São Paulo, 2004, pp. 135.

49 “Por meio de anúncios de periódicos constata-se que as novas condições de salubridade não tardaram a ser assimiladas, pois logo no princípio da década seguinte (1861) proprietários passaram a fazer questão de destacar a existência de quartos com janelas nas casas de aluguel ou postas à venda.” in CAMPOS, Eudes.

Arquitetura paulistana sob o Império: aspectos da formação da cultura burguesa em São Paulo. Tese (Doutorado) – FAUUSP, 1997, pp.471 50 SOUZA, Pedro Luis Pereira. Casa Barão de Iguape. São Paulo, Edição do Autor, 1959, pp. 13.

51 BRYSON, Bill. Em casa. São Paulo, Companhia das Letras, 2011, pp. 379.

52 Nota-se no relato de Maria Paes de Barros que essa governanta possuía uma relação de intimidade com as filhas mais velhas do Comendador, nas palavras

91

da memorialista “Elegeram-na pois, verdadeira irmã, estabelecendo-se entre todas elas a mais completa intimidade”. (pp. 12) 53 “Dormiam as três no mesmo quarto, de onde partiam sussurros de confidências e de longas conversas. A natural expansão do afeto que as unia era vagamente pressentida pelas pequenas do dormitório contíguo.” in BARROS, Maria Paes de. No tempo de dantes. São Paulo, Paz e Terra, 1998, pp. 12.

54 BARROS, Maria Paes de. No tempo de dantes. São Paulo, Paz e Terra, 1998, pp.

11-12.

55 LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Casa Paulista. São Paulo, Edusp, 1999, pp.

212.

56 “Assim, os sobrados que não dispusessem de quintais amplos apoiavam-se nas chácaras. A maioria dos proprietários dos grandes sobrados contava com chácara ou sítio nos arredores da cidade, os quais, a rigor, não passavam de quintais dos sobrados as famílias que não possuíssem terras valiam-se das áreas de uso comum. As várzeas serviam de pasto a seus animais e o mato fornecia lenha.

Valiam-se dos rios para a pesca e a lavagem de roupas, que também processava nos chafarizes públicos. A criação ficaria solta pelas ruas e pelos terrenos vizinhos. Isso explica, em parte, a dispersão dos fogos e das freguesias e o fato de algumas chácaras chegarem até junto ao aglomerado urbano.” In HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 39.

57 “O interior dessas casas paulistanas, até meados do oitocentismo, era de modo geral ainda bastante modesto e desprovido de requintes.” In BRUNO, Ernani Silva. Histórias e Tradições da Cidade de São Paulo (1828-1879). Rio de Janeiro, José Olympo Editora, 1954, pp. 477.

58 “[...] desde o início do Oitocentos, eram marcantes as diferenças entre vizinhos. Os bens móveis acompanharam a mesma tendência. Em princípio, todos os proprietários das casas de morada podiam possuir objetos similares, mas a disparidade dos seus preços nos aponta o grau de desigualdade dos moradores da cidade.” In ARAÚJO, Maria Lucília Viveiros. Os interiores após a expansão da economia exportadora paulista in: Anais do Museu Paulista V.12, São Paulo, 2004, pp. 136.

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59 ARAÚJO, Maria Lucília Viveiros. Os interiores após a expansão da economia exportadora paulista in: Anais do Museu Paulista V.12, São Paulo, 2004 60 “Nem todos os leitos eram de luxo, aproximadamente a metade da casa era equipada com catres e estrados. Os catres eram objetos mais rústicos. Eles podiam ser tecidos com couro, cipó ou tabuletas. Um catre com armação valia até 8$000, e os mais simples giraram em torno de $500 (quinhentos réis).” In ARAÚJO, Maria Lucília Viveiros. Os interiores após a expansão da economia exportadora paulista in: Anais do Museu Paulista V.12, São Paulo, 2004, pp. 137.

61 “Por outro lado, os poucos travesseiros inventariados eram recheados de lã e revestidos de damasco, seda ou serafina, isto é, eram peças de adorno. As fronhas e os lençóis completavam a decoração das camas. Eles eram confeccionados em linho, bretanha, cassa, algodão ou paletilha, parte deles era decorada com babados e rendas. As colchas mais ricas eram de damasco e as mais comuns eram de algodão, chita ($600 a 2$000) ou baetão. Apareceram somente nos primeiros anos guarda-camas de linho ou tecido felpudo, mas essa peça pode ter caído logo em desuso.” In ARAÚJO, Maria Lucília Viveiros. Os interiores após a expansão da economia exportadora paulista in: Anais do Museu Paulista V.12, São Paulo, 2004, pp. 137.

62 “De forma geral, os objetos de uso de maior desgaste foram rareando das relações de bens, por isso localizamos menor quantidade de colchões comparativamente ao número dos leitos. Os colchões eram fabricados com tecido riscado ou riscadinho. As lojas da cidade forneciam todo o equipamento para sua confecção: agulhas, tecidos e linhas. Eles podiam ter recheios de lã, algodão ou capim.”

In ARAÚJO, Maria Lucília Viveiros. Os interiores após a expansão da economia exportadora paulista in: Anais do Museu Paulista V.12, São Paulo, 2004, pp. 137.

63 “Os espelhos podiam ficar nos quartos ou nas salas. Os espelhos maiores, com molduras douradas ou de jacarandá, ficavam nas salas. Dois grandes espelhos da sala do agricultor Francisco Pinto do Rego Freitas foram avaliados por 60$000.

Os espelhos dos quartos eram mais acessíveis e podiam ser adquiridos nas lojas por $200 ou $480. Eles tenderam a aumentar de tamanho e quantidade após a Independência e, anexados a outros móveis, serviam como as modernas penteadeiras. Por exemplo, o espelho de vestir da casa do negociante Joaquim Januário Pinto Ferraz acompanhava uma mesa coberta por pedra-mármore.” In ARAÚJO,

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Maria Lucília Viveiros. Os interiores após a expansão da economia exportadora paulista in: Anais do Museu Paulista V.12, São Paulo, 2004, pp. 141.

64 “Os objetos de higiene tornavam-se mais difundidos, mas como eram perecíveis, nem sempre foram relatados nos inventários. As bacias eram mais utilizadas na higiene. Havia bacias para debaixo da cama, para as mãos, para o banho, para a barba e para lavar. Elas eram encontradas em cobre, estanho, metal, arame ou prata.” in ARAÚJO, Maria Lucília Viveiros. Os interiores após a expansão da economia exportadora paulista in: Anais do Museu Paulista V.12, São Paulo, 2004, pp. 142.

65 “Os móveis tornaram-se menos rebuscados e tendiam a formar conjuntos. As demais peças da casa acompanharam essas tendências. Os móveis versáteis vão perdendo espaço para as peças mais específicas. Aumenta o número de cadeiras, que se tornam mais acessíveis. Os aparadores para ampliar os espaços das mesas, os espelhos que aumentavam os cômodos e os fogões vão surgindo próximo de meados do século XIX. As roupas em particular recebem um grande incentivo com as facilidades da importação.” In ARAÚJO, Maria Lucília Viveiros. Os interiores após a expansão da economia exportadora paulista in: Anais do Museu Paulista V.12, São Paulo, 2004, pp. 156.

66 “Externamente o exemplar exibia moderada influência neoclássica, tanto na imponente composição simétrica da fachada principal, quanto nos detalhes decorativos empregados, tais como, janelas de verga reta e portas de entrada rematadas com bandeiras semicirculares (ver fig.145 a). As portas-balcão do segundo piso, por sua vez, eram valorizadas por guarda-corpos de ferro, cujos cantos superiores estavam rematados com maçanetas, ou pinhas, de vidro ou cristal colorido.” in CAMPOS, Eudes. Arquitetura paulistana sob o Império: aspectos da formação da cultura burguesa em São Paulo. Tese (Doutorado) – FAUUSP, 1997, pp. 824.

67 CAMPOS, Eudes. Arquitetura paulistana sob o Império: aspectos da formação da cultura burguesa em São Paulo. Tese (Doutorado) – FAUUSP, 1997.

68 “À esquerda desse vestíbulo, sabemos ter existido uma “salinha” provida de alcova. Tratava-se, de fato, do gabinete de trabalho do barão, sendo talvez a alcova anexa, neste caso, destinada ao pernoite de hóspedes ligados ao proprietário por laços comerciais. De acordo com o inventário, na “salinha” se viam uma escriva-

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ninha, uma cômoda e um cofre de ferro.” In CAMPOS, Eudes. Arquitetura paulistana sob o Império: aspectos da formação da cultura burguesa em São Paulo.

Tese (Doutorado) – FAUUSP, 1997, pp. 824.

69 “No andar nobre havia ainda três outras acomodações, onde se dispunham móveis diversos. Como não foram arroladas camas nesses quartos, supomos que eles só raramente, ou talvez nunca, fossem usados como dormitórios.” In CAMPOS, Eudes. Arquitetura paulistana sob o Império: aspectos da formação da cultura burguesa em São Paulo. Tese (Doutorado) – FAUUSP, 1997, pp. 825.

70 “De 1854 em diante (data de início do jornal Correio Paulistano) é perfeitamente viável acompanhar de perto a evolução da decoração de interiores das casas ricas da cidade (e que aos poucos se transformariam em universo puramente feminino), lendo na imprensa diária os róis de trastes que iam a leilão todas as vezes que um personagem de posses se retirava da Capital. [...] Nas alcovas e nos dormitórios da família, camas francesas com cúpula e cortinados, lavatórios com tampos de pedra, guarda-vestidos, camas de ferro, marquesas, cômodas inteiras ou meias-cômodas.” in CAMPOS, Eudes. Arquitetura paulistana sob o Império: aspectos da formação da cultura burguesa em São Paulo. Tese (Doutorado) – FAUUSP, 1997, pp. 502-503.

71 BARROS, Maria Paes de. No tempo de dantes. São Paulo, Paz e Terra, 1998, pp.

136.

72 ZABALBEASCOA, Anaxtu. Tudo sobre a casa. São Paulo, GG, 2013, pp. 116-117.

73 HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 25.

74 BRYSON, Bill. Em casa. São Paulo, Companhia das Letras, 2011, pp. 349.

75 “A casa recuou do alinhamento da rua em vista da proposta de isolamento dos moradores, dificultando a audição dos ruídos e a propagação dos odores. Os porões foram utilizados como recurso contra a umidade. Ao mesmo tempo, a elevação do imóvel desestimulava os olhares indiscretos e fornecia perspectiva para que se apreciasse, da rua, o jogo dos telhados. Os jardins tornaram-se fonte permanente de ar e luz, deixando à mostra plantas e flores perfumadas.” In

95

HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 25.

76 “Reproduziram-se no palacete atuações encontradas na casa francesa, como a implantação e a distribuição. A casa afastava-se das divisas do lote, sendo a circulação feita a partir do vestíbulo. Aparecia quase sempre a mesma série de dependências e de funções designadas pela mesma nomenclatura. Por outro lado, na nova casa paulistana, persistiam certos elementos do sobrado e da chácara, tais como a sala de jantar mais ampla que os demais cômodos, em posição central e próxima à cozinha, o gabinete e um quarto independente para hóspedes na parte fronteira do térreo. Externamente uma entrada de serviços e, em geral, nos fundos, horta, pomar ou algumas árvores frutíferas, forno, lenheiro e até poço ou mina d’água. Algumas edículas da casa francesa, como a casa do porteiro e as cocheiras, foram reproduzidas no palacete, no qual, contudo as construções destinadas a acomodar os criados e o tipo de instalação utilizada para os tanques evocam as antigas senzalas e os telheiros dos quintais paulistanos, onde se alojavam os escravos.” In HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 14.

77 REIS, Nestor Goulart. São Paulo: Vila, Cidade, Metrópole. São Paulo, Via das Artes, 2004, pp. 172.

78 “Na dependência do transporte ferroviário, os recém-chegados moravam, de preferência, nas vias que conduziam à Estação da Luz e nos Campos Elíseos. Os que aqui já estavam mantiveram-se até o término do império, nos sobrados ou velhas chácaras, como veremos no próximo capítulo.” In HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 87.

79 “A iluminação pública e privada foi também modernizada, com algumas consequências significativas. Em 1872, foi inaugurada a primeira usina de gás, permitindo a iluminação das ruas. Para os interiores, o processo disponível ainda deixava a desejar. Mais significativa talvez tenha sido a introdução dos lampiões a querosene, vendidos principalmente pelos americanos, interessados, o caso, na venda do combustível. Os novos equipamentos permitiram grande melhoria na vida noturna em residências.” in REIS, Nestor Goulart. São Paulo: Vila, Cidade, Metrópole. São Paulo, Via das Artes, 2004, pp. 117.

96

80 “O paulistano em Paris tornou-se civilizado, assimilou a civilité francesa (civility em inglês, civilità em italiano), à qual se associaram a ordem e os hábitos de higiene pessoal, da indumentária, do espaço doméstico e do público. Ser civilizado era ser educado e levar a vida conforme as metrópoles europeias, entre as quais não podia faltar Paris. Numa palavra, era levar a vida elegante. Tudo o que fugisse ao civilizado tornou-se alvo de preconceito. Incultos, bárbaros, incivis, passaram a ser os negros. Ao passo que permaneceram à margem do processo.” in HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 55.

81 TOLEDO, Benedito Lima de. São Paulo: Três cidades em um século. São Paulo, Livraria Duas Cidades, 1981, pp.68.

82 “[...] O uso das banheiras foi outra grande novidade, tendo sido instaladas em dormitórios ou nos quartos de banhos construídos nos quintais. Apareceram as primeiras rodas de borracha para os carros de tração animal. Móveis estofados e dourados franceses para a sala de visitas e móveis ingleses para biblioteca e escritórios substituíram os móveis tradicionais. Guarda-roupas, cômodas, criados-mudos, escrivaninhas, toillettes com tampo de mármore, penicos e escarradeiras invadiram os quartos e as salas. Multiplicaram-se as cortinas, os estofados, tapetes, vidros, cristais, porcelanas, espelhos, quadros, retratos, molduras, lareiras, pratas e bronzes.” In HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 56.

83 AMERICANO, Jorge. São Paulo Naquele Tempo. São Paulo, Carrenho Editorial, Narrativa Um e Carbono 14, 2004, pp. 51-53.

84 “Não chegamos a ver a casa originalmente equipada, tal como se manteve até 1975, mas tudo indica que já se buscava a distribuição francesa, ou pelo menos se encontrava muito perto dela, com quartos e banheiros no superior, salas no térreo e cozinha em puxado, na parte de trás. Seja como for, isso prova que tal solução também chegara por vias indiretas, sendo até conhecida por mestresde-obras, tanto que o Codephaat atribuiu a construção desse sobrado a um capomastro (mestre-de-obras italiano). Ela também pode ter vindo através do Rio de Janeiro, de onde provinha o proprietário.” In HOMEM, Maria Cecília Naclério.

O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 111.

97

85 “Em 1877, Rafael Tobias de Aguiar Paes de Barros (1830-1898), o futuro Barão de Piracicaba II, construíu o primeiro sobrado paulistano de que se tem notícia, recuado do alinhamento, com jardins fronteiros.” In HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 91.

86 “Pelas informações obtidas junto a descendentes do Barão, tratou-se de uma construção de tijolos. No entanto, a espessura de 90 cm das paredes externas indicava vínculo com a taipa de pilão, que adotava dimensões semelhantes, ou incerteza quanto à alvenaria de tijolos.” In HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996.

87 “A casa era imensa. Possuía 68 cômodos, 94 portas e 86 janelas. O programa era o seguinte: salões, salas, saletas, quatro galerias, 34 dormitórios, três salas de refeições, bilhar, sala de estudos, sala de jogos infantis, dois terraços, cozinha, dois banheiros completos.” In HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 93.

88 “A casa recebeu acréscimo de uma segunda ala à direita, dando-lhe a forma de U, quando foram acrescentados, no térreo, sala de jogos (brinquedos) para as crianças, cinco dormitórios (dois para os criados) um w.c. e um lenheiro. No andar superior, mais cinco dormitórios, sala de crianças, banho e w.c.” in HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 93.

89 HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 95-96.

90 PERROT, Michelle. História dos Quartos. São Paulo, Paz e Terra, 2011, pp. 57.

91 Parte desse texto foi retirado do Relatório Final da Pesquisa de Iniciação Científica com bolsa FAPESP: “Da Casa ao Palácio: o móvel capaz de contar sua própria história” da aluna Renata de Castro Pante sob orientação do Prof. Dr. Carlos Augusto Mattei Faggin.

92 BAYEUX, Glória. O móvel da casa brasileira. São Paulo, MCB, 1997, pp. 60.

98

93 “[...] e o terceiro e último, isto é, o da reação acadêmica, liberal e puritana iniciada em fins desse século, corresponde para nós, principalmente, à primeira metade do século XIX.” In COSTA, Lúcio. Arquitetura Civil III. Mobiliário e Alfaias.

São Paulo, FAU-USP/MEC-IPHAN, 1975, pp. 139.

99

Século XX (1889-1930) O século XX é marcado por grandes transformações sociais e culturais em São Paulo, decorrência da introdução da agricultura cafeeira e, posteriormente, da industrialização, “antes a colônia pobre e caipira; depois a província riquíssima”94. Essas transformações, como já vimos, iniciadas em meados do século XIX, refletem-se em novas formas de morar no século XX, quando surgem os loteamentos de luxo, trazendo mudanças marcantes nas residências.

O excesso de transformações em tão pouco tempo faz com que seja necessário separar o último capítulo em dois momentos: o primeiro compreende o período de 1889, Proclamação da República a 1930, término do auge cafeeiro; o segundo e último período que trabalharemos é a década de 1930, a modernização arquitetônica com Warchavchik.

O Café (1889 a 1930)

“Até 1890 São Paulo mantinha ainda seu aspecto triste e pacato de cidade provinciana: o que não era de admirar, porquanto os fatores que pouco depois começaram a fortemente influenciar em prol de sua rápida transformação em grande capital metropolitana.”95

Com intuito de marcar o novo regime, os líderes republicanos se empenharam em dar uma nova aparência à cidade. A fim de conferir essa nova realidade, foram importados modelos urbanísticos europeus, em especial a Paris de Hausmann. Coube às elites irem à Europa e absorverem as mudanças culturais do continente para aplica-las em São Paulo. Nesse contexto, destruíram-se os vestígios da monarquia e do período colonial, razão pela qual está a dificuldade de traçarmos cenários mais completos nos capítulos anteriores.

Outro fator definidor para a europeização paulistana foi a vinda massiva de imigrantes, principalmente no período entre 1890 e 1914. Esses eram: engenheiros, arquitetos, oficiais mecânicos, pedreiros, cozinheiros, marceneiros, profissionais liberais e pequenos 101

Imagem 1: Instalação dos trilhos para o bonde elétrico no cruzamento da rua Direita com a rua São Bento, início do século XX. Autor desconhecido.

empresários. Em 1890 a população paulistana era de 65 mil habitantes, em 1930 chegou a 900 mil habitantes.

Com o início da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o país passou por um período de retração econômica causada pela diminuição das exportações de café. Simultaneamente houve a interrupção na importação de produtos europeus. A construção civil, em especial, foi muito afetada, uma vez que a maior parte dos materiais aqui utilizados eram importados. Quando finalmente na década de 1920 a exportação cafeeira se reestabelece, a expansão urbana pau102

listana é retomada, sendo novamente interrompida alguns anos depois pela grande crise na bolsa norte-americana em 1929.

Outro resultado da Primeira Guerra Mundial foi a mudança de estilo em voga, “não mais a repetição monótona das soluções ecléticas baseadas no neoclássico e tão do gosto dos arquitetos e mestres italianos. Agora, porém, era a vez das soluções nacionalistas”96. A elite tradicional paulista, incomodada com a presença de tantos imigrantes enriquecidos produzindo residências em estilos diversos (árabes, neogóticos, franceses, florentinos, etc) adota como forma de se diferenciar o estilo neocolonial, trazido pelo arquiteto português Ricardo Severo, que na verdade possuía forte inspiração no Barroco Português do século XVIII e pouca relação com a nossa arquitetura.97 Segundo Nestor Goulart o urbanismo republicano estabeleceu diferenças sociais nos espaços urbanos, de forma mais marcada do que nos períodos anteriores. A reforma no Centro foi dividida em duas: o setor oeste, Anhangabaú, Praça do Patriarca e Praça da República foi reformado com maior refinamento; o lado leste, Praça da Sé e Parque Dom Pedro II, teve reformas mais tímidas. 98 Obras de infraestrutura promovidas pelo Estado e pela iniciativa privada foram responsáveis por uma maior expansão da cidade, como aumento dos reservatórios de água, coleta de esgoto, coleta de lixo, transporte urbano (bondes de tração animal e tílburis), alargamento das ruas, arborização e passeios para pedestres. As novidades não se ativeram apenas ao urbanismo, mas também à arquitetura residencial e comercial. A taipa de pilão caiu em desuso sendo totalmente substituída pela alvenaria de tijolos. É importante ressaltar que as modernizações não atenderam igualmente a toda população, os bairros industriais em sua maioria não possuíam ruas calçadas, nem iluminação pública. Localizados em regiões de várzea eram comuns alagamentos e, somado a isso, a ausência de saneamento básico tornava essas regiões da cidade focos de doenças e epidemias. O aumento populacional descontro103

Imagem 2 (página anterior): Vista panorâmica da cidade de São Paulo no início do Século XX. Fotografia de Guilherme Gaensly.

lado fez com que o número de cortiços e pensões crescesse significativamente.

O alto crescimento populacional e o consequente aumento na demanda por novos espaços na cidade fizeram com que esse período ficasse marcado por grandes projetos de loteamento. Além disso, a facilidade de acesso aos novos bairros com os meios de transportes coletivos, permitiu que a elite não mais residisse no triangulo central, mas ainda pudesse manter seus negócios a uma curta distância da residência. Segundo relato de Maurício Lamberg, em 1896, o crescimento urbano resultou no aumento de 10 a 20 vezes no preço do terreno.99 A elite paulistana gradativamente se deslocou para zona oeste da cidade, entre os loteamentos de luxo do período temos: Campos Elíseos, Higienópolis (inicialmente denominado Boulervard Burchard), Avenida Paulista, etc.

Os novos empreendimentos contavam com grandes lotes, boulevards arborizados e largos. Leis especiais elaboradas pela Prefeitura impossibilitavam que as classes menos abastadas construíssem nos novos bairros. O centro da cidade, agora não mais ocupado pela elite, passou a acumular diversas atividades: comércio, escritórios, hotéis, igrejas, a Faculdade de Direito, cafés, bares, restaurantes, cervejarias, teatros, etc.

A maior presença das elites na cidade resultava no aumento do número de serviços e produtos disponíveis, que, por sua vez, também atraia mais famílias do interior para a Capital. Segundo relatou Maurício Lamberg em 1896:

“Sendo São Paulo sede do governo e também o centro de toda a vida espiritual, social e comercial do Estado, os fazendeiros ricos, que aqui vêm passar o inverno com suas famílias, têm casas mais ou menos bonitas e gastam muito dinheiro, o que em parte contribui para a prosperidade e esplendor da cidade.”100

As construções nos novos bairros apresentaram diferenças marcantes em relação às anteriores. Todas as casas passaram a ter recuos laterais e frontais. Em 3 de junho de 1898, uma lei obrigou que as construções da Avenida Higienópolis e Avenida Angélica 106

respeitassem o recuo frontal de 6 metros e lateral de 2 metros101, perdendo-se a característica marcante das residências urbanas dos primeiros séculos em que as construções ficavam alinhadas às vias e coladas nas laterais dos terrenos.

A crescente preocupação com questões de higiene e salubridade devido as epidemias fez com que medidas adotadas na Europa nos séculos anteriores fossem aplicadas nas residências paulistanas.

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Imagem 3: Rua Vinte e Cinco de Março, final do Século XIX. Fotografia de Guilherme Gaensly.

Aumentaram o número de janelas, portas e terraços, de forma a integrar mais a casa ao jardim, além de proporcionar melhores condições de salubridade. O Código de Higiene de 1894 obrigou que as residências passassem a ter porões não habitados para evitar a umidade. A Prefeitura tornou necessária a aprovação de plantas das edificações, para garantir que essas respeitassem os tamanhos mínimos de janelas, portas e pé-direito, além de garantir a ventilação e iluminação de todos os ambientes.102 No interior das casas também houve grandes transformações relativas ao conforto. O luxo europeu toma conta das residências mais abastadas: tapetes, cortinas, móveis estofados, espelhos com molduras rebuscadas, candelabros com mangas de cristal, toalhas adamascadas, porcelanas, etc. Além do acúmulo de bens materiais, a burguesia procurou adotar as características comuns à forma de morar nas residências francesas do período: polidez, etiqueta, privacidade, ordem, limpeza, cosmopolitismo, hierarquia social e separação da casa e do trabalho.103 A busca por privacidade e o desejo de afastar tudo que fosse estranho ao núcleo familiar, reduzindo assim a presença e interferência de estranhos, converte a moradia em um local da família nuclear.

Afastam-se os empregados, dando a eles edículas no grande terreno e permite-se apenas a presença de empregados estrangeiros junto ao núcleo familiar. O aumento da privacidade gera maior especialização aos cômodos, tornando a casa um espaço para vida familiar e para repouso, não mais espaço de trabalho. É admitido apenas um escritório ou biblioteca próximo à entrada da residência e em alguns casos com entrada independente. Nas palavras de Telma de Barros Correia:

“A ascensão do individualismo no século XIX reforça o sentido da casa como templo da vida privada e local de expansão e expressão das individualidades. Balzac faz uma analogia entre a identidade do morador com o seu interior e a do caracol com sua concha. Em outras ocasiões, transpondo a metáfora da natureza para o artefato, o escritor refere-se ao interior como a ‘moldura’ do personagem, capaz de revelar suas características íntimas, de contribuir para compor seu aspecto exterior e de lhe transmitir valor. No mesmo sentido, Walter

108

Benjamin interpreta esse interior como o ‘estojo do homem privado’. Em sua concha, moldura ou estojo, o indivíduo procura imprimir a cada recanto seu gosto pessoal. Sua personalidade exprime-se numa profusão de símbolos que elege para compor o ambiente. Obras de arte ou imitações, antiguidades reais ou falsas, relíquias familiares e pessoais, lembranças de momentos relevantes de sua trajetória pessoal, os belos objetos que amealhou ao longo de sua existência, coleções as mais diversas são reunidas nesse ambiente. Repleta de móveis, acessórios, objetos e adornos, esta casa testemunha o gosto, a origem, a riqueza, as pretensões e os sonhos do morador.”104

Dessa forma, o novo programa de necessidades passa a separar as atividades domésticas em três grupos: o estar ou lazer; o repouso, sono e banho; e as áreas de serviços. Esses três grupos de atividades funcionavam de forma independente sem a necessidade de se atravessar um para se chegar ao outro, extinguindo-se as zonas de passagens obrigatórias. É importante ressaltar que essas mudanças vieram apenas para os novos palacetes, enquanto as casas mais simples mantiveram características anteriores.105 Desaparecem as alcovas e os dormitórios passam a ser distribuídos em três segmentos da casa:

Dormitório no piso térreo: esse quando localizado próximo ao vestíbulo de entrada, espaço de passagem responsável pela transição do público para o privado, destinava-se aos membros idosos da família ou à governanta. Geralmente esses cômodos eram assistidos por uma instalação sanitária. No piso térreo havia também dormitórios destinados às visitas, porém nesse caso eles ficavam localizados próximos à cozinha.106

Dormitórios nos andares superiores: esses eram ocupados pelos moradores da residência e a governanta, responsável pela educação das crianças. A localização propiciava maior intimidade à família.

Dormitórios localizados no porão ou edícula: esses se destinavam aos demais empregados. Em alguns casos os jovens da família também se utilizaram de dormitórios no porão. Por conta da 109

direta comunicação com a rua esses espaços eram utilizados por jovens vanguardistas, que não obtinham aprovação da burguesia.107 Em geral os dormitórios eram equipados com: camas, cadeiras, criados-mudos, armários e cômodas, além de quadros, tecidos bordados e adamascados, enfeites e lustres. As cores predominantes deveriam ser o branco azulado ou rosa, em alguns casos com detalhes em dourado. Apesar dessa profusão de decorações, comuns aos dormitórios do período, especialistas recomendavam o mínimo de móveis e objetos possíveis para que não se acumulasse pó.

Quanto as janelas, recomendava-se que estivessem sempre abertas propiciando melhor circulação do ar.108 Com a chegada de tecnologias ligadas à higiene, como o aquecimento a gás e a banheira, os banheiros se uniram aos w.c., tornando-se apenas um cômodo.

Porém, a presença de poucos banheiros completos (cômodos com a função de espaço para banho e local para satisfação das necessidades fisiológicas) nas residências indica que ainda existiam penicos guardados nos criados-mudos.109 Os quartos de toalete localizavam-se sempre conjugados aos dormitórios. Mesmo com a presença dos banheiros completos, eles permaneceram nas residências por muitos anos, porém passaram a exercer com mais exclusividade a função de espaço de estar íntimo feminino. As “salas da senhora”, que eram cômodos na zona de estar da residência, muitas vezes não traziam a privacidade desejada pela dona da casa. Nesses casos elas passaram a usar do quarto de toalete para receber as amigas mais íntimas, ler e escrever correspondências.

Para melhor explorar as mudanças nas residências desse período, elegeram-se três bairros da cidade que tiveram seus loteamentos entre o fim do século XIX e início do XX, são eles: Campos Elíseos, Higienópolis e Avenida Paulista. Como veremos a seguir, apesar de terem sido povoados pelas elites paulistanas, apresentavam diferenças consideráveis quanto aos estilos e influências de suas construções. Juntamente com a análise do bairro, estudaremos 110

algumas residências e principalmente seus dormitórios, a fim de ilustrarmos as características descritas anteriormente.

Campos Elíseos O bairro dos Campos Elíseos, localizado entre o bairro da Santa Ifigênia, os trilhos da Ferrovia Santos-Jundiaí e da Estrada de Ferro Sorocabana, surge do loteamento da Chácara do Campo Redondo ou Chácara Mauá, entre as décadas de 1880 e 1890. Os loteadores do bairro foram dois imigrantes: Friedrich Glette e Victor Nothmann.

“De fato, com a inauguração da estrada de ferro em 1876, a região oeste atraiu obras e o bairro de Santa Ifigênia cresceu. Em 1879, o comerciante Frederico Glette, que inaugurara no ano anterior o Grande Hotel, na Rua de São Bento, em parceria com Victor Nothmann, compra a Chácara Mauá, que corresponda à parte dos atuais bairros de Santa Ifigênia e Campos Elíseos.”110

O projeto do loteamento ficou a cargo de outro estrangeiro, Hermann von Puttkamer. O bairro foi desenhado com ruas largas e ortogonais, além de abastecimento de água. No fim do século XIX as ruas já possuíam também iluminação, arborização, calçamento e abastecimento domiciliar de gás. Esse também foi o primeiro bairro paulista a contar com uma linha de bondes elétricos. É a partir desse momento que a especulação imobiliária ganha força, tornando novos loteamentos uma forma de investimento. De acordo com Antônio Egydio Martins, Glette havia gasto para abrir o novo loteamento aproximadamente cem contos, e com a venda desses lotes recebeu por volta de oitocentos contos.111 A ocupação desse bairro se deu principalmente pelos ricos fazendeiros recém-chegados do interior, especialmente pela proximidade com as linhas férreas. Porém, diferente de Higienópolis e da Av. Paulista, não foi um loteamento exclusivo para elite, os terrenos possuíam dimensões variando de 115 metros de frente até 4,4 metros. 112 111

Ao descrever as residências desse período no bairro Campos Elíseos, Jorge Americano diz:

“As casas tinham pé direito de 4,5 a 5,5 metros de altura: saguão, sala de visitas, sala de jantar, vários quartos, copa, cozinha, banheiro, quarto de criadas e quintal. Todos os cômodos eram de paredes forradas de papel. Na sala de jantar, tons verde e ‘beije’ com estampados de caçadas, patos e perdizes suspensas pelos pés, ou frutas. O estampado dos quartos era azul, rosa ou verde-claro, com flores. No saguão, um canapé de palhinha. Tapetes de fabricação mecânica, ou oleados de linóleo na sala de jantar. A sala de visitas conservava mobília de palhinha, estilo Império, com um sofá, duas poltronas, oito cadeiras, um lustre de cristal pendente ao centro. Um piano, uma banqueta, uma estante para álbuns de música; no sofá e nas poltronas, almofadas de seda, pintadas a ‘gouache’, com flores, ou bordadas em fio de seda, uma borla em cada canto. Vitrina com bibelôs, predominando o ‘biscuit’, um grande espelho com moldura de cristal, recortada em forma barroca, um ou dois retratos a óleo. A mesinha de centro com toalha bordada e um vaso de porcelana com flores. Na prateleira inferior da mesinha, álbuns com retratos de família. Em cima do piano uma toalha bordada em seda, vaso e bandeja com cartões de visita ou cartões postais de boas festas do último Natal. Na sala de jantas, um ‘étagère’, cujo armário inferior era para guardar a louça do uso. Acima dele, duas gavetas,, uma para talheres, outra para toalhas e guardanapos. Em cima, uma laje de mármore, onde pousavam compoteiras e fruteiras de cristal ou porcelana, e, no centro, o licoreiro, com duas garrafas, contendo duas qualidades de licor. No desvão em que repousavam colunas de suporte do armário superior, havia, ao fundo, um espelho. O armário superior constava de duas prateleiras que as criadas alcançavam subindo numa banqueta. Numa delas ficava todo o aparelhamento de chá e café. Na outra, os copos e cálices. Suas portas eram de vidro “biseauté”. A manipulação desse armário era causa de quebra de muito copo e muita xícara. Às vezes, a copeira não tinha paciência de trazer da copa a banqueta, subia numa cadeira e furava a palhinha. Noutra parede ficava encostado o aparador, com superfície de mármore.

Pousava nele a bandeja de servir almoço e o jantar, recuando, para isso o vaso de begônia do centro. Além disso, a um canto estava a coluna com uma begônia.

Algum quadro vulgar, com motivos comestíveis, ou a Ceia de Cristo. Ao canto a cadeira de balanço.”113

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Chácara do Carvalho A Chácara do Carvalho, localizada na esquina da Alameda Barão de Limeira com a Alameda Eduardo Prado, é um terreno no bairro da Barra Funda, porém consideramos como uma residência do bairro Campos Elíseos porque essa construção gerou um grande impulso no bairro da Barra Funda, tornando-se, juntamente com as residências vizinhas um apêndice ou continuação do bairro Campos Elíseos. 114 O Conselheiro Antônio da Silva Prado, filho da Dona Veridiana da Silva Prado, recebeu como herança de seu avô, Barão de Iguape, a Chácara do Carvalho em 1875. Inicialmente a Chácara era utilizada pelo Conselheiro aos fins de semana. Com a valorização das terras em decorrência da instalação da ferrovia, o Conselheiro decidiu lotear o terreno da chácara em 1890, encarregando o italiano Luís Bianchi Bertholdi dessa tarefa.

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Imagem 4: Chácara do Carvalho, início do século XX. Fotografia de Guilherme Gaensly.

Imagem 5: Localização da Chácara do Carvalho.

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Imagem 6a: Planta da Chácara do Carvalho. Pavimento Térreo: 1- Entrada; 2- Sala de Espera; 3- Salão de Baile/ Nave da Capela/ Biblioteca; 4- Passagem; 5- Sala Orquestra/ Altar; 6- Bilhar; 7- Ante-sala; 8- Sala de Reunião; 9-Fumoir; 10-Sala de Jantar; 11- Copa; 12- Despensa; 13 e 14- Cozinha; 15- Refeitório; 16- Sala de Piano; 17- Escada de Serviço; 18-Quarto; 19- Escada Social; 20- W.C.; 21- Hall; 22- Mictório; 23- W.C.; 24- W.C.; 25- Biblioteca; 26- Elevador.

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Imagem 6b: Primeiro Pavimento: 1- Cozinha; 2- Quarto com banheira; 3- W.C.; 4- Escritório; 5- Boudoir; 6- Sala de Costura; 7- Quarto do Conselheiro; 8- Quarto do Casal Hermínia e Carlos Monteiro de Barros; 9- Quarto de Marcos Monteiro de Barros; 10- Quarto de Sílvio da Silva Prado; 11- Quarto de Maria Eugênia de Brros; 12- Quarto de Antoniêta Prado Arinos. Segundo Pavimento: 1- Terraço; 2- Torres Cobertas; 3- Quarto; 4- Sala de Estudo/ Piano; 5- Quarto de Brinquedo; 6- W.C.; 7- Clarabóia.

Imagem 7 (esquerda): Chácara do Carvalho: sala Maria Antonieta. Foto de 1920. Aquivo de Guilherme Rubião.

Imagem 8 (direita): Chácara do Carvalho: Quarto do Conselheiro Antonio Prado. Foto c. 1920. Arquivo Guilherme Rubião.

Em um dos terrenos do loteamento, Antônio da Silva Prado mandou construir um palacete para morar com sua esposa, Maria Catarina da Silva Prado, e seus oito filhos. O responsável pelo projeto e construção da residência foi o florentino Luigi Pucci, que apesar de não possuir formação em arquitetura ou engenharia, havia sido responsável pela execução das obras do Museu do Ipiranga.115 A família se mudou para nova residência em 1893. O palacete possuía três pavimentos além de porão baixo. As plantas originais não especificavam as funções dos cômodos, porém em sua pesquisa, Maria Cecília Naclério Homem, reconstituiu essas informações a partir de entrevistas realizadas com ex-moradores.

Os dormitórios se distribuíam pelos três pavimentos. No térreo existiam dois: um destinado aos netos de Antônio Prado (Carlitos e Luisinho Aranha) que ficaram órfãos de mãe muito cedo e o outro destinava-se a ama dessas crianças. No primeiro andar ficavam os dormitórios da maior parte dos moradores, junto ao quarto do Conselheiro ficava seu escritório. O quarto do casal Carlos e Hermínia Monteiro de Barros era o único que possuía um boudoir.

O boudoir, assim como o quarto toalete ou de vestir, é um cômodo 116

de uso feminino principalmente destinado ao estar informal da mulher chefe da residência para receber visitantes mais íntimos à ela, podendo também ser utilizado como quarto vestir. O motivo de Hermínia possuir um boudoir e não Dona Catarina, é que a esposa do Conselheiro faleceu seis anos depois da inauguração da residência, cabendo então a Hermínia assumir as rédeas da casa.

No segundo andar ficavam os dormitórios dos empregados mais próximos à família, algumas crianças e suas respectivas governantas. Novamente percebemos a separação do dormitório dos adultos e o das crianças.

A cozinha localizada no primeiro andar era utilizada para preparar o café-da-manhã que era servido nos quartos. Dessa informação podemos acrescentar uma nova função aos dormitórios de algumas residências: a alimentação. Originalmente um costume francês, o ato de tomar o café-da-manhã no quarto se espalhou pelas elites paulistanas, especialmente entre as mulheres. Enquanto a mulher fazia o desjejum no quarto, os homens utilizavam a sala de jantar ou o escritório.

A respeito do mobiliário encontrado nos dormitórios dessa residência, temos poucas informações, porém considerando a decoração do resto do palacete, baseada em estilos franceses, podemos especular que os móveis dos dormitórios também seguiam os mesmos estilos, muito em voga na época.

Palacete Elias Chaves (Palácio Campos Elíseos) Elias Pacheco e Chaves foi um importante cafeicultor, empresário, industrial e político. Casado com Anésia da Silva Prado, filha de Dona Verdiana da Silva Prado, com quem teve dez filhos.

Em uma de suas viagens para Europa, Elias Chaves encomendou ao arquiteto Matheus Haussler, de Stuttgart na Alemanha, o projeto de um palacete a ser construído no bairro de Campos Elíseos.

Assim como o projeto, todo material para construção dessa resi117

Imagem 9: Quadro “Le Boudoir Bleu” representando um boudoir francês do início do Século XX. O boudoir, assim como o quarto de toalete e o quarto vestir, eram de uso íntimo feminino.

Obra de Jacque-Émile Blanche.

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Imagem 10: Mapa de localização do Palácio Campos Elíseos Imagem 11: Palacete Elias Chaves (ou Palácio Campos Elíseos), início do século XX. Fotografia de Guilherme Gaensly.

dência foi importado. Após seis anos de obras, o palacete foi inaugurado em 1899, tendo seu dono residido nele por poucos anos, já que Elias Chaves faleceu em 1903.

A residência possuía oito dormitórios mobiliados com: camas, criados-mudos, guarda-roupas, espelhos, cômodas, lavatórios, cadeiras e poltronas. Devido à grande quantidade de cadeiras em cada dormitório - o levantamento realizado a partir do inventário indica uma média de 12 cadeiras e poltronas por dormitório - acredita-se que os dormitórios possuíam a função de estar além do repouso.

O palacete contava com três quartos de vestir, que também possuíam muitas cadeiras, chaise-longue, escrivaninhas, lavatórios e guarda-roupas, indicando que os quartos de vestir eram utilizados para repouso, leitura, escrita e também recepção de convidados íntimos. Além dessas peças de mobiliário existiam também nesses cômodos: espelhos, cristais, objetos de luxo, estofados de cetim e 118

veludo, quadro, tapetes e cortinas.116 A residência possuía apenas um banheiro e poucos w.c., sabe-se que os dormitórios possuíam urinóis.117 Em 1911 a família saiu do imóvel e vendeu o palacete para o Governo do Estado de São Paulo a fim de ser utilizado como residência oficial dos governadores. Em 1936, a residência foi remodelada pela Sociedade Comercial e Construtora Ltda. para que o palacete se 119

Imagem 12: Dormitório original da residência. Mesmo após a reforma da década de 1930, procurou-se manter grande parte da decoração anterior.

Acervo IBCP/SP.

Imagem 13: Salão do andar térreo, decorado com mobiliários em estilo francês. Acervo IBCP/SP.

tornasse além de residência do governador, sede do Governo do Estado.

As fotografias apresentadas tratam-se da residência após a remodelação de 1936, apesar disso sabemos que essa obra procurou manter ao máximo as características e móveis originais da residência. Possivelmente a maior mudança diga respeito à escada, inicialmente em madeira, porém refeita em outro espaço da residência em alvenaria e mármore.

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Casa de José de Souza Queiroz

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Filho do Barão de Souza Queiroz, José de Souza Queiroz nasceu em São Paulo em 1853, era bacharel em Direito, fazendeiro e exportador de café. Casou-se com Gisela Braun de Souza Queiroz e tiveram onze filhos. Mesmo depois de casados, os filhos levaram suas famílias para morar no palacete.

Em 1909 a residência localizada na Rua Conselheiro Nebias foi inaugurada, o projeto ficou a cargo do engenheiro Alberto de Oliveira Coutinho, sobrinho do proprietário. Construída em estilo eclético com influência Art Nouveau apresentava o modelo de distribuição francês com grande hall de entrada e diversos cômodos de usos específicos.

No andar térreo havia um dormitório servido de w.c. e banheiro, na área social da residência. No piso superior havia nove dormitórios, alguns deles ainda conjugados. A copa localizada no piso superior era utilizada para esquentar o café da manhã, servido no quarto.

O quarto de toalete da dona da casa localiza-se afastado do dormi121

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Imagem 14: Palacete de José de Souza Queiroz, na Rua Conselheiro Nebias, 133, Campos Elíseos.

Imagem 15: Localização do palacete.

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Imagem 16a: Planta do Palacete de José de Souza Queiroz. Porão: 1- Banho de Empregados; 2- Adega; 3- Quarto de Brinquedos; 4- Dormitório Empregados; 5- Depósito; 6- Sala de Aula.

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Imagem 16b: Planta do Palacete de José de Souza Queiroz. Pavimento Térreo: 1- Vestíbulo; 2- Gabinete; 3- Sala de Visita; 4- Salão; 5- Sala de Jantar; 6- Hall; 7- Sala de Música e Jogos; 8- Dormitório; 9- Sala de Almoço; 10- Sala da Governanta; 11- Sala de Almoço dos Empregados; 12- Copa; 13- Cozinha; 14- Despensa; 15- W.C.; 16- Banho.

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Imagem 16c: Planta do Palacete de José de Souza Queiroz. Pavimento Superior: 1- W.C.; 2- Dormitório da Governanta; 3- Banho posterior; 4- Dormitório; 5- Dormitório de Casal; 6- Quarto de Toalete; 7- Banho.

tório de casal, levando-nos a especular que esse cômodo já havia perdido quase que integralmente a função de toalete. A presença de um w.c. e um banheiro mostram que provavelmente a família se utilizava de urinóis nos quartos.

Os aparelhos de lavatório eram de porcelana francesa branca com as iniciais do proprietário J.S.Q. eram eles: bacias, jarras, baldes, penicos, escarradeiras, saboneteiras e estojos para pó-de-arroz.

O quarto dos empregados ficava no porão da residência, servidos por um w.c. A governanta possuía uma sala própria no andar térreo, porém seu dormitório localiza-se fora da residência, em uma casa no jardim.

Higienópolis Higienópolis é um bairro da região Oeste da cidade de São Paulo que teve seu loteamento divido em duas etapas: a parte mais próxima ao centro foi ocupada inicialmente por três mulheres, que vieram a dar seus nomes às ruas da região: Maria Angélica Souza Queiroz Aguiar de Barros, Maria Antônia da Silva Ramos e 125

Imagem 17 (esquerda): Sala de Jantar do Palacete José de Souza Queiroz Imagem 18 (direita): Salão Vermelho estilo veneziano e cortinas bordadas, Palacete José de Souza Queiroz

Veridiana Valéria da Silva Prado. A outra parte desse loteamento se deu no fim do século XIX, a partir da especulação imobiliária formada por uma empresa de dois alemães: Martinho Burchard e Victor Nothmann, que tinham como objetivo formar um bairro exclusivamente residencial para elite.

Os primeiros lotes a serem vendidos foram os mais próximos à Avenida Higienópolis, em média cada lote media 35 metros de frente e 47,5 de fundos. As casas, com características das chácaras, possuíam em seus terrenos jardins, pomares, hortas e espaço para criação de animais.118

Imagem 19: Palacete Burchard, um dos primeiros a ser construído no bairro de Higienópolis. Fotografia de Guilherme Gaensly, c. 1902.

Os primeiros moradores do loteamento eram ricos comerciantes e profissionais liberais de origem anglo-saxã, vindos na primeira leva de imigrantes em meados do século XIX.119 Mais tarde, com a deterioração dos bairros centrais próximos à ferrovia, os ricos cafeicultores que ali habitavam se mudaram para o bairro de Higienópolis.

A tendência predominante das primeiras construções eram os chalés, projetados por arquitetos anglo-saxões e norte-americanos, com algumas exceções de residências neoclássicas.

Na década de 1910 as chácaras voltadas para o Bairro Santa Cecília são loteadas. Em 1901, Dona Veridiana inicia o loteamento de sua propriedade, uma vez que com o falecimento de seu filho Eduardo Prado ela assume as dívidas do filho. As novas construções mantiveram os estilos anteriores dos chalés, das casas neoclássicas e das residências de influência francesa, porém surge um novo estilo: o art nouveau.120 No fim da década de 1920, Caio Prado manda demolir sua residência anterior, a “Vila Antonieta” de estilo art nouveau, e a substitui por uma casa de estilo mais modernista, o art deco, projetada pelo arquiteto Elisário Bahiana, autor do Viaduto do Chá e da Casa Mappin.

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Vila Maria Dona Veridiana Valéria da Silva Prado era filha de Antônio da Silva Prado, o Barão de Iguape, e Maria Cândida de Moura Vaz. Seu pai era um homem muito rico e influente, além de comerciante de açúcar, o Barão de Iguape também era responsável pelo comércio de muares. Em 1838, Dona Veridiana se casou com seu meio tio, Martinho da Silva Prado, e com ele teve seis filhos. Juntos fundaram diversas fazendas de café no interior de São Paulo. Inicialmente Dona Veridiana quando vinha para São Paulo residia em sua chácara na Rua da Consolação, um sobrado de taipa ao lado da Igreja. O restante do ano, ela passava em suas fazendas.

Em 1877, separou-se do marido e comprou o terreno de Santa Cecília, onde foi construída a Chácara Vila Maria, em 1884. A planta da residência foi importada da França e o encarregado da cons127

Imagem 20: Chácara de Dona Veridiana. Fotografia de Guilherme Gaensly, início do século XX. Imagem 21: Localização da residência de Veridiana da Silva Prado

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Imagem 22: Plantas da residência de Dona Verdiana, posteriores à reforma realizada por seu neto. Pavimento Térreo: 1- Hall; 2- Escada; 3- Galeria; 4- Biblioteca; 5- Sala de Visitas; 6- Sala de Jantar; 7- Escada de Serviço; 8- Copa; 9- Banheiro; 10- Pórtico; 11- Loggia. Primeiro pavimento: 1- Hall; 2- Dormitório; 3- Banheiro; 4- Vestiário; 5- Galeria; 6- Biblioteca; 7- Rouparia. Segundo Pavimento: 1- Galeria; 2- Quarto; 3- Banho; 4- Rouparia; 5- Cozinha; 6- Malas; 7- Hall. Porão: 1- Área de Serviço; 2- Armários; 3- Dispensa; 4- Corredor; 5- Sala de Almoço; 6- Sanitário; 7- W.C.; 8- Adega; 9- Cozinha.

trução foi o engenheiro Luiz Liberal Pinto. Todo material utilizado para construção também veio do exterior.

Apesar do uso de materiais mais sofisticados, a construção manteve as características do sistema de chácaras semiurbana do século anterior. Grande jardim com bosque, lago, pomar, horta e criação de animais, casa do porteiro, edícula com quarto de empregados, cocheiras, estufas e proximidade com o núcleo urbano. Segundo Maria Cecília Naclério Homem121, essa teria sido a primeira casa em São Paulo com planta e materiais importados, razão pela qual apesar de datar um período anterior ao abordado no capítulo ela será analisada em conjunto com as residências do início do século XX. O sistema de importação de planta e materiais viria a ser repetido diversas vezes nesse século, como é o caso do palacete de Dona Maria Angélica de Barros que teve sua residência inspirada no Castelo de Charlottemburg na Alemanha (1891).

Dona Veridiana fez de sua nova residência um pequeno castelo francês em São Paulo, com três andares mais subsolo: “No porão, ficavam a cozinha, a adega e, provavelmente, a copa de empregados. No térreo, havia copa, sala de armas, sala de jantar, sala de visitas, saleta, corredor da escada, dormitório, gabinete, grande salão de recepções, vestíbulo, galeria, biblioteca com duas salas, terraço, quarto grande de roupa e vestíbulo. No primeiro andar, vestíbulo, quarto da torre, quarto de toilette, banheiro, salão amarelo, sala de visitas e jardim de inverno. No segundo andar, vestíbulo, quarto de D. Otília (a governante), corredor, quarto de criada, quarto de costureira, dormitório e quartinho.”122. As plantas disponíveis desse palacete são posteriores a uma reforma realizada por seu neto, Antônio Prado Junior, porém a partir do inventário datado de 1911, foi possível obter informações detalhadas da distribuição interna dos cômodos e seus equipamentos.

Pela distribuição dos cômodos, notamos que apesar de se inspirar nas construções francesas, a casa de Veridiana ainda não possuía a distribuição francesa de forma explícita. Além disso, a presença de sala de visitas e do salão amarelo no primeiro andar remonta 130

ainda a características das residências do século anterior, com o chamado “piso nobre”.

No que diz respeito aos dormitórios da casa, existem poucas informações. Sabemos apenas que havia no andar térreo um dormitório, provavelmente destinado às visitas; no primeiro andar o quarto de toalete era equipado com “armário grande e com espelho, pequena mesa, onze cadeiras, mesa redonda, cômoda, sofá grande estofado de vermelho, poltrona com estante, dois tapetes, toaletes com espelho e gavetas, lavatório com depósito de água, porta-toalhas, criado mudo, cama grande de metal amarelo, colchão de borracha”123. As camas de metal, de origem inglesa, se popularizaram na Europa pós-Revolução Industrial e ficaram conhecidas como camas higiênicas, por não serem estofadas e não acumularem pó. No segundo andar ficava o quarto da governanta com “um espelho grande com dois suportes para vasos, mesa pequena, cabide, suporte, mesinha duas cadeiras, serviço de toalete com cinco peças e balde de ferro esmaltado”124. A ausência de uma cama nesse cômodo nos leva a crer que esse quarto não era utilizado para dormir. Havia também o quarto de criada com “uma cômoda de quatro gavetas, colchão de borracha e armário com espelhos”125 e o dormitório, que não possui nenhum detalhamento no inventário.

Vila Penteado Construída em 1902, a Vila Penteado abrigou até 1938 Antônio Álvares Leite Penteado, Ana Franco de Lacerda Álvares Penteado e seus filhos. O palacete em estilo Art Nouveau foi projetado pelo arquiteto sueco Karl Ekman.

A Vila Penteado, na verdade, são duas residências juntas: a ala esquerda e maior destinava-se ao casal e seus filhos; na ala direita residia a terceira filha do casal, Eglantine, e seu marido Antônio Prado Jr. No terreno existiam jardins com lago artificial, estufa, árvores frutíferas e quadra de tênis.

Tanto na ala direita como na ala esquerda da residência a distribuição dos dormitórios era muito similar. Na parte destinada ao 131

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Imagem 23: Localização da Vila sede da Pós-Graduação da FAU USP Imagem 24: Fotografia da Avenida Higienópolis, c. 1920. A esquerda vemos a Vila Penteado. Fotografia de Guilherme Gaensly.

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casal proprietário da residência, o térreo contava com dois dormitórios e um boudoir, além de dois quartos de empregados; no andar superior havia seis dormitórios, quarto das governantas e quarto de vestir. Na parte da residência destinada ao casal Antônio e Eglantine Prado o térreo possuía apenas dormitórios para empregados e toalete; no primeiro andar ficavam três dormitórios, dois quartos de vestir, um quarto de empregada e um quarto da governanta.

Apesar de não termos informações suficientes a respeito da mobília desses dormitórios, a julgar pelo mobiliário do resto da casa, ela provavelmente acompanhava os estilos ingleses com características art nouveau e móveis importados da Casa Maple.126 A residência atualmente abriga o curso de pós graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Em 1948 os herdeiros do imóvel o doaram para USP para que 132

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Imagem 25a: Plantas da Vila Penteado. Pavimento Térreo: 1- Alpendre; 2- Hall; 3- Vestíbulo; 4- Pequeno Salão; 5- Grande Salão; 6- Escritório; 7- Gabinete; 8- Sala de Bilhar; 9- Toalete; 10- W.C. e Lavabo; 11- W.C. e Banho; 12- Sala de Jantar; 13- Dormitório; 14- Despensa; 15- Copa; 16- Copeiro; 17- Quarto da Criada; 18- Cozinha; 19- Galinheiro; 20- Serviço; 21- Lenheiro; 22- W.C.

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Imagem 25b: Plantas da Vila Penteado. Primeiro Pavimento: 1- Quarto de Casal (AntĂ´nio Prado); 2- DormitĂłrio; 3- Toalete; 4- Rouparia; 5- Despejo; 6- Criada; 7- Banheiro; 8- Saleta; 9- Sala de Estudo

nele funcionasse o curso de graduação recém criado. Alguns anos depois com a construção do edifício Vilanova Artigas, no bairro do Butantã, o imóvel da rua Maranhão passou por um período de abandono, sendo reocupado como sede da pós-graduação.

Avenida Paulista O loteamento e construção da Avenida Paulista se deve a Joaquim Eugênio de Lima, que ao se associar com João Borges de Figueiredo e João Augusto Garcia compraram as terras necessárias para realizar esse grande empreendimento.127

“Em 1890 adquiriram de José Coelho Pamplona e sua mulher D. Maria Vieira Paim Pamplona dois terrenos situados na Rua Real Grandeza. [...] No mesmo ano adquiriram de Mariano Antonio Vieira e sua mulher D. Maria Izabel Paim Vieira dois lotes situados em ambos os lados da Rua Real Grandeza, e que se limitavam de um lado com a Rua Pamplona e do outro com a rua Santo Amaro (atual Brigadeiro Luiz Antonio). Pouco depois compraram do Dr. Candido de Morais Bueno a chácara denominada ‘Bela Cintra’, que tinha frente para a referida Rua Real Grandeza, estendendo-se para os lados da Rua da Consolação.

Esta Rua Real Grandeza, que viria a ser a Avenida Paulista, assim como outras denominadas Mariano e Maria Izabel deveriam ser apenas trilas e caminhos, pois não constam de documentos oficiais.”128

135

Imagem 26 (esquerda): Vestíbulo da Vila Penteado.

Imagem 27 (centro): Sala de Jantar da Vila Penteado.

Imagem 28 (direita): Sala Maria Antonieta na Vila Penteado.

Imagem 29: A inauguração da Avenida, quadro de Jules Martin, de 1891, mostrando as festividades da inauguração da Avenida Paulista, em 8 de dezembro de 1891.

A inauguração da Avenida aconteceu em 1891, porém até 1894 seu uso ficou restrito a local de veraneio, pois não contava ainda com infraestrutura como luz, água, esgoto ou transporte de qualidade.129 A longa Avenida possuía 3 quilômetros de comprimento e 30 metros de largura. Os terrenos foram divididos entre os três sócios, que abriram alamedas transversais e longitudinais com os nomes de cidades paulistas (Campinas, Jahu, Limeira, Itu, etc.). Os lotes 136

vendidos na avenida, possuíam grandes dimensões, chegando a ter entre 50 e 60 metros de profundidade, propiciando a ocupação de grandes palacetes com recuos laterais e características de chácaras (horta, garagem, criação de animais, etc.).

No loteamento tentou-se manter parte da mata original, assim como o Bois de Boulogne (grande parque público, situado nos subúrbios de Paris, que ocupa a antiga floresta de Rouvray), a fim de valorizar a vista de quem habitava nos pontos mais altos da cidade.130 Foi chamado para realizar o paisagismo desse parque o francês Paul Villon, porém no ano de 1911 sob administração do Barão de Duprat, a Prefeitura comprou o terreno do Parque Villon e o lote fronteiriço destinando-o à construção do Trianon. Apesar de hoje “Trianon” designar popularmente o parque localizado na Avenida Paulista (Parque Tenente Siqueira Campos) nesse momento era um edifício ocupado por um bar, um restaurante de luxo, um salão de chá, um salão de baile e um belvedere (atualmente ocupado pelo edifício do MASP). Coube ao inglês Barry Parker a remodelação do parque, mesmo arquiteto responsável pela urbanização do Jardim América e implantação do modelo “cidade-jardim” em São Paulo.

Na Avenida Paulista foram construídas diversas residências da elite entre os século XIX e XX, Maria Cecília Naclério Homem aponta que a Avenida foi amplamente ocupada pelos imigrantes enriquecidos, que construíram seus palacetes ao lado daqueles de famílias tradicionais da elite cafeicultora.131 Esses palacetes localizados na Avenida Paulista, possuíam estilos diversos, muitas vezes mostrando a proveniência dos moradores:

“Os estilos dos palacetes da Avenida Paulista eram os mais diversificados, sugerindo os países de origem dos moradores. Ostentavam uma decoração mais profusa e exuberante. Com cerca de dois quilômetros de extensão, essa avenida apresentava um grande número de residências. Eram vilas pompeianas, neoclássicas, florentinas, neobizantinas, inspiradas no Renascimento francês ou no estilo Luís XVI, etc., aos quais viria juntar-se o art nouveau. O conjunto dos mais harmoniosos, impressionava pelo fausto e pelo luxo, tendo rivalizado com a Avenida Higienópolis.”132

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Imagem 30: Vista da Avenida Paulista, fotografada por Guilherme Gaensly em 1902.

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Mansão Matarazzo Apesar de possuirmos poucas informações a respeito da Mansão Matarazzo, ela representa na arquitetura paulistana do período um excelente exemplar de residência que não seguiu o modelo de “vila francesa”. Por esse motivo, logo após sua inauguração realizou-se uma reforma para melhor adequá-la ao modelo de palacete.

A primeira residência Matarazzo foi construída em 1896 pelo italiano Giulio Saltini, para o industrial Francesco Matarazzo.

Analisando a primeira planta da residência notamos características que não estavam de acordo com o conceito de moradia ideal pregada pela elite paulistana. Não existia um grande hall de distribuição central, dessa forma, para se ter acesso à sala de jantar era necessário atravessar um corredor que perpassa toda a área interna da residência. Além disso, a sala de jantar se localiza na zona de serviço da residência impedindo seu uso para recepções de luxo.

Não estão presentes na casa a “sala da senhora” (possivelmente representada pela “sala da família”), nem aquela infinidade de salas como “biblioteca”, “fumoir” e “bilhar”, indicando uma multiplicidade de usos nas poucas salas existentes.

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Imagem 31: Mansão Matarazzo, em estilo pompeiano.

Imagem 32: Localização da antiga Mansão Matarazzo.

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Imagem 33: Planta da Primeira ResidĂŞncia Matarazzo, antes da reforma: 1- Ingresso; 2- Sala de Visitas; 3- Sala da FamĂ­lia; 4- Quarto; 5- Quarto do Dono; 6- Toalete.

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Imagem 34: Planta da Primeira ResidĂŞncia Matarazzo, apĂłs a reforma. 1- Sala; 2- Sala de Jantar; 3- Copa; 4- Cozinha; 5- Quarto; 6- W.C.; 7- Banho

Apesar de não possuir as características consideradas “civilizadas”, a residência apresenta algo que os palacetes tradicionais paulistanos demoraram algumas décadas para apresentar: quartos sem ligações internas. Apenas um dormitório possui ligação interna com outro e possivelmente se tratava do quarto principal da residência, com um quarto de vestir ou um quarto de dinâmica distinta.

Claramente essa primeira residência não atendeu bem as necessidades do dono, sendo reformada quatro anos depois. Após a reforma, a construção passa a se aproximar um pouco mais do modelo vigente: apesar de não possuir uma entrada separada de serviços, a cozinha e a copa passam a ficar em uma área nova da residência, ainda sendo necessário cruzar as salas na entrada da residência para se chegar às zonas de serviço; aumenta-se consideravelmente o número de salas, que apesar de não possuírem nomes específicos, provavelmente possuíam usos específicos; a zona de repouso da casa se mantém ligada através de um longo corredor; os novos dormitórios são construídos com ligações internas, e, por fim, desaparece o quarto de toalete substituído por um w.c.

Pouco sabemos à respeito do mobiliário e da decoração da residência, menos ainda sobre o dormitório. Restaram poucas fotografias da residência e em geral mostram apenas seu exterior.

Por volta de 1938 a primeira residência Matarazzo foi substituída por um projeto do arquiteto italiano Marcello Piancentini a fim de atender ao novo proprietário Francisco Matarazzo, filho e herdeiro do Conde Matarazzo. Essa construção ficou marcada pelos grandes eventos sociais e por sua demolição na década de 1990. Atualmente o lote é ocupado por um complexo com o Shopping Cidade de São Paulo e um edifício de escritórios.

Vila Horácio Sabino O terreno pertencente a Horácio Sabino inicialmente era utilizado como chácara da família. O dono, natural de Santa Catarina, morou alguns anos no Rio de Janeiro antes de se mudar para São Paulo.

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Em 1903, mandou construir em sua chácara a nova residência da família em estilo Art Nouveau projetada pelo arquiteto Victor Dubugras. Nela residiu o casal América Milliet e Horácio Belfort Sabino com suas quatro filhas.

Horácio Sabino loteou a “Vila América”, terras recebidas por herança de sua sogra, que posteriormente foram vendidas para Cia. City, transformando Sabino em um dos sócios da companhia.

A residência, localizada no terreno onde atualmente se encontra o Conjunto Nacional, possuía dormitórios no térreo e no andar superior. O dormitório do pavimento térreo destinava-se à empregada e localizava-se próximo a cozinha. Os dormitórios do andar superior destinavam-se à família, sendo três dormitórios no total, um quarto de toalete133 e um quarto de vestir.134 O quarto de casal possuía conexão com o quarto de vestir e com o quarto de toalete, além de ser conjugado com um dos dormitórios das filhas. O outro dormitório se conecta ao escritório. Relatos sobre o mobiliário presente 143

Imagem 35: Residência estilo Art Nouveau, desenhada por Victor Dubugras para Horácio Sabino, na esquina da Avenida Paulista com a Rua Augusta.

Imagem 36: Vila Horácio Sabino, atualmente ocupada pelo Conjunto Nacional

Imagem 37: Elevações da Vila Horácio Sabino, desenhos técnicos assinados pelo arquiteto Victor Dubugras, 1903.

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Imagem 38: Planta da Vila Horácio Sabino. À esquerda, pavimento térreo: 1- Entrada; 2- Vestíbulo; 3- Sala de Visitas; 4- Sala de Jantar; 5- Jardim de Inverno; 6- Saleta; 7- Copa; 8- Costura e Refeição das Crianças; 9- Cozinha; 10- Dormitório da Criada; 11- Despensa. À direita, primeiro pavimento: 1- Escritório; 2- Dormitório; 3- Dormitório do Casal; 4- Quarto de Vestir; 5- Toalete; 6- Banho e W.C.; 7- Alpendre; 8-Terraço.

Imagem 39 (esquerda): Hall da Vila Horácio Sabino.

Imagem 40 (centro): Sala de Jantar da Vila Horácio Sabino Imagem 41 (direita): Jardim de Inverno da Vila Horácio Sabino

na casa, indicam que essa era decorada com móveis no estilo Art Nouveau, importados da França.135 Nota-se nessa residência que, quando comparada com as plantas das residências em Higienópolis, a casa de maneira geral possui dimensões mais reduzidas e, no que diz respeito aos dormitórios, começam a diminuir as ligações entre eles, tão comuns nas plantas dos períodos anteriores.

Palacete Dr. Nicolau Moraes Barros O palacete localizado na Av. Paulista, esquina com a Alameda Rio Claro, foi projetado por Ramos de Azevedo em 1911. Nicolau Moraes de Barros havia estudado medicina no Rio de Janeiro e depois na Alemanha. Apesar de não ser de uma família muito rica, acompanhava a forma de morar e se comportar daqueles que eram mais abastados.

A residência apresenta características parecidas aos palacetes: hall de distribuição, salas separadas para cada atividade, andar superior destinado aos quartos, terreno com edícula, etc. Os móveis da casa foram em sua maioria importados da França e Inglaterra porém alguns também foram fabricados no Brasil pelo Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo.136 146

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Imagem 42: Plantas da residência de Nicolau Moraes Barros, projeto de Ramos de Azevedo. Térreo: 1- Vestíbulo; 2- Gabinete; 3- Sala de Visitas; 4- Sala de Jantar; 5- Escritório; 6- W.C.; 7- Banho; 8- Cozinha; 9- Despensa; 10- Copa. Pavimento Superior: 1- Dormitório; 2- Toalete; 3- Banho/ W.C.

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Imagem 43: Localização da residência Nicolau Moraes Barros Imagem 44: Fachada principal da residência do Dr. Nicolau Moraes Barros

Os dormitórios localizados no pavimento superior eram três: o quarto do casal, o quarto das filhas mulheres que dormiam com a governanta e o quarto dos filhos homens. Nessa residência não existem mais os dormitórios conjugados. O quarto de casal, com o terraço, é conjugado apenas ao quarto de toalete. Na edícula da residência ficavam os quartos dos empregados.

Sabe-se que as filhas mulheres tomavam o café da manhã no quarto e, apesar da presença de um banheiro completo, o banho delas também era realizado no dormitório.137

Casa Numa Oliveira Essa residência projetada por Ricardo Severo foi a primeira em estilo Neocolonial. Apesar da mudança no estilo, o programa se manteve igual aos palacetes tradicionais, e a divisão francesa também.138 No período correspondente à Primeira Guerra Mundial (1914-1918), 148

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começa a surgir em São Paulo uma reação nacionalista à reprodução de tantas residências com elementos estrangeiros. Em 1914, Ricardo Severo apresenta em uma palestra suas teorias a respeito da importância da preservação dos “valores da ‘raça’ portuguesa e a sua influência na cultura brasileira” e propunha a criação “de um estilo brasileiro ‘destinado a revalorizar as tradições históricas locais, adaptando-as mais ou menos às necessidades do presente’”.139 Numa de Oliveira veio do Rio de Janeiro para São Paulo e junto com seu cunhado Horácio Sabino prosperou no serviço de taquigrafia da Assembleia Legislativa. Inicialmente, Numa de Oliveira residia na Rua General Jardim, em uma construção de Victor Dubugras em estilo Art Nouveau.

O palacete instalado na Av. Paulista, esquina com a Alameda Campinas, foi construído em 1916. Assim como as demais residências analisadas nesse período, o andar térreo destinava-se ao estar e serviço. Possuía um quarto de empregada nos fundos e um quar149

Imagem 45: Residência Numa de Oliveira, projetada pelo arquiteto português Ricardo Severo, em estilo Neocolonial.

Imagem 46: Localização da residência Numa de Oliveira, atualmente ocupada por edífcio de mesmo nome.

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Pavimento Térreo

Pavimento Superior

Imagem 47: Plantas da residência Numa de Oliveira. Térreo: 1- Living; 2- Escritório; 3- Lavabo; 4- Banho/ W.C.; 5- Quarto; 6- Sala de Costura; 7- Sala de Música; 8- Sala de Visita; 9- Sala de Jantar; 10- Copa; 11- Cozinha; 12- Despensa; 13- Criada. Pavimento Superior: 1- Quarto de Vestir; 2- Quarto; 3- Banho/ W.C.; 4- Ateier de Pintura; 5- Solarium; 6- Quarto/ Rouparia; 7- Pequena Copa; 8- Quarto da Governanta; 9- Quarto de Casal; 10- Terraço.

to com banheiro na zona de estar, destinado aos idosos da família.

No porão ficavam os dormitórios dos empregados, além de lavanderia, adega e sala de estudos.

No andar superior existiam seis dormitórios e dois banheiros. Um dos dormitórios era utilizado como rouparia (guardavam-se roupas de cama, mesa e banho), outro era utilizado pela dona da residência como ateliê de pintura. Havia um quarto para a governanta e o restante era dos membros da família. O dormitório do casal era ligado ao quarto de vestir, porém novamente não encontramos mais os dormitórios conjugados.

O mobiliário da residência seguia o estilo D. João VI, com exceção da sala de visitas e da sala de música que os móveis eram em estilo Luís XVI. O mobiliário dos dormitórios eram: guarda-roupas, penteadeira, mesa, cômoda e cama. O quarto de vestir possuía: guarda -roupa, penteadeira, escrivaninha e sofá, indicando um espaço de permanência íntima feminina.

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Imagens 48 (esquerda): Passagem do hall para sala de música residência Numa de Oliveira, década de 1960.

Imagem 49 (direita): Escadaria de Madeira no hall residência Numa de Oliveira, década de 1960.

Móvel no Brasil: Ecletismo e o Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo Com a dificuldade dos artesãos em se adaptarem às constantes mudanças e tecnologias disponíveis, “tornava-se mais seguro recuperar o passado e, nessa direção, a arte distanciava-se cada vez mais da indústria”140. No século anterior, esse processo já havia se iniciado com a ascensão de estilos Neoclássico e Neogótico, porém surgem também outras fontes de inspiração: árabe, bizantino, egípcio, renascentista, romântico, Luís XV, Luís XVI, Barroco, Império, etc. A mistura de todas essas inspirações, sem o cuidado e a necessidade de se manter fiel a nenhum desses estilos, deu origem ao chamado Ecletismo.

Imagem 50: Toalete ou lavatório, do final do século XIX, em estilo eclético.

Tampo de mármore e espelho móvel.

Originário de São Paulo. Acervo do Museu da Casa Brasileira.

No Brasil, foram surgindo ao longo do século XIX muitas fábricas e marcenarias que reproduziam os estilos europeus, ou que combinava diferentes estilos em uma mesma peça de mobiliário. E, ao contrário do que aconteceu na Europa com o Movimento Artes e Ofícios, no Brasil o estilo eclético teve sua força aumentada com a criação do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, responsável por reproduzir sob encomenda uma grande quantidade de móveis de estilos diversos.

Maria Angélica Santi141 defende que o modelo conservador burguês do período valorizou o excesso de ornamentos, o que dificultou o desenvolvimento e aceitação de modelos econômicos de produção industrializada. Tanto na arquitetura como nos objetos de uso cotidiano, a Europa era o modelo. No período anterior a Primeira Guerra Mundial a maior parte dos produtos ainda eram importados. No Brasil, os móveis que não vinham do exterior eram feitos sob encomenda pelo Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo.

Em 14 de dezembro de 1873, Leôncio de Carvalho, o Marquês de Paranaguá, junto com 131 sócios de procedências diversas (professores, advogados, políticos, membros de grandes famílias, representantes da elite agrícola e industrial), funda a Sociedade 152

Propagadora da Instrução Popular que visava criar uma escola profissionalizante para atender às necessidades de mão-de-obra especializada na capital paulista.142 153

Imagem 51: Aparador do século XX, estilo eclético com motivos Art Nouveau. Imbuia e mármore. Acervo do Museu da Casa Brasileira

Imagem 52: Oficina de marcenaria do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, c. 1930.

Em 1882, a instituição passa por uma reforma curricular e muda seu nome para Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. A escola ensinava desde a alfabetização até um programa profissionalizante que envolvia dois grupos de disciplinas: as ciências aplicadas (aritmética, álgebra, geometria descritiva, zoologia, física, química, botânica, mecânica, estereometria e agrimensura) e as artes (desenho 154

linear, desenho de figura, desenho geométrico, desenho de ornato, de flores e paisagens, desenho de máquina, desenho arquitetônico, caligrafia, gravura, escultura de ornamentos e arte, pintura e estatuária, música, modelação e fotografia). Segundo Ana Maria Beluzzo, a instituição seguia os ideais republicanos no desejo de preparar cidadãos úteis à sociedade, dessa forma tecendo “uma ética no culto do trabalho, buscando alcançar a formação moral do operariado”143.

Em 1890, o arquiteto Francisco Paula Ramos de Azevedo assume a direção do Liceu e realiza uma nova reformulação curricular e administrativa da escola. Os aprendizes do Liceu passam a receber financeiramente pelas obras produzidas, tornando a escola autossuficiente e independente financeiramente. No período entre as Guerras Mundiais, a procura pelos produtos do Liceu aumenta, uma vez que as importações ficaram menores.

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Imagem 53: Mesa fabricada pelo Liceu de Artes e Ofícios, em madeira maciça e tampo provavelmente em madeira compensada.

1930 e o modernismo de Warchavchik Em meados da década de 1910, surge em São Paulo a Cia City que será responsável pelo loteamento de diversos bairros residenciais entre os anos 1915 e 1950. Por motivos diversos, esses primeiros loteamentos da City só foram ocupados a partir de meados da década de 1920.

Após a grande crise econômica de 1929 e o fim da República Velha em 1930, a cidade de São Paulo ainda manteve características do urbanismo europeu, porém é possível também notar o surgimento de elementos ligados ao urbanismo norte-americano, principalmente no que diz respeito à verticalização.144 A indústria, que já começara a se desenvolver nos anos anteriores, a partir da crise de 1929 passa a receber maior incentivo do Estado.

A elite ligada principalmente à agricultura (inicialmente açúcar e depois o café), é substituída pelos grandes comerciantes e industriais, muitas vezes de origem imigrante. Vale ressaltar que a antiga elite, apesar de ter perdido parte de seu poder econômico não perdeu seu prestígio, casamentos arranjados entre as famílias tradicionais e a nova burguesia tornam-se comuns.

Imagem 54: Avenida São João, vista geral tomada do Ed. Martinelli. Obras de alargamento e pavimentação, c. 1930.

“Durante os anos 30 ocorreu o grande ‘boom’ do setor industrial paulistano. No final desta década a capital paulista se transformou no maior centro industrial da América Latina devido ao expressivo desenvolvimento da indústria local. Esta significativa expansão industrial pode ser atribuída a uma série de fatores dentre os quais podemos destacar o estabelecimento de uma rede de transportes centralizada em São Paulo, a expansão da rede de energia elétrica, a grande oferta de mão-de-obra, um mercado consumidor em crescimento e o afluxo de capitais estrangeiros aliados a nacionais para a constituição de indústrias de grande porte.”145

Apesar da produção residencial passar por um período conturbado causado pelas revoluções ocorridas nos anos 1924, 1930 e 1932146, no início dos anos 1930, a produção arquitetônica paulistana conhece um novo estilo que, mesmo de forma isolada, possui grande im156

portância para história da arquitetura brasileira: as obras do arquiteto modernista Gregori Warchavchik. Optamos por terminar nossa extensa análise, iniciada ainda que de maneira singela com a vila de São Paulo nos séculos XVI e XVII, com duas residências importantes desse arquiteto: a casa modernista da Rua Itápolis e a residência de Luiz da Silva Prado na Rua Bahia, ambas no bairro do Pacaembu, recém loteado pela Cia. City.

Gregori Warchavchik nasceu em Odessa, atual Ucrânia, em 1896.

Após estudar arquitetura em Roma, se muda para o Brasil em 1923.

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Imagem 55: Primeira residência Modernista de Warchavchik, localizada na Rua Santa Cruz.

O arquiteto, que havia entrado em contato com as vanguardas europeias, publica no jornal “Il Piccolo” o artigo “Futurismo”, que “defendia uma nova estética arquitetônica baseada nos conceitos de racionalidade e funcionalidade mais adequados aos tempos modernos [...] propugnava uma arquitetura vinculada diretamente aos novos modos de construção, ferro, vidro e, sobretudo o concreto armado”147.

A primeira casa construída pelo arquiteto baseada na nova estética proposta em seu artigo é sua própria residência, localizada na Rua Santa Cruz (1927). Anos depois, Warchavchik produziu mais duas residências modernistas, no bairro do Pacaembu. Nelas o arquiteto, auxiliado por outros artistas modernos, projeta os móveis que viriam a compor os ambientes.

Obviamente a arquitetura de Warchavchik foi alvo de críticas, um exemplo clássico são os artigos escritos pelo arquiteto Christiano das Neves no jornal “Diário de São Paulo”, que ao se referir à residência modernista na rua Itápolis, escreveu:

“Como arquiteto e professor da mal compreendida arte arquitetônica no Brasil, protestamos veementemente que se qualifique como obra de arquitetura as tais máquinas de habitar, sensaboronas e feias, atarracas e banais, que permanentemente afligirão os nossos olhos. A máquina de habitar do Pacaembu é uma nota dissonante no aristocrático bairro que a Cia. City nos presenteou. Esta benemérita empresa, que traçou com tanta arte o lindo arrabalde obriga os proprietários a cumprir umas tantas e justas exigências nas construções. É inconcebível que tenha permitido a edificação da ‘casa mecânica’ que, externamente é um monstrengo. Imagine-se o que será essa cidade-jardim se continuarem a aparecer as casas tumulares de cimento armado. Será inevitável a desvalorização desses terrenos, que mais parecerão prolongamento do cemitério do Araçá.”148

Carlos Lemos defende que o modernismo de Warchavchik foi um dos responsáveis “pela introdução de uma visão moderna que, aos poucos, foi condicionando a burguesia a aceitar a arquitetura racionalista contemporânea”149, porém incialmente a arquitetura apresentada por Warchavchik era apenas: 158

“Uma nova roupagem no arcabouço antigo e só. O cliente a duras penas cativado aceitava o frontispício de sua casa despojado de atavios mas não tolerava modernidades no seu cotidiano e daí os programas ainda ligados ao viver antigo, ao esquema nascido com o palacete isolado gerado pela sociedade cafezista e tão difundido pelos grandes arquitetos vindos do século XIX, como Ramos de Azevedo. Esse esquema de circulação domiciliar equacionava a moradia em três zonas perfeitamente distintas: a de estar, a de repouso e a de serviços, que englobava as acomodações da criada no quintal, a edícula, o elemento segregador característico de nossas casas burguesas. A regra mandava que fosse de uma zona à outra sem se passar pela terceira. Daí a importância do vestíbulo, do ‘hall’, do elemento distribuídos dos passos e garantidor da intimidade e do resguardo das conveniências. Épocas das salas de visitas da copa como sala íntima e da criadagem, viva representante da tradição do trabalho servil intramuros.”150

Como notaremos em cada um dos estudos de caso, realmente não houve nenhuma grande inovação no que diz respeito ao programa arquitetônico das residências. Houve apenas uma mudança nos nomes de alguns cômodos por conta das influências norte-americanas no cotidiano paulistano, principalmente na década de 1920: o antigo vestíbulo passa a se chamar “hall”, a sala de estar é o “living-room” e assim por diante.151 A modernização das residências paulistas, e brasileiras de modo geral, custou a acontecer, se é que de fato aconteceu. Ao contrário de outros países, em que essa modernização esteve muito ligada a pressão feminina para o aperfeiçoamento dos equipamentos domésticos, aliada a crescente industrialização, no Brasil com a constante presença das empregadas domésticas, essa modernização se deu apenas na aparência.152 Até aproximadamente a Segunda Guerra Mundial, e algumas vezes ainda hoje, as residências mantiveram a tendência de discriminação social: as áreas do lote voltadas para a rua são as de maior valor, utilizadas para o estar e receber visitas; as áreas laterais e os pavimentos superiores são os espaços de maior intimidade da família; os fundos e as laterais estreitas ficavam os espaços de “com159

pleta desvalorização social”, resquícios ainda do período escravista brasileiro.153 As residências projetadas entre o fim da década de 1920 e a década de 1930 nos novos bairros-jardins possuíam em seus programas uma grande quantidade de dormitórios para apenas um banheiro completo. Como já vimos nos palacetes, inicialmente havia a separação entre o espaço para o banho e a área com o sanitário, influência da cultura europeia, porém no Brasil, essa solução logo foi superada pela junção das duas atividades em um cômodo. O surgimento da suíte só surgiria efetivamente na década de 1940.154 Silvia Wolff explica que:

“A separação da sala de banhos dos sanitários terá raízes históricas e culturais na Europa. A localização destas dependências nos fundos das casas diziam respeito aos transportes das águas servidas e dos dejetos em momentos que antecedem as redes públicas de água e esgoto. As bacias e coletores deveriam ser transportados por escadas e passagens escondidas e distanciadas das áreas nobres da casa. A separação entre sala de banhos e w.c. por sua vez diz respeito ao status que as primeiras tiveram como lugar de cultivo a beleza, de permanência prolongada, espaço belo e bem mobiliado que se vincula aos novos conceitos de higiene cultivados no século XIX. As privadas eram local de permanência curta e inevitável, vinculadas a um comportamento que não se confundia com o do culto à limpeza que começava a processar-se nas salas de banho.

Além disso, tinham odores a serem evitados.”155

Apesar do surgimento desse banheiro unificado, nas residências de maior porte a presença do toucador, toalete ou quarto de vestir se mantém anexado ao quarto principal da residência. O mobiliário presente nesses ambientes se mantém basicamente o mesmo, porém com novos desenhos, por vezes inspirados pelas linhas do Art Decó.

A área de serviço da casa era composta pela cozinha, copa, sanitário e quarto para empregada. O quarto e banheiro de empregada, com instalações sanitária e de banho, por muito tempo fazia parte da construção principal e sempre próximo aos cômodos de serviço, “nas casas de dois pavimentos quase invariavelmente esse setor 160

da casa caracterizou-se como um puxado térreo, um braço que se desprendia da construção principal que, no seu núcleo, rebatia a planta de dois pavimentos de base, em geral, retangular. Nesse puxado também localizava-se um tanque de lavar roupas”156. Nota-se também nesse período uma diminuição no número de cômodos das residências em geral, a antiga infinidade de salas e saletas que compunham os palacetes, passam a ser substituídas por uma ou duas salas destinadas ao estar, chamadas de “living room”.

Uma mudança trazida por Warchavchik e os modernistas nas residências desse período, que obviamente atingiu poucas moradias no início, foi a diminuição das marcas pessoais nas residências. Os palacetes do início do século XX eram decorados com uma profusão de objetos, fotografias, móveis e pinturas que imprimissem ao ambiente marcas da família que o habitava: origens, status, objetos de cunho afetivo, lembranças de viagens, etc. Com o modernismo, tentou-se retirar das residências esses traços pessoais do morador, aproximando-a ao “estilo internacional”, porém mantém como características norteadoras dessas novas residências a preocupação com a higiene, privacidade, separação do habitar e do trabalhar e vai além, buscando a construção residencial associada à produção em série, com uma busca pela economia. Apesar disso, as propostas do “estilo internacional” encontraram na capital paulista fortes oposições.

Após as residências modernistas, Warchavchik projetou no Jardim América algumas casas entre os anos 1935 e 1940 que “não usava o ornamento, mas tão pouco recusava o telhado de amplos beirais, nem escondia atrás de platibandas; nessas casas o arquiteto não ocultava mais as telhas de barro, descartadas pelos princípios modernos, como fizera em suas casas modernistas. Não se tratava do arquiteto dos volumes brancos e prismáticos da Rua Itápolis e Bahia, nem o da primeira casa modernista de São Paulo [...] A sua arquitetura nesse momento é feita de casas de plantas racionalmente organizadas, ocupação do terreno de forma a criar amplos jardins, áreas de serviço e dependências detalhadas, o que não era comum, pranchas bem desenhadas, composições com linhas retas e econômicas, caixilhos de ferro e telhados com amplos beirais sem 161

platibandas. O zoneamento e disposições dos cômodos era também muito claro e funcional e o arquiteto utilizava muros curvos, elementos vazados para delimitar jardins e terraços e preservá-los da rua e/ou dos pátios de serviço”157.

Surgimento e atuação da Cia. City em São Paulo

“Em janeiro de 1911, o Sr. Edouard Fontaine de Laveleye, capitalista, banqueiro na França, comerciante na praça do Brasil, realiza uma viagem tendo por finalidade o estudo de possíveis futuros negócios em São Paulo. Nessa empreitada, obtém o assessoramento do famoso arquiteto francês Joseph Bouvard nas diversas operações que pretendia conduzir [...] o Sr. Bouvard aconselha o Sr. Fontaine a adquirir grandes extensões de terra nessa cidade para futuros empreendimentos imobiliários consciente do progresso que sofreria devido ao crescimento da economia do Estado.”158

A partir dessa compra de terras na capital paulista, surge a empresa Cia City, ou “City of São Paulo Freehold and Land Company”, com escritórios em outras duas cidades: Londres e Paris. A data oficial da fundação da Companhia se deu no dia 25 de setembro de 1911, quando o Sr. Fontaine retorna à Europa e forma uma sociedade com dois banqueiros londrinos, os irmãos Boulton. Essa empresa foi responsável pela experiência urbanística dos bairros-jardins na capital paulista, porém os loteamentos da Cia. City em São Paulo eram adaptações do modelo inglês de “cidade-jardim”, “reduzindose, na maioria das vezes, a um aperfeiçoamento do sistema viário e a uma reinterpretação, em termos de ‘paisagismo’, dos velhos lotes tradicionais. Desse modo subsistiam os jardins e os recuos obrigatórios, mas desapareciam as áreas de uso comum, de grande importância nos planos dos estrangeiros.”160.

Além do modelo urbanístico adotado, a empresa também foi responsável por implementar em grande escala novos modos de negociação, financiamento e auxílio na construção de imóveis. Em 1912, a City era dona de 37% do perímetro urbano da cidade161, a maior parte dos terrenos adquiridos pela empresa eram da região 162

sudoeste da cidade, por serem terrenos pouco valorizados, mas próximos das áreas habitadas pela elite (Higienópolis e Av. Paulista).

Essas terras inicialmente adquiridas pelas Companhia, só serão loteadas na integridade entre 1949 e 1950, com o lançamento dos bairros Boaçava e Jardim Guedala.162 163

Imagem 56: Mapa dos terrenos adquiridos pela Cia City, em São Paulo.

Imagem 57 (próxima página): Propaganda veiculada pela Cia City.

O primeiro loteamento que a Cia City implantou ficava além do perímetro urbano da cidade, que naquele período ia além do espigão da Av. Paulista até a Alameda Jaú. Em 1915 a diretoria contratou o escritório inglês dos arquitetos Barry Parker e Raymond Unwin para projetar esse novo loteamento, que teve seu traçado inspirado nos modelos de cidade-jardim britânica e dos subúrbios ajardinados anglo-americanos.163 Posteriormente vieram os bairros do Alto da Lapa (1921), Pacaembu (1925), Alto de Pinheiros (1925) e Butantã (1935). Todos esses bairros possuíam a mesma característica: casas com recuos em meio a jardins, ruas arborizadas e ocupação das classes altas e médias. A maior parte dos loteamentos realizados só foi ocupado com maior intensidade a partir da década de 1940. O Pacaembu, por exemplo, teve sua ocupação inicial a partir de 1925 apenas nas áreas próximas aos bairros já consolidados de Higienópolis e Perdizes.

O primeiro grupo de diretores da empresa era composto de banqueiros internacionais, um arquiteto e urbanista francês e membros da elite política brasileira164, sendo alguns deles: Lord Balfour of Burleich (presidente da empresa, Governador Geral do Banco da Escócia, Presidente da San Paulo Railway Co.), J. Bouvard (vice-presidente, Diretor Honorário da Prefeitura do Sena, ex-Diretor dos Serviços de Arquitetura da Viação da Planta de Paris), M. Campos Salles (diretor, senador, ex-Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil), Cincinato Braga (diretor, Deputado Federal pelo Estado de São Paulo), Pierre Carteron (diretor, ex-Ministro Plenipotenciário da França), Gaston de Cerjat (diretor, ex-Diretor Geral da Companhia Geral de Estradas de Fero Brasileiras), Harry-Ernest Cradock (diretor, Conselheiro do Banco Russo Inglês), Fontaine Lavelaye (diretor, Banqueiro Diretor da Imperial & Foreign Corporation Ltd.), H. Guedalla (diretor, Diretor Delegado da Imperial & Foreign Corporation Ltd.), Belfort Sabino (diretor, proprietário e capitalista em São Paulo), Barros Pimentel (diretor, ex-Presidente dos Estados do Paraná, Pernambuco, Piauí e Ceará).165 Com a atuação de membros da política local, tanto como parte da diretoria da empresa quanto como acionistas, a empresa contou com facilitadores à implantação de seus bairros e consequente164

Imagem 58 (próxima página): Anúncio da Cia City para o loteamento do Pacaembu.

mente a venda de terrenos: “Para atingir as metas fez acordos que garantiram o melhor conhecimento técnico e a atuação solidária entre vários setores da gestão urbana, ações que viabilizaram a instalação de infraestrutura e outras providências que contribuíram para induzir os rumos do desenvolvimento urbano em direção a suas áreas.”166, sendo em alguns casos a própria City responsável por sugerir alterações nas leis e no zoneamento municipal, “as concessionárias também agiam em comum acordo com a empresa. Os acordos com a Light, por exemplo, foram responsáveis pela viabilização rápida e eficiente dos serviços de eletricidade, logo disponível nos terrenos a venda e de transporte, através das linhas de bonde.”167.

No bairro do Jardim América, por exemplo, a Cia City acordou com a empresa Light & Power para que “o bonde que vinha do centro da cidade pela rua Augusta, principal via de acesso à área a partir do núcleo da central, tivesse seu percurso estendido pela rua Colômbia”168 e no ano de 1918 a linha “Garden City” passou a circular. Por outro lado, era necessária à circulação desses bondes que as ruas fossem pavimentadas, cabendo à Prefeitura realizar esse serviço. A Companhia sempre atuou na criação de infraestrutura para seus loteamentos, chegando até a participar da abertura de vias públicas, como a Avenida 9 de Julho e de seu prolongamento, que ligava o centro da cidade ao bairro Jardim América169. Além disso foi responsável pelo financiamento da instalação de encanamentos de gás, linhas elétricas, linhas de bondes, encanamento de água e esgoto, além da doação de terrenos à Prefeitura como por exemplo o terreno para construção do Estádio Municipal do Pacaembu, construção do Hospital São José no Alto da Lapa, etc.

No bairro Jardim América a Cia City seguiu todas as leis e diretrizes urbanísticas vigentes no período, porém esses regulamentos se tornaram empecilhos à implantação de outros projetos urbanísticos. A empresa então propôs mudanças na legislação municipal que foram incorporadas inclusive em loteamentos que não pertenciam a City.170 As ruas que anteriormente deveriam ter largura de 16 metros, em 1923 passaram a ser hierarquizadas em ruas locais com 8-12 metros; secundárias com 12-18; principais com 18-25 e as 166

de grande fluxo com mais de 25 metros. O bairro do Pacaembu teve seu loteamento iniciado em 1912, porém a topografia muito acidentada gerava ruas com larguras variáveis e formatos desiguais, o que contrariava a legislação do período. Coube ao inglês Barry Parker realizar estudos técnicos que defendia a alteração na lei e só com essas mudanças o bairro pode ser inaugurado em 1925.171 O modelo de urbanização proposto e implantado pela Cia City, ficou reconhecido como sinônimo de qualidade, passando a se destacar pela cidade e estender-se também para bairros loteados por outras empresas, que também buscaram aplicar o modelo de cidade-jardim, como é o caso do Jardim Europa e Cidade Jardim. A atuação e sucesso da empresa na capital paulista se caracterizou pela capacidade de compreender o processo de desenvolvimento urbano da cidade, selecionando seus clientes e induzindo novos rumos de crescimento urbano, com propostas novas de financiamento, vendas e propaganda.172

“A empresa em sua ação a partir do lançamento do Jardim América, entre outras providências, recorreu a estratégias que lhe dessem visibilidade como publicações diferenciadas em vários órgãos de imprensa; imprimiu atraentes folhetos de propaganda ilustrada; estabeleceu acordos com empresas públicas ou privadas de infraestrutura para melhor aparelhar as áreas com água, luz, transporte, abertura de ruas e praças, construção de clubes, escolas ou estádios; construiu casas e as abriu à visitação de eventuais compradores, acompanhados de corretores que faziam relatórios deste trabalho e criou formas de financiamento para a compra dos terrenos e construção das casas. Enfim, diversificou sua atuação em todas as áreas que julgou necessárias para que a urbanização e venda de suas terras se concretizasse rápida e eficientemente.”173

Casa Modernista na Rua Itápolis

“A casa de Warchavchik encerra o ciclo de combate à velharia, iniciado por um grupo audacioso, no Teatro Municipal, em fevereiro de 1922. É a despedida de uma época de fúria demonstrativa. Da ‘Semana de Arte Moderna’ à casa vitoriosa de Warchavchik vão oito anos de gritaria para convencer que Brecheret não era nenhum blague, que Anita Malfatti era a coisa mais séria deste mundo,

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Praça Charles Miller

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que a literatura da Academia Brasileira de Letras era uma vergonha nacional, etc. etc.”174

Construída ainda no início da ocupação do bairro Pacaembu, a residência projetada por Warchavchik, inaugurada em 26 de março de 1930, era na verdade uma residência de aluguel do casal Warchavchik destinada a famílias da classe média. Porém antes de aluga-la, o arquiteto realizou uma exposição modernista. A ideia de fazer exposições temporárias de residências já havia sido feita na década de 1920 em alguns países da Europa.175

“Talvez por esse foco no plano ordinário da moradia, ao contrária da Semana, o seu público não foi tão seleto, nem tão hostil, e parecia já ter então se popularizado a ponto de atrair em poucos dias mais de 20 mil visitantes, seduzidos pela novidade e cativados pelos anos de campanha modernista e a enorme propaganda do evento. De fato, a cobertura nos jornais foi quase diária: desenhos, fotografias e caricaturas da casa espalharam-se por toda parte e, ao

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Imagem 59: Residência Modernista na Rua Itápolis, recém inaugurada, 1930.

Acervo Casas Brasileiras.

Imagem 60: Localização da Casa Modernista do Pacaembu.

Imagem 61: Le Corbusier ao visitar a residência, ainda em construção, elogiou a plasticidade do muro em curva, que separa o jardim social do quintal de serviço.

lado dos filmes sobre a inauguração, exibidos nos cinemas da época, uma nova imagem da moradia atingiria ampla difusão.”176

Além do edifício projetado por Warchavchik, a exposição reuniu os principais nomes do modernismo brasileiro: Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Regina Gomide Graz, Lasar Segall, Jenny Klabin Segall, Di Cavalcanti, Cícero Dias, Esther Bessel, Oswaldo Goeldi, Jacques Lipschitz, Celso Antônio, Menotti del Picchia, Brecheret, Antônio Gomide, John Graz, Sonia Delaunay, e Warchavchik, responsável pelo projeto e execução dos móveis, esquadrias e luminárias.

Construída ainda em alvenaria, a Casa Modernista da Rua Itápolis possui um reboco externo branco brilhante, resultado da adição de mica à composição. As persianas são de cor verde fosco. O paisagismo da residência ficou a cargo da esposa do arquiteto, Mina Klabin Warchavchik, que utilizou da vegetação tropical, especialmente o cacto, para valorizar o projeto do arquiteto.

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Imagem 62: Planta da residência Modernista do Pacaembu: 1- Entrada; 2- Sala de Estar; 3- Sala de Jantar; 4- Cozinha; 5- Banheiro; 6- Dormitório.

Imagem 63: Jardim Ă­ntimo, ao fundo escultura de Brecheret.

Imagem 64: Sala de Estar (ou livingroom) com paredes verde claro e forro branco marfim. Os móveis de cor prateada, com estofados em veludo violeta e tapete original da “Bauhaus”.

Móveis desenhados por Warchavchik.

Imagem 65: Dormitório de casal.

Móveis em embuia, colcha em veludo pintada por Regina Graz e quadro de Tarsila do Amaral.

O programa de necessidades, destinado à classe média, inclui: três dormitórios, banheiros, entrada, sala de jantar, “living room”, cozinha, dormitório para empregada e garagem. No pavimento térreo estão localizados cômodos destinados ao estar e serviço, com quarto e banheiro de empregada fora do corpo central da construção e próximos à garagem. O andar superior se destina ao repouso, com os três dormitórios e um banheiro completo, compartilhado por todos os membros da família.

174

“O projeto de Warchavchik concretiza o ideal da célula pós-cubista e rompe definitivamente com a cultura habitacional tradicional. No térreo, as salas de estar, de jantar e cozinha comunicam-se em círculo e, ainda que pouco iluminadas, abrem-se para o terreno em episódios de expansão: para a frente e a divisa do lote à esquerda, através da marquise do terraço; para os fundos, com o pergolado que estende a sala de jantar sobre o jardim; para a lateral direita, através da passagem coberta que protege a entrada de automóveis. A estrutura de circulação é particularmente engenhosa: os quatro acessos do exterior giram em torno da caixa de escadas central, desenvolvendo-se, no pavimento superior, através de um corredor radial que comunica os três dormitórios cúbicos, ligados em cata-vento em uma de suas extremidades, com o banheiro e a varanda lateral, na outra ponta, resultando em uma solução distributiva ao mesmo tempo eficiente, econômica e arejada.”177

175

Imagem 66: Catálogo da Exposição de uma Casa Modernista, 1930.

Nessa obra, Warchavchik encontra uma solução arquitetônica que elimina a presença de corredores, dando maior aproveitamento ao espaço da residência, tornando-a mais econômica e funcional.178 Pelas imagens disponíveis dos dormitórios, notamos algumas mudanças de usos em relação aos palacetes. O quarto de casal, por exemplo, é exclusivo para o repouso, a ausência quase total de móveis indica que seu uso era restrito. Estão presentes apenas uma cama de casal, com criados mudos integrados à sua estrutura, e um longo armário que ocupa uma parede inteira. Nos quartos de solteiro, notamos que além da cama, também com criado mudo integrado, existem escrivaninhas, indicando o acréscimo de um novo uso ao dormitório: o espaço de estudo dos jovens. Obviamente devemos fazer uma ressalva, essa casa destinava-se a classe média, e não a elite como as anteriores, por isso ocorre uma diminuição de cômodos, que gera maior sobreposição de usos. Porém sabemos pelos dias de hoje que essa sobreposição de usos no dormitório só veio a aumentar com o passar dos anos, mesmo nas casas de elite.

Casa da Rua Bahia Poucos anos depois de concluir a Residência Modernista da Rua Itápolis, Warchavchik foi contratado para projetar uma outra casa no bairro do Pacaembu, porém dessa vez a residência era de um personagem da tradicional elite paulista: Luiz da Silva Prado. A partir dessa exposição, o arquiteto que antes era conhecido por suas residências de classe média, passa então a “seduzir inclusive a velha burguesia da terra, como se sabe eventualmente disponível às experimentações locais de vanguarda fosse pelo que representavam em termos de atualização, europeização ou refinamento do gosto, fosse por autenticarem culturalmente suas prerrogativas sociais em um momento de crise de representação e hegemonia.”179.

A casa desenhada para um casal e uma filha adolescente possui em seu programa, no andar térreo: sala de estar e de jantar, hall de entrada com bar, terraço coberto, copa, vestiário e toalete; no 176

subsolo: outra copa, cozinha, adega, três dormitórios, banheiro e refeitório para empregados; no primeiro pavimento: quarto de casal, com banheiro, rouparia-toucador e escritório-biblioteca; no segundo pavimento: quarto da filha, quarto da governante, banheiro e terraço.

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Imagem 67: Fachada principal para Rua Bahia, face sul.

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Imagem 68: Localização da residência de Luiz da Silva Prado.

Imagem 69: Face norte da residência, com as grandes aberturas para o recém ocupado bairro do Pacaembu.

Pelo programa apresentado, notamos que, ao projetar para elite, Warchavchik pouco se afastou do programa da residência do final do século XIX e início do XX. O subsolo continuou a ser o espaço destinado aos serviços e a moradia dos empregados, o andar térreo ainda era o espaço de estar e receber auxiliado por algumas áreas de serviço, e os pavimentos superiores de uso íntimo da família, destinados ao repouso e lazer.

Ao projetar essa residência, Warchavchik tira partido do terreno, extremamente íngreme, para criar jardins em patamares, com muros de arrimo em concreto armado, semelhante ao partido adotado por Walter Gropius na residência projetada em Jena, concluída em 1929.180 A face voltada para rua Bahia, fachada sul, é fechada protegendo a residência dos ventos frios. Na face norte o arquiteto rasga grandes aberturas em vidro, descortinando o bairro do Pacaembu.

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Imagem 70a: Plantas da residência da Rua Bahia. Subsolo: 1- Entrada; 2- Sala de Estar; 3- Sala de Jantar; 4- Copa; 5- Cozinha; 6- Banheiro; 7- Dormitório; 8- Refeitório; 9- Toucador.

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Imagem 70b: Plantas da residência da Rua Bahia. Pavimento Térreo: 1- Entrada; 2- Sala de Estar; 3- Sala de Jantar; 4- Copa; 5- Cozinha; 6Banheiro; 7- Dormitório; 8- Refeitório; 9- Toucador.

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Imagem 70c: Plantas da residência da Rua Bahia. Primeiro e Segundo Pavimento: 1- Entrada; 2- Sala de Estar; 3- Sala de Jantar; 4- Copa; 5- Cozinha; 6- Banheiro; 7- Dormitório; 8- Refeitório; 9- Toucador.

O mobiliário do dormitório, novamente desenhado pelo arquiteto, mantém a linguagem das residências anteriores. Móveis embutidos, construindo grandes planos que complementam a arquitetura. Os criados-mudos agora fazem parte da estrutura da cama, que não conta com nenhum tipo de dossel, tido como anti-higiênico.

Estantes para livros sugerem novamente o uso do dormitório para leitura e estudo.

183

Imagem 71 (página anterior): Sala de jantar, móveis avulsos importados de Paris. Os móveis embutidos e o teto luminoso em vidro granité e opalino, desenhados por Warchavchik.

Imagem 72: Sala de estar e sala de jantar.

Imagem 73 (esquerda superior): Dormitório da filha de Luiz da Silva Prado, localizado no segundo pavimento.

Imagem 74 (esqueda inferior): Jardim projetado por Mina Warchavchik, recém plantado.

Imagem 75 (direita): Bar embaixo da escada, ligado à cozinha.

O toucador interligado ao quarto principal da residência muito se aproxima com os “closets” atuais. A estrutura da parede com reentrâncias já indica a colocação dos armários, novamente unindo no projeto arquitetura e mobiliário.

Apesar do dormitório principal não ser uma suíte, notamos que o banheiro do pavimento faz parte do complexo íntimo do casal, composto pelo banheiro, dois dormitórios e toucador, separado do hall de distribuição do andar por uma porta. O mesmo se repete no 184

segundo pavimento, onde os quartos são servidos por um banheiro, porém separados do hall de distribuição por uma porta.

A modernização do mobiliário brasileiro, o móvel produzido por Warchavchik

“A partir dos anos 1930, com a emergência da arquitetura moderna, com a ressonância e o assentamento das principais ideia e polêmicas levantadas pelos Modernismo no âmbito da literatura e das artes plásticas, do decênio anterior, enfim, com o desejo de modernização geral do país, configurou-se um conjunto de fatores que desemprenharam importante papel no processo de modernização da mobília brasileira.”181

O excesso de ornamentação e estilos gerou em arquitetos e artistas europeus e americanos um movimento de defesa de uma forma de expressão que estivesse mais ligada ao período vivido, especialmente às novas tecnologias. Buscava-se não produzir mais objetos ligados a um ou outro estilo, mas sim uma nova linguagem internacional que estivesse em harmonia com a era industrial. Para isso, era necessário assimilar também o uso da máquina na produção dos móveis e realizar projetos mais próximos aos meios de produção disponíveis: abolindo-se a ornamentação e juntando em um mesmo objeto arte e técnica.182 Antes da década de 1930, como já vimos, o mobiliário brasileiro ainda estava ligado aos padrões europeus. Assim como a arquitetura, o móvel produzido copiava os estilos anteriores e os misturava, produzindo o chamado móvel eclético. Ressalta-se que essa cópia do passado não acaba com o surgimento do móvel moderno, e por alguns anos eles coexistem nas residências brasileiras, principalmente pela constante imigração europeia e a produção do Liceu de Artes e Ofícios. Além disso, os grandes magazines continuaram a importar esses móveis europeus. É na década de 1930 que o Brasil, mais especificamente São Paulo, começa a ganhar traços da industrialização, abrindo espaço para novas produções nacionais na área de móveis.

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Imagem 76: (esquerda): Cadeira 1001 fabricada pela Companhia Industrial de Móveis - CIMO. Imbuia maciça e laminada. Acervo Maria Angélica Santi.

Imagem 77 (direita): Cama de madeira torneada, produzida pelo imigrante espanhol Celso Martinez Carrera em 1915. A Cama Patente, ficou conhecida por sua produção industrial, facilidade de montar e baixo custo.

Imagem 78 (página seguinte): Espaços públicos mobiliados com a produção da empresa CIMO.

No período da Primeira Guerra Mundial, o Brasil teve a primeira produção em série para consumo popular, uma vez que as elites ainda estavam presas ao gosto eclético. O espanhol Celso Martinez Carrera abriu em 1909 uma marcenaria e com a queda da importação decorrente da guerra, em 1915 desenhou a linha Patente, a primeira linha de móveis em madeira vergada à vapor, inspirada nos móveis Thonet. A marca principal dessa produção era a simplicidade, racionalização e preços acessíveis.183 Outra produção de sucesso desse período foi da Companhia Industrial de Móveis (CIMO), de Santa Catarina. No início do século XX, a empresa foi criada por imigrantes austríacos, chegando a ser a maior indústria de móveis da América Latina. A produção de peças em madeira maciça controlava desde o plantio das árvores até a embalagem do produto.

Os móveis eram padronizados e feitos também com madeira vergada, a empresa ficou famosa por fornecer móveis para estabelecimentos públicos: escolas, cinemas, teatros, escritórios. Assim como a produção da linha Patente, os móveis eram conhecidos pela simplicidade, funcionalidade e preço baixo.

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A modernização desse mobiliário se deu por etapas: inicialmente seguiu as vanguardas europeias do desenho Art Déco de “linhas puras e a ausência de ornamento”184, depois vieram os móveis projetados por arquitetos-designers “que seguiram a trilha da modernização internacional da mobília”185, a última etapa acontece após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quando a mobília passa a apresentar características brasileiras com a assimilação de elementos locais como os tecidos e as fibras naturais186.

Os introdutores do móvel moderno no Brasil, em sua maioria arquitetos e artistas, eram em sua maioria estrangeiros: John Graz, Cassio M’Boi, Gregori Warchavchik, Lasar Segall e Theodor Heuberger. Porém fazia parte do movimento moderno a isenção do nacionalismo, substituído pelo caráter internacional. Como escreveu Warchavchik, em sua coluna no jornal “Correio Paulistano” em 29 de agosto de 1928:

“A arte que hoje parece deve ser, definitivamente, a da primeira metade do século XX, começa a ser a expressão da coletividade universal. E não se diga que essa convergência de estímulos uniformizará em sua totalidade, as casas do mundo. Porque, com os mesmos princípios universais, adaptados a cada região, a cada povo, a cada nacionalidade, surgirão, por certo, diferenciações impossíveis de serem previstas agora, mas que darão, sem dúvida, a unidade do estilo do século XX, em sua essência.”187

Como já vimos nas residências apresentadas, Gregori Warchavchik desenhou e executou a mobília de suas residências. Em seus projetos de design, o arquiteto rompe com a solução de torneamento da madeira e passa a suprimir em seus móveis características que remetessem ao trabalho do artesão. Produzindo móveis que, assim como as residências, eram simples, racionalizados e planificados, “em uma montagem linear de eixos verticais e horizontais, como que reiterando e espelhando os planos das paredes e teto”188.

“Defensor incansável da relação entre arquitetura e indústria preconizada pelo racionalismo de Gropius e Le Corbusier, Warchavchik tornou-se o responsável pela introdução da arquitetura moderna no Brasil e, como Graz, pela apropriação do design moderno. Diante da ausência de um mercado fornecedor

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Imagem 79: Penteadeira com espelho trĂ­plice. ResidĂŞncia Modesto Junqueira, Rio de Janeiro, 1932.

Imagem 80: Conjunto de mรณveis para quarto da filha de Luiz da Silva Prado, Sรฃo Paulo, 1930.

de peças do mobiliário compatíveis com a nova arquitetura, passou a se dedicar também ao projeto de móveis para ambientação dos espaços internos das casas por eles projetadas. Feitos inteiramente de madeira ou em estrutura tubular de metal e couro, seus móveis podem ser identificado tanto com o Art Déco, como com os móveis bauhausianos de Marcel Breuer.”189

A ausência de oficinas capazes de trabalhar com a madeira de acordo com os desenhos do arquiteto, fez com que Warchavchik tivesse que montar sua própria oficina para executar janelas, portas, móveis e equipamentos para as residências modernistas. Em carta a Giedion o arquiteto alega que “a indústria de madeira, que trabalha regularmente para a construção comum, não podia e não queria realizar o que eu lhe pedia com a precisão e limpeza adequadas e exigidas”.190 191

Imagem 81: Móveis desenhados para residência Caio Ramos, São Paulo, em 1930.

Imagem 82: Conjunto de dormitório desenhado para Sra. Alves Lima, 1930.

Como já dissemos, a produção de Warchavchik introduz uma nova forma de mobiliário: o embutido. A utilização de móveis fixos no ambiente, como uma espécie de meio de caminho entre o móvel e arquitetura é uma ruptura com o ecletismo e demonstra a industrialização da produção. Além disso, o móvel passa a fazer parte da composição arquitetônica, e sua linguagem em planos dialoga com a estrutura da residência. O mobiliário planejado está intimamente ligado à tentativa de trazer para o ambiente doméstico questões da racionalidade fabril. Com planos constantes em alturas ergonômicas, cria-se ambientes de trabalho e estar que garantem maior economia de tempo e esforço para desenvolver as atividades. Não podemos esquecer que essas mudanças e racionalizações propostas pelos móveis embutidos, e até mesmo por outros utensílios domésticos, encontraram forte oposição de parte das elites, uma vez que o trabalho doméstico estava ainda fortemente ligado à presença de uma enorme quantidade de empregados domésticos.

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O uso de compensado permitiu que esses novos móveis pudessem afastar o móvel moderno das soluções artesanais dos séculos anteriores (torneado, entalhe, etc.), ressaltando apenas em sua estrutura questões ligadas à técnica construtiva como os encaixes, colas e recortes.191 Além disso, o compensado trouxe ao arquiteto uma maior possibilidade de formas e estruturas, podendo seus desenhos acompanharem o desenho do cômodo de forma a promover uma melhor integração entre o espaço e o móvel, induzindo uma continuidade espacial. “Na coleção de peças em compensado de madeira do arquiteto é possível observar as variedades de recortes, mas uma forma em especial se destaca: os cantos e planos arredondados.”. 192 Warchavchik trouxe para casa brasileira móveis que estavam mais de acordo com a proposta do modernismo internacional.

Transformou os espaços saturados de móveis com profusões de decoração e estilos diversos em ambientes de poucos móveis, em sua maioria já embutidos na arquitetura, criando espaços vazios nos cômodos “restaurando, nos devidos cuidados, a austeridade tradicional da casa brasileira”.193 193

Imagem 83: Quarto de criança, para residência Caio Ramos, São Paulo, 1930.

notas 94 LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Casa Paulista, São Paulo, Edusp, 1995, pp.

134.

95 BRUNO, Ernani Silva. Memórias da cidade de São Paulo: Depoimentos de moradores e visitantes/1553-1958. São Paulo, DPH, 1981, pp. 101.

96 LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira (1979), O morar no modernismo paulistano.

In O caderno de São Paulo. São Paulo, Rhodia, pp. 14.

97 “Durante a guerra, a ideia foi lançada pelo arquiteto português Ricardo Severo em conferência efetuada em 1914 no ambiente elitista da Sociedade de Cultura Artística. Severo, refugiado político, logo se associou a Ramos de Azevedo e passou a projetar um neocolonial que nada tinha de brasileiro, não passando de uma transposição de amplo receituário da arquitetura laica barroca de Portugal do século XVIII.” In LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira (1979), O morar no modernismo paulistano. In O caderno de São Paulo. São Paulo, Rhodia, pp. 14.

98 “Na reforma do velho centro, na segunda década do século XX, houve preocupação em se constituírem dois cenários simétricos: o do oeste com o Anhangabaú, a Praça do Patriarca e a Praça da República, com sinais de refinamento, e o do leste com a Praça da Sé e o Parque D. Pedro II com maior simplicidade. Com reformas desse tipo e loteamentos acessíveis apenas a classes de renda mais alta, como se verá, o urbanismo republicano estabeleceu diferenças sociais nos espaços urbanos, mais nítidas do que os que haviam existido no Império escravista.”

REIS, Nestor Goulart. São Paulo: Vila, Cidade, Metrópole. São Paulo, Via das Artes, 2004, pp. 142.

99 “A cidade tem aumentado consideravelmente nestes últimos vinte anos e ainda hoje aumenta todos os dias, o que tem contribuído para fazer subir o preço dos terrenos dez e vinte vezes mais do que era dantes.” in BRUNO, Ernani Silva. Memórias da cidade de São Paulo: Depoimentos de moradores e visitantes/1553-1958. São Paulo, DPH, 1981, pp. 114.

100 BRUNO, Ernani Silva. Memórias da cidade de São Paulo: Depoimentos de moradores e visitantes/1553-1958. São Paulo, DPH, 1981, pp. 114.

101 “Assim, em 3 de junho de 1898, o Dr. Pedro A. Gomes Cardim, Intendente de Obras da Câmara Municipal, assinou a lei nº 355, segundo a qual eram obrigadas

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‘as construções de casas nas Avenidas Higienópolis e Itatiaia (atual Av. Angélica) a respeitarem 6 metros entre o alinhamento e a frente da casa, pelo menos, para jardim e arvoredos, e bem assim, um espaço não menor de 2 metros de cada lado’.” In HOMEM, Maria Cecília Naclério. História dos Bairros de São Paulo: Higienópolis grandeza e decadência de um bairro paulistano. São Paulo, DPH, 1980, pp. 62-63.

102 “Doravante, as construções seriam controladas por uma legislação rigorosa, fortemente apoiada na higiene pública. A Prefeitura estabeleceu a aprovação das plantas das edificações, no que respeitava ao pé-direito, à largura e à altura de frestas, à ventilação e à luz nos dormitórios, e à espessura mínima das paredes de alvenaria de pedra ou de tijolos (0,30 metro), no primeiro pavimento. O Estado tornava o porão obrigatório como medida higiênica contra a umidade, buscando coibir o seu uso como habitação; aboliu as alcovas e estipulou 14 metros cúbicos livres para cada dormitório. A cocheira e os estábulos distanciaram-se da casa, para serem construídos fora da zona central. Regulamentou as construções destinadas a moradia coletivas, como hotéis, pensões, habitações das classes pobres, indústrias, fábricas, oficinas, escolas, teatros, alimentação pública, etc. A vacinação e a revacinação tornaram-se obrigatórias em todo o Estado.” In HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 125.

103 “Para os burgueses endinheirados, a civilização urbana englobou o acúmulo de bens materiais, o consumo, a secularização, a ordem, a limpeza, a profissionalização e o cosmopolitismo. Foram assimiladas a polidez e a etiqueta valorizadas a hora certa e a privacidade.” In HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 247.

104 CORREIA, Telma de Barros. A Construção do Habitat Moderno no Brasil: 1870-1950. São Carlos, RiMa, 2004, pp.62-63.

105 “O exercício dos misteres domésticos era, então, compartimentado em ‘zonas’ distintas, separadas umas das outras de maneira tal que houvesse interdependência entre elas. Ia-se de uma a outra sem necessidade de se atravessar a terceira. Isso significava o abandono dos velhos costumes que toleravam cômodos os zonas de passagem obrigatória. Adeus à grande varanda de distribuição. Agora, nada de promiscuidades nas casas ricas. A antiga sala de jantar, passagem obri-

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gatória a quem se destinasse à cozinha, no entanto, perdurou na referida casa de aluguel feita no alinhamento e com corredor lateral descoberto. À francesa, somente os abastados moravam, mandando levantar seus palacetes nos bairros recém-abertos.” In LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Casa Paulista, São Paulo, Edusp, 1995, pp. 253-255.

106 “Em diversos palacetes, o estar formal incluía um apartamento no térreo, destinado a idosos ou a hóspedes e até à governante da casa. No primeiro caso, era independente, dando para a entrada social. No segundo, ficava mais próximo à cozinha.” In HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp.

201.

107 “O porão, a princípio recurso obrigatório contra a umidade, tornou-se habitável e passou a receber tudo o que fugia aos programas originais. Nele, se acumularam malas, baús, louças e móveis, quarto dos criados, salas de estudos das crianças, local dos folguedos infantis, adega, etc. Visto que dispunha de comunicação direta com a rua, os jovens mantiveram aí os seus dormitórios, ateliês e bibliotecas, o que fez dele ponto de encontra da juventude. Por ele e por algumas cocheiras passaram os vanguardistas, malvistos pelos burgueses que moravam no andar superior, mesmo após a sua oficialização, representada pela Semana de Arte Moderna, ocorrida em fevereiro de 1922, no Teatro Municipal.” In HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 290.

108 “Mesmo nas versões modernas do quarto feminino encontramos características semelhantes à sala de visitas. A ‘alcova moderna’ era uma adaptação dos preceitos higienistas aos hábitos considerados elegantes. Para o ‘quarto higiênico’ ideal recomendava-se o mínimo de móveis e objetos para que o pó não acumulasse nesse espaço, que devia ter as janelas sempre abertas para a circulação do ar. No entanto, o quarto elegante precisava de mais coisas. Cama, divã, cadeira, mesa de cabeceira e toucador deviam ser pintados com esmalte, preferencialmente em branco azulado ou rosa. Caso se preferisse o dourado para a cama, este deveria se repetir em todos os móveis, se não por inteiro, pelo menos como frisos esse recurso de integração decorativa era aconselhado também para as cores.

O abajur, de seda com ‘desenhos artísticos’, era imprescindível para filtrar a luz do ambiente.” In CARVALHO, Vânia Carneiro de. Gênero e Artefato: O sistema

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doméstico na perspectiva da cultura material – São Paulo, 1870-1920. São Paulo, Edusp, 2008, pp. 160.

109 “A chegada dos aquecedores a gás e das banheiras permitiu a interdependência e o maior conforto dos banheiros, que se uniram definitivamente aos w.c., num só compartimento. O palacete passou a contar com três banheiros completos: um no térreo, na zona de serviços, um no andar superior e o terceiro no porão ou nas edículas. Mas persistiam os penicos, guardados nos criados-mudos, assim como os quartos de toilette, transformados em estar íntimo das senhoras.” In HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 202.

110 REIS, Nestor Goulart. Restauração do Palácio Campos Elíseos: um marco na história de São Paulo. São Paulo, Governo do Estado de São Paulo, 2002, pp. 50.

111 “Foi um sucesso total: depois que o ‘súdito alemão Frederico Glette’ adquirira a Chácara Mauá, ‘mandou abrir nos respectivos terrenos as ruas dos Protestantes, Triunfo, Andradas, Piracicaba, Helvetia, Glette, Nothmann e outras, tendo despendido com a abertura dessas ruas e alamedas cerca de cem contos e apurado na venda dos lotes de terrenos das referidas ruas e alamedas perto e oitocentos contos’ (Antônio Egydio Martins).” In TOLEDO, Benedito Lima de. São Paulo: Três cidades em um século. São Paulo, Livraria Duas Cidades, 1981, pp. 67.

112 “Nos Campos Elíseos a grande diversidade quanto às dimensões fronteiras dos seus lotes, que variavam de 115 metros até 4,4 metros, dá uma ideia da heterogeneidade da ocupação, embora as grandes mansões o tenham caracterizado como bairro da ‘aristocracia’ do café.” In HOMEM, Maria Cecília Naclério.

O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 123.

113 AMERICANO, Jorge. São Paulo Naquele Tempo. São Paulo, Carrenho Editorial, Narrativa Um e Carbono 14, 2004, pp. 51-53.

114 “O bairro da Barra Funda recebeu novo impulso com a construção da Chácara do Carvalho que, com as residências vizinhas implantadas em lotes grandes, não passou de apêndice ou continuação dos Campos Elíseos.” In HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 144.

197

115 “O projeto e a construção estiveram a cargo do florentino Luigi Pucci que, embora não sendo engenheiro nem arquiteto de formação, ganhara o concurso para executar as obras do Museu do Ipiranga.” In HOMEM, Maria Cecília Naclério.

O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 144.

116 “Da mesma forma, nos três quartos de vestir, a presença de muitas cadeiras, de chaise-longue e de escrivaninha, ao lado do lavatório e do guarda-roupa, indicavam o seu uso para repouso, leitura, escrita e até recepção Às pessoas mais íntimas. Uma profusão de espelhos e cristais, objetos de luxo, estatuetas, candelabros, estofados de cetim e de veludo, quadros, tapetes e cortinas completavam a decoração.” In HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp.

165.

117 “Em todo o imóvel, apareceu apenas um banheiro que, a julgar pelo número de peças de que dispunha – uma grande banheira e espelho de cristal – não era completo. Os w.c. deviam estar embaixo das escadas, dispondo os dormitórios de urinóis.” In HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 165.

118 “Tais terrenos, que foram adquiridos em 1890 à razão de 550 réis o m², estavam no fim da década valendo por volta de 900$000 o m² nas ruas superiores e 1150$000 o m², na Avenida Higienópolis. Os lotes mediam em média 35 metros de frente X 47,50 metros de fundos, e as casas iam sendo implantadas com características de chácaras, em meio a jardins, pomares, hortas e lugares para a criação.” In HOMEM, Maria Cecília Naclério. História dos Bairros de São Paulo: Higienópolis grandeza e decadência de um bairro paulistano. São Paulo, DPH, 1980, pp. 77.

119 “Assim sendo, até fins do século o Bairro de Higienópolis teve como maioria de seus moradores os anglo-saxões ou descendentes, e predominaram os chalés ao lado de algumas poucas residências com elementos neoclássicos e de linhas severas, tendo sido também de origem saxônica e norte-americana os primeiros arquitetos.” In HOMEM, Maria Cecília Naclério. História dos Bairros de São Paulo: Higienópolis grandeza e decadência de um bairro paulistano. São Paulo, DPH, 1980, pp. 84.

198

120 “Repetiram-se os estilos conhecidos da cidade: chalés, casas neoclássicas, as térreas com porão e platibandas (geralmente casas geminadas e de aluguel), e de influência francesa (com telhados de ardósia, e mansardas), ou a mistura destes na mesma obra, além das que se poderia dizer anódinas, termo que expressa muito bem as de estilo indefinido e que Alfredo Mesquita usou para explicar aqueles sobrados com escadinha de mármores e marquise com colunas de ferro pintadas, em geral, de prateado. Esse tipo de casa proliferou por São Paulo e ainda hoje se encontra facilmente. Mas surgiria um outro estilo trazido pela nova geração, importado diretamente de Paris – o ‘art nouveau’ – que, de Higienópolis se estendeu aos bairros vizinhos: Vila Buarque, Santa Cecília, etc. e daí a toda cidade, embora de forma impura, pois acabaria por se mesclar aos anteriores.” In HOMEM, Maria Cecília Naclério. História dos Bairros de São Paulo: Higienópolis grandeza e decadência de um bairro paulistano. São Paulo, DPH, 1980, pp. 84-85.

121 HOMEM, Maria Cecília Naclério. História dos Bairros de São Paulo: Higienópolis grandeza e decadência de um bairro paulistano. São Paulo, DPH, 1980.

122 HOMEM, Maria Cecília Naclério. OO Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 101.

123 HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 254.

124 HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 256 125 HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 256 126 “A decoração era ao gosto inglês, com lareira e móveis da Casa Maple, da Inglaterra.” In HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp.

215.

127 “A construção desta avenida se deve a Joaquim Eugênio de Lima, homem bastante viajado que resolveu dotar São Paulo e um grande ‘boulevard’, tendo escolhido o espigão divisor de águas do Pinheiros e do Tietê, então chamado Alto

199

do Caaguaçu (‘mata grande’), para localização deste empreendimento. Associouse a João Borges de Figueiredo e João Augusto Garcia e o primeiro passo foi a compra das terras necessárias para a abertura da avenida.” In REALE, Ebe. Brás, Pinheiros, Jardins, três bairros, três mundos. São Paulo, Edusp, 1982, pp. 106.

128 REALE, Ebe. Brás, Pinheiros, Jardins, três bairros, três mundos. São Paulo, Edusp, 1982, pp. 106.

129 “Nos seus primeiros anos de existência, a Paulista era utilizada mais como local de veraneio do que propriamente de residência fixa, talvez pelo fato de, até 1894, não possuir ainda, melhoramentos como luz, água, esgoto, nem um transporte de qualidade.” In SOUKEF, Antônio. Avenida Paulista: a síntese da metrópole. São Paulo, Dialeto, 2002, pp. 26 130 “Surgiram os boulevards, largos, longos e arborizados, dispondo de passeios e pistas para cavaleiros e para os transportes coletivos. Os lotes, muito amplos, continuavam a favorecer a implantação tipo chácara. Procurou-se conservar parte da mata original do espigão central, na vertente do Rio Pinheiros, a exemplo do Bois de Boulogne parisiense, valorizando-se os panoramas que se descortinavam dos pontos mais altos. Totalmente programados para receber as camadas urbanas mais abastadas, aqueles loteamentos eram servidos por bondes a tração animal e contavam com rede de água, esgoto e luz.” In HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 123.

131 “Logo depois e precedidos pelos irmãos Matarazzo que aí residiam desde 1896, os grandes industriais e comerciantes italianos e árabes e profissionais liberais ocuparam a Avenida Paulista e ruas adjacentes. Transformados em condes e comendadores, chegaram ao topo do espigão Alexandre Siciliano, Pinotti Gamba, Rodolfo Crespi, os irmãos Pugliesi Carboni, a família Scurachio, etc. Os árabes vieram após a Primeira Guerra Mundial. Elias Calfat, Yázigi, Salem, Rizkallah, Dib Camasmie, Jafet, etc. figuraram entre os proprietários de terrenos e residências na Avenida Paulista.” In HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 189.

132 HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 189-191.

200

133 A planta apresentada por Maria Cecília Naclério Homem indica apenas um quarto de toalete, apesar de no texto descrever a existência de três quartos. É possível que tenha ocorrido um erro ou que os quartos apresentados na planta possuíam subdivisões.

134 “A distribuição francesa completava-se pelo corredor que levava à copa e de onde saía a escada de serviço. A cozinha ficava em puxado no térreo, com quarto de criada e despensa. No superior, havia o vestíbulo, três dormitórios, três toillettes, um banheiro completo e dois terraços.” In HOMEM, Maria Cecília Naclério.

O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 219.

135 Relato de Laura R. Octavio in: HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 219.

136 “Os móveis vieram da Casa Maple, de Londres, das casas Mercier e Jansene, de Paris. Outros foram feitos pelo Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. As roupas de cama, mesa e banho, de linho branco, eram da Maison de Blanc, de Paris.” In HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 231.

137 “As meninas ficavam aos cuidados de uma nurse, preceptora inglesa que lhes dava aulas de inglês e as ensinava a costurar e a cozinhar, além de hábitos de higiene e boas maneiras. Tomavam banho e café no quarto.” In HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 231.

138 “Constituiu o primeiro exemplar de arquitetura residencial unifamiliar em estilo Neocolonial, ocorrendo mudanças quanto à decoração, mas não com referência aos programas. O estilo do palacete estaria menos próximo do colonial brasileiro do que do tradicional português, visto que, na época, este era considerado mais rico do que o nosso, o que pode explicar o fato de se iniciar por ele a trajetória do novo estilo.” In HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 233.

201

139 “Contemporaneamente ao início da Primeira Guerra Mundial começaram a surgir em São Paulo reações nacionalistas à ideia subjacente do desaparecimento da cultura paulista, tolhida pela presença avassaladora do elemento estrangeiro no cotidiano da cidade. No dia 20 de julho de 1914, o engenheiro português Ricardo Severo proferiu na Sociedade de Cultura Artística a conferência ‘A Arte Tradicional no Brasil’. Nesta palestra, Severo apresentou com sucesso à elite paulistana ali presente suas teorias sobre a importância da preservação dos valores da ‘raça’ portuguesa e a sua influência na cultura brasileira, então em formação.

Ricardo Severo propugnava a criação de um estilo brasileiro ‘destinado a revalorizar as tradições históricas locais, adaptando-as mais ou menos às necessidades do presente’. Este desejo de volta às tradições culturais e construtivas trazia no seu bojo uma reação latente ao predomínio estrangeiro na arquitetura, configurando nas misturas exageradas de estilos históricos assumidas pelo ecletismo paulistano.” In D’ALAMBERT, Clara Correia. Manifestações da Arquitetura residencial paulistana entre as Guerras. Tese (Doutorado) – FAUUSP, 2003, pp. 36.

140 BAYEUX, Glória. O móvel da casa brasileira. São Paulo, MCB, 1997, pp. 66.

141 SANTI, M. Angélica. Mobiliário no Brasil: Origens da produção e da industrialização. São Paulo: Senac, 2013.

142 111 Anos de Liceu. São Paulo: Editora Pini, 1993.

143 BELUZZO, Ana Maria de Moraes. Artesanato, Arte e Indústria. Tese de Doutorado FAU-USP. São Paulo, 1998. pp. 103.

144 “Nas décadas que se seguiram à crise de 1929 e à Revolução de 1930, a cidade de São Paulo conservou em boa parte o cenário com aparência europeia de seu urbanismo e de sua arquitetura, nos bairros de renda média e alta, definidos durante a Primeira República. Mas nos bairros novos ou transformados no período, já era possível constatar características mais próximas das norte-americanas, com uma crescente verticalização e ausência de normas rígidas para controle das alturas. A sky-line, o perfil recortado contra o céu, revelava a nova tendência.”

In REIS, Nestor Goulart. São Paulo: Vila, Cidade, Metrópole. São Paulo, Via das Artes, 2004, pp. 189.

145 D’ALAMBERT, Clara Correia. Manifestações da Arquitetura residencial paulistana entre as Guerras. Tese (Doutorado) – FAUUSP, 2003, pp. 23.

202

146 “Acontecimentos político-militares, como as revoluções de 1924, de 1930 e a Revolução Constitucionalista de 1932 contribuíram também para perturbar a economia e a vida da população paulistana e, consequentemente, o desenvolvimento urbano e o nível de construção em São Paulo.” In D’ALAMBERT, Clara Correia. Manifestações da Arquitetura residencial paulistana entre as Guerras.

Tese (Doutorado) – FAUUSP, 2003, pp. 23.

147 D’ALAMBERT, Clara Correia. Manifestações da Arquitetura residencial paulistana entre as Guerras. Tese (Doutorado) – FAUUSP, 2003, pp. 40.

148 FERRAZ, Geraldo. Warchavchik e a introdução da nova arquitetura no Brasil: 1925 a 1940. São Paulo, MASP, 1965, pp. 90.

149 LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira (1983), “Os três pretensos abridores de uma porta difícil” In Warchavchik, Pilon, Rino Levi: Três momentos da arquitetura paulista. São Paulo, FUNARTE/Museu Lasar Segall, pp. 4.

150 LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira (1983), “Os três pretensos abridores de uma porta difícil” In Warchavchik, Pilon, Rino Levi: Três momentos da arquitetura paulista. São Paulo, FUNARTE/Museu Lasar Segall, pp. 5.

151 “Na década de 20, pela forte influência da cultura norte-americana, que penetrava maciçamente através dos meios de comunicação (publicações diversas, imprensa e cinema) os nomes dos cômodos das casas populares passaram a assumir denominações inglesas. Assim, os paulistanos começaram paulatinamente a chamar o vestíbulo de hall, a sala de estar transformou-se em living-room e as instalações sanitárias se tornaram simplesmente WC (water closet).” In D’ALAMBERT, Clara Correia. Manifestações da Arquitetura residencial paulistana entre as Guerras. Tese (Doutorado) – FAUUSP, 2003, pp. 98.

152 “A modernização do modo de viver, pelo mundo afora, no interior das residências, a partir do final do século XIX, esteve intimamente ligada aos movimentos feministas que propugnaram maiores facilidades às donas-de-casa então permanentemente ocupadas em trabalhos domésticos planejados sem qualquer tipo de racionalização. A pressão feminista é que forçou o surgimento gradual de uma série de aperfeiçoamentos em todos os equipamentos da habitação, o que foi possível graças ao crescente apuro tecnológico da nova era industrial. Os inventos se sucederam alterando tanto os programas de necessidades das habi-

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tações como também modificando o quadro da manipulação e venda de gêneros alimentícios; cada vez mais pré-fabricados antes de chegarem às cozinhas burguesas. Todo esse progresso e a ideia nele contida de libertação das mulheres dos trabalhos forçados do lar custaram muito a chegar ao Brasil, mesmo ao Rio ou a São Paulo, cidades mais progressistas. Não vamos indagar com muita precisão das causas deste alheamento da morada brasileira aos novos equipamentos da habitação, mas podemos apontar a presença da empregada doméstica, trabalhando quase que de graça, como um dos motivos da perpetuação de hábitos semicoloniais em nossa vida doméstica.” In LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira (1979), O morar no modernismo paulistano. In O caderno de São Paulo. São Paulo, Rhodia, pp.16.

153 “Esses esquemas, que vigorariam até cerca de 1945 e, de certo modo, até hoje, mesmo em projetos de arquitetos de intenções inovadoras, sofreriam decidida influência das antigas tendências de discriminação social, em relação aos locais de trabalho ou de intimidade, caracterizados pela presença dos serviçais e das famílias, tendências ainda largamente influenciadas pelos hábitos coloniais e pelo regime escravista. Assim, as frentes das casas e os cômodos que lhes ficavam mais próximos e onde eram admitidas as visitas, eram os mais valorizados; as partes laterais e superiores eram reservadas à intimidade da família (e nela eram recebidos apenas os parentes e visitantes de pouca cerimônia). Os fundos e, por vezes, a lateral mais estreita, como áreas de serviço, eram locais de completa desvalorização social, verdadeiro desprestígio, quase tabu, herdado dos tempo sem que ali estariam os escravos e acomodando agora os filhos daqueles. Algumas senhoras ricas, podendo manter ‘governanta’, geralmente alemã ou francesa, lá não apareciam, quando muito deixando-se chegar à copa, em busca d’água.” In REIS, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. São Paulo, Perspectiva, 1995, pp. 72.

154 “Área íntima contava com no mínimo dois e no máximo sete dormitórios que era servidos por apenas um banheiro completo. Nos primeiros projetos, eventualmente a área de sanitário estava separada da sala de banhos, conforme a tradição europeia, solução, contudo aqui logo superada, pela reunião das duas funções em um mesmo espaço. A existência de um único banheiro na área íntima foi uma regra que teve raras exceções, independentemente do tamanho da casa. Somente nos anos 40 iniciou-se a caracterização do que hoje chama-se suíte. Só então começaram a existir, ainda assim com pouca frequência, dois banheiros neste setor da casa, sendo um deles ligado ao dormitório principal.” In WOLFF,

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Silvia Ferreira Santos. Jardim América: o primeiro bairro jardim de São Paulo e sua arquitetura. Tese (Doutorado) – FAUUSP, 1998, pp. 130.

155 WOLFF, Silvia Ferreira Santos. Jardim América: o primeiro bairro jardim de São Paulo e sua arquitetura. Tese (Doutorado) – FAUUSP, 1998, pp. 130.

156 WOLFF, Silvia Ferreira Santos. Jardim América: o primeiro bairro jardim de São Paulo e sua arquitetura. Tese (Doutorado) – FAUUSP, 1998, pp. 131.

157 WOLFF, Silvia Ferreira Santos. Jardim América: o primeiro bairro jardim de São Paulo e sua arquitetura. Tese (Doutorado) – FAUUSP, 1998, pp. 192.

158 BACELI, Roney. História dos Bairros de São Paulo: Jardim América. São Paulo, DPH, 1982, pp. 25-26.

159 “Quando do seu regresso a Europa, o Sr. Fontaine entende-se com os irmãos Boulton, banqueiros londrinos, vindo a constituir-se na Inglaterra em 25 de setembro de 1911, a City of São Paulo Improvements and Freehold Land Compani Limited. Sediada na Inglaterra a Companhia possuiria escritórios em Paris e São Paulo; em Paris, operaria sob o nome de ‘Societé Générale et Imobilière et d’Embelissement de la Ville de São Paulo’.” In BACELI, Roney. História dos Bairros de São Paulo: Jardim América. São Paulo, DPH, 1982, pp. 28.

160 REIS, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. São Paulo, Perspectiva, 1995, pp.71.

161 “A empresa com escritórios em Londres, Paris e São Paulo adquiriu desta forma 12380098 m² de terrenos na cidade, o que correspondia em 1912 a 37%, mais de um terço, do perímetro urbano de São Paulo naquele momento.” WOLFF, Silvia Ferreira Santos. Jardim América: o primeiro bairro jardim de São Paulo e sua arquitetura. Tese (Doutorado) – FAUUSP, 1998, pp. 63.

162 “Com o lançamento de Boaçava e Jardim Guedalla, respectivamente em 1949 e 1950, a Companhia City conclui os trabalhos de loteamento nas áreas adquiridas em 1911.” In BACELI, Roney. História dos Bairros de São Paulo: Jardim América.

São Paulo, DPH, 1982, pp. 36.

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163 “A primeira tentativa de implantação de um loteamento se dá quando em 1915 a diretoria inglesa contrata o escritório dos afamados arquitetos Barry Parker e Raymond Unwin para projetá-lo em uma área localizada além do perímetro urbano da cidade. Dadas as características de trabalho já desenvolvidas por estes, a serem apreciadas mais adiante, o novo bairro se desenvolvei nos moldes de cidade-jardim.” In BACELI, Roney. História dos Bairros de São Paulo: Jardim América. São Paulo, DPH, 1982, pp. 34.

164 “A primeira diretoria foi composta por uma associação de banqueiros internacionais, um arquiteto e urbanista francês que vislumbrou o potencial desenvolvimento de São Paulo e membros da elite política, técnica e administrativa local. Popularizada apenas como Cia. City, ou City, esta empresa, ainda existente, teve papel determinante no desenho da paisagem arquitetônica e urbanística de São Paulo.” In WOLFF, Silvia Ferreira Santos. Jardim América: o primeiro bairro jardim de São Paulo e sua arquitetura. Tese (Doutorado) – FAUUSP, 1998, pp. 63 165 BACELI, Roney. História dos Bairros de São Paulo: Jardim América. São Paulo, DPH, 1982, pp. 30.

166 WOLFF, Silvia Ferreira Santos. Jardim América: o primeiro bairro jardim de São Paulo e sua arquitetura. Tese (Doutorado) – FAUUSP, 1998, pp. 63.

167 WOLFF, Silvia Ferreira Santos. Jardim América: o primeiro bairro jardim de São Paulo e sua arquitetura. Tese (Doutorado) – FAUUSP, 1998, pp. 64.

168 WOLFF, Silvia Ferreira Santos. Jardim América: o primeiro bairro jardim de São Paulo e sua arquitetura. Tese (Doutorado) – FAUUSP, 1998, pp. 50.

169 “Desde o início de suas atividades no Brasil, a City se preocupa com a criação de uma infra-estrutura em seus loteamentos de acordo com o desenvolvimento dos mesmos [...] A City participa também da abertura de vias públicas. Tal é o caso da Avenida Anhangabaú, atual 9 de Julho, bem como o prolongamento da mesma, quando alcança os terrenos do Jardim América.” In BACELI, Roney.

História dos Bairros de São Paulo: Jardim América. São Paulo, DPH, 1982, pp. 36.

170 “A Cia. City, desde os desenhos de seus primeiros bairros feitos por volta de 1913 e dos projetos das casas realizados por Barry Parker para o Jardim América até a ocupação final deste na década de 40, submeteu seus empreendimentos a

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todos os regulamentos administrativos existentes na primeira metade do século.

Quando, contudo, estes regulamentos criaram impedimentos para a plena implantação de seus projetos urbanísticos a City propôs mudanças na legislação municipal que acabaram sendo incorporadas, não apenas na ordenação de suas próprias terras, mas em outras zonas residenciais da cidade, como por exemplo as normas que diziam respeito ao traçado e largura das ruas.” In WOLFF, Silvia Ferreira Santos. Jardim América: o primeiro bairro jardim de São Paulo e sua arquitetura. Tese (Doutorado) – FAUUSP, 1998, pp. 51-52.

171 “A invariabilidade da largura antes desta data, foi um dos fatores a retardar a abertura do bairro do Pacaembu pela City, cujos primeiros trabalhos haviam se iniciado em 1912. A tentativa de acomodação das ruas às curvas de nível da topografia irregular dos terrenos induziu um desenho orgânico que previa ruas de largura e comprimento variável, complementadas por vielas e cruzamentos em ângulos agudos terminados por pequenas áreas verdes de formatos desiguais.

Este traçado contrariava a legislação que exigia ainda regularidade das ruas, que podiam ser retas ou até curvas, mas não sinuosas. Barry Parker elaborou arrazoados técnicos em defesa de seu projeto e de alterações na legislação que, consolidadas em 1923, permitiram a abertura de vendas do bairro dois anos depois.” In WOLFF, Silvia Ferreira Santos. Jardim América: o primeiro bairro jardim de São Paulo e sua arquitetura. Tese (Doutorado) – FAUUSP, 1998, pp. 52 172 “A Cia City caracterizou-se em sua atuação em São Paulo por esta sua capacidade de compreender a efervescência do processo de desenvolvimento e o crescimento setorizado por classes da cidade. Após este passo, selecionou a clientela com a qual desejava comercializar e promoveu e induziu rumos para a ocupação urbana segundo seus interesses de lucro, propondo e criando formas de urbanização, vendas e propaganda de modo a facilitar sua assimilação pela população. O fato é que neste processo forjou-se uma identidade forte na paisagem, conhecida como ‘bairro da City’.” In WOLFF, Silvia Ferreira Santos. Jardim América: o primeiro bairro jardim de São Paulo e sua arquitetura. Tese (Doutorado) – FAUUSP, 1998, pp. 69.

173 WOLFF, Silvia Ferreira Santos. Jardim América: o primeiro bairro jardim de São Paulo e sua arquitetura. Tese (Doutorado) – FAUUSP, 1998, pp. 83.

174 Oswald de Andrade in FERRAZ, Geraldo. Warchavchik e a introdução da nova arquitetura no Brasil: 1925 a 1940. São Paulo, MASP, 1965, pp. 88.

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175 “Lá desde meados da década de 1920, a ideia de que uma exposição temporária de arquitetura habitacional estava associada à construção de bairros inteiros, como nas mostras realizadas em Breslau, Stuttgart, Zurique, Viena, Berlim, Brno, Karlsruhe, Basel, Praga, etc.” in LIRA, José. Warchavchik: Fraturas da Vanguarda.

São Paulo, Cosac Naify, 2011, pp. 196.

176 LIRA, José. Warchavchik: Fraturas da Vanguarda. São Paulo, Cosac Naify, 2011, pp. 196-197.

177 LIRA, José. Warchavchik: Fraturas da Vanguarda. São Paulo, Cosac Naify, 2011, pp. 204-205.

178 “Ao traçar esta planta, o arquiteto procurou resolver de maneira mais estética possível um problema funcional e econômico. Suas pesquisas resultram nesta ‘Casa Modernista’ que foi mostrada a São Paulo em 1930. Alterando a tradição, eliminou os corredores, aproveitando o espaço. A planta da casa pequena e extremamente econômica foi adotada, em sua linha básica, e passou a ser utilizada na arquitetura paulistana. Um novo tipo de arquitetura nascera.” FERRAZ, Geraldo. Warchavchik e a introdução da nova arquitetura no Brasil: 1925 a 1940.

São Paulo, MASP, 1965, pp. 88.

179 LIRA, José. Warchavchik: Fraturas da Vanguarda. São Paulo, Cosac Naify, 2011, pp. 220.

180 “Já na casa da rua Bahia, entregue a seus proprietários no início de 1931, as referências são menos episódicas e provavelmente mais estudadas. Não há de ser mera coincidência a semelhança com a casa projetada por Walter Gropius para Teresa Zuckerkandl, em Jena, em 1927, concluída em 1929. Em face de problemas parecidos de topografia e orientação, Warchavchik resolve com enorme habilidade a implantação e o programa, decompondo pela primeira vez o cubo único em dois volumes prismáticos que se interpenetram. Ao retoma nessa sua primeira mansão modernista, de vãos e ambientes bem mais generosos que os da própria Santa Cruz, a dualidade entre a imponência e rigidez da face pública, fechada para os fortes ventos do sul e bem instalada no terreno, e a animação e abertura para a paisagem na face oposta, o arquiteto encontra precisamente aí – na soma de volumes cúbicos mais que no jogo de linhas e planos a partir de um nódulo central, como na Max Graf e Itápolis – o elemento de amarração da casa como

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um todo.” In LIRA, José. Warchavchik: Fraturas da Vanguarda. São Paulo, Cosac Naify, 2011, pp. 232.

181 SANTOS, Maria Cecília Loschiavo. Móvel Moderno no Brasil. São Paulo, Olhares, 2015, pp. 33.

182 “O historicismo e os excessos de estilos e ornamentações começaram a encontrar forte oposição no final do século XIX. Inicialmente como manifestações isoladas por parte de alguns arquitetos e artistas europeus e americanos e, depois, como um amplo movimento progressista, no sentido da defesa de uma nova forma de expressão mais condizente com os novos tempos e as possibilidades de ação humana frente ao progresso técnico. Não se tratava mais de criar o projetar pensando em estilos, mas de construir um novo tipo de linguagem, em que as formas estivessem em harmonia com as exigências da era industrial. Assim, a primeira questão a se enfrentar dizia respeito à assimilação da própria máquina: um fato real e inevitável, já que a produção não poderia mais ser organizada sobre outras bases. Tratava-se, pois, de tomá-la não como um instrumento de destruição da arte, mas como um estímulo à criação de novas formas e à superação da discrepância entre projeto e produção. Nesta aliança entre arte e técnica não havia lugar, é claro, para a ornamentação, considerada inútil e, até mesmo crime.” In BAYEUX, Glória. O móvel da casa brasileira. São Paulo, MCB, 1997, pp.

86-87.

183 “Também foi durante a guerra que o Brasil teve sua primeira experiência em termos da produção em série destinado ao consumo popular. Este pioneirismo coube ao espanhol Celso Martinez Carrera que, aqui chegando em 1906, abriu, três anos mais tarde, uma marcenaria. Em 1915, visando atender uma demanda provocada pela queda da importação, desenhou ele próprio a primeira linha de móveis em madeira vergada à vapor, formalmente inspirado nos móveis Thonet e nos móveis ingleses de ferro tubular. Denominada Patente, essa linha teve como marca principal a simplicidade e a inteligência do desenho, possibilitando uma maior racionalização da produção e, consequentemente, preços mais acessíveis.

Além de conquistar o mercado e nele se manter durante muito tempo, contribuiu para antecipar uma visão modernizadora em relação ao aspecto formal e construtivo do mobiliário brasileiro.” In BAYEUX, Glória. O móvel da casa brasileira.

São Paulo, MCB, 1997, pp. 92.

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184 SANTOS, Maria Cecília Loschiavo. Móvel Moderno no Brasil. São Paulo, Olhares, 2015, pp. 35.

185 SANTOS, Maria Cecília Loschiavo. Móvel Moderno no Brasil. São Paulo, Olhares, 2015, pp. 35.

186 “Já a partir do segundo pós-guerra, como dizíamos, entra-se numa outra etapa, em que o móvel vai apresentar características mais brasileiras. O que não significa, porém, que o móvel aqui produzido tivesse deixado de receber influências, deliberadas ou não, de certos modismos decorrentes do movimento moderno. O que aconteceu é que a modernização do mobiliário, fazendo parte de um contexto mais amplo – a modernização da arquitetura e da cultura brasileira -, participou do processo de importação e assimilação de ideias e conceitos, que foi se tornando mais complexo, enriquecendo-se com o uso de elementos nacionais: os tecidos, as fibras naturais e outros materiais da terra. Consequentemente, esses elementos acabaram amortecendo o reflexo da importação de ideias, trazendo mais autonomia para a produção do móvel e caracterizando obras significativas, elaboradas dentro de um marco estilístico que respondei mais adequadamente às nossas condições.” In SANTOS, Maria Cecília Loschiavo. Móvel Moderno no Brasil. São Paulo, Olhares, 2015, pp. 35.

187 MARTINS, Carlos A. Ferreira (ORG). Arquitetura do século XX e outros escritos: Gregori Warchavchik. São Paulo, Cosac Naify, 2006, pp. 65.

188 MELO, Alexandre Penedo Barbosa de. Design do mobiliário brasileiro: aspectos da forma e sua relação com a paisagem. Tese (Doutorado) – FAUUSP, 2008, pp. 27.

189 BAYEUX, Glória. O móvel da casa brasileira. São Paulo, MCB, 1997, pp. 95.

190 “Numa carta de Warchavchik a Giedion, ele se referiu a esses obstáculos: ‘Tive de montar oficinas para fazer executar janelas, portas de madeira lisa, móveis e equipamentos, porque a indústria de madeira, que trabalha regularmente para a construção comum, não podia e não queria realizar o que eu lhe pedia com a precisão e limpeza adequadas e exigidas’. Essa solução adotada por Warchavchik representou um impulso muito grande para a industrialização de certos componentes da construção civil. Embora à época tenha sido alto o custo para a produção de protótipos, posteriormente garantiu-se o barateamento dos mate-

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riais modernos fabricados em série.” In SANTOS, Maria Cecília Loschiavo. Móvel Moderno no Brasil. São Paulo, Olhares, 2015, pp. 73.

191 “No caso da casa de Gregori Warchavchik, a principal novidade no mobiliário, no que se refere ao aspecto técnico, foi a aplicação do compensado de madeira no estado puro de sua forma. Rompeu-se definitivamente com a solução de torneamento de peças de madeira, eliminando qualquer resquício de intervenção artesanal na forma final do móvel [...]. Ou seja, o plano expansível da chapa de compensado de madeira resolveu o problema técnico de reunir em uma peça o pé, o assento e o espadar da cadeira, descartando a necessidade de soluções complexas de pregos e cavilhas usualmente utilizados nas coleções anteriores. As saliências comuns dos móveis ecléticos existentes no período, que exaltavam o labor do artesão, são suprimidas pela chapa plana que inibe qualquer intervenção em sua superfície, restando apenas encaixe, recorte e colagem.” In MELO, Alexandre Penedo Barbosa de. Design do mobiliário brasileiro: aspectos da forma e sua relação com a paisagem. Tese (Doutorado) – FAUUSP, 2008, pp. 27.

192 MELO, Alexandre Penedo Barbosa de. Design do mobiliário brasileiro: aspectos da forma e sua relação com a paisagem. Tese (Doutorado) – FAUUSP, 2008, pp. 30.

193 MELO, Alexandre Penedo Barbosa de. Design do mobiliário brasileiro: aspectos da forma e sua relação com a paisagem. Tese (Doutorado) – FAUUSP, 2008, pp. 37.

211

Considerações Finais Ao longo dessa pesquisa, procurou-se levantar algumas questões a respeito do dormitório, ainda que baseando-se em fontes secundárias. Apesar de ainda serem necessárias muitas outras pesquisas sobre o tema, já foi possível encontrar características dos dormitórios paulistanos. Nos primeiros séculos de colonização, os dormitórios eram cômodos íntimos da residência e de acesso extremamente restrito, ainda que as noções de privacidade fossem muito diferentes do que conhecemos atualmente. Sabemos também que desde o início as necessidades fisiológicas acompanharam o quarto, seja na forma de penicos, quarto de toalete ou suítes. É preciso também refletir a respeito dos atuais e futuros dormitórios em nossas casas. Com preços de imóveis cada vez mais caros e a maior demora para os jovens de uma classe média atingirem a independência financeira, sem prejuízo na qualidade de vida, o dormitório passa por uma transformação fundamental, tornandose um pequeno apartamento dentro de uma residência. Com escrivaninhas, computadores, televisões e banheiro, torna-se possível sair do cômodo apenas para se alimentar, facilitando a convivência prolongada com os pais.

Existe, no entanto, um contraponto que cada vez mais tem sido colocado por especialistas: o quarto multifuncional pode revelar-se prejudicial ao sono e à saúde de seu habitante. Ao mesmo tempo, possuímos cada vez mais tecnologias que transformam nossos objetos em portáteis. Um iPad ou um celular substituem simultaneamente computador, televisão, livro, relógio, etc. O quarto não necessita mais da presença de todos esses objetos e um único aparelho portátil pode ser usado em todos os ambientes da casa, devolvendo ao dormitório sua função primordial de repouso. Assim como as residências dos primeiros séculos de colonização, que apresentavam poucos objetos fixos e muitos portáteis, consequência da dinâmica da vida alternando-se entre campo e cidade, talvez caminhemos em direção similar como reflexo de novas tecnologias que permitem maior mobilidade entre os cômodos da casa.

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Quem sabe o dormitório possuirá um uso cíclico, alternando entre o exclusivo para o repouso e a multiplicidade de funções, como lazer, estar e receber.

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Glossário* Alcova: Cômodos situados no centro da casa, sem janelas, comprometendo consideravelmente a ventilação e a iluminação do ambiente. Utilizadas para dormir, eram muitas vezes equipadas com redes ou catres além de penicos. Suas portas poderiam se abrir tanto para sala da frente quanto para varanda de trás ou um corredor.

Bretanha: Tecido fino de linho ou algodão.

Cadeirinha-gôndola: Cadeira pequena, com encosto arredondado e envolvente, geralmente prolongando-se até os braços, permitindo que a pessoa repousasse a cabeça na parte de trás, ou nas laterais da cadeira. Esse modelo de cadeira surgiu foi muito utilizada na França do século XVIII. Cama: Em princípio, qualquer móvel ou superfície macia e fofa onde alguém deitar-se e/ou dormir; leito. A palha, as folhas secas, o colchão satisfazem essa necessidade. A cama convencional, que consta de uma estrutura horizontal retangular colocada acima do chão, e sobre a qual se estende um colchão. Esse móvel parece ser tão antigo quanto à cadeira e, nos primórdios, mais do que esta se destinava a pessoas privilegiadas. Diferentes tipos de cama receberam decorações artísticas, e neles, a estrutura de madeira ou metal era complementada pelo uso dos tecidos em cobertas e cortinas. No Brasil, a evolução da cama reflete as tendências portuguesas. No Reino, à época do descobrimento, a cama com armação de madeira ou metal e cortinas era ainda regalia de poucos. No séc.

XVII, já se fazem camas com dossel apoiado em quatro colunas e cabeceira trabalhada (balaustradas com arcos, bilros, rendilhados caprichosos ou incrustações). O jacarandá do Brasil é usado com sucesso. Outras camas portuguesas têm colunas torneadas ou com discos superpostos fortemente estrangulados; mais tarde surgem as colunas em espiral. Na colônia, a princípio usou-se a rede, mas já aparece, frequentemente o catre, fixo ou dobrável. Entre os abastados encontram-se alguns leitos com colunas torneadas e sobrecéu, talvez vindos de Portugal .

Casa Garroux: Inaugurada em 1860 em São Paulo por Anatole Louis Garroux, na Rua do Rosário, nº 5 e posteriormente no Largo 215

da Sé e finalmente na Rua da Imperatriz, a loja importava produtos parisienses como: itens de papelaria, vinhos, licores, caixas de biscoitos e etc. Posteriormente a Casa Garroux se tornou uma livraria.

Seu dono retornou para Paris em meados de 1890, vindo a falecer em 1904. Mesmo após Anatole Louis Garroux retornar para França, a Casa continuou existindo até 1930.

Carijó: Tribo indígena ocupante do território que ia de Cananéia, no atual estado de São Paulo até a Lagoa dos Patos no Rio Grande do Sul. Possivelmente essa rede em questão teria sido manufaturada por essa tribo indígena.

Catre: Em Portugal, cama entalhada ou acharoada vinda da Índia e da China no século XVI. Nos sécs. XVII e XVIII, cama de estrutura simples, sem colunas e dossel; alguns exemplares ainda têm cabeceira ornada de detalhes vazados e espiralados à maneira dos móveis indo portugueses. Cama simples e pequena. Cama de campanha ou de viagem, dobrável com perna em “X”. Cama de vento.

Cama tosca .

Cobertor de Papa: Cobertor comum de Portugal, da região da Guarda, cuja produção têxtil foi impulsionada pelo Marquês de Pombal. O cobertor é feito com lã grossa em estado bruto e tecida em tear manual, resultando em um cobertor muito quente de pelo comprido.

Chaise-longue: Cadeira reclinada, dotada de apoio para as pernas e propícia ao repouso diurno. Foi criada na França no século XVIII, era estofada e constava de duas peças: uma poltrona e um banco.

Espelho Veneziano: Espelho caracterizado pela técnica de manufatura veneziana desenvolvida no século XVI, em que os espelhos passam a receber no dorso uma aplicação de uma mistura de mercúrio e estanho.

Gorgorão: Tecido encorpado de seda ou fibra artificial que recobre a trama de fios de algodão reunidos em cordões próximos, mais ou 216

menos salientes; pela textura armada e discreta, é usado em decorações formais.

Guarda-roupa: Nos antigos quartos de dormir ou de vestir os guarda-roupas se diferenciavam: o guarda-vestidos, em geral de duas portas, com vãos mais altos para dependurar vestidos de senhora; e o guarda-casaca, mais estreito, com uma única porta guarnecida de espelho capaz de refletir o corpo inteiro, e que tinha, às vezes um gavetão na parte inferior.

Holanda: Tecido de linho com trama fechada, manufaturado nos Países Baixos.

Lavatório: Móvel utilizado antes do aparecimento da água encanada para atender as necessidades de higiene e toalete. No caso brasileiro, mesmo após o surgimento da água encanada esse móvel continuou presente nas residências, uma vez que a quantidade de banheiros era pequena. Possuíam espelho e tampo de mármore, onde ficavam dispostos as peças do “serviço de lavatório” como jarro, bacia, saboneteira, toalhas etc.

Leito: Armação de madeira, ferro ou outro material, destinada a sustentar enxergões e colchões; é móvel destinado, em especial, ao repouso noturno; cama. Na Europa, no séc. XV, o leito com cortinas, de estrutura fixa, é dotado de painéis esculpidos e repousa sobre um estrado. Na Renascença e no Barroco tem decoração suntuosa, é peça importante no mobiliário e, na França, recebe denominações que são adotadas em outros países. No antigo mobiliário português encontram-se as designações: leito de banco, leito de viagem, leito de solteiro, leito de casal, leito de viúvo ou de pessoa e meia, para indicar diferentes tipos e dimensões de leitos que passaram ao Brasil colonial .

Mesa de Toalete: Também conhecido como “toucador” ou “mesa de toilette”. É um móvel, com espelho e gavetas, surgido no século XVIII, diante do qual as pessoas se penteavam, empoavam e pintavam com auxílio de objetos de toalete. Nas gavetas, armazenava-se frascos de perfume, potes de cremes, pó de arroz, escovas, pentes 217

etc. As mesas de toalete masculinas eram mais voltadas ao ato de fazer a barba e pentear-se.

Mica: do latim micare (brilho), é um termo genérico aplicado ao grupo dos minerais constituído por silicatos hidratados de alumínio, potássio, sódio, ferro, magnésio e, por vezes, lítio, cristalizado no sistema monoclínico, com diferentes composições químicas e propriedades físicas.

Muxarabi: Balcão fechado por gradeado de madeira em treliça, típico das construções ibéricas, e que permitia às pessoas observar o exterior sem serem vistas. A presença do muxarabi é expressiva na arquitetura brasileira do período colonial e do início do séc. XIX. Nesse século, por razões supostamente estéticas e progressistas, os muxarabis e as janelas de rótula foram condenados pelas autoridades; os gradis de ferro fundido e o vidro plano, produtos importados, passaram a caracterizar as fachadas. Nas décadas de 1920 a 1930, balcões com muxarabis reaparecem em algumas construções urbanas no estilo neocolonial .

Opalina: Vidro de não transparente, geralmente translúcido, originado na cristaleira Baccarat. Foi moda durante o romantismo, era utilizada na confecção de vasos, vasilhas, copos, caixas, garrafas, frascos de perfume, objetos de toalete, lustres, etc.

Psichê: Grande espelho móvel montado numa estrutura dotada de básculas de modo que pode ser inclinado para permitir que a pessoa se veja de pé. Criado para o mobiliário em estilo Império, teve grande aceitação nas mobílias de quarto de vestir e boudoirs do século XIX e começo do século XX, já então, muitas vezes com características de móvel de toucador, com gavetas laterais, e com o espelho basculante livre.

Rede: Retângulo de tecido ou malha suspenso nas extremidades e que serve de leito, amoldando-se ao corpo e embalando suavemente. A rede de dormir, feita de fibra trançada é de origem caraíba e sua feitura artesanal pouco se alterou no correr dos tempos.

Muito difundida entre os habitantes da América Central e do Sul. 218

No Brasil, a rede, utilizada pelos indígenas foi adotada pelos primeiros povoadores europeus num meio que carecia de mobiliário.

Continua a ser largamente utilizada no Norte e no Nordeste. Os fios da urdidura são apanhados nas duas extremidades num punho ou argola que se suspendem aos armadores, ganchos fixados à parede, a um pilar, a um tronco de árvore . No caso das redes colocadas nas primeiras casas paulistanas de taipa, não era possível fixar a rede às paredes, por isso elas eram fixadas em paus roliços fincados no chão.

Ruão: Linho tosado que se fabricava na cidade francesa de Ruão (ou Rouen).

Taipa: De uso antigo, a terra é comprimida dentro de formas de madeira (taipais) .

Tílburi: É uma carruagem leve, de duas rodas, sem boleia, puxada por animal, com espaço para duas pessoas: o passageiro e o condutor. Foi criada em Londres no século XIX, seu nome se deu em homenagem ao seu inventor Gregor Tilbury. Esse meio de transporte surgiu no Rio de Janeiro em 1830 e rapidamente se tornou o veículo mais popular. * Baseado em: MOUTINHO, Stella; PRADO, Rúbia Bueno do; LONDRES, Ruth. Dicionário de artes decorativas e decoração de interiores. Rio de Janeiro, Lexikon, 2005.

219

Fonte das imagens Séculos XVI e XVII 1. Revista Acrópole, jun 1963 2. LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. “Notas sobre a arquitetura tradicional de São Paulo. São Paulo, FAU USP, 1969, pp. 27.

3. http://www.matriznet.dgpc.pt/matriznet/home.aspx 4. http://www.matriznet.dgpc.pt/matriznet/home.aspx 5. CANTI, Tilde. O móvel no Brasil: Origens, Evolução e Características. Lisboa, Agir e FRESS, 1999, pp. 113.

Século XVIII 1. https://www.bn.br/explore/acervos 2. Acervo O Estado de S. Paulo 3. Google Maps 4. HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 74.

5.http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/12.142/4898 6. HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 36.

7. REIS, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. São Paulo, Perspectiva, 1995, pp.29 8. Google Maps 9. Divulgação

221

10. LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. A Casa da Marquesa de Santos em São Paulo. In: Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n.4. São Paulo, 1968.

11. BAYEUX, Glória. O móvel da casa brasileira. São Paulo, MCB, 1997, pp. 118-119.

12. BAYEUX, Glória. O móvel da casa brasileira. São Paulo, MCB, 1997, pp. 120-121.

13. BAYEUX, Glória. O móvel da casa brasileira. São Paulo, MCB, 1997, pp. 119.

Século XIX 1.http://smdu.prefeitura.sp.gov.br/historico_demografico/1872.php 2. Google Maps 3. Eudes CAMPOS, Eudes. Arquitetura paulistana sob o Império: aspectos da formação da cultura burguesa em São Paulo. Tese (Doutorado) – FAUUSP, 1997, pp.

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4. HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 36.

5. Google Maps 6. REIS, Nestor Goulart. São Paulo: Vila, Cidade, Metrópole. São Paulo, Via das Artes, 2004, pp. 89.

7. BAYEUX, Glória. O móvel da casa brasileira. São Paulo, MCB, 1997, pp. 126-127.

8. Eudes CAMPOS, Eudes. Arquitetura paulistana sob o Império: aspectos da formação da cultura burguesa em São Paulo. Tese (Doutorado) – FAUUSP, 1997, pp.

819.

9. Google Maps 10. Eudes CAMPOS, Eudes. Arquitetura paulistana sob o Império: aspectos da formação da cultura burguesa em São Paulo. Tese (Doutorado) – FAUUSP, 1997, pp. 821-822.

222

11. HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 32.

12. CAMPOS, Eudes. Nos caminhos da Luz, antigos palacetes da elite paulistana in: Anais do Museu Paulista V.13, São Paulo, 2005, pp. 21.

13. Google Maps 14. HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996.

15. Processo do Condephaat nº 20023/76 16. Processo do Condephaat nº 20023/76 17. Processo do Condephaat nº 20023/76 18. Google Maps 19. Processo do Condephaat nº 535/75 20. HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 107.

21. Processo do Condephaat nº 535/75 22. Google Maps 23. CAMPOS, Eudes. Nos caminhos da Luz, antigos palacetes da elite paulistana in: Anais do Museu Paulista V.13, São Paulo, 2005, pp. 30.

24. HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 86.

25. BAYEUX, Glória. O móvel da casa brasileira. São Paulo, MCB, 1997, pp. 127.

26. BAYEUX, Glória. O móvel da casa brasileira. São Paulo, MCB, 1997, pp. 132.

223

27. BAYEUX, Glória. O móvel da casa brasileira. São Paulo, MCB, 1997, pp. 133.

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2. Acervo Digital da Biblioteca Nacional 3. Acervo Instituto Moreira Salles 4. Acervo Digital da Biblioteca Nacional 5. Google Maps 6. HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 118.

7. HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 126 8. HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 131 9. Musee des Beaux-Arts de Lyon 10. Google Maps 11. Acervo Digital da Biblioteca Nacional 12. Acervo IBCP/SP. 13. Acervo IBCP/SP. 14. HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pp. 206.

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