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3. Problematização e hipóteses
3. PROBLEMATIZAÇÃO E HIPÓTESE
De acordo com os dados do levantamento feito pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar da Universidade Federal de Minas Gerais (Iess-UFMG), dentre as 19,4 milhões de pessoas tratadas em hospitais no Brasil em 2017, cerca de 330 mil pacientes sofreram pelo menos um evento adverso, com risco de morte. De fato, a redução de danos e mortes decorrentes de erros médicos evitáveis durante o tratamento, é um desafio mundial, haja vista que, tal situação se tornou pauta de constante discussão na Organização Mundial da Saúde (OMS), desde 2002. A partir dos relatos das vítimas de erro médico, descobre-se que inúmeros são os sentimentos desencadeados e vivenciados por elas, tais como, dor, revolta, luto, indignação, raiva e, acima de tudo, de perda, tanto de momentos, como de oportunidades. Porém, qual a experiência da descoberta do erro médico para cada vítima? Afinal, sabemos que inúmeros são os danos ocasionados pelas falhas assistenciais e, principalmente, que os sentimentos experimentados por cada vítima, são únicos e particulares, sobretudo, por causa da forma como concebem o erro e aceitam seu estado. Ademais, a relação médico-paciente quando não pautada em confiança mútua, desenvolve formas típicas de exercício de autoridade, como ordens e ameaças, lições de moral, atendimento impessoal e, exclusivamente, técnico, além da tendência a ignorar o problema do paciente, motivo pelo qual levou-o até ali. A partir disso, tais aspectos comprometem a assistência humanizada necessária na medicina e, ressaltam, o corporativismo médico que corrobora, consequentemente, para o aumento da incidência dos erros. Exemplo disso, é a dificuldade vivida pela Abravem na busca de voluntários médicos para a elaboração dos relatórios técnicos que, auxiliam, na comprovação da falha. Segundo Fernando Polastro, voluntário e fundador da Associação, “muitos médicos colocam o corporativismo médico a frente da situação e preferem não tecer qualquer comentário ou posicionamento por mais grosseiro que seja o erro a eles apresentados”. Desse modo, todos os voluntários da área da saúde trabalham na Abravem em anonimato, para que não haja nenhum tipo de represália, ao avaliarem e identificarem erros de colegas de profissão. Entretanto, além da depreciação da relação médico-paciente, há uma proporção exacerbada ocasionada pelos influxos da mídia a respeito do erro médico, que desencadeiam forte pressão para que se descubra o culpado e a causa do erro.
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E, por outro lado, segundo a percepção da classe médica, convencionou-se a vilania dos meios de comunicação, somente o culpabilizarem na maioria dos casos, ao invés de, apurar os dados e fatos. Para eles, tal exposição compromete a confiança entre médico e paciente que, quando vinculada ao despreparo dos inúmeros cursos de medicina abertos nos últimos anos no Brasil, corroboram ainda mais com a incidência dos erros. Cabe ressaltar que as universidades não preparam os profissionais da saúde para esse tipo de situação e, como resultado, eles possuem dificuldades para admitir sua falha ao paciente, ocasionando na maioria dos casos, omissão. Além disso, o paciente, uma vez vítima de erro médico, perde a confiança naquele profissional e sofre ao buscar outro que aceite assumir o dano do colega de profissão. Não bastasse o sofrimento vivenciado pela vítima, o influxo midiático busca lucros exorbitantes, ao passo que, a medicina dispõe de um fascínio perante a opinião pública e, com isso, ao buscar somente culpados, deixa em segundo plano, ou até mesmo de lado, a dimensão experiencial da própria vítima da falha médica. Portanto, a união de todos os fatores anteriormente citados, agregado ao sucateamento da saúde pública, fazem com que às vítimas e, respectivamente, os seus familiares, sejam os únicos a arcarem com os danos físicos, financeiros e, principalmente, psicológicos, afinal, devido a descrença social na justiça humana, muitas optam por não transformar tal sofrimento em luta.
4. JUSTIFICATIVA
Em 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou que, mais de 138 milhões de pessoas são afetadas anualmente por erros médicos e, 2,6 milhões morrem nos 150 países de baixo ou médio rendimento em consequência do erro. De acordo com os documentos da OMS e estudos de pesquisadores, esses números são resultantes do excesso de horas de trabalho, da formação deficiente dos profissionais da saúde, de procedimentos de segurança não seguidos e da comunicação ineficiente em dois níveis, entre a equipe médica e desta com os pacientes. Segundo o médico José Mauro Vieira Junior, diretor do Instituto de Segurança e Qualidade do Hospital Sírio-Libanês (HSL), de São Paulo, essa distância hierárquica “promove falhas de comunicação e aumenta o risco de erros”. Com base no levantamento do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar da Universidade Federal de Minas Gerais (Iess-UFMG), tais erros podem ser uma das principais causas de morte dos brasileiros, uma vez que, estima-se 434 mil óbitos em 2015, em consequência das falhas assistenciais, o equivalente a mil mortes por dia. Diante desse cenário, os erros médicos seriam, a primeira ou segunda causa, de óbitos no país, à frente de doenças cardiovasculares e câncer que, em 2013, mataram 339.672 e 196.954 pessoas, respectivamente. Chama-se atenção para o cenário infantil, pois uma das especialidades que mais geram processos por erros médicos no Brasil é a obstetrícia. Estes representam 40% das reclamações, principalmente, pelo tipo de incisão no parto e o mau acompanhamento durante o pré-natal. Somente, entre 2010 e 2014, o Conselho Federal de Medicina (CFM), ratificou penalidade a 160 profissionais. Outra questão muito apontada entre os brasileiros, é a falta de transparência, entre médico e paciente, visto que, os médicos possuem dificuldades em admitir sua falha ao paciente e, consequentemente, além da desestruturação emocional à que a vítima é exposta em decorrência do erro, tal atitude só agrava seu sofrimento, que se intensifica com a falta de apoio, compreensão, respeito e ética, por parte do responsável pelo tratamento. De acordo com, Neelam Dhingra-Kumar, coordenadora de segurança para os pacientes da OMS, os sistemas de saúde não estão adequadamente estruturados, para enfrentar e minimizar as falhas, além disso, muitas unidades ocultam tais eventos adversos impedindo que ações sejam tomadas. Hoje, a ocorrência de erros médicos tem tomado grandes proporções, devido o influxo da mídia. Porém, os casos que ganham notabilidade, representam pequena parcela dos muitos outros existentes. Ademais, é válido refletir o posicionamento de
Júlio Cézar Meirelles Gomes e Genival Veloso de França (1998, p. 245), a respeito da visão midiática que gira em torno do erro médico:
O erro médico tem sido mal focado pela mídia, que busca no rol dos eventos sociais a exceção, a ocorrência extravagante com forte fascínio e forte apelo comercial; a mídia vai em busca da versão factual da atitude humana com o duplo interesse da denúncia e da promoção de venda da notícia. Despreza em regra as causas concorrentes mais expressivas, como a má formação profissional, o ambiente adverso ao ato médico, a demanda assustadora aos órgãos de assistência médica, os baixos e tenebrosos padrões de saúde pública etc.
Segundo Fernando Polastro, fundador e voluntário da Abravem, em entrevista ao Instituto Claro Net em 2019, “muitos pacientes se colocam na posição de desconfiança se foram ou não vítimas de erro médico, mas, raramente, buscam respostas para esses questionamentos ou realizam denúncias”. Lembrando que, essas vítimas não só convivem com os danos morais, físicos e emocionais, mas, também, com a indisposição para enfrentar processos custosos, incertos e demorados. A falta de estrutura emocional para reviverem os fatos infelizes e trágicos pelos quais passaram, impactam, diretamente, na falta da busca por justiça e reparação dos danos. Fato é que, independentemente se foi negligência, imprudência ou imperícia, se a culpa é propriamente do médico, das operadoras de planos de saúde, do governo e afins, despreza-se os sentimentos que as vítimas e, respectivamente, seus familiares passam a vivenciar, afinal, a partir do momento que, tais vítimas concebem determinado prognóstico, suas vidas são transformadas. Com o projeto, pretendeu-se melhor compreensão dos impactos que um erro médico pode causar na vida não só do paciente, mas, também, de todos os que estão envolvidos neste cenário. Por trás das falhas assistenciais e dos inúmeros processos judiciais, existem histórias, sonhos e projetos, pois não estamos lidando com estatísticas, mas sim, com pessoas, que possuem sentimentos e, acima de tudo, dificuldades para seguirem suas vidas. A sociedade precisa conhecer estas histórias, para visualizar de fato, o que é lutar diariamente não só pela vida, como também pela recuperação do bem-estar físico, psicológico e social.
5. PLANO ESTRATÉGICO
5.1DESCRIÇÃO DO PRODUTO
Estabeleceu-se como produto o livro-reportagem, devido a flexibilidade entre o gênero literário e jornalístico que narra detalhadamente uma temática comumente não suportada pelas mídias convencionais do jornalismo, como jornais e revistas. Além disso, a principal intenção foi que o produto ocupasse, justamente, o espaço deixado pela cobertura superficial dos periódicos, com relação ao erro médico. Por meio das entrevistas, buscou-se um mergulho profundo nos relatos das vítimas de erro médico e, também, dos seus familiares para que houvesse uma narrativa humanizada, rica de detalhes e emocionante. Além do mais, as inúmeras pesquisas realizadas em teses, dissertações de mestrado, artigos acadêmicos publicados em revistas de medicina e pesquisas gerais em sites de informação moldaram os capítulos estabelecidos para contextualização do atual cenário que envolve o erro médico no país, tais como: a relação médico paciente; o efetivo sistema público de saúde; leis e diretrizes que, buscam além de minorar o dano, instruir os pacientes para que sejam mais bem informados, conscientes e exigentes; os impactos dos eventos adversos na vida das vítimas; e mecanismos que auxiliem na eliminação dos desacertos na medicina. Com isso, o livro-reportagem possui, inicialmente, um prefácio, escrito pela também estudante de Jornalismo, Camila Menezes, com a intenção de trazer uma visão e opinião externa quanto à temática do projeto e o caminho trilhado para sua, respectiva, abordagem. Após, uma carta aberta, realizada pela mãe de uma das vítimas de erro médico, para que o leitor pudesse compreender quais são as dores e dificuldades de quem convive, diariamente, com a falha médica. A partir dessa breve abertura, iniciam-se os capítulos que detalham a trajetória dos eventos adversos, os aspectos que estão, intrinsecamente, envolvidos na sua incidência, as narrativas dos responsáveis pelas vítimas e suas realidades, a trajetória da Abravem, que surgiu com o propósito de auxiliar esse grupo crescente e desassistido da população brasileira na busca dos seus direitos, além da visão de profissionais e instituições, como o Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), para com os eventos adversos e estratégias que diminuam sua incidência. Ao finalizar a leitura, o leitor depara-se com um posfácio, para validação que o principal objetivo do projeto, não foi buscar culpados, mas sim evidenciar que as falhas médicas existem, acometem cada vez mais pessoas e
diversos são os prejuízos à saúde física e mental de cada vítima. Além, das referências quanto as pesquisas e teses externas que auxiliaram na sustentação e relevância da temática.
5.2ESTRATÉGIAS PARA DEFINIÇÃO
Ao todo são 16 capítulos e 159 páginas que abordam a questão do erro médico, de acordo com os aspectos mencionados no item anterior. Com a permissão dos responsáveis, foram utilizados os nomes reais das vítimas das falhas assistenciais e, respectivamente, dos seus pais. Além disso, na abertura dos capítulos de cada uma das vítimas, há uma ilustração em estilo line art que expressa apenas o tracejado, isto é, o contorno dos pacientes e alguns detalhes que permitem perceber a fragilidade destes. A principal intenção e cuidado foi de não expor as vítimas, mas sim dar vestígios do personagem em que o leitor está tendo a oportunidade de conhecer. Há somente dois relatos no capítulo da Abravem, em que os nomes são fictícios, devido a necessidade de manter a integridade das vítimas. A fonte utilizada foi a Sabon (tamanho 12), criada por Jan Tschichold, afinal além do design gráfico moderno e amplamente popular, esta possui serifa, considerada ideal para a utilização em textos corridos impressos, como livros e revistas, pois a serifa auxilia na capacidade de leitura, tornando-a contínua, dinâmica e menos cansativa aos olhos humanos, que reconhecem e percebem uma palavra como um bloco óptico. Ademais, são comumente usadas em textos complexos e extensos, uma vez que, além de facilitarem a leitura, também suavizam a experiência do leitor. Outra estratégia utilizada para aperfeiçoar e amenizar a intensidade da temática, foi a aplicação de margens maiores (2,3 cm) e o espaçamento entre linhas também (14,4 pt), visto que, estes possibilitam um designer mais arejado e suave. Em alguns capítulos e na quarta capa, foram usados alguns elementos da medicina, como, por exemplo, uma receita, um prontuário e uma bula, para aproximação do leitor à temática do livro e redução da carga intensa e dolorosa de alguns assuntos. Quanto ao título, a ideia foi justamente de demonstrar ao cidadão os dois cenários que coexistem no erro médico, afinal grande parte dos profissionais da saúde possuem a comum tendência em omitir as falhas aos pacientes, muitas das vezes por dificuldades próprias, falta de orientação, medo de possíveis processos, além de
represálias, tanto das vítimas e seus familiares, quanto dos colegas de profissão. Por outro lado, há a ambição, visto que, muitos buscam a medicina somente por questões financeiras e de status/poder. Tudo isso impacta diretamente na relação médicopaciente, um dos aspectos fundamentais para diminuição dos erros, haja vista que, todos os impasses existentes para o alcance de uma efetiva relação médico-paciente comprometem, acima de tudo, o diagnóstico e, principalmente, a indicação e execução do tratamento designado. Na capa, a ilustração de um médico de braços cruzados realça a ideia do título, pois tal postura pode sinalizar defesa e resistência, além de criar uma distância entre o profissional e o paciente. Outros conceitos que esta pose demonstra, é o de poder, medo, insegurança e desconforto, atitudes que devem ser evitadas por tais profissionais. O clássico preto e branco utilizado na capa e na abertura dos capítulos, é uma combinação assertiva para realçar o layout e indicar os pontos focais da obra. Além do mais, destacam por um lado dor e depressão, além do equilíbrio e renovação necessária para a vida das vítimas. Para esses campos, a fonte utilizada foi a Futura, com a variação da versão bold.
5.3PÚBLICO A SER ATINGIDO
O público-alvo são as próprias vítimas de erro médico e, respectivamente, os seus familiares, principalmente, os que moram no estado de São Paulo. Além do mais, o cidadão como um todo, afinal este, em algum momento da sua vida, ocupará a posição de paciente e para que haja um atendimento digno, o mesmo precisa ter conhecimento dos seus direitos e obrigações. E, por último, os profissionais da saúde, que estão, intimamente, envolvidos com a questão da falha médica.
5.4TÉCNICAS UTILIZADAS
Abaixo estão alguns exemplos das técnicas utilizadas para abordagem da temática do livro-reportagem e que foram justificadas anteriormente:
Projeto gráfico da capa, quarta capa e as orelhas
Criação de Lista de Abreviaturas e Carta aberta com fonte cursiva
Siglas para auxiliar o leitor (Fonte: yellosun) para trazer realismo



Abertura dos capítulos sempre à direita e com fundo preto
Utilização de elementos da medicina para Ilustrações em estilo line art contextualização de alguns assuntos



Margens e espaçamento entre linhas maiores para deixar as páginas mais arejadas e a temática menos pesada
Referências que auxiliaram na sustentação e relevância da temática

6. RERENCIAL TEÓRICO
Nos últimos anos levantamentos feitos por tribunais e estudiosos tem apontado uma crescente demanda contra médicos e outros profissionais da saúde pelo chamado erro médico. Em 2017, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), acusações referentes as falhas assistenciais somaram 70 novas ações por dia no país – ou três por hora. Além disso, segundo a mesma pesquisa que compila dados enviados por tribunais estaduais e federais, além do Superior Tribunal de Justiça (STJ), foram pelo menos 26 mil processos no ano anterior. Em 2018, o G1 realizou um levantamento de dados a pedido do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), que apontou 3.500 denúncias de erros em procedimentos ou falha na conduta de médicos notificadas anualmente – uma média de 262 a cada mês. Elas resultaram na cassação dos registros de 29 médicos em 2016, 20 em 2017 e, de janeiro a junho de 2018, mais cinco.
Entretanto, apesar da crescente judicialização da saúde, os números de falhas assistenciais ainda são muito maiores. Em 2017, um levantamento divulgado pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) apontou que 829 brasileiros morrem por dia em decorrência de situações que poderiam ter sido evitadas – cerca de 3 mortes a cada 5 minutos. Erro de dosagem em medicamentos, uso incorreto de equipamentos e infecção hospitalar estão entre as causas evitáveis. Dentre as maiores vítimas, estão bebês com menos de 28 dias e idosos com mais de 60 anos, devido quedas no hospital, infecções localizadas da cirurgia, trombose venosa e embolia pulmonar, situações essas que poderiam ser frequentemente evitadas. Todo esse cenário remete a verdadeira criação dos hospitais, afinal antes do século XVIII, o hospital era essencialmente uma instituição de assistência aos pobres ou, melhor, de separação e exclusão. Tinha a função de “morredouro”. Os profissionais dos hospitais eram religiosos e voluntários, osmédicos realizavam visitas esporádicas, o local não tinha a função de curar o doente e, sim, tentar assegurar a salvação da alma no momento da morte. Michael Foucault, filósofo, professor, psicólogo e escritor francês, relata o surgimento do hospital como unidade terapêutica, de intervenção sobre a doença e o doente. Com a constituição de uma medicina hospitalar, terapêutica para tentar “purificar” os efeitos nocivos das doenças contagiosas ou impedir a desordem econômico-social surge a disciplina-técnica que implicava em vigilância e monitoramento constante dos enfermos. Sendo assim, as
razões econômicas, o preço atribuído ao indivíduo e o desejo de evitar a propagação de epidemias possibilitaram a prática da medicalização. Segundo Foucault, o hospital faz parte de uma sociedade disciplinar em que o poder é confiado ao médico. Tal profissional ao aliar poder e saber é visto como o principal responsável pela organização hospitalar e o hospital, por sua vez, corresponde ao esquema técnico-médico da cura, da normalização na ordem da saúde. Com isso, para Foucault (2012), “constitui-se, assim, um campo documental no interior do hospital que não é somente um lugar de cura, mas também de registro, acúmulo e formação de saber.” Todavia, embora a medicina seja uma das profissões mais antigas e, consequentemente, a incidência dos erros de quem a prática também sejam, de acordo com Kfouri Neto (2010), houve uma despersonalização na relação médicopaciente, uma vez que, a medicina, se socializou e ramificou ainda mais suas especialidades na arte médica, desaparecendo a figura cordial do "médico da família", em quem se depositava confiança irrestrita. Além do mais, apesar da Constituição Federal ter estabelecido a universalidade do acesso a saúde, integralidade da atenção e a igualdade da assistência a todos, segundo Márcio Maranhão (2017), a saúde é o bem maior de uma população e, ainda ocupa o primeiro lugar nas preocupações do brasileiro. Conforme a classe médica e, consequentemente, o próprio corporativismo médico, a mídia ao falar sobre o erro médico faz uso da Teoria Espiral do Silêncio estabelecida pela socióloga e cientista política alemã Elizabeth Noelle-Neuman (1977), em que “o resultado é um processo em espiral que incita os indivíduos a perceber as mudanças de opinião e a segui-las até que uma opinião se estabelece como atitude prevalecente, enquanto as outras opiniões são rejeitadas ou evitadas por todos, à exceção dos duros de espírito”, ou seja, através da consonância – um dos mecanismos que servem de apoio a teoria – há uma forma semelhante para as notícias serem produzidas e veiculadas. Traduzindo com que diz respeito ao objeto de estudo, a imprensa costuma apontar somente o médico como culpado, muitas das vezes, até mesmo sem apuração dos fatos e dados, o que, segundo os profissionais da saúde, impacta diretamente na relação médico-paciente, a partir do momento que proporciona ao cidadão, o sentimento de medo e desconfiança ao procurar qualquer assistência médica. Tal situação se associa concomitantemente também com a Teoria do Newsmaking, defendida por Mauro Wolf, Nelson Traquina e Gaye Tuchman, em que
as notícias são como são porque a rotina industrial de produção assim as determina. Nelson Traquina fala em seu livro que se deve “levar em consideração, critérios como noticiabilidade, valores-notícia, constrangimentos organizacionais, construção e rotina de produção” (PENA, 2008, p. 128). Ou seja, o critério de importância de uma notícia é com base no seu ineditismo, mais conhecido como o furo, o interesse das pessoas no assunto e por último, o apelo daquela notícia. Um exemplo para tal situação, é a polêmica que a Revista Superinteressante criou na edição 391 de julho de 2018 entre a classe médica, ao expor na capa, o erro médico com tom alarmista e, ressaltando que, a sociedade como um todo deveria se preocupar. Por meio de frases como: “é mais comum do que você imagina”, “é a maior causa de morte no Brasil”, entre tantas outras. Na mesma edição, foi feito, inclusive, uma comparação entre o medo que as pessoas possuem ao viajarem de avião e o que elas deveriam ter ao procurar um hospital, mencionando que, ao embarcar em um avião, a chance de as pessoas morrerem eram menores do que uma simples visita ao hospital. Consequentemente, a classe médica e o Conselho Federal de Medicina (CFM) reagiram de inúmeras formas contra a edição da revista e, destacaram o cuidado com a generalização. Por outro lado, esse influxo midiático tem impactado diretamente no fortalecimento da cidadania, ao passo que, tem despertado nos indivíduos, a noção de seus direitos. Aliás, a melhor indicação contra médicos negligentes e imprudentes, são pacientes, cada vez mais, bem informados e conhecedores dos seus direitos e obrigações.