"Do tirar pelo natural" e a retratística

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3.2. RETRATISTAS E RETRATADOS “Do tirar pelo natural” tem início por um prólogo. Neste, Francisco de Holanda explica que estando a caminho de Santiago junto ao Infante Dom Luís, filho de D. Manuel I e D. Maria de Aragão, após passar por diversas cidades, chegou ao Porto. Lá habitava Brás Pereira, grande amigo seu. É com ele que este diálogo será transformado em texto. As mesmas perguntas que são feitas quanto à presença de Michelangelo em “Diálogos em Roma” podem ser aplicadas neste caso: teria Holanda efetivamente encontrado Brás Pereira no Porto e travado estes diálogos? Ou seria este apenas um exemplo de humanista português ideal a ser inserido no texto, assim como no caso do artista italiano, uma forma de dar maior verossimilhança e mesmo respeito às palavras de Holanda? Seria este texto um “retrato literário” de seu amigo e/ou de seu encontro? A diferença aqui é que em vez de Francisco de Holanda se colocar no lugar de aprendiz, como acontece nos “Diálogos em Roma”, em que Michelangelo está na posição de mestre, a relação aqui é inversa; Brás Pereira seria o discípulo de Holanda, um sábio no campo da retratística. Não devemos esquecer também do modo como ele descreve seu amigo, ou seja, um “homem fidalgo de muito gentis partes e habilidades” que “na arte da Pintura tem muito engenho e natural”. Estas características, segundo o próprio, “... se acham em mui poucos fidalgos portugueses”.192 Não se trata de um aprendiz qualquer, mas sim de alguém já iniciado na arte de se tirar pelo natural. Brás Pereira pergunta e Fernando (pseudônimo para Francisco de Holanda) responde. Em alguns momentos é este último quem lança dúvidas a Pereira, como que para testar seus conhecimentos. Quando necessário, o mestre dá conselhos precisos ao discípulo, de acordo com a eficiência de suas respostas. Estas falas teriam acontecido já no retorno de Holanda para Lisboa, quando teve de voltar ao Porto a fim de entregar ao mesmo Brás Pereira algumas “cabeças de gesso” romanas que deviam ser encaminhadas a Lisboa por via

parâmetros de sua leitura e interpretação” in MICELI, SÉRGIO. Imagens negociadas – retratos da elite brasileira (1920-40). São Paulo: Companhia das Letras, 1996, pág. 18. 192 Citação extraída da edição crítica da presente dissertação de mestrado.

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