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REFERENCIALTEÓRICO-METODOLÓGICO

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APRESENTAÇÃO

APRESENTAÇÃO

Trabalho de Conclusão de Curso em Jornalismo. Ano 2021.

REFERENCIALTEÓRICO-METODOLÓGICO

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Para fundamentação teórica desta pesquisa foi feito um levantamento bibliográfico e documental. Para desenvolver um ponto de reflexão inicial é necessário primeiro entender o fenômeno dos estereótipos sociais e sua representação na comunicação. O estereótipo em si pode ser definido como generalizações ou crenças atribuídas a determinado grupo, geralmente associados aos aspectos físicos e visuais, mas essa mesma é uma definição genérica do termo, visto que os estereótipos não estão associados apenas a imagem, mas também estão ligados a narrativas, ao subconsciente e ao senso comum e sua reprodução entre gerações.

Como explicam MORONI e FILHA :

Por serem resultado de um processo cultural, os estereótipos estão impregnados no inconsciente humano e social. A estereotipização traz consigo a generalização, que, muitas vezes, traduz padrões equivocados e simplistas. Duas ou três características mais marcantes acabam por representar todos os indivíduos de um mesmo sexo, etnia, origem, profissão, classe social etc. Nos programas veiculados pela televisão, a tendência à homogeneização também existe[...] (MORONI e FILHA, 2008 p. 2) Compreendido o estereótipo como um processo cultural, fruto dos meios de representação, pode-se dizer que o telejornalismo em sua essência de valorizar a imagem, sendo o meio de forte impacto na comunicação, e com a prática de textos enxutos basicamente deixando a imagem contar a história, sem adjetivar, contribui para o reforço de certos estereótipos que socialmente já são enraizados. Exemplo disso é a associação de imagem, quando se fala de população pobre, automaticamente a imagem projetada por grande parte das pessoas é a de fome, miséria, moradores em situação de rua etc. (MORONI e FILHA, 2008) Outro fator que pode ser lido como um reforço de estereótipos é a construção de sentido e a representação, apesar de variante em cada indivíduo, estes sistemas de linguagem se moldam a partir de relações pessoais, grupos sociais e culturais em que se está inserido. Se assemelha em certo ponto à semiótica, pelos signos de linguagem. Mas de que forma a representação de sentido estaria ligada aos estereótipos? As imagens e os signos visuais representam, mas não são propriamente aquilo a que se referem, devem ser interpretados.

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“À medida que a relação entre o signo e o seu referente se torna menos clara, o sentido começa a deslizar e a escapar de nós, caminhando para a incerteza. O sentido já não está passando transparente de uma pessoa para outra...” (HALL, 2016 p. 39). Essa relação que proponho não é explicitamente estabelecida, mas pode-se perceber que a partir do entendimento de que a representação de sentido é construída, e a interpretação é aberta e varia conforme o grupo em que se está inserido, a prática do telejornalismo em reforçar a informação através da imagem impactante constrói um sentido próprio, que pode não ser tão transparente quanto a realidade e deixa espaço para a estereotipação de grupos através da representação imagética de signos visuais. Por exemplo, quando se fala em matérias sobre a fome, a representação que vem à mente é a de uma família com muitas crianças, um armário ou geladeira vazia e uma casa humilde com paredes ainda no tijolo, sem nenhum tipo de acabamento. Ou ainda, um morador de rua aguardando em uma fila, por um prato de comida que algum projeto social local está distribuindo. Percebe-se aí a construção de um sentido próprio, desenvolvido a partir de referências visuais que não necessariamente são um reflexo da realidade. Visto que metade da população brasileira vive em situação de insegurança alimentar, e 19 milhões vivem propriamente a fome, é pouco provável que a fome se resuma à moradores de rua e famílias humildes com muitas crianças, aí está o ponto. A fome no inconsciente coletivo associa-se automaticamente a um grupo específico, esse pensamento é repetidamente projetado e isso distancia as pessoas do problema real que é: a fome atinge diversas pessoas de classes sociais mais baixas, do meio urbano ao rural, da periferia aos centros, não existe uma tipificação ou cara para esse problema social. Uma pessoa com sobrepeso pode ter fome assim como uma pessoa com aparência subnutrida. A cara da fome é o rosto de toda e qualquer pessoa que não tem acesso à alimentação. O jornalismo em seu papel social deve ir além da missão de dar a notícia, mas também ser um precursor da mudança da vida pública, e não pode ser apenas um observador desprendido, deve se tornar participante junto aos acontecimentos. (REMPEL, 2016). A importância da imagem para a comunicação é indiscutível e essencial, mas não se deve menosprezar a complementação e contextualização correta. Sim, existem imagens que falam por si só, mas a brecha para diferentes interpretações não deve ser subestimada. Uma

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mensagem transparente pode auxiliar para que a construção de sentido não reforce pré-conceitos estereotipados. Outro ponto para nos debruçarmos é o da romantização da fome, bem perceptível em alguns discursos em telejornais diários, que ao fazer matérias sobre combate à fome -que na maioria das vezes estão ligadas a projetos sociais independentes, sem nenhum apoio governamental-, disseminam uma ideia de beleza e empatia referente às pessoas que mal têm o próprio sustento e ajudam aqueles que passam fome. Mário Sergio Cortella define bem este tipo de visão distorcida da realidade como tolice elogiosa:

A romantização da simplicidade, quando na prática essa simplicidade é carência, ela é miserabilidade [...] essa romantização que vez ou outra se faz em relação ao mundo, daquilo que é a pobreza, é sim uma falta de vivência, de não passar pela experiência completa do que vitima tantas pessoas (ACADEMIACBN, [S. I.] 2021).

Essa visão contribui indiretamente para estereótipos de que a precariedade e a fome são de alguma forma admiráveis por uma superação daqueles que vivem essa situação. Quando na verdade são resultado da desigualdade social e da má distribuição de renda. (BONFIM, 2002) O jornalismo deve ter uma mensagem clara para que possamos nos distanciar destes vícios de sentido citados, que não são um reflexo do real, representam uma distorção fabricada artificialmente. Doretto e Costa trabalham em seu estudo um conceito sobre a construção por meio do protagonismo do repórter, analisando o mesmo objeto de estudo que esta pesquisa, o programa jornalístico Profissão Repórter. “É mergulhando nas personalidades, nos conhecimentos de cada pessoa a ser entrevistada, que o jornalista consegue avançar na revelação possível do fato ao seu leitor” (SOARES e GOMES, 2013 p.15), elas fundamentam na pesquisa o protagonismo compartilhado entre repórter e entrevistado, e sua importância para uma entrevista profunda.

Não é possível haver a entrevista profunda, que busca conhecer e compreender o entrevistado, fazendo dele fim, e não meio, se o entrevistador não estiver, ao menos, dividindo o protagonismo da ação com o seu entrevistado (a “entrevista-diálogo”), mas nunca tenha o “papel principal” . (SOARES e GOMES, 2013 p. 16)

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Baseando-se nessa ideia o repórter enquanto protagonista deve utilizar técnicas jornalísticas para melhor compreensão do entrevistado, sem se sobrepor ao entrevistado. No Profissão Repórter que tem como lema justamente os bastidores da notícia, essa sobreposição acontece, e muitas vezes também o protagonismo do jornalista é deixado de lado em histórias que ocupam espaço maior e pedem uma valorização do entrevistado, é uma linha tênue. O Profissão Repórter possui uma narrativa promissora, que diferente do telejornalismo brasileiro tradicional, dá um espaço de compreensão mais ampla dos diferentes lados de uma notícia, mas sem dar brecha para a ambiguidade. Por outro lado, a imersão e a profundidade de uma história podem deslizar e novamente conduzir para a formação de estereótipos. Por isso é importante reconhecer que a imagem transmitida tem que apoiar o protagonismo do repórter enquanto condutor, da mesma forma que a narrativa do repórter deve manter o protagonismo no personagem. É uma reflexão complexa, mas é necessário um co-protagonismo. A apuração e a pesquisa alinhadas com o visual e o sentido colaboram para a compreensão plena do telespectador, e a compreensão de um problema é o primeiro passo em direção a sua solução. A metodologia do estudo adotada, a Análise de Conteúdo e de Discurso a partir do objeto de pesquisa, o Profissão Repórter, será aplicada em episódios do programa que abordem ou enfatizem em algum momento de suas reportagens a problematização desta pesquisa: a fome e sua estereotipação. Inicialmente serão analisados programas dentro da delimitação- durante a pandemia de Covid-19- (2020 à 2021), como o programa ficou fora do ar durante um ano após o início da pandemia no Brasil, o estudo limita-se à temporada de 2021.

A Análise de Discurso será adotada para que se possa identificar com objetividade os significados do uso de palavras e da imagem resgatando conceitos de estudos semânticos para identificar reforço de estereótipos, repetição de imagem e impacto. Bonfim(2002) para desenvolver sua análise sobre o discurso da mídia sobre a fome de 1993 a 1995 baseia-se na Análise de Discurso Crítica desenvolvida por Norman Fairclough que define o discurso como uma prática social que modela e ao mesmo tempo é modelada pelo todo. Que está diretamente ligada a classes sociais e suas relações, e que o discurso em

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uma concepção tridimensional deve ser analisado em três pontos, descrição do texto; interpretação da relação entre o processo de produção e interpretação do texto e o texto em si; e a explicação da relação entre os processos discursivos e os processos sociais (FAIRCLOUGH, 1998 apud BONFIM, 2002). O mesmo pode-se perceber no discurso imagético e na comunicação não verbal, como enquadramentos, tempos de tela, conduções narrativas e claro, no modo em que se explora ou expõe determinado personagem. O primeiro resultado da pesquisa metodológica foi a partir de um levantamento de todos os programas do Profissão Repórter que foram veiculados entre 2015 e 2021, ao todo foram 222 episódios. Este levantamento foi feito antes da definição da delimitação, com o objetivo de identificar existência ou falta da mesma referente ao tema proposto, a fome no Brasil, e traçar um plano para analisar apenas os episódios cuja temática seja relevante para a pesquisa proposta. No período acima citado foi possível identificar que em 222 programas apenas um trata especificamente sobre a fome , 3 veiculado em março de 2021, por isso a delimitação proposta foi a temporada de 2021 do programa. A partir desta identificação foi feita uma decupagem de todo o programa acima citado. O programa que leva o título“Fome”, possui 36 minutos de duração, e dentro disso 2 minutos inteiros são dedicados à cabeça do programa, que traz a abertura e uma introdução das reportagens que virão à seguir. Como já é de sua característica, o Profissão Repórter divide as reportagens em saltos durante o programa, sejam de tempo, local ou personagem. Para uma análise mais objetiva a divisão para o estudo foi feita analisando o programa em quatro blocos, correspondendo às reportagens propostas, que se deslocam em quatro estados do Brasil: São Paulo, Maranhão, Pernambuco e Paraíba.

3 Programa Profissão Repórter -

“Fome” , exibido em 02 de março de 2021, disponível em: <https://globoplay.globo.com/v/9315337/programa/> . Acesso em 25 de agosto de 2021,

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