4:5 #1 - Exposição Colectiva

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Os projectos aqui apresentados decorrem da procura de um referente próprio à subjectividade do processo individual de criação. Se num dado momento a imagem fotográfica nos parece facilitada, pelo seu comodismo técnico, tomamos também consciência, com a sua prática, da enorme falácia a que a superfície espelhada do real nos habituou. Indagamos e encontramos apenas o olhar vítreo de um ver sem substância, o acumular de aparências simuladas, um real sem pertença a um imaginário. Neste projecto, procura-se o escape a esta ilusão, uma construção em processo ciente de si mesma e dos outros. Uma comunicação que se quer num Museu que privilegia este acto de diálogo, uma relação de distâncias que se quer próxima, a dos autores/as e a do público, numa heterogeneidade de modos de expor e de modos de ver. É na disparidade dos assuntos abordados que encontramos a energia colectiva destas representações. Se nas fotografias de Paulo Fernandes Pedroso, procuramos a transparência da opacidade dos sonhos e do limbo da consciência de si, nas imagens de Ana Isabel encontramos a fuga à palidez do lufa-lufa do quotidiano, um recanto de afectos e memórias evanescentes. Joana Carvalho Dias, discorre num mergulho de si mesma sobre a continua transitoriedade da existência e sobre as certezas que nunca o foram, abrindo espaço para Luísa Neves que nos embala numa reflexão introspectiva sobre nós e os outros, um todo à deriva em águas turvas. No trabalho de Margarida Macedo Basto, percorremos o lugar da memória e da afeição na estranheza pragmática de objectos estacionários, dando lugar ao espaço do deslumbre e da descoberta de uma fé em produção no projecto de Mafalda Gomes, terminando num percurso sinuoso pelas encostas de uma serra, à procura de uma paisagem de rostos em trânsito nas fotografias de José Carvalho.



Eu Acredito em Unicórnios, Magia e Possibilidades… ANA ISABEL

30 imagens 11x8,5 / ​8,5x5,5cm fotografia polaroid/instax suporte molduras A4, A5 e A6

Era outubro. Eu procurava incessantemente um motivo para continuar a fotografar e como não o encontrasse sozinha foi a curiosidade pela vida que se sobrepôs à dormência do excesso de informação, ao medo e ao abandono do momento do primeiro passo. Devo a minha vida à curiosidade e, provavelmente, um dia também lhe vou dever a morte. Tudo o que vemos oculta outra coisa e na verdade mesmo que não o digamos queremos sempre ver essa “outra coisa”. Às vezes são peças de séries secretas, aglomerados de pensamentos e emoções, sonhos e pesadelos ou só o tic-tac das horas. No espaço e no tempo deste trabalho condensei as minhas “outras coisas” em triângulos porque o triângulo é a forma mais poderosa de todas as naturezas onde reside a magia e as possibilidades, conhecidas e desconhecidas. Palavra, gesto, imagem… Imagem, sensação, memória… e da imagem que os unia, um delta de polaroides, irrompeu num embrulho de recordações que teimam em desvanecer-se na neblina do meu tempo. Tudo o que às vezes quero é um gatilho para alcançar memórias porque me tornei adulta sem uma orientação sobre sentimentos e emoções e despedi-me da criança que fui sem satisfazer as suas necessidades mas mantendo as suas ilusões. Estas fotos são uma anamnese das minhas partes todas onde se registam mistérios sem conta e talvez por puro milagre recupere a memória que não tenho, com notas de rodapé e minúcias inofensivas, porque estas imagens, atam pontas. Sempre tentei dar uma explicação ao que vejo em vez de tomar consciência do que sinto e às vezes, muitas vezes, é preciso olhar para as coisas de outro ponto de vista. Na certeza de que enquanto mulher vou morrer com um ou dois segredos por desvendar, porque demasiados segredos são o que leva uma mulher à morte antes do tempo, às vezes sou clandestina na minha própria vida, camuflada no meio de todo o género de coisas. Sou uma desordenada mescla de pormenores vagos e exclusivos do meu dia-a-dia meio real meio imaginário. É nestes pequenos infinitos, inigualáveis experiências de amor / ódio, que a cor e as linhas e as tonalidades e as formas ganham importância maior que os acontecimentos em si. Esta é uma audaz e pitoresca reunião de momentos e o meu desejo é que a minha ideia sucumba à mensagem visual entendida pelo visionário final, porque somos todos ilusionistas na criação da nossa estória. O que faria eu sem a fotografia? - Enganar-me muito mais vezes!



Olhar de Si JOANA CARVALHO DIAS

25 imagens 24x24 / 19x26 / 24x34 / 34x49cm fotografia digial impressão offset digital Colotech 300g

Quando, num dia de fim de Setembro de 2016, surgiu a oportunidade de fazer este projecto, senti-me incapaz de fugir de mim e do que sabia que a minha vida, de forma inevitável e inexorável, iria trazer: mudança. Foi esta palavra o mote para o conceito sobre o qual o trabalho se desenvolveu. A perturbação que a mudança arrasta consigo estende-se por vários tentáculos que contaminam e que, tal como um leque a abrir-se, revelam outras noções ou conceitos, tais como estranheza, caminho, caos, dor ou vazio, geradores de emoções (ou serão as emoções que geram os conceitos?). Como num labirinto de ruído, palavras, emoções, recordações e sonhos, tento encontrar o Fio de Ariadne que teça um sentido e aponte uma direcção. Afinal, nunca nada é para sempre. Esta ideia da mudança esteve ancorada nas circunstâncias de então: doença, dor, luto, partidas, mudança de casa. O projecto fotográfico tem, por isso, um cariz biográfico e estendeu-se por vários meses e locais. Embora não revele uma preocupação cronológica (o tempo de que trata é um tempo pessoal e intimista), ele reflecte uma noção de local dicotómica. O interior é a casa, refúgio e intimidade onde assentam e se escondem fragilidades. Mas é também um pequeno cosmos que se faz e desfaz pondo e dispondo as coisas que fazem as casas e que pontuam as vidas. De repente, percebe-se, tantas dessas coisas sobram, porque deixam de ter sentido ou deixam de ter quem as possua, ou porque se perderam num desses esquecimentos com que tecemos a vida. O exterior, por outro lado, remete-nos para algo que está para lá da nossa dimensão humana e psicológica: a permanência. Os montes estão hoje onde estavam ontem, as casas não mexem, todos os dias o mar tem ondas. O exterior não é olhado nem sentido como desencadeador ou interveniente na mudança; é a outra face, a que equilibra. Assim, através destas imagens, que, mais do que testemunhas, foram quase um prolongamento do que se é, de como se está, um Olhar De Si, tento sugerir, evocar, lembrar, sonhar, abraçar, recusar, todo um variado e díspar leque de emoções que os tempos de mudança arrastaram consigo.



Por Entre Praias e Montanhas JOSÉ CARVALHO

29 imagens 39x26 / 22,5x15cm fotografia digial impressão jacto de tinta papel luster

No verão a Arrábida é o local predilecto para muita gente, devido às suas belas praias. Durante esta época quente e soalheira, a cidade parece mudarse para a serra. Os carros acumulam-se nas bermas durante quilómetros, deixando a estrada quase intransitável, as praias cobrem-se de gente que faz os possíveis para encontrar um canto para estender a toalha. O caos e a confusão são gerais, à semelhança de outros destinos balneares. Na época baixa, há outra serra que se revela. Esta, muito mais calma e serena, poucos conhecem. Nesta altura a paz e o silêncio reinam. Perdido nos trilhos, por entre praias e montanhas, sinto-me em paz com a natureza. Sou um privilegiado. Por momentos a serra é minha e só eu disfruto da sua beleza, do som do vento e do mar e da calma que eles transmitem. Esta sua faceta, enevoada e fria, matém a multidão afastada, no entanto atrai algumas pessoas que procuram serenidade. Ao explorar a Arrábida, vou-me cruzando com algumas. O meu interesse em explorar o território, começa a estender-se também aqueles que o frequentam neste período. No fundo, também eles fazem parte da Arrábida, seja por tirarem proveito dela para a produção de produtos regionais, por vigiarem e manterem o espaço natural, ou simplesmente usufruirem dela para actividades de lazer. Este projecto fotográfico pretende ser uma visão pessoal sobre o Parque Natural da Arrábida, resultante de meses de pesquisa e descoberta no terreno, durante o inverno e primavera, e resulta da junção de fotografias do território, representando algumas das suas características, com retratos das pessoas que o habitam.


5 imagens 90x60 / ​22,5x15cm fotografia digial impressão jacto de tinta papel Premium luster photo 260g suporte alumi card


Homeostasia LUÍSA NEVES Como processo de investigação, observo as profundezas do mundo natural, questionando noções de reequilíbrio, estabilidade e ordem, como propriedades fundamentais do nosso sistema mental e social. Esta necessidade de autorregulação, livre de interferências externas, permite uma percepção de tempo que o nosso corpo/ mente tem para repor o equilíbrio e a ordem. Surge do inconsciente, do conflito de desejos, expectativas, contradições, medos, etc. Este isolamento, ausência de som, torna-se um porto seguro que permite uma reflexão interior, sobre associações, vínculos e interesses da forma como vivemos. Nesta invisibilidade e silêncio interiorizamo-nos, depurando as emoções e reafirmando a nossa identidade.



Todos os anos, por todo o país, a certa altura se ouve falar em quartos de hotel com lotação esgotada, sacos de cama para alugar e pessoas que caminham quilómetros até à Capelinha das Aparições. 2017 foi um ano com duplo extra, para além de se celebrarem os 100 anos das Aparições de Nossa Senhora de Fátima, o Papa Francisco visitou esta cidade para se juntar às celebrações. Marcada pelas suas conotações turísticas e religiosas, Fátima sempre foi para mim, e para a minha família, um local de passagem. Apesar destas visitas serem frequentes, o meu entendimento sobre esta cidade era limitado e apenas conhecia uma pequena parte dela. De tanto se ouvir falar, a vontade de conhecer e observar por mim mesma o que é esta Fátima que todos falam provocou a minha curiosidade e levoume a embarcar numa viagem pela terra dos três pastorinhos. Este projecto inicia-se com a chegada do ano da celebração do Centenário das Aparições, assim como as minhas viagens por esta cidade. Convidei-me a caminhar pelas ruas da Cova da Iria, a embrenhar-me nos seus arredores e quando dei por mim estava metida em bancas de comércio local e fábricas de artigos religiosos. Com o propósito de criar um retrato que representasse o meu entendimento e visão a cerca desta cidade, através de uma abordagem documental presenciei o ambiente do antes, o durante, e aguardei ansiosamente também pelo fim e pelos vestígios que sobraram pelo chão, ruas e ares de Fátima após as celebrações. À medida que fui caminhando a minha relação com esta freguesia deixou de ser inexistente e, sem ter qualquer tipo de ligação eclesial com este local, sou surpreendida pelos caminhos que faço e pelo prazer que tenho nos cenários que vou encontrando. Esta edição de 15 fotografias é o conjunto de uma viagem visual pelo território fatimense, entre os meses de Dezembro de 2016 e Maio de 2017. É uma estrada alternativa que construí em imagens para levar o espectador, sem ter de ir pela via rápida, até à terra onde há 100 anos atrás uma senhora mais brilhante que o Sol foi vista.

15 imagens 30x45 / 40x60 / 60x90cm fotografia digial impressão jacto de tinta papel Epson Premium luster photo



Reminiscência MARGARIDA MACEDO BASTO O armazém do meu pai, antiga garagem de camiões, situado em Almeirim, recheado de pequenas e grandes peças de aeronáutica, que já há alguns anos se encontra “abandonado”. Porquê este armazém? Por ser um espaço para onde o meu pai se deslocava em dias certos da semana e onde, pacientemente, abria pequenas embalagens via o seu conteúdo, registando-o, e determinando por fim, o seu destino. Por ser um espaço amplo com características muito próprias, com espaços interiores e exteriores, onde pequenos raios de luz natural entram de vez em quando aqui e ali, devido às falhas que o telhado apresenta. O armazém, com o seu ar escuro, frio e inóspito, retratei-o percorrendo todos os seus corredores com mesas cobertas de variadíssimos materiais, evidenciando os mais pequenos pormenores perdidos no chão ou nas paredes e é através de um trabalho de seriação, que mostro também algumas peças do seu ‘íntimo’. Porquê o título Reminiscência? Por ser uma recordação que ainda tenho presente na minha memória mas que com o tempo se irá dissipando. Pedaços fragmentados, quase esquecidos. O trabalho é composto por dois painéis em que o primeiro mostra o espaço sombrio contrastando com o segundo que mostra as peças individualizadas num espaço iluminado. 40 imagens 24x16cm fotografia digial impressão jacto de tinta papel Enhance mate 260g 2 molduras 109x94cm



Sonhos PAULO FERNANDES PEDROSO Havia pedras soltas a cobrir o solo daquela paisagem modificada. Uma almofada abandonada deteve a minha curiosidade. Percorri o terreiro de olhos pregados nos meus passos e aproximei-me. Naquele instante, em que eu observava a almofada, imaginei histórias fugazes. Suspeitei que pudesse tratar-se de um travesseiro carregado de sonhos cujo utilizador se recusou a guardá-lo na sua posse, evitando assim cumplicidades inconvenientes.

13 imagens 10x15, ​18x27, ​50x33cm fotografia digial impressão jacto de tinta papel cold press natural 340g suporte pvc 3mm



O 4:5 é um colectivo de formação fotográfica que desenvolve cursos de projecto que tem como principal objectivo o desenvolvimento e acompanhamento de trabalhos fotográficos de longa duração. Pretende ser um espaço interdisciplinar de debate e comunicação visual, alargado às várias práticas da imagem fotográfica, dotando os seus participantes de ferramentas e metodologias próprias a um desenvolvimento sólido e coeso do discurso visual da linguagem fotográfica.



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