A PRESUNÇÃO DA CULTURA - ROY WAGNER

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29 Wagner é sórdido nesta passagem de pessimismo. Ele diz que mesmo que o forasteiro seja 1) bem intencionado, que 2) mantenha reserva e que 3) faça de tudo para não demonstrar sua frustração, vai acabar achando extremamente desgastante a tensão de tentar, como saída 1) preservar seus pensamentos e expectativas e, ao mesmo tempo, 2) respeitar os pensamentos e expectativas da população local. O pesquisador pode SE SENTIR INADEQUADO ou mesmo achar que seus ideais de tolerância e de relatividade acabaram por enredá-lo numa situação além do seu controle. Estas contradições verificadas nos sentimentos do pesquisador são comuns nesta fase inicial e a sensação de perda do controle do campo ocorre inevitavelmente, pois ele procura explicações tanto na sua conduta quanto na dos nativos, sem conhecer profundamente nem a sua e nem a dos observados. Este sentimento tem nome próprio na concepção de Wagner, como veremos no próximo item. [37] 18 – O PRIMEIRO CHOQUE CULTURAL: A PERDA E O RESGATE DO EU DO ANTROPÓLOGO38. Wagner trata o choque cultural como sendo um SENTIMENTO que é conhecido pelos antropólogos. Trata-se de uma SITUAÇÃO

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33 – APROXIMAÇÃO ESTADOLÓGICA. O estadólogo é um ser humano, do mesmo modo que os “nativos do Estado” são seres humanos; a diferença é que estes estão no seu habitat e aquele está deslocado do seu. Por isso, por ser “o diferente” no campo de Estado em que se encontra em uma “situação diminuída” de início, mas só de início, naquele meio social. E isso se agrava um pouco mais à medida em que o estadólogo se dá conta de sua condição humana menor do que a imagem que ele tinha de si mesmo no seu habitat de origem. Como tudo lhe é diferente, viver naquele local pode se tornar insuportável muitas vezes; e não adianta tentar preservar suas crenças anteriores, pensamentos e expectativas contrapostas a tudo que encontra no local; ele não vai - e nem pode - tentar “mudar” o pensamento e comportamento dos nativos; por mais difícil que seja, terá de respeitar o modo de vida que encontra ali, diante dos olhos e terá de viver nela. O estadólogo terá de “dançar conforme a música”, como diz uma gíria brasileira. Esta situação de “esquizofrenia social” tem a sua duração, psicologicamente longa, no início, ainda que não no tempo do relógio. Diante deste quadro “negativo”, o estadólogo sente-se inadequado para a sua tarefa e a sensação de que não vai conseguir se torna cada dia mais evidente em suas reflexões; parece que todas as suas tentativas “dão em nada”; sente-se incapacitado e impotente para penetrar na cultura monolítica do Estado no campo que escolheu para pesquisar. Ele está a um passo da desistência. E é aqui que se encontra o ponto mais crítico e definitório do futuro de sua permanência na “comunidade estatal” que escolheu para pesquisar. A “crise estadológica” começou a se instalar na vida do estadólogo. 34 – APROXIMAÇÃO ESTADÍSTICA. O estadista também tem crises e passa pelos mesmos sentimentos de contradição, incompreensão, inadequação, incapacidade e impotência para mudar o Estado no seu campo de mando, na fase inicial de assunção do cargo ou função de Estado. A crise desta figura estatal eu chamo de “crise estadística”, que é parecida, mas com características distintas da “crise estadológica”. Enquanto esta é uma crise de acesso ao saber, aquela é uma crise de acesso à mudança. Um quer conhecer o Estado; apenas isso. O outro quer mudar o Estado, pois pressupõe que já conheça o Estado o suficiente para estabelecer o que deve “ficar” o que deve “sair” do cenário real do Estado. Tendo em vista estas finalidades distintas, o tipo de crise que cada um enfrenta tem que ser, no mínimo, diferente. O estadista se torna, obrigatoriamente, um nativo; o campo de mando é o seu habitat natural e a sua finalidade é modificar o Estado, seja para “melhorá-lo”, “adequá-lo”, “torná-lo melhor funcional” ou outra finalidade politicamente orientada; a resposta das mudanças também são relatadas a um outro habitat, a sociedade que criou aquele Estado e de onde o estadista provém. O estadólogo quer se parecer um nativo do Estado, mergulhar na sua cultura, mas a sua finalidade é estudar melhor este habitat estranho e produzir conhecimento para relatar a pessoas que não fazem parte dali. Tanto o estadista quanto o estadólogo “prestam contas” de suas atividades para “gente de fora” do campo do Estado e, para tanto, precisam “sobreviver” no campo do Estado. Mudar o Estado implica em mudar as práticas das pessoas que fazem o Estado no seu dia a dia e isso não é fácil de conseguir sem estabelecer um “choque”, uma “crise” de maior ou menor proporção; para mudar este quadro, precisa, de certa forma, “mudar as pessoas” que fazem o Estado ser como ele é; seja mudando suas práticas, seja substituindo o quadro por outro, mediante remanejamentos e, até mesmo, demissões. O “ser do Estado” é o “ser das pessoas do Estado”; mudando as pessoas ou suas práticas, muda o próprio Estado. Daí que o Estado está sempre se “renovando” e o estadista é o principal agente de tais mudanças. Ele é o “homem da crise”, o “homem do choque”, tanto por estabelecê-la quanto por sofrê-la dentro do seu próprio campo de mando. 38 Cfe. WAGNER, Roy. A Presunção da Cultura, in: A Criação da Cultura, p. 34.


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