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RESULTADOS

Trabalho de Conclusão de Curso em Jornalismo. Ano 2021.

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Com a decupagem do programa escolhido para análise foi possível perceber tanto os aspectos apresentados previamente nesta pesquisa, como também novos aspectos a serem estudados em outros trabalhos. A primeira reportagem do programa Profissão Repórter - “Fome”, veiculado no dia 02/03/2021 foi feita em São Paulo em uma distribuição de alimentos feita pelo CEAGESP (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo), maior centro de abastecimento do estado. Já nesta reportagem é possível perceber escolhas narrativas e visuais que apelam para fatores emocionais e de indignação popular. A condução da narrativa já começa enfatizando a desorganização da distribuição e, em 3 minutos retratados, é possível perceber uma situação bem caótica e uma revitimização das pessoas em situação de vulnerabilidade, que acabam sofrendo uma exposição desnecessária e invasiva. Em um momento é possível ouvir as pessoas em coro gritando “Queremos nosso kit”, se referindo ao kit de alimentos que esperavam, em outros é possível ouvir diversas pessoas falando ao mesmo tempo de forma quase incompreensível, mas em que se capta frases soltas como “Isso é humilhante para nós”, “Estamos aqui desde ontem”, “Olha a criança ali”. É perceptível que neste primeiro momento da reportagem, apesar da característica do programa de sonoras longas e um protagonismo do repórter, quase não é possível a repórter Eliane Scardovelli. O som do ambiente é praticamente o protagonista de todas as cenas, além de reforçar a desordem da situação passa ao telespectador um senso de desespero, indignação e urgência. Esse discurso de desordem é dado de forma proposital, além do som pode-se ver pessoas empurrando umas às outras tentando pegar alimentos, imagens de idosas e crianças sempre ganham destaque durante o giro de câmera. E no momento em que a primeira personagem, a ambulante Jaqueline Oliveira, é apresentada, é justamente o momento em que uma criança começa a chorar assustada. A partir desse momento a cena, que antes variava entre as diversas pessoas que estavam ali, fica fixa. Enquanto Jaqueline e a mãe do garoto falam, o menino chorando permanece enquadrado ao fundo (Fig. 1)

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Figura 1 - Reportagem de São Paulo

Fonte: globoplay

Depois da distribuição, a reportagem continua acompanhando Jaqueline. Dentro da casa de Jaqueline os mesmo padrões de enquadramento se repetem, um foco destacado nas crianças. E também tem uma ênfase à questão da divisão, pois a personagem, mesmo tendo pouco, divide o almoço com uma prima e seus filhos. Em média Jaqueline é acompanhada durante 6 minutos do programa, além de sua casa metade deste tempo mostra Jaqueline indo atrás de doações de alimentos- marmitas e verduras que estavam sendo distribuídas.

Durante outro trecho, de 7min.7s a 11min.40s do programa também é possível perceber que apenas um projeto social, a Pastoral da Criança do Combate a Fome do Maranhão, é citado. A reportagem registra o trabalho de uma missionária da pastoral, e foi gravada em duas partes, antes do início da pandemia e já em fevereiro de 2021(essa foi feita pela própria equipe da Pastoral). Essa reportagem é a que teve mais tempo corrido de tela acompanhando a mesma personagem, são cerca de 9 minutos. Porém esse tempo não é reflexo de algum aprofundamento no projeto, mas sim do espetáculo característico da Profissão Repórter. Quem comanda a produção da reportagem é Caco Barcellos, os primeiros 2 minutos

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da reportagem são exclusivamente sobre os bastidores e a dificuldade em chegar ao local da gravação, além disso essa parte é quase totalmente conduzida por sonoras de Caco Barcellos. Nas entrevistas conduzidas por Caco há um padrão de repetição, em todas as casas que ele e a missionária visitam são feitas perguntas sobre o almoço do dia daquela pessoa. Quando a pessoa responde o que tem, o repórter continua a perguntar se não há frango, carne, peixe ou algum tipo de proteína, uma certa insistência desnecessária buscando respostas que já se sabe. Outro fato é que, com exceção da última entrevista - que ressalta como a falta da merenda escolar, visto que durante a pandemia os alunos não foram a escola, dificulta mais a situação de famílias com muitas crianças -, todas as pessoas que aparecem têm característica de magreza bem esquelética, e grande parte das entrevistas são gravadas com as pessoas sentadas no chão. A insistência do discurso em perguntas que já se sabe a resposta e a exposição de pessoas em situação de vulnerabilidade são fatores que não geram nenhum impacto no problema real. Com um único objetivo de causar comoção, e a comoção momentânea por si só não impacta em mudanças reais, após desligar a televisão a percepção do tema aos olhos do telespectador não será diferente e a única mudança visível é que aquelas pessoas em situações vulneráveis simplesmente tiveram suas imagens e situações expostas. Na Paraíba e em Pernambuco, a reportagem é da repórter Nathalia Tavolieri percorreu mais de 700 km visitando cidades e comunidades que dependem quase exclusivamente dos benefícios sociais do governo. Em Pernambuco, uma particularidade é que a repórter encontra a personagem Michele, em uma feira da cidade de Cumaru. A repórter faz a seguinte sonora: "Michele não está no grupo de brasileiros que convivem com a fome, mas suas contas do mês nos dão ideia da dependência que milhões de brasileiros têm, dos programas de benefício social, ela recebe R$350 do Bolsa Família”. Apesar de Michele não fazer parte do grupo foco da reportagem, ela tem quase 3 minutos de fala. Logo na sua primeira aparição há um apelo emocional forte , ela chora falando sobre não conseguir dar o que os filhos pedem e imediatamente um close é feito (Fig. 2). Já em sua casa, Michele mostra todas as suas compras da feira, uma doação, a conta de luz e suas panelas pretas porque está usando fogão a lenha. Além disso, em um momento em que acompanha Michele vendendo geladinhos de fruta (ou dudu) nas ruas, a repórter afirma que o sonho de Michele é ter um carrinho de

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cachorro quente, algo que evidencia muito a romantização da precariedade e da pobreza. Este momento é seguido por Michele dizendo que ficou “babando” por uma carrocinha de cachorro quente que viu , e que Deus dará um igual para ela um dia.

Figura 2 - Reportagem Pernambuco

Fonte: globoplay

Na Paraíba, a reportagem começa em um lixão na cidade de Cajazeiras, com catadores pegando os alimentos que conseguem do lixo. Alguns para venda de lavagem de porcos, outros para consumo próprio(Fig. 3). Depois os repórteres vão até um Cadúnico da cidade para falar sobre a fila de pessoas aguardando pelo cadastro no Bolsa Família, eles conversam com coordenador do Cadúnico por 1 minuto. Em seguida eles vão até a casa de outra entrevistada, que conheceram antes da pandemia. Essa personagem já vivia uma situação mais crítica em 2020, ela não tinha nenhuma renda e nada para ela e seus filhos comerem. O repórter abre sua geladeira para mostrar que só tem água. Já em 2021 Nathalia Tavoliere volta a casa dessa mulher, que agora recebia o bolsa família e tinha arroz e feijão para dar aos filhos, Nathalia pede para mostrar novamente a geladeira da mulher, que assim como antes tinha apenas água. A repórter ainda pergunta a uma das crianças o que ela sente falta de

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comer, a criança responde que sente falta de salsicha, mortadela, carne, frango e linguiça, tudo que ela não tem mais acesso. Aqui podemos ver claramente o fator da repetição da imagem e outra tentativa de comoção momentânea, não há um objetivo profundo em perguntar para pessoas que não tem alimento se elas tem algo para comer no dia, ou o que elas sentem vontade de comer, ainda mais se a imagem for de uma criança. O jornalismo tem um papel social transformador mas o foco em repetições e apelos emocionais impedem a transmissão de algo novo, como o conhecimento real sobre o tema.

Figura 3 - Reportagem Paraíba

Fonte: globoplay

Apesar de todo o programa tratar a temática da fome como algo importante com sentido de urgência, as reportagens acabam reforçando estereótipos sejam de corpo esquelético, de desumanização, ao mostrar pessoas em situações caóticas para conseguir comida, de exploração de imagem infantil, sempre mostrando as crianças pedindo comida, chorando ou dizendo o que gostariam de comer, além da constante repetição de geladeiras sem nada e panelas quase vazias. As imagens estereotipadas convencionais se repetem, apesar

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de parte da repetição partir da iniciativa das próprias fontes a condução da reportagem ainda favorece essa perspectiva O protagonismo do repórter fica mais evidente na reportagem de Caco Barcellos, a condução dos demais assume uma posição de reafirmação do que a fonte diz As soluções mostradas são paliativas, e algumas partes são evidenciadas como algo que não dá certo, não são citadas políticas públicas exceto o Bolsa Família e nem são ouvidas lideranças com maior propriedade em soluções a longo prazo

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