Feitos para a amizade - Drew Hunter

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FEITOS PARA AMIZADE

O relacionamento que divide nossas tristezas e multiplica nossas alegrias

Rio de Janeiro, RJ

Drew Hunter Prefácio por Ray Ortlund Jr.

Feitos para a amizade: O relacionamento que alivia as tristezas e multiplica as alegrias

Traduzido do original em inglês: Made for Friendship: The Relationship That Halves Our Sorrows and Doubles Our Joys

Copyright © 2018 Drew Hunter

Publicado originalmente por Crossway

1300 Crescent Street Wheaton, Illinois 60187 www.crossway.org

Todos os direitos em língua portuguesa reservados por PRO NOBIS EDITORA, Rua Professor Saldanha 110, Lagoa, Rio de Janeiro-RJ, 22.461-220

1ª edição: 2022

ISBN: 978-65-81489-17-5

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Proibida a reprodução por quaisquer meios, salvo citações breves, com indicação da fonte.

Direção editorial

Judiclay Silva Santos

Conselho editorial

Judiclay Santos

David Bledsoe

Paulo Valle

Gilson Santos

Leandro Peixoto

Supervisão editorial: Cesare Turazzi

Tradução: Eduardo Mano

Revisão: Gabriel Rocha Carvalho

Capa: Filipe Ribeiro

Diagramação: Luis de Paula

Nesta obra, as citações bíblicas foram extraídas da Bíblia Almeida Revista e Atualizada (ARA), salvo informação em contrário.

As opiniões representadas nesta obra são de inteira responsabilidade do autor e não necessariamente representam as opiniões e os posicionamentos da Pro Nobis Editora ou de sua equipe editorial.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Hunter, Drew

Feitos para a amizade: o relacionamento quealivia as tristezas e multiplica nossas alegrias/Drew Hunter; [tradução João Costa]. – 1. ed. – Rio de Janeiro, RJ: Pro Nobis Editora, 2022.

Título original: Made for friendship.

ISBN 978-65-81489-17-5

1. Amizade - Aspectos religiosos - Cristianismo I. Título.

22-111693

Índices para catálogo sistemático:

1. Amizade : Aspectos religiosos : Cristianismo 241.6762

Eliete Marques da Silva - Bibliotecária - CRB-8/9380

contato@pronobiseditora.com.br www.pronobiseditora.com.br

CDD-241.6762

ENDOSSOS

“Falamos de comunidade, mas não de amizade”. Drew Hunter está certo e, em Feitos para a amizade, ele preenche essa lacuna da igreja com profundas verdades teológicas e ferramentas práticas e úteis em relação à amizade. Sou grata por este recurso!

Christine Hoover, autora de Messy Beautiful Friendship e Searching for Spring

Este é um daqueles livros com aquela rara combinação de bela teologia, árdua convicção, graça reconfortante, sabedoria prática, motivação inspiradora e escrita agradável. Espero que dê muitos frutos em muitas vidas, começando pela minha.

David Murray, professor de Antigo Testamento e teologia prática, Puritan Reformed Theological Seminary

Drew Hunter irá capturar você com sua convincente visão sobre a amizade. Lindamente escritas, essas páginas estão repletas de novas percepções e sabedoria prática. Ler este livro despertará seu desejo de ser um amigo melhor e saborear as alegrias da amizade.

Colin S. Smith, pastor sênior, The Orchard, Arlington Heights, Illinois

Muitas realidades contemporâneas trabalham contra nossas tentativas de estabelecer e cultivar amizades profundas e duradouras. Acrescente a isso nossas tendências pecaminosas que nos levam a nos isolar, e não

é de se admirar que muitos de nós sejamos solitários e, ouso dizer, sem amigos. Em Feitos para a amizade, Drew Hunter nos lembra da necessidade humana básica de amizades verdadeiras. E por meio da sabedoria histórica, bíblica e prática, ele nos equipa para buscar e promover o tipo de amizade que dividirá nossas tristezas e multiplicará nossas alegrias. Eu, pelo menos, sou grato por esse lembrete tão necessário!

Juan R. Sanchez, pastor sênior, High Pointe

Baptist Church, Austin, Texas; autor de Seven Dangers Facing Your Church

Amizades significativas podem ser uma das áreas mais negligenciadas da saúde da igreja em nosso tempo. Se vamos fazer discípulos, a tarefa trará consigo riqueza de relacionamentos. Este livro nos chama a uma profundidade relacional para o bem de nossas próprias almas e para o bem do evangelho.

Matt Boswell, compositor de hinos; pastor, The Trails Church, Celina, Texas

Aos meus amigos, por dividir minhas tristezas e multiplicar minhas alegrias. E Christina, minha amada e melhor amiga (Ct 5.16).

SUMÁRIO

Prefácio de Ray Ortlund Jr

Introdução

Parte 1

A NECESSIDADE DE AMIZADE

1. Amizade Esquecida . . . . . . . . . . . . . . . . . 00

2. A dor do Éden

Parte 2

A DÁDIVA DA AMIZADE

3. O maior dos bens materiais

4. Um amigo que é como sua própria alma

5. Cultivando a amizade

Parte 3

O RESGATE DA AMIZADE

6. Uma Teologia Bíblica da Amizade

7. O Grande Amigo

Agradecimentos

Leitura Complementar

SUMÁRIO

Prefácio à edição em português

– Emilio Garofalo Neto 11

Prefácio de Ray Ortlund Jr 13

Introdução 17

Parte 1

A NECESSIDADE DE AMIZADE

1 - A amizade esquecida . . .

2 - A dor do Éden .

Parte 2

A DÁDIVA DA AMIZADE

25

59

3 - O maior dos bens materiais . . . . . . . . . . . . 89

4 - Um amigo que é como sua própria alma . . . 119

5 - Cultivando a amizade

Parte 3

O RESGATE DA AMIZADE

6 - Uma teologia bíblica da amizade .

7 - O grande amigo .

151

189

219

Agradecimentos 253

Leituras complementares 255

Prefácio à edição brasileira por Emílio Garofalo Neto

PREFÁCIO À EDIÇÃO EM PORTUGUÊS

Um bondoso amigo. Eu tenho amigos muito bons. Quando retomo à história de minha vida, minha memória me recorda de amigos de infância, de brincadeiras, futebol, jogos de mesa, tabuleiro, invenções e enrascadas. Quando me lembro de minha adolescência, facilmente me encontro papeando novamente com amigos sobre a vida, futuro, dinheiro, garotas, igreja e a vida adulta. Agora, homem feito, sou cercado de bons amigos. Gente que por mim sangra, que me olha, ajuda e apoia. Gente disposta a orar por mim mesmo eu não tendo a menor ideia de que tal oração está acontecendo. Amigos para falar de futebol, teologia, sonhos, medos, de morte. Eu, entretanto, não sou o amigo que deveria ser. Por certo há pessoas andando sobre o planeta Terra que poderiam me listar como um amigo que lhe foi útil. Mas não sou o que deveria ser. Este livro fez-me pensar mais sobre

quão mais proativo eu posso ser no desenvolvimento de amizades, tanto com os que já andam comigo há anos, como com os que acabaram de ser colocados em minha vida. Amizade é algo supérfluo? Algo a se investir caso sobre tempo na realidade atarefada em que vivemos? Ou seria algo mais basilar, mais próximo a uma necessidade?

Neste livro precioso, Drew Hunter nos lembra de que o reino de Deus é um reino de amigos. Começa, é claro, com aquele que é amigo de pecadores. Que bondoso amigo é Cristo! Olha, ele é mesmo. Existem dias em que só ele me aguentaria. Só ele e os que estão ficando parecidos com ele. Com reflexões úteis, interagindo tanto com as Escrituras como com muitos autores e autoras do passado, Hunter nos ajuda a pensar acerca da razão de não estarmos buscando a amizade como uma fundação para o caminhar nesta escura vida. O autor nos traz boas perguntas para reflexão e nos ajuda a reconsiderar a forma como temos conduzido nossa jornada. Temo que sejamos peregrinos solitários, achando que precisam ir à Nova Jerusalém sozinhos. Mas Deus nos chama para uma jornada em bando, uma caminhada em grupo, um reino de amigos que se sustenta em amor e serviço até o dia final. Para então, junto a Cristo, recomeçar para sempre. Que esta seja uma leitura proveitosa para você, caro amigo.

Prefácio de RaOrtlund Jr

PREFÁCIO

Eu amo este livro! O pastor Drew Hunter diz coisas sobre amizade nas quais acredito, mas nunca fui capaz de colocar em palavras – e que palavras poderosas! Por exemplo:

A amizade é o fim último de nossa existência.

Jesus foi um homem de amizade, porque Deus é um Deus de amizade.

Cada um de nós eventualmente entrará em nossa semana final. Alguns de nós saberão quando isso acontecerá. Caso saibamos, daremos uma olhada pensativa para trás. E não pensaremos que devíamos ter trabalhado mais. Nem que deveríamos ter tirado férias mais extravagantes. Ou que gostaríamos de

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ter passado mais tempo olhando para uma tela. Mas sim que gostaríamos de ter passado mais tempo com nossos amigos.

E se você pudesse ter um amigo que o conhecesse melhor do que ninguém, melhor do que você mesmo? E se, sabendo de tudo, ele ainda te amasse, e até gostasse de você? [...] E se você pudesse ter um amigo que, pelo próprio relacionamento com você, o transformasse em um amigo melhor para os outros? Você pode ter esse amigo. Seu nome é Jesus. Ele é chamado de amigo dos pecadores.

No início da minha vida, foi meu querido pai quem me mostrou a glória da verdadeira amizade. Cresci vendo meu pai amar seus amigos de todo o coração, pelo amor de Jesus. Papai adorava citar Shakespeare, que disse:

Quando tomares um amigo cuja afeição tenhas experimentado, liga-o a ti por vínculos de aço.

É assim que se ama um amigo – de todo o coração e permanentemente! Quem quer amizades comedidas? Quem quer amizades descartáveis? Todos

nós desejamos ser menos solitários e mais íntimos de verdadeiros amigos com quem podemos contar. Não consigo pensar em uma necessidade mais urgente entre nós hoje – de que sejamos amigos durante todo o tempo, para a glória de Deus. É uma grande parte de como as pessoas saberão que realmente pertencemos a Jesus, o amigo dos pecadores (Jo 13.34,35).

Eu acredito que você encontrará no pastor Drew Hunter um amigo que entende os altos e baixos da amizade que você também já experimentou. Ele fez sua pesquisa cuidadosa e exaustivamente. Ele escreveu com sensibilidade e honestidade. Ele agrupou escritores e vozes de muitos séculos, até os dias de hoje. Acima de tudo, ele é bíblico e pastoral, mostrando o caminho de Deus para amizades mais profundas que podem durar muito tempo. Com alegria recomendo esta obra.

Vamos parar de viver em ‘greve de fome’ por amizades! Que comece o banquete!

Immanuel Church

Nashville, Tennessee

INTRODUÇÃO

Uma das minhas piores lembranças é estar no refeitório do colégio, segurando minha bandeja e olhando para várias dezenas de mesas rodeadas por rostos sorridentes e sentindo-me solitário porque eu era um aluno novo na escola e ainda não tinha amigos. Uma das minhas lembranças mais felizes é sentar-me perto do fogo e relaxar com uma satisfeita alegria porque estava com meus amigos mais próximos. A maioria de nós tem tipos semelhantes de lembranças, mas não damos muita atenção a elas.

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Você pode achar que a amizade é ótima – quem é que não gosta de ter amigos? Mas então se pergunta: realmente precisamos de um livro sobre isso? Não sabemos o suficiente por experiência? Ou talvez você pense que apenas pessoas solitárias precisam de um livro sobre esse tema.

Não pensamos muito sobre esse assunto porque não achamos que precisamos dele. E, como resultado, a amizade é um dos relacionamentos mais familiares, embora um dos mais esquecidos em nossos dias.

A maioria das pessoas possui amigos. Mas poucos de nós conhecem a verdadeira amizade. Muitos de nós não sabemos que estamos perdendo duas das maiores alegrias da vida: andar com outros em verdadeira amizade e conhecer Jesus como o grande Amigo.

J. C. Ryle captou bem o significado da amizade: “Este mundo está cheio de tristeza porque está cheio de pecado. É um lugar sombrio. É um lugar solitário. É um lugar decepcionante. O raio de sol mais forte nele é um amigo. A amizade divide nossos problemas e multiplica nossas alegrias.”1 Se isso for verdade, esse tipo de relacionamento envolve mais do que imagi-

1 J. C. Ryle, Practical Religion (Carlisle, PA: Banner of Truth, 2013), 317.

namos. A maioria de nós pensa que conhece a verdadeira amizade, mas poucos realmente a conhecem.

Este livro é sobre como recuperar a alegria perdida de uma amizade verdadeira, e fazer isso tendo em mãos os infinitos recursos recebidos, já que conhecemos nosso mais verdadeiro Amigo. Este não é apenas um livro de dicas úteis para relacionamentos mais felizes, embora aqui você possa encontrar sabedoria prática para a amizade. Esta também não é uma coleção de citações curiosas para quadros com texto em caligrafia para as cozinhas, embora certamente iremos descobrir joias da história da igreja. Em vez disso, trata-se de elevar tanto a nossa estima pela amizade verdadeira que não podemos deixar de persegui-la com entusiasmo e alegria.

Veremos que vale a pena recuperar a verdadeira amizade, porque ninguém pode aproveitar a vida – a vida verdadeira, a vida plena – sem ela.

Se quisermos compreender o significado da verdadeira amizade, devemos responder às perguntas mais importantes sobre o assunto: Por que precisamos dela? O que ela é? Qual é o seu significado final? A Parte 1 (capítulos 1 e 2) afirma que poucos relacionamentos hoje são mais negligenciados e ao mesmo tempo mais necessários do que a verdadeira

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amizade. A Parte 2 (capítulos 3 a 5) revela a dádiva única que surge desse relacionamento: o capítulo 3, o cerne deste livro, mostra as alegrias únicas da amizade – o relacionamento que C. S. Lewis chamou de “o maior dos bens materiais” e “a maior felicidade da vida.” Em seguida, o capítulo 4 mostra como é a verdadeira amizade. E o capítulo 5, o mais prático do livro, fornece a sabedoria de que precisamos para cultivá-la bem.

A parte final (capítulos 6 e 7) revela o significado mais profundo da amizade. Primeiro, o capítulo 6 traça o tema da amizade por meio da Bíblia, mostrando que ela – a amizade uns com os outros e também com Deus – está no centro das Escrituras, no coração da história e é o significado último do universo. Então, o capítulo 7 nos leva a Jesus, o grande amigo dos pecadores, aquele que nos deu completo acesso a si e nos ama até o fim. Em uma declaração densa e com mais significado do que muitos de nós podemos imaginar, ele disse: “Já não vos chamo servos [...] mas tenho-vos chamado amigos” (Jo 15.15). Jesus é nosso Salvador e ele é nosso Rei. Ele também é nosso mais verdadeiro Amigo. E quando insistimos nisso, eis o que descobrimos: o maior poder para se tornar um amigo melhor é fazer amizade com o melhor Amigo.

Escrevi este livro na esperança de que ele não apenas enriqueça sua vida à medida que você seja capturado por essa visão da amizade verdadeira, mas também para que você possa vivenciá-la com outras pessoas – o próprio processo de ler este livro junto a amigos fortaleceria seus relacionamentos. À luz disso, cada capítulo termina com várias perguntas para discutir com um amigo ou um grupo.

Finalmente, embora eu tenha escrito tendo principalmente os cristãos em vista, espero que este livro sirva como uma porta de entrada para alguns de vocês experimentarem a alegria de conhecer Jesus. Eu também acho que você ficará surpreso com a relevância da perspectiva bíblica sobre a amizade para sua própria vida e relacionamentos.

Você e eu fomos feitos para a amizade e alegria plenas. Esses dois propósitos pertencem um ao outro. E Deus nos deu o primeiro para experimentar o segundo, porque a amizade é a principal forma de alcançarmos a verdadeira alegria que todos buscamos. A amizade não é algo que inventamos; é algo para o qual fomos feitos. É um presente dos céus. Então, vamos aproveitá-la juntos.

Parte 1

A NECESSIDADE DE AMIZADE

1 - A AMIZADE ESQUECIDA

Para os antigos, a amizade parecia o mais feliz e o mais humano de todos os amores; a coroa da vida e a escola da virtude O mundo moderno, em comparação, o ignora

C S Lewis

Se removermos a amizade do mundo, metade da nossa alegria vai embora junto. Isso acontece porque a amizade é o fim último de nossa existência e nossa maior fonte de felicidade. Amizade – uns com os outros e com Deus – é o supremo prazer da vida, agora e para sempre, e ninguém pode desfrutar plenamente a vida sem ela.

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Estou exagerando? Se você acha que sim, terá que discutir com outra pessoa. Não posso reivindicar muita originalidade para esse parágrafo. É essencialmente fruto de outros autores. É uma paráfrase das perspectivas compartilhadas por diversos pensadores ao longo dos séculos, de filósofos antigos a grandes teólogos, de ateus modernos a cristãos devotos. Todos concordam: a amizade não é apenas uma das maiores fontes de felicidade, mas, como disse o escritor Joseph Epstein, “sem amizade, não se engane, estamos todos perdidos”2.

Mas não costumamos valorizar tanto a amizade.

A cada duas semanas, minha esposa traz para casa cerca de vinte livros da biblioteca para ler com nossos filhos. O tema mais comum entre os livros infantis é a amizade. No entanto, poucos livros para adultos compartilham esse foco. Qual é a razão? É porque já descobrimos a amizade? Provavelmente não. É verdade que alguns grupos ainda valorizam a amizade hoje; mesmo assim, os muitos elogios nem sempre se traduzem em uma prática robusta.

Um dos objetivos centrais deste livro é fazer com que essa tradução aconteça – ajudar-nos a valorizar mais a amizade e, então, desfrutá-la mais plenamente.

2 Joseph Epstein, Friendship: An Exposé (New York: Houghton Mifflin, 2006), 251.

EM LOUVOR DA AMIZADE

Para que você saiba que minhas palavras no primeiro parágrafo têm boa procedência, façamos uma breve viagem por alguns destaques históricos a respeito da amizade. Começaremos com Agostinho, o grande teólogo e pai da igreja no Norte da África. Em um de seus sermões, ele pregou: “Duas coisas são essenciais neste mundo: vida e amizade. Ambos devem ser altamente valorizados, e não subestimados.”3 Não consigo pensar em ninguém que discordaria da primeira necessidade citada pelo teólogo, mas a segunda pode ser uma surpresa. No entanto, ele fala sério.

Jonathan Edwards, pastor norte-americano do século 18, também refletiu profundamente sobre as realidades mais importantes da vida. Ele escreveu que a amizade “é a maior felicidade de todos os agentes morais”4. Isso é uma afirmação e tanto, especialmente de alguém que foi preciso com as palavras: a amizade é a nossa maior felicidade.

Esther Edwards Burr, filha de Jonathan Edwards e mãe do terceiro vice-presidente dos EUA, Aaron

3 Agostinho, Sermão 299D, 1, citado em A. C. Grayling, Friendship (New Haven, CT: Yale University Press, 2013), 66.

4 Jonathan Edwards, The “Miscellanies”: Registros de números 1153–1360, ed. Douglas A. Sweeney, vol. 23 de The Works of Jonathan Edwards (New Haven, CT: Yale University Press, 2004), 350.

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Burr, reflete essa verdade de forma mais pessoal. Ela escreveu a uma amiga: “Nada é mais revigorante para a alma (exceto a comunicação com o próprio Deus) do que a companhia de um amigo”5. Ela ainda acrescentou que é “uma grande graça termos amigos — O que seria deste mundo sem eles? [...] [Amizade] é a vida da vida.”6

John Newton, comerciante de escravos que se tornou pastor e autor do hino “Amazing Grace”, escreveu: “Acho que para uma mente sensível não existe prazer temporal igual ao prazer da amizade”7. Portanto, se alinharmos todos os prazeres da vida na linha inicial de uma corrida, Newton diria que a amizade chegaria em primeiro lugar todas as vezes.

Esses e muitos outros não apenas davam altíssimo valor a amizades; eles também tinham profundo prazer nelas. Gregório de Nazianzo e Basílio de Cesareia, foram pais da igreja e teólogos bem conhecidos. Mas também eram grandes amigos. A amizade

5 Esther Edwards Burr, The Journal of Esther Edwards Burr, 1754– 1757, ed. Carol F. Karlsen e Laurie Crumpacker (New Haven, CT: Yale University Press, 1986), 185.

6 Burr, Journal of Esther Edwards Burr, 185. Pequenas modernizações na linguagem foram feitas nesta e nas subsequentes citações de Burr.

7 John Newton, The Letters of John Newton (Carlisle, PA: Banner of Truth, 2007), 331.

deles resistiu à distância e até mesmo a desafios relacionais significativos. Gregório certa vez escreveu a Basílio: “O maior benefício que a vida me trouxe foi sua amizade”8. Ele também escreveu: “Se alguém me perguntasse: ‘Qual é a melhor coisa da vida?’, eu responderia: ‘Amigos’.”9

Conhecemos Martinho Lutero, o reformador, mas seus amigos também o conheciam por suas “conversas à mesa” – animadas discussões doutrinárias ao redor da mesa de jantar. Sua esposa, Catarina, também tinha seu próprio círculo íntimo de amizades.

Podemos imaginar João Calvino ponderando grandes pensamentos em uma mesa solitária, mas “um estudo atento da carreira de Calvino revela que as amizades eram a alegria de sua vida”10. Dirigindose a dois de seus amigos mais próximos, ele escreveu: “Acho que nunca houve, na vida cotidiana, um círculo de amigos tão sinceramente ligados uns aos outros como temos feito em nosso ministério”11.

8 Carolinne White, Christian Friendship in the Fourth Century (Cambridge: Cambridge University Press, 1992), 69.

9 White, Christian Friendship in the Fourth Century, 70.

10 Michael A. van den Berg, Friends of Calvin (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2016), viii.

11 John Calvin, Commentaries on the Epistles to Timothy, Titus, and Philemon, traduzido por William Pringle (Grand Rapids, MI: Baker, 2009), 276

Esther Burr tinha amizades profundas, especialmente com sua amiga Sarah Prince. Em uma correspondência à amiga, escreveu: “É um grande conforto para mim quando meus amigos estão ausentes, pois sei que eu os tenho em algum lugar do mundo, e você, minha querida... eu a considero uma das melhores e, em alguns aspectos, mais próxima do que qualquer irmã que eu tenha. Não tenho uma irmã para quem possa escrever tão livremente quanto a você, a irmã do meu coração.”12 Verdadeiros amigos são irmãos de alma.

A Bíblia exalta a amizade com tanto vigor quanto qualquer outra fonte, antiga ou moderna. A história das Escrituras é transmitida por meio de histórias de amizades. Noemi tinha sua Rute, Davi seu Jônatas, e Paulo seu Timóteo. Jesus também teve seu Pedro, Tiago e, especialmente, João. De acordo com a Bíblia, a amizade é um ingrediente essencial para uma vida boa. O pastor escocês Hugh Black disse a respeito do livro de Provérbios: “Não há livro, mesmo na literatura clássica, que exalte tanto a ideia de amizade e esteja tão ansioso para que ela seja verdadeiramente valorizada e cuidadosamente guardada.”13

12 Burr, Journal of Esther Edwards Burr, 53.

13 Hugh Black, Friendship (Ontario, Canada: Joshua Press, 2008), 20.

Vemos esse louvor à amizade por meio dos séculos, gêneros e etnias; e também por meio de visões de mundo. Aristóteles, como outros filósofos gregos antigos, considerava a amizade indispensável para a vida. A. C. Grayling, um filósofo ateu moderno, afirma: “A mais elevada e melhor de todas as relações humanas é, indiscutivelmente, a amizade.”14 Não é preciso conhecer o amigo dos pecadores para reconhecer a amizade como um dos prazeres mais profundos da vida.

No entanto, os cristãos têm uma justificativa mais profunda para esse tipo de louvor: a amizade é o significado do universo. Não somos feitos apenas para a amizade uns com os outros; somos feitos para a amizade com Deus. Jesus, o grande amigo dos pecadores, veio para se tornar nosso amigo. Ele disse aos seus discípulos: “Já não vos chamo servos [...] mas tenho-vos chamado amigos” (Jo 15.15). Essas conhecidas palavras são mais profundas do que podemos

14 A. C. Grayling, Friendship (New Haven, CT: Yale University Press, 2013), 1. É claro que nos perguntamos sobre o casamento e outros relacionamentos familiares: eles não são mais elevados e melhores do que a amizade? Grayling antecipa nossa pergunta e esclarece seu ponto: Os relacionamentos entre pais e filhos se transformam em amizades com o tempo, e um casamento é a melhor das amizades. Embora a paternidade e o casamento sejam relacionamentos distintos, o ideal é que ambos se tornem uma amizade profunda.

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