"Do tirar pelo natural" e a retratística

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Mesmo que suas críticas negativas sejam mais conhecidas, ou seja, a famosa frase em que ele afirma que Michelangelo gostaria que existisse um Tiziano com maior domínio do desenho, em detrimento de sua relação com a cor237, não há titubeio para que Vasari elogie, sempre que possível, algum retrato realizado por Tiziano. São tantos os retratos, que em dado momento o escritor chega a afirmar: E perchè sono infinite l‟opere di Tiziano, e massimamente i ritratti, è quase impossibile fare di tutti memória. Onde dirò solamente de‟ più segnalati, ma senz‟ordine di tempi, non importando molto sapere qual fusse prima e qual fatto poi.238

Em uma última leitura possível, gostaria de retornar à Portugal e ao ambiente que circundava Francisco de Holanda. Costuma ser lembrada, pelos poucos historiadores que se detiveram em uma análise da produção de retratos portugueses no século XVI, a ida de Anthonis Mor, pintor dos Países Baixos, a terras de Portugal. Annemarie Jordan-Gschwend, por exemplo, dedica todo um livro ao assunto, cujo título deixa clara essa relação: “Retrato de corte em Portugal – o legado de António Moro”.239 Mor chega a Portugal em 1551, ficando nove meses na corte de D. João III, onde realiza retratos de diversas pessoas da família. Jordan-Gschwend elenca alguns documentos que apontam para que, em verdade, essa viagem do artista tenha sido incentivada pela irmã de D. Catarina de Áustria, Maria da Hungria, que possuía uma célebre galeria de retratos reais. O retratista nórdico a Portugal teria ido para realizar imagens desse tronco da família real da irmã de Carlos V. Porém, parece inevitável também tentar relacionar esta sua vinda com algum impacto proporcionado pelo texto de Francisco de Holanda, aqui já “... se quest‟uomo fusse punto aiutato dall‟arte e dal disegno, come è dalla natura, e massimamente nel contraffare Il vivo, non si potrebbe far piu nè meglio, avendo egli bellisimo spirito ed una molto vaga e vivace maniera”. In: Ibidem, pag. 206. (Tradução livre: “... se Tiziano tivesse sido assistido pela arte e pelo desenho assim como o foi pela natureza, especialmente quanto à reprodução de objetos vivos, nenhum outro poderia realizar obras melhores, pois ele teria um belíssimo espírito e uma muito vaga e vivaz maneira”). 238 “E porque são infinitas as obras de Tiziano, e especialmente os retratos, é quase impossível sabê-las todas de memória; onde direi apenas das mais evidentes, mas sem ordem de tempo, não importando muito saber qual foi a primeira e qual feita depois”. In: Ibidem, pág. 204. Tradução livre. 239 JORDAN-GSCHWEND, Annemarie. O retrato de corte em Portugal – o legado de Antonio Moro (1552-1572). Lisboa: Quetzal Editores, 1994 237

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