REFlexus 2022

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Responsabilidade Social:

"Duas palavras, segurança e conforto. O utente e a sua família deixam de ter preocupação com a preparação a tempo e horas da medicação"

Ricardo Gonçalves

Internacional:

"Ser farmacêutica prescritora independente é muito gratificante"

Poojah Shah

Destaque Nacional: "Tal como o mundo evolui, também cada um de nós tem de evoluir"

Prof. Dr. Rui Santos Ivo

Grande Entrevista:

"Acho que ser farmacêutico hoje é um desafio, mas um desafio bastante compensador" Prof. Dr. Helder Mota Filipe

E d i ç ã o 2 0 2 2

NOTADOEDITOR

FICHATÉCNICA

Propriedade:

Associação Portuguesa de Estudantes de Farmácia

Rua António Cândido, nº 154 4200 074, Porto

Coordenadora Geral: Inês Primo, FFUC

Diretora Comercial: Catarina Silva, FFUL

Diretora do Núcleo Gráfico e Design: Ana Rita Cardoso, FFUC

Diretora do Núcleo Redatorial: Eva Peralta, FFUC

Núcleo Comercial: João Ganhão, FFUL

Núcleo Gráfico e Design: Ângela Silva, FFUC Flávio Ribeiro, UBI

Núcleo Redatorial: Beatriz Pereira, FFUP Beatriz Rocha, FFUP Eva Martins, FFUC Sarah Matos, FFUC

Contactos: reflexus@apef pt

Tiragens: 220

É com enorme alegria, orgulho e sentido de responsabilidade que, enquanto Coordenadora Geral da REFlexus, vos apresento a edição de 2022, em nome de toda a Comissão Organizadora.

A Revista Nacional de Estudantes de Farmácia tem como propósito proporcionar aos estudantes a oportunidade de contactarem com temáticas atuais e relevantes no setor farmacêutico, levando até aos mesmos o testemunho de profissionais de renome. A edição deste ano não é exceção, contando com o contributo de profissionais de excelência, que trazem até nós os assuntos mais relevantes da atualidade.

A Associação Portuguesa de Estudantes de Farmácia é sinónimo de inovação, e a REFlexus acompanha a mesma, pelo que nesta edição trazemos até ti uma revista inovadora e interativa, que te permitirá navegar e interagir através dos QR Codes presentes ao longo de toda a edição.

Não poderia deixar de agradecer a toda a equipa da REFlexus, que tornou este desafio muito gratificante. Aos 10 elementos que se entregaram de alma e coração a este projeto, o meu obrigada pela vossa dedicação, motivação, criatividade e espirito de responsabilidade.

A ti, que estás a ler esta revista, espero que desfrutes da mesma, que esta contribua para que cada vez mais te tornes num profissional de excelência e que estimule o teu espirito critico!

Coordenadora Geral da REFlexus para o mandato 2021/2022

02Editorial

U I P ARevista REFlexus 2022

Catarina Silva Diretora Comercial Ana Rita Cardoso Diretora do Núcleo Gráfico e Design Eva Peralta Diretora do Núcleo Redatorial João Ganhão Colaborador Comercial Ângela Silva Núcleo Gráfico e Design Flávio Ribeiro Núcleo Gráfico e Design Inês Primo Coordenadora Geral Beatriz Pereira Núcleo Redatorial Beatriz Rocha Núcleo Redatorial Eva Martins Núcleo Redatorial Sarah Matos Núcleo Redatorial
03Equipa
E Q

M E N S A G E Mdo Presidente

2022 tem sido um ano único para a história da APEF. Por um lado, o retorno ao presencial recordou-nos a todos a essência da estrutura: aproximar os Estudantes de Ciências Farmacêuticas de todo o país entre si, permitindo a coesa que sinalize problemas e apresente propostas aprender mas queremos desde já gerar valor e fazer parte da solução. E há tanto porque lutar, seja Ensino, no Setor Farmacêutico. Por outro lado, 2022 país está sensibilizado para a necessidade de sistema nacional de saúde, pelo que mais do que nunca estruturar respostas concretas que façam jus aos presente e do futuro. E é por isso que precisamos de forte e de qualidade que se adeque às necessidades

Queremos sensibilizar-te para as temáticas mais relevantes para a tua formação, pois queremos colaborar ativamente na génese do profissional de saúde que serás amanhã. Fazemo-lo numa abordagem polivalente, tal como só o Farmacêutico consegue ser. É com esta visão em mente que a APEF orgulhosamente apresenta-te mais uma edição da tua Revista. Fazendo jus aos seus anos de história e fruto do trabalho árduo de 11 estudantes de todo o país, a nova edição da REFlexus procura trazer nas suas páginas a dose ideal de ciência, cultura e política.

Convido-te a aventurares-te nesta leitura e a conheceres algumas personalidades que espero que te inspirem tanto como nos inspiraram a nós. Aproveita, ainda, para conheceres um pouco mais sobre as oportunidades que a APEF, os seus Membros e os seus Parceiros têm para ti e para o teu crescimento pessoal.

Desejo que esta revista, feita a pensar em ti, corresponda às tuas expectativas. Por fim, espero que 2022 ainda traga muitos sucessos, para ti e para todos os estudantes de Ciências Farmacêuticas, e deixo o apelo a que acompanhes todas as novidades que temos preparadas para melhorar ao máximo esta nossa aventura que é o Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas.

Presidente da APEF para o Mandato 2021/2022
04Mensagem

SEGMENTOPOLÍTICO

Í N D I C E 11 06 13 13 15 15 MEMBROSEMREVISTA APEFEMREVISTA ALUMNIEMREVISTA DESTAQUENACIONAL APEFSocial-Aatividadequemudavidas TestemunhodeCarolinaRojais EntrevistaaoDoutorRuiSantosIvo 23 23 28 28 46 46 53 53 60 72 72 36 36 SEGMENTOINTERNACIONAL GRANDEENTREVISTA SEGMENTOCULTURAL RESPONSABILIDADESOCIAL FarmacêuticospelomundocomPoojahShah Twinnet:SérviaePolónia SaraMarinho,afarmacêuticaversátil FilipaEstevão,anovacaradaFerreroRocher JoanaCoutoeasuapaixãopeladança EntrevistaaoProfessorDoutorHelderMota Filipe,BastonáriodaOrdemdosFarmacêuticos DoutorJoãoRoseiro,umavidacomofarmacêuticomilitar OlenaKenda,farmacêuticaucraniana PreparaçãoIndividualizadadeMedicação HISTÓRIADAFARMÁCIA INOVAÇÃOECIÊNCIA ASSOCIATIVISMOJUVENIL EntrevistaaoProfessorDoutorJoãoRuiPita OMuseudaFarmáciaemLisboa TilrayMedical CanabisMedicinalsegundooDoutorArturAguiar ProfessorFélixdeCarvalhoeodilemadaepigenética Associativismojuvenilcomoferramentadedinamização daatividadefarmacêuticaporGabrielBranco 20 20
AResidênciaFarmacêutica:aoportunidadedo presenteparamelhorarofuturo Ensinofarmacêutico:Areflexãodoano 05Conteúdo

MEMBROS EM REVISTA

Programa PharmaMentoring

ubipharma

Pelo segundo ano consecutivo o UBIPharma, Núcleo de Estudantes de Ciências Farmacêuticas da Universidade da Beira Interior (UBI), organiza o Programa PharmaMentoring. Este conta com diversos mentores das mais variadas áreas farmacêuticas, desde as mais conhecidas como Farmácia Hospitalar, Farmácia Comunitária, Ensino, Ensaios Laboratoriais, até aquelas que os estudantes não estão tão ocorrentes ou que não são tão aprofundadas no nosso Plano Curricular, como por exemplo: Delegação de Informação Médica, Scientific Research e Marketing.

Esta iniciativa tem a duração de 5 meses, a começar em agosto e a acabar em dezembro, com encontros mensais. Estes têm como objetivo estabelecer uma via de contacto entre os atuais estudantes (Mentorados) da Universidade da Beira Interior (UBI), e os profissionais que exercem atualmente no setor farmacêutico (Mentores), de modo a que haja uma troca de experiências, conselhos e sugestões por parte do mentor que vão de encontro aos interesses e dúvidas dos estudantes. Este ano, de forma a integrar os antigos alunos do Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas da UBI, todos os mentores selecionados pertencem aos UBIPharma Alumni, o que, na nossa perspectiva, facilita a compreensão e contacto com os mentorandos De forma a enriquecer ainda mais este projeto, existem mensalmente atividades educacionais programadas pelo UBIPharma, que podem consistir em trainings, aproveitando assim a rede de trainers da European Pharmaceutical Students' Association (EPSA) Devido à relevância deste programa, a sua continuidade nos próximos anos é do interesse da UBIPharma , podendo deste modo proporcionar aos estudantes uma visão mais realista do papel do Farmacêutico numa determinada área, fomentando e esclarecendo as possíveis escolhas futuras.

06Membros

Feira de Emprego

nef/aac

O Núcleo de Estudantes de Farmácia da Associação Académica de Coimbra (NEF/AAC), ao longo dos seus 36 anos de história, tem-se destacado em todos os instantes pela sua capacidade de se reinventar, inovar e adaptar às necessidades dos Estudantes que representa, bem como às mudanças que lhe vão sendo exigidas. Assim, cientes que a transição da Faculdade para o Mundo Profissional representa um momento de ansiedade para a maioria dos Estudantes, nomeadamente para aqueles que se encontram no fim do seu percurso académico, o pelouro dos Estágios e Saídas Profissionais desenvolveu a Feira de Emprego do NEF/AAC. Esta tem como principal intuito apresentar diversas entidades e empresas para auxiliar os Estudantes nas suas escolhas e decisões relativamente ao seu futuro profissional.

A Feira de Emprego NEF/AAC conta já com quatro edições. A IV Feira de Emprego realizou-se durante os dias 12 e 13 de outubro de 2021, onde diversas empresas do Setor Farmacêutico marcaram presença na Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra (FFUC), de modo a darem a conhecer aos Estudantes a sua estrutura, cargos e inerentes funções, bem como as possíveis ofertas que apresentam aos Futuros Profissionais. A Feira de Emprego contou, ainda, com a dinamização de vários Workshops que muniram os Estudantes de ferramentas que serão cruciais para a sua entrada no mercado de trabalho, destacando-se o Workshop “Curriculum Vitae e Carta de Motivação", a Simulação de Entrevista e ainda o Workshop “Preparar o Futuro Como Comunicar?”.

O feedback referente a esta atividade é positivo, tanto por parte dos Estudantes como das Empresas convidadas, dado que permite estabelecer uma ponte de contacto entre o mundo académico e o mundo profissional.

health expedition

O Departamento de Intervenção Cívica e Educação para a Saúde (DICES) da Associação dos Estudantes da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa (AEFFUL) organizou, nos passados dias 4 a 7 de abril, a Health Expedition.

Na manhã do dia 4 de abril, começamos por abordar o bem-estar pessoal com um breve Workshop de Nutrição, em que se abordou o impacto da saúde alimentar na vida de um estudante. Da parte da tarde foi realizado um Workout, em que se falou brevemente sobre a importância do desporto tanto a nível físico como mental.

AEFFUL 07Membros

No dia seguinte, continuou-se com o tópico do bem-estar pessoal, em que foi realizado um Workshop sobre problemas de postura comuns no quotidiano, problemas mais graves a este nível e breves exercícios no final. Ocorreu ainda de seguida uma sensibilização aos estudantes, que se focou nas consequências da má Incluíu-se também na Health Expedition as Colheitas de Sangue, realizadas onde contou-se com 51 doações. No último dia, organizamos um Suporte Básico de Vida, dado pelo Instituto Nacional de Emergência training sobre como lidar com o stress em situações de emergência.

ana teve em vista a sensibilização dos estudantes, não só em temas de dividual, como também do próximo, no caso das Colheitas de Sangue e do Suporte Básico de Vida. Todas as atividades foram realizadas presencialmente, na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, e os estudantes puderam inscrever-se em cada atividade separadamente ou em todas as atividades da semana. Os participantes transmitiram feedback positivo sobre as atividades realizadas, reconhecendo a sua importância e sugerindo a realização de edições futuras.

intimamente falando

AEFFUp

Podíamos ter divergido por vários caminhos com este título de atividade, no entanto, optamos por abordar a Sexualidade dada a pouca valorização do tópico pela sociedade e o pouco conhecimento do mesmo. Para além disso, a atividade foi de encontro ao Plano Político da APEF 2021-2025 com a realização de Rastreios às Infeções Sexualmente Transmissíveis e uma atividade, em formato de mesa redonda, onde foi abordado o Género, Igualdade de Género, Pobreza Menstrual, Menstruação em Pessoas Transexuais ou Não Binárias, Falhas na Educação Sexual no sentido da satisfação e do prazer e ainda foram desmistificadas crenças sexuais. O mote foi formar profissionais de saúde em todas as suas valências incluindo na construção das suas próprias relações afetivo-amorosas bem como diminuir a descriminação, estigma e preconceito em temas ainda vistos como tabu, de uma forma onde os associados se sintam confortáveis e descontraídos.

08Membros

Desta forma, contactámos a Comunidade da Luta Contra a SIDA - Delegação do Norte para a realização dos Testes às Infeções Sexualmente Transmissíveis; a Associação Nacional de Estudantes de Medicina (ANEM) dado o seu trabalho de relevância neste tema para abordar a Igualdade de Género; o Grupo de Jovens APF Norte que abordou questões relacionadas com a saúde menstrual, como a pobreza menstrual ou a menstruação em pessoas trans e não binárias; e, por fim, a psicóloga Drª Ana Teresa Ramos que expôs tópicos sobre as falhas na formação/educação sexual no sentido da satisfação e do prazer, assim como a clarificação desmistificação de crenças sexuais que podem ser fatores precipitantes disfunções sexuais. O feedback não poderia ter sido mais positivo, as vagas atividade foram totalmente preenchidas e os associados que participaram votos para mais edições, no futuro. Acreditamos que, aos poucos, conseguiremos dar abertura ao debate deste tema no dia a dia dos estudantes, longe de tabus.

pharmakon

O Pharmakon é uma atividade realizada pela Associação de Estudante de Ciências Farmacêutica da Universidade Lusófona (AECFUL) direcionada para alunos de 1° ano, tendo-se realizado este ano a 8° edição. Esta decorre durante um dia inteiro, onde diversos oradores expõem o seu papel, nas mais variadas áreas onde atuam, fornecendo assim, desde cedo, uma perspetiva real do nosso futuro no mundo do trabalho. Em adição, os mesmos partilham o seu percurso até ao momento, de forma a dar a conhecer aos nossos alunos como chegar ao mercado de trabalho de acordo com o ramo que poderão seguir futuramente.

Devido ao conteúdo e à proximidade que os alunos podem ter com os oradores, esta é das atividades mais requisitadas pelos nossos estudantes, contanto com um feedback muito positivo por parte dos mesmos, assim como dos professores. Além disso, não poderíamos deixar de referir os excelentes oradores presentes este ano que foram incríveis e bastante acessíveis, conseguindo cativar durante toda a atividade os participantes, assim como responder a todas as questões propostas. Contámos também com a incansável ajuda da Escola de Ciências e Tecnologias da Saúde (ECTS) e de algumas Docentes.

Este ano, à semelhança de anos anteriores à pandemia do século XXI, a atividade foi inserida no programa da Unidade Curricular de Introdução, tornando-a de carácter obrigatório para todos os alunos inscritos pelo que acreditamos ser mais benéfico para os mesmos, ao conseguirem adquirir mais conhecimentos desde o início do curso. Assim, a AECFUL considera o Pharmakon uma atividade chave da nossa Associação e deseja que mantenha, todo o sucesso que tem vindo a ter.

09Membros

NECF-AAIUEM

O Núcleo de Estudantes de Ciências Farmacêuticas da Associação Académica do Instituto Universitário Egas Moniz (NECF AAIUEM) foi fundado em 1998, tendo como objetivo integrar a APEF

Vivemos tempos cada vez mais exigentes que resultaram de acontecimentos inesperados. Como tal, ainda no final de fevereiro, em resposta às necessidades humanitárias provenientes dos cidadãos ucranianos e em conjunto com todos os Núcleos de Estudantes do IUEM, fizemos uma angariação de produtos de saúde, higiene e alimentos. Contámos com uma quantidade exorbitante de contributos, na qual ficámos bastante satisfeitos com todo o apoio solidário.

Durante este ano, o nosso foco cingiu se no crescimento do ensino e na aposta na formação, bem como a reintegração de novas atividades ao formato presencial. Contamos atualmente com uma equipa bastante diversificada e motivada, o que possibilitou a organização do nosso II Simpósio Anual e do 1º Simpósio de caráter internacional Tivemos uma adesão para a qual estávamos preparados, mas não prevíamos que fosse tão alta, o que se revelou extremamente positivo.

Para além desta atividade, também salientamos as nossas sessões de cosmética, que se revelaram ser bastante úteis não só para estudantes, como para muitos profissionais de saúde Destacamos também o início das nossas intervenções em escolas do ensino básico, onde pudemos também partilhar conhecimentos e noções básicas de práticas de saúde à população portuguesa.

Perspectivando o futuro, necessitamos de estar em constante atualização relativamente a um setor que se demonstra muito competitivo. Como tal, eleva se continuamente a necessidade dos estudantes de Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas (MICF) crescerem em todas as vertentes. Pretendemos continuar a combater as lacunas do plano curricular, para que os nossos estudantes consigam ter todas as oportunidades e competências que o mercado de trabalho procura.

Assim, trabalhamos no sentido de conseguir cativar, ensinar e completar o estudante e o cidadão, a fim de proporcionar as melhores experiências e oportunidades, aproximando os às tomadas de decisão.

10Membros

A Atividade que muda vidas

O APEF Social é uma atividade do Departamento de Intervenção Cívica e Educação para a Saúde (DICES) que pretende, através da dinamização de um conjunto de projetos e ações, fomentar o espírito solidário e cívico dos seus participantes, enquanto contribui para a promoção da literacia em saúde da população da localidade onde decorre.

A edição deste ano ocorreu em Seia, entre os dias 11 a 14 de agosto, e contou com a presença de estudantes vindos de todo o país.

Desde o primeiro momento de interação, criou-se um ambiente intimista e familiar entre participantes e organização que potenciou a forte ligação que se viveu nos quatro dias da atividade.

O programa mostrou-se completo e variado, sendo o feedback geral muito positivo. O primeiro dia teve uma vertente formativa, destacando-se a formação da Associação Cura +, a aliada na formação e capacitação dos participantes com estratégias de interação com o público-alvo das ações. Seguiu-se uma formação do Centro de Documentação e Informação do Medicamento (CEDIME) sobre Rastreios Cardiovasculares que se subdividiu em componente expositiva e prática, na qual os participantes tiveram a oportunidade de executar as técnicas apresentadas. Adicionalmente, foi dinamizado um training que abordou a Inteligência Emocional, a importância de identificar as emoções e as estratégias a adotar para a melhor gestão das mesmas consoante a situação e o público-alvo.

No segundo dia, foi promovido o contacto direto entre os participantes e a população com a visita à Santa Casa da Misericórdia de Seia, sendo possível dinamizar ações na creche e na estrutura residencial para idosos (ERPI). Na ação junto das crianças abordou-se a temática “Uso responsável do medicamento” e “Alimentação saudável”, adaptadas à faixa etária e suportadas por dinâmicas visuais e apelativas. No que diz respeito à interação junto dos utentes seniores, foi possível abordar o tema “Gestão da Polimedicação” e os utentes foram muito recetivos. Destes momentos, fica o carinho, os risos e a partilha, sendo um dia marcante, quer para os utentes, quer para os participantes que assumiram um papel proativo como cidadãos e futuros profissionais de saúde.

11APEF em Revista

O dia seguinte iniciou-se com um período de descanso e lazer junto à praia fluvial Dr. Pedro. Já no período da tarde decorreram os Rastreios Cardiovasculares e uma Campanha de Saúde Pública sobre o Consumo de Psicotrópicos no centro da cidade, tendo se verificado uma elevada adesão dos habitantes de Seia, tanto nos Rastreios, como na resposta ao inquérito da Campanha de Saúde. Estes dois momentos permitiram um contacto próximo com a população, possibilitando aos participantes desenvolver soft-skills em comunicação e transmissão de informação, assim como reiterar o papel na promoção e educação em saúde que os estudantes podem e devem assumir.

No último dia da atividade, visitou-se o Centro de Interpretação da Serra da Estrela (CISE), onde se observou uma exposição interativa sobre a região e se realizou um Workshop sobre Plantas Aromáticas que resulta de um levantamento etnobotânico realizado no Parque Natural da Serra da Estrela.

De forma complementar ao programa, ocorreram visitas ao Museu do Brinquedo e da Eletricidade, momentos de partilha e de team-building, assim como visitas às Comemorações Anuais da Região que proporcionaram momentos descontraídos e contacto com a cultura local.

Em suma, o APEF Social é uma atividade de pessoas para pessoas, que reforça laços interpessoais, promove o contacto intergeracional e, sobretudo, apela ao lado cívico e humano dos seus participantes. De Seia levam-se as memórias, os sorrisos, a família que se formou em 4 dias mas, principalmente, leva-se gratidão. A gratidão pela oportunidade, pela experiência e por cada pessoa que se tocou, pois a mensagem que fica é que pequenas ações são suficientes para mudar a vida de alguém. Todos os intervenientes levam Seia no coração e o sentido de que enquanto futuros profissionais de saúde há um papel ativo a desempenhar.

Por fim, importa agradecer toda a colaboração prestada pela Autarquia de Seia, pelo Centro de Interpretação da Serra da Estrela, pela Santa Casa da Misericórdia de Seia e pelo Centro Escolar de Seia, na medida em que o seu apoio foi completamente crucial para o sucesso da atividade.

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12 APEF em Revista

AlumniemRevista

OtestemunhodeCarolinaRojais

“Aqueles que passam por nós -não vão sós. Deixam um pouco-de si, levam um pouco de nós”.

A velha máxima de “O Principezinho” que pode ilustrar o meu percurso académico e associativo. Estava no 12º ano quando, em conjunto com vários colegas de Biologia, desafiámos os nossos professores a trazer o mundo universitário à Escola E.B. 2,3/S de Penacova.

Foi graças a esse desafio que conheci o Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas, pela mão da Professora Doutora Cláudia Cavadas. Meses depois, candidatura submetida e, por fim, colocada na Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra.

A primeira pedra estava lançada.

A academia coimbrã sempre teve na sua essência uma forte componente associativa, cujo espírito me foi transmitido, ainda antes da faculdade, por amigos e familiares.

Em 2016, uma vez estudante do MICF, fiz parte do Núcleo de Estudantes de Farmácia da Associação Académica de Coimbra como colaboradora do pelouro da Formação, e participei nas “minhas” primeiras atividades da APEF – o VII ATP, (o então) Congresso Nacional Político dos Estudantes de Farmácia e uma Assembleia Geral.

Estes três momentos foram decisivos para conhecer o espírito APEF, um associativismo mais setorial e com uma vontade imensa de transformar o meio que nos envolve para formar cada vez mais e melhores farmacêuticos. Conheci, assim, uma associação na “génese e vanguarda do farmacêutico do futuro”.

Foi no final desse ano de 2016 que fui eleita para relator do Conselho Fiscal. Seguiram-se mais 3 mandatos – Presidente do Conselho Fiscal, Tesoureira e Presidente da Direção. Ao todo, foram 4 anos de esforço, dedicação e superação. Pela causa, pelos mais de 4 000 estudantes de Ciências Farmacêuticas representados pela APEF.

13Alumni

Pessoalmente, foram anos de intenso crescimento pessoal e profissional.

Estar na APEF, ou no associativismo em geral, desafia-nos constantemente. Daí os dirigentes adquirirem competências que, pela minha experiência, são bastante valorizadas no mercado de trabalho, nomeadamente, a gestão de tempo, a priorização de tarefas, a adaptabilidade e responsabilidade.

Aprendemos a trabalhar, efetivamente, em equipa. Cada indivíduo tem a sua personalidade e o seu modus operandi mas, no final do dia, estamos todos a trabalhar para a concretização de um objetivo, pelo que é necessário congregar ideias, mediar (naturais) conflitos e manter a equipa coesa. Acrescento, ainda, a capacidade de ouvir, reter e aprender com a realidade de outros. A APEF, felizmente, abre-nos esse espetro, quer seja pela sua atuação internacional, na EPSA e IPSF, quer seja pela sua inserção e participação em estruturas nacionais como o FNES ou o CNJ.

Findos os mandatos, cumpridos os objetivos – dentro do humanamente possível o sentimento de “missão cumprida” prevalece. Cada atividade, cada posicionamento político, cada reivindicação contribui para mudar mentalidades, para mudar o setor, para um futuro melhor. Fazer parte disso tem um valor inestimável. Por isso, digo: participem! O poder do vosso contributo, por mais singelo e humilde que seja, tem impacto. As gerações futuras irão agradecer.

APEF Social em Penacova
APEF targeting - teambuilding e formação dos órgãos sociais de 2019/2020
1ª tomada de posse 2016/2017 14 Alumni

DESTAQUE NACIONAL

DR. RUISANTOSIVO

O seu percurso profissional iniciou se pela área de Farmácia Hospitalar no Hospital Egas Moniz, atual Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental (CHLO), em Lisboa Posteriormente, em 1993, integrou o INFARMED, I P , onde ocupou os cargos de Vice presidente e Presidente Além destes cargos também desempenhou funções na Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e na Comissão Europeia

É ainda de realçar que exerceu o cargo de presidente da Administração Central do Sistema de Saúde, I P entre 2014 e 2016 Por fim no âmbito académico, Rui Ivo é professor auxiliar convidado na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa.

Começando pelo início, o que o fez seguir o curso das Ciências Farmacêuticas?

Não tendo antecedentes familiares, a minha escolha foi ditada pelas minhas preferências no ensino secundário, no Liceu Nuno Álvares, onde senti sempre um gosto particular pelas áreas da química e biologia, entre outras, e a área da Saúde surgiu como natural.

O ambiente numa cidade de província, como Castelo Branco, ajudou a colocar a área da Saúde nas minhas escolhas, e as Ciências Farmacêuticas aparecem como uma ótima opção, provavelmente, a pensar no que poderia vir a fazer mais tarde na Região.

Como apresentado na introdução tirou várias pós-graduações. Considera a aprendizagem constante essencial para a formação de bom profissional de saúde?

Tal como o mundo evolui, também cada um de nós tem de evoluir para obter um melhor desempenho no seu percurso profissional. A formação, a aprendizagem contínua, fazem necessariamente parte desse processo. O crescimento profissional necessita sem dúvida dessa aprendizagem constante, a par da experiência que vamos acumulando, seja na atualização de conhecimentos ou de novas matérias que alarguem os nossos horizontes.

Rui Santos Ivo é licenciado em Ciências Farmacêuticas pela Universidade de Lisboa, tendo no seu currículo pós graduações em Direito da Saúde, Medicina Farmacêutica, Regulação e Gestão de Unidades de Saúde
15Destaque Nacional

Nacional

OndeequandosurgiuduranteoseupercursoapaixãopelaáreadaRegulamentaçãoe quaisosmaioresdesafiosdesta?

O meu percurso académico, juntamente com as diversas atividades desenvolvidas paralelamente, marcou profundamente o meu percurso profissional Estive muito envolvido nessasatividadesquetiveoprivilégiodeparticiparnagénesedeprojetostãomarcantescomo acriaçãodaAssociaçãoAcadémicadeLisboaetambémdaorganizaçãodaISemanaAcadémica de Lisboa, a nível nacional, mas também como organizador do primeiro congresso internacional de estudantes de farmácia em Lisboa no ano de 1986 e como Presidente da International Pharmaceutical Students' Federation (IPSF) em 1986/87 E muito mais haveria a contardestasvivênciastãoricas,comaparticipaçãoeminiciativasdeestudantesdoPanamáa Israel,ondemantenhoamigos.Eatéoapartheidseatravessounasnossasatividades.

MasomeucomeçofoiaFarmáciaHospitalar,tendoingressadonoHospitalEgasMoniz(hoje integradonoCHLO),em1987,apósomeuestágioemfarmáciadeoficina(FarmáciaSanex,em Lisboa) e em farmácia hospitalar (Hospitais Civis de Lisboa, tendo percorrido os ainda existentes Hospitais de São José, Capuchos, Santa Marta e Curry Cabral, hoje parte do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (CHULC)). E é como farmacêutico hospitalar que me sinto Éaminhabase,aminhamatriz,maséverdadequetodasestasvivênciasme«puxaram» para procurar a tal visão global e, num seguimento lógico, passar para a área regulamentar surgiucomonatural

Os maiores desafios, que comportam imensas tarefas, situamse cada vez mais em tornar estaáreacadavezmaispróximadarespostaàsnecessidadesdeSaúdeedoscidadãos.Noutro plano, a importância de reforçarmos a nossa condição europeia, evidenciando o que nos fortalece em conjunto, como o demonstrou este tempo de pandemia, constitui um enorme desafionaáreadaSaúde.AúltimapresidênciadaUniãoEuropeiaasseguradaporPortugal,no 1º semestre de 2021, na qual o INFARMED teve papel muito preponderante e nos permitiu trabalhar em áreas tão relevantes e concluir dossiers na criação de um quadro europeu de avaliaçãodetecnologiasdesaúdeenoreforçodopapeldaAgênciaEuropeiadeMedicamentos (EMA) na área do acesso e disponibilidade de medicamentos e dispositivos médicos, evidenciamosdesafiosquetemosperantenósaníveleuropeu.

Todos estes desenvolvimentos convergem, a par da evolução técnica e científica dos novos medicamentos, cada vez mais específicos e complexos, com as questões de acessibilidade aos cidadãos e sustentabilidade dos sistemas de saúde, para as quais a regulação terá de contribuir eficazmente.

Direi mesmo que hoje e cada vez mais estamos perante um paradigma de evoluir para uma regulação de proximidade ao cidadão

16Destaque

É a continuação de um caminho já de vários anos, onde vamos continuar o nosso serviço público com foco nos cidadãos que necessitam da intervenção do INFARMED. Nesse sentido, eu e a nova equipa do Conselho Diretivo estamos motivados para que esta instituição continue a ser uma referência nacional e internacional nas áreas da sua competência, sublinhando a premência de ser revisto o estatuto do INFARMED e dos seus trabalhadores, fazendo face aos constrangimentos que hoje sentimos no recrutamento e retenção dos nossos colaboradores altamente especializados.

De forma muito resumida, o período que agora iniciamos será fortemente marcado por desafios muito significativos, desde a implementação de inúmera legislação (cosméticos, ensaios clínicos, dispositivos médicos, tecnologias de saúde), à resposta às crescentes exigências técnicas e científicas da regulamentação e da avaliação dos cada vez mais complexos produtos que regulamos e, ainda, à intervenção na aprovação da revisão da legislação europeia, a par da concretização do funcionamento das várias instâncias de governação que foram sendo criadas Mas também a continuidade da garantia de resposta às situações de emergência, seja a Covid-19, seja a denominada monkeypox.

Estes e muitos outros desafios, muito focados na proximidade aos cidadãos e ao sistema de saúde, são o que esperamos alcançar durante o próximo triénio, apoiando se o Conselho Diretivo na excelência da massa humana que compõe o INFARMED

A nossa responsabilidade primeira é garantir a qualidade, segurança e eficácia dos medicamentos, bem como a segurança e desempenho de produtos de saúde.

Acima de tudo é necessário dotar o arsenal terapêutico nacional da variedade de medicamentos disponíveis, que possam servir todas as necessidades terapêuticas e, nesta situação, incluo tanto os medicamentos inovadores, como os medicamentos que já se encontram há muitos anos no mercado, mas continuam a ser essenciais para o sistema de saúde. E esse acaba por ser o trabalho do INFARMED nesta área específica do medicamento, garantir a disponibilidade de medicamentos no espaço nacional.

Portanto, a nossa atuação regulatória, sempre com o propósito de garantir a confiança dos cidadãos e proteger a Saúde Publica, centra se na avaliação destas várias dimensões e, com rigor e responsabilidade, tomar toda e qualquer decisão que seja exigida pelo interesse público.

Após ter assumido a Presidência do INFARMED em 2019, quais foram e são os objetivos e metas que ambiciona alcançar no seu mandato?
Sendo o INFARMED a entidade reguladora de medicamentos e produtos de saúde, quais os entraves que podem surgir na decisão de retirar ou introduzir um medicamento no mercado?
17Destaque Nacional

Nacional

A comercialização de medicamentos e dispositivos ilegais tem se tornado presente em Portugal e o INFARMED tem demonstrado um papel ativo para contornar este problema. Como é que o mesmo pode ser combatido? De que forma o Farmacêutico pode colaborar no combate deste problema?

Apesar deste fenómeno ser global, o impacto em Portugal, relativamente a medicamentos e dispositivos médicos ilegais, é relativamente pequeno e está identificado. Temos um circuito legal, onde incluo todos os atores, desde os fabricantes, aos distribuidores, farmácias, hospitais e restantes locais de dispensa direta ao cidadão, que é bastante hermético, ou seja, seria relativamente fácil detetar qualquer introdução de produtos ilegais, o que não acontece no nosso país, repito, no circuito legal. No entanto, sabemos que, principalmente com a ‘explosão’ da internet, novos mercados se abriram e o conforto de uma aquisição por via digital faz com que alguns consumidores ainda optem por este formato de aquisição, adquirindo por vezes produtos que não correspondem à publicidade feita e podem inclusive colocar em risco a sua saúde. Identificando este problema, já há alguns anos que o INFARMED tem um protocolo diário com a Autoridade Tributária (Alfândegas), de forma a poder identificar, em conjunto, possíveis introduções de produtos ilegais no nosso país, diretamente para o consumidor final, por via postal O INFARMED participa também na Operação PANGEA, promovida pela Interpol, dedicada ao combate aos medicamentos falsificados.

Os farmacêuticos podem ter um papel importante no aconselhamento sobre este tipo de aquisições, promovendo uma ação pedagógica junto da população sobre os potenciais riscos de aquisição de medicamentos e dispositivos médicos fora do circuito legal

Deparando–nos com um assunto conturbado, neste caso, a utilização medicinal de Canábis. Qual a perspetiva do INFARMED e de que forma pode este atuar no uso da mesma?

A perspetiva do INFARMED relativamente à utilização medicinal da Canábis é exatamente a mesma que para os outros produtos/atividades sob a sua tutela, ou seja, é a perspetiva do regulador.

Já há alguns anos identificámos que poderia ser útil uma alteração regulamentar para a introdução destas terapêuticas e, nesse sentido, atuámos ato de submissão e disponibilização destes enciamento das atividades por nós reguladas

Assim sendo, o INFARMED está perfeitamente preparado, tendo uma equipa multidisciplinar para o efeito, para receber pedidos de autorização de colocação no mercado de preparações ou substâncias à base da planta da canábis para fins medicinais, assim como, para analisar pedidos de licenciamento de cultivo, fabrico e distribuição.

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Desde a eclosão do conflito entre a Rússia e a Ucrânia que as repercussões na disponibilidade de medicamentos têm vindo a ser discutidas a nível nacional e europeu, entre todas as autoridades competentes, incluindo a Agência Europeia do Medicamento (EMA) e as associações nacionais e europeias do setor Para o acompanhamento da situação a nível internacional tem havido troca de informação entre a EMA e a Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos da América e, também, entre o INFARMED, as associações nacionais do setor e a EMA

A monitorização de impacto realizada a nível europeu permitiu concluir, por exemplo, da dependência europeia do fabrico russo de radioisótopos, apesar de os titulares de Autorização de Introdução no Mercado não terem reportado problemas de abastecimento.

De um modo geral, a indústria farmacêutica a nível europeu tem sublinhado os desafios associados à disponibilidade de alumínio utilizado na produção de blisters, de madeira usada na elaboração de partes essenciais da rotulagem, caixas e folhetos informativos, a atrasos no abastecimento devido a limitações no tráfego aéreo.

A nível nacional, o INFARMED está em articulação com as associações da indústria farmacêutica na troca de informação e mantendo abertos os canais de comunicação na monitorização de potenciais situações de risco, temos mantido uma colaboração intensa no âmbito da rede SPOC (a rede de contactos nacionais das autoridades competentes europeias e da EMA) e, no início do conflito, procedemos ao levantamento dos principais medicamentos com potencial de serem afetados pelo conflito e que alguma parte do seu processo de fabrico passa pela Rússia ou pela Ucrânia.

Da averiguação que foi realizada a nível nacional e europeu, a todas as apresentações com algum local de fabrico sediado na Ucrânia ou Rússia, verificou se que existem alternativas terapêuticas para todas as apresentações identificadas, pelo que o risco associado a potenciais ruturas é baixo/médio. Assim, não se preveem para já constrangimentos significativos no seguimento de potenciais ruturas decorrentes do atual conflito, sendo evidentemente fundamental manter uma contínua ação de acompanhamento e monitorização para prevenção e atuação em qualquer situação que requeira intervenção.

Concluindo, que conselhos daria aos estudantes nacionais de Farmácia para que no futuro tenham sucesso a nível profissional, como o Dr. Rui Ivo?

Desde já o meu muito obrigado pela vossa consideração, assim como, pelo convite que me foi endereçado para esta entrevista. Aos nossos futuros farmacêuticos, considerando todas as áreas profissionais onde podem desempenhar um papel essencial, diria que onde quer se encontrem, a vossa atividade deverá ser sempre em prol da proteção da saúde pública, por isso, tenham também em mente que quer seja em farmácia comunitária ou hospitalar, na investigação ou na regulação, ou noutra qualquer área, o vosso papel é de extrema importância para o sistema de saúde português

Procurem uma perspetiva de empenho e capacitação nas áreas que venham a eleger e uma prática aberta e diversificada Hoje, cada vez mais, o papel de cada um é essencial e reforçado quando somos liderantes no trabalho em equipa

Com os acontecimentos mais recentes como, por exemplo, a guerra na Ucrânia, podemos vir a ter problemas com a disponibilidade de certos medicamentos?
19Destaque Nacional

Residência Farmacêutica: a oportunidade do presente para melhorar o futuro

Certamente já ouviste falar sobre a “Residência Farmacêutica”. Mais certo ainda: deves ter algumas dúvidas sobre este processo que vê a sua concretização ser levada a cabo, pela primeira vez, no presente ano.

Definida pelo Decreto Lei n.º 6/2020, de 24 de fevereiro, e gerida pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), a Residência Farmacêutica “tem como objetivo a formação teórica e prática no sentido de capacitar os profissionais de saúde, detentores do título de farmacêutico concedido pela Ordem dos Farmacêuticos, para o exercício autónomo e tecnicamente diferenciado, na correspondente área de exercício profissional”

Por outras palavras, corresponde ao processo através do qual os farmacêuticos poderão adquirir o título de especialista numa das três áreas elegíveis (Farmácia Hospitalar, Análises Clínicas ou Genética Humana), dando acesso à Carreira Farmacêutica e ao exercício profissional, nas respetivas áreas, em unidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS), assemelhando se ao Internato Médico.

O acesso ao programa da Residência Farmacêutica compreende quatro fases:

1 Candidatura e admissão ao procedimento;

2 Realização da prova de ingresso;

3 Escolha da especialidade e do estabelecimento de saúde

4 Colocação na Residência Farmacêutica.

A prova de ingresso, que se realizou no dia 29 de setembro e que contou com mais de 300 farmacêuticos admitidos, incidiu sobre matérias das três áreas de especialidade e são os resultados, que dela advêm, os responsáveis pela seriação dos candidatos aquando da seleção da especialidade e do local da realização da residência.

A APEF encara este programa como fundamental para a capacitação dos estabelecimentos de saúde portugueses, em particular os do SNS, com farmacêuticos altamente diferenciados e habilitados a prestarem os melhores cuidados.

Não obstante, importará refletir sobre os resultados que advierem deste primeiro ano de implementação da Residência Farmacêutica. Por outro lado, importa referir que, para um grande número de estudantes, a candidatura à Residência Farmacêutica no ano da conclusão dos seus estudos é praticamente inviável. O facto de muitos defenderem as suas monografias ainda nos meses de setembro e outubro, aliado ao tempo necessário para a inscrição efetiva na Ordem dos Farmacêuticos, corresponde a um motivo que poderá condicionar a participação dos recém mestres Assim, será mandatório refletir sobre este e outros aspetos que comprometam a participação dos jovens recém farmacêuticos, uma vez que consideramos este grupo como sendo o principal destinatário e interessado na Residência Farmacêutica

Para obteres mais informações sobre a Residência Farmacêutica, poderás consultar a página eletrónica da ACSS sobre o programa inserida na secção referente à “Carreira Farmacêutica”, bem como o documento "Residência Farmacêutica em 30 perguntas” disponível através do QR Code desta página
20Segmento Político

Ensino Farmacêutico: A reflexão do ano

Enquanto Federação dos Estudantes de Ciências Farmacêuticas, o principal foco da APEF é e sempre será a qualidade e adequação do Ensino Farmacêutico. Compreender a formação dos farmacêuticos portugueses na sua índole profissional, pedagógica e científica é crucial para interpretar as principais transformações ocorridas nas últimas décadas e formular propostas de melhoria do ensino face à realidade portuguesa. Olhando para a sua longa história, percebe se que a formação em farmácia sofreu diversas transformações face ao contexto social, às necessidades da população e à evolução científica

Desde o século XIV que se conhecem cartas de profissão de boticários, os antecessores dos farmacêuticos, sendo que em 1521 é instituída a obrigatoriedade de estatuto para o exercício de funções

Até 1772, a sua formação poderia seguir um de dois ramos paralelos: um regime escolar que se iniciava pela aprendizagem do latim e era seguido de 4 anos numa botica, encerrando num exame universitário, ou um ensino totalmente prático feito nas boticas e que terminava num exame perante o físico mor do reino.

O estabelecimento das Escolas de Farmácia de Lisboa, Porto e Coimbra em 1836 correspondeu às exigências da profissão, indo ao encontro da reconfiguração do exercício do boticário no papel científico do farmacêutico

No entanto, só em 1921 estes estabelecimentos seriam elevados a Faculdades de Farmácia. Após a revolução de 25 de Abril, dá se uma reforma curricular, com o estabelecimento dos 3 ramos do curso: Farmácia de Oficina e Hospitalar; Farmácia Industrial; Análises Químico Biológicas, sendo que a licenciatura recebe o nome de Ciências Farmacêuticas. No entanto, dando seguimento à adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia (CEE), terminam se os moldes dos ramos do curso, instituindo se uma licenciatura única, ainda que com variações curriculares nas diferentes Faculdades. Importa referir, por fim, o processo de Bolonha, que reformula a licenciatura no Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas (MICF), acompanhando a reforma no ensino que se estabeleceu por toda a Europa

1521 1772 1836 1921
21Segmento Político

Em 2022, vivemos uma época única: Nunca se falou tanto de Saúde como nos dias de hoje, com todos os cidadãos sensibilizados para a necessidade de robustecer o sistema, considerando que o país necessita de recursos humanos capazes e qualificados para assegurar a eficiente prestação dos seus serviços no âmbito da saúde. Por outro lado, a vasta inovação científico tecnológica digital abre portas a um leque de oportunidades para a intervenção neste setor Por fim, importa ter em consideração a tendência demográfica de envelhecimento massivo da população, com todas as consequentes sensibilidades que a sociedade deve adotar no que concerne às suas políticas e prioridades de saúde. Além da Saúde, há ainda que reconhecer que o próprio Ensino Superior está em constante transformação, com um cada vez maior ênfase na qualidade das metodologias pedagógicas, das ferramentas de transmissão de conhecimentos e na responsabilização ativa dos estudantes no seu ensino

É neste contexto que a APEF decidiu fazer do seu principal objetivo político para o mandato de 2022 a concretização do seu projeto “Perspetivas para o Ensino Farmacêutico Português | Visão para o Futuro da Profissão” Como primeira etapa, no passado dia 11 de julho, lançou se o “Inquérito do Ensino Farmacêutico em Portugal”. Respondido por mais 600 estudantes do Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas e jovens farmacêuticos, este inquérito procura recolher dados sobre a opinião dos inquiridos face à adequação do Ensino Farmacêutico português à realidade do panorama da saúde e das necessidades da população, considerando as suas expectativas para o potencial impacto da profissão na sociedade.

É objetivo da federação que, da compilação e apreciação dos dados recolhidos, se elabore um documento que transpareça a reflexão dos estudantes e jovens farmacêuticos sobre o Ensino Farmacêutico, a ser apresentando no mês de novembro, num evento que reunirá as Instituições de Ensino Superior que ministram o MICF, os estudantes e todo o Setor Farmacêutico o Fórum do Ensino Farmacêutico Só assim, com evidência robusta que identifique fragilidades e aponte para propostas concretas, podem ser dados os primeiros passos numa potencial transformação valiosa para o futuro da profissão. Neste sentido, a APEF agradece às mais de 6 centenas de inquiridos e apela que a participação em iniciativas semelhantes e futuras seja ainda superior.

Acompanha de perto todas as novidades referentes a este importante projeto político nas nossas Redes Sociais! 22Segmento Político
SEGMENTO INTERNACIONAL FARMACÊUTICOSPELOMUNDO TWINNET COMPOOJASHAH

FARMACÊUTICOSPELOMUNDO

Farmacêutico como prescritor

Pooja Shah: jovem, motivada e fascinada pelo mundo da saúde. Tornou-se farmacêutica na Universidade de Reading, mas foi a Universidade de Hertfordshire que abriu as portas para sua posição atual: farmacêutica prescritora na Lemonaid Health. Distinguida como a “Best of the best” em várias categorias pela Boots UK Limited, Pooja disponibilizou-se para nos dar o seu testemunho crucial desta qualificação que não existe em Portugal… Ainda.

POOJASHAH

Porquê fazer a especialização para ser prescritora independente?

Sou farmacêutica há mais de 11 anos e nesse período trabalhei como farmacêutica comunitária durante quase 10 anos. Nessa altura vi como os médicos de clínica geral estavam ocupados em diagnosticar e tratar pacientes com doenças menores. Senti que poderia fazer a diferença como prescritora para tirar essa carga de trabalho dos médicos de clínica geral e ajudar os pacientes a serem tratados mais rapidamente.

Na Lemonaid sou responsável por garantir que prescrevo medicamentos a pacientes dentro do meu escopo de prática através de uma plataforma online. Além disso, assumo um papel como líder de operações clínicas sénior, no qual asseguro o comando de todos os clínicos para garantir que todos as tarefas sejam cumpridas de forma eficaz. Essas tarefas operacionais incluem alocação diária de funções para médicos, assegurando que todos os médicos sabem o que está em falta em determinadas farmácias comunitárias, certificando que novos anúncios e atualizações sejam comunicados de forma eficaz.

Na Lemonaid Health quais são as suas principais responsabilidades? Soube que acumulou algumas recentemente.
24Internacional

Ser farmacêutica prescritor independente é muito gratificante. Consigo ajudar pacientes que teriam que esperar muito tempo para serem atendidos pelo médico de família para serem avaliados e tratados.

De acordo com um estudo realizado pela Universidade de Nottingham, a prescrição farmacêutica já demostrou melhorias evidentes no sistema de saúde. Em que medida considera esta qualificação um benefício? Reduz o tempo de espera para os pacientes serem atendidos e é conveniente para o paciente ser atendido. Neste sentido, existe maior rapidez e conveniência, assim como maior acessibilidade para os utentes.

Atualmente, quais são as maiores dificuldades que um farmacêutico prescritor independente tem que enfrentar?

Nós, como farmacêuticos prescritores independentes, achamos difícil ter oportunidades para mostrar o nosso impacto e em conseguir que os comissários locais percebam a utilidade de prescritores independentes. As clínicas de médicos online oferecem aos prescritores independentes uma boa plataforma para prosperar.

O que significa, para si e numa perspetiva mais prática, ser um farmacêutico prescritor independente?
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TWINNET

Twinnet é um programa de mobilidade dinamizado pela European Pharmaceutical Students’ Association (EPSA) que promove a troca de conhecimentos, culturas e experiências vários estudantes do Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas (MICF) da Europa, sendo um projeto através qual grupos de estudantes de diferentes países realizam intercâmbio. Uma vez que o alojamento e, por vezes, a alimentação, ficam ao encargo dos estudantes do país que acolhe os participantes, o Twinnet é uma das atividades internacionais economicamente mais viável.

A propósito do Twinnet realizado pelo Núcleo de Estudantes de Farmácia da Associação Académica de Coimbra (NEF/AAC) e a Associação Local de Estudantes de Farmácia de Novi Sad, na Sérvia, em 2020, recolhemos o testemunho de alguns participantes, nomeadamente Marta Cordeiro, Bárbara Ribeiro e Maria Aquino.

Bárbara Ribeiro, como Coordenadora do Pelouro das Relações Internacionais, em conjunto com José Mariano, organizou o I Coimbra Twinnet com a ajuda da Liaison Secretary (LS) da APEF. Refere que “tudo começou através de mensagens trocadas pelo Facebook com a Twinnet Coordinator da PSANS, Anastasija Jelić, onde se definiu os termos da atividade.”

Os estudantes portugueses, acolhidos por familiares dos alunos sérvios, tiveram oportunidade de conhecer novos costumes e tradições durante 5 dias em Novi Sad.

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Este programa tem por base um plano educacional e social. Quanto ao plano educacional, Bárbara relata que “teve lugar na Faculdade de Medicina de Novi Sad, com diversos professores da mesma, visitas a laboratórios, aulas de toxicologia, palestras, entre outros, bem como um training da EPSA” e Marta Cordeiro destaca “o programa educacional “Toxicodependência: a perspetiva de um Farmacêutico”, que conteve desde workshops e sessões formativas acerca deste tópico até visitas a locais de interesse farmacêutico”.

O plano social baseou-se na “visita da cidade e da capital, Belgrado, onde visitámos museus, experimentámos comida típica, bebemos rakija, fomos a uma kafana”. As três estudantes referem que os laços criados entre os alunos portugueses e sérvios foi do mais importante que retiraram desta experiência.

Todas referem que o equilíbrio entre o plano social e educacional foi o que as mais motivou a embarcar nesta experiência, assim como o gosto por viajar e conhecer novas culturas. Tanto a Bárbara, como a Marta e a Maria, revelam que este programa foi muito enriquecedor para elas, aconselhando qualquer um que tenha a possibilidade de partir nesta aventura que o faça sem pensar muito. Infelizmente, devido à progressão da COVID-19 não foi possível a concretização da 2ª parte do Twinnet em que os alunos sérvios iriam para Coimbra.

Este ano, a Universidade de Coimbra acolheu estudantes da Polónia que realizaram o programa Twinnet.

Com a intenção de saber a opinião dos estudantes que foram acolhidos no nosso país entramos em contacto com Simon, Coordenador do Twinnet da Polónia, que nos falou um pouco sobre a sua experiência em Portugal.

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QueressabermaissobreoTwinnet? VêaquiostestemunhosdaMarta,daMaria,daBárbaraedo Simon

SEGMENTO

CULTURAL

Sara Marinho, a farmacêutica versátil Filipa Estevão, a nova cara da Ferrero Rocher

- Joana Couto e a sua paixão pela dança

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Terminou o Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas em 2015 na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa. Porque é que decidiu seguir esta área?

A área da Saúde sempre me interessou pois queria seguir um caminho que me permitisse ajudar as pessoas. No decorrer do ensino secundário, desenvolvi um projeto que se focava na promoção da literacia em Saúde e percebi que essa seria a minha principal motivação. Decidi optar pela área das Ciências Farmacêuticas por ser uma área em que existe uma grande proximidade e confiança com os utentes.

Em 2021, publicou o livro “Marta e os Atchins”, uma obra literária infantil. Como surgiu a ideia de escrever este livro?

Sempre gostei muito de ler e de escrever. Escrevia para mim, fossem pensamentos, que ia registando num blog privado, fossem crónicas, críticas literárias, poemas ou letras de músicas, para as quais por vezes fazia música, cantava e tocava na guitarra. Ao longo dos anos, fui participando em vários concursos literários. Desde que a minha filha Marta nasceu, tinha em mente escrever um livro para ela. A ideia em concreto surgiu numa madrugada, em que acordei com a história na cabeça e, de manhã, escrevi-a de seguida, deixando apenas o final pendente, para pensar melhor sobre ele.

Enquanto farmacêutica qual foi o seu objetivo com a publicação deste livro?

Conforme referi, a minha principal motivação enquanto farmacêutica é a promoção da literacia em Saúde. No âmbito do meu trabalho no grupo de Farmácias Sacoor, tenho tido a felicidade de poder realizar sessões de promoção da literacia em Saúde, sobre vários temas, as quais são sempre momentos muito positivos para ambas as partes. Sempre gostei de trabalhar com crianças e estas sessões, bem como o convívio com a minha filha, relembram-me de que as crianças não são apenas os cidadãos do futuro, são também membros muito válidos da sociedade no presente, sempre dispostos a aprender, com grande sentido crítico, curiosidade, ideias e opiniões muito válidas. O meu objetivo foi abrir-lhes as portas do universo dos micróbios e das doenças, de uma forma simples e divertida. Sei que não sou, de todo, a primeira pessoa a fazê-lo, mas espero que a minha abordagem faça a diferença e cative as crianças e famílias que leiam o meu livro.

SARA MARINHO

Apresenta-se no seu Instagram como atleta, mãe, criadora de conteúdos digitais, autora do livro “Marta e os Atchins”, consultora de marketing e, claro, farmacêutica. Representa um exemplo de dedicação à saúde pública e é a prova de que nós, farmacêuticos, podemos contribuir de muitas formas para um mundo melhor, mais informado e consciente em relação à saúde.

AFARMACÊUTICAVERSÁTIL
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E enquanto mãe, porque razões considera o seu livro importante para as crianças?

Considero-o importante para que os nossos filhos sejam crianças conscientes, que se sintam no controlo da sua saúde e que possam ajudar a cuidar da saúde dos seus familiares, compreendendo as situações, para que não se sintam intimidados por elas, conhecendo desde cedo os termos corretos, de forma a estarem por dentro da verdade cientifica e não se deixarem levar por mitos. Assim, podem impactar positivamente tanto a sua própria saúde como a dos que os rodeiam, de forma a que se tornem adultos mais conscientes em relação à saúde, que sintam que ser saudável é algo que está nas nossas mãos e que depende das nossas escolhas. Irão fomentar desde cedo o gosto por esta área, para que as crianças possam também encontrar o seu próprio caminho na área da saúde.

Há muitas outras ocupações para o seu tempo. Além de ser farmacêutica e ter escrito um livro, é também atleta. Fale-nos um pouco da influência do atletismo na sua vida, como surgiu e qual a sua importância.

Desde a adolescência que me tornei “viciada” no desporto, seja qual for ele, especialmente em ginásio, que frequento todos os dias. O atletismo, neste caso a corrida, interessou-me por ser bastante democrático: qualquer um pode começar a correr e não precisa de equipamentos específicos, quando participamos numa prova somos todos atletas, não importa quem somos no dia-a-dia, construindo-se uma comunidade positiva. O atletismo teve ainda um papel adicional na minha vida, sendo que conheci o meu marido numa prova e, a partir daí, começámos a correr juntos e participámos em inúmeras provas juntos. Apesar de a minha presença nos pódios se ter tornado constante, desde que a minha filha mais velha nasceu, o meu objetivo e motivação passou a ser partilhar a paixão pelo desporto em família numa vida saudável e incutir nela esse gosto e “atitude desportiva”. O desporto, para além de promover a minha própria saúde, traz-me também coisas muito importantes para outras vertentes da minha vida, como ser determinada e focada. Considero que também faz parte do papel do farmacêutico salientar a importância da atividade física como fator de controlo de diversas doenças tanto do foro físico como mental.

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É também muito ativa nas suas redes socias, onde partilha conteúdos relacionados com saúde, alimentação e exercício físico. Considera as suas redes socias mais uma forma de conseguir promover a literacia em saúde na população?

Sim, sem dúvida, e atualmente é esse o meu objetivo. As redes socias são um local onde as pessoas passam bastante tempo e, por isso, são uma ótima forma para transmitir informação sobre questões relacionadas com saúde, desmistificar alguns temas, passar a informação de uma forma fácil e clara que possa captar a atenção das pessoas. A minha página de Facebook “Sara Marinho – atleta” e de Instagram “@asaramarinho” surgiram, inicialmente, para partilhar informações sobre as provas em que participava, as minhas classificações e treinos, pois sempre tive a sorte de ter uma grande comunidade de apoio, de amigos e pessoas que simpatizam comigo. Depois decidi que, sendo eu uma pessoa de muitas paixões e que, habitualmente, tem uma vida e forma de agir um pouco diferentes do convencional, não havia necessidade de me focar só numa área e que poderia utilizar as minhas redes sociais para partilhar o meu conhecimento e vivências. Atualmente, o meu calendário de publicações abarca sempre publicações com informações e dicas de saúde, maternidade, desporto, marketing, redes sociais e escrita, havendo várias publicações por semana que visam promover a literacia em Saúde e/ou desmistificar questões nesta área.

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FILIPAESTEVÃO

é farmacêutica em Coimbra e… Senhora da Ferrero Rocher. “Criativa, espontânea, mas acima de tudo gulosa” foi assim que se apresentou no casting para ser a nova cara da marca que a prendia à televisão durante a sua infância. Em 2020, os portugueses escolheram-na para representar aquela que é uma das mais aclamadas tentações na altura das festividades, mas não foi por isso que abandonou a sua profissão de origem.

Qual foi o principal mote que motivou a sua candidatura para ser a nova cara da Ferrero Rocher?

Desde pequena que o mundo do teatro e da televisão me apaixonam. Lembro-me em criança, juntamente com os meus primos e amigos, de fazermos peças de teatro e simularmos espetáculos enquanto o meu pai nos filmava horas a fio. Quando soube do casting para o novo rosto da Ferrero Rocher vi uma oportunidade para realizar o meu sonho de criança e, simultaneamente, para fugir da rotina do dia-a-dia. Precisava mimar-me e fazer algo por mim própria. Participar e ganhar foi o “shot” vitamínico que precisava naquele momento.

Consegue descrever o momento em que foi escolhida em 3 palavras?

Grata, realizada e feliz.

Apesar de ter vencido, decidiu continuar a exercer farmácia. A paixão pelas ciências farmacêuticas supera a paixão pelo mundo da televisão (e dos doces)?

Há espaço para tudo, contudo, a paixão pelo meu trabalho em farmácia não me deixaria nunca abandonar o que faço. Adoro ser farmacêutica de oficina e valorizo muito o nosso papel na sociedade, o mundo da televisão seria sempre vivido para mim como um hobby, algo como “a cereja no topo do bolo”.

REALIZADAE

GRATA,
FELIZ. 32

Em 2020, utilizou a sua visibilidade para ajudar o comércio tradicional, publicando pequenos vídeos para promover pequenos negócios locais da baixa de Coimbra. Hoje em dia, a área da cultura interliga-se com todas as profissões como meio de disseminação de informação?

Devemos valorizar mais o sector cultural. A área da cultura é uma ponte importantíssima para promover e dar maior visibilidade aos outros sectores laborais. Falo em particular de pequenas empresas e negócios locais. Quando decidi fazer esse trabalho com algumas lojas da baixa de Coimbra estávamos em plena pandemia e com muitas a fechar por falta de clientes. O objetivo era aproveitar a maior visibilidade que tinha na altura para dar destaque às pequenas lojas da nossa baixa. Com o stress do dia-a-dia, as pessoas cada vez mais recorrem a centros comerciais e a grandes superfícies para fazerem as suas compras e os pequenos negócios cada vez ficam mais para trás. Devíamos valorizar mais o comércio tradicional que, para além de ser o sustento de muitas famílias, serve-nos com produtos de muita qualidade e oferece-nos um atendimento personalizado.

Coimbra é um lugar visivelmente especial. De que maneira esta cidade definiu o seu percurso académico?

Sou apaixonada por Coimbra, não escolheria outro lugar para estudar e para construir vida. Para mim é uma cidade única, acolhedora e que vive o percurso académico como nenhuma outra. Digo sempre que os anos de faculdade foram dos mais felizes da minha vida e para isso contribuiu esta maravilhosa cidade e todas as pessoas que fazem e fizeram parte dela.

Mãe, mulher, farmacêutica e agora o rosto da Ferrero Rocher. Há tempo para tudo?

A maternidade tem tanto de maravilhoso como de desafiante. Para mim não é fácil ser mãe de 3 crianças pequenas e ainda arranjar tempo para mim própria. Amo ser mãe mas não me defino apenas pela maternidade e isso é que me fez e faz inventar tempo para viver outras coisas que me preenchem e me fazem feliz. Acredito que se me sentir feliz e completa, serei melhor mãe para os meus filhos.

V Ê M A I S D E F I L I P A 33Cultural

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Joana Couto é uma aluna da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto que além de se encontrar no mundo farmacêutico, tem uma veia artística e é bailarina, tendo já desenvolvido vários projetos e eventos que movem a sua paixão pela dança.

Como surgiu a paixão pela dança?

J O A N A C O U

Eu comecei a dançar muito cedo, com apenas 3 anos, então foi um sentimento que cresceu comigo. Diria que mais que uma paixão foi uma relação: teve os seus desafios, confrontos, altos e baixos e vem-se estabelecendo cada vez mais nos dias de hoje.

Como é que concilias o teu percurso académico e os projetos em que te encontras envolvida?

OTA vontade de estudar, de estar envolvida com um estudo teórico e científico, está sempre presente. Então, quando regressei da Holanda, onde estava a tirar uma licenciatura em Dança e Coreografia, decidi ingressar no Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas. Sabia do desafio que seria conciliar duas carreiras que pouco têm em comum. Os 3 anos da licenciatura, em que passava metade do tempo em laboratórios e a outra metade em teatros, foram bastante entusiasmantes e, ao mesmo tempo, cansativos. A pandemia fezme refletir bastante sobre o estilo de vida que levava e acabei por decidir pausar o MICF e dar mais atenção à minha carreira profissional como bailarina. No entanto, confesso que a vontade de voltar a estudar é recorrente e o ambiente da Faculdade de Farmácia do Porto é algo que sinto falta.

Visto que a dança e a arte permanecem em ti desde há muitos anos, conta-nos um pouco do teu percurso artístico.

Comecei a dançar com apenas 3 anos no Ginasiano Escola de Dança, escola que virou rapidamente casa. Continuei sempre nesta escola e, no ensino secundário, decidi ingressar no Curso Artístico Especializado. Apesar de o meu curso secundário ser em dança, a vontade e curiosidade pelas ciências fez-me estudar e ser autodidata nas disciplinas de Matemática, Biologia, Física e Química, às quais me propus a exame nacional. Após acabar o ensino secundário fui convidada por duas escolas internacionais de dança, uma na Holanda e outra na França, para ingressar nos seus cursos superiores. Optei pela ArtEZ University of Arts, na Holanda, para onde me mudei e estudei durante 1 ano. No meu regresso a Portugal, comecei a trabalhar como freelancer no ramo da dança com coreógrafos renomeados, como Hélder Seabra e Roberto Olivan, enquanto estudava Ciências Farmacêuticas na Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto (FFUP). Em 2021, estreei-me como coreógrafa com a criação de duas obras próprias, salientando “Sinto Muito” que tem uma pequena tour nacional agendada para 2022. Também nesse mesmo ano, co-criei com Beatriz Sarmento um festival artístico multidisciplinar - o Súbito; e o seu inseparável programa de residências Órbita - que serviu para impulsionar jovens artistas e dar lugar à experimentação e partilha.

E A S U A P A I X Ã O P E L A D A N Ç A

O Festival Súbito surgiu, como o nome indica, subitamente, de um encontro casual com a minha amiga de longa data Beatriz Sarmento, durante o primeiro isolamento. A pausa forçada que a pandemia causou deu-me o tempo necessário para pensar naquilo que gostava de criar e me aliar às melhores pessoas para o fazer. Surgiu então esta ideia de criar um festival de jovens para jovens - onde se celebrasse o início e se impulsionassem os criadores emergentes do Porto. A vontade de criar algo que fosse para além de um projeto de programação fez nascer o programa Órbita: um laboratório de estudo e experimentação artística em coletivo, onde artistas das mais diversas áreas (músicos, bailarinos, pintores, atores, entre outros) juntam-se para expandirem o seu olhar e ouvirem o que o outro tem para partilhar.

A primeira edição do Festival Súbito aconteceu em setembro de 2021, acompanhada do Órbita 1. Para 2022 focamo-nos no programa Órbita 2, realizado na cidade de Águeda, e no Órbita 3 a acontecer em setembro; mas colocamos já o nosso foco em 2023 com o objetivo de retomarmos o Súbito para uma nova edição!

Quais projetos futuros ou novas iniciativas que irás realizar?

Neste preciso momento encontrome a trabalhar numa nova criação, o “Apneia”, com Leo Calvino, que vai estrear em novembro desde ano no Teatro Campo Alegre - e estão desde já todos convidados! Esta obra expressa-se através da dança e da magia contemporânea, duas áreas que ao se cruzarem podem criar ambientes realmente muito especiais.

Até essa estreia, vou voltar ao palco com o meu solo “Sinto Muito” no dia 16 de setembro em Sintra, e 2 de outubro nos Açores. Quem me conseguir apanhar por lá, será com muito gosto que vou sentir para vocês!

De forma a enaltecer o potencial artístico existente em Portugal, deste vida a um festival, ”Festival Súbito”. Em que consiste o evento?
35Cultural VÊMAIS

HELDER MOTA FILIPE

Farmacêutico, especialista em assuntos regulamentares, Bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, destaca se a sua passagem pelo INFARMED I.P. onde chegou em 2005 a Vicepresidente e, em 2015, alcançou a Presidência do seu conselho diretivo.

Presidiu o conselho para a Cooperação da OF, tendo iniciado funções em 2016. Foi Presidente da Associação de Farmacêuticos dos Países de Língua Oficial Portuguesa (AFPLP) no mandato que começou em 2019 e terminou em 2022.

No âmbito do Ministério da Saúde, foi membro da Coordenação Nacional para a Estratégia do Medicamento e Produtos de Saúde e pertenceu ainda ao Comité de Ética para Investigação Clínica. É, atualmente, membro da comissão de Avaliação dos Medicamentos.

Durante toda a sua vida, desempenhou com a maior paixão um dos principais papéis da sua vida, ser professor.

V ÊAENTREVISTA | V ATSIVERTNEAÊ | 36Grande Entrevista

O que é para si ser farmacêutico? Porque se tornou farmacêutico?

Bom, eu tornei me Farmacêutico porque naquela altura complicada quando terminamos o ensino secundário e nos candidatamos à Universidade, eu sempre gostei de Ciência, investigação e da área da saúde e considerei que o curso que me permitia combinar todas estas vertentes era as Ciências Farmacêuticas e, portanto, foi assim que me tornei Farmacêutico.

Licenciou-se em Ciências Farmacêuticas na FFUL e mais tarde doutorou-se em Farmacologia, o que o fez apaixonar-se por esta área?

Sim, dentro de todas as disciplinas do Curso de Ciências Farmacêuticas, sempre gostei mais da Biologia do que da Química. Curiosamente, sempre tive melhores notas a Química do que a Biologia, mas a Farmacologia foi realmente a área que eu achei mais interessante e que combina as duas. Nos dias de hoje é cada vez mais Biologia, mas aquela noção de que poderíamos conhecer melhor e investigar o mecanismo de ação dos fármacos e a interação entre o fármaco e o organismo de forma a resultar num conjunto de ações, umas benéficas outras nem tanto, apaixonou-me! Tive a oportunidade, e tenho que agradecer isso à Professora Beatriz Lima, na altura em que ainda era estudante, de iniciar as minhas atividades quer como monitor de Farmacologia e ao mesmo tempo começa as minhas atividades de investigação e, portanto, comecei no quinto ano. Já lá vão alguns anos e que continue…

Sabemos que uma das suas paixões é ensinar. O que o motiva todos os dias a ser um melhor Professor? E por outro lado, que estratégias utiliza para motivar e cativar os alunos?

Basicamente, nós não nos podemos esquecer nunca que estamos a interagir com adultos que são nossos colegas e, portanto, aquilo que nós estamos a fazer é a ensinar os nossos colegas a serem profissionais e melhores profissionais. Esta sempre foi a minha atitude relativamente ao ensino na faculdade de Farmácia. Aquilo que eu pretendo é ensinar os colegas a construírem-se como Farmacêuticos nas áreas que eu ensino e acho que tem resultado. Apesar de tudo, como disse, tenho tido outras funções ao longo da vida. Aliás, nunca fui apenas professor, no sentido de dedicar 100% do meu tempo ao ensino. Sempre tentei ter outras atividades de investigação ou de intervenção na sociedade, mas uma condição que eu sempre pus foi nunca deixar de ensinar, nunca deixar de ser professor e acho que esta experiência de viver outros papéis dentro, apesar de tudo, da área profissional, me tem também ajudado a ter uma visão mais alargada que me ajuda, penso eu, a ser um professor mais completo.

37Grande Entrevista

Entrevista

Eu entrei de forma muito natural, porque no quinto ano comecei a dar aulas, o que não foi fácil, uma vez que começar a dar aulas como monitor no quinto ano não garante que haja um lugar na Universidade para poder continuar Felizmente, e mais uma vez tenho que agradecer à Professora Beatriz Lima que sempre apostou em mim e no meu potencial, e ao mesmo tempo ao Professor Toscano Rico da Faculdade de Medicina, onde eu comecei a investigar ainda no 5º ano, que sempre me apoiaram e me ajudaram a conseguir os lugares a que eu me propunha. Tive assim a primeira bolsa de investigação quando ainda era aluno. Depois, fui desenvolvendo a par a atividade de ensino e investigação e consegui, digamos, ir ultrapassando as barreiras de um lado e de outro, de maneira a ir construindo a minha carreira, mas mais uma vez digo que gostava muito de reconhecer o papel que estes 2 Professores tiveram no meu desenvolvimento profissional.

Para além de ser professor esteve 12 anos no INFARMED em cargos de grande relevância. Quais os maiores desafios que encontrou?

Há 2 tipos de desafios: primeiro, quando chegamos pela primeira vez a um cargo desses, nunca estamos completamente preparados para aquilo que vamos encontrar e aquilo que eu encontrei no INFARMED foi uma instituição de elevado nível, quer técnico quer científico, muito reconhecida a nível internacional e, portanto, quando lá cheguei, o trabalho que eu tive que desenvolver foi uma sintonização com aquela instituição, quer a nível nacional, quer a nível internacional, e tentar manter esse nível e até aumentá lo se possível. E isso foi acontecendo naturalmente também porque, e eu acho que isso é que me fez manter lá durante tantos anos, para mim era uma aprendizagem diária já que por vezes as pessoas não têm a noção de que o sistema Europeu do Medicamento é muito complexo, muito vivo e muito exigente, e enquanto tentávamos manter o INFARMED no “pelotão” da frente das autoridades europeias no contexto do sistema europeu, também íamos aprendendo muito! Eu aprendi muito quer a nível dos medicamentos do ponto de vista regulamentar, obviamente, quer a nível dos dispositivos médicos e foi uma altura de grande desenvolvimento da legislação europeia nessas duas áreas Um exemplo de uma legislação ou duas que foram muito importantes, e que ainda hoje são estruturantes, são a Legislação Europeia sobre os Ensaios Clínicos e a Legislação Europeia sobre as Terapias Avançadas, onde eu tive a oportunidade de me envolver, obviamente com o apoio dos colegas do INFARMED, de uma maneira bastante aprofundada e que me fez aprender muito sobre essas duas áreas.

Quais os principais desafios que encontrou quando entrou no mercado de trabalho?
38Grande

Foi Presidente da AFLPLP (Associação de Farmacêuticos dos Países de Língua Oficial Portuguesa) e também presidiu o Conselho nacional para a Cooperação da OF Quais os principais objetivos destas estruturas? Porque é que é importante mantermos uma relação de proximidade no que diz respeito aos países de Língua portuguesa no setor Farmacêutico?

Esse é um dos papéis que eu acho importantes, que me apaixonaram e que me continuam a apaixonar, agora como Bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, em colaboração com os colegas dos Países de Língua Portuguesa. Uma coisa que nos une é a língua, mas também a cultura, sendo naturalmente próximos uns dos outros, e é importante que nesta área tão importante que é a saúde dos nossos povos, possamos colaborar uns com os outros no sentido de nos ajudarmos a construir. Relativamente à profissão farmacêutica, nomeadamente nos países africanos de Língua Portuguesa (o Brasil tem todo um perfil diferente, um trajeto diferente), reparei numa transformação desses países com poucos farmacêuticos (a maior parte deles formados fora dos respetivos países) e, depois, num emergir de Faculdades e Universidades que começaram a formar farmacêuticos. Passamos de uma realidade em que tínhamos a maior parte dos farmacêuticos formados no exterior, para uma em que muitos começaram a ser formados internamente É importante que Portugal tenha as condições e a possibilidade de ajudar a formar esses profissionais e de ajudar a tornar a classe farmacêutica nestes países reconhecida, bem preparada e interventiva e, portanto, com aquilo que aprendemos, em Portugal e no contexto europeu, ajudar esses países que estão numa fase diferente do desenvolvimento da profissão, a construí la, quer do ponto de vista da formação, quer do ponto de vista da organização profissional nomeadamente a construção de ordens de profissionais farmacêuticos

Este ano tornou se o bastonário da Ordem dos Farmacêuticos. Porque se candidatou?

Nós somos nós e a nossa circunstância Pareceu me agora que era o momento adequado, tendo em conta as responsabilidades que tinha e outras que deixei de ter, e que tinha disponibilidade para servir a profissão Também considero que depois de mandatos tão marcantes como os que teve a Bastonária anterior, a Professora Ana Paula Martins, era importante ajudar a contribuir para manter a dinâmica de afirmação da profissão, numa altura complicada: uma altura pandémica e pós pandémica. Quando me candidatei não imaginava que íamos ter uma guerra na Europa, mas a verdade é que temos e, portanto, numa situação que eu já previa complicada, com o SNS em stress (que se agravou na pandemia), também vi que podia ser uma oportunidade para uma afirmação dos farmacêuticos no Sistema de Saúde e nos cuidados a prestar à população Decidi, tendo em conta todo este contexto, propôr a minha candidatura, não sozinho, mas obviamente com uma equipa fundamental para que eu me pudesse candidatar, e questionar a profissão se eu cumpriria o perfil para poder ser Bastonário. A profissão considerou que sim e cá estou eu para 3 anos de mandato.

39Grande Entrevista

Agora focando na formação académica. Qual a sua opinião sobre a atualidade do ensino Farmacêutico?

Tenho tido a oportunidade, e agora que sou Bastonário ainda mais, de comparar a realidade nacional com a internacional, nomeadamente a europeia, e apenas tem servido para eu confirmar que o ensino farmacêutico em Portugal é bom. Para não dizer muito bom, que eu não gosto muito de superlativos e de dizer que somos os melhores do mundo (risos). Mas é bom, comparativamente com os outros países europeus e aquilo que temos que fazer é continuar a melhorar. O que eu acho que é muito importante nesta fase que estamos a viver de elevada inovação, em que temos medicamentos que são células, ou células que são medicamentos, e que continuam a ser produtos da responsabilidade dos farmacêuticos, e é apenas um exemplo; ou outro, que é toda a inovação que está a chegar ao mercado ser muito cara, e é preciso que nós todos possamos intervir e continuar a garantir o acesso a quem precisa desses produtos inovadores; é que a formação do farmacêutico se vá rapidamente adaptando a esta realidade que está a mudar de forma muito rápida. Esta para mim é a minha grande preocupação. Não é que nós não tenhamos capacidade de formar farmacêuticos com um bom perfil, tanto que a nível internacional é muito fácil para os nossos farmacêuticos se afirmarem fora de Portugal, mas a preocupação que devemos ter neste momento é a de garantir que as instituições que foram os farmacêuticos em Portugal estejam em condições de se irem adaptando de uma forma rápida, tal como as Ciências Farmacêuticas estão a evoluir. É a minha preocupação neste momento, e a Ordem tudo fará para que os farmacêuticos não percam, digamos, “o comboio” da inovação e consigamos ter farmacêuticos com o perfil adequado aos dias de hoje e ao que se aproxima.

A APEF está neste momento a fazer um inquérito sobre o Ensino Farmacêutico em Portugal. Considera esta iniciativa importante para o desenvolvimento do Ensino?

Considero! Nós não conseguimos melhorar sem perceber onde estão as oportunidades de melhoria, e iniciativas dessas dão nos a evidência relativamente à situação, porque senão temos apenas perceções e as perceções muitas vezes não são corretas Portanto, conseguirmos ter instrumentos que meçam de forma mais adequada a situação ajuda nos a melhorar e, ao mesmo tempo, a perceber onde estão essas próprias oportunidades de melhoria. Queria dar os parabéns à APEF pela iniciativa, que acho que é muito relevante para podermos ter mais um instrumento que nos permita progredir.

Na sua candidatura para a Ordem dos Farmacêuticos manifestou a intenção de criar o conselho da juventude Farmacêutica. Que funções e atribuições terá este conselho?

É verdade, e confirmo, que na altura tinha essa intenção, e agora posso dizer que já está criado. Nós temos, neste momento, uma estrutura que tem a finalidade de pensar o futuro da profissão, que é da responsabilidade dos mais jovens, como é óbvio! Os mais jovens são aqueles que mais tempo vão estar a servir a profissão, e portanto é uma iniciativa muito com o perfil do Health Parliament, que é uma estrutura que permite aos jovens farmacêuticos reunirem se, discutirem os aspetos que considerem relevantes, e daí resultarem propostas a apresentar ao Bastonário e à Direção Nacional, para que possamos desenvolver a profissão de acordo com aquilo que vão sendo os sinais dos tempos e da direção que a profissão deve seguir Considero que este Conselho da Juventude Farmacêutica é uma peça importantíssima no desenvolvimento adequado da profissão e da Ordem dos Farmacêuticos também.

40Grande Entrevista

Uma das estratégias que a OF já tem implementado para a aproximação dos mais novos à profissão é a possibilidade dos mesmos se tornarem membrosestudantes. Para os estudantes que vão ver esta entrevista qual a importância de se inscreveram nesta modalidade? É grande! Eu acho que é grande para os estudantes e é grande para a Ordem!

Nós temos vivido nos últimos tempos um afastamento das instituições mais formais por parte da população mais jovem. E a Ordem não tem sido diferente. Os Farmacêuticos mais jovens têm se vindo a afastar da Ordem, muitas vezes também por culpa da própria que não tem sabido criar uma dinâmica de aproximação aos jovens profissionais. Eu acho que é muito importante esta figura do membro estudante no sentido dos futuros Farmacêuticos, portanto os alunos do 4º e 5º ano do MICF, poderem inscrever se na Ordem e participar nas suas atividades, porque quer queiram quer não eles vão ser Farmacêuticos. Logo, penso que é importante para a Ordem trazer as novas gerações o mais precocemente possível, mas também é importante para os profissionais aproximarem se da sua estrutura profissional o mais precocemente possível e, por isso, acho que há aqui uma simbiose de interesses. Para nós, esta figura é importantíssima e vamos começar a divulgá la nas próprias instituições de ensino Universitário que formam Farmacêuticos para que os estudantes possam perceber o que é a Ordem e qual é a importância de se tornarem membros ainda antes de serem profissionais.

De que forma podemos todos (OF, Associações de Estudantes e Associações profissionais) contribuir para a valorização do Farmacêutico?

Eu acho que é a nossa obrigação, digamos assim. Todos nós temos que colaborar uns com os outros na nossa esfera de influência para ajudar os farmacêuticos a terem um perfil adequado às necessidades e, ao mesmo tempo, ajudarem a classe profissional a afirmar se. Porque nós temos um problema, que temos que assumir, que é um problema de afirmação na sociedade. Muitas das pessoas, muitas vezes até muito informadas, não têm uma noção clara do que é o farmacêutico, do papel que ele desempenha e do que se pode esperar dele. E é importante que nós, como classe, consigamos fazer passar essa informação para o público em geral, para a sociedade, para que possamos ser mais reconhecidos e, ao mesmo tempo, ser mais fácil podermos intervir em áreas que são da nossa competência, mas que por vezes são muito difíceis de desenvolver porque a própria sociedade não está suficientemente informada sobre o potencial e a capacidade que os farmacêuticos têm de desenvolver essas áreas de atividade Nós todos (a APEF, a Associação dos Jovens Farmacêuticos, as associações setoriais, a OF e individualmente) temos que trabalhar para nos afirmarmos e afirmarmos a profissão externamente

41Grande Entrevista

Com os acontecimentos mais recentes, como a Pandemia e a Guerra que enfrentamos, assistimos a uma dificuldade do SNS em dar respostas. De que forma os farmacêuticos poderiam aliviar esta pressão?

Acho que não só poderiam, como vão ter que aliviar, desde que sejam criadas as condições para que os farmacêuticos possam desenvolver essas atividades e ajudar o Sistema. Isto liga se um bocadinho com o que estávamos a falar anteriormente. É preciso que os farmacêuticos dêem a conhecer o potencial e a competência que têm para intervir em determinadas áreas, para que se criem as condições para que possam intervir adequadamente. Nós hoje vivemos uma situação muito complicada do ponto de vista da qualidade da prestação de cuidados de saúde em Portugal Temos um SNS, do qual sou completamente a favor e que acho que é estruturante e um ganho civilizacional que conseguimos para a nossa sociedade, que não pode ser algo que existe, que tenha um nome, mas que depois não consiga cumprir a sua missão, que é garantir o acesso universal a cuidados de saúde de forma tendencialmente gratuita Se o SNS não conseguir cumprir a sua missão, não está a cumprir adequadamente o seu objetivo, e todos nós devemos trabalhar para que garanta esses cuidados de saúde universais. Aquilo que está a acontecer neste momento, é que temos um SNS que está num stress muito grande e que já vinha antes da pandemia a não conseguir responder a todas as necessidades

A pandemia agudizou este problema porque aumentou a carga de doença, já que tudo foi desviado para os problemas causados pela pandemia e as outras patologias continuaram a desenvolver se. Infelizmente, muitos doentes estão hoje numa situação, do ponto de vista de doença, que não deveriam estar porque deveriam ter tido acesso a cuidados em tempo útil É preciso agora que o Sistema os resgate o mais rapidamente possível, e ao mesmo tempo que mantenha a qualidade dos cuidados a todos os outros cidadãos. Isto não está a acontecer e dificilmente vai acontecer, como temos visto nos últimos tempos: os profissionais estão desmotivados, estão a abandonar o SNS, as próprias estruturas começam a ficar cada vez mais obsoletas porque não há forma de renovar as condições materiais e estruturais Tudo isto se combina e há cada vez mais uma pressão maior sobre ele Onde é que entram os farmacêuticos, quer comunitários, quer hospitalares? No desenvolvimento de mais serviços que permitam aliviar a pressão quer nos cuidados primários, quer nos serviços hospitalares. Acho que devemos escolher os serviços que verdadeiramente mais falta façam ao SNS É também importante que o SNS se deixe ajudar e não continue com alguns complexos relativamente às estruturas privadas, ao porquê de terem que ser os farmacêuticos e não podem ser os médicos (a efetuar determinados serviços). É preciso que haja pragmatismo, perceber onde é que está o problema e quem é que pode ajudar (e todos vamos ser poucos para ajudar) Serviços como renovação da prescrição a doentes crónicos, que hoje são uma fonte de sobrecarga, principalmente nos cuidados primários, onde as pessoas têm que ir apenas para solicitar a renovação da terapêutica.

42Grande Entrevista

Quais os principais desafios que na sua opinião a profissão farmacêutica enfrenta atualmente e pode vir a enfrentar num futuro próximo?

A profissão farmacêutica, como todas as outras profissões, tem que estar muito atenta aos sinais dos tempos Ao contrário daquilo que acontecia há uns anos, em que se dizia que determinado ato era da responsabilidade de determinado profissional com determinado título, e em que a lei dizia que determinadas situações eram da responsabilidade do farmacêutico, para outras do médico, hoje o que diz a legislação europeia é que a tendência é que uma determinada situação deve ser da responsabilidade de um profissional com competências que integram uma lista Deixam de ser atos próprios e exclusivos, mas são atos que serão praticados por quem mais competência tiver para os praticar Isto não é mau, por si, mas obriga a que os farmacêuticos tenham a capacidade de ir criando e colecionando competências para poderem ir intervindo em novas situações. O grande desafio é estar atento ao evoluir da sociedade e das necessidades em saúde, nomeadamente, e ir criando competências para responder a essas necessidades, porque vivemos num mundo competitivo e é preciso que os farmacêuticos mantenham a competitividade relativamente às suas áreas de intervenção e até desenvolver novas. Temos que nos manter atentos e com capacidade de nos irmos formando de forma a nos mantermos competentes para as nossas áreas de intervenção.

Para finalizar, que conselhos daria aos estudantes de Farmácia deste país?

Primeiro, dar lhes os parabéns por terem escolhido Ciências Farmacêuticas e dar lhes os parabéns por as terem escolhido nesta altura precisa. Como já disse, desde que sou profissional, esta é a altura mais interessante para ser farmacêutico por causa de toda a revolução em termos de inovação terapêutica nos medicamentos, mas também em muitas áreas dos dispositivos médicos que estamos a assistir Isto faz com que seja uma altura interessantíssima para um farmacêutico chegar ao mundo profissional, numa situação em que vivemos revoluções sucessivas. Nós temos, como já disse, novas tecnologias que são medicamentos. Há uns anos, ninguém imaginava que uma célula geneticamente modificada se transformasse num produto como um medicamento com um nome comercial, etc; mas também em medicamentos que são revolucionários, por exemplo nas áreas de Oncologia e das doenças raras, onde muitas das doenças não tinham qualquer terapêutica. Hoje vamos tendo medicamentos a chegar ao mercado para essas indicações que não tinham nenhuma alternativa terapêutica. Portanto, acho que ser farmacêutico hoje é um desafio, mas um desafio bastante compensador Qual é o meu conselho para os farmacêuticos agora e sempre? Estudem! O que vem com uma profissão tão interessante é a obrigação de nos mantermos atualizados e de irmos estudando, porque um farmacêutico que se deixa desatualizar deixa de poder ser um farmacêutico. É alguém que tem o título de Mestre em Ciências Farmacêuticas, mas que não consegue desempenhar a profissão de farmacêutico porque o mundo foi mudando e ele não o acompanhou

Joga e descobre o que tens em comum com o nosso Bastonário!
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DR. JOÃO ROSEIRO, UMA VIDA COMO FARMACÊUTICO MILITAR

Recuando ao tempo da escola secundária, porque ingressou no curso de Ciências Farmacêuticas?

Bem, que nostalgia. Sinceramente, nessa altura não tinha a ideia completamente consolidada em ser farmacêutico, tinha a mente aberta para seguir a área da saúde. E mesmo pensando em seguir essa área, o meu objetivo era entrar para a Academia Militar, que desde cedo me despertou curiosidade e

vontade em concorrer e perceber se a vida militar seria um destino, e felizmente consegui conciliar estas duas áreas, as Ciências farmacêuticas e uma Carreira como Oficial do Exército Tinha amigos em ambas as carreiras e o que fiz foi um “Y”, digamos que um 2 em 1. E não me arrependo nada, são duas áreas que, apesar de muito distintas, têm cada vez mais pontos de complementaridade e sobreposição. Já passaram 20 anos desde que entrei neste percurso e até agora penso que não me posso queixar de monotonia e rotina, todos os dias são diferentes!

O Dr. João Roseiro enveredou por Farmácia Militar. Como surgiu a paixão por esta vertente do Setor Farmacêutico?

Como referi na questão anterior, consegui conciliar estes dois percursos num só. Primeiro tornei me militar e só depois de mais de 7 anos de formação é que me tornei farmacêutico. A paixão de um jovem com 18 anos é sempre discutível, mas apesar de tudo sempre fui muito convicto nas minhas ambições e sempre gostei de desafios. A componente da Farmácia Militar tem uma história riquíssima e guarda um património muito interessante. Foi na Farmácia Militar, no Laboratório Militar, que se produziram medicamentos num esforço da guerra colonial e já na 1ª Grande Guerra existiam farmacêuticos militares Na área hospitalar, a dose unitária e a preparação de citotóxicos em ambiente de câmara de fluxo laminar são exemplos da forma como se conseguia estar na vanguarda da evolução da carreira farmacêutica São vários os episódios que tive o prazer de vivenciar com colegas mais velhos e que nos permitiram crescer e tomar o gosto por esta nobre profissão

Visto que a Farmácia Militar não é uma área que os estudantes estejam muito familiarizados, poder nos ia elucidar em que consiste o seu trabalho e o papel do Farmacêutico na mesma?

É difícil retratar a nossa vida profissional no dia a dia. Já tenho a felicidade e prazer de partilhar algumas das minhas experiências na FFUL aos alunos do 1º ano, e tem sido bastante inspirador. Apesar de tudo, a nossa vida como farmacêuticos é muito idêntica à civil, onde desenvolvemos as nossas competências num ambiente muito parecido com uma instituição farmacêutica, quer seja um laboratório, um hospital, uma farmácia. Estive mais de 10 anos ligado à área logística e na área das farmácias militares, onde desenvolvi grande parte do meu conhecimento profissional mas, por vezes, temos de estar preparados para desafios que fogem à rotina e que, dada a nossa formação militar, nos colocam em situações muito peculiares Foi o caso em que fui projetado para Moçambique em 2019, no âmbito do ciclone Idai e como elemento do Estado Maior Coordenador das Forças Armadas, Task Force, no Plano de Vacinação contra a COVID 19 Qual o maior desafio ou dificuldade no trabalho que realiza?

Bem, tenho tentado encarar as dificuldades precisamente como desafios! E tem ajudado! Mas mais do que isso, a vontade de aprender, contactar diariamente com imensos grupos profissionais, quer da área da saúde, quer fora dessa área, tem permitido crescer como pessoa e como profissional. Neste momento estou no Núcleo de Apoio ao Ministério da Saúde, no seguimento da Task Force, e os desafios em fazer parte de um grupo de trabalho multidisciplinar na área do planeamento tem sido mesmo o maior desafio, que dura desde 2020.

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Responsabilidade

A Pandemia devido à Covid 19 foi e continua a ser um tema muito falado e certamente que ficará na História Mundial. O Major Farmacêutico João Roseiro viveu isto muito intensamente uma vez que esteve na “linha da frente” fazendo parte da Task Force Vacinação Covid 19, representando assim o papel fundamental do Farmacêutico no combate à pandemia. Quais os maiores desafios que encontrou aqui? Fazendo parte desta causa tão nobre há um sentimento de missão cumprida?

Foi um desafio quase “acidental”, às vezes estamos no local certo na hora certa. Estava a desempenhar funções no Estado Maior das Forças Armadas, na Direção de Saúde Militar. O Senhor Vice Almirante era, na altura, o elemento responsável por desenhar o plano logístico para a vacinação contra a COVID 19, e assim foi: num edifício daquela dimensão havia um farmacêutico, eu. Desde essa altura que este plano me despertou imensa curiosidade e interesse, ainda não tinha acontecido nada, mas o plano dava sinais de ser uma operação nunca antes vista Para além disso, quando fui colocado no Estado Maior vinha dos Serviços Farmacêuticos de um Centro de Acolhimento Militar, no antigo Hospital Militar de Belém, e depois de estar no terreno, nada melhor que fazer parte de um projeto que visava planear, monitorizar e controlar o Plano de Vacinação contra a COVID 19 Foi uma reviravolta na minha vida profissional e familiar também Desde então, a intensidade de trabalho e a forma como temos de estar preparados para responder a todos os problemas tem sido complicado Comecei por ser o oficial de ligação da DGS à Task Force durante cerca de 8 meses e ajudei a desenhar o processo da vacinação massiva em centros de vacinação Em junho de 2021, fui chefiar uma equipa de militares para a coordenação da vacinação da população dos Açores, na missão “Ilhas Periféricas” Quando regressei ao fim de 1 mês, estive a coordenar o Centro de Vacinação COVID 19 (CVC) da cidade universitária ate ao final do mês de setembro de 2021 Desde essa altura fui integrado no Núcleo de Apoio ao Ministério da Saúde, onde sou o responsável pela área regulamentar e comunicação Em relação ao sentimento de missão cumprida, eu diria que é mais uma sensação de missão “comprida” É um processo que ganhou uma continuidade desde dezembro de 2020 e o processo de vacinação não parou desde então Continuamos a dar o apoio no planeamento e monitorização do plano e sabemos que por enquanto as taxas de cobertura das diferentes doses de vacina continuam a ser, para além de todos os cuidados, a melhor forma de proteger as populações e a evitar a severidade da doença, a hospitalização e a morte

Em 2019 o Dr. João foi condecorado com a Medalha da Cruz de São Jorge. Poder nos ia explicar em que consiste esta medalha e qual a sua reação quando recebeu a notícia da condecoração?

A Medalha da Cruz de S Jorge foi uma condecoração de que muito me orgulho e foi fruto do reconhecimento da missão em Moçambique É sempre muito gratificante termos um reconhecimento após uma missão, não só pela medalha em si, mas acima de tudo pelo que esta representa na nossa vida Acaba por ser um adereço que marca a nossa vida e que permite relembrar tudo o que um trabalho em equipa permite desenvolver No caso particular desta medalha, cada vez que olho para ela lembro me do sorriso e do agradecimento que toda a população de Moçambique nos deixou

Em 2021 fui condecorado pelo Sr Ministro da Defesa com a medalha da Defesa Nacional, fruto do desempenho de funções na Task Force É igualmente um reconhecimento, mas também um símbolo que vou guardar e lembrar depois de participar num processo nunca antes visto em Portugal

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Social

Um dos acontecimentos mundiais que nos tem acompanhado diariamente nos últimos meses é a Guerra na Ucrânia, poder-nos-ia dizer de que forma os Farmacêuticos Militares podem intervir na mesma?

No âmbito da vacinação, o Núcleo de Apoio acompanhou a vinda de refugiados para Portugal e consolidou toda a informação acerca do estado vacinal desta população Foi um projeto interessante e permitiu proteger a população com a vacina contra a COVID 19 e com outras vacinas do Programa Nacional de Vacinação (PNV)

Na vertente operacional, os farmacêuticos militares estão empenhados em apoiar na área da logística do medicamento, quer doações que são feitas à Ucrânia, quer em dar apoio aos militares que são projetados para apoio à população ucraniana

Qual o futuro que prevê nesta área e o que gostaria de melhorar?

Há um desgaste brutal de todos nós nestes últimos anos, mas que podem trazer imensas oportunidades no futuro Nesta experiência que tenho vivido constato que existe uma população de farmacêuticos em todo o processo de vacinação Desde as ARS, os Hospitais, os Laboratórios, as Farmácias, os Distribuidores, INFARMED, DGS, contacto com imensos colegas neste processo Afinal, estamos a falar de medicamentos e nós, farmacêuticos, somos essenciais ao processo O que gostaria de ver era uma articulação ainda maior entre nós que nos permita chegar mais longe nestes processos complexos Se nos unirmos, conseguimos obter uma rede de trabalho muito interessante Neste exemplo em concreto, se desenharmos no Plano o número de farmacêuticos e o local onde estão, conseguimos perceber que ocupamos posições de elevado relevo e que podemos crescer e consolidar a nossa posição como profissionais de saúde Concluindo, quais os projetos profissionais que tem em mente para um futuro próximo?

Sinceramente não tenho pensado muito nesse assunto, tenho tentado focar a minha vida no dia a dia, dada a intensidade de trabalho que tenho. No entanto, em pequenos momentos de reflexão, espero continuar a servir o meu País como farmacêutico militar e com mente aberta, flexibilidade e disponibilidade para novos desafios. Se gostarmos do que fazemos com certeza surgirão desafios e oportunidades na nossa vida.

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Olena Kenda

Ucraniana e farmacêutica, veio para Portugal há 16 anos, onde se estabeleceu. Atualmente é farmacêutica comunitária e Vice-presidente da associação de emigrantes “Partilha Magnífica”, fundada em 2015 na Póvoa de Varzim e que nos últimos meses tem enviado alimentos e medicamentos para a Ucrânia.

O que a trouxe para Portugal?

Há muitos anos atrás, ao passar férias com o meu marido em Portugal, vivemos momentos inesquecíveis: as pessoas sempre dispostas a ajudar e bastante divertidas, comida deliciosa e praias de qualidade Um dia mais tarde, a vida deu uma nova volta e decidimos experimentar viver em Portugal devido à segurança e qualidade da vida que este país apresenta

Como foi a adaptação e quais as maiores diferenças entre a profissão na Ucrânia e em Portugal?

Começando por falar um pouco do meu percurso, em 2003 terminei o curso de Ciências Farmacêuticas em Kharkiv e trabalhei numa farmácia comunitária antes de vir para Portugal. Como também queria exercer a minha profissão em Portugal, fiz reconhecimento e equivalência de diploma na FFUP e, posteriormente, fiz o Mestrado em Ciências Farmacêuticas no Porto.

Atualmente trabalho na Farmácia Padrão, em Vilar do Pinheiro. Como devem calcular, a adaptação não foi nada fácil, uma vez que a língua e os métodos de ensino são muito diferentes. Mais tarde, quando entrei na área profissional, também as diferenças eram notórias. Dois exemplos destas diferença são a existência do Sifarma e da comparticipação de medicamentos em Portugal, que na Ucrânia não existe, e portanto continuei a aprender muito enquanto trabalhadora.

O que a motivou a fundar a associação “Partilha Magnífica”?

Ao longo dos anos, estabelecendo cá a vida, eu e uma das minhas amigas, Oksana Skuratko, decidimos criar a associação de imigrantes "Partilha Magnifica" A principal ideia foi que as nossas crianças nascidas e criadas cá nunca esquecessem as suas raízes, a sua história, cultura e a língua ucraniana Desta forma, uma ou duas vezes por ano organizávamos passeios turísticos, que ajudavam a conhecer a cultura, a história e a gastronomia ucraniana

E foi assim até 24/02/2022 o dia que mudou a vida de todos

Como recebeu a notícia da guerra na Ucrânia? E como organizou a recolha de bens e medicamentos?

Recebi a notícia através dos meus pais, uma vez que continuam a viver lá esperando a glória Portugal e Ucrânia têm uma diferença de horário de duas horas e por isso, antes de sair para trabalhar, falo sempre com eles Naquele dia recebi uma chamada às 5 de manhã Percebi logo que tinha acontecido qualquer coisa, mas nunca imaginei que fosse uma guerra!

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Foi um choque! Nos primeiros dias falava a toda a hora ao telefone com familiares e amigos para tentar perceber a gravidade da situação, sempre com a esperança de que alguém ajudasse o nosso país e a guerra parasse.

Decidimos com amigos organizar e recolher tudo o que nos pediam na altura lá da Ucrânia e enviar. No início faziam muita falta medicamentos e materiais de primeiros socorros, e uma vez que tenho alguns conhecimentos profissionais na área da saúde pedi ajuda nas redes sociais.

Sentiu que os portugueses a apoiaram na sua causa e foram solidários para com o povo ucraniano?

Sinceramente, nunca imaginei que o povo português nos fosse apoiar tanto. Pessoalmente senti e continuo a sentir muito apoio, colaboração e ajuda dos colegas e clientes das farmácias onde trabalhei, pessoas que viram o meu apelo nas redes sociais, empresas locais e associações da zona Norte.

Sem dúvida que o povo português é muito solidário!

Durante algum tempo, praticamente vivemos no armazém que nos "emprestaram" em Amorim, na Póvoa de Varzim Ficaremos sempre agradecidos a todos os que nos apoiaram naquele momento e continuam a apoiar É impossível deixar todos os nomes porque realmente são centenas

De que forma é que os farmacêuticos ucranianos e de todo o mundo contribuem para o combate à guerra?

Todos os colegas de lá, das zonas mais calmas, continuam a trabalhar. Hospitais e farmácias é que nunca podem fechar! Também conheço farmacêuticos que nos primeiros meses viveram na fronteira entre a Ucrânia e a Polónia, ajudando na recolha e distribuição de bens essenciais e medicamentos que conseguimos de cá para lá.

Que mensagem espera transmitir às gerações futuras e o que futuro pretende com a sua associação?

Ainda é muito cedo para falar o que queremos ou sonhamos para o futuro, uma vez que atravessamos um momento tão difícil em que os meus pais e muitos amigos continuam na Ucrânia. Estamos sempre com o coração apertadinho!

No entanto, o futuro da associação passa por continuar a lutar por um final feliz e a facilitar o máximo possível a vida dos refugiados! Parámos de enviar para lá bens essenciais porque de repente percebemos que também precisamos destes cá uma vez que a Guerra está a afetar todo o mundo.

Muitos refugiados começaram a chegar e, por isso, a Associação "Partilha Magnifica" juntamente com as Câmaras da Povoa de Varzim e de Vila do Conde, trabalhamos juntas de forma a ajudar os refugiados a tratar os registos no SEF, a arranjar alojamento, escolas e infantários pois a maioria dos refugiados são mulheres com crianças e pessoas de terceira idade Para além disto, ajudamos também com apoios nas consultas médicas

No dia 23 de março de 2022, estivemos reunidos com o Bastonário da Ordem dos Farmacêuticos (OF), Hélder Mota Filipe, o secretário da Direção Nacional da OF, Rui Pinto, e com algumas farmacêuticas ucranianas radicadas em Portugal, com a intenção de apoiar a integração dos colegas farmacêuticos que tiveram que abandonar a Ucrânia por causa da guerra Deixei nas redes sociais e em vários grupos de Leste no Facebook toda a informação recolhida e, assim consegui ajudar os 17 refugiados colegas farmacêuticas da Ucrânia, os quais praticamente todos são da zona do maior conflito, tendo ficado sem casa e perdendo praticamente tudo

50Responsabilidade Social

Preparação Individual de Medicamentos (PIM)

Como surgiu a ideia de implementar na sua Farmácia da Conchada o serviço de PIM?

Tivemos contacto com o processo durante o nosso estágio da Licenciatura, num Congresso de Farmacêuticos Hospitalares na antiga FIL em Lisboa em 2002. Nessa altura, a preparação individualizada não estava vocacionada para o ambulatório, mas ficou sempre ali uma ideia potencial latente de um dia poder oferecer este serviço aos nossos utentes

Quais as maiores dificuldades com que se deparou no início da implementação deste serviço na Farmácia?

Sem qualquer dúvida a falta de experiência e formação em Portugal Quando começámos, havia muito poucas máquinas de Preparação Individualizada instaladas e, portanto, muito pouca experiência e conhecimento acumulados Todos os processos tiveram de ser adaptados à nossa realidade de farmácia e dentro da farmácia a cada grupo de clientes.

A quem se dirige este serviço?

Este serviço dirige se principalmente aos utentes institucionalizados em Lares, mas também aos utentes das Unidades de Cuidados Continuados e aos utentes do balcão da farmácia

Quais as principais vantagens da PIM?

Duas palavras, segurança e conforto. O utente e a sua família deixam de ter preocupação com a preparação a tempo e horas da medicação.

Quais os equipamentos necessários para a realização deste serviço?

Existem vários fornecedores no mercado com máquinas de Preparação Individualizada da Medicação, o equipamento necessário e suficiente para realizar a preparação, sempre sob a supervisão de um farmacêutico.

A Farmácia da Conchada serve muitos lares com o serviço PIM sendo que a comunicação farmácia lar é essencial para a adesão da terapêutica. De que forma o Dr. Ricardo estabelece esta comunicação e como é que a PIM pode contribuir para a adesão à terapêutica?

É essencial uma estreita comunicação e colaboração entre as equipas da farmácia e as equipas de enfermagem dos lares, mas também com o Corpo Clínico dessas instituições O envolvimento de todas estas equipas é essencial para que o produto final, a preparação individualizada, seja aceite com toda a segurança e de forma tranquila pelos utentes e pela sua família.

É um serviço farmacêutico para otimizar o uso adequado dos medicamentos, através do seu reacondicionamento em embalagens tipo blister ou saco. Nesta entrevista teremos a oportunidade de falar com o Dr. Ricardo Gonçalves, Diretor Técnico da Farmácia da Conchada, a primeira Farmácia em Coimbra a adotar o serviço PIM em 2019.
51Responsabilidade Social

Preparação Individual de Medicamentos

Como foi gerido o aumento de utentes inerente ao crescimento do processo na Farmácia da Conchada?

Como foi dito atrás, todos os processos tiveram de ser adaptados à realidade da farmácia e dentro da farmácia a cada grupo de clientes Com o crescimento do número de instituições e do número de utentes, a nossa capacidade de adaptação foi-se tornando cada vez mais fácil e mais natural.

Sabias que?

1 em cada 2

de tomar a sua medicação

1 em cada 4

uma dose menor do que a que foi prescrita pelo seu médico

cada

em cada 10 deixam de tomar a sua medicação uma vez iniciado o tratamento

esquece-se
1 em
3 não levanta a medicação prescrita
toma
3
52Responsabilidade Social
Históriada Farmácia VIII I III V II IV VII VI

Museu da Farmácia - Lisboa

O Museu da Farmácia é um projeto que, ao longo dos anos, tem vindo a ser uma referência a nível nacional e internacional, como o comprovam os milhares de visitantes recebidos e os diversos prémios com que o Museu foi distinguido. Inaugurado em junho de 1996 em Lisboa, o Museu da Farmácia é o resultado de uma vontade inequívoca das Farmácias Portuguesas em preservar a história da sua profissão. Nesta entrevista, teremos a oportunidade de falar com a Dra. Filipa Ribeiro, Diretora da área Cultural da Associação Nacional das Farmácias (ANF) que tem a seu cargo o Museu da Farmácia e o Projeto Vila Saúda.

Começando com um desafio, numa palavra como descreveria a evolução do Farmacêutico e da Farmácia desde a sua origem até à atualidade?

Assim como primeira palavra, de facto o que me vem à cabeça é resiliência, sem dúvida nenhuma De facto os farmacêuticos e o setor das farmácias têm tido uma capacidade extraordinária de estar sempre preparado, ou preparar se continuamente para os diversos desafios que lhe vão sendo apresentados Sempre quiseram fazer parte da solução e não do problema, e isso é impressionante Sei que é só uma palavra, mas acho que esta resiliência também está muito assente noutra palavra, que é a paixão Que é o facto de os colegas que trabalham na farmácia comunitária entregarem se com toda a paixão, sem dúvida nenhuma Eu tive o privilégio de começar a minha carreira profissional no terreno, a visitar farmácias, portanto conheço muito bem o setor e é muito interessante perceber como se entregam à profissão e estão lá pelos utentes, muitas vezes em sítios onde já não há mais nada Portanto eu acho que a primeira palavra é resiliência mas associada a uma grande paixão

O museu da Farmácia de Lisboa já recebeu alguns prémios como, por exemplo, o prémio de melhor museu português em 1998. Em 2004 esteve também nomeado para prémio de melhor museu europeu. Sendo um museu tão prestigiado, o que é que conseguimos encontrar e aprender aqui?

De facto o Museu da Farmácia é desde 1996, o único museu no nosso país que se dedica à história universal da Saúde e da Farmácia Nós temos diversas peças, na verdade são mais de 17 mil, o que dá para ter uma ideia da dimensão do Museu, e temos peças oriundas de praticamente todas as civilizações estudadas e conhecidas do mundo no nosso país Temos peças da Grécia, da China, do Egipto, e, portanto, não há praticamente ninguém que venha a este museu e que não se identifique ou não goste de alguma das temáticas aqui representadas Por outro lado, é muito interessante perceber como é que surgiram as doenças ao longo dos tempos, principalmente como é que a humanidade foi lutando, sempre numa busca incessante pela cura, e isto conseguimos aprender aqui na visita ao museu

Deparando nos com os artefactos e objetos cheios de história presentes neste museu, de que forma foram adquiridos?

Basicamente podemos considerar que há 2 fases no Museu. Numa primeira parte, a ideia surge em 1981, a Direção da ANF lança uma circular a todos associados a solicitar que fossem efetuadas doações para o que viria a ser o Museu da Farmácia. Esta ideia surge porque as farmácias históricas começaram a ser renovadas e a Direção percebeu que era importante salvaguardar esse património e lança este primeiro pedido de doações, que durou até 1994 A partir de 1995, começou a ser bastante grande e a direção entendeu que para que as pessoas percebessem a história da farmácia era importante também entenderem o passado, portanto o que é que as diferentes civilizações tinham feito nos séculos anteriores nesta procura pela cura Entramos numa nova fase em que começamos a adquirir peças em leilões internacionais, portanto podemos considerar que as peças, vêm por um lado oriundas de doações, e por outro lado adquiridas em leilões internacionais

Farmácia Islâmica
Assiste a entrevista em vídeo 54 História da Farmácia

Nas redes sociais do Museu há uma série de vídeos intitulados “A minha peça favorita

... “ . No seguimento destes vídeos, desafiamos a Dra. Filipa a dizer-nos qual a sua peça favorita.

Isso não é fácil, são 17 mil peças Há algumas, que para mim enquanto farmacêutica, de facto me são bastante queridas. Temos, por exemplo uma fotografia de 1910 de um curso de farmácia em Coimbra, o que me é bastante querido porque eu tirei o curso nesta cidade, e o que é peculiar nessa fotografia é que na primeira fila aparece uma das primeiras mulheres que tirou o curso É uma fotografia que me diz algo e me é bastante querida Por outro lado, no piso de cima, aqui em Lisboa, temos uma cultura de penicilina, de 1929 assinada por Fleming e obviamente também me diz muito, mudou completamente o arsenal terapêutico de toda a humanidade e fez toda a diferença no processo de cura, mas escolhendo uma diria provavelmente a Farmácia Islâmica que está no Porto. Esta representa uma dimensão dos museus que eu considero bastante relevante, que é de responsabilidade social, isto é, de salvaguarda do património, garantir que as gerações futuras têm testemunhos do que foi o passado. Esta farmácia que estou a referir é oriunda de Damasco, na Síria, e todos conhecemos os desenvolvimentos políticos naquela região, o mais provável diria eu é que se esta não tivesse sido adquirida pelo museu, hoje em dia não existisse, portanto acho que isso é bastante relevante, para além de ser muito bonita

De que forma a pandemia influenciou o museu e de que modo este se adaptou a essa realidade para que todos tivéssemos acesso a uma “Cultura sem Quarentena”?

Esse foi o mote lançado na altura da pandemia. Há um provérbio que diz que a necessidade aguça o engenho e é um bocadinho isto! Claro que foi um período péssimo, não digo o contrário, mas a verdade é que a necessidade obrigou nos a correr atrás de uma série de coisas que se calhar nunca teriam sido prioridade se não fossem os períodos de confinamento. Eu considero que foram dos anos mais difíceis, provavelmente, na história do museu, mas foram anos de transformação. Nós fomos obrigados a encerrar portas quer em 2020, quer em 2021 Por outro lado, só para terem ideia, nós aqui em 2019, ano pré pandemia, 85% dos visitantes do museu eram do estrangeiro ou escolas. Uma vez que em 2020/2021 não havia turismo e as escolas foram impedidas de fazer visitas de estudo, nós perdemos aqui a esmagadora maioria dos nossos visitantes habituais e tivemos de correr muito para conseguir captar público porque infelizmente os portugueses não têm o museu como prioridade, têm outro tipo de atividade que habitualmente gostam mais Desta forma, nós lançamos uma série de iniciativas de maneira a estar presente junto daqueles que já são nossos visitantes, mas também de forma a dar a conhecer o Museu da Farmácia a quem nunca nos tinha visitado e que devido à pandemia estava em casa e por isso com maior disponibilidade Assim sendo, lançamos uma série de iniciativas online que tiveram bastante sucesso e apostamos muito nas redes sociais Só para terem uma ideia antes da pandemia tínhamos cerca de 20 mil seguidores nas redes sociais e atualmente temos 80 mil, nestes dois anos foi um salto enorme. Passámos a fazer as conferências online e streaming, tínhamos centenas de pessoas a assistir por todo o país. O online tem esta vantagem, não tem de ser em Lisboa ou no Porto, qualquer pessoa pode estar a ver Lançamos também a própria Visita Virtual, o que no segundo confinamento já nos permitiu, embora de portas encerradas, continuar a fazer visitas guiadas quer para escolas quer para participarmos em conferências. Aproveitamos também para lançar os QR codes no museu e um roteiro digital.

Concluindo acho que esse período acabou por ajudar bastante este salto para o mundo digital que já não é o futuro é o presente!

55História da Farmácia

Uma das iniciativas online é “Vila Saúda” que proporciona aos mais novos momentos de diversão e acima de tudo aprendizagem. Porque é tão importante aproximar os mais novos da ciência e do museu?

Quando perguntamos a uma criança o que quer ser quando for “grande“ obtemos respostas típicas como bombeiro, policia, médico, advogado. É muito raro uma criança, a não ser que tenha na família um farmacêutico, responder farmacêutico! Desta forma, acho que o primeiro objetivo da “Vila Saúda” é clarificar junto dos mais pequenos a função do Farmacêutico

Assim, ao desmistificar este conceito pretendemos que “Ser Farmacêutico“ passe a estar no leque de respostas. Desta forma, todas as nossas iniciativas inseridas no programa educativo “Vila Saúda” têm como objetivo falar da farmácia, do farmacêutico, e fazer com que as crianças se apaixonem pela ciência.

A questão do online, surgiu durante a pandemia uma vez que as crianças estavam em casa a ter aulas à distância e uma vez que queríamos continuar a nossa atividade junto das mesmas tivemos de migrar para o online. Aos Sábados tínhamos ateliês online para o público em geral onde chegámos a ter 200 crianças a participar, cada um em sua casa com os pais atrás a ajudar com os reagentes (coisas simples como corantes, vinagre, bicarbonato de sódio) Quando é no museu é diferente uma vez que somos nós que providenciamos os reagentes Em casa eram sempre coisas mais simples, mas igualmente bonitas em termos de resultado final e as crianças divertiam se imenso! Disponibilizamos também festas de aniversário online, fomos o único museu pelo menos na altura, e foi uma experiência muito gira! Atualmente tentamos ao máximo manter como opção de preferência o presencial uma vez que também é a forma eleita dos visitantes, no entanto mantemos sempre o online como uma via possível.

Outra das inovações é a Visita Virtual ao Museu da Farmácia em tempo real. Quais as suas vantagens e desvantagens?

A Visita Virtual nasce também no período de pandemia e para nós a grande vantagem foi podermos continuar a nossa missão mesmo estando fechados. Por outro lado, permite nos apresentar a coleção quer de Lisboa quer do Porto na mesma visita, o que significa que em vez de duas visitas a pessoa consegue conhecer ambas as coleções de uma só vez. A grande desvantagem que normalmente se aponta é a falta de interação com o guia, porque a maior parte das visitas que existem são pré gravadas No nosso caso não, a visita é em tempo real, feita por um guia do museu que vai respondendo às questões, o que permite a existência pontos de interatividade, ou seja, vamos lançando questões, as polls do Zoom, para quem está a assistir e, portanto, tentamos mitigar esta parte, porque obviamente o contacto físico é insubstituível e o facto de ser em tempo real permite mitigar essa questão Mais uma vantagem é que normalmente as pessoas têm de se deslocar a Lisboa ou Porto, com a Visita Virtual conseguimos participar em congressos internacionais em que as pessoas não estão cá em Portugal e funciona muito bem!

56História da Farmácia

Quais os Projetos futuros do museu?

A virtude de ser um museu sobre saúde e farmácia é que está sempre inacabado. Tivemos este exemplo dos últimos anos, por causa da pandemia COVID 19 O ser humano está sempre numa busca incessante pela cura e, portanto, temos sempre material para trabalhar. Nestes últimos anos a prioridade foi de facto recolher testemunhos da nossa luta com a pandemia para podermos ter uma imagem para as gerações futuras de como é que conseguimos ultrapassar, não ultrapassamos por completo, mas havemos de ultrapassar e, portanto, esta tem sido a nossa prioridade nos últimos 2 anos Num futuro próximo estamos a preparar uma exposição de homenagem às farmácias e aos farmacêuticos, que tiveram na 1ªlinha junto da população e que muitas vezes não são reconhecidos, já vimos muitas homenagens a outros profissionais de saúde, igualmente meritórias, mas sentimos que falta esta parte também de reconhecer o trabalho dos nossos colegas que tiveram na linha da frente, muitas vezes com sacrifícios pessoais para não deixar a população, recordando que as farmácia nunca fecharam, os nossos colegas da farmácia comunitária nunca estiveram em casa, até porque não podem fazer teletrabalho. Portanto em termos de futuro próximo, a prioridade será esta exposição de homenagem aos farmacêuticos.

Finalizando, porque devemos visitar o Museu da Farmácia?

Enquanto estudantes de farmácia parece me que é imprescindível visitar o Museu da Farmácia. Eu lembro me perfeitamente, tirei o curso em Coimbra, e ao contrário de Lisboa e Porto não tínhamos uma visita programada ao museu mas vim por minha iniciativa e lembro perfeitamente que quando saí daquela porta sentia orgulho na profissão e nesta carreira que tinha escolhido. Ainda não tinha acabado o curso, mas de facto saí muito orgulhosa.

Para o público em geral tendo em conta a diversidade de peças que temos acho que é motivo mais do que suficiente para o convite à visita.

Para além disto, também temos uma série de visitas temáticas guiadas que procuram abranger diversos tipos de públicos Temos temas como os Lusíadas, Agatha Christie, Sherlock Holmes, história da sexualidade, cerâmica farmacêutica entre outros e para todos nós que gostamos de ouvir uma boa história tenho a certeza de que dentro do leque de propostas que temos as pessoas encontrarão um bom motivo para visitar o museu

Curso de Farmácia, Coimbra Cultura de Penicilina Cultura de Penicilina
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57História da Farmácia

PROFESSORDR.JOÃORUIPITA

Doutorado em Farmácia pela Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, João Rui Pita é uma referência nacional no que toca à História da Farmácia. É professor na faculdade onde realizou o doutoramento e é investigador no Grupo Científico de História e Sociologia da Ciência e Tecnologia do CEIS20 da Universidade de Coimbra. É autor de vários livros sendo,um deles, intitulado de “História da Farmácia”, que reúne toda a informação necessária à compreensão do surgimento da Farmácia e respectivo desenvolvimento Devido ao seu trabalho, já foi galardoado com diversos prémios como, por exemplo, o “Carmen Francés”, um dos mais consagrados prémios mundiais da área da História da Farmácia, em 2019

Como surgiu o interesse pela área das Ciências Farmacêuticas? O que durante a sua vida académica o fez despertar a paixão pela História da Farmácia?

O meu interesse pela área das ciências farmacêuticas surge da própria família, venho de uma família de farmacêuticos, sou farmacêutico em dedicação exclusiva à faculdade de farmácia e desde sempre falar de farmácia e de medicamentos esteve presente na minha vida Também surge o gosto pelas profissões de saúde, sendo que tive uma grande hesitação entre a área das ciências e das humanidades e, por isso, considerei trocar de curso após o meu primeiro ano, no entanto acabei o curso de Ciências Farmacêuticas e não me arrependo nada uma vez que assim também continuei o legado da minha família

O interesse pela História da Farmácia surge pelo gosto da área da história, já que desde o 9º ano sempre tive grande gosto por descobrir o historial das coisas. Ainda enquanto estudante comecei a ler estudos e artigos de colegas espanhóis e franceses especializados na História da Farmácia que me deslumbraram, incentivando me a seguir esta área das ciências, assim como o meu orientador de tese, o Professor Doutor António Pinho Brojo, a quem presto homenagem

De que forma a História ajuda o desenvolvimento e a progressão da profissão farmacêutica?

A meu entender ajuda muito na medida em que contribui em vários aspetos do futuro profissional e cientista O curso de ciências farmacêuticas proporciona o desempenho adequado da profissão de farmacêutico, sendo que a faculdade também fornece ferramentas para trabalhos científicos A História da Farmácia contribui para a formação integral do cientista, da figura profissional e da integridade do saber, sendo que este significa que o conhecimento válido de hoje não é definitivo, sendo importante conhecer essa dinâmica de desenvolvimento

No caso da farmácia enquanto profissão, contribui para a sua legitimação, uma vez que é muito antiga, tendo um rasto histórico muito grande o que indica a nossa importância para a sociedade A história serve também para uma consciencialização, que é importante ter, enquanto aluno ou profissional de saúde. Também pode contribuir para uma melhor capacidade de decisão, visto que podemos falar de uma história milenar ou uma recente, por vezes há medidas a serem tomadas e a história pode nos ensinar qual o melhor caminho a seguir.

Por outro lado, ajuda a ter uma posição dogmática, saber que o que é válido hoje pode não o ser futuramente, nomeadamente no que respeita ao surgimento dos antibióticos, por exemplo, pensava se que as doenças infeciosas iriam pertencer ao passado

Por vezes, também pode ser útil no caso de recorrer a certos produtos naturais recuperando informação antiga como, por exemplo, no caso das transfusões sanguíneas e injeções endovenosas, tendo sido iniciadas no séc XVII e só no séc. XX conseguiram ser postas em prática.

O que o levou a escrever diversos livros como, por exemplo, “História da Farmácia”?

O livro “História da Farmácia” resultou no seguimento de colocar à disposição de qualquer pessoa, principalmente dos alunos, a História desta profissão, servindo como manual da disciplina É um estudo da história da farmácia no geral e em cada época foca o que se passava em Portugal. Não havia nenhuma obra deste tipo no nosso país. Foram feitas 3 edições, uma em especial para a Ordem dos Farmacêuticos, sendo que já se encontram esgotadas e portanto penso agora em publicar uma nova edição, sendo uma com caráter mais didático e pedagógico direcionada para os alunos e outra mais geral

IX X XI "AHistóriadaFarmácia contribuiparaaformação integraldocientista,dafigura profissionaledaintegridadedo saber,sendoqueestesignifica queoconhecimentoválidode hojenãoédefinitivo." 58História da Farmácia

Qual a relevância do ensino da História da Farmácia no Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas?

Anteriormente falámos do ponto de vista científico, agora relacionado com o ensino farmacêutico, como disciplina do 1º ano, pretende permitir transmitir aos alunos o que é a profissão farmacêutica, a ciência farmacêutica, vultos importantes da farmácia, grandes descobertas medicamentosas, o trajeto, as relações harmoniosas ou conflituosas, tendo assim uma história dinâmica e pedagógica para transmitir uma identidade profissional, assim como a nossa identidade própria. Este aspeto é importante no início do curso, sendo que se fosse no fim teria uma abordagem mais forte da história dos medicamentos, mais farmacológica, uma vez que aqui os alunos já têm conhecimentos de outras áreas, o que permitiria uma nova abordagem Esta cadeira contribui assim para a valorização da profissão e para uma transmissão de valores, sendo reconhecida com elevada relevância pela Ordem dos Farmacêuticos.

O que significa para si ser detentor de diversos prémios, não só a nível nacional, mas também mundial?

Desde logo tenho imensa alegria e satisfação, sendo o reconhecimento pelo trabalho desempenhado que não poderia ter sido feito sem estar integrado na Faculdade de Farmácia.

Para si, quais os acontecimentos mais marcantes da História da Farmácia e de que forma alteraram a vida da população?

Podemos referir alguns dos medicamentos mais marcantes, sendo difícil selecioná los, mas do ponto de vista farmacológico, podemos referir a quina de onde foi extraída a quinina, marcante nos séc. XVII, XVIII e XIX devido à inovação que trouxe no combate à malária, visto que não havia medicamentos com efeitos tão positivos, tendo desenvolvido muitas rotas comerciais

A 1º vacina, contra a varíola, descoberta por Jenner em 1798, abriu as portas à primeira medicação preventiva, uma vez que apenas era reconhecida a medicação curativa Pasteur introduz com a vacina contra a raiva uma nova metodologia, tendo aberto muitas portas à vacinação. Recentemente temos a vacina contra a COVID 19, onde pudemos observar a repercussão social reduzindo a mortalidade A vacina contra a poliomielite, em Portugal, abriu portas ao Programa Nacional de Vacinação

A morfina, como primeiro medicamento a ser eficaz contra a dor, a aspirina conhecida de todos, que atualmente tem imensas aplicações

Os medicamentos antineoplásicos, dos anos 40, inspirados nos gases usados na guerra que eram utilizados para provocar a morte destruindo células, surgindo o metotrexato nos anos 50

VÊAENTREVISTA EMVÍDEO

História da Farmácia

Os anestésicos, o éter e o clorofórmio no séc XVIII são uma etapa importantíssima pois permitiram a realização de cirurgias sem dor

A insulina é uma das mais importantes, principalmente no controlo da diabetes A cortisona abriu a porta aos primeiros anti inflamatórios A penicilina, que abriu a porta aos antibióticos. Surgiu a estreptomicina, que contribuiu para o tratamento da tuberculose, que permitiu o encerramento dos sanatórios visto que o tratamento em ambulatório começa a resultar A clorpromazina, nos anos 50, abriu as portas aos antipsicóticos e a todos os medicamentos do foro psiquiátrico Para a questão industrial, o aparecimento dos comprimidos e injetáveis foram 2 etapas marcantes da história dos medicamentos Já existiam muitas formas farmacêuticas que declinam com a industrialização do medicamento. Assim como o declínio da profissão, também a qualidade do medicamento e os ensaios clínicos surgem a partir dos anos 50, havendo uma normalização da produção do medicamento

Que futuro prevê para o desenvolvimento da História da Farmácia?

Prevejo que a história da farmácia continue consolidada nas faculdades, está também a despertar o interesse por diversas entidades e instituições não farmacêuticas, sobretudo para períodos mais antigos, sendo referido que o interesse por essas áreas em alguns historiadores surgiu após leitura de alguns livros meus. Espero que se desenvolva nas faculdades e continue forte, sendo que esta área história, social, deontológica e ética tem grandes capacidades de investigação e grande utilidade do ponto de vista profissional e científico

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XII XIV
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TILRAYMEDICAL

dedica se a transformar vidas e a promover a dignidade dos doentes através do acesso seguro e fiável a um portfólio de diferentes formas farmacêuticas de canábis medicinal. De uma das primeiras empresas a tornar se produtora licenciada aprovada de canábis medicinal no Canadá, a Tilray construiu as suas primeiras instalações de produção de canábis medicinal com certificação na Europa, primeiro em Portugal e mais tarde na Alemanha. Atualmente, a Tilray Medical é um dos maiores fornecedores de canábis medicinal para doentes, médicos, hospitais, farmácias, investigadores e governos, em 20 países e nos 5 continentes.

Desde fevereiro de 2021 que a empresa está autorizada a disponibilizar aos doentes portugueses a primeira substância à base da planta da canábis para fins medicinais, em conformidade com a legislação portuguesa. A autorização de colocação no mercado foi emitida pelo INFARMED I.P. , cujo rigor é reconhecido internacionalmente

Pela primeira vez foi entregue um dossier completo de qualidade para obter a autorização de comercialização de uma substância à base da planta da canábis. A conclusão deste processo confirma os padrões de qualidade e segurança da produção da Tilray. A unidade de Produção da Tilray Portugal, situada em Cantanhede, está entre as mais avançadas do mundo, possuindo todas as certificações necessárias para cultivar e produzir localmente preparações e substâncias à base da planta da canábis para fins medicinais e exportar produtos acabados com a certificação de Boas Práticas de Fabrico de Medicamentos (GMP Good Manufacturing Practice). Este hub serve também como centro de apoio à investigação clínica da Tilray e aos esforços de desenvolvimento de produtos em toda a Europa.

A Tilray foi fundada no Canadá e mais tarde, construiu uma unidade de produção em Cantanhede. Porquê a escolha de Portugal para a construção desta unidade?

A escolha de Portugal foi feita com base no clima e na mão de obra qualificada, na tradição e conhecimentos nas áreas agrícolas e florestais, e na preparação do país em matéria legal.

E qual o papel do Farmacêutico na investigação desta planta?

O farmacêutico, enquanto profissional de saúde, tem um lugar privilegiado no estudo, investigação e desenvolvimento associado a substâncias e preparações à base da planta da canábis. Enquanto especialista do medicamento poderá participar como elemento de equipas de Research and Development (R&D) da Indústria Farmacêutica, nas suas várias vertentes, assim como numa perspetiva mais clínica, principalmente ao nível de ensaios clínicos e outros estudos nas farmácias hospitalares e comunitárias.

Quais as condições necessárias para garantir a produção de canábis medicinal?

As empresas que queiram cultivar, produzir, distribuir ou comercializar canábis para fins medicinais em Portugal, necessitam de uma licença emitida pela Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (INFARMED). Cada empresa tem de apresentar um pedido de autorização de colocação no mercado (ACM) para que possa começar a comercializar preparações e/ou substâncias à base da planta da canábis para fins medicinais.

Em 2021, a Tilray Medical recebeu autorização para disponibilizar aos doentes portugueses a primeira substância à base da planta da canábis para fins medicinais, em conformidade com a legislação portuguesa. Esta foi a primeira vez que foi exigido e entregue um dossier completo de qualidade para obter a autorização de comercialização de uma substância à base da planta da canábis. A conclusão deste processo confirma os padrões de qualidade e segurança da produção da Tilray.

60Inovação e Ciência

Quais as principais diferenças entre a Canábis Medicinal e a Canábis usada de forma recreativa?

Esta é sem dúvida uma excelente pergunta. Podem ler se e ouvir se inúmeras teorias acerca das diferenças entre canábis medicinal e canábis usada de forma recreativa. Talvez a principal tenha que ver com a concentração dos principais fitocanabinoides, delta9 tetrahidrocanabinol (THC) e canabidiol (CBD)

Criou se, erradamente, a ideia de que o CBD seria o composto mais interessante do ponto de vista clínico, e que por isso a canábis medicinal apenas contém este fitocanabinóide, ou pelo menos é predominantemente composta por ele, ao passo que a canábis de utilização recreativa deverá ter uma concentração superior em THC e inferior em CBD Esta é claramente uma ideia concebida com base em pressupostos incorretos.

Quer o THC quer o CBD apresentam atividade farmacológica, com interesse clínico, ainda que apresentem um perfil farmacológico distinto. É maioritariamente através da ação sobre o sistema endocanabinoide que ambos os compostos referidos exercem o seu efeito terapêutico É também verdade que ambos podem ter efeitos secundários e que o THC é o responsável pelo efeito psicotrópico através da sua ação nos recetores CB1 a nível cerebral, capaz de provocar a alteração de perceção procurada pelo utilizador recreativo da planta. Isso dependerá da quantidade ingerida e, claro está, da intenção de uso.

Assim, podemos dizer que as diferenças residem maioritariamente em 3 grandes áreas:

1

2.

3.

Rigor associado à produção da planta da canábis garantindo uniformização e consistência dos princípios ativos, como verificado para qualquer medicamento; Legislação que garanta a produção, distribuição, prescrição e correto uso; Intenção de uso.

Quanto ao primeiro ponto, a canábis para fins medicinais, como já falámos, é produzida de acordo com guidelines específicas e deverá respeitar por um lado as normas Good Agricultural and Collection Practice (GACP) e por outro GMP, garantindo que a substância administrada pelo doente não tem quaisquer produtos nocivos à sua saúde (ex. pesticidas, herbicidas, metais pesados,…) e que o produto adquirido nas farmácias após prescrição médica é sempre consistente quanto à concentração de princípios ativos

Relativamente à legislação, é certo que a administração de preparações e substância à base da planta da canábis para fins medicinais em Portugal é legal desde 2018, sendo que para que essa administração seja possível é preciso primeiramente que a indústria farmacêutica cumpra os requisitos do INFARMED na submissão dos dossiers, e o produto seja dessa forma aprovado Posteriormente, o mesmo terá de ser prescrito, de acordo também com as regras em vigor, ou seja, quando todas as outras opções terapêuticas foram ineficazes ou provocaram efeitos adversos relevantes, e nas indicações terapêuticas previamente aprovadas. Só após estas premissas estarem cumpridas, o médico poderá prescrever e o doente aceder ao produto apenas e só nas farmácias comunitárias.

Quanto à intenção de uso, começaríamos por citar Paracelso “todas as substâncias são venenos, não existe uma que não seja veneno A dose certa diferencia um veneno de um remédio”. É importante considerar que um doente que administra canábis para fins medicinais, fá lo porque necessita e não porque deseja. Cumpre uma posologia rigorosa, prescrita por um médico, assegurando que a concentração de princípio ativo ingerida seja a suficiente para exercer benefício terapêutico, minimizando possíveis efeitos secundários, entre os que afetam o sistema nervoso central. Por outro lado, quem procura canábis para fins recreativos fá lo por outros motivos.

61Inovação e Ciência

e Ciência

O INFARMED aprovou uma lista de indicações terapêuticas consideradas apropriadas para as preparações e substâncias à base da planta da canábis para fins medicinais, nos casos em que se determine que os tratamentos convencionais não produzem os efeitos esperados ou provocam efeitos adversos relevantes. Desta forma, em que situações se recorre à canábis medicinal e de que forma esta atua no organismo garantindo a homeostase do mesmo?

Os canabinóides encontrados na canábis interagem com o sistema endocanabinóide. O sistema endocanabinóide é um sistema de sinalização à base de lípidos que pode ser encontrado em todos os vertebrados, apresentando um papel fundamental na manutenção da homeostasia. Este sistema participa num vasto leque de processos fisiológicos, fisiopatológicos e psicológicos, com implicações no desenvolvimento do sistema nervoso, função imunitária, inflamação, apetite, metabolismo e energia, função cardiovascular, digestão, desenvolvimento ósseo e densidade óssea, aprendizagem e plasticidade de sinapses, nociceção, reprodução, comportamento psicomotor, memória, ciclos de sono, regulação do stress e estados emocionais.

O sistema endocanabinóide é constituído por ligandos endógenos, designados por endocanabinoides, sendo os principais a anandamida (AEA) e o 2 araquidonoilglicerol (2 AG), por enzimas responsáveis pelo anabolismo e catabolismo dos endocanabinóides e por recetores canabinóides, sendo os mais relevantes os recetores do tipo 1 (CB1) e do tipo 2 (CB2), ambos acoplados a proteínas G. Os CB1 encontram se maioritariamente no sistema nervoso central e os CB2 a nível do sistema imunitário, nomeadamente leucócitos e baço.

O THC é um agonista direto destes recetores e o CBD, com uma polifarmacologia mais extensa parece ser um modulador alostérico negativo dos recetores CB1, assim como um inibidor das FAAH (enzima metabolizadora de endocanabinóides). Pensa se que o efeito terapêutico da canábis para fins medicinais esteja maioritariamente assente na ação que estes dois compostos são capazes de exercer sobre estes recetores.

Em Portugal, a prescrição de preparações e substâncias à base da planta da canábis para fins medicinais apenas é admitida nos casos em que se determine que os tratamentos convencionais com medicamentos autorizados não estão a produzir os efeitos esperados ou provocam efeitos adversos relevantes e de acordo com as seguintes indicações terapêuticas, aprovadas pelo INFARMED, consideradas apropriadas para as preparações e substâncias à base da planta da canábis: espasticidade associada a esclerose múltipla ou lesões da espinal medula; náuseas ou vómitos (resultantes de quimioterapia, radioterapia e uma combinação de terapia para o VIH e medicação para a hepatite C); estimulação do apetite nos cuidados paliativos de doentes sujeitos a tratamentos oncológicos ou com SIDA; dor crónica (associada a doenças oncológicas ou ao sistema nervoso, como por exemplo na dor neuropática causada por lesão de um nervo, dor do membro fantasma, nevralgia do trigémeo ou após herpes zóster); síndrome de Gilles de la Tourette; epilepsia e tratamento de transtornos convulsivos graves na infância, como as síndromes de Dravet e de Lennox Gastaut, e glaucoma resistente à terapia

A única substância à base desta planta em Portugal é comercializada pela Tilray Medical. Em que consiste esta substância e quais as suas vantagens e desvantagens?

É uma substância de origem vegetal à base da planta da canábis para inalação por vaporização É constituída pela flor inteira e aparada da Cannabis sativa L , e apresenta a concentração de 18% em delta 9 tetrahidrocanabinol (THC) e inferior a 1% em canabidiol (CBD)

Uma das vantagens da administração por via inalatória tem que ver com as vantagens da própria absorção pulmonar, com um início de ação mais rápido quando comparado com a administração por via oral e a possibilidade de permitir uma absorção sistémica quando a via oral não é aconselhada ou não está patente Contudo, terá também a desvantagem de ter uma duração de ação mais curta, e de necessitar de um vaporizador e destreza na preparação e administração da terapêutica

62Inovação

Apesar do grande potencial terapêutico desta planta, no passado ano a nível nacional as vendas deste medicamento foram baixas. Pode isto estar relacionado com algum preconceito?

Como acontece no lançamento de qualquer nova classe terapêutica ou produto farmacêutico, existe sempre associado ao interesse e curiosidade uma atitude conservadora por parte dos profissionais de saúde e também por parte da população.

No que aos profissionais de saúde diz respeito, consideramos natural que exista algum desconhecimento, uma vez que os canabinóides não faziam parte do arsenal terapêutico para a maioria das indicações agora previstas.

Ainda antes da prática clínica, na maioria dos planos curriculares dos cursos de saúde, sejam ciências farmacêuticas, medicina ou enfermagem, os canabinóides não ocupam, na maioria das Universidade, um lugar relevante nos planos curriculares.

Para além disso, existem inevitavelmente outros constrangimentos, por vezes provocados pelos sistemas de prescrição, pelas licenças necessárias à distribuição das preparações e substâncias à base da planta da canábis medicinal e também relacionados com a sua dispensa em Farmácia Comunitária.

Todos estes aspetos são muitíssimo relevantes e sempre fizeram parte das nossas prioridades. Acreditamos que enquanto responsáveis pela comercialização deste fármaco, somos também responsáveis por garantir o menor número possível de constrangimentos que possam afetar o acesso da terapêutica a quem dela necessita.

Como temos vindo a defender, e à semelhança do que acontece sempre que é disponibilizado um novo produto farmacêutico, acreditamos que a formação de todos os profissionais de saúde que possam de forma direta ou indireta manusear estes produtos é fundamental para que os mesmos sejam utilizados com a máxima segurança e eficácia.

Quanto à população em geral, estamos também conscientes de que a canábis para fins medicinais pode ser algo potencialmente confuso e até preocupante. Sabemos que há muita informação pouco precisa, ou mesmo incorreta, acerca deste tema. Queremos contribuir para que a população em geral possa aceder a informação credível e gratuita para que possa de forma segura esclarecer potenciais dúvidas, ou simplesmente satisfazer o seu interesse sobre esta temática. Recentemente, lançámos a plataforma We Care, desenvolvida para se tornar no recurso mais fiável e completo da Internet para o esclarecimento de dúvidas sobre canábis medicinal. Esta é uma plataforma europeia, com conteúdos adaptados às realidades de diferentes países Atualmente, o seu conteúdo pode ser lido em português, francês, alemão e inglês

Sabemos que as preparações e substâncias à base da planta Canábis para fins medicinais são sujeitas a receita médica obrigatória e de venda exclusiva em Farmácia. Desta forma, qual o papel do farmacêutico na sua desmistificação?

Os farmacêuticos têm um papel essencial, como especialistas do medicamento, por um lado, e como profissionais de saúde próximos da população que servem, por outro As substâncias e preparações à base da planta da canábis têm o estigma associado à sua utilização recreativa Nesse sentido é muito importante o aconselhamento profissional dos farmacêuticos, garantindo que os doentes são propriamente seguidos, aconselhados e até acompanhados aquando da dispensa destes produtos

SABEMAIS

63Inovação e Ciência

Atualmente assistimos a uma “banalização” de produtos à base de canábis e a um crescente aparecimento de lojas destes produtos. De que forma isto pode ser prejudicial à saúde pública?

A utilização de qualquer produto à base de canábis, em contextos não previstos na legislação e sem controlo por parte das autoridades de saúde e económicas, deve ser evitado, dado que o controlo de qualidade dos mesmos não existe ou não está garantido. Existem várias publicações disponíveis na literatura internacional que comprovam a falta de qualidade dos produtos à base da planta da canábis quando estes se encontram disponíveis à margem da lei.

O INFARMED clarificou através de uma circular no passado dia 14 de fevereiro de 2022, que a canábis é classificada no território nacional como estupefaciente, encontrando-se incluída na tabela I-C, anexa ao Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro. Tendo em consideração este enquadramento, a utilização da planta da canábis para outros fins que não medicinais, à exceção da utilização de fibras (caules) e sementes de cânhamo é proibida. Adicionalmente, clarifica que as preparações à base da planta da canábis para fins medicinais estão sujeitas a autorização de colocação no mercado, sendo classificadas quanto à sua dispensa, como sujeitos a receita médica especial.

Assim sendo, e passando a citar: “Nos termos do disposto no Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, Decreto-Regulamentar n.º 61/94, de 12 de outubro, e no caso particular da planta da canábis, no Decreto-lei n.º 8/2019, de 15 de janeiro, e Portaria n.º 83/2021, de 15 de abril, compete ao INFARMED, I.P. autorizar o exercício de atividade de cultivo, fabrico, comércio por grosso, importação e exportação de medicamentos, preparações e substâncias à base da planta da canábis, única e exclusivamente para fins medicinais, médico-veterinários e de investigação científica, independentemente do teor em THC.”.

Tendo em consideração o acima disposto, a venda de produtos não autorizados poderá sempre comprometer a saúde pública, quer pela falta de controlo de qualidade, quer pelas alegações a determinados benefícios terapêuticas e incentivos à administração de produtos com alegada ação terapêutica fora dos locais apropriados – farmácia – e sem qualquer tipo de supervisão médica, não sendo estes considerados suplementos alimentares.

Concluindo, quais os projetos futuros da Tilray?

Em 5 palavras porque devemos investir na investigação desta planta?

Em pouco mais de 5 palavras, a geração de evidência é essencial para a evolução da ciência.

Acreditamos que as soluções terapêuticas que desenvolvemos podem contribuir para a melhoria da qualidade de vida de muitos doentes em todo o mundo, e esse é o nosso estímulo para a criação de projetos futuros Vamos continuar a estar presentes em Portugal e esperamos, no futuro, tornar outros produtos acessíveis aos doentes. As exigências dos doentes estão a aumentar e a nossa missão é disponibilizar os produtos mais seguros e de melhor qualidade que satisfaçam ao máximo as suas necessidades.

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CANÁBISMEDICINAL

Dr. Artur Aguiar

Médico, Assistente Hospitalar de Radioncologia no IPO Porto desde 2015 e pós graduado em Medicina da Dor pela FMUP, desenvolve atividade especializada no tratamento da dor em unidade dedicada Integra o conselho científico do Observatório Português de Canábis Medicinal (OPCM) desde a sua fundação Conta com formação específica nesta área, como o Clinical Cannabinoid Medicine Curriculum pela Society of Cannabis Clinicians de 2019, tendo múltiplas participações como formador e palestrante convidado em eventos científicos sob o tema da canábis medicinal em Portugal Conta também com diversas publicações em revistas indexadas em oncologia, tendo sido investigador em diversos ensaios clínicos

Começando pelo início, o que o levou a ingressar no Curso de Medicina e posteriormente a realizar uma pós graduação em Medicina da Dor?

Foi já há quase 20 anos que ingressei no curso de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, atual Nova Medical School, e os motivos que me levaram a escolher o curso não foram diferentes dos que levam a maioria dos futuros estudantes de Medicina a aproximar se desta área. Motivou me explorar uma vocação muito própria e especial que era tentar ajudar a pessoa doente a mitigar ou resolver a sua doença, com humanidade e suporte científico.

Foi mais tarde, já na fase do internato da especialidade, que percebi que a dor crónica era extremamente prevalente, quer na minha consulta quer na população em geral. Este fenómeno, que ainda hoje se debate se é um sintoma ou uma doença (podendo muitas vezes até descrever se em simultâneo) tem um efeito nefasto na saúde, qualidade de vida e função do indivíduo e traz também um impacto socioeconómico muito pesado. Por se tratar de um problema com múltiplas causas, diversas formas de tratamento e, muitas vezes, não suficientemente valorizado pelos profissionais de saúde, procurei formação especializada e certificada que me habilitasse a geri lo de uma melhor forma, através da pós graduação

Ao analisar o seu percurso profissional percebemos que tem um enorme interesse na área da Canábis Medicinal. O que suscitou este interesse?

A canábis foi talvez o primeiro analgésico a ser utilizado e medicamente documentado, historicamente falando Torna se interessante perceber que a sua utilização para a dor e outras patologias foi comum a vários povos e culturas espalhados pelo mundo, desde os primeiros povos da China (sensivelmente 2.300 anos antes de Cristo), atravessando outras civilizações, como as do Antigo Egipto, Mesopotâmia, o Império Romano, até ao mundo ocidental contemporâneo

Só este pequeno grande facto deverá justificar a "obrigação" da ciência em tentar perceber, explicar e até aperfeiçoar a utilização da planta canábis sativa e dos seus derivados, como analgésicos e tratamento de outras patologias.

O facto de milhões de pessoas por todo o mundo recorrerem a esta substância para melhorar a sua qualidade de vida e tratarem alguns dos seus problemas, mesmo sob um clima generalizado de proibição e estigmatização (que começa a ser ultrapassado), foi o principal motivo que me levou a estudar e debruçar sobre esta temática Surpreendeu me a quantidade de informação válida, pré clínica e clínica que surgiu nestas últimas décadas e que tem aumentado quase exponencialmente.

De que forma atua a Canábis Medicinal no Organismo no caso da Dor Crónica?

Foi precisamente nas últimas décadas que se descobriu o sistema endocanabinoide Trata se de um sistema complexo, amplamente distribuído pelo nosso organismo, com particular expressão no sistema nervoso e imunitário. Todos os animais (excluindo se o filo dos protozoários e dos insetos) têm um sistema endocanabinoide que os acompanha há milhões de anos, e a sua função até agora conhecida consiste na regulação homeostática a múltiplos níveis

Esta descoberta partiu do estudo de alguns constituintes da planta canábis sativa, os fitocanabinoides, que se assemelham de uma forma muito curiosa e até única na natureza, aos canabinoides que o nosso organismo produz, os endocanabinoides. São estas substâncias que vão regular o funcionamento do sistema endocanabinoide Assim, associadas à planta canábis e seus derivados poderemos observar propriedades medicinais analgésicas, anti inflamatórias, antieméticas, anticonvulsivantes entre outras por atuação direta em funções em que o sistema endocabinoide participa como a neurotransmissão e regulação da dor, a regulação da inflamação e do apetite, do metabolismo, sono e do humor, da função cardiovascular e gastrointestinal, até à função endócrina

No caso da dor crónica, que é aliás o principal motivo global de utilização de canábis medicinal, sabe se hoje que esta substância tem um papel analgésico a vários níveis da transmissão da dor, desde os nociceptores superficiais até ao processamento central cerebral do estímulo nóxico, mas poderá ser a nível central em que este efeito é mais notório quer na gestão emocional da dor quer na regulação da via descendente inibitória, daí uma das principais indicações clínicas ser a dor com componente neuropático

65Inovação e Ciência

Para além do uso desta planta na dor crónica, quais são as outras patologias em que esta pode ser usada?

O INFARMED aprovou 7 indicações terapêuticas para as quais estão previstas a utilização da canábis e dos seus derivados Apesar de atualmente a prescrição estar limitada a estas indicações clínicas é minha convicção que a breve prazo esta possa ser alargada, atendendo à evidência clínica cada vez mais relevante em outras patologias como a insónia, o síndrome de ansiedade generalizada, perturbações do espectro do autismo, entre outros.

Em que situações a Terapêutica de um doente pode passar pela Canábis Medicinal e quais as vantagens do uso da mesma?

As vantagens prendem se com as diferentes características desta substância e dos seus derivados São possíveis várias formas de administração (oral, oro mucosa, inalada, etc.), que podem ter impacto, por exemplo, na duração de ação Também a possibilidade de prescrever produtos com concentrações diferentes dos vários canabinoides e até de outros constituintes, como os terpenos e os flavonoides, permitirá uma seleção do seu efeito terapêutico, mais personalizado a cada doente e a cada doença Se cumpridas as regras básicas de prescrição, estamos a lidar com substâncias extremamente seguras e com elevadas taxas de adesão por parte dos doentes

Enquanto médico, qual a sua opinião sobre a terapia à base desta planta?

A minha opinião vai de encontro aqueles que são os dados de adesão terapêutica e segurança que se tem verificado um pouco por todo o mundo, e que são elevados

A canábis medicinal, apesar das suas vantagens, não é um remédio para tudo e para todos. Existem evidentemente casos em que não funciona e outros em que a substância não será tão bem tolerada pelo doente, à semelhança de outras classes farmacológicas O desafio prende se em identificar os doentes que poderão beneficiar destes medicamentos e motivar e formar os profissionais de saúde, desde os médicos, enfermeiros e farmacêuticos para que se evitem erros na instituição terapêutica e no acompanhamento destes doentes.

Através da sua experiência profissional, a Canábis Medicinal pode melhorar a qualidade de vida de um doente e dos cuidadores?

Tenho tido particular experiência quer no doente oncológico quer no doente com dor crónica. E aqui, tal como se tem verificado nos estudos mais recentes nestas patologias, o impacto na qualidade de vida é importantíssimo de ser avaliado.

Existem já estudos prospetivos que avaliam o impacto da utilização de canabinoides na melhoria da qualidade de vida em variáveis como o sono, a performance em tarefas de vida diária e até na capacidade em readquirir competências sociais. Na sua globalidade têm sido positivos, a canábis medicinal tem mostrado essa característica de endereçar não só o tratamento da patologia principal, mas também a melhoria global da qualidade de vida. Também têm sido debatidos dados muito interessantes que refletem uma tendência para a redução de outras co medicações, como analgésicos opióides, benzodiazepinas e antidepressivos, mas aguardamos mais e melhores dados clínicos, faltam ainda dados que substanciem estas conclusões de forma mais robusta

Apesar do elevado potencial terapêutico desta planta, em Portugal ainda se sente algum preconceito em relação a isto. Ao longo da sua carreira, alguma vez o sentiu quando prescreveu esta terapêutica? Qual o papel do médico na desmistificação deste conceito?

O preconceito que tenho sentido muitas vezes é mais do nosso lado (profissionais de saúde) Entristece me ver um colega que não prescreva por não estar informado e não o pretenda fazer, e não o colega que não o faça por receio de efeitos indesejáveis, dúvidas sobre contraindicações ou potenciais interações medicamentosas, o que é perfeitamente lícito Ainda hoje me surpreende a quantidade de doentes que por sua iniciativa questionam se podem recorrer à canábis medicinal, que são cada vez mais Apesar de ainda existir, principalmente entre os mais velhos, o preconceito social normalmente esbate se quando o doente mais precisa

O papel do médico e da equipa da saúde é acima de tudo tranquilizar o doente relativamente à terapêutica e informá lo corretamente A gestão das expectativas é fundamental, assim como o cumprimento de um plano de seguimento adequado para as primeiras tomas.

Concluindo, como é que os profissionais de saúde se podem capacitar tendo em conta o possível aumento da utilização desta terapia?

Lembro me perfeitamente que na faculdade de Medicina pouco ou nada toquei no tema da canabinoides ou do estudo do sistema endocanabinoide Torna se fundamental lecionar esta matéria nas escolas médicas.

Os milhões de doentes por todo o mundo que a consomem atualmente e a atual evidência clínica assim o exigem Não deveremos deixar estes doentes desinformados e na opção da automedicação recorrendo muitas vezes ao mercado recreativo, ilegal ou não regulado, pelas razões que são evidentes

A formação académica poderá procurar se em países com mais recuo naquilo que é a prescrição e oferta destes medicamentos, mas será fundamental o caminho do estudo pessoal recorrendo à literatura existente e publicações científicas mais relevantes nesta área

"Acanábis medicinal,apesar dassuasvantagens, nãoéumremédio paratudoepara todos." 66Inovação e Ciência

ProfessorFélixDiasCarvalhoeo DilemadaEpigenética

Natural de Santo Tirso, escolheu a Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto para dar os primeiros passos naquela que se revelou uma longa e inspiradora carreira na área da toxicologia. Começou pela licenciatura em Ciências Farmacêuticas, seguindo-se o doutoramento em Toxicologia. Atualmente, assume as funções de Professor Catedrático de Toxicologia, responsável do Laboratório de Toxicologia e Presidente do Conselho Científico da FFUP. Entre outros cargos, destacam-se atualmente o de Presidente da EUROTOX (Associação de Toxicologistas Europeus e Sociedades Europeias de Toxicologia), Membro do Comité de Avaliação dos Medicamentos da Autoridade Nacional dos Medicamentos e Produtos de Saúde, I.P. (INFARMED), Membro do conselho editorial de múltiplas revistas científicas e, desde de fevereiro do ano corrente, presidente da Secção Regional Norte da Ordem dos Farmacêuticos (OFNorte) para o triénio 2022-2024.

Após tantos projetos já abraçados, quer a nível do ensino, da farmácia hospitalar, do controlo de qualidade e ainda na área regulamentar, a presidência da OF Norte era a peça que faltava?

Em primeiro lugar deixo o meu agradecimento por esta entrevista, é uma oportunidade que eu considero importante para apresentar alguns pontos de vista, nomeadamente no que diz respeito a questões do setor farmacêutico e também da epigenética – uma área abrangente e muito importante que dará que falar num futuro próximo, a meu ver. Relativamente a este desafio que tenho neste momento na Ordem dos Farmacêuticos, eu encaro-o como algo complementar à minha carreira. É um desafio de grande responsabilidade que eu abracei com grande entusiasmo e empenho que me permite fazer um pouco mais do que tenho feito. Eu tenho participado essencialmente na formação dos farmacêuticos, nunca deixando de estar atento às questões da carreira, mas agora este novo cargo permite-me estar mais próximo e dar um contributo que eu considero diferente e diferenciado para a classe farmacêutica, que precisa de um grande apoio no que respeita àquilo que é um bom desenvolvimento da sua carreira e também os upgrades que necessitam para que esse desenvolvimento se faça de forma harmoniosa.

67Inovação e Ciência

Relacionado com esta maior proximidade com os farmacêuticos, o que considera fulcral implementar/alterar no desempenho da prática profissional do farmacêutico durante o presente mandato?

Há vários aspetos que têm que ser sempre melhorados, isto é um processo contínuo. No entanto, neste momento o que me preocupa é a questão do reconhecimento do papel do farmacêutico. Considero que tem que haver maior reconhecimento para que todas as condições que o farmacêutico necessita para dar um exponencial às suas capacidades e conhecimento sejam implementadas, o que nem sempre tem acontecido. Estamos a falar do farmacêutico de oficina, do farmacêutico hospitalar, de análises clínicas, genética humana, da indústria, da distribuição, etc. Grande parte destes farmacêuticos já executam um papel fundamental em todo o processo do medicamento que muitas vezes não é visível e esta falta de visibilidade para a comunidade em geral leva muitas vezes a uma dificuldade no reconhecimento que o farmacêutico merece na sociedade. É necessário que se demonstre esse potencial, esse papel do farmacêutico, porque a partir daí, aquilo que tem sido recorrente nas queixas dos colegas, a falta de condições, poderá ser resolvido. Falta de condições nomeadamente a nível da necessidade de recrutamento de mais colegas, a questão das carreiras farmacêuticas, a questão da possibilidade de acesso aos dados clínicos, de um maior empenho e envolvimento na consulta farmacêutica, vários aspetos da validação farmacêutica, da reconciliação terapêutica – todos são chavões extremamente importantes naquilo que é o ato farmacêutico, que, no meu ponto de vista, os farmacêuticos ainda não têm tido a oportunidade de executar na sua plenitude, porque as condições muitas vezes não estão a ser devidamente fornecidas. Muitas vezes o que o farmacêutico precisa é tempo, e o tempo só é possível se existir uma quantidade de farmacêuticos suficiente para que o tempo exista, evitando que as pessoas façam só as tarefas urgentes, impedindo-se que os conhecimentos – que são muitos (eu tenho noção que nas Faculdades de Farmácia os conhecimentos transmitidos aos farmacêuticos são únicos, de extrema importância e o farmacêutico quer utilizá-los!) – sejam colocados em prática.

e Ciência68

Visto que mencionou os conhecimentos que nos são transmitidos na Faculdade e também face à sua inegável paixão pela área da toxicologia: é este um domínio em que o farmacêutico deveria ter um papel mais ativo, nomeadamente ao nível do controlo da problemática das adições?

Primeiro, na parte da toxicologia e dos efeitos adversos dos medicamentos. Nos ensaios pré clínicos de novos medicamentos que são colocados no mercado a avaliação toxicológica tem um papel extremamente importante. A toxicologia da administração repetida, anginotoxicidade, a toxicidade reprodutiva, etc. são áreas da maior importância, que depois são refletidas no Resumo das Características do Medicamento (RCM), e o farmacêutico tem esses conhecimentos, essas bases e é outro aspeto do qual nos podemos orgulhar, uma vez que os Mestrados Integrados em Ciências Farmacêuticas são dos poucos que têm unidades curriculares de toxicologia. Portanto, o farmacêutico tem esta capacidade de no aconselhamento que faz estar atento às questões de toxicologia e perceber os efeitos adversos que estão a ocorrer, as interações também, a farmacocinética que também é um aspeto único no conhecimento dos farmacêuticos E aquilo que me pergunta em relação às adições é também muito relevante, não só no que diz respeito às drogas clássicas, mas também para as adições a medicamentos com efeitos psicoativos e aqui é importante que se perceba que todos os novos medicamentos colocados no mercado têm que passar por uma avaliação do efeito psicoativo e também do efeito aditivo Se existir efeito aditivo, este tem que constar no RCM e o farmacêutico é o que está em melhor posição para perceber se o medicamento que está a ser administrado está a originar adição, um fenómeno de tolerância, sendo necessária cada vez mais quantidade de medicamente para obter o efeito e também para perceber se há um momento em que o doente necessita de uma “ajuda” adicional ninguém melhor do que o farmacêutico para perceber estes aspetos Relativamente às drogas clássicas, também aqui o farmacêutico tem a possibilidade de ajudar muito no aconselhamento e mais uma vez é, então, importante que seja permitido ao farmacêutico o tempo para que a própria consulta farmacêutica se possa fazer de forma digna Há aqui uma mudança de paradigma que nós temos que fazer para o futuro em que a consulta farmacêutica seja feita na sua plenitude e que seja valorizada

O nosso Bastonário tem falado frequentemente acerca disso e é um ponto em que eu o apoio incondicionalmente, assim como outros, mas este de facto parece me muito importante. Temos que melhorar muito aquilo que é a consulta farmacêutica e não pedimos muito: que seja valorizada, reconhecida e que seja dado tempo para o efeito.

Continuando no tópico das adições, em janeiro dinamizou uma conferência no âmbito da sensibilização para os efeitos da Canábis intitulada: “EPIGENÉTICA DAS ADIÇÕES: Uma oportunidade terapêutica e uma maldição para as gerações seguintes". Em que ponto se encontra a investigação nesta área e quais os avanços mais promissores na mesma?

É necessário que eu faça aqui um pequeno enquadramento e até colocar a e epigenética de uma forma mais “alargada”, porque tem um alcance incrível neste momento na investigação A epigenética tem a ver com a modificação do nosso genoma mas sem haver uma alteração do código genético e é importante que se perceba que existe, ainda no período pré natal e depois período pós natal, uma constante evolução do epigenoma Há modificações, como metilações, seja das histonas, seja do DNA, formação de RNA não codificante, que modificam a resposta do nosso código genético aos fatores de transcrição que estão no interior das células e essas respostas vão se modificando e é assim que temos a nossa evolução

69Inovação e Ciência

Se existirem durante essas reprogramações interferências nesse processo de interação do epigenoma com o genoma podemos ter efeitos irreversíveis e é por isso que nós nos preocupámos tanto com a exposição numa fase ainda muito precoce e quando falo em fase muito precoce, falo por exemplo até à adolescência, os agentes tóxicos e as drogas podem originar modificações permanentes que nós sabemos que podem ser transmitidas às gerações seguintes. E é curioso verificar que muitas vezes aquilo que nós temos como fatores ambientais que modificam o genoma ou que levam a questões de epigenética depois, originam algo relativamente diferente, mas no mesmo sentido e eu vou explicar melhor Imaginemos um fenómeno de adição, neste caso uma dependência de tabaco, esta dependência pode se transformar na descendência numa dependência a heroína, por exemplo, ou seja, não tem que ser de tabaco, mas sim está presente aquela tendência para adição que depois se pode manter Mas como eu referi, esta questão vai muito para além das drogas, existe também interferência a nível do desenvolvimento do cancro, doenças neurodegenerativas, a diabetes, doenças cardiovasculares que estão fortemente relacionadas com a epigenética Deste modo, existem diversos estudos a serem realizados no sentido de perceber como é que a epigenética origina essas doenças Além disso, no âmbito do envelhecimento existem modificações epigenéticas que levam ao conceito denominado de “relógio da vida” Percebendo se o trabalho nesse sentido e as modificações epigenéticas consegue se constatar se a pessoa vai ter uma maior ou menor longevidade, se vai ter o desenvolvimento de um tumor ou não Portanto nós estamos, eu diria, numa nova abordagem também na parte do tratamento, ou seja, relativamente às adições há este efeito que pode ser passado para as gerações seguintes, mas há também outro aspeto que é de grande relevância que é perceber se porque é que alguém começa a consumir uma droga e ao fim de algum tempo de consumo desenvolve uma dependência Anteriormente não se percebia bem porque é que as dependências não desapareciam quando havia a paragem do consumo da droga e atualmente nós sabemos que são as modificações epigenéticas que são permanentes, isto quer dizer, não há retornos que levam a que essa adição se mantenha, e a epigenética tem tido um papel neste aspeto São, portanto, áreas novas que têm implicações importantes nos biomarcadores de exposição a agentes tóxicos e às drogas, mas também nos permitirão desenvolver novos medicamentos, novas metodologias, para evitarmos esses efeitos

Como referiu anteriormente, existe um comportamento aditivo e esse mesmo pode também surgir de uma vertente hereditária, que é transmitido às próximas gerações. Neste sentido, de que forma é que o estudo da epigenética alterou a visão sobre a toxicodependência?

Exatamente. É preciso ter em conta que a epigenética e a genética não explicam tudo, mas permitem perceber melhor porque é que de entre todos os que consomem substâncias psicoativas, apenas dez a vinte por cento desenvolvem dependência. Provavelmente essas pessoas terão maior suscetibilidade para o desenvolvimento das adições porque os mecanismos epigenéticos estão mais ativados por exemplo e, para esses, é necessário um tipo de tratamento especial para que se possa resolver essas questões. Portanto, aqui é importante percebermos os mecanismos da adição, e a epigenética é um aspeto novo que temos de ter em conta porque até ao momento, o tratamento das adições nunca passou pela epigenética e estamos agora a começar a pensar no assunto com muita atenção, mas eu penso que é um promissor futuro nesse aspeto

70Inovação e Ciência

Perspetiva que seja possível instaurar algum tratamento, preventivo ou corretivo, baseado no estudo da epigenética, aplicável a indivíduos hereditariamente mais suscetíveis a adições?

É engraçado porque aqui podemos fazer as coisas de duas formas, com medicamentos ou com comportamentos. Na primeira abordagem, com medicamentos nós já sabemos até dos estudos que estão feitos naquelas áreas que referi anteriormente nas doenças cardiovasculares, no cancro, na diabetes, doenças neurodegenerativas, que existem já ensaios clínicos a serem realizados com medicamentos capazes de evitar a Metilação do DNA ou evitar até inibidores da desacetilação das Histonas que são dois componentes da epigenética, no sentido de se evitarem as doenças que referi, e começa se a pensar em aplicar esse tipo de medicamentos também no caso das adições Existem estudos que estão já a decorrer, inclusivamente em animais de laboratório, em que já se demonstrou que esse tipo de inibidores, por exemplo, previnem o consumo de cocaína em animais de laboratório e, portanto, temos aqui algum espaço muito interessante Adicionalmente, já se conhecem alguns compostos que nós consumimos no nosso dia a dia que têm um efeito benéfico a esse nível, como as vitaminas do grupo das vitaminas B (Tiamina, o ácido fólico), polifenóis, a colina, certos compostos que estão a ser testados também no sentido de se evitarem não só aquelas doenças que referi, mas também no caso da dependência Um outro aspeto que eu acho que ainda é mais interessante que é o do estilo de vida que tem um efeito protetor em termos da epigenética “má” e sabe se que há pessoas que são mais resilientes às adições, como o consumo de álcool ou ao consumo de drogas etc , mesmo que experimentem O que se está a verificar é que essa resiliência pode ter muito a ver com o estilo de vida, como o facto de praticarem desporto, terem uma vida mais alegre, terem uma família onde as pessoas se sintam perfeitamente integradas e felizes, tudo que possa dar felicidade tem um efeito benéfico relativamente aos efeitos negativos da epigenética, logo uma forma de evitarmos ou de prevenirmos o cancro, doenças cardiovasculares, doenças neurodegenerativas, a diabetes, é entrarmos pela área da felicidade. Sejamos felizes.

Por fim, visto que a epigenética é uma área promissora em grande expansão e conscientes dos benefícios que esta traz, quais são as ameaças inerentes?

As ameaças são algumas que eu já referi, ou seja, a possibilidade de a nível ambiental sermos expostos a compostos que possam originar modificações no nosso epigenoma que originem doenças. Eu dou só um exemplo. sabe se que o Bisfenol A foi durante muito tempo utilizado como componente dos plásticos inclusivamente dos biberões, e agora não é permitida a sua utilização porque se chegou à conclusão que tinha um efeito desregulador endócrino. Para além disto, um dos efeitos que agora se reconhece para este composto é o facto do mesmo metilar determinadas zonas do DNA responsáveis pelos fatores de inscrição que ativam as zonas hormonais, fatores hormonais que levam depois ao cancro da próstata Portanto há aqui uma correlação entre Bisfenol A e a utilização em alguns materiais plásticos pois existe um efeito epigenético que pode levar ao desenvolvimento de cancro da próstata Isto aplica se também a outros agentes como o mercúrio e a outros agentes tóxicos que nós contactamos diariamente que poderão ter este efeito epigenético No futuro, os farmacêuticos cá estarão para dar o seu contributo com o seu papel importantíssimo na sociedade, primeiro no desenvolvimento dos medicamentos e depois na sua distribuição e no aconselhamento que fazem às populações, e um dos conselhos de facto que me parece importante e que não envolve medicamentos é contribuirmos para a resiliência das pessoas e a melhor forma de resiliência é sem dúvida a felicidade Termino dando conta de um trabalho que foi realizado há algum tempo atrás, no século passado, muito interessante, com animais de laboratório que estavam com um paradigma de adição O estudo consistia numa gaiola onde os animais não tinham nada com que se entreter e noutra tinham vários brinquedos como rodas, locais para se esconder, e papel higiénico para brincarem E no mesmo paradigma da adição aqueles que tinham uma vida mais feliz porque tinham os brinquedos e onde pudessem socializar praticamente não desenvolviam dependência, enquanto os outros que não tinham nada para se entreterem desenvolviam dependência. Este fenómeno por si só deve nos dizer muito relativamente à resiliência que pode ser conseguida até por via não medicamentosa.

71Inovação e Ciência

Associativismo Juvenil

A SSOCIATIVISMOJUVENILCOMO

O

E RRAMENTADEDINAMIZAÇÃO

F

D A ATIVIDADEFARMACÊUTICA

O associativismo revelado um importante fator de desenvolvimento pessoal e social para nós jovens e provoca uma verdadeira sensibilização e consciencialização para a importância da nossa participação na sociedade.

Gabriel Branco,

aluno do quinto ano do Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, tem já um percurso marcado pela participação Cívica e Associativa. Na Associação dos Estudantes da FFUL, foi IPSF Contact Person, Local Exchange Officer e Dirigente do Departamento de Relações Internacionais em 2020, e Vice Presidente em 2021. Na International Pharmaceutical Students’ Federation (IPSF) foi Chairperson do IPSF EuRO Trainers Development Camp 2021. Na European Pharmaceutical Students’ Association (EPSA), após ser Parliamentarian em 2021/2022, acaba de ser eleito como Presidente, no Porto, durante a 63rd General Assembly, que ocorreu entre os dias 9 e 13 de maio.

Apesar de ainda muito jovem, já tens um extenso currículo no mundo do associativismo. Como e quando surgiu o interesse pelo associativismo?

Eu diria que o interesse começou logo no primeiro ano da faculdade, quando entrei no grupo de teatro Não me candidatei a nenhum cargo da AEFFUL, não fui a muitos eventos, não participei muito no mundo associativo em geral, mas entrei no grupo de teatro, que apesar de não parecer muito relacionado com o associativismo, foi aquilo que despoletou todo o meu interesse. O nosso grupo de teatro é um núcleo da Associação dos Estudantes da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa Através desta ligação à AEFFUL, fui começando a conhecer pessoas e à medida que me fui dando a conhecer, os meus interesses também transpareceram, nomeadamente o que tenho pelo mundo internacional que já me acompanha desde antes da faculdade. Depois, as oportunidades foram surgindo

A EPSA representa mais de 100 mil estudantes de farmácia através de 42 associações membro de 36 países europeus. Em que fase do teu percurso a EPSA despertou a tua atenção e por que razão?

Apenas ouvi falar da EPSA quando fui convidado para integrar o Departamento de Relações Internacionais da AEFFUL pela primeira vez. Tive de estudar a estrutura para me preparar, e gostei imenso daquilo que comecei a aprender. Depois, quando fui dirigente do Departamento de Relações Internacionais da AEFFUL, o contato com a EPSA foi muito maior. Estive presente nas assembleias gerais, embora via online, fui conhecendo a organização interna da associação e eventualmente soube que queria fazer parte. Nas minhas candidaturas e nos meus relatótios, quando explico como começou o meu percurso na EPSA, digo sempre que o meu primeiro contato foi no aeroporto, quando fui lá para receber um amigo da faculdade em nada relacionado com um evento internacional e nos cruzámos com toda a malta que estava a chegar de um evento da EPSA. Por muitos documentos que tenha lido antes, o verdadeiro “bichinho” despertou aí

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O associativismo juvenil tem se reinventado para dar resposta às necessidades, objetivos e interesses dos jovens. Assim sendo, quais os teus principais objetivos, enquanto Presidente da EPSA?

Por acaso fico feliz que tenhas mencionado a reinvenção, porque sinto que nesta altura, especialmente após os confinamentos, a abertura para crescer é ainda maior Temos quase uma página em branco e nela a oportunidade de reconstruir a associação.

Tal como o paradigma mudou um pouco, invariavelmente as necessidades dos estudantes mudaram também e sinto que o meu maior objetivo é mesmo corresponder a essas necessidades. Neste momento, temos alguns procedimentos internos a decorrer para avaliar pontos a melhorar na nossa estrutura Além disso, temos estado a investir em novas colaborações externas, mesmo para este fim, e gostava de deixar a minha marca desta maneira, numa EPSA adaptada às necessidades atuais.

Associativismo

percebi que é de extrema importância o farmacêutico estar presente, independentemente da área em que exerce a atividade, para poder representar a sua visão, de forma a que esta seja refletida e tida em conta nos processos de tomada de decisão. A meu ver, é responsabilidade dos profissionais de saúde e dos representantes das profissionais de saúde advogar pelas suas necessidades e até mesmo pelas dos pacientes em conjunto com os representantes dos mesmos.

Não mudamos o mundo apenas olhando para ele, mas sim pela forma que escolhemos viver nele. Que papel achas que nós, farmacêuticos, podemos ter no ramo do associativismo?

Este ano, tive a oportunidade de estagiar durante o ano inteiro com o PGEU, o Pharmaceutical Group of the European Union, que representa farmacêuticos comunitários a nível europeu. Se houve algo que esta experiência me ensinou foi mesmo que se nós não estivermos lá para representar a visão dos farmacêuticos, ninguém está e muitas vezes esta é uma visão que que faz falta a nível profissional. Eu tive mais contacto com o processo legislativo europeu e com a forma que os farmacêuticos e representantes dos farmacêuticos atuam neste nível para influenciar decisões e para influenciar a leis que são aprovadas. Através desse contacto e daquilo que experienciei no associativismo internacional e nacional,

Sendo o movimento associativo jovem também um processo educativo, quais são, na tua opinião, as competências pessoais e profissionais adquiridas através do associativismo que são fundamentais para nós jovens farmacêuticos?

Considero que é uma atividade que nos permite crescer muito. Sinto que o crescimento, para mim, foi diferente nas várias associações em que estive envolvido. Na AEFFUL, no associativismo local, há maior ligação com as pessoas. Trabalhar em conjunto para organizar eventos presenciais enormes, permite nos desenvolver muito essa parte, porque há um contato diário com as pessoas. Houve alturas em que estava das 8 da manhã à meia-noite na faculdade Na EPSA, sinto que é um ambiente um pouco mais profissional e mais distante porque só nos vemos cerca de 6 vezes por ano, se tudo correr bem, sendo que com a pandemia do COVID 19 tem sido ainda menos Aí, diria que desenvolvi muito, por exemplo, a minha cultural awareness Algo que creio ser comum a qualquer estrutura, principalmente a nível das soft skills , como liderança e trabalho de equipa, é o facto de que se cresce imenso com o associativismo.

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Juvenil

Associativismo Juvenil

A intervenção dos jovens na sociedade é muitas vezes posta em causa e vista como desajustada. Qual é, na tua opinião, a maior lacuna no associativismo nacional e internacional nos dias de hoje?

A maior lacuna eu diria que é sem dúvida a representatividade Experienciei isto em todas as associações em que estive, mas também com todas as associações com que me envolvi que foram bastantes mais, tanto a nível de Lisboa, a nível nacional, a nível europeu e até a nível internacional. O problema maior é sempre a representatividade. Normalmente há 20 pessoas numa associação, a falar em nome da associação e em nome dos milhares de estudantes que representam, mas desses estudantes que representam, talvez só 30, com sorte, é que estão a dar a sua opinião. Penso que por vezes se criam barreiras à entrada das pessoas no mundo do associativismo. Nós, as pessoas que já estão dentro do associativismo, gostamos muito de regulamentos e eu que o diga, sendo que o meu primeiro ano na EPSA foi só focado em regulamento atrás de regulamento No entanto, por vezes, quando há uma estrutura já muito definida que é preciso compreender para entrar, torna se difícil para as pessoas se interessarem. Creio que tem de se encontrar um equilíbrio entre a estrutura e a dificuldade de acesso. Considero também que a criação de níveis de acesso também ajuda ao envolvimento dos jovens. Por exemplo, na AEFFUL criaram se os membros já há alguns anos e ser membro tornou se quase uma stepping stone para os cargos de dirigente Além disso, temos também comissões para diferentes eventos. Haver estas diferentes oportunidades de maior e menor envolvimento na associação faz com que mais pessoas se envolvam. É preciso ir atrás dos estudantes às vezes, mesmo que eles não queiram dar a sua opinião, ou que sintam que não têm opinião para dar. É preciso andar na faculdade, ou andar na Internet, para casos internacionais ou nacionais, à procura dos estudantes e a pedir lhes a opinião deles, mostrar lhes que importa.

Para terminar, que conselhos darias aos estudantes que começam agora a descobrir o “mundo” do associativismo e dão os seus primeiros passos na afirmação e empoderamento da sua voz na sociedade?

Acho que o que eu diria é que se virem algo que gostam para arriscarem. Muitas coisas que possam até nem ser diretamente relacionadas com o associativismo podem vir a abrir uma porta, como o exemplo que dei do grupo de teatro Se alguém vos vir a fazer o que gostam provavelmente vai ver vos a fazer algo bem, porque normalmente fazemos sempre melhor aquilo que gostamos e as oportunidades vão surgir. Diria também para não haver medo de falhar porque falhar faz parte e pode sempre acontecer. Nas minhas primeiras eleições para a AEFFUL, perdi e não foi por isso que me desmotivei Cheguei onde cheguei e penso que chegaria na mesma se tivesse perdido outras eleições ou se me tivesse candidatado a mais alguma coisa e perdido. Considero que o importante é sabermos que estamos a fazer o nosso papel enquanto estudantes e que nos esforçamos ao máximo para participar. Para mim, a parte mais satisfatória do associativismo é sentir que estou a fazer coisas para os meus colegas Na AEFFUL, dizemos sempre que o associativismo é dos estudantes, para os estudantes e eu sinto que qualquer pessoa que tenha esse espírito, independentemente do número de nãos que receba, vai sempre acabar no sítio certo e a fazer a diferença à sua maneira.

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