Projetil 55

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Editorial

A

comunicação é um processo humano, um instrumento de legitimação, como também a força que contesta e transforma. Optar por este caminho é viver com dardos que esperam, a cada dia, o momento de serem lançados. Nada parece comum ou simplório, pois tudo pode ter potencial para uma grande matéria. Tudo parece fluir em forma de boas pautas, e todos parecem ser ótimas fontes. O poder da comunicação ou a comunicação e o poder. Não importa a ordem que se discuta esta relação, sempre haverá controvérsias. E o Projétil puxou um dos fios desse emaranhado que constitui o uso de canais de televisão pelas Instituições de Ensino Superior. Qual o papel das TVs Universitárias? Em especial, qual a finalidade da TVU da UFMS? No mesmo campo, outra controvérsia preocupou a equipe do Projétil. A portaria que estabelece novos critérios para a classificação das diversões públicas gerou questionamentos das empresas de comunicação. No centro dessa discussão está o interesse público. Ou estaria à margem? Acompanhe a quantas anda este debate. O mundo globalizado, com o apoio das tecnologias avançadas de comunicação, trouxe incontáveis benefícios à sociedade. As mesmas facilidades para o encontro, o compartilhar de conhecimentos, de culturas, proporciona também o crescimento de redes que exploram o próprio ser humano. São as redes de pedofilia que encontraram na Internet um canal extraordinário para “fazer negócios”. Leia nesta edição informações e depoimentos sobre o assunto. Nesta edição, os olhares também estão atentos à operação Xequemate, que denuncia como o dinheiro do jogo tem financiado campanhas eleitorais. Outra aflição dos, repórteres recaiu sobre o mundo das drogas, o que rendeu reportagens narrativas, mesma fórmula jornalística que levou nossa equipe a contar a história de vida de Vitão, um personagem muito popular no campus da UFMS. Deve-se ressaltar a ousadia de professores e acadêmicos do curso de engenharia elétrica da UFMS que disputam prêmio internacional. O grupo sul-mato-grossense está classificado para apresentar projeto do carregador universal de baterias, em agosto, nos próximos meses, nos Estados Unidos. Por falar em história, o Projétil conheceu um pouco sobre a “contação de histórias”, algo tão antigo e que tem sido estimulado por escolas e bibliotecas. Comércio informal, empréstimos facilitados, a justiça itinerante, os sintomas e as dicas para amenizar a TPM, a tradição da tatuagem e muita cultura e curiosidades também merecem destaque nesta edição. Esta é uma edição de um jornal feito por jovens mentes reflexivas a caminho de um jornalismo consciente. Uma juventude que sonha. Futuros profissionais que esperam dar a força necessária a suas palavras. Como já enunciou Oscar Wilde “Que dia fatal! Aquele em que o público descobriu que a pena é mais poderosa que as pedras e pode ser uma arma tão ofensiva como um tijolo! E, imediatamente, procuraram o jornalista”. Aqui estamos nós! Prontos e armados com nossas penas. Sim, nós mudamos! Para melhor, é claro. Para nós não foi apenas mais um jornal laboratório. Foi fatal! Muitas novidades, diferentes enfoques, um convite aos olhos e à imaginação. Enfim, viramos a página da passividade. Deixe este Projétil atingir você também!

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Amor à profissão Há pouco mais de dez anos, a turma ‘Contadores de histórias’ estava em plena produção. Era a vigésima edição do Projétil e sentíamos uma ânsia de escrever. Esperávamos para poder colocar em prática tudo aquilo que havíamos aprendido em sala de aula. Na redação, os mestres tutores: Jorge Ijuim, Mauro Silveira e Marcio Licerre. Um time que teve a paciência para ajudar cada acadêmico a superar os obstáculos da pauta que caía, da fonte que furava. O que queríamos, e o que fizemos, foi escrever muito, sem medo de errar, com fome de aprendizado. Sentimos o gosto de elaborar uma boa pauta, correr atrás de personagens, criar um título impactante e ver um trabalho bem feito, tendo a certeza que, com o veículo que tínhamos nas mãos, poderíamos ter voz. E temos certeza que tivemos. Exercemos – à exaustão – o direito de utilizar o nosso espaço. Depois de uma década, é isso que gostaria de compartilhar com meus alunos. O Projétil é a oportunidade que vocês têm de aprender na prática, ver o seu trabalho publicado, saber que as etapas de construção do texto, da reportagem, não foram fáceis, mas valeram a pena. Cada momento de reflexão, cada correção, cada sugestão serviram para incentivá-los a melhorar mais e mais. Ser jornalista requer paixão, dedicação e responsabilidade. Na redação em que estive, quero despertar vontades; as de desvendar o mundo, falar de gente... contar histórias. Fernanda Nascimento Prochmann Professora de Edição

Jornal Laboratório do Curso de Comunicação Social – Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Produzido pelos acadêmicos do 3° ano de Jornalismo, sob orientação dos professores Jorge Kanehide Ijuim (Redação e Expressão Oral em Jornalismo II), Fernanda Nascimento Prochmann (Edição), Jose Marcio Licerre (Planejamento Gráfico II). Produção: Álvaro Marzochi, Andressa Domingos de Mello, Ben Hur Avelino Pereira, Bianca Bianchi Feres, Camila Higa Cândido, Graciliano Rocha da Silveira, Grazielle de Souza Arantes, Guilherme José Marion Grande, Ianara Garcia Moura, Ítalo Milhomem Santos Zikemura, Juliana Belarmino de Matos, Letícia Reynaldes Dias, Ludmila Valadão Granados, Luisa Helena Amorim, Lynara Ojeda de Souza, Mayara Martins de Souza, Melly Fátima Góes Sena, Renato Heimbach Vieira, Suzana da Silva Rozendo, Tatiane Karina Barbosa de Queiroz, Vitor Yoshihara Matoso de Oliveira, Waldemir Rocha da Silva. Correspondência: Jornal Projétil – Departamento de Comunicação Social/Jornalismo (DJO/CCHS) – Cidade Universitária S/N° - Cep 79070-900 – Campo Grande – MS. Fone (67) 3345-7600 – E-mail: projétil@nin.ufms.br . Tiragem 5.000 exemplares. As matérias aqui veiculadas não representam necessariamente a opinião da UFMS ou de seus dirigentes, nem da totalidade da turma.


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Crime Organizado

O jogo e o poder Graciliano Rocha Depois de oito meses de investigação, milhares de horas de interceptações telefônicas e de uma mega-operação que envolveu 600 policiais em seis Estados brasileiros, a Polícia Federal desfechou - no dia 4 de junho - um golpe contra o jogo ilegal, o contrabando e a corrupção policial. A Operação Xeque-Mate resultou em 101 pessoas indiciadas pela PF e acabou evidenciando as relações estreitas entre políticos e o crime organizado. A investigação revelou que de todas as cinco organizações criminosas que a PF acredita ter desbaratado surgem tentáculos com autoridades. Um dos casos mais notáveis é o do deputado José Ivan de Oliveira, o Coronel Ivan, que cumpre o seu primeiro mandato na Assembléia Legislativa de MS. Ivan, que comandou a Polícia Militar durante o governo Zeca do PT (19992006), seria, segundo a PF, sócio de Ari Portugal e Hércules Mandetta Neto em uma quadrilha de exploração de máquinas caça-níqueis. Em um telefonema no dia 2 de março, a relação entre os supostos sócios é tensa, com o deputado ameaçando romper com Portugal. Na gravação, Ivan diz que Portugal lhe deve R$ 100 mil. “Eu vivo atrás de você, oh Ari, e você vive me dando o que você bem entende, sem prestar conta”, reclama o coronel, que também demonstrou irritação. “Eu sou um deputado, sou um coronel de polícia”. Em outro trecho: “Ari, se você for fazer as contas, sério, eu tenho mais de R$ 100 mil para receber de vocês”. O deputado ameaça romper a suposta sociedade. “Eu quero só que você me devolva aquelas 12 máquinas que são minhas, e o restante não quero nem saber”. O coronel-deputado nega as acusações, mas em nenhum de seus pronunciamentos explicou a natureza da suposta dívida ou o que seriam “aquelas 12 máquinas”. Ele não está entre os indiciados, pois tem direito ao foro privilegiado. O Ministério Público Federal ainda aguarda uma

PF fechou o cerco contra jogatina, mas financiamento de candidaturas pela máfia não está na ordem do dia autorização do Tribunal Regional Federal para investigá-lo. Dinheiro das campanhas O ex-deputado estadual pelo Paraná, Nilton Cezar Servo, é acusado de chefiar outra quadrilha. Preso, Servo foi denunciado pelo MPF por contrabando, falsidade ideológica e corrupção ativa. No ano passado, ele disputou a eleição para deputado federal pelo PSB. Ele declarou ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) ter arrecadado R$ 173 mil para tentar se eleger. Detalhe: muitos dos nomes de seus doadores de campanha aparecem coincidentemente na lista de indiciados pela Polícia Federal. Elenilton Dutra, apontado pela PF como um de seus principais gerentes, é autor de 26 doações (R$ 1.000 cada) no dia 28 de setembro. Idinel Iziquiel Lopes e Antônio Celso Monteiro Catan, também indiciados pela PF por ligações com a máfia dos caça-níqueis, deram dinheiro para sua campanha. Não se elegeu. Nem a PF nem o Ministério Público Federal dedicaram-se ainda à seara do financiamento de campanhas eleitorais por acusados de comandar a jogatina, mas há indícios curiosos. O empresário Jamil Name, que foi indiciado por exploração de jogos de azar, e pai de Jamil

Name Filho, o Jamilzinho, denunciado pelo MPF como um dos comandantes de outra quadrilha de exploração de caça-níqueis. Os Name têm uma relação estreita com o deputado Jerson Domingos (PMDB), presidente da Assembléia Legislativa de MS. Jamil pai, que é primo e cunhado de Jerson, doou R$ 160 mil para sua campanha, segundo o TSE. Álbum de figurinhas – Entre os indiciados após a Xeque-Mate, surgem alguns políticos que já deram as cartas na política local. O ex-deputado Gandi Jamil é desde o dia 4 de junho um foragido da Justiça. Gandi já presidiu a Assembléia Legislativa nos anos de 1985 e 1986, participou como deputado federal da elaboração da Constituição de 1988 até tentar o seu mais alto vôo político: disputou o governo do Estado em 1990, sendo derrotado por Pedro Pedrossian (assunto abordado na edição nº 1 do Projétil). Gandi é acusado de ser chefe de uma quadrilha de jogo ilegal. Não é o primeiro da família enroscado com a Justiça. Seu irmão, Fahd Jamil Georges, foi condenado em 2005 a 20 anos de prisão por tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. As autoridades também não conseguiram pôr as mãos nele.


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Inovação

Entre os cinco melhores do mundo Acadêmicos da UFMS aceitam desafio internacional e criam carregador universal e adaptativo Energia da UFMS Os acadêmicos se dividiram em três grupos para realizar o trabalho, que Um grupo de 13 alunos, do 2º ao tem como coordenador geral o PhD. 5º anos de Engenharia Elétrica da João Onofre Pinto. O professor partiUFMS, é finalista de um dos maiores cipa através de orientação, explicação e concursos da área em que atuam, o acompanhamento do desenvolvimenDesafio Internacional para Energia do to do protótipo, realizado no LaboraFuturo (IFEC/07). Esse concurso, reatório de Inteligência Artificial, Eletrônilizado pelo Institute of Electric and ca de Potência e Eletrônica Digital. Electronic Engineering (IEEE), repreDesde agosto do ano passado, os senta a entidade de maior conceito na estudantes estão se empenhando na área de engenharia elétrica e eletrônica construção do protótipo para o condo mundo, com sede nos Estados Unicurso. Três deles já foram construídos e dos. Neste ano foram classificadas para o último deve ser concluído agora em a final cinco instituições de Bangladesh, agosto. China, Austrália, USA e a UFMS – úniEm fevereiro, dois acadêmicos do ca representante da América Latina. grupo participaram de um Workshop O IEEE, além de realizar promoem Los Angeles para apresentar o que ções e congressos, promove anualmente já tinha sido feito. “Nós voltamos oticoncursos internacionais. Um deles é o mistas, percebemos que estávamos no IFEC/07, no qual as universidades de nível das outras universidades... até metodo o mundo podem apresentar prolhor do que algumas”, afirma a acadêpostas para o desenvolvimento de equimica Danucha Marchesin. . “Temos pamentos e metodologias de sistemas chances efetivas”, diz Onofre. de energias para o futuro. Este ano, o Um grupo de acaIFEC/07 propôs dêmicos elabora uma “Percebemos que o desenvolvimento proposta que é avaliada. Se o resultado é po- estávamos no nível das de um carregador sitivo, recebe um pra- outras universidades... de baterias universal adaptativo. Esse zo para estudar, analiaté melhor do que aparelho aceita uma sar, simular e impleampla faixa de dimentar a proposta e, algumas” ferentes baterias e então, enviar um relaDanucha Marchesin tem capacidade de tório, para que os reconhecer o tipo, a finalistas do concurso tensão e a polaridade para se adequar sejam definidos. Os alunos colocam em ao carregamento necessário. O disposiprática a proposta submetida, que é tivo atende às necessidades de qualquer acompanhada por juízes indicados sistema, desde um celular e um aparepelo instituto através de relatórios de lho de mp3 até a bateria de uma moto. progresso. A decisão é feita em um laEle também foi desenvolvido para opeboratório definido pelo IEEE. O camrar em diferentes freqüências para ser peão é escolhido por critérios de deutilizado em qualquer lugar do mundo. sempenho, qualidade, relatório e apreO aparelho é inédito, mas o estusentação oral.

Andressa Mello

Todo o material deve ficar numa caixinha com cerca de 15 cm

Grupo que trabalhou no projeto do carregador espera ter produto difundido num futuro próximo

dante Bruno César Ferreira explica que “não é nada novo, nós criamos o algoritmo de identificação, que é o que aciona o carregador, o que fizemos foi agregar conhecimento, juntar em um aparelho aquilo que conhecíamos e que estava separado para construir um carregador universal e adaptativo”. Benefícios A pretensão é que o carregador seja colocado no mercado. Os acadêmicos buscam fazer um material pequeno, leve e barato, com qualidade e eficiência para que possa ser adquirido por qualquer pessoa e levado a qualquer lugar. Assim, um único aparelho carregará todos os objetos eletrônicos que uma pessoa precisa em uma viagem, por exemplo. Um tópico importante na economia de baterias é a questão ambiental. O carregador estimulará o uso de pilhas recarregáveis, que são compostas de 90% de material reciclável, diminuindo o uso de baterias não recarregáveis, que são altamente tóxicas. Corrida por patrocínio Depois da busca pelo financiamento dos custos da vi-

agem, os acadêmicos conseguiram o patrocínio com o IEL - Instituto Euvaldo Lodi e com o apoio do governo do Estado, o das empresas MSGÁS e MMX. Com isso a equipe de alunos, professores e supervisores, somando 21 pessoas, deve estar em Dallas de 20 e 24 de agosto, quando acontece a competição. O laboratório utilizado para o desenvolvimento dos protótipos é financiado por projetos de pesquisa desenvolvidos tanto por órgãos do governo, como Finep e CNPq, como empresas privadas como a Emerson. A Fundação Cândido Rondon financiou a maioria do protótipo. Uma parte do material saiu do bolso dos alunos, que reclamam da burocracia para conseguir o material através da universidade. “Comprávamos para não ter que esperar fazer o pedido que levaria semanas”. Empresas como a Enersul e a Petrobrás manifestaram apoio ao grupo e o INT - Instituto Nacional de Tecnologia se prontificou em fazer o layout final do protótipo. “Queremos atrair investidores, levar o nome da UFMS para fora, e elevar o curso de Engenharia Elétrica, queremos ganhar mais reconhecimento em todo o mundo”, conclui Danucha Marchesin.


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Cidadania

A justiça que anda Ônibus do projeto do juizado especial atende a periferia Fotos Letícia Reynaldes Dias

Letícia Reynaldes Dias População de bairros carentes tem acesso facilitado ao poder judiciário. Um projeto, a Justiça Itinerante, desenvolvido pelo Tribunal de Justiça, dá uma atenção especial para os cidadãos que não usufruem dos seus direitos. A finalidade do projeto é resolver conflitos cuja competência seria dos juizados especias e aqueles de família que podem ser resolvidos com conciliação. “O nosso índice de acordo é muito alto. Eu acredito que não passem de 5% os casos que não conseguimos ter uma conciliação”, disse Cezar Luiz Miozzo, juiz da 8ª Vara do Juizado Especial da Justiça Itinerante. O ônibus permite o atendimento e recebimento das reclamações e a realização das respectivas audiências. Por trás deste objetivo, no entanto, encontramos um outro. A justiça está cheia de processos que se delongam por anos e ocupam espaço nos arquivos, além de esforços de profissionais, gerando custos desnecessários. O alto índice de conciliação desafoga o poder judiciário e, assim, se evita que as ações sigam o trâmite completo, passando pelas várias fases. A Justiça Itinerante veio

para levar à população o que já é de direito, afinal, o Estado tem a obrigação de dar assistência jurídica aos cidadãos. O juiz Cezar acredita que 70% das pessoas atendidas não tinham acesso à justiça. “Aqui aparecem as situações mais variadas possíveis, então percebemos que elas são carentes mesmo”. As pessoas que já utilizaram do serviço confirmam a eficiência do projeto. “É ótimo e rápido. Eu acho muito eficiente, não tenho do que reclamar. Já é a segunda vez que eu venho e estou sendo atendida”, disse Cláudia Pereira da Silva, moradora do bairro Nova Lima onde o ônibus se encontrava. O projeto, mesmo realizando muitas conciliações, tem como recordista em procura a conversão de união estável em casamento. Só no ano passado, foram 3.448 atendimentos deste gênero e no início deste ano já foram contabilizadas 731 conversões. Em segundo lugar está a execução e pagamento de pensão alimentícia, com 1.605 pedidos. O Juizado Itinerante, no ano em que foi implantado, teve 600 orientações e, em 2006, atingiu a marca de 39.259 atendimentos. O cidadão tem acesso ao fornecimento de certidão de nascimento, reintegração de posse, re-

Dentro do ônibus os trâmites se resolvem solução da guarda de menores ou a modificação desta, regulamentação das visitas e divórcios. Como funciona

A Justiça Itinerante, que teve início em novembro de 2001, é constituída de unidades móveis com a infra-estrutura de um cartório normal, com equipamentos de informática, gerador de energia e mobiliários. Atualmente, dois ônibus atendem 15 bairros e neles ficam um promotor, advogado (cedido por

duas universidades locais), 13 conciliadores, um assessor e um policial militar, além de estagiários de direito.Os dois veículos foram doados pelo Centro Universitário de Campo Grande (Unaes) e pela fundação Banco do Brasil em parceria com a Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Em abril deste ano, o convênio com a Unaes foi renovado por mais cinco anos. Com esta parceria as universidades têm a extensão de seus núcleos de práticas jurídicas na Justiça Itinerante.

A origem de tudo

O bairro Nova Lima tem assistência da Justiça Itinerante.

“O Abrigo Certo para os seus Direitos” é o slogan da Casa da Cidadania. É uma parceria entre o Tribunal de Justiça e a Prefeitura Municipal de Campo Grande, visando garantir o amplo acesso de todos à Justiça. Reúne em um só lugar vários órgãos, de maneira a facilitar o acesso e o atendimento à comunidade que procura por seus direitos. Ela abriga, por exemplo, o Juizado do Trânsito, a Justiça Itinerante e a Justiça Comunitária, além de disponibilizar serviços como a emissão de Certidão de Nascimento, Procuração e Escrituras, Abertura e Reconhecimento de Firmas e Autenticação de Documentos - Serviço Notarial e Registral Descentralizado (Anoreg-MS). O projeto da Justiça Itinerante teve uma origem um tanto rara. De acordo com Miozzo, uma juíza, no Amapá, se dispôs a ir além do que lhe era exigido pelo Estado. Utilizando um barco como locomoção, atendia à população ribeirinha, transpondo os limites do Fórum. Inspirados nisto, outros estados começaram a desenvolver este projeto em bairros carentes de suas cidades. O projeto realizado em Campo Grande se assemelha ao de Brasília, com a peculiaridade de que também resolve questões familiares.


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Arte no corpo

T atuagem econ ceito e ban alização precon econceito banalização Moda, pr Ianara Garcia Luisa Amorim Muitas vezes marginalizada, a prática da tatuagem está cada vez mais “comum”. No século 18 começou a se expandir através dos marinheiros, que passavam muitos meses no mar longe de suas famílias. Faziam figuras pelo corpo como forma de guardar suas lembranças e passar o tempo. Os desenhos, além de significarem coisas importantes para as pessoas, passaram a ser uma forma de assinalar uma fase de suas vidas ou momentos expressivos. Por isso, ganhou muitos adeptos também entre os prisioneiros, que se tatuavam para extravasarem sua revolta e angústia. Assim, a tatuagem acabou por ser taxada em toda a sociedade como uma marca de bandido, presidiário e, por isso, ainda hoje, carrega o estigma de marginalização e seus adeptos sofrem preconceito. A quebra desta imagem sofreu influências diretas da mídia. Por ter se tornado um ato tão popular, vários artistas passaram a exibi–las em rede nacional. Com esse crescimento, acontece a “banalização”. Pessoas sem o devido preparo se consideram profissionais da área e, muitas vezes, cometem erros que envolvem desde a falta da higiene necessária à execução de um trabalho mal feito. Ainda existem divergências quando o assunto é marcar definitivamente o próprio corpo. Para César Dontechef,

tatuador de 29 anos e um dos sócios do Studio Tattoo e Cia, “a banalização é um ponto desfavorável para a gente que está no mercado há mais de dez anos e se profissionalizou para isso. Já fiz dois cursos na área, um sobre segurança e outro sobre fisiologia, e trabalho com isso há pelo menos treze anos”. César conta que fez sua primeira tatuagem aos 14 anos, escondido dos pais, que souberam somente seis meses depois. Por vezes se arrepende, pois acha que ficou mal feita e considera que não foram tomados os devidos cuidados. O tatuador e sua equipe atendem cerca de 25 pessoas por mês, mas este número varia muito. “Em meu estúdio o público é mais feminino, nor malmente entre 25 e 37 anos”. Borboletas, fadas, estrelas e ideogramas são os desenhos mais pedidos. O mais inusitado foi um beija flor de óculos, que representava o namorado da cliente. “Em geral os homens dão mais trabalho, eles pedem desenhos grandes e, muitas vezes, acabam não suportando a dor ou o tempo de execução”, declara o tatuador. Geralmente, a decisão de fazer uma tatuagem acaba por gerar conflitos entre os jovens e os pais. César diz que só atende o público adolescente com a presença dos responsáveis.

Não bebo, não fumo, não tenho vícios... Tatuar pra mim é um hobbi.

Marginalização e preconceito Evanir Lídia da Silva, de 56 anos, mãe do tatuador César, afirma que quando o filho começou a se profissionalizar, não aceitava. “Na época, as pessoas falavam que era coisa de

bandido. Eu sentia vergonha até de sair com ele na rua”. Hoje, além de aceitar, Evanir conta que fez uma tatuagem com o apoio do marido e incentivo das amigas. “Depois que fiz a orquídea, uma amiga fez também”. Normalmente, além de discriminada, a prática é condenada pela religião. Segundo o acadêmico do quarto ano de Biologia da UFMS, Patrick Inácio Pina, de 23 anos, a Bíblia reprova a marcação do corpo, que é o templo do Espírito Santo. “Não fareis lacerações na vossa carne pelos mortos; nem no vosso corpo imprimireis qualquer marca. Eu sou o Senhor”, - Levíticos 19:28, cita o estudante evangélico. Já na opinião de Henrique Prado, acadêmico do segundo ano de Ciências Sociais, as pessoas têm livre arbítrio. “Cada um é dono do seu próprio corpo e pode fazer o que quiser com ele. Acho bonito ter tatuagem, mas é necessário passar por cima de preconceitos. A sociedade ainda é moralista e conser vadora e, muitas vezes, marginaliza tal arte. Acaba tendo sempre uma análise: Porque ‘gatinho` pode e ‘caveira` não?” Maria Leonilda Figueredo da Silveira, de 40 anos é uma das maiores clientes de César. Com cerca de 50 tatuagens pelo corpo, conta que não se arrepende de nenhuma delas e que ainda pretende fazer mais. “Não fumo, não bebo, não tenho

vícios... tatuar para mim é um hobby”. Dona de um pensionato para estudantes do Colégio Militar e mulher de um militar, Léo comenta que a tatuagem às vezes choca as pessoas, mas que nunca chegou a sofrer preconceito. “Os pais confiam após me conhecer e a imagem de ´muito liberal´ que os estudantes têm, muda após as cobranças. Me sinto como mãe deles”. Arrependimento “Minha tatuagem eu fiz num momento de revolta e sabia que talvez me arrependeria. Foi um amigo quem fez, há uns sete anos, e marcou uma fase de minha vida. Hoje não faria”, afirma Valdecir Rodrigues Amorim, representante comercial de 42 anos. Em Campo Grande, a técnica mais procurada pelos insatisfeitos é a “camuflagem”, espécie de maquiagem definitiva que cobre com pigmentos da cor da pele o local antes tatuado. Para


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Arte no corpo

Recorde Brasileiro Rogério Vieira de Fraga, de 41 anos tem 98% do seu corpo tatuado e foi certificado pelo RankBrasil, como o “Homem mais Tatuado do Brasil ”. Rogério resolveu se tatuar porque sempre quis ter uma pele diferente.

Renata Nogales, esteticista há cinco anos, três trabalhando com esta técnica na Clínica Shangrilá, “é um tratamento longo, pois deve haver um intervalo de no mínimo dez dias entre uma sessão e outra – o valor varia de acordo com o tamanho da área a ser coberta”. Por ser uma pigmentação na cor da pele, após o fim do tratamento não existem marcas ou cicatrizes, diferente da remoção a laser que, muitas vezes, não consegue realizar a completa despigmentação. A maquiagem corretiva custa por volta de R$ 200 e, em geral, é procurada por clientes arrependidos por terem desenhos mal feitos. Entretanto, nem sempre é este o motivo: “Tenho um cliente em tratamento que resolveu retirar a tatuagem que tem na perna, pressionado pela família evangélica”, afirma Renata. As precauções não devem ser tomadas somente em relação ao desenho ou a parte do corpo. A correta escolha do estúdio é extremamente importante. Precisam ser considerados os cuidados relacionados à higiene, e é necessário que as instalações cumpram as exigências do Centro de Vigilância Sanitária. Apesar de bastante popular, é uma arte guiada por modismos e, por ser

uma marca permanente, ainda gera muita polêmica. Ainda existem vários concursos públicos e empresas que não aceitam tatuados. A Polícia Militar geralmente reprova candidatos que te-

nham tatuagens que fiquem expostas ou que prejudiquem a apresentação pessoal. Por isso, antes de tomar qualquer atitude, pense muito.

Um am ania que Uma mania acompanh a a história acompanha A tatuagem surge entre 4000 e 2000 aC no Egito. De acordo com especialistas, era uma forma de marcar os corpos dos prisioneiros e impedir que fugissem. Já os nativos da Polinésia, Filipinas, Indonésia e Nova Zelândia faziam, durante rituais, desenhos conhecidos como “Moko”, que cobriam seus rostos. A partir da Idade Média, a tatuagem foi banida na Europa. A sociedade da época considerava que um desenho na pele era um ato demoníaco, e não aceitava bem os que possuíam tal “marca”. Mesmo assim, tornou-se bastante comum entre os marinheiros. O procedimento era feito nos portos e navios, apesar de não se ouvir falar ainda de profissionais da área. Foi inclusive entre os navegadores que surge o termo “tattoo”, criado pelo capitão James Cook, que considerava ser este o som que os ossos finos (usados como agulhas) faziam durante a execução dos desenhos. O Brasil teve conhecimento da tatuagem elétrica – que é utilizada até hoje – em 1959, através do dinamarquês Knud Hared Likke Gregersen, mais tarde conhecido por “Lucky tattoo”.

Sua 1ª tatuagem foi feita aos 13 anos, com um arame quente, em forma de tubarão, do lado esquerdo do peito. Segundo ele, são desenhos para um visual macabro, mas que significam imagens sedutoras. Tatuador profissional, deseja trabalhar muito e se aperfeiçoar cada vez mais. A tatuagem que mais demorou para ser feita, foi nas costas, e levou 12 horas. A que menos tempo demorou foi feita em 02 min., foi a inicial do nome de seu primeiro filho. Pai de dois filhos, disse que eles também já têm tatuagens. Para Rogério chegar a 100% de seu corpo tatuado, ainda falta a face direita do rosto, mas não é algo que não está em seus planos atualmente.


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Alta tensão

Naqueles dias... ...e daquele jeito Bianca Bianchi Ludmila Valadão

É

impressionante como naqueles dias de TPM nada agrada ou é bom o suficiente para uma mulher. Tarefas rotineiras e simples, como escolher uma roupa para sair, por exemplo, desencadeiam uma crise existencial, e ai de quem subestimar este “terrível sofrimento”. Uma palavra mal colocada, um olhar um pouco mais sério pode ser o pivô de uma verdadeira guerra. A paz é logo declarada, mas no mês seguinte... O quê? E por quê? A famosa TPM – Tensão PréMenstrual - é provocada por alterações hormonais que ocorrem naturalmente

no corpo de toda mulher. Nos dias que antecedem a menstruação, elas parecem estar numa montanha-russa emocional, com diferentes sintomas físicos e psicológicos. O desequilíbrio nas taxas dos hormônios sexuais, caracterizado pela queda do estrógeno e elevação do progesterona, pode ter efeito depressivo no sistema nervoso central, desencadeando essas oscilações. Estudos da University of British Columbia, em Vancouver, apontam que 80% das mulheres sofrem algum tipo de sintoma da TPM. Contudo, não há tratamentos que, reconhecidamente, a curem; o que existem são formas de controlá-la.

Os sinais físicos mais comuns relação física Jane da Rosa. Além disso, a cionados a TPM são enxaquecas, acnes, prática regular de exercícios físicos liedemas, dores e desconforto, especialbera endorfina, substância que funciomente nos seios, juntas e músculos, na como anticorpo natural e é responinchaço abdominal e alterações do apesável pela sensação de bem-estar. tite. Já os principais indícios comportaA turismóloga Michele Monmentais são raiva, irritação, ansiedade, tagnana, 26 anos, certifica a importândepressão, insônia, stress e perda de incia da atividade física para o equilíbrio teresse sexual. da mulher, “Freqüentava a academia e Segundo a minha TPM era nutricionista Elda tranqüila, mas, tive Ávila, “muitos des“Por isso não provoque, dengue e fiquei tes sintomas podem meses sem ir. É cor-de-rosa choque. dois ser amenizados à Foi a única coisa medida que se conMulher é bicho que mudou na misegue influenciar a nha rotina, resultaesquisito. produção dos horna minha últiTodo mês sangra. Um do: mônios com determa TPM, nem eu minados alimensexto sentido maior me agüentava matos”. Os mais indiis”, lembra. que a razão.” cados são os inteEntretanto, (Cor-de-rosa choque, grais, os ricos em vimesmo sabendo tamina B6 (soja, carde todos os beneRita Lee). ne de fígado, ovos), fícios que a ativiem potássio (cedade física traz, noura, feijão, banana), magnésio (vegeainda há quem prefira extravasar natutais verde escuros, camarão, cereais) e ralmente a tensão. A estudante de jorcálcio (derivados do leite). Alimentos nalismo, Pauliane Amaral, 21 anos, por que retém líquido, como carnes salgaexemplo, diz que tem a TPM clássica, das, embutidos, frituras, tortas e biscoimas que isso não a incomoda. “Não tos devem ser evitados. Elda faz, ainda, consigo me controlar, jogo copos, bato um alerta sobre os “queridinhos” das porta, quebro tudo. Meu médico recomulheres com TPM: café, álcool, tabamendou atividade física, mas eu não gosco, chocolates e refrigerantes a base de to, então, fico com a TPM mesmo”. cola aumentam a ansiedade e podem provocar dores de cabeça. No período após a ovulação, o organismo apresenta deficiência de serotonina, substância produzida no cérebro que regulariza os ciclos de sono, o humor e o apetite. “Investir na atividade física é a melhor forma de estimular a produção natural desse hormônio”, garante a psicóloga e professora de educa-


9 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS A TPM não costuma ser um problema grave ou crônico, mas nem por isso, deve ser ignorada. Muitas vezes, seus sintomas podem ser intensos o suficiente para prejudicar o desempenho das atividades habituais e comprometer relaciona-

mentos. Amizades já foram abaladas, namoros estremeceram e casamentos até acabaram. “Um dos motivos para o fim do meu casamento foi essa tal de TPM. Minha ex-mulher já acordava irritada, e dependendo dos acontecimentos do dia,

Alta tensão o seu (mau) humor só piorava. Não sei se é normal, mas ela tinha TPM vinte dias por mês”, declara o exmarido aliviado, que não quis se identificar. Talvez não seja tão fácil assim conviver com o sexo feminino, contu-

Contra-ataque A busca por tratamentos alternativos tem se tornado muito comum, sobretudo pelos resultados que apresentam. Pílulas anticoncepcionais à base do hormônio drospirenona além de prevenir a gravidez, são ótimas aliadas contra a acne, regulam o ciclo menstrual, diminuem as cólicas e reduzem pela metade os sintomas da TPM em 48% dos casos extremos. Isso ocorre porque os contraceptivos impedem a ovulação, e

conseqüentemente, os níveis hormonais não sofrem tantas alterações. Na Medicina Homeopática, usam-se plantas para preparar medicamentos fitoterápicos. Para a TPM, os indicados são à base de óleo de Prímula, rico em ácido gama linolêico (GLA), um tipo de gordura boa para a saúde que o nosso corpo não produz e que age como “coringa” substituindo e equilibrando hormônios. A acupuntura é um instrumento terapêutico desenvol-

vido na China há aproximadamente 4 mil anos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou uma lista com 41 doenças que apresentam excelentes resultados com este tratamento. Após 25 anos de pesquisas, constatou-se alívio completo dos sintomas da tensão pré-menstrual, sem recorrência por seis meses, em 92% dos casos.

do, os homens também são alvos constantes de críticas, mas isso é assunto para outra matéria. O importante mesmo é que há quem acredite que esse “drama” tem seu charme, e, no fundo, no fundo, os homens gostam.


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Drama

Quando o pó bate em sua porta A descoberta das drogas e o envolvimento com o tráfico Ítalo Milhomen Ben Hur Avelino Goianésia, 1º de maio 22h, Praça do Trabalhador Enquanto esperávamos o show de Alceu Valença, atrás de nós, um grupo de estudantes dançava. Depois de algumas músicas, algo me chamou atenção: uma mão estendida. Sobre ela uma carteira e um cartão telefônico. Não me importei e continuei assistindo ao show, quando ouvi: - Quase os homi pegaram a gente. Era Manú, ele estava tenso, ansioso. Eu, ele, Dênis e Wilson formávamos uma roda. Nesse momento, uma ordem: - Cheira logo isso! Manú tirou o cartão, havia duas carreirinhas de pó branco. Naquele momento tudo parou, igual aos filmes, tudo em câmera lenta. Lembrei do primeiro dia na cidade. Festa, bebidas, música, mulheres e uma frase que martelava minha cabeça. - A gente pega por oito, vende por vinte. Nesse momento, me perguntava se aquilo era uma brincadeira. Minhas pernas bambearam, as mãos tremiam. Eu poderia impedi-lo. Permaneci quieto. Decidi que se ele fosse fazer, que fizes-

Ele poderia ser apenas um usuário. Mas se na minha frente para não julgá-lo sem se fosse um viciado ou, pior, um viciaprovas. do e traficante? O filme seguiu, e uma nota de cinPensei na situação, decidi não conco reais enrolada em forma de canudo tar aos seus pais. Mas a quem recorrer? foi o canal entre o pó e as reações de Voltei ao show, meio desnorteado. PerManú. Foi o caminho por onde perguntei a Dênis se era mesmo cocaína, correu minha frustração, minha sensaele apenas confirmou com um gesto. ção de impotência diante do que estava Ao chegar à casa da minha tia, enocorrendo. quanto Manú dormia, vasculhei seu O tempo parou de novo. Dias ancomputador. Encontrei três fotos, em tes, mesmo sem ter certeza, questionei uma delas ele aparece junto de dois case ele usava ou apenas vendia. ras com uns - Que isso primo, papelotes na nunca usei. Já vi neguinho mão. perder carro. Duzentos O filme seguiu, No dia sereais evaporam com a faguinte, eu e Dêrinha. e uma nota de cinco nis fomos a um Seus olhos estabar com amigos. vam esbugalhados, reais enrolada em a vermelhos. Seu nariz forma de canudo foi o Começaram falar de alcooliscoçava, escorria e sua inquietação, aincanal entre o pó e as mo, drogas. Não agüentei. Desada que de leve, o reações de Manú. bafei sobre o denunciava. Então que se passava lembrei de sua mãe comigo. Algu- que sempre consimas pessoas derei minha tia nem me conheciam, mas falaram de professora, líder comunitária. O Zé, suas experiências. Uma amiga disse que seu pai ainda se recuperando de um o seu irmão mais novo foi viciado e câncer. Será que eles merecem passar sugeriu: por isso? - Espere ele chegar ao fundo do poço. Ele Fui para o carro e lá chorei, tenvai reconhecer e pedir ajuda. tando saber o que fazer para ajudá-lo.

Será que o mais certo era deixá-lo afundar, a ponto de roubar, agredir seus pais como muito se ouve por aí? Recomendaram-me procurar o Narcóticos Anônimos para saber que procedimentos tomar e que o tirasse o mais rápido possível daquele bairro, pois as amizades influenciam muito a pessoa. Fomos embora, cheguei à casa da minha tia, procurei nas coisas do Manú para ver se encontrava algum papelote para levar como prova. Perguntei a ele se tinha alguma parada, pois queria experimentar. Ainda dormindo ele desconversou. - Que parada? - O pó porra. Ele não respondeu. No dia seguinte, pronto para ir embora, conversei com minha tia. Perguntei se não seria melhor o Manú ir para Cuiabá, os cursinhos de lá são bons, a tia Júlia dá aula em uma faculdade, ele poderia ganhar uma bolsa. - Não vou dar trabalho à minha irmã por causa do meu filho. Ele vai estudar aqui, na marra. Vou tirar a Biz e o futebol se ele não estudar. Esses dias em uma cidade estranha mudaram meu modo de ver a realidade. O pó entrou na minha vida, na minha rede de amigos. Mas o que fazer quando o pó bate em sua porta?


11 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS Homem da Lei De acordo com o responsável pela Delegacia Especializada de Narcóticos (DENAR), Paulo César Braus, em Campo Grande a cocaína não envolve apenas as classes mais pobres. Há muitos profissionais liberais com carrão que aparecem na delegacia portando drogas. “O mulambo que cuida de carros está consumindo o crack (resto da cocaína) e o outro que tem dinheiro o pó mesmo”. Segundo ele, dependendo da quantidade de drogas portada, o local e a situação do flagrante, a pessoa pode ser autuada como usuária ou traficante. De acordo com o artigo 28º da Lei 11.343/ 06, que Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad, o usuário cumpre pena alternativa e é obrigado a assinar termo de ajuste de conduta comprometendo-se a ir em palestras e cursos de advertências sobre os efeitos da drogas, além de prestar

serviços à comunidade. Caso se recuse a cumprir essas ações, o usuário é novamente repreendido e obrigado a pagar uma multa. Já pelo artigo 33º da mesma lei, quem for pego traficando tem a pena de 5 a 15 anos de reclusão e multa diária de 500 a 1500 reais. Em Campo Grande, são instaurados cerca de 30 inquéritos de usuários químicos por mês. Braus recomenda os pais que tem filhos menores de idade envolvidos com tráfico de drogas a encaminhá-los à delegacia. “Enquanto menor ele sai com a ficha limpa. Quando completa 18 anos, a conversa é outra!”, afirma o delegado. “Na cadeia ele não vai ser mais a mulherzinha, vai ser a ‘Maria’. Vai segurar crimes por eles, vai ter de pagar dinheiro pros bandidos, vai ver sua mãe, sua família tendo de levar droga para dentro do presídio”.

Quase um fim Alexandre, 19 anos, começou a fumar maconha ainda no ensino médio, só para experimentar, sentir um barato. Consumia apenas em baladas e, depois, começou a traficar. “Na verdade, o que vicia mesmo é a droga química, mas com certeza, maconha é a porta. Quando você está sob o efeito do pó, se sente o Superhomem, fica agressivo”. Alex, como era chamado, mergulhou de cabeça nas drogas, maconha, cocaína, êxtase, e não faltavam consumidores para seus produtos. O dinheiro fácil, que chegava a R$ 500,00 por semana, fez com que visse o tráfico como um empreendimento. Sua família desconfiava, mas não tinham diálogo. Ele mal parava em casa e, quando ficava, ia direto para o quarto, ficar “viajando”. Uma overdose fez com que repensasse seus dois últimos anos. Junto com alguns amigos foi até uma chácara. Consumiu todo tipo de droga: maconha, bala (ectasy), doce (LSD), cocaína, crack. Sentia palpitações no coração, que disparava toda hora. Alex ficou quatro dias sem comer e sem dormir. No caminho de volta, foi pensando no que ia se tornar, e no desrespeito com ele próprio. “As drogas só tendem a afundar as pessoas. Eu já não sentia prazer nas coisas. Não sentia sabores. Não conseguia fazer mais nada sem fumar. Meu maior prazer era acordar e fumar um baseado. Isso é prazer?”. Quando chegou em casa, seu irmão estava em uma reunião da igreja, entrou e esbarrou em um amigo de seu irmão, pediu desculpas e subiu para o quarto. “Escutei ele pedindo desculpas para o pessoal, dizendo que era problema de família. Eu me senti muito mal e percebi que aquilo não podia continuar”. Alex desceu e pediu ajuda para o irmão. Junto da família conversaram, depois fizeram uma roda, uma oração. “Chorei muito e falei de novo que queria ajuda. Foi como se tudo que era de ruim que tinha dentro de mim fosse saindo, aos poucos, e eu me senti do tamanho da sala de tanta maldade”. Hoje diz que oportunidades para voltar as drogas não faltam e que há garotos cada vez mais cedo nisso, e os números só aumentam. “Quando você pára, não é só você que muda, muda tudo, pais, irmãos, aparecem oportunidades positivas”.

Drama O Pai Segundo João Camargo, integrante do grupo de apoio às famílias, Amor Exigente, o primeiro passo é se conscientizar de que o problema existe. “Quando descobri que minha filha estava usando drogas, parei e pensei: ‘muito bem, vamos lá, encarar o problema de frente. O que está acontecendo?’”. O próximo passo é procurar ajuda profissional e grupos de apoio. Sua investida foi dificultar ao máximo o acesso de sua filha às drogas. Cortou seu carro, mesada, os amigos dela já não podiam freqüentar sua casa. “Acredito que só haja dois caminhos para o dependente químico, ou ele vira bandido ou morre. Por isso a gente precisa adotar um processo que se chama Fundo do Poço. Funciona assim, a pessoa vai afundando e você vai deixando. Eu não falo que precisamos abandonar nossos filhos, não é isso. Pelo contrário, precisamos estar dispostos a ajudá-los. Mas enquanto estiverem nessa vida, temos que deixá-los sofrer

as conseqüências de suas decisões, sozinhos”. Para João, quando estiverem lá embaixo e sem condições de subir, aí sim, é hora de mostrar a eles que há um caminho muito melhor sem drogas e ajudá-los a sair. João conta que enquanto sua filha afundava, ele afundava junto, mas não podia fazer nada. “No mundo das drogas a pessoa é aceita do jeito que é. Feia, bonita, suja, negra, branca, não importa. A família é um núcleo que deve dar segurança e estrutura para os jovens, para que eles não procurem justamente essas falsas-seguranças. É preciso cooperatividade familiar. O jovem precisa ser ouvido, escutar, dividir tarefas, ter um ombro dentro de casa”. João afirma que os pais devem tratar diferentes como diferentes, eles são o principal referencial de seus filhos. *as identidades das pessoas foram ocultadas. São histórias reais, sem nenhum vínculo uma com as outras.

O que observar Efeitos Não podemos definir o perfil do dependente químico. Podem ser ricos, pobres, negros, brancos ou estudantes. Mas algo que dá para notar é sua diferença comportamental: euforia, excitação, falta de apetite, insônia e aumento ilusório de energia são as primeiras sensações que o consumidor de cocaína tem. Esse efeito dura cerca de meia hora e logo a seguir vem uma forte depressão que leva o usuário a consumir novas doses da droga. Meia hora depois da segunda dose a depressão volta e o usuário busca cheirar de novo e assim sucessivamente.

Danos Os problemas começam nas vias de entrada da droga, como a necrose (morte dos tecidos) da mucosa nasal ou das veias, dependendo da forma como é consumida. A quinina, uma substância que pode estar misturada à cocaína, pode levar à cegueira irreversível. Infecções sangüíneas, pulmonares e coronárias também estão na lista de conseqüências do uso contínuo da cocaína.

Grupos de apoio Narcóticos Anônimos, grupo Vida Nova - Av. Afonso Pena anexo a Paróquia Pérpetuo Socorro sala 5 Narcóticos Anônimos, Grupo Milagres Acontecem – AV. Mato Grosso 3280, anexo a Paróquia Sagrado Coração de Jesus. Site: www.na.org.br


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Inocência perdida

“Crianças, luz da

Às vezes, quem deveria livrá-las do m

Luisa Amorim Lynara Ojeda “Educar o público sobre a natureza benevolente do amor entre homens e meninos”. Esse é um dos tópicos presentes na página de apresentação de uma das mais antigas associações pró-pedofilia, a Associação Norte Americana do Amor entre Meninos e Homens (NAMBLA), fundada em 1978. De acordo com o próprio site, a meta da NAMBLA é acabar com a ‘opressão’ que sofrem os homens e meninos que se relacionam afetivamente. A associação, que se considera a favor da diversidade sexual, não é a única que se mobiliza a favor da pedofilia. Existem diversos sites,

associações e até mesmo partidos políticos, como o holandês Partido dos Pedófilos. Um dos casos de maior repercussão nos últimos dias foi a prisão de mais de 700 pessoas de 35 países que faziam parte de uma rede de pedofilia – 31 crianças eram vítimas do grupo e, em alguns casos, eram abusadas pelos próprios pais ou parentes. Um dos sites da organização, curiosamente, leva o nome “Crianças, luz das nossas vidas”. A pedofilia é uma das doenças relacionadas a desvios de sexualidade, uma parafilia, antes conhecida como perversão. É caracterizada nos

manuais de classificação dos Transtornos Mentais como uma atividade sexual envolvendo crianças prépúberes (com 13 anos ou menos) e indivíduos de 16 anos ou mais - deve ser pelo menos cinco anos mais velho que a criança. De acordo com Sandra Amorim, professora de psicopatologia do curso de Psicologia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), a pedofilia é uma imaturidade psicossocial, por isso o desvio da sexualidade. “Ele está se relacionando com uma parte dele que não cresceu”, afirma Sandra. Mas existe também o pedófilo oportunista, esse que por ter um desvio de caráter, se aproveita da situação. A palavra pedofilia vem do grego paidofilia e significa “amigo da criança”. As conseqüências que a vítima de um pedófilo carrega, entretanto, não são provenientes de uma amizade. “Quando uma criança é usada por um adulto ou adolescente mais velho para se satisfazer sexualmente, mesmo que não haja contato físico, ela está sofrendo uma violência”, afirma Dailiane, que teve sua filha de nove anos violentada por um vizinho e amigo da família, quando a menina tinha apenas quatro anos. Segundo Dailiane, a garota faz tratamento psicológico desde que sofreu o abuso e prefere nem lembrar do que aconteceu. Helena DM’s , de 33 anos, em

entrevista ao Projétil, afirmou que foi violentada sexualmente pelo tio, que morava em sua casa, dos cinco aos 20 anos e conta que o medo, a insegurança e as ameaças sofridas fizeram com que ela nunca denunciasse. “Meu tio me fazia achar que minha mãe não acreditaria em mim. Ele diria a ela que eu o havia seduzido. Estava sempre me ameaçando”. Ela afirma que durante muito tempo acreditou que a culpa do que estava acontecendo era dela. “Passei a vida inteira, mais de vinte anos, acreditando que tinha culpa, que merecia sofrer impreterivelmente. Por que precisamos sofrer e nos punir por algo que não nos apetece culpa?”, questiona. Helena completa: “Nunca tive culpa por ter sofrido violência sexual, mas acreditei nisso quando ouvi daquele adulto, um homem em quem confiava, essa inverdade injustificável. Ele teve segurança e tempo para patinar na minha alma e no meu corpo. Ele se sentia totalmente seguro, eu estava sob controle”. A diferença de idade entre a vítima e o abusador era de aproximadamente dez anos e os abusos duraram até o dia em que Helena tomou a iniciativa de sair de casa. E ela só conseguiu falar sobre a violência que sofreu há pouco tempo, pois demorou a entender e criar coragem.

“Ele teve segurança e tempo para patinar na minha alma e no meu corpo. Ele se sentia totalmente seguro, eu estava sob controle”.


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Inocência perdida

as nossas vidas”

medo, acaba sendo o próprio monstro

“Meus pais ainda não sabem. O que mantinha a violência sexual era a subjetividade com que ela acontecia. Os pais vêem o que querem ver. Porque eu vou admitir que existe violência sexual dentro da minha casa?” Helena, que mora em Fortaleza, escreveu um livro sobre o assunto (que vai ser publicado em novembro) e participa ativamente de programas de combate ao abuso sexual. “Cheguei ao fundo do poço e, há um ano e sete meses, venho me permitindo outras possibilidades além de dor e do sofrimento. Segundo o manual de classificação dos Transtornos Mentais, os indivíduos que sentem atração pelo sexo feminino geralmente preferem crianças de até dez anos, enquanto aqueles atraídos por meninos preferem crianças um pouco mais velhas. A pedofilia raramente é identificada em mulheres e são poucos os casos em que os abusos cometidos contra meninos são denunciados. Por ser um conceito psicológico e sociológico, não existe um cri-

me intitulado pedofilia na legislação brasileira. Os pedófilos são punidos por ações como: atentado violento ao pudor, estupro e pornografia. A lei também não condena a pessoa que porta materiais contendo imagens com apelo erótico e sexual de crianças, crime muito comum na Internet. O Estatuto da Criança e do Adolescente, no artigo 241, prevê apenas reclusão de dois a seis anos para quem “Apresentar, produzir, vender, fornecer, divulgar ou publicar por qualquer meio de comunicação, inclusive rede mundial de computadores ou internet, fotografias ou imagens com pornografia ou cenas de sexo explícito expondo crianças ou adolescentes”. Segundo o recém-lançado site “MS Contra a Pedofilia”, a exploração da pedofilia movimenta milhões de dólares em todo o mundo. Uma foto de criança sendo violentada pode custar até 100 dólares e um vídeo de cinco minutos chega a valer mil dólares. Quanto menor a idade, maior o valor. Em recente pesquisa divulgada pela Associação Italiana para a Defesa da Criança, baseada em dados do FBI, o Brasil ocupa o quarto lugar no ranking mundial de sites dedicados à pornografia infantil. Matéria publicada na revista Istoé, em março de 2006, dá conta que somente no ano de 2005, o mercado movimentou cerca de dez bilhões de dólares, incluindo vídeos de crianças fazendo sexo com adultos e

até com animais. Em depoimento ao site, a promotora de justiça Ariadne de Fátima Cantú da Silva afirma que “a agilidade e privacidade proporcionada pela internet são fatores que dificultam o enfrentamento da questão. Não é possível deixar de considerar o imenso paradoxo que se registra ao confrontar a velocidade com que se propagam os conhecimentos através da rede e a tradicional lentidão da justiça causada, em grande parte, pela lerdeza das leis processuais que engessam a condução vigorosa e eficaz do processo legal”. Da mesma maneira que a internet serve para difundir tal prática, muitas vezes é usada como uma forma de ‘dar a volta por cima’. No caso de Helena, o site de relacionamentos Orkut foi fundamental para que ela aprendesse a lidar com seu problema. “Nunca pensei em fazer Orkut. E quando fiz, encontrei forças para começar a desejar, a querer fazer diferente, a enfrentar tudo e ser feliz. Até então nunca tinha conhecido alguém que tivesse passado o mesmo que eu. Encon-

trei amigos, minha psicóloga, comecei a escrever meu livro...” Assim como Helena, é possível encontrar diversas pessoas que transformaram o Orkut num espaço de desabafo. Muitos depoimentos relatam histórias de dor e medo. Comunidades como: Vítimas de Pedofilia, que possui 45 usuários, e Sobreviventes do abuso sexual, que tem 185 membros, contam com a participação de integrantes que deixam mensagens de sofrimento, como esta, postada anonimamente: “Gostaria de levar comigo esse meu segredo, sem ter que dividi-lo com ninguém, já que eu não posso voltar o tempo. Desejaria ser outra pessoa, qualquer uma, até a mais pobre, a mais burra, a menos invejada, só não quero ser quem eu sou...” Em outros casos, é notável a preocupação com o futuro: “nunca quis e nem quero ter filhos. Não suporto a idéia de fazerem com um filho meu o que fizeram comigo”, desabafa Margarete Cristini.

Denuncie! SOS Criança 3381 – 6000 Conselho Tutelar Sul 3314 – 6367 Conselho Tutelar Norte 3314 – 6366 Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente DEPCA 3386 – 8522 Programa Sentinela / SAS. 3314 – 6368 / 3314 – 7477 COMCEX 0800 – 6471323 Denúncia Nacional - 100


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Credito

Dinheiro fácil impulsiona economia Grazielle Arantes Desde maio de 2004, quando a modalidade de empréstimos consignados começou a ser oferecida no Brasil, quase 8 milhões de aposentados e pensionistas do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) já recorreram a esta “alternativa de dinheiro fácil”. Os empréstimos são oferecidos tanto a servidores ativos quanto aos inativos, incluindo-se militares, servidores estaduais e municipais. De olho nessa nova onda, empresários investem pesado para atrair clientes. É só caminhar pelas avenidas de Campo Grande que o assédio começa. As papeletas de propaganda são entregues aos montes, cada qual oferecendo mais e mais vantagens para o cliente adquirir o empréstimo. “Eu acho muito desagradável caminhar pelo centro da cidade e ser abordada o tempo todo, recebendo esses papéis com propaganda de financiadoras”, afirma Carolina Nantes, servidora pública. As vantagens apresentadas como juros baixos e a não consulta aos órgãos de proteção ao crédito são alguns dos atrativos que impulsionam o crescimento desse comércio, e trazem a alegria dos empresários, que têm a garantia do recebimento, pois as parcelas são descontadas diretamente da folha de pagamento do servidor público, aposentado ou pensionista. “Estamos felizes com o crescimento da empresa, atualmente emprego sete funcionários e tenho a esperança de empregar mais gente. É um negócio lucrativo, pois as probabilidades de não receber o dinheiro emprestado são mínimas”, esclarece José Antonio Silveira, dono de uma promotora de crédito da capital. Preocupados com o crescimento no número de empréstimos consignados, os Ministérios da Previdência, da Justiça e da Fazenda, pu-

blicaram uma série de normas para a concessão dos empréstimos. Dentre estas, está a obrigatoriedade das instituições financeiras de informarem previamente ao previdenciário o valor total financiado, as taxas mensal e anual de juros, os acréscimos embutidos, o valor, número e periodicidade das prestações e a soma total a pagar por empréstimo, financiamento ou operação de empréstimo. Os Ministérios vetaram a contratação de empréstimos por telefone e limitaram o parcelamento a no máximo 36 meses (anteriormente os empréstimos poderiam ser parcelados em até 60 meses). Após maio de 2006, proibiu-se a cobrança da taxa de abertura de crédito (TAC), e desde outubro, o percentual de juros para o crédito consignado a aposentados e pensionistas está limitado a 2,78% ao mês. O objetivo foi fazer com que a taxa de juros expresse o custo real do empréstimo e que a competitividade provoque uma redução nas taxas praticadas pelo mercado. Para Antonia da Cruz, aposentada, os empréstimos se tornaram uma rotina. “Sempre recorro a este tipo de crédito para pagar contas, a liberação do dinheiro é rápida e os juros não são tão altos. Além dessa variedade de lojas que fazem esse tipo de financiamento, podemos também fazer no caixa automáti-

Fotos: Grazielle Arantes

Juros baixos e facilidades para adesão movimentam mercado de empréstimos consignados

Propaganda estimula público a contrair empréstimos co, que é muito mais simples”, mas também acrescenta que “entrei nesse círculo vicioso por bobeira, agora recorro a um empréstimo para pagar outro, e ainda pago resíduos dos juros dos primeiros financiamentos, embutidos nas parcelas destes que tenho descontado em folha”. Dados do Conselho Federal de Economia (Cofecon) em conjunto com a Dataprev (Empresa de Tecnologia e Informações) que processa a folha de pagamento do INSS, demonstraram que mais de 40% dos 19 milhões de aposentados e pensionistas do País já utilizaram a modalidade de crédito. Os financiamentos movimentaram mais de 20 bilhões de reais nesses últimos três anos. A novidade no ramo dá destaque ao crédito turismo, uma iniciativa do governo federal, que visa a inclusão social. Esta modalidade, que estará disponível a partir de agosto, abrangerá pacotes turísticos de viagens de até sete dias, incluídos transporte, hotéis e alimentação. O governo estima que os preços variem de R$ 500,00 a R$ 600,00 por pessoa.

Empréstimos com segurança O INSS orienta os aposentados e pensionistas que não forneçam dados pessoais caso alguém apareça em sua casa prometendo acelerar a liberação do empréstimo e pedindo, para isso, o cartão, a senha do banco ou outros documentos. A melhor forma de obter um empréstimo é procurar diretamente a instituição financeira de sua preferência. Fique atento, o Instituto nunca entra em contato com o segurado por telefone para solicitar informações pessoais nem passa estas informações às instituições financeiras. A margem consignatória do salário é de no máximo 30%. Reclamações ou denúncias podem ser feitas pelo PrevFone 0800 780191, Disque Denúncia 0800 7070477, na página da Previdência - www.previdencia.gov.br, pelo correio eletrônico ouvidoria@previdencia.gov.br, ou na Central de Cartas - Caixa Postal 09714 - CEP 70.001-970 - Brasília/ DF. O site do Ministério da Previdência Social disponibiliza uma lista com os bancos conveniados e suas devidas taxas de juros. Vale a pena conferir antes de adquirir um financiamento.


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Trabalho

Em apenas um mês, 120 empresas foram extintas e o setor formal desempregou 15,5 mil pessoas. malmente. “Para que eu vou abrir uma empresa? Só para dar dinheiro pro goTodos os dias Paulo Ribeiro da Silverno?”. Segundo ele, o poder público va, 37 anos, conhecido como “Paulo deveria incentivar quem pretende ter do bombom”, pega sua moto e sai para uma firma. “Eles deveriam diminuir os vender seu produto em empresas e esimpostos”, comenta. critórios. “Uni o útil ao agradável”. Sua A alta carga tributária contribuiu para esposa é quem prepara os bombons, que, em maio, o estado registrasse o todos os dias pela manhã, e ele tem as maior número de empresas extintas no técnicas de venda. ano. São 120 estabelecimentos que feSempre atuou no mercado informal charam as portas, 42% a mais que em (sem carteira assinada) e, há nove anos, maio de 2006. Conforme dados da vende bombons na Câmara de Diricidade. A razão para gentes Lojistas tanta persistência nes(CDL), no acumu“Para que eu vou sa atividade é uma lado deste ano são abrir uma empresa? questão de vontade 498 empresas feprópria. “Nunca chadas, 20% a mais Só para dar dinheiro gostei de ficar em esque no período de pro governo?” critório. Sempre gosjaneiro a maio do tei de trabalhar na ano passado. rua”. Ele diz que o Para João Raimportante é ter vontade e empenho no mos Martins, presidente da Associação serviço. “Se você não tiver gosto pelo das Microempresas de Mato Grosso do que faz, o negócio não vai pra frente. Sul (Amems), esses dados preocupam. Tudo sempre foi difícil. Se você ficar “A área financeira tem complicado a de braços cruzados, as coisas não vão vida das pequenas empresas”, destaca. acontecer”. Conforme ele, a dificuldade em consePaulo do bombom é um exemplo guir crédito, o baixo capital de giro, a de quem consegue lucrar com o merreduzida movimentação econômica na cado informal. Vende, em média, 2 mil região, além dos elevados impostos são bombons por mês, o que gera um lufatores que influem no fechamento de cro de R$ 800,00. Ele nem pensa em tantos estabelecimentos. “A falta de giro montar um negócio e afirma que comde dinheiro e a situação econômica do pensa mais continuar trabalhando inforpaís estão influindo e prejudicando prin-

Juliana Belarmino

cipalmente os pequenos empresários, que não têm recursos para se manter nessa situação que estamos passando. Eles não têm como enfrentar essa alta carga tributária”, enfatiza. Para tentar diminuir esse problema foi criado o Super Simples, através da Lei Geral da Microempresa, que começou a vigorar em julho, em substituição ao antigo Simples. De acordo com João Ramos, ao invés de simplificar, a lei vai burocratizar ainda mais e pode se tornar inviável. “Tem instruções difíceis de serem cumpridas. São 52 tabelas para serem observadas. As empresas não têm como se organizar em torno disso”, destaca. Para ele, a solução para incentivar o crescimento de micro e pequenas empresas está relacionada a uma série de fatores. “É necessário que se diminuam os custos e tributos e criem facilidades para que o empresário sobreviva, abrindo espaço para o crédito mais barato e a criação de órgãos públicos para dar assistência a essas empresas”. Falta de oportunidade As vagas para o trabalho formal estão cada vez mais restritas. Em maio, a geração de empregos nesse setor registrou queda de 628 vagas no estado. O volume de demissões ultrapassou as admissões. Foram 15,5 mil pessoas desligadas, enquanto 14,9 mil conquistaram um

emprego. Os dados são do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). João Batista, 36 anos, está desempregado há dois meses. Trabalhava com carteira assinada em Coxim, mas foi demitido e veio para Campo Grande. Agora procura vaga no serviço informal. “Infelizmente está difícil, mas eu tenho esperança”. Para atender a fatia que não entra no mercado formal foi criada, na Fundação do Trabalho (Funtrab), uma gerência estadual de apoio ao trabalhador informal, onde é feita a intermediação entre trabalhadores e empregadores. Eles oferecem as vagas, fazem o cadastro e selecionam as pessoas, podendo passar direto para o contratante. Em abril, a gerência iniciou um processo de qualificação profissional. De acordo com a coordenadora estadual de trabalho e renda, Larissa Orro, a profissionalização é fundamental para a conquista de um emprego. “Muitas pessoas não entram no mercado de trabalho porque falta qualificação e estudo”. Somente em maio, 1073 pessoas (entre novos e retornos) procuraram a gerência a fim de uma vaga na informalidade. Maria Isabel da Silva, 39 anos, está desempregada há dois meses. Ela afirma que é mais fácil conseguir vaga para trabalhar sem carteira assinada, mas qualquer oportunidade que vier será bem-vinda. “Se tiver carteira ou não o importante é trabalhar. Ficar parada não dá”.

Desempregadas procuram oportunidades na agência de apoio ao trabalho informal


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Saudades

Uma década sem Batata

Renato Vieira Há 10 anos, Alex Sodré foi covardemente assassinado em frente ao antigo bar Trinidad e Tobago enquanto esperava sua esposa sair do trabalho. Era o fim da carreira de um músico inovador e talentoso. Alex Batata, como era conhecido, sempre é lembrado pelos amigos como uma pessoa extremante calma, pacífica e com uma enorme generosidade. Veio jovem de Corumbá, onde integrava a banda Terra Branca, para estudar em Campo Grande. Começou também a estudar música com o guitarrista Edinho. Seu pai nunca gostou da idéia de ver o filho se tornar músico e, por isso, teve que enfrentar os primeiros obstáculos dentro da própria casa. Mas mesmo lutando contra o conservadorismo paterno, ele foi em frente. A convite do seu professor, entrou na banda HP, junto com Ayala, um baterista paraguaio, e com o radialista Ernani, que ainda lembra como o conheceu: “O Edinho que tocava guitarra me disse uma vez que tinha um aluno que tocava baixo, era um menino que tinha acabado de chegar de Corumbá, um tal de Alexandre, eu disse para chamá-lo. Lembro que ele tinha um baixo muito ruim, começamos a tocar, e foi assim durante dois anos”. Nesse mesmo período, Alex en-

trou na banda Alta Tensão, o grupo de maior expressão do Rock sul-matogrossense na época. “O Alta Tensão colocou matéria na Rock Brigade, isso quando ela era famosa, todo mundo queria ter. Para quem não sabe o que foi essa revista, ela batia de frente com a Bizz, que era uma revista mais comercial e popular enquanto a Brigade era direcionada pro Rock e Metal”. Ainda no Alta Tensão, juntamente com Edinho e Bosco, baterista conhecido por ter tocado com Rita Lee e Made in Brazil, gravou o disco Nigéria que alcançou grande projeção nacional e algum destaque internacional dentre os fãs de Heavy Metal. Nesse segmento, Batata ainda tocou com a Katástrofe, banda referência entre músicos do estilo em Campo Grande e ainda ativa. Com o fim do Alta Tensão, Batata seguiu sua carreira como músico em outras vertentes: “Ele fazia algo parecido com o que a Cássia Eller fez, só que antes dela. Ele conseguia tocar clássicos do Rock no violão e também outros estilos com uma pegada e uma levada roqueira que chamavam a atenção. Eu sempre digo que ele era a Cássia homem”, afirma Marquinho Yallouz, baixista do Bando do Velho Jack. Juntamente com Marquinho, Bosco e com o guitarrista Fábio Brum, da Blues Band, começou o que é hoje o Bando do Velho Jack e chegou a gra-

var um álbum o Old Jack. Com seu jeito simples e pacífico, no dia 20 de junho de 1997, Alex Bata-

ta foi baleado por Fábio Simonetti ao tentar impedir uma briga. Fábio nunca chegou a ser preso, apenas cumpriu um tratamento com a alegação de que tinha problemas com entorpecentes. Depois da perda, o que mais revolta os amigos e familiares é a impunidade: “A justiça, a gente está careca de saber que não funciona nesse país, vê a polícia trabalhando um monte, e quando chega no Supremo, solta todo mundo. E a gente sabe que o criminoso era assessor de uma importante figura política na cidade e acabou sendo acobertado por isso. Cumpriu a peninha dele, disse que era viciado, viciado que deu um tiro de carabina em um pai de família, cumpriu alguns meses de tratamento e saiu numa boa”, afirma Marcelo Rezende. Em junho foi realizado um tributo em sua homenagem com as bandas Bêbados Habilidosos, Bando do Velho Jack, Olho de Gato e Rodrigo Teixeira. Alex Batata deixou sua esposa Marília e suas filhas Isabela e Cecília, do primeiro e segundo casamentos, respectivamente, além de vários amigos e sua obra musical. “Se o nosso Rock and Roll tem algum mártir, o nome dele é Alex Batata”, afirma Ernani.

Agora falta um... Chega a noite, o sol se vai... Amanhã um outro dia e depois um outro mais. Os amigos brindam o prazer de estarem sempre juntos na alegria de viver. Mas agora falta um... Que foi cedo demais. Agora falta um , e não volta mais. Agora sigo em frente, o passado já passou, a saudade é que fica do amigo que faltou. No caminho da Chapada, na liberdade do luar, reina o silêncio de quem não pode mais falar. Não abra essa janela, não deixe o sol entrar. O escuro traz consigo a lembrança de um lugar. Um lugar onde a guitarra a todos faz chorar, abraçada no amigo que nunca vai voltar, ele nunca vai voltar... Quem fica não esquece, a dor não vai passar. As brigas, as rusgas, o momento do perdão. As farras que rolaram e que nunca voltarão... (Letra - Marcos Yallouz)


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“Celebridade”

Artista, inteligente e espontâneo, Vitão é celebridade entre os acadêmicos da UFMS Suzana Rozendo Lembro-me do dia em que o vi, na primeira vez que vim à UFMS em fevereiro de 2005. Era um sábado ensolarado, o campus estava vazio e eu sentada em frente ao Paliteiro esperando o táxi chegar. Vi surgir do meio da mata um rapaz esquisitinho, que andava meio torto. Ele veio em minha direção com um chinelo todo arrebentado nas mãos. Gritava: - Iiiiiiiiiiii. Fiquei estarrecida com a cena, mas logo percebi que era inofensivo e só precisava de ajuda para consertar o seu calçado. Ele faz aulas de pintura, teatro e dança. Toma tereré com os amigos, joga capoeira e gosta de nadar. É flamenguista de carteirinha, ouve músicas românticas, freqüenta o shopping e vai assiduamente à igreja. Emotivo, chora ao se lembrar do irmão caçula que morreu afogado há quatro anos . Estou falando de Vitor Vareiro, o figura que anda pelos corredores da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e é muito querido pelos alunos. Dona Marina Vareiro, uma senhora extremamente simpática e humilde é a mãe de Vitor. Ela trabalha como zeladora no hospital universitário e disse que seu filho nasceu com paralisia cerebral por complicações durante a gravidez. “O Vitor é um bebê grande de 25 anos. Antigamente ele era todo atrofiado, só ficava na cadeira de rodas com a cabeça caída pro lado, sem conseguir se movimentar. Se eu colocasse comida na boca dele, derramava. De

tanto carrega-lo fiquei com problemas na coluna. Não é fácil criar um filho especial sozinha”. Estudante do Centro de Convivência de Desenvolvimento de Talento (CCDT) da escola Lúcia Martins Coelho, Vitor é considerado pelas professoras como um aluno animado e eufórico. O trabalho dos docentes é tentar transformar essa euforia em manifestações artísticas. Todos os anos, os alunos rado pela mãe e vai dar o primeiro pasdo CCDT fazem uma mostra de arte seio pela UFMS. Sua comida preferida no teatro Aracy Balabanian. Ano passaé arroz, feijão e carne de panela. Verdudo, por ter dificuldade com a fala, Vitor ra e legumes ele só come na marra. foi um dos que apresentou a coreograTambém não se interessa por doces. À fia da música Ciranda da Bailarina, entarde, quando chega da escola, dá a sequanto o resto da turma cantava a obra gunda voltinha no campus. “A UFMS de Chico Buarque. para ele é tudo, se eu proibí-lo de freRecentemente os alunos do CCDT qüentar a universidade parece que estiveram seus trabatou impedindo-o de lhos expostos na viver. Com tanto Unimed da capital. amigos lá, se ele se “Se eu proibí-lo de Nara Maria de Oliveicandidatasse a defreqüentar a ra é sua professora de putado, acho que universidade parece artes visuais. “Os quaganharia a eleição”, dros teriam de ser feiafirma dona Marisa. que estou tos com base na arte impedindo-o de viver” comoConsiderado dos índios kadiwéus. um “patriEu ensinei a eles que mônio” da Instituicada símbolo tem seu ção, tem comunidasignificado. Depois os alunos fizeram seus de no site de relacionamentos Orkut (Eu projetinhos e foram fazer a tela. O quaconheço o Vitão), é convidado para ir dro do Vitor é um dos que tem maior a festas de formatura e em repúblicas qualidade em relação a equilíbrio e técniuniversitárias. Danilo Borges, acadêmica”, admira a professora. co do 4º ano de medicina, endossa a Vitão, como é carinhosamente colenda de que Vitor é a pessoa mais conhecido entre os acadêmicos, acorda por nhecida da UFMS. “Eu converso com volta das 10 horas, toma o café prepaele normal, ele entende perfeitamente o

que as pessoas dizem porque é muito inteligente”. Carolina Barros, aluna do 3º ano de Odontologia considera-o muito espontâneo e folgado. “O Vitão sempre fila suco da gente na lanchonete do corredor central. Diz-se apaixonado por mim, me chama de meu bebê, mas na verdade ele tem inúmeras “namoradas” espalhadas pela UFMS”, ironiza. Dona Marisa agradece a todos os que conversam com ele e tratam-no bem. “ Eu rezo muito por aqueles que o julgam mal. Ele não pediu pra vir ao mundo assim”. Um dos maiores gênios do cinema, Charles Chaplin é autor de uma citação que sintetiza o estilo de vida dessa pessoa tão especial : “A vida é muito bela para ser insignificante”. Não é verdade, Vitão? - Iiiiiiiiiiii... Da esquerda para a direita:Suzana e Vitão, quadro sobre os kadiwéus, dona Marina e seu filho, com dois colegas de sala e com a professora Nara


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Contadores

Melly Sena e Waldemir Rocha

Senta que lá vem história!

Era uma vez... Quantas vezes você já não leu ou ouviu essas palavrinhas no começo de uma história? Uma pequena frase que tem o poder de suscitar imagens, lembranças e emoções. Encantar um mundo cheio de desencantos. Essas mesmas palavras nos remetem àquelas historinhas contadas à beira da cama na hora de dormir ou nas salas de aula, na infância, trazendo uma sensação de conforto e ternura infantil que já estão quase esquecidas. De fato, o mundo de palavras e o que é construído a partir delas pode, de certa forma, ser o responsável por grandes mudanças naqueles que o vivenciam. Afinal, quem nunca se divertiu ou se emocionou ao ouvir uma boa história? Melhor ainda é saber que existem pessoas que se dedicam a essa arte, verdadeiros poetas que têm muitas histórias e contos para transmitir. Essa “arte em prol da qualidade de vida”, como diz Conceição Leite, contadora de histórias e presidente do grupo Teatral Curumins, “é um costume ancestral desde os princípios da humanidade, mas tem como um dos seus principais ícones a figura de Jesus Cristo que, através de suas parábolas, transmitia às multidões nos montes da Judéia”. Após a criação de tantas formas de transmitir informações e histórias, desde a tipografia de Gutenberg e os meios eletrônicos mais

modernos, a figura do contador de histórias tem estado cada vez menos presente na cultura mundial. Nos últimos anos, alguns projetos têm surgido com a idéia de resgatar o valor da contação de histórias. E vai começar a contação de histórias! Contar histórias é uma tradição milenar que foi passando por povos e povos, sempre de forma oral. Não se sabe precisar quando esse costume se instituiu como prática social em todas as civilizações, como vem sendo comprovado por diferentes estudos etnográficos. Nas comunidades que preservam essa tradição oral, os contos eram e são, mesmo hoje, narrados à noite, depois do trabalho ou durante atividades de ritmo lento, como a pesca e a confecção de renda, não só para relaxar e divertir, mas para fazer as pessoas refletirem sobre suas vidas pessoais e o contexto social em que estão inseridas. Charles Perrault coletou contos populares, na França do século XVII, com o propósito de entreter o filho do rei Luís XIV e os freqüentadores dos salões. Os contos passaram de um registro a outro, do oral ao escrito – até chegarem aos irmãos Grimm no


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século XIX, que pesquisaram a literatura oral com o objetivo de reafirmar a nacionalidade alemã. Como devia ser agradável naqueles tempos reunir-se após o jantar ou em meio às festas, e deleitar-se com as histórias e lendas que encantavam e atiçavam a imaginação das pessoas? É difícil imaginarnos sem a praticidade da TV, do rádio e da Internet, mas em uma época em que essas tecnologias não chegavam nem perto dos sonhos mais fantasiosos, o prazer de ouvir uma bela história era muito mais acentuado. Mas qual a diferença entre somente contar histórias e a arte de contar histórias? Como disse a professora e contadora de história, Ângela Caffé, do Grupo Gwaya, de Goiás, “os contadores de histórias de origem, ou tradicionais como são conhecidos, que contam histórias para seus vizinhos e familiares em volta do fogão ou na porta de casa, não são necessariamente artistas”. Ou seja, a contação de histórias acaba valendo como um sentido de valor cultural local. Já a arte de contar envolve pesquisa, envolvimento, preparo. Ocorre a profissionalização do contador. “Existem belos espetáculos de contadores que não podemos ignorar toda a arte envolvida, então vai depender da intenção do contador e do trabalho desenvolvido”. As histórias podem ser contadas para um público em geral, ou priorizar crianças e adolescentes, com o objetivo de estimular o gosto pela leitura, trabalho realizado por alguns contadores como Conceição Leite, Fernanda Leite e Ruberval Cunha. Quem conta um conto... Por mais que se enfatize que cada ser humano é único, quando vai se resgatar a história dos contadores profissionais há uma linha que os une em um nó apertado: A paixão por histórias. Tanto Conceição Leite, quanto Fernanda Leite e Ruberval Cunha ouviram muitas histórias quando criança, e foi de tanto ouvi-las que acabaram mergulhando nesse universo. Graduaram-se em cursos na área da educação: Fernanda e Conceição em Pedagogia, e Ruberval, em Letras. Depois fizeram curso de teatro e acabaram fazendo outros na área de contação. Encantaram-se e nunca mais pararam. Ruberval e Fernanda trabalham juntos na Biblioteca Isaias Paim, e Conceição atua com o Grupo Teatral Curumins, também ministrando cursos de contação. Mas essa já é outra história... Contar histórias é uma forma de incentivar a leitura, já que estimulam a imaginação. Como afirma a professora Alexandra Pires do Prado, “a leitura é uma forma de interação, ler é uma forma de ouvir o outro”. Ao ouvir as histórias, o ouvinte cria em sua mente as situações, as cores, as imagens, o cheiro, o que faz com que saia do senso comum, dando outras interpretações imagéticas às vivencias. Conceição Leite também relata que sempre em suas contações ela divulga o nome do autor e do livro que ela utilizou. Alexandra corrobora que “o aluno pode ir em busca desse livro na Biblioteca e deparar-se com outros títulos que também despertem seu interesse. Portanto, cabe às escolas e bi-

Contadores

bliotecas promoverem ações que visem oportunizar o encontro do leitor com o livro”. Fernanda acrescenta: “É o jeito mais simples de conseguir que uma criança leia. Porque ela está vendo, imaginando e sentindo. Ela pode ler, reler, treler...” Mas a professora Ângela alerta: “quando uma obra é literária, o contador deve preservar as palavras do texto escolhido pelo autor. Isso não só pela necessidade de respeitar a obra do autor, mas também para possibilitar o reconhecimento do texto, no momento de uma leitura. Se o contador reconta a história com suas palavras, o momento da leitura é totalmente diferente e, provavelmente, o ouvinte não reconhecerá o mesmo conto”. A professora Josiane de Souza., do Instituto Pestalozzi, levou seus alunos para uma apresentação da dupla Ruberval e Fernanda. Ela considera a contação extremamente válida, pois “mexe com a imaginação dos alunos. Eles passaram a semana inteira comentando e recontando a história, compartilhando”. E quem quiser que conte outra... E aí, se interessou pelo universo dos contadores de histórias? Em Campo Grande, a Fundação Municipal de Cultura desenvolve um projeto de oficinas de Contação de Histórias. Segundo a professora Iolete Moreira, coordenadora da área de Literatura, o objetivo é trazer de volta os valores do ato de contar histórias. Os cursos são destinados aos profissionais da área de literatura, mas há espaços para outros profissionais. “Já teve donas de casa que fizeram e se identificaram com o curso”. Mas o professor sempre é importante, independente da sua área de atuação, de forma que o trabalho possa auxiliar suas aulas. Como ressalta Ângela Caffé. “o professor é naturalmente um contador de histórias”. O curso procura oferecer técnicas de contação. Iolete enfatiza seu objetivo: “Fazer teatro não é fazer ‘contação de histórias’. O teatro tem toda uma dramatização e a ‘contação de histórias’ tem técnicas que procuram trabalhar a integração entre o contador e o público”. Dentre as bibliotecas que desenvolvem a contação de histórias, a Isaias Paim, da Fundação de Cultura, realiza um trabalho junto às escolas. Semanalmente, os contadores Fernanda e Ruberval vão à uma escola agendada e depois um grupo de alunos vem até à biblioteca. “No momento, temos a maior dificuldade de trazer essas escolas até a Fundação, devido ao transporte. Se não conseguimos, vamos até eles, mas não deixamos de fazer a contação de histórias”.

Ruberval em uma de suas apresentações, chamando o público para ouvir sua próxima história.


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Moda Universitária

Com nova roupagem e influência, o sertanejo conquista público universitário Guilherme Grande Mayara Martins Você freqüenta ou freqüentou alguma festa universitária nos últimos anos? Foi à uma república no Mato Grosso do Sul ou em alguma cidade do interior de São Paulo, Paraná, Goiás e Minas Gerais? Já foi a um barzinho ao lado das faculdades destes estados? Se a resposta foi sim, provavelmente, a música que se ouvia nesses ambientes era a sertaneja. Ou melhor, era o sertanejo universitário, a nova vertente deste gênero musical que está tomando conta de jovens que sempre tiveram em suas raízes a música caipira. Foi em meados da década de 90 que o sertanejo universitário começou a surgir. São bandas ou duplas formadas por jovens da classe média, em geral com formação universitária. O repertório mescla elementos do universo pop, como batidas de rock, funk e country, com matrizes musicais da música caipira, especialmente moda-de-viola e catira. “Acho que o público jovem quis fugir da mesmice que a mídia criou em cima do sertanejo. Queria algo diferente”, opina Thiago da dupla “Thúlio e Thiago”, expoentes do sertanejo universitário sul-mato-grossense. Já para o cantor Jorge, da dupla goiana “Jorge e Mateus”, o gênero passa por uma inovação que tem o apoio, principalmente,

da classe universitária. “Essa renovação vem com uma batida diferente, pegando muitos elementos da música de raiz”. Esse novo sertanejo, de certa forma, reflete mudanças que ocorreram na sociedade brasileira nas últimas décadas. De acordo com o estudioso José Roberto Zan, essa vertente é resultado da inserção do país num contexto histórico marcado pelo aprofundamento da internacionalização do capitalismo e da mundialização da cultura. Zan é professor do Departamento de Música da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e autor de um estudo intitulado “(Des)territorialização e novos hibridismos da música sertaneja”. Ao contrário do sertanejo das décadas de 80 e 90, onde produção e divulgação se davam através das grandes gravadoras e dos meios de comunicação de massa de amplo alcance, o repertório da nova vertente está ligado a pequenos selos fonográficos e produções independentes, e a divulgação ocorre principalmente em circuitos universitários. “Começamos na informalidade com um CD gravado na garagem de casa. O primeiro show foi só voz e violão”, conta Mateus.

Teorias à parte, o sertanejo está “bombando” nas festas universitárias. Ritmo animado e a possibilidade de dançar a dois são alguns dos atrativos que estão fazendo deste gênero o preferido dos jovens. “Hoje, a base do sertanejo são os universitários. Os movimentos de shows têm como alvo este público que adora uma boa festa”, complementa Thiago. Carlos Cezar, acadêmico de Medicina Veterinária, começou a gostar do ritmo por influência dos amigos e, hoje, não perde uma festa “regada” a sertanejo. “É onde se encontra mulher bonita e cerveja gelada”, brinca.

“Tudo é sertanejo. Tradição e novidade fortalecem a classe”.

Polêmica Apesar do grande sucesso, a nova “moda” do sertanejo universitário corre o risco de ser passageira àqueles que costumam rotular-se “Dupla Universitária”. Embora o público seja basicamente formado por universitários e o estilo ter surgido neste meio, muitas pessoas de outras faixas etárias também se identificam com a música, o que pode gerar certo conflito. “Acho arriscado se intitular assim, pois se o sertanejo universitário acabar, quem se intitulou também acaba jun-

to. Então eu prefiro continuar tradicional, em cima do muro”, acredita Thiago, há seis anos no mercado sertanejo. Para a dupla, o grande problema desta nova vertente do sertanejo é que a pirataria está sendo estimulada, não só pela distribuição de CDs sem a devida qualidade, mas também pelo não pagamento de direitos autorais aos artistas que compõem e fazem os arranjos, prejudicando o crescimento e o investimento neste mercado. Atualmente, com tantas mudanças e novas influências no sertanejo, cada um tem que procurar seu algo mais, seja ele no palco ou no repertório. “Hoje em dia tem que ter um diferencial, só essa auto intitulação é meio arriscado. O nosso diferencial é acreditar em um repertório próprio”, pensa Thiago. As pedras no caminho As dificuldades do mundo sertanejo já são bem conhecidas por todos, tanto que a história do começo até chegar ao sucesso destes artistas já virou filme (“2 Filhos de Francisco”). Mas elas se tornam ainda mais graves se o preconceito existir. Foi esse um dos principais obstáculos enfrentados pela dupla “Patrícia e Adriana”, duas irmãs que com nove anos de carreira ainda sentem o preconceito de serem mulheres num meio de maioria masculina. “Há muita aceitação principal-


mente do público, mas em alguns momentos nós sentimos uma pressão, um preconceito muito grande em relação ao mercado, aos investidores, aos empresários”, diz Patrícia. O preconceito vem daqueles que investem, o que é uma dificuldade enorme, pois duplas iniciantes dependem justamente de pessoas que acreditem em seu potencial. “Dupla sertaneja feminina existiu, hoje não tem mais, e a gente sabe que o mercado precisa, é carente. Este é um lado positivo”, frisa Adriana. Após dois anos fora dos palcos e rumores da ida para o mundo gospel, não confirmada por elas, as irmãs retornam ao mercado e preparam ainda para este ano seu terceiro trabalho. Moda de Viola O sertanejo universitário já conquistou um público fiel, mas como toda novidade, coleciona críticas sobre sua musicalidade e romantismo. Gustavo Moraes, acadêmico de Letras e fã de música sertaneja, acredita que o gênero perdeu um pouco da identidade com o mundo rural. “Pouco se fala sobre a vida no campo. Só se ouve lamentos do amor perdido”. A estudante de Direito Laís Albuquerque acha que o novo sertanejo não perdeu suas raízes, mas prefere uma boa moda de viola. “A música caipira é a cara de Mato Grosso do Sul. Gosto das duplas novas, mas não abro mão de um sertanejão raiz”, complementa. Já Gislaine Simões, aluna do curso de Agronomia, vai na contramão dessas opiniões. O estilo da música romântica foi que motivou

a gostar do ritmo. “A batida moderna e atraente me conquistou”. Jorge e Mateus, uma das duplas universitárias de maior sucesso no Brasil, donos do hit “Querendo te amar” e apelidada pelos fãs de “Cabelo Preto”, “Vê se larga de besteira” ou “Tô aqui dando bobeira”, não crêem que a moda de viola foi prejudicada por essa nova “moda” do sertanejo. “A gente nunca pode afastar a viola e a sanfona do nosso som porque eles compõem a base do gênero”, explica Jorge. O repertório da dupla também tem lugar para esse tipo de música. “A gente pega essas canções e reproduz para o público de uma forma diferente. A mesma canção tocada e interpretada de uma forma diferente”. Já Mateus minimiza a discussão com um argumento simples, mas verídico. “Tudo é sertanejo. Tradição e novidade fortalecem a classe”. O sertanejo universitário conseguiu em pouco tempo um feito que há décadas não se via. Movimentar um público que antes tinha um certo receio de divulgar seu gosto pelo ritmo, justamente por acreditar que a moda de viola já estaria ultrapassada, gerando uma necessidade de incorporar a essa moda vários outros estilos de música. E foi assim que surgiram no mercado inúmeras duplas que fazem esse som e tentam um “lugar ao sol”, ou simplesmente cantam por prazer o estilo que conquistou o interior do Brasil e um público animado e ávido por festas, os universitários. Fotos: Guilherme Grande e Mayara Martins

Universitários curtem festa sertaneja em Campo Grande

Moda Universitária Divulgação

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Os min eir os que mineir eiros “arr em atar am” o Br asil Brasil “arrem ema taram” “Eu vou fazer um leilão, quem dá mais pelo meu coração...Estou aqui tão perto, me arremate pra você”. “Leilão” foi uma das músicas mais executadas nas rádios e repúblicas de todo o Brasil no ano passado e alavancou a recente carreira – quatro anos – dos mineiros de coração César Menotti e Fabiano. Em tão pouco tempo de estrada, a dupla já firmou seu nome entre os artistas populares e tornou-se um dos mais promissores talentos da música sertaneja. E quem os divulgou em todo o país? O público universitário. “Devemos tudo o que temos e o que somos a Deus e aos universitários, pois eles fazem parte da nossa carreira”, afirmou César Menotti em entrevista ao Projétil. Os cantores são verdadeiros expoentes do sertanejo universitário pelo Brasil. Deve-se creditar aos “irmãos Menotti” uma fundamental participação na proliferação da música sertaneja e da autêntica música caipira entre o público jovem. Eles não param de cantar suas músicas que têm presença garantida no repertório das duplas que fazem as festas dos circuitos universitários do país. “Essa nova moda, para nós, é composta por uma galera que não curtia muito o gênero e que se tornou a maior divulgadora do nosso trabalho”, opinou César Menotti. Atualmente, o público encontrado em seus shows é muito diversificado, mas os jovens continuam marcando presença. Para a dupla, “as canções que mais agradam são, sem dúvidas, as modas de viola, como Amargurado e Saudade da Minha Terra”. Em 2004, eles gravaram o primeiro álbum da carreira. Um ano depois, assinaram contrato com a gravadora Universal Music e lançaram o projeto “Palavras de Amor” que saiu em CD e DVD. Gravado em Belo Horizonte, o trabalho apresenta sucessos como “Caso Marcado” e “Paixão Mineira”, além de releituras de compositores e duplas de diferentes épocas que influenciaram os irmãos, entre elas Dino e Franco e Mouraí, Mato Grosso e Mathias e Tião Carreiro e Pardinho. César Menotti e Fabiano já moraram na divisa de São Paulo com Mato Grosso do Sul. Eles recordam “do contato com a natureza que se tem de sobra no Estado”. Os cantores acreditam que só alcançarão o sucesso se daqui há 20 anos continuarem agradando o público. Menotti finaliza agradecendo a todos os universitários que os ajudaram. “Que Deus lhes dê sabedoria para usarem o bem em tudo que estão aprendendo. Lembrem-se que vocês têm muito para viver e devem ter juízo e responsabilidade, acima de tudo. Admiramos muito vocês”.


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Democracia e Informação

TVU Quê? O enorme abismo entre a teoria e a prática na TVU da UFMS Alvaro Marzochi, Tatiane Ozz Vitor Yoshihara “Televisão Universitária é uma emissora ligada a universidades, centros universitários ou instituições de ensino superior (IES) e transmitida por canais de televisão abertos ou pagos, e/ou por meios convergentes (satélites, circuitos internos de vídeo, internet etc). Por tratar-se de uma emissora pública, ou seja, sem fins lucrativos, é mantida pela própria instituição, portanto sua produção deve estar voltada aos princípios básicos de qualquer instituição de ensino, promovendo a educação, a cultura e a cidadania. Em última instância, é a extensão do ensino superior, ao possibilitar o acesso democrático à informação do que se produz na instituição”. Este seria o modelo ideal de uma TV Universitária, segundo documentos da Associação Brasileira de Televisão Universitária (ABTU). A pergunta que fica é se este modelo se aplica à TV da Universidade Federal de Mato Grosso

do Sul. Pioneira nas transmissões de televisão universitária do Estado, a TVU hoje tem direito a duas horas semanais na programação da TVCom do Brasil – canal 14 da provedora de TV a cabo NET. Segundo Rubens Aquino, assessor de comunicação da UFMS e diretor da TVU, o tempo é dividido entre o curso de jornalismo e a instituição. “Eu sempre falo para a professora Ruth [Vianna, professora de telejornalismo], que é uma hora lá e uma hora aqui”. O acordo seria esse, mas essa divisão gera polêmicas. Atualmente, os acadêmicos do curso produzem dois programas jornalísticos, o Jornal 15 Minutos e o 15 Minutos+, este último com matérias predominantemente culturais. Depois de gravados e editados, tudo é enviado em fita para a TVU, que fica

responsável em reunir e converter as produções num único DVD. O material então é enviado à TVCom. Nos meses de abril e maio, porém, dois jornais produzidos pelos acadêmicos não foram ao ar. Segundo Carlos Henrique Campos e Bruno Desidério, diretores do 15 Minutos na época, os programas continham matérias sobre os protestos realizados na UFMS em relação a segurança do campus e aos preços cobrados no Restaurante Universitário. Revoltados com a situação, os acadêmicos criaram um blog (www.15minutosufms.blogspot.com) que disponibiliza todos os vídeos produzidos. Quando questionado a respeito, Rubens Aquino, da TVU, alegou problemas técnicos. “Essa já é a nona programação com problemas de som ou de imagem, ou com inviabilidade técnica de transformar fita em DVD”, explicou. O assessor disse ainda que não sabia do conteúdo das matérias, mas que existem outros meios para reivindicar,

como o movimento estudantil, chefia de departamento, coordenação de curso e a própria reitoria. Apesar da justificativa de questões técnicas, ao que parece, há também outros critérios. “Tem matérias que não são pertinentes de colocar no ar. É você dando tiro no próprio pé”. O fato chamou a atenção de todo o curso, que passou a questionar a forma de funcionamento da TVU. “Existe uma disciplina de telejornalismo que está sendo lesada, pois alguns produtos não estão sendo veiculados”, diz a coordenadora do curso de jornalismo Daniela Ota, que também pediu calma em relação a forma de como esse espaço deve ser cobrado. “Os alunos teriam que formalizar isso junto com a professora da disciplina, para que isso se formalize tanto na coordenação quanto na chefia de departamento”. Na opinião do atual vice-reitor da UFMS, Amaury de Souza, que já ocupou o cargo de diretor da TVU, é importante apoiar a liberdade de expressão, porém com responsabilidade. “Acho que todo espaço é feito para debate. Então o que acontece quando


23 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS você fala de um processo de segurança é que, às vezes, se provoca um certo sensacionalismo. Foi o que aconteceu aqui recentemente”. Para a professora Daniela Ota, os maiores prejudicados com esse fato são os acadêmicos. “Quando os alunos fazem programas alternativos, e se estabelece o crivo, você tira todo o caráter experimental”. Dilema da programação Cada uma das quatro instituições de ensino superior que compõem a grade de programação da TVCom – Uniderp, UCDB, e UFMS – podem produzir até duas horas de conteúdo, que são repetidas três vezes ao dia durante toda a semana, com exceção da Unaes, que tem direito a uma hora, estabelecida por contrato. A dificuldade é preencher todo esse tempo. Rubens afirma que isso é um dos principais fatores das TVs Universitárias não poderem ficar exclusivamente nas mãos do curso de jornalismo e dos acadêmicos. “Eu acho que fechar uma hora é complicado por ser uma coisa sem compromisso profissional. Fechar uma hora numa semana é fácil, mas fechar uma hora todas as semanas durante o ano é difícil”, expõe. “O programa tem que ser de janeiro a janeiro. Você não pode ter férias de dezembro, ter férias de julho. Enquanto prática de jornalismo eu não vou entrar na questão, mas enquanto programação ficamos devendo”, completa. Outro fator que diferencia a UFMS das universidades particulares é o quadro de funcionários, necessário para manter uma grade fixa durante todo o ano, um dos maiores empecilhos apontados por Rubens. “A Uniderp consegue isso porque eles têm mais de 30 pessoas, com profissionais contratados, cinegrafistas e produtor. A UCDB tem 28 pessoas. Nós não temos nem seis

E no princípio ...

cação é definida prioritariamente como um instrumento de apoio ao marketing institucional, mesmo que a sua programação não seja dominada pela linguagem publicitária e que possa oferecer programas de relevância cultural”. Multidisciplinaridade Essa descrição de Priolli se encaixa Nacionalmente, a tendência das TVs ao modelo feito pela TVU da UFMS. Universitárias é partir para a multiO diretor Rubens Aquino nega veemendisciplinaridade, integrando outros curtemente. “Ela não sos como matemáé uma assessoria, tica, biologia e eco“Ela não é uma assessoria, ela é uma TV que nomia. A professopassou para a assesra Daniela Ota ela é uma TV que passou soria a administraaponta uma possípara a assessoria a admição dela, por causa vel solução. “A nistração dela” da contratação de TVU tem que ser, de no mínimo, de uso Rubens Aquino pessoal, cinegrafista, de compartilhado do compra de equipacurso e da instituimentos, de câmeras. Passou para a adção”. ministração da reitoria, mas ela não é O vice-reitor da UFMS, Amaury de uma TV de assessoria, ela é uma TV Souza, também apóia a idéia. “Quando que é ligada à reitoria oficialmente, mas estávamos à frente do canal, chamávanão significa que ela seja uma TV de mos os alunos para participar, mas não assessoria”. só os de jornalismo. Queríamos interação A professora Daniela Ota destaca com o curso de computação, para que ainda a conotação política atual dos tivesse computação gráfica, com o de meios de comunicação. “Depois da engenharia elétrica, para ter a iluminação década de 90, rádio e TV cresceram não e com o curso de artes, no sentido de só aos olhos de reitores, mas também você ter o cenário, por exemplo”. de políticos, pela questão da grande abrangência e de ser muito bom você Assessoria? falar que tem uma TV ou rádio univerNo artigo “Televisão universitária: sitária dentro da instituição”. TV educativa em terceiro grau”, o diretor-presidente da ABTU, Gabriel Priolli, diz: “uma TV Universitária que atua vinculada à assessoria de comuniprofissionais e o resto são alunos. Nas outras são esses números fora os acadêmicos. Lá são 15, 20 ou 30 estudantes. Aqui são oito”.

Seguindo uma tendência mundial, os alunos utilizaram a internet para divulgar as matérias produzidas.

Democracia e Informação TVU ideal “Imagine uma televisão onde o conteúdo é tão importante quanto a forma. Onde “educativo” não é sinônimo de coisa chata, mas de entretenimento com conhecimento. Uma TV onde você veria caras novas discutindo questões atuais de pontos de vista diferentes. Onde a ciência é vista como participante do cotidiano e não como algo exótico ou uma prática restrita a laboratórios inóspitos e cientistas malucos. Um lugar onde os formatos tradicionais de se fazer programas de televisão se unem a ousadias, propostas inusitadas e linguagens experimentais, propícias daqueles que ainda não se padronizaram por modelos confortáveis e conformistas. Esta televisão existe, tímida, reclusa, propensa a erros e acertos nas mesmas proporções, mas persistente como os primeiros pioneiros de televisão no Brasil”. Esta é a descrição de uma TV Universitária, segundo o artigo “TV Universitária: Uma Televisão Diferente”, de Cláudio Magalhães, jornalista, professor e vice-presidente da ABTU. Magalhães, que é mestre em Comunicação Social e também autor do ‘Manual para uma TV Universitária’, acredita em uma TV Universitária feita com esforços conjuntos – dirigentes, professores, funcionários, alunos, instituições sociais públicas e privadas, empresas, telespectador. “É assim o caráter da atividade de tudo que é público e social: difícil, traumático e demorado, mas formador, cidadão e democrático”. A possibilidade de trabalhar um jornalismo em profundidade é considerada por Daniela Ota como um caminho a se seguir. “A TV universitária é um espaço de reflexão jornalística e de teste de novos formatos. Se você pedisse uma palavra para defini-la, seria ‘experimentação’. Não só em relação à linguagem e aos formatos, mas também na possibilidade do fazer jornalismo”.

A introdução da tecnologia da TV a Cabo, em 1995, foi o que permitiu o surgimento da Televisão Universitária no país. A lei 8977, conhecida como Lei da TV a Cabo, estabelece em seu artigo 23 os “Canais Básicos de Utilização Gratuita”. Este especifica que um canal deve ser destinado às universidades localizadas na cidade ou estado, depende da área de abrangência da operadora de TV. A partir de 95, com um canal de TV assegurado por lei e gratuito, as Instituições de Ensino Superior (IES) começaram a produzir conteúdos culturais e educativos para serem veiculados na televisão. Em Mato Grosso do Sul, o canal universitário só passou a funcionar em 1997. A TVU (UFMS) foi a pioneira indo ao ar pela primeira vez em 10 de dezembro daquele ano. A programação era composta de projetos de conclusão de curso dos alunos de Jornalismo. Somente no ano seguinte, com a produção dos acadêmicos do quarto ano, surgiu uma programação definida. “Conexão Universitária”, “Agendão” e “Quark” foram os primeiros programas a serem veiculados. Neste período, o professor Marcelo Câncio era o diretor da TV Universidade. A TVU funcionou sozinha no canal universitário até novembro de 1998, quando entrou no ar a TV UCDB, depois, em janeiro de 99, a TV Pantanal (Uniderp). A Unaes foi a última a entrar no canal universitário, em 2006, compondo a grade que está no ar até hoje.


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Censura ou orientação ?

É proibido proibir As novas mudanças no processo de classificação indicativa geraram conflitos entre o Ministério da Justiça e a Abert Camila Cândido A recente portaria do Ministério da Justiça que traz uma nova disciplina para o processo de classificação indicativa de obras audiovisuais destinadas à televisão e congêneres, reacendeu a discussão a respeito do direito à liberdade de expressão e o papel do Estado no controle da qualidade da informação. A Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), a considerou censura e não uma forma de orientação para os pais. O que busca a nova portaria é, por meio da estipulação de grades de horários para a programação de acordo com a faixa etária do público, conferir aos pais ou responsáveis a faculdade de decidir se os filhos devem ou não assistir a determinados programas. Dessa forma, a regulamentação visa proteger crianças e adolescentes de produções não indicadas para a sua formação psicosocial, conforme expõe o próprio Ministério da Justiça. Com base em critérios de sexo e violência, as obras ganharão símbolos coloridos (selos) que trazem as classificações: ER (especialmente recomendado), livre e faixas etárias de 10, 12, 14, 16 e 18 anos. Os selos são padronizados e deverão ser exibidos por cinco segundos no início e no meio do programa. Além disso, as marcas devem trazer legendado o tipo de conteúdo: cenas de violência; sexo velado ou explícito; etc. Os veículos que não respeitarem as normas da portaria sofrerão sanções que vão desde a ad-

Ilustração Camila Cândido

vertência, passando por multa e até a retirada do programa do ar. O monitoramento será feito pelo Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação (Dejus), do MJ. As famílias podem participar do processo de monitoramento. Caso não concordem com a classificação etária e com o conteúdo do produto veiculado, podem recorrer ao Ministério Público ou ao MJ. Irene Martins Maia e Paulo Maia, pais de Rafael (12 anos) e Lucas (15 anos), consideram a Classificação Indicativa um bom parâmetro para saber a hora certa de tirar as crianças da sala. “Nós sabemos que a sociedade contemporânea é influenciada pelos meios de comunicação muito diretamente. Educar filhos em meio a

tudo isso é uma tarefa difícil. Acredito que a portaria reforça a idéia de controlar a qualidade da informação e é uma ótima ajuda para nós” disse Paulo. A análise prévia de conteúdo dos programas jornalísticos, esportivos, eleitorais e propagandas comerciais e publicitárias, além de quadros veiculados ao vivo, não está prevista. Estes, entretanto, podem vir a ser classificados, caso seja constatada a “presença reiterada de inadequações”. As TVs a cabo também não são atingidas porque têm vínculo direto com seus receptores. Polêmica As novas regras não agradaram alguns setores da sociedade, principalmente as emissoras comerciais de televisão, que qualificaram a classifica-

ção indicativa de censura. A Abert recorreu ao Superior Tribunal de Justiça e conseguiu paralisar todo um departamento encarregado da classificação diária de milhares de peças. Nessa ordem de considerações, a própria incensurabilidade dos meios de comunicação, prevista na Constituição Federal, deve ganhar uma nova leitura. Direitos fundamentais como à liberdade de expressão, a educação, a cultura, a família e a dignidade da pessoa, quando confrontados devem ser limitados proporcionalmente, para que não haja excessos e prestígios de outros direitos. “Em princípio é um serviço de utilidade pública, mas o problema é que será aplicado pelo governo, que até já quis interferir nas áreas da Justiça e Comunicação. Quem faz, quem produz programas de TV, as obras de maneira geral, é que deve estabelecer critérios e ter competência para definir a que público elas se destinam. E cabe ao público rejeitar ou não”, afirmou Maria da Penha Pereira Lins, professora em Lingüística da UFES. Durante três anos, cerca de 100 mil pessoas foram ouvidas no processo de consulta pública para a formatação da Portaria 264/2007, incluindo pais, professores, universidades, emissoras, entidades públicas e alunos. Contudo, ainda não há consenso entre os defensores da portaria e alguns setores da sociedade civil, o que deve acarretar mais uma mesa de negociações. Neste momento, por força de liminar, tudo é permitido. Entretanto, o Ministério da Justiça espera que o desfecho desse debate aconteça até 27 de junho deste ano. Por enquanto é proibido proibir.


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