Revista MERCOSUL Audiovisual - Patrimônio Audiovisual 2018

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época baseado na novela Raízes de la Aurora de Mario Halley Mora, adaptada para o cinema por Roa Bastos. Trata-se da história da Panchita, uma mulher paraguaia grávida que perde seu marido, um general do exército paraguaio, na frente de batalha. Narrado do ponto de vista de um Paraguai ocupado, Panchita sobrevive em um povoado isolado, abandonado no meio da fuga do Cerro Corá. Este filme é o primeiro deste corpus cujo personagem central é uma mulher, uma paraguaia que carrega consigo a esperança de reconstruir o país, que viveu a guerra de perto. O filme mostra para nós, ainda, os tesouros escondidos ou pláta yvyguy, esses míticos tesouros custodiados por almas penadas que serão um tema central em relatos cinematográficos mais atuais. Por outra parte, essa é a primeira aparição neste corpus dos diálogos em guarani, um dos grandes sobreviventes da guerra. La Sangre y la Semilla foi recentemente restaurado e isso é uma grande notícia. Raíces de la Aurora, a novela em que o filme se baseia, continua inédita. Talvez seja uma boa oportunidade histórica para editá-la. n O labirinto de espelhos do nacionalismo

Entre 1964 e 1970, a Guerra da Tríplice Aliança completa o primeiro centenário. Do ponto de vista cinematográfico, esse período é um grande fantasma da memória. É uma iniciativa privada que, em 1971, rememora o centenário da guerra: Argentino até a morte. Seu título, de tom nacionalista, contrasta com sua crítica antinacionalista, que parece augurar a década que seguiu na Argentina. Esse filme histórico narra, entre o drama e a comédia, as vidas de três amigos de Buenos Aires que se alistam ao exército. Seu protagonista, Roberto Rimoldi Fraga, era uma figura do star-system portenho, ator e cantor. Em sua sequência de títulos iniciais, vemos as inesquecíveis pinturas de

Cándido López. A ação situa-se em Buenos Aires, na alta sociedade portenha e os debates prévios à guerra e depois na frente, em Corrientes. Ali, o exército aliado toma como hospital de campanha a casa de uma mulher paraguaia, por quem o protagonista se apaixona. Novamente, a mulher paraguaia é um personagem central, colocada no cruzamento entre o colaboracionismo e a contrainteligência, sendo o único filme que trata um tema tão recorrente no cinema como as guerras da espionagem. O filme tem, ainda, cenas de batalha, especialmente da batalla de Tuyutí. São ali mostradas bandeiras dos países participantes, como lembrança para o público e amostra do desconhecimento geral de tão cruenta guerra. Em 1978 foi realizado o primeiro filme em 35 mm integramente paraguaio, Cerro Corá, (G. Vera, Paraguai, 1978). Este filme foi visto pela grande maioria da população urbana paraguaia. Este é o primeiro exemplo neste corpus de um filme comissionado diretamente por um governo central que trata especificamente da Guerra da Tríplice Aliança, realizado para gerar uma imagem identitária estatal. O filme mostra a busca de Alfredo Stroessner por render culto à figura recriada do Mariscal López como forma indireta de apoiar a ideia de um governo fortemente personalista. Assim, o filme narra a história do Mariscal López e a guerra, desde o início das hostilidades até sua morte em Cerro Corá. Apesar das pobres atuações e diálogos forçados, trata-se de um filme lembrado por todos os paraguaios, um marco indiscutível na cinematografia e política do país, um núcleo da projeção identitária indiscutível na cinematografia e política do Paraguai, mais além de posturas políticas. É, ao mesmo tempo, uma reconstrução histórica onde estão presentes muitos dos grandes tópicos da guerra: o Mariscal López, Elisa Lynch, os meninos soldados, a mulher paraguaia e a reunião em Yatayty Corá. Sobre esse encontro, este e outros filmes trabalham ao redor da incerteza histórica que existe sobre os termos do acordo de paz oferecido por López, que tanto López como Mitre levaram consigo ao túmulo.

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