Ciclo de Cinema 40 anos 25 de Abril - Folhas de sala - mês de Julho

40ANOS 25ABRIL CICLO CINEMA um filme + um convidado Sessão de 3 de Julho de 2014 CONVIDADO: JORGE LEITÃO RAMOS, CRÍTICO DE CINEMA

maio8 . 15 . 22 . 29 CÓPIA 35MM GENTILMENTE CEDIDA PELA CINEMATECA PORTUGUESA - MUSEU DO CINEMA 6 19 . 2ALCÁCER-KIBIR junh5o. 12 . DE OS DEMÓNIOS /1976 4 . 31 2 .

7 1 julho .

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FEIRAS

LIVRE ENTRADA

- QUINTAS 0 3 H 21

José Fonseca e Costa

Sinopse

O percurso de uma pequena companhia teatral pelo Alentejo em vésperas do 25 de abril, percorrido por uma série de símbolos da repressão e revolução que anunciam o fim da ditadura. José Fonseca e Costa devolve-nos a imagem de um país que mergulha num passado recente e nos fantasmas do inconsciente nacional. Segundo escreveu Eduardo Prado Coelho, “abre-se aqui uma outra teoria onde aproximadamente se proclama que a liberdade se conquista sempre onde o real tal-qual-é se fende e o imaginário se nos propõe”. Apresentado em Cannes na Quinzena dos Realizadores, teve estreia comercial em Portugal em 1977.

Canções de Sérgio Godinho, que tem aqui a sua estreia como ator no cinema português.

Realização José Fonseca e Costa Assistente de Realização Jorge Marecos Duarte Argumento José Fonseca e Costa (Colaboração: Augusto Sobral) Fotografia António Escudeiro Figurinos Jasmim Caracterização Luis de Matos Som João Carlos Gorjão Música Hector Berlioz (“Un Bal”) Canções Sérgio Godinho Decoração Madalena Pinto Coelho, Fernando Pinto Coelho, e Jasmim de Matos Anotação Teresa Vaz da Silva Montagem José Fonseca e Costa, João Carlos Gorjão Interpretação António Beringela (Beringela), Ana Zanatti (Lianor), Sérgio Godinho (Camolas), Luís Barradas (o mudo), João Guedes (Dr. Gonçalo), Zita Duarte (Joana), Artur Semedo (Capitão), Carlos José Teixeira (latifundiário), Pedro Éfe (operário em greve), Fernando Gusmão.

Produção Tobis Portuguesa (Colaboração: Centro Português de Cinema/ CPC) Director de Produção Paulo de Morais Produtor Executivo Artur Semedo Cópia da CINEMATECA PORTUGUESA – MUSEU DO CINEMA, 35mm, cor, 88 minutos Estreia Mundial Quinzena dos Realizadores, Festival de Cannes, Maio de 1976 Estreia em Portugal Quarteto, a 10 de Abril de 1977.

Ao rever certos filmes, é necessário fazer dessa re-visão um acto de avaliação das possibilidades e limites de cada época. É preciso, de certa forma, voltar de novo a 1974 e 1975, e considerar o quadro de produção e o quadro estético em que o cinema português se movia, bem como o processo político que balizava o seu campo de manobra.

Serve esta chamada de atenção para justificar o recurso a numerosas declarações da época sobre Os Demónios de Alcácer-Kibir (filme que Fonseca e Costa pensou em 1975, cuja rodagem durou dois meses e que só estreou em Portugal em 1977, circunstância que ilustra bem - e outros exemplos há - o circuito penoso a que qualquer filme português se obriga), com que documentaremos as nossas próprias observações. Rever um filme é, pois, rever igualmente o que sobre ele se disse, o que para ele se definiu como objectivo, etc...

Assim, repare-se que Os Demónios de Alcácer-Kibir nasce sem que o próprio produtor do filme saiba aquilo que Fonseca e Costa iria filmar (cf. entrevista do cineasta ao Expresso, em 6 de Abril de 1977). Torna-se pois evidente que esta situação de excepção (“dificilmente alguém terá filmado um filme com tanta liberdade como eu filmei este”, diz Fonseca e Costa), sem paralelo em qualquer outro mercado, cinemas de Estado incluídos, tem o seu peso a nível estético: o desaparecimento dos constrangimentos de expressão, a total ausência de obrigação a modelos narrativos quaisquer que fossem.

Em segundo lugar, se queremos experimentar todo o alcance do projecto Os Demónios de Alcácer-Kibir, sigamos minimamente o quadro político que então se vivia. “Devo no entanto lembrar que o filme foi rodado em pleno período gonçalvista, portanto, num período em que havia uma certa euforia entre algumas forças de esquerda que, de certo modo, não aprovariam nessa altura o filme, na forma que ele tem agora, se porventura o gonçalvismo se mantivesse no poder”, declarava José Fonseca e Costa na já citada entrevista. O que quer dizer pelo menos duas coisas. Por um lado, Os Demónios... surge num quadro de sensibilidade que não tem correspondência com o de hoje: nos longínquos 1975 e em 1977, ano da sua exibição, as coisas a ser ditas pelo cinema português não eram as mesmas que hoje devem ser ditas (ou narradas), nem o modo como o espectador via o filme tem paralelo com o nosso. Por outro lado, a declaração de Fonseca e Costa significa, tout court, que o seu filme é, de modo muito pessoal e peculiar, um filme político.

Este modo peculiar de ser filme político - de ser filme militante - provoca engulhos aos que concebem esse cinema como serviço (alguém escreveu: “O filme não serve essa luta (dos camponeses alentejanos) e esses trabalhadores” e, num estilo conhecido, “Que mais será preciso dizer? Serão necessárias análises ao ‘estilo’, às ‘influências’, à ‘técnica’ que, aliás, melhor ou pior,lá vai permitindo que o realizador diga aquilo que pretende? Antes o não permitisse”), provocando, ao contrário, o elogio rasgado de Eduardo Prado Coelho (“abre-se aqui uma outra teoria onde aproximadamente se proclama que a liberdade se conquista sempre onde o real tal qual-é se fende e o imaginário se nos propõe”) e de José Vieira Marques (“Desde o início, pois, é esquivada toda e qualquer pretensão a documento explosivo, ao sabor de muito (mau) cinema militante ou de intervenção, expressões com que alguns classificaram preguiçosos exercícios de gravação em imagens de ‘manifestações’ e outros sinais exteriores da vontade de revolução que o 25 de Abril de 74 veio acordar em Portugal”).

Ora, desde a alteração das condições de produção de filmes, até à alteração das teorias e dos padrões de gosto cinematográfico, passando pelas alterações do quadro político, tudo hoje concorre para que esta evocação do passado, que vai longa, pareça cair de outra galáxia e nos obrigue a pôr os pés no chão.

Excepção feita aos indefectivéis de qualquer saudade, as questões do chamado cinema político perderam a prioridade, ganhando particular relevo tudo o que é - do ponto de vista formal-interno ao próprio filme. Assim, Os Demónios de Alcácer-Kibir ao cair hoje sob a mira do espectador é posto sobretudo face a problemas de linguagem em relação aos quais Fonseca e Costa tem posição bem clara, uma vez que os seus filmes imediatamente subsequentes (Kilas e Sem Sombra de Pecado) são, nesse particular, o seu “manifesto”. Pode mesmo dizer-se que os defeitos da época assinaláveis em Os Demónios... surgem corrigidos nesses dois filmes. No fundo, o projecto de cinema de Fonseca e Costa tem pouco a ver com o carácter alegórico que Os Demónios propõe e curiosamente a inexistência de um constrangimento narrativo retira tensão ao trabalho técnico executado (os longos planos com elaborada movimentação da câmara, o trabalho de iluminação a raptar ao fundo negro os rostos dos actores, e forte contraste das cenas de estúdio com o uso de cenários e luz naturais) nunca ficando evidente a sua necessidade, nem se destacando desse trabalho qualquer óbvia unidade (sabemos mal como os saltimbancos se tornam sujeitos da repressão política a seguir à greve, percebem-se mal os contornos dos personagens).

Neste filme sem fio narrativo - o que em si não constitui factor negativo, mas que o pode ser num cineasta que precisa de contar um história, como é o caso de Fonseca e Costa - outros poderão achar elogiosamente que estamos face a uma construção nómada ou a uma encenação semelhante à de um teatro de saltimbancos. Resisto a considerar assim os Os Demónios... o filme interessa-me como reflexo de uma época e de uma problemática (estética), mas a excessiva simbologia, a economia desproporcionada apagam hoje o seu alcance, tanto político como cinematográfico. ~ M. S. Fonseca (‘‘folhas’’ da Cinemateca)

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40ANOS 25ABRIL CICLO CINEMA um filme + um convidado Sessão de 10 de Julho de 2014 CONVIDADO: MÁRIO TOMÉ, MILITAR DE ABRIL

maio8 . 15 . 22 . 29 CÓPIA 35MM GENTILMENTE CEDIDA PELA CINEMATECA PORTUGUESA - MUSEU DO CINEMA o. 12ADEUS . 26 PORTUGUÊS/1985 9 1 junhUM .

5 4 . 31 2 .

7 1 julho .

0 1 3.

FEIRAS

LIVRE ENTRADA

- QUINTAS 0 3 H 21

João Botelho

Sinopse

Os efeitos da Guerra Colonial sobre os portugueses. Estas marcas são dadas pela ausência de um soldado morto na guerra, através de um reencontro familiar doze anos passados sobre a sua morte. Por detrás da cortesia, as personagens nada têm a dizer umas às outras. Com sequências a preto e branco da África portuguesa em 1973 e sequências a cores de Portugal em 1985, a segunda longa-metragem de João Botelho é uma história de guerra e uma história de resignação e fatalismo.

Realização João Botelho Argumento João Botelho, Leonor Pinhão Fotografia Acácio de Almeida Montagem João Botelho, Leandro Ferreira, Ana Luisa Guimarães, Leonor Guterres Música Olivier Messiaen; musica popular angolana Intérpretes Isabel de Castro (Piedade), Ruy Furtado (Raul), Maria Cabral (Laura), Fernando Heitor (Alexandre), Cristina Hauser (Rosa), Henrique Viana (Editor), João Perry (Jorge), Cremilda Gil (criada), Luis Lucas, Diogo Dória, António Sequeira Lopes, Robert Sambela, José Jorge Duarte, Fernando Oliveira, António Caldeira Pires, José António Camões, Marcello Cerqueira, Luciano Alvarez, João Nascimento, Zé da Guiné, Nelson Morais (soldados), António Peixoto (Padre), José Manuel Meneses (filho do caseiro), André Gomes, Anamar, Osório Mateus, Ana Jotta, António Reis.

Produção João Botelho (Produções Off) Chefe de Produção Rosi Burguete Cópia da CINEMATECA PORTUGUESA – MUSEU DO CINEMA, 35mm, colorida e preto e branco, 83 minutos Ante-Estreia Cinemateca Portuguesa, em 4 de Outubro de 1985 Estreia Quarteto, Tivoli, em 17 de Abril de 1986

Na geração que se lançou no cinema português no começo da década de 80, João Botelho faz figura de “chefe de fila”.

Não tanto por qualquer papel de “pioneiro” que seja o seu, e mais pela importância da sua obra. As suas duas primeiras longas-metragens são, talvez, as mais importantes que essa geração nos deu nesses primeiros anos de existência: Conversa Acabada e Um Adeus Português. O que distingue Botelho dos seus companheiros de percurso é um estilo que usa um olhar moderno sobre os modelos clássicos de cinema sem cair na “homenagem” ou na “citação” banalmente “pósmoderna”, sendo antes resultado de uma compreensão das suas formas.

Um Adeus Português é, possivelmente, o mais significativo dos dois filmes, e talvez o melhor dos que Botelho fez até agora, sendo, inclusive, um dos melhores filmes portugueses de sempre. O argumento do filme inspira-se vagamente no clássico de Yazujiro Ozu, Tokyo Monogatari/Viagem a Tóquio, seguindo o percurso de um velho casal da província que se desloca à cidade a fim de fazer uma visita (que se adivinha derradeira) aos filhos dispersos. A semelhança, porém, fica-se por aí, não representando o filme de Ozu mais do que uma fonte de inspiração. Chamem-lhe “plágio” se quiserem, mas nesse caso o termo terá o mesmo sentido que lhe dava John Ford quando falava dos seus colegas de trabalho e de geração referindo que todos se “copiavam” entre si (e basta ter um conhecimento, mesmo superficial, do cinema americano clássico para encontrarmos temas e variações da parte de todos eles sobre filmes dos outros). Um Adeus Português será, por isso, uma “variação” de Viagem a Tóquio, mas com um cunho vincadamente português.

O filme de Botelho está construído em forma de dois temas que vão-se desenvolvendo paralelamente ao longo de algum tempo, para tomarem, a pouco e pouco, um percurso concêntrico que os vai levar a uma união final, que é realizada essencialmente pelo espectador. O primeiro tema tem a ver com a guerra colonial em que o país esteve mergulhado durante 13 anos. Neste caso, pode dizer-se que Um Adeus Português foi o primeiro filme que abordou, de uma forma séria, aquele conflito, que passara apenas tangencialmente nalguns (poucos) filmes anteriores (e mesmo depois a questão tem sido desleixada ou tratada ligeiramente, com a excepção do Non de Oliveira, remetendo-se, actualmente, para sequelas e traumatismos de ex-combatentes). Toda esta parte, cujos segmentos surgem em paralelo com os da outra (segundo o modelo da montagem griffithiana, outra grande influência no cinema de Botelho como testemunha o belíssimo Tempos Difíceis) é filmada num preto e branco filtrado por uma leve tonalidade verde, e corresponde à memória que os portugueses que acompanharam a guerra a partir do continente, tiveram (têm) dela: a que nos chegou na sua maior parte através das imagens da televisão. O que Botelho nos mostra aqui é a imagem “oculta” de então: a solidão e o medo, o perigo permanente que paira sobre uma companhia que se desloca pelo mato (estamos em 1973), os seus encontros com o inimigo, as baixas que provoca e as que sofre. Tudo filmado sem tonalidades heróicas, com a câmara próxima dos homens da mesma forma que John Ford se aproxima dos seus soldados de cavalaria, escuta os seus comentários e grava os seus gestos, dando-lhe uma humanidade que nada tem a ver com os clichés habituais dos “soldados em guerra”.

A “outra” história, esta filmada a cores (o nosso olhar de hoje) decorre na actualidade (1985, ano da produção do filme), e começa por nos mostrar um camponês sentado e aparando um pequeno ramo com um canivete, à espera da mulher que sai de um cemitério na sua visita habitual ao túmulo de um filho (que no final, numa cena para que todo o filme nos preparara) que saberemos ter sido morto em combate. É um convite da viúva deste, que vive em Lisboa (Maria Cabral, o “rosto” do “cinema novo”, num efémero regresso) que leva o velho casal a visitar Lisboa para ver os filhos dispersos, acabando por encontrar um grupo humano resignado à nova apagada e vil tristeza, ao compromisso na luta pela sobrevivência (um remetido à escrita de histórias pornográficas).

Botelho vai ligando os “pedaços” de cada tema de uma forma harmónica, através de raccords perfeitos e cheios de sentido, com destaque para o que liga a bandeira portuguesa no ecrã da RTP, com a música substituída pelo barulho do ondular, que surge como uma “capa” tanto da memória do passado que o velho (Ruy Furtado) tem, como desse mesmo passado, para o que o plano seguinte (os soldados no mato) representa. Se esta “passagem” perfeita é também um sinal da presença de Ford no filme de Botelho, esta manifesta-se em muitos outros momentos e de outras formas: na maneira de captar um rosto, na forma como enquadra uma família à mesa (o velho casal em sua casa) no belíssimo plano do interior da igreja, a que a música de Messiaen dá uma grande força dramática, e nos fabulosos planos derradeiros em que o velho, de novo na sua terra, retoma o gesto de cortar madeira e à chegada do garoto lança o pedaço à agua, com a câmara captando os círculos que a queda provoca, da mesma forma que a de Ford captava os provocados por gesto semelhante de Henry Fonda a meio de Young Mr Lincoln, que prepara, também, um dos mais geniais raccords de toda a história do cinema. Seguindo o olhar do mestre, Botelho fez também uma obra-prima. ~ Manuel Cintra Ferreira (‘‘folhas’’ da Cinemateca)

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40ANOS 25ABRIL CICLO CINEMA um filme + um convidado Sessão de 17 de Julho de 2014 CONVIDADO: LÍDIA JORGE, ESCRITORA

maio8 . 15 . 22 . 29 CÓPIA 35MM GENTILMENTE CEDIDA PELA CINEMATECA PORTUGUESA - MUSEU DO CINEMA junh5o. 12 . 19 . 26 OXALÁ/1980 António-Pedro Vasconcelos

4 . 31 2 .

7 1 julho .

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FEIRAS

LIVRE ENTRADA

- QUINTAS 0 3 H 21

Sinopse

Entre 25 de abril de 1974 e Outubro de 1978, um jovem exilado em Paris faz várias viagens a Portugal, experiência que o argumento de OXALÁ trabalha através de uma série de retratos femininos. “De OXALÁ dizia-se que era um filme de mediações (‘só se tem acesso ao que se deseja através de mediações’, escreveu Eduardo Prado Coelho). Permita-se-nos deslocarmos ligeiramente a mesma ideia: OXALÁ é o desejo de pôr em imagens uma memória possível do 25 de abril mediado por uma forma cinematográfica alheia” ~ (M.S. Fonseca)

Realização, Argumento e Diálogos António-Pedro Vasconcelos Assistente de Realização Leandro Nascimento, João Pedro Bénard da Costa, Albano Pereira, Maria João Rocha Fotografia João Rocha (Cenas de Paris – Emílio Pinto) Assistente de Fotografia José Carvalho Som Jean-Paul Mugel, Vasco Pimentel Misturas Antoine Bonfanti Fotógrafo de Cena Paulo Vasconcelos Montagem Leonor Guterres Interpretação Manuel Baeta Neves (José Caeiro), Marta Reynolds (Maria), Laura Soveral (Inês), Judite Maigre (Françoise), Lia Gama (Lídia), Ruy Furtado (Manuel), Karen Blangueron (Leslie), Teresa Madruga (Tina), Adelaide João (porteira).

Produção V.O. Filmes Produtor Executivo Paulo Branco Direcção de Produção José Luís Vasconcelos Chefe de Produção José Mazeda Distribuição Filmes Castello Lopes Laboratórios de Fotografia Tobis Portuguesa, Éclair (Paris) Laboratórios de Som Nacional Filmes, CREPAL Cópia: da CINEMATECA PORTUGUESA – MUSEU DO CINEMA, 35mm, cor, falado em português e francês, 130 minutos Estreia Nimas, 8 de Maio de 1981.

1980: seis anos depois o “25 de Abril” já só pode ser objecto de representação fílmica enquanto memória. E, mais ainda, enquanto memória individualizada, passando pela grelha irredutível da vivência de alguém.

Pelo menos, é essa a possibilidade que Oxalá, de António-Pedro Vasconcelos, ensaia. Noutros dois filmes, o cineasta, tinha reflectido sobre fenómenos particulares – e algo laterais – da Revolução de Abril. Num, Adeus, Até ao Meu Regresso, António-Pedro recuava à guerra colonial e ponderava efeitos posteriores, curiosamente fazendo incidir a sua atenção sobre percursos individuais, conseguindo que do registo documental emergissem personagens que diríamos de ficção. Num outro, Emigrantes ... e depois?, o realizador aborda o encontro dos emigrantes com o Portugal de 75, ainda aqui concentrando-se exemplarmente sobre figuras envolventes – quase romanescas na sua hostilidade ou na sua disponibilidade – em prejuízo do quadro sociológico “neutro”.

Oxalá tem, no mínimo, esse parentesco com os dois filmes anteriores de António-Pedro Vasconcelos: o de quase venerar os seus personagens e o de fazer passar através deles – e só através deles – os fenómenos colectivos ou os factos históricos.

A memória: que é dela que se trata, e para que não tenhamos dúvidas, vem sublinhá-lo a voz-off, lugar privilegiado de cruzamento entre a ficção e a vida. O eu do narrador cauciona a ficção, mas está para além dela, é para o espectador uma presença a mais na medida em que instala nele a perturbação do estatuto das imagens e dos sons: então, o que vemos e ouvimos o que é, uma experiência vivida, a matéria de uma ficção, ou um muito suspeito agente duplo entre os dois?

Os personagens: que é deles que se trata (ou por meio deles que somos tratados) resulta evidente nos três retratos (mais um, o do próprio Caeiro, cordão umbilical que une os três) de mulheres que se seguem ao prólogo. (Recordemos a propósito que também em Adeus, Até ao Meu Regresso se fazia dos personagens “o retrato à la minuta”). Em Oxalá não é só da construção de personagens que se trata, mas veremos inclusivamente a construção do filme ser determinante pela deambulação de Caeiro e pela “travessia” – que corta, que interrompe – das diversas mulheres.

De Oxalá dizia-se que era um filme de mediações (“só se tem acesso ao que se deseja através de mediações”, escreveu Eduardo Prado Coelho). Permita-se-nos deslocarmos ligeiramente a mesma ideia: Oxalá é o desejo de pôr em imagens uma memória possível do “25 de Abril” mediado por uma forma cinematográfica alheia. Desrespeitando hierarquias começaríamos por Eric Rohmer. Oxalá deve-lhe no mínimo duas coisas: a estrutura literária e o horizonte moral de toda a fala e de todo o gesto. Não é evidentemente a mesma coisa. Em Rohmer os actores estão permanentemente em pose, são nesse sentido mais rígidos, porque mais controlados pelo metteur-en-scène. Todo e qualquer plano de Rohmer está na iminência de se converter em pintura, demonstrando uma vocação cristalizadora que antagoniza a ideia de movimento a que a imagem cinematográfica parece obrigada.

Há depois (em boa verdade, deveria dizer-se, há antes) a presença tutelar de Truffaut. É uma presença que decorre tanto da disponibilidade do cineasta para os seus personagens, como da consideração da narrativa em função de um lugar do espectador.

E Truffaut passa por Oxalá sobretudo na duplicação – bastante referida na altura da estreia do filme – de Truffaut/Léaud por Vasconcelos/Baeta Neves (Caeiro). Mas passa também como mentor espiritual. Em 1957, Truffaut escrevia a seguinte profissão de fé: “O filme de amanhã adivinho-o ainda mais pessoal do que um romance pessoal e autobiográfico, como uma confissão ou como um diário íntimo. Os jovens cineastas exprimir-se-ão na primeira pessoa e contar-nos-ão o que lhes aconteceu: o que poderá ser a história do seu primeiro amor, ou a do mais recente, a sua tomada de consciência na política, o relato de uma viagem, uma doença, o seu serviço militar, o seu casamento, as suas últimas férias e isso agradará quase necessariamente porque soará verdadeiro e novo ...”. Um programa a que Oxalá se quer obrigar.

Para pegarmos na palavra de Truffaut: o que há de verdadeiro e novo nesta memória do 25 de Abril? Alguma coisa há. É novo o facto de o 25 de Abril ser tratado assim, como eco no trajecto individual, como empresa literária e metafísica, mas sobretudo como facto (ou como vivido) digerido por uma concepção do cinema herdada da Nouvelle Vague, onde o romanesco se entretece no jogo entre off-in, entre o eu e os seus fantasmas, entre o improviso (ou pelo menos uma certa displicência narrativa) e a citação rigorosa e chocante. E o verdadeiro? Digamos que o verdadeiro surge com pequenos grãos: nos rostos de algumas mulheres (e recorda-se, sobretudo, a perplexidade do despertar de Leslie com o 25 de Abril dos portugueses – a propósito repare-se na importância que tem a passagem do sono à vigília, uma obsessão facilmente identificada neste filme; recorda-se, também o rosto de Maria – e a disposição romehriana do corpo – quando “adivinha” a morte de Artur); nas páginas de um livro que se sublinha, na citação que “ocorre”, num suposto “Monólogo do Exilado” que está lá para ser arquetípico; nos símbolos que contaminam de irrealidade o quotidiano: um roupão esquecido, uma boneca de trapos, um diário, fotografias ... ~ M. S. Fonseca (‘‘folhas’’ da Cinemateca)

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