Revista psico.usp n. 2/3, 2016

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po; pela presença de múltiplas formas de composição familiar e, consequentemente, de formação dos laços afetivos e sociais, o que possibilita distintas referências de autoridade, tanto dentro do grupo como no mundo externo”, consideram Rodriguez e Gomes. Essa ideia foi comprovada pela psicóloga Ana Laura Martinez, que, em seu trabalho, pesquisou o psicodinamismo de famílias homoparentais femininas, pela visão da psicanálise, e verificou que as divisões de funções são estabelecidas caso a caso, de acordo com a personalidade de cada indivíduo que compõe o casal. Com um dos casais entrevistados ela percebeu que elas tinham jeitos naturalmente diferentes, nada era imposto. “Enquanto um dos membros sentia-se mais capaz de ‘maternar’, de aconchegar e acolher (mas é importante frisar aqui que esta capacidade não tinha correlação direta com o fato de ela ser mãe biológica ou não), a outra, por questões próprias a ela, acabava por assumir funções ditas mais masculinas, como Mamães de primeira trabalhar fora e trazer dinheiro para a viagem: Lidiane e casa”. Ou seja, em relação à divisão de Lorrany grávida funções parentais, os papéis “materno”

e “paterno” podem ser desempenhados por qualquer um dos membros do casal. Martinez localizou e convidou alguns casais homoafetivos femininos para participar da pesquisa psicanalítica realizada com atenção flutuante. “Trata-se do exercício de nos tornarmos cegos para podermos ver aquilo que, quando estamos repletos de desejo, não enxergamos”, explica a psicóloga, que com o uso do método pôde analisar as motivações e desejos da escolha pela maternidade. Com base nessa escuta analítica foi possível perceber o que a psicóloga chamou de “idiossincrasias entre o desejo inconsciente e os imperativos da necessidade”, que apontam muitos dos motivos pelos quais surge a vontade de ser mãe. “A necessidade imperiosa de ser mãe é aquilo que muitas mulheres dizem quando chegam aos trinta e cinco – “preciso ser mãe” –, sem se questionarem, verdadeiramente, se querem ser mães, sem têm condições internadas, desejo mesmo de serem mães. Precisar é uma coisa, querer é outra. Precisar é um imperativo categórico, que não perdoa, não questiona, não tolera a frustração, que não respeita os próprios limites.

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