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ARGUMENTO
Nicolas chega para a consulta com a psicóloga. O consultório é repleto de tons café, o som do relógio ocupa o espaço por um bom tempo. Ela pergunta como ele se sente, como passou a semana. Nicolas diz que se sente bem, contudo passou alguns dias nostálgicos. Ela o pergunta se quer falar mais sobre isso, Nicolas sorri.
O som de algo alto envolve a cena, voltamos aos tempos onde Nicolas tem 13 anos, quando ainda é muito magro e pálido, cultivando olheiras que denunciavam noites em claro. O som que o leva para o passado é o do lápis sobre o papel, onde desenha. Ele é um adolescente que geralmente é quieto, e tenta evitar conflitos por não saber como sair de um. Seu quarto é completamente colorido, com desenhos que ele próprio fez colados pela parede, muitos são em forma de quadrinhos, outros apenas levam uma forma abstrata.
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Nicolas está animado, mesmo que não aparente. Ele está com o notebook ligado e olha para a página aberta no navegador, é de um concurso de desenhos em quadrinhos. O anúncio mostra um ator sorridente ao lado do personagem mascote de sua franquia de quadrinhos favorita: Os Dentuços! É visível a expressão de admiração do menino, mas logo a realidade chama ao soar o som de mensagem de seu chat aberto no computador. É seu amigo Gustavo, avisando que está saindo de casa. Nicolas responde rapidamente.
Os passos de sua mãe se aproximam de sua porta. Ela bate na porta, sua mãe o cumprimenta, eles conversam sobre o que ele está fazendo, mas logo precisam descer para tomar o café. Seu pai está ao telefone, Nicolas não entende o que ele está conversando, mas parece sério. Nicolas se pergunta mentalmente se alguma vez seu pai não pareceu sério antes. O garoto se senta à mesa, abaixa o rosto e toma o café enquanto anota o esboço de um novo desenho numa folha, ele está quieto.
O pai de Nicolas o olha em reprovação e desliga o telefone. Ele reclama com a esposa que não encontra os documentos da casa, mas que vai resolver a situação. O homem se mostra claramente incomodado com o filho, mas tenta ignorar. Os olhos do pai pairam sobre uma nota colada na geladeira, é a mensalidade da escola de Nicolas; o boleto venceu há dois dias.
O pai pega o papel e pragueja que era a única coisa que faltava, então começa uma discussão com a mãe, que revida, diz que não consegue prestar atenção em todas as coisas da casa sozinha. O pai olha para o Nicolas e Nicolas o olha de volta. Os dois ficam em silêncio.
O menino termina de comer o pão do café, se levanta, enfia sua caderneta na mochila e já a pega nas mãos, indo embora. Os pais deles terminam a discussão com uma conversa franca.
Nicolas caminha pela rua, rumo à escola. O dia está nublado.
Voltamos ao consultório com Nicolas adulto, no presente. A psicóloga pergunta como ele se sentia com as brigas constantes dos pais. Ele responde sob a perspectiva dele como adulto.
Novamente no passado, Nicolas e Gustavo estão juntos na escola após a aula. Eles estão na sala de estudos, Gustavo comemora que a aula acabou mais cedo, e Nicolas concorda, pois assim eles têm mais tempo para conversar sobre a história em quadrinhos que estão criando para o concurso.
Eles conversam empolgadamente sobre a história e sobre os personagens, Nicolas mostra os esboços finais e Gustavo apresenta o andamento do enredo, juntos eles estão fazendo mais alguns ajustes tanto no design quanto nas falas. Parecem se divertir muito enquanto conversam.
De repente, Nicolas fica quieto e a expressão de alegria muda para uma de preocupação. Ele questiona Gustavo se realmente têm chance de vencer, e diz que tem medo de sonhar muito alto, pois quanto maior o salto, maior a queda. Gustavo diz para que ele fique calmo, pois tem certeza de que podem vencer. Mesmo que não vençam, muitas pessoas vão ver a história e alguém importante pode gostar muito do que leu. Nicolas sorri e cria coragem novamente, a conversa continua.
Após um tempo, Nicolas se despede do amigo e ao chegar em casa, vai correndo para o quarto com novos esboços em mãos. Ele os pendura pelo quarto, tentando visualizar a história que está fazendo com o amigo e sorri, está orgulhoso. Ele tenta ser mais confiante e diz consigo mesmo que eles conseguem.
Os dias passam, Nicolas e Gustavo estão empenhados no objetivo. Nicolas desenha, Gustavo escreve. Eles conseguem adiantar boa parte da história, faltam apenas alguns ajustes e algumas poucas páginas para que acabem e possam passar pro digital. Entre esses dias, algumas vezes, o pai de Nicolas espiava pela porta sem ser notado, aparentemente preocupado. A mãe fazia o mesmo, só que olhava feliz.
Passa uma semana, Gustavo e Nicolas estão novamente conversando após a aula, só que dessa vez sobre o final da história. Os dois começam a discordar sobre alguns assuntos, sobre como por exemplo se o protagonista conseguiria capturar o vilão ou não. Gustavo prefere que sim, mas Nicolas prefere que não, pois assim podem continuar a história depois. Cada um começa a argumentar em defesa de sua opinião, o clima não está exatamente o que se chama de agradável. Contudo, os dois concordam em uma coisa: ainda falta um toque final na história.
Contudo, a conversa não dura muito e uma bola de futebol entra em impacto direto com a mesa onde estavam os desenhos de Nicolas e as folhas que Gustavo
escreveu. Nicolas tenta reunir as folhas que foram espalhadas pelo incidente, mas Gustavo fica indignado e tenta encontrar o culpado, mas nem precisa se esforçar.
Um grupo de garotos se auto denunciam ao chegar perto da mesa para pegar a bola novamente. Um deles se desculpa, mas mostra um sorriso maldoso demais para alguém que está arrependido. Gustavo sente seu sangue ferver e tenta tirar satisfação, dizendo que aquilo não era lugar de jogar bola, muito menos de tentar tirar uma com os outros, enquanto isso Nicolas termina de recolher as folhas e diz para Gustavo se acalmar, mas ele não percebe que falta uma folha.
Um dos garotos do grupo adversário está com a folha que falta na mão, Nicolas pede que devolva, mas o garoto em questão o ignora e pergunta que tipo de desenho era aquele, com desdém na voz. Gustavo já está com raiva e diz para irem embora. Nicolas tenta tirar a folha da mão alheia, mas não tem sucesso e suspira insatisfeito. O garoto com a folha começa a rir, pergunta se Nicolas vai chorar e tira sarro da situação. Um garoto mais alto agarra o colarinho de Nicolas, e o provoca. Diz que os dois viviam sozinhos e que Gustavo não tinha mais amigos porque Nicolas é um esquisito inútil. Gustavo não se aguenta e empurra o garoto, mas infelizmente estão em menor número.
Uma briga começa, e quem apanha são os dois amigos. Felizmente, não por muito tempo. Uma inspetora avista a briga e todos vão parar na diretoria.
Nicolas está esperando seus pais virem lhe buscar. Ele está sentado na porta da escola, de mochila no colo e um olho roxo no rosto, conseguiu uma suspensão de dois dias e sabe que seu pai não ficará feliz com isso. As horas passam e nada de seus pais. Gustavo já havia ido embora há horas. Ao entardecer, sua mãe chega à escola e finalmente pode ir para casa.
O caminho para casa é quieto, sua mãe tenta conversar, mas Nicolas não sabe o que responder. Ele só quer chegar em casa e dormir.
Depois da caminhada, os dois chegam em casa. Nicolas percebe que a luz do seu quarto está acesa e corre para ver o que está acontecendo. Seu pai rasga os desenhos que até então estavam na parede, os mesmos desenhos que faziam parte da história da dupla de amigos. O chão está coberto de pedaços de papel e desenhos agora desconexos.
Pela primeira vez na vida, Nicolas grita com seu pai. Ele pergunta o que está acontecendo e o motivo de seu pai estar rasgando seus desenhos. O pai empurra o menino que começa a chorar e o manda ficar quieto, porque já faz tempo demais que assiste e não faz nada. Até mesmo o olho roxo de Nicolas o irrita, reclama por ter arrumado confusão na escola.
A mãe tenta apaziguar a situação, mas não tem sucesso. O pai está muito bravo e diz que Nicolas tem que levar os estudos a sério, que daquele jeito não seria ninguém na vida, pois mora no Brasil e artista no país não tem vez.
Nicolas diz que aquele é seu sonho, e que não pode desistir de se tornar artista. Antes que seu pai responda, a mãe entra na discussão e diz que o marido está errado. Nicolas já sabe que os dois vão discutir, mas também não quer que isso aconteça; se sente de mãos atadas, mas novamente vê seus desenhos espalhados pelo chão em rasgos. No momento, nada mais importa além dos desenhos destruídos no chão.
Nicolas começa a se lembrar dos dias desenhando e conversando com Gustavo, se lembra do anúncio do concurso e da vontade que tinha de vencer. Mas agora está tudo despedaçado no chão.
Ele já não entende o que os pais estão gritando um com o outro, só vê seu pai jogar mais folhas rasgadas no chão e pisar em cima delas para sair do quarto, seguido por uma mãe irritada com a atitude que acabara de presenciar. Tão irritada com a atitude do esposo, que por um momento negligencia o que acontece com o Nicolas.
Os pais param no corredor em meio a discussão, a luz ainda deixa que a sombra do pai seja vista pela porta do quarto de Nicolas. Mas o menino não se encontra bem, de repente sente que não consegue mais respirar, e a visão se torna azulada; está com tontura. Ele tenta reunir os papéis no chão, sem sucesso, leva as mãos à cabeça e as esfrega contra o cabelo; sua mente está um caos. Ele volta a ficar de pé e anda em círculos.
Não eram apenas fragmentos de uma história para concurso, era mais que isso. O conjunto de todas as suas esperanças e sonhos está espalhado pelo chão, e só podem ser completos novamente com a ajuda de remendos, mas ainda não serão os mesmos. Neste momento, Nicolas se sente enjoado, pensando que conseguirá consertar algo, sem raciocinar direito, ele se senta na escrivaninha de seu quarto e enxuga o rosto de lágrimas. Ele tira um bloco de notas da gaveta e rabisca algo com um lápis, pensa que aquilo o deixará melhor.
Enquanto desenha e ouve seus pais discutirem, Nicolas não percebe, mas algo cresce atrás dele. Aparentemente é apenas uma silhueta, mas não seria tão assustador se ela não crescesse. Ela cresce, porém não é vista por ninguém. Tudo fica escuro.
Nicolas vê a si mesmo em um lugar grande e escuro. Está silencioso, porém cada movimento seu provoca muito eco. Ele tenta falar para ver se tem mais alguém além dele ali, diz Oi, porém tudo que ouve é sua própria voz rebatendo contra as
paredes. Sem ter mais o que fazer, Nicolas começa a andar em busca de uma saída, ou pelo menos entender o que aconteceu e o motivo de estar ali.
Haviam diversas colunas de paredes, mas nenhuma saída. Escuta o som de passos que não são os seus e se assusta, vira para trás e tenta encontrar algo, mas não tem nada. Uma segunda vez que escuta o mesmo som, Nicolas está apavorado e tropeça nos próprios pés, cai no chão, porém se levanta o quanto antes e pergunta uma última vez se tem alguém ali.
Ele escuta uma risada que parecia com a de uma hiena, e quando olha para onde pensava ser a origem do som, se espanta com o que vê. É uma figura alta, mas não sabe distinguir se é humano ou um animal. Seus olhos arregalam, e sai correndo dali o mais rápido que pode, com medo de olhar para trás. Contudo, a criatura o segue, andando enquanto Nicolas corre e não parece sair do lugar. Ele grita para que vá embora e o deixe em paz, mas não tem resposta, só outra risada.
Nicolas acorda. Acaba de sonhar. Ele está sobre sua cama e sua mãe está ao seu lado.
Os dois conversam sobre o ocorrido, mas Nicolas está muito magoado e recluso, afinal não conseguiu impedir nada do que aconteceu antes. Sua mãe pede desculpas pelo pai, Nicolas lamenta.
É um novo dia. Nicolas não quer sair de seu quarto, pois está terminando de arrumar os papéis que até então estavam no chão. Ele suspira enquanto olha para o amontoado de papel que juntou em cima da mesa, e cansado demais para pensar nisso agora, ele empurra tudo para dentro de uma gaveta e a fecha.
Contudo, ele avista uma folha pequena no chão, debaixo da cama. Ele abaixa e pega a folha, que apresenta um desenho esquisito. Nicolas demora um pouco até
entender o que é, mas logo se lembra da noite passada e do que aconteceu, percebe que ele mesmo desenhou aquilo e até que acha interessante. Enquanto olha, sente uma sensação esquisita, respira fundo, como se faltasse ar.
Seu celular toca, e Nicolas sai do transe em que se encontrava. Ele vai atrás do aparelho e atende, é Gustavo. O amigo pede desculpas pela discussão que tiveram, e diz que o herói poderia não pegar o vilão no final. Nicolas ri e diz que tudo bem, que Gustavo não precisa se preocupar pois o posto de melhor e único amigo já é dele e Nicolas não tem o que fazer. Os dois riem e Nicolas comenta que teve uma ideia que poderia ser interessante, mas que precisava mandar uma foto.
Os dois desligam e Nicolas manda a foto do desenho que fez, Gustavo logo visualiza a foto e responde que achou bizarro, talvez pudesse ficar pra outra história. Nicolas fica pensativo, mas logo se despede do amigo.
Já é meio dia e seus pais saíram, afinal seu pai trabalha e a mãe está em busca de um emprego; hoje ela foi entregar alguns currículos. Ele liga o som e deixa que a música tome conta do ambiente. Músicas no ritmo de rock começam a tocar alto e Nicolas pega umas sacolas, ele começa a guardar dentro delas, com todo o carinho do mundo, suas HQs favoritas. Afinal, tem medo que seu pai faça alguma coisa com elas.
O dia parece estar bom, tem a casa todinha para ele então isso aumenta o astral do garoto, mas mesmo assim ele parece estranhamente retraído. Afinal, não se esqueceu da briga na escola, e a frase “esquisito inútil” ecoa pela sua mente.
Neste momento, ele percebe que há uma sombra no corredor de seu quarto. Não sabe o que dizer, será que é seu pai? Ele pede desculpas pelo dia anterior. Engole a seco, pois não tem resposta. Assim, ele se levanta da cama e anda em direção à porta, mas assim que olha para o corredor não tem ninguém. Ele olha
para o chão de novo, e não tem sombra nenhuma. Quando Nicolas chega para verificar o que ou quem era, não encontra nada no lugar. Contudo, tem a impressão de que viu um vulto indo para o quarto de seus pais. Ele volta para desligar o rádio, e o silêncio reina por alguns minutos.
Curioso e intrigado, Nicolas caminha em direção ao quarto dos pais e respira fundo antes de entrar. Ele acende as luzes e caminha dentro do quarto. Ele vai até a janela e abre as cortinas. Quando olha com mais cuidado, Nicolas vê algo que o deixa sem reação. Uma silhueta de uma criatura gigante está cobrindo a luz que vem da janela.
Nicolas encara a figura enorme atrás da janela que não se mexe. Ele engole a seco e sai do quarto às pressas, se esconde em seu quarto novamente e pega seu celular. Liga para a Polícia.
Quando o atendem, ele passa o endereço de sua casa e diz o que está acontecendo; que pensa que não está sozinho em casa, que alguém deve ter invadido, qualquer coisa que viesse a sua cabeça e pudesse fazer o mínimo de sentido. A polícia diz que está a caminho para investigar, mas Nicolas, afobado, desprende a atenção do telefone e desliga.
Em seguida, ele liga para Gustavo.
Gustavo está em seu quarto, jogando um videogame qualquer. Quando vê seu celular tocando, ele primeiro ignora pois estava em uma fase difícil. Mas Nicolas insiste, liga mais uma vez. Gustavo perde o jogo e atende o celular, mas não tem vontade de falar e responde.
Nicolas logo começa a falar que viu algo muito estranho, e que possivelmente alguém estava tentando invadir a casa. Obviamente não se sente bem, ele está tremendo mais que o comum e começa a duvidar do que viu.
As palavras ditas pelo amigo chamam a atenção de Gustavo, que se atenta mais ao que Nicolas estava falando, mas ainda assim não entende muito bem. De qualquer modo, diz que se precisasse de algo podia contar com ele, pergunta se Nicolas chamou alguém.
Ele pergunta se pode ir para a casa do Gustavo. que diz que sim, e num ato de coragem pega suas HQs já dentro das sacolas e sai de casa tão rápido quanto vira para olhar para trás nos primeiros passos.
O caminho para a casa de Gustavo é torturante para Nicolas. Possivelmente a cada cinco passos, ele olha para trás, olha para os lados, olha para o chão, apenas para se certificar de que não estava sendo seguido por seja lá o que for. E ele tinha certeza que aquilo ainda estava no seu rastro, que a qualquer momento poderia aparecer e jogá-lo no chão.
Quando Nicolas chega na casa de Gustavo, ele toca a campainha compulsivamente. Gustavo atende a porta e pede para Nicolas ficar calmo, alega que sua mãe o mataria por conta de tanto alarde. Mas Nicolas não o deixa terminar e entra com ele pra dentro da casa.
A mãe de Gustavo está na cozinha e faz bolo, ela cumprimenta Nicolas rapidamente, enquanto fala com um cliente ao telefone. Nicolas vai na frente. Ela gesticula para Gustavo se está tudo bem, mas nem ele sabe responder sobre isso, mas diz que sim. O cheiro de bolo está por toda a casa.
A dupla de amigos está no quarto de Gustavo, eles conversam sobre o que Nicolas viu: uma figura alta e horripilante que bloqueava a luz da janela, e que parecia querer entrar dentro de casa. Ele termina dizendo que no final, pareceu que tinha conseguido, mas aí, ele se sentiu perseguido o caminho todo até o local atual.
Gustavo acha difícil de acreditar no início, mas logo tenta pensar em algo que pudesse ajudar o amigo. Ele dá a sugestão de Nicolas talvez descansar um pouco, que talvez tenha passado por estresse demais. Nicolas o escuta, mas está com uma expressão de que não conseguiu entender uma só palavra. Gustavo, que percebe o desatento do amigo, o agarra pelos ombros e diz que está tudo bem, que apenas é uma época ruim e que as coisas logo melhorariam. Também diz que se Nicolas chamou a polícia, fez a coisa certa.
Nicolas consegue se acalmar, e depois de um longo suspiro e de se sentar, conta o que aconteceu no dia anterior, sobre a briga que teve com os pais. Gustavo diz que sente muito, mas que não tem problema, os dois podem desenhar novamente, já que as ideias não foram perdidas. Nicolas sorri e diz que sim com a cabeça. Pede que Gustavo guarde suas HQs enquanto está nessa fase conturbada em casa. Os dois passam um tempo juntos, mas perto do anoitecer Nicolas recebe um telefonema, é sua mãe. Ela pede que ele volte para casa.
Nicolas se despede de Gustavo e volta para casa. Ele abre a porta da entrada e sua mãe está com uma expressão preocupada, seu pai também está em casa; eles estavam discutindo. Ele é o primeiro a chegar perto e pergunta para Nicolas se havia acontecido alguma coisa para que precisasse chamar a polícia, mas sua mãe passa a frente e pergunta se o filho está bem. Nicolas diz que sim, mas antes de abrir a boca para contar algo, se lembra que nem Gustavo acreditou no que disse antes. Ele não sabe se contar o mesmo para os pais seria prudente.
O pai começa a reclamar, diz que não entendeu porque a polícia estava em casa, e que não sabia como explicar o que havia acontecido. Nicolas se sente um pouco inseguro, não sabe como responder; ele fica retraído e olha para baixo a cada berro do pai.
A mãe volta a falar com o pai, dizendo que talvez o filho teria se enganado, e que se sentisse a necessidade fez o certo em chamar a polícia. Os dois começam a discutir. Contudo, neste momento, quando Nicolas levanta a cabeça para olhar para o pai, atrás do adulto aparece a mesma figura de antes. Antes de reagir, o menino olha pro pai e para a mãe, mas percebe que nenhum dos dois parece ver a criatura. O pai retruca, exigindo uma resposta do filho.
O menino não responde, com medo, e abaixa a cabeça de novo. Os pais se olham, um suspira, e a outra vai abraçar o filho. Ela diz que está tudo bem, que não precisa se preocupar, porque nem sempre as pessoas estão numa época boa. Quando Nicolas olha para o mesmo lugar novamente, a criatura não está mais lá.
Então, é a hora de dormir. Nicolas está em sua cama, mas antes de deitar, ele deixa a porta do quarto aberta e deixa as luzes apagadas. Pensa que descansar um pouco fará bem a ele. Ele se cobre e tenta dormir. Contudo, o mínimo barulho o faz entrar em estado de alerta.
Quando desiste de dormir, fica de olho nos arredores, para ver se algo acontece. Ele pensa que qualquer coisa pode acontecer a qualquer momento, e não saber o que e quando o deixa ansioso.
As horas passam e nada acontece. Até que quando Nicolas está quase dormindo, ouve os passos passarem correndo pelo corredor. De início, ele se assusta, mas tenta não fazer nenhum alarde.
Uma sombra está parada perto da porta, como se tivesse alguém ali. O menino não faz nada, pois está com medo. Talvez fosse coisa da cabeça, e ao pensar nisso ele levanta da cama e anda na do interruptor de luz, e acende. Não há nada.
Nicolas suspira, e deixa de lado o pensamento de que talvez houvesse alguém ali. Ele apaga a luz do quarto, e volta a se deitar. Ele fecha os olhos e abre logo em seguida, está com sono. Ele fica entre olhos abertos e olhos fechados, a porta entreaberta do quarto está sob sua vigilância. Até que entre uma piscada e outra, aparece novamente aquela criatura.
Mas a criatura apenas o observa da porta. O menino fica espantado de início, não quer olhar e se cobre com as cobertas. As horas passam do mesmo jeito, mas por volta das 4h Nicolas está morrendo de sono. Seus olhos fecham e sonha novamente, ele se vê no mesmo cenário do último sonho.
A criatura continua lá, mas dessa vez Nicolas grita e pergunta o que quer com ele e o porquê de estar o perseguindo. Não obtém resposta, mas fica com medo quando a criatura dá um passo para frente. Ele recua um pouco, porém a criatura some. Nicolas fica confuso, até ver que ela reaparece atrás dele. No susto, ele cai no chão e cobre o rosto, gritando para ir embora. A criatura fica o encarando, de diversos ângulos, mas apenas esse ato já assusta Nicolas o suficiente para que ele acorde.
Mas já é dia, Nicolas olha para o relógio e são 8 horas, não dormiu quase nada. Ele senta na cama, irritado por ter mais um pesadelo, e para não esquecer, ele pega sua velha caderneta e desenha um esboço do que acabou de sonhar. Ao terminar, ele resolve desenhar o outro sonho que teve com a criatura também. Ele pega a folha que tinha guardado na gaveta, a mesma que deu origem ao tal desenho. Ele se pergunta ao final, que tipo de coisa seria aquela. E como poderia se livrar daquilo.
Nessa mesma hora, seu celular toca, é uma ligação de Gustavo. Nicolas atende e Gustavo diz que é dia de aula online. Nicolas se arruma num pulo, esqueceu que hoje voltam suas aulas, pois o dia em que foi suspenso também contava. Felizmente, é sexta, e dia de aula online.
Nicolas liga o computador e conecta na aula, o professor brinca com o atraso, mas Nicolas consegue ignorar, ele se desculpa. A aula acontece normalmente, todos estão com as câmeras ligadas, e o assunto é sobre a profissão que querem seguir, o que ser quando crescer. Nicolas nem pensa muito no que responder, mas o professor começa perguntando logo por ele.
Nicolas odeia falar em público e ter que se pronunciar na frente de tanta gente. Ele, depois de um silêncio, diz que quer ser quadrinista; um artista. Dentre as câmeras, ele consegue ver algumas pessoas rindo do que ele diz, em especial os garotos que bateram nele.
Nicolas fica magoado, pensa que seria melhor não ter falado nada. Ele comprime os lábios e suspira pesado, o professor tenta intervir. Contudo, quando o garoto olha para a tela novamente, em cada uma das câmeras que antes estavam os alunos, agora a criatura que o segue aparece em todos. Nicolas arregala os olhos e sai da aula imediatamente, desligando o computador.
Ele se levanta e anda para trás, esbarrando em algo. É a criatura, que tenta abraçá-lo. Nicolas percebe imediatamente e se apavora com a presença dele no mesmo quarto. O menino se afasta até a parede, cobrindo o rosto e pedindo que a criatura vá embora, que nunca mais volte e que o deixe em paz. Algumas horas depois, Gustavo manda uma mensagem para Nicolas dizendo que ele mandou bem, mas na realidade está preocupado com o amigo.
Depois do almoço, Gustavo decide fazer uma visita a Nicolas. Ele toca a campainha da casa de Nicolas e o amigo atende. Não é preciso muito para perceber que ele não está bem. Gustavo diz que estava preocupado, por isso decidiu vir. Nicolas logo puxa o amigo para dentro de casa e os dois correm até o seu quarto.
Gustavo não entende nada, até que Nicolas fecha a porta e os dois começam a conversar. Nicolas diz que talvez seja melhor desistir de participar do concurso, porque ele não está conseguindo fazer mais nada além de se preocupar com tudo, com as aulas, com o concurso, com as brigas de seus pais. Ele diz que não consegue. Gustavo fica incrédulo, não acredita no que ouviu. Desistir do concurso? É loucura! Os dois já tem quase tudo pronto. Gustavo recusa, diz que não.
Mas Nicolas está exausto, está com medo daquela coisa que o segue. Ele diz para Gustavo que se sente sendo perseguido por algo que não faz ideia do que seja. Gustavo pergunta se é sobre aquele monstro que Nicolas tinha falado antes, ele diz que sim. Gustavo suspira, e segura no ombro do outro. Ele diz que Nicolas não pode desistir, porque talvez seja isso que o monstro queira.
Por um momento, Nicolas fica pensativo. O que Gustavo diz realmente faz sentido. Desde que o monstro apareceu, Nicolas nunca mais conseguiu desenhar. Mas então ele pergunta para Gustavo, o que se deve fazer? Gustavo o olha e diz que deveriam voltar a desenhar para o concurso; mas não apenas isso. Ele diz que enxerga isso como sendo parte do Nicolas e não vê o amigo sem a veia artística na vida dele. Nicolas faz cara de choro, e Gustavo o puxa para começarem a desenhar, ele acredita que isso vai fazer as coisas ficarem melhores.
Nicolas acaba se sentindo melhor ao final do dia, e Gustavo diz que sabia que as coisas iam melhorar se Nicolas relaxasse um pouco. Nicolas agradece ao amigo por não ter deixado ele sozinho, os dois logo se despedem.
Quando Gustavo vai embora, Nicolas anda de um lado para o outro, pensando no que fazer. Ele diz para si mesmo que as coisas não podem continuar desse jeito, e pergunta a si mesmo como pode pensar em desistir? Tem que ser insistente. Ele então começa a pensar no que pensou ser a origem do problema. Quando relaciona a imagem da criatura com algo que poderia ter encontrado antes, ele se lembra do desenho que havia jogado dentro de sua gaveta. Ele reencontra o papel e o rasga em vários pedaços, corre até a cozinha e pega uma caixa de fósforo, bota fogo nos papéis rasgados, pensa que aquilo resolveria seu problema.
Enquanto o papel queima, a criatura aparece para Nicolas novamente, ele recua um pouco, contudo, ela não consegue se aproximar. Nicolas diz que é melhor que o monstro vá embora. Diz que está cansado, que não o aguenta, que não pode seguir em frente assim. O monstro vira a cabeça como se não entendesse uma só palavra dita pelo menino, até que Nicolas fecha os olhos e os ouvidos e grita para que o monstro vá embora, ao mesmo tempo que o papel termina de ser queimado. Quando abre os olhos de novo, o monstro já não está mais lá. O menino suspira aliviado e até mesmo ri de alívio.
Nicolas volta para o seu quarto e deita na cama, verifica seu celular e vê que há um email sem leitura. Ele abre o aplicativo e vê que é um e-mail do seu professor. Ao ler, ele pede desculpas pelo o que aconteceu na aula e elogia em palavras o sonho que Nicolas quer seguir, e diz para que não desista de seu sonho. Apesar do caminho ser difícil e tortuoso, Nicolas deve persistir ou pensar com carinho nesse sonho antes de pensar em desistir. Com essas palavras, Nicolas pela primeira vez sente que é possível seguir com seu sonho. Ele fica feliz.
Após refletir um pouco sobre a mensagem do professor, Nicolas está em seu quarto e prepara alguns esboços de algo que ainda não sabe se pode virar uma história. E, se sim, seria a primeira história que Nicolas escreveria sozinho. Seus desenhos são sobre ele próprio, que enfrenta uma criatura esquisita. Ele dá uma
boa e longa olhada nos esboços novos e desconexos, que servem apenas como ideia inicial. Sente que algo pode estar errado, mas não muda nada.
Pensa que o que aconteceu consigo pode servir de inspiração um dia, então esses desenhos seriam úteis. Ele também escreve no verso de uma das folhas um texto em resumo do que esse quadrinho se referiria no futuro, apenas para que ele não esqueça.
O silêncio toma conta do quarto, até que Nicolas ouve batidas fortes contra a porta. Por um momento, ele fica tenso. E as batidas continuam. Finalmente ele ouve a voz de seu pai chamando seu nome. Ele respira aliviado por não ser nenhuma criatura estranha e logo guarda os desenhos que acaba de fazer, pedindo que o pai aguarde um pouco.
Quando ele abre a porta para o seu pai entrar, o adulto pergunta se pode conversar com o filho, Nicolas diz que sim com a cabeça e os dois se sentam na cama. O pai está de braços cruzados, Nicolas não sabe, mas ele está pensando em
como começar a conversa.
Silêncio. Até que, enfim, o pai de Nicolas começa falando sobre o que vem acontecendo entre a relação dos dois e que percebeu que o filho não está bem. Diz que não tem a intenção de ser o vilão, mas que se preocupa com o futuro do filho e da família.
Nicolas diz que tenta entender, mas diz que o pai também não entende seu lado. Reforça sobre a intenção de seu sonho, que é realmente o que quer. Os dois têm uma conversa bem franca, mas não acaba em briga, apenas em silêncio. O pai de Nicolas sai do quarto e o menino não sabe bem o que o pai achou da conversa e fica preocupado.
O menino suspira inúmeras vezes e cobre o rosto com as mãos. Com medo de seu pai nunca aceitar esse seu desejo, Nicolas começa a chorar. Entre um suspiro e outro ele bate no peito com a mão em forma de punho, tentando acalmar seu coração que bate rápido e forte como um trem em movimento. Ele cobre os olhos e se sente muito sozinho.
Quando Nicolas abre os olhos novamente, ele se vê naquele lugar de antes. Onde só tem apenas ele, o som de gotas e um lugar escuro. À sua frente, se encontra o monstro que pensava ter sumido para sempre. Ele chora ainda mais e olha para o alto, como se pedisse que aquilo acabasse logo, mas não diz nada. Ele está decepcionado.
Nicolas seca o rosto com as mãos abruptamente e olha diretamente para o monstro. Ele faz uma pergunta retórica, sobre o monstro nunca ir embora. O menino soluça e continua, falando sobre como se sente e sobre o que aconteceu, e que na verdade ele não deveria mandar o monstro ir embora e pergunta se é a verdade, quer que o monstro confirme, mas este não diz nada. Esse diálogo dura alguns minutos.
Ele exige uma resposta, mas não vem nada, então chora ainda mais. Ele diz que está tudo bem. E faz uma última pergunta: “Eu não posso te mandar embora, não é?”. Recebe silêncio como resposta chora enquanto bate forte no peito. O monstro apenas o encara.
Neste momento, voltamos para o presente. O som do relógio retoma a cena e logo a Psicóloga pergunta o que aconteceu em seguida. Nicolas dá um breve resumo do que ele entendeu daquela época, diz que o que vê na verdade talvez faz parte dele. E que ele apenas aceitou aquilo na época, depois foi procurar ajuda.
A mulher sorri e diz que Nicolas fez o certo, também elogia sua atitude de continuar com as consultas mesmo depois de tanto tempo. Nicolas brinca dizendo que vai vir outras vezes já que está próximo do lançamento do seu primeiro quadrinho nacional. Ela pergunta sobre o que seria a história. Nicolas sorri e pensa consigo mesmo, porém diz que ela terá que esperar, mas o nome será “Kardama”
Nicolas sai pela porta do consultório após a sessão e anda pelo corredor. A criatura o observa e logo o segue em direção à saída.