Brota: Juventude, Educação e Cultura

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| organização | Cristiane de Freitas Cunha Grillo Nádia Laguárdia de Lima

Tubarão / SC 2020

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| sumário | 5_ | apresentaçao | Brota: Juventude, Educação e Cultura 11_ Experiências que brotam e transformam 15_ Brota: uma aposta no adolescente 21_ O CRJ e o Brota 25_ Programa Brota: uma experiência extraclasse que modificou a escola 29_ Oficina Articidades 37_ Oficina de Jogos Teatrais e Conversações Cênicas 41_ Oficina de Design 47_ Oficina Brota no Picadeiro 53_ Oficina Dança no Brota 61_ Oficina de Gastronomia 65_ Oficina Arte s/cem palavras 69_ Conversação e o lugar da palavra 73_ ParADOxes 83_ Fazer borda 87_ | sobre os autores | 5_


Organização Cristiane de Freitas Cunha Grillo Nádia Laguárdia de Lima

Visconde do Rio Branco/MG 2020

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| apresentação | Brota: Juventude, Educação e Cultura Cristiane de Freitas Cunha Grillo Nádia Laguárdia de Lima O Programa de Extensão Brota: Juventude, Educação e Cultura é fruto da parceria entre a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), por meio de sua Pró-Reitoria de Extensão (Proex), a Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), o Centro de Referência da Juventude (CRJ) e a Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte (SMED). Neste livro, apresentamos o percurso do primeiro ano de realização do Programa, no período que vai de agosto de 2018 a julho de 2019, quando tivemos o prazer de trabalhar com os alunos da Escola Municipal Doutor Júlio Soares. A publicação se divide em três etapas: primeiramente encontramos os textos das instituições parceiras no trabalho, às quais mais uma vez agradecemos, bem como da escola recebida nesse primeiro ano. A seguir, temos os relatos das experiências das oficinas e das conversações. Finalizamos com os textos de dois parceiros internacionais: a Associação ParADOxes, que realiza trabalho semelhante ao Brota com adolescentes da periferia de Paris, e o professor Fabian Fajnwaks, da Universidade Paris 8, França. Ressaltamos, no período de elaboração do Brota, a inspiração vinda do trabalho da ParADOxes, apresentado no CRJ pela psicóloga Fernanda Xavier, e as propostas elaboradas pelos jovens do Comitê Gestor do CRJ. 5_


Sobre o Brota O Brota visa a investigar o que pode enlaçar o jovem ao saber, à cultura, à escola, à vida, propiciando que isso, de fato, aconteça. Para tanto, recebe alunos de escolas públicas municipais, por meio de um coletivo de projetos de diferentes campos da cultura, como artes visuais, artes c/sem palavras, circo, dança, design, gastronomia e teatro, além do projeto de conversação de orientação psicanalítica. O Programa acontece toda quinta-feira no Centro de Referência da Juventude, em Belo Horizonte. Cada projeto se desdobra em oficinas; após um intervalo para o lanche, ocorrem pequenos grupos de conversação de orientação psicanalítica. Além das atividades que ocorrem no espaço do CRJ, várias incursões pela cidade tiveram lugar e estão relatadas ao longo do livro. Ressaltamos, aqui, especialmente, a visita feita à UFMG, onde os alunos foram recebidos pelo Pró-Reitor de Assuntos Estudantis, que, em sua fala, reafirmou o direito de todos à universidade pública, gratuita, com programas de apoio aos estudantes para transporte, moradia, alimentação. Após essa experiência, foi perceptível que muitos alunos saíram instigados a ingressar na Universidade. Acreditamos que a maior riqueza do Programa Brota está na reinvenção constante. A sua metodologia é continuamente tecida e pensada com todos os integrantes da equipe, com os alunos, professores, monitores, coordenadores e diretores da escola. O trabalho com adolescentes As transformações da puberdade invadem o corpo da criança, que se vê confrontada com uma dimensão sexual que é sempre enigmática. Nesse tempo de “despertar da primavera”, os adolescentes são constantemente provocados por questões cujas respostas não podem ser encontradas nos livros ou nos buscadores virtuais. Diversas metáforas têm sido empregadas para definir a adolescência e aqui trazemos duas delas: “uma delicada transição”, para o escritor francês 6_


Victor Hugo1, ou “um túnel perfurado simultaneamente dos dois lados”, para Sigmund Freud2. Assim, a adolescência encarna o paradoxo de ser um tempo de delicadeza e de turbulência. A imagem do corpo muda radicalmente, e a linguagem da infância se torna insuficiente para falar do indizível que afeta esse corpo. Além disso, há um doloroso desligamento da autoridade dos pais. Por tais motivos, a adolescência pode ser tomada como uma resposta à puberdade, construída sempre de forma solitária e singular. Cada um vai vivê-la a seu modo e no seu tempo próprio. Nesse sentido, trata-se de um tempo de se verificar o valor da própria vida, o que, muitas vezes, implica se colocar em risco. O maior risco, entretanto, é o de ser prisioneiro de uma nomeação que vem do outro. Escutando adolescentes, constatamos a potência das palavras sobre os corpos; assim, acreditamos que suspender nomeações que os aprisionam em identidades negativas pode produzir efeitos surpreendentes. Adolescentes e professores: a importância de um encontro Na adolescência, surge uma nova relação com o saber. A abertura para um novo mundo, rico em possibilidades e sentidos, evidencia os limites de todo conhecimento. O adolescente é confrontado com a impossibilidade de “tudo saber”, e se inicia um momento delicado, de tessitura de um saber próprio em torno desse vazio e da procura de um conector que o ligue à vida. O professor pode desempenhar um papel fundamental para o adolescente, como uma figura de referência, que, de certa forma, substitui os pais. Isso é afirmado, pois a relação professor-aluno pode ser decisiva para abrir ou para fechar o acesso do jovem ao saber: um professor não ensina conteúdos, mas transmite um saber que o atravessou e o transformou, causando o seu desejo de ensinar. A transmissão do saber é sempre da ordem de um encontro entre o desejo de ensinar e o de aprender.

1  Escritor francês, autor de clássicos, como Os Miseráveis, que viveu entre 1802-1885. 2  7_

Freud, S. (1989) Três ensaios sobre a teoria da sexualidade [1905]. In: Freud, S. ESB Obras psicológicas completas. Rio de Janeiro: Imago.


Atualmente, constatamos um enfraquecimento das relações verticais de transmissão, decorrente do declínio dos lugares de autoridade. Isso se deveu pela virtualidade resultante da internet, que provocou uma mudança na relação do jovem com o saber. Se antes o saber estava encarnado na figura do professor, que ocupava o lugar de seu detentor, hoje o conhecimento está acessível a todos, na palma da mão: aprende-se na internet, com os vídeos produzidos muitas vezes por outros adolescentes. Muitos alunos querem ser youtubers, com os quais se mostram identificados, em detrimento das profissões tradicionais. Os professores podem experimentar certa nostalgia de um tempo passado no qual os alunos eram “mais dóceis”. Mas se aguçarmos nossa memória, concluiremos que esse tempo também envolvia dificuldades, embaraços e sofrimentos, além de ser marcado pela exclusão, no espaço escolar, de muitas crianças e adolescentes pobres. Nesse tempo de repressão, eram comuns atos de violência infligidos pelos pais e pelos mestres contra os alunos. Retornemos, então, ao tempo presente, aprendendo com o passado, sem buscar, contudo, restaurar uma suposta ordem perdida. Na atualidade, somos confrontados a todo instante com a incompletude do saber, já que não podemos concorrer com os bancos de dados do Google; assim, o professor se mostra mais claramente como alguém que não detém “todo” o conhecimento. Diante disso, o tempo presente nos oferece a oportunidade de nos reconectarmos com o desejo que nos levou a nos tornarmos professores. E esse desejo talvez fosse – e ainda seja – mais o de aprender que o de ensinar. Nessa perspectiva, o professor bem pode ser pensado como um passador, que deixa o saber passar através dele, não considerando o saber como sua propriedade privada e os outros como indignos dele, como nos ensina Daniel Pennac3. Isso é afirmado, pois o passador é alguém que compartilha o que gosta com o outro.

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Professor e escritor francês, de origem marroquina, nascido em 1944.


A aprendizagem envolve não apenas o compartilhamento de experiências, o laço social, mas também a construção de um saber que é sempre parcial, resultado de uma apropriação subjetiva. É da aposta no saber e na capacidade inventiva dos jovens, e no desejo decidido dos professores, que nasce o Brota. O que o Brota tem nos ensinado Aprendemos muito nesse primeiro ano de trabalho. Em especial, vimos a importância de se abrir mão de ideais generalizantes, que aprisionam, para descobrir as respostas ou invenções individuais. A potência do coletivo está no acolhimento das singularidades. Começamos nosso percurso na escola, escutando os professores e conhecendo as suas demandas e experiências. Durante todo o ano de trabalho, mantivemos uma interlocução contínua com os diretores, coordenadores, professores e monitores da escola. O saber que extraímos dessa experiência foi o resultado do encontro de diferentes saberes. Alguns adolescentes participaram de modo fugaz, permanecendo pouco tempo nas atividades propostas. Entendemos que havia uma apreensão singular do tempo nesses casos. Outros, às vezes, se recusavam a participar das oficinas e/ou das conversações. Buscamos, então, transformar tais impasses em enigmas a serem investigados. As repostas aos impasses eram construídas coletivamente, considerando as especificidades do caso a caso. Seguindo uma orientação de Philippe Lacadée4, convidamo-nos a nos sentar ao lado dos adolescentes, abrindo uma janela de escuta. Algumas vezes, eles nos procuraram para falar, estando sozinhos ou em grupos. O Brota nos ensinou a apostar cada vez mais no saber dos jovens, no papel dos professores e das escolas, nos espaços conquistados pelos jovens, assim como no papel das universidades públicas na cidade.

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Lacadée, P. (2011) O despertar e o exílio: Ensinamentos psicanalíticos da mais delicada das transições, a adolescência. Rio de Janeiro: Contra Capa.


No final do primeiro semestre e no início e término do segundo, fizemos novas conversações com os professores na escola. A partir de tais conversações e também da realização de seminários, consideramos a importância da construção do conceito do “comum”, do espaço que acolhe, que não segrega e que, por isso, pertence e é cuidado por cada um. Consideramos a relevância das soluções coletivas, que visam à responsabilidade, sem a dimensão da culpabilização. No final desse percurso, tivemos a alegria de ouvir dos professores, coordenadores e diretores sobre uma redução nos casos de resolução violenta dos conflitos na escola, um interesse maior pelas matérias e o respeito ao espaço escolar. Ouvimos, sobretudo, que os meninos aprenderam a sonhar. Em duas palavras, um coordenador sintetizou os efeitos do Brota: perspectiva e acesso. Aos alunos e professores da “Doutor Júlio”, a toda equipe do Brota e do CRJ, nossos agradecimentos pela confiança e pelo compartilhamento desse percurso.

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Experiências que brotam e transformam Claudia Andréa Mayorga Borges Janice Henriques da Silva Amaral É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal forma que, num dado momento, a tua fala seja a tua prática. [Paulo Freire]

Pode a universidade contribuir, de fato, para a construção de um mundo melhor? Um mundo mais justo, mais igualitário, menos marcado por dinâmicas de exclusão e opressão? Uma vida mais feliz? Ao longo da história dessa instituição e da ciência, essas sempre foram preocupações presentes. Contudo, as formas de se responder a tais questões têm sido muito distintas. A extensão universitária tem colaborado com a construção de algumas dessas respostas. Recusando a ideia de que ciência e sociedade são dimensões separadas - ideia que se fez predominante e segue orientando algumas perspectivas dentro da universidade - a extensão aponta para uma dimensão ética de nossas práticas acadêmicas. Afinal, para que produzimos conhecimento? Essa pergunta é de grande relevância e não poderia ser diferente em um país como o Brasil, em uma região como a América Latina tão marcados por processos coloniais, de exclusão e subalternização, de violência e violação de direitos. Dinâmicas sociais estas aguçando o sofrimento humano.

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que marcam os processos de constituição dos sujeitos contribuindo para um empobrecimento da vida social As questões que marcam a juventude, sobretudo a juventude das classes populares e negra em nosso país, são muito complexas e não podem ser compreendidas nem transformadas de forma isolada ou reduzidas aos olhares das disciplinas acadêmicas. É necessário produzir práticas que não permitam que a universidade se feche em si mesma e repita o modelo que ambiciona explicar tudo sobre os outros e se relaciona com setores da sociedade em uma via de mão única, reproduzindo a lógica de “levar” o conhecimento, as soluções e esclarecimentos àqueles que supostamente não os tem. O Brota – Juventude, Educação e Cultura, programa de extensão da Universidade Federal de Minas Gerais, com apenas um ano de vida, é um belo exemplo de que é possível conectar universidade e sociedade reconhecendo a diversidade de saberes e experiências sem hierarquizá-las a priori. A experiência de toda a equipe do Brota se dá por meio de uma grande rede de articulações. Todo o trabalho realizado nesse primeiro ano ocorreu em estreita parceria com equipamentos das políticas públicas de educação, cultura e juventude na cidade de Belo Horizonte, envolveu gestores, professores e estudantes de escolas municipais, articulou campos do conhecimento, combinou linguagens diversas. Além disso, a equipe do Brota atuou ativamente na Rede Juventude UFMG, iniciativa da Pró-reitoria de Extensão, construindo com outros programas e projetos uma agenda compartilhada sobre juventude. A experiência do Brota é inspiradora e nos convoca a sairmos das caixinhas disciplinares e conectarmos saberes, incluindo os saberes dos sujeitos parceiros, como é bem exemplificado nesta obra. O Brota reafirma o convite da extensão universitária que tem no diálogo e na interação o seu ponto de partida. Fica evidente, mais uma vez, que não cabe à universidade prescrever formas de vida para os jovens, as escolas, as políticas públicas e sim compartilhar saberes e dialogar com os sujeitos a partir de suas experiências. Desse encontro de saberes surge o novo, a mudança e o horizonte se amplia: experiências que brotam e transformam!

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Cabe destacar a importância de uma experiência como essa para a formação dos estudantes da universidade envolvidos no programa. A comunidade extensionista sabe muito bem o quanto uma experiência como essa contribui para uma formação crítica, reflexiva, cidadã, conectada com os problemas concretos da sociedade. Frequentemente estudantes relatam como o envolvimento com práticas extensionistas colaboram com uma permanência mais qualificada na universidade, dá sentido aos saberes técnicos aprendidos nas salas de aula e laboratórios, possibilita uma maior conscientização sobre estar em sociedade. Há mais de 30 anos o Fórum Nacional de Pró-reitores de Extensão vem defendendo a dimensão formativa da extensão que tem como uma de suas principais conquistas recentes a publicação da Resolução 07/2018 do Conselho Nacional de Educação que define que as atividades de extensão devem compor, no mínimo, 10% (dez por cento) do total da carga horária curricular estudantil dos cursos de graduação, as quais deverão fazer parte da matriz curricular dos cursos. É muita alegria para a Pró-reitoria de Extensão ter podido colaborar com a realização deste livro. Por meio do Edital de Produtos da Extensão para Educação Básica e Profissional foi possível disponibilizar apoio a esse importante programa. Tal fomento se articula com uma das metas prioritárias da Pró-reitoria que é a de ampliar e qualificar continuamente a relação entre universidade e educação básica e profissional colaborando para a concretização da educação como direito. Parabenizamos e agradecemos a toda a equipe do Brota pelo trabalho sério, inovador e comprometido com um mundo melhor. Que essa experiência possibilite que outras tantas brotem e transformem as políticas públicas, os jovens, as escolas e também a nós mesmos.

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Brota: uma aposta no adolescente Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben A missão do Programa Brota está estreitamente vinculada à da Secretaria Municipal de Belo Horizonte: enlaçar o jovem ao saber, à cultura, à escola, à vida. E foi a partir destas linhas na construção de políticas públicas de educação para a cidade que um trabalho exitoso interdisciplinar e intersetorial tomou forma. Os princípios do Brota estão essencialmente sintonizados com os assumidos pela política de educação dessa secretaria. Isso é afirmado, pois ambos situam o adolescente como o foco central de sua missão, bem como apostam na capacidade inventiva, no protagonismo juvenil, nas aprendizagens por meio da troca e do compartilhamento das experiências, na sabedoria do mestre que se enxerga incompleto e sedento de interações com seus estudantes, no desejo de ultrapassar as barreiras do preconcebido e de encontrar um horizonte novo em que a todos seja possível um lugar ao sol. Falar de adolescência ou de uma educação para os adolescentes é considerar as múltiplas individualidades que estão presentes nesse grupo de sujeitos em processo de formação. É falar, ainda, dos inúmeros adolescentes e suas identidades em construção, buscando entender os diversos fatores que constituem os diferentes processos de formação. Assim, qualquer política de atendimento aos adolescentes e jovens exige, antes de tudo, considerar a multidimensionalidade presente nesse enorme 15_


desafio. No nosso entendimento, uma política pública para as juventudes só pode ser considerada se estiver pautada em demandas específicas desse grupo e se constituir por meio de condições de atendimento que reflitam seus anseios e necessidades. Após a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei Federal no. 8069 de julho de 1990, estabeleceu-se, no país, um “sistema de garantia dos direitos da criança, também denominado de sistema de exigibilidade de direitos, de acordo com o paradigma de proteção integral”. Nesse sentido, o ECA se constitui como importante instrumento de salvaguarda do sistema educacional, quando dispõe sobre o princípio constitucional da prioridade absoluta para as crianças e os adolescentes, conferindo-lhes preferência na formulação e execução das políticas públicas sociais e educacionais, assim como na destinação priorizada de recursos públicos nas áreas que se interrelacionam com sua proteção. Mas, ao mesmo tempo, esse estatuto criou um enorme desafio para o país, em razão de tudo o que está ainda por ser feito. Belo Horizonte está enfrentando esse desafio coletivamente em parcerias firmadas com outros agentes públicos, na perspectiva de levar adiante os lemas da gestão Kalil: “governar para quem precisa” e “toda criança e jovem na escola”. Nesse sentido, a Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte construiu o seu projeto de ação governamental sobre o pilar do conceito de Qualidade Social da Educação, convictos de que um processo efetivo de escolarização é mais do que apenas processos formais de ensino. Diante disso, falar da educação de pessoas significa considerar os diferentes fatores presentes em inúmeras dimensões da vida humana, representadas em condições sociais, econômicas, culturais que circundam o modo de viver e conviver dos sujeitos e de suas famílias e que lhes permitem construir expectativas em relação à escola, à sua vida futura, às formas de inclusão produtiva e, consequentemente, à educação escolar de modo específico. O conceito Qualidade Social da Educação exige que tracemos metas no sentido de que a todos seja assegurado o acesso aos bens culturais presentes no mundo contemporâneo. Isso exige ações intencionais que acontecem no âmbito da escola e nas salas de aula e que necessitam da gestão de novas ações e políticas públicas de caráter intersetorial. 16_


Qualidade Social da Educação significa enfrentar desafios relacionados a tudo o que envolve a constituição da vida de um cidadão, tais como as condições de moradia, o trabalho e emprego dos responsáveis pelas nossas crianças e nossos jovens, a renda familiar, o trabalho infantil, a distância entre essa moradia e a escola, o transporte e a alimentação de cada um. Exige pensar nas dimensões socioculturais das famílias dos estudantes, como a escolaridade dos pais, os tempos da família dedicados à formação cultural, os hábitos de leitura e lazer, as atividades físicas nos espaços frequentados da cidade, os recursos tecnológicos, o aproveitamento do tempo livre, as expectativas em relação aos processos de escolarização dos filhos e ao seu futuro. Exige pensar, também, nos profissionais da educação e em sua formação, nas formas de ingresso e na carreira, porque serão esses profissionais que mediarão a relação das crianças e dos jovens com o conhecimento acumulado pelas gerações anteriores. Serão eles que construirão vínculos de respeito mútuo, dignidade e solidariedade ao próximo. O nosso projeto de educação para Belo Horizonte situa, ainda, a Gestão Escolar em um plano estratégico, visando à gestão coletiva e articulada da equipe escolar, à clareza na definição dos Projetos Pedagógicos, à interlocução com as famílias, à construção do ambiente saudável para o trabalho, ao favorecimento do diálogo e à participação. O cerne dessa perspectiva aponta ainda a importância da autonomia, da criatividade, do espírito crítico, do uso de diferentes linguagens para a expressão do pensamento e da inovação como competências fundamentais para a formação do cidadão do século XXI. Nesse contexto de desafios, a escola se coloca como a unidade central e com um lugar importante da estrutura social: lugar de aprender a viver em sociedade, aprender a conversar com o diferente, participar com civilidade da vida social de forma cidadã. Lugar onde se aprende a entender o outro, a respeitar o outro. Lugar generoso, do afeto, da acolhida, da sensibilidade. Lugar onde é possível aprender, onde é possível errar e recomeçar novos processos de aprendizagem. Escola como o elo que estrutura a rede de proteção das crianças e dos adolescentes. 17_


Entretanto, a escola é o reflexo da nossa sociedade. E essa sociedade não está num mar de rosas, portando problemas de todas as ordens vividos no dia a dia. A escola pública pertence à sociedade, e o nosso público é diverso. Atendemos a pessoas vulneráveis que, às vezes, fogem do nosso alcance, mas é importante termos consciência do nosso dever de cuidar de todos, com as urgências necessárias para a construção de um país viável para as futuras gerações. Realizar Educação para um município com mais de 2 milhões de habitantes não é uma tarefa fácil e simples. Como membros da Secretária Municipal de Educação, diante do quadro de desafios delineados e da convicção de que sozinhos não conseguiríamos enfrentá-los com a devida pertinência,decidimos por criar,em 2017,a Mesa Permanente de Discussão sobre a Convivência Escolar. A ideia era reunir diferentes pessoas capazes de fortalecer ações conjuntas na perspectiva de abraçar a educação de crianças e jovens na construção de uma rede de proteção social, tendo como eixo central a escola. Foi assim que – reunindo, uma vez por mês numa mesa de café da manhã, representantes do Ministério Público, Promotoria, Defensoria, Conselho Tutelar, Secretarias da Educação, Cultura, Esportes, Políticas Sociais, Saúde, Segurança Pública, Guarda Municipal, pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais, da Universidade do Estado de Minas Gerais, da Universidade Federal de Ouro Preto, da Pontifícia Universidade Católica, da Escola Superior Dom Helder Câmara e da Fundação João Pinheiro, entre outros convidados – a Secretaria Municipal de Educação tornou-se anfitriã de uma das principais ações da gestão da educação da cidade. Foi criado o Programa de Convivência Cidadã e Clima Escolar como ação estratégica, envolvendo inúmeras parcerias na perspectiva de que todas as escolas do sistema municipal cuidassem de suas interações sociais de modo a conquistar uma cultura escolar de acolhimento, afetividade, pertencimento e diálogos permanentes entre estudantes, famílias, comunidade e corpo docente. Em dois anos de existência, tivemos a comprovação do sucesso da criação dessa Mesa de Conversa, afetivamente denominada de Big Table, com a apresentação na Semana da Educação (BH Educa 2019) de inúmeros trabalhos originados desta experiência e que estão aos poucos transformando a vida de pessoas e criando espaços de diálogos interpessoais e institucionais. 18_


Parcerias qualificadas como o Programa Brota, com renomados pesquisadores de instituições como a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), tornam-se preciosidades num momento como este, especialmente quando essas parcerias tocam no maior desafio contemporâneo, que é vislumbrar produtivas possibilidades de inclusão social num mundo em que as mudanças são tão imprevisíveis quanto são também os horizontes imaginados como possibilidades de sua realização. Fala-se que não sabemos, ainda, quais serão as profissões a serem criadas nos próximos 30 anos. Ora, como educar? Como construir caminhos para os adolescentes que, neste momento, despertam para novas descobertas e que, por vezes, tentam encontrar respostas nas práticas vividas por nós, adultos responsáveis por eles? Entretanto, nós, adultos, educadores, estamos, também, imersos, como nossos educandos, no desafio deste tempo que se descortina e que exige de nós uma nova relação com o conhecimento desse novo mundo e com as possibilidades de descobertas de outros conhecimentos. Nós, educadores e educandos, estamos confrontados “com a impossibilidade de tudo saber”. Entretanto, ocupamos um lugar específico de educadores e precisamos reinventar a nossa posição nessa estrutura social e, humildemente, colocarmo-nos olho a olho em busca de novas possibilidades. Assim, olho a olho, e abertos às expressões e manifestações de nossos estudantes, tivemos a felicidade de colher os belos frutos do primeiro ano do trabalho do programa Brota com os participantes da Escola Municipal Doutor Júlio Soares. Este livro traz as primeiras reflexões do programa, e já podemos conviver com a alegria de uma escola que conseguiu superar um conjunto de desafios vividos em tempos anteriores quando o diálogo, os círculos de conversa e as possibilidades de manifestação de ideias, sentimentos, desejos e sonhos eram mais difíceis e menos valorizados. É o sentido do Brota apostar no adolescente, ouvir com o desejo de escutar de verdade, acreditar que sonhar é possível, confiar que há a possibilidade de errar e depois de fazer de novo e entender que é no processo que atingimos a mudança, a perspectiva de mundo e a construção de relações de novo 19_


tipo. E é nesse sentido que também apostamos nessas metodologias como capazes de nos auxiliar na construção de um novo projeto educacional para nossa cidade. Obrigada, equipe Brota, pela criatividade e competência na construção de metodologias acertadas no atendimento das necessidades de nossos adolescentes sedentos de caminhos possíveis para o enfrentamento da vida. Obrigada, coordenação do CRJ, e obrigada, equipes das escolas municipais, pelo acolhimento do programa e por participarem efetivamente, acreditando no potencial educativo desse investimento. Obrigada, estudantes, por acreditarem em nós, adultos, bem como por trocarem suas ansiedades e se envolverem por inteiro como participantes deste trabalho lindo. Vocês nos ajudam a encontrar caminhos certeiros para a construção de políticas públicas que atendam de verdade os sujeitos a que estão direcionadas, pois ser educador é influenciar pessoas, é cuidar da formação de pessoas, é cuidar do futuro de gerações.

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O CRJ e o Brota Samira Ávila e Equipe CRJ A construção de um espaço totalmente dedicado às juventudes em Belo Horizonte não é mero acaso. São anos de lutas, reivindicações e debates, muitas conquistas e inúmeros embates formando um histórico emaranhado e complexo que se inicia em 2006, quando o Centro de Referência da Juventude é pautado em uma Conferência Municipal de Juventude. Esse processo de lutas perpassa a construção do espaço, primeiro em uma inauguração de portas fechadas e, por fim, na ocupação do espaço – em maio de 2016 – por movimentos, coletivos, grupos, ativistas autônomos da cidade e da região metropolitana. As principais exigências eram o funcionamento do espaço a partir de metodologias construídas pelas juventudes e um modelo de gestão compartilhada entre instâncias governamentais e representações juvenis. E assim foi. Em agosto de 2016, o CRJ abriu suas portas em formato emergencial, instaurando uma forma de ocupação do espaço acessível, democrática, desburocratizada, dialógica e, sobretudo, aberta às demandas que surgissem das juventudes. No início do primeiro semestre de 2017, o Comitê Gestor, composto por representações juvenis e pelo poder público, já estava atuante e iniciou as ações participativas – realizadas em três etapas, durante todo o ano de 2017 – que deram origem ao Centro de Oportunidades Qualificadas para as Juventudes (CRJ). Trata-se de um 21_


projeto que foi construído em pleno movimento de cidadania e participação social no espaço público, múltiplo e popular, horizontal, lúdico, político e performativo. Desde então, mais de 500 jovens vindos de diversos bairros periféricos da cidade e seu entorno ocupam o CRJ com seus “corres”. Ensaios de dança, teatro, circo, música, performances e outras criações coletivas ocorrem entre reuniões, debates, seminários, grupos de estudo e de trabalho, oficinas e outras ações formativas. Também acontecem exposições, festivais, feiras e ações que sejam feitas por, para ou com as juventudes. Quando não há espaço nas salas e nos ambientes fechados, as galerias, corredores, refeitório e hall de entrada são ocupados. Para garantir que o espaço seja público de fato e realmente acessível, a maior regra é a que “quanto menos regras, melhor”. Ou, ainda, que as regras não engessem ou limitem a ocupação; que permitam que cada caso possa ser discutido e pensado e que os processos não se sobreponham aos indivíduos e suas necessidades; que os combinados possam ser revistos, desde que sejam feitos coletivamente. Enfim, que a mania de institucionalização dos espaços públicos não faça o sujeito desaparecer sob a desculpa da “ordem”. Junto à ocupação das juventudes, surgiram potentes parcerias. Projetos e ações realizadas por grupos, coletivos, movimentos e instituições com foco na promoção dos direitos das juventudes começaram a dialogar com o CRJ e seu Comitê Gestor para ocupações mais permanentes e com vistas à continuidade. Assim, já no final de 2017, a UFMG – por intermédio das professoras Cristiane Cunha e Nádia Laguárdia – iniciou o diálogo para a construção do que viria a ser, em 2018, o Brota. O melhor encaixe entre o CRJ e o Brota foi o fato de este se apresentar com mais perguntas do que com respostas. Não havia um projeto pronto, já perfeitamente idealizado na cabeça de alguns adultos que, em tese, sabiam do que os jovens precisavam. O que movia aquelas pessoas que sonhavam o Brota era um profundo e legítimo desejo da criação de um espaço onde o jovem se sentisse bem, com vontade de estar enquanto indivíduo e enquanto grupo. Um lugar onde ele tivesse espaço (e tempo) para desenvolver sua subjetividade e estabelecer contato com outros tipos de conhecimento e 22_


pudesse ter acesso a outras linguagens que falem de si e do mundo. Um lugar, um espaço para fazer brotar tudo o que lhe foi negado e silenciado. E também para semear o que há de brotar, arte e diálogo como catalizadores de expressão, de invenção, de intervenção e de participação. O CRJ já era terreno fértil, e acolher o Brota – com um incrível time formado quase que totalmente por mulheres – foi e é uma experiência viva, criativa, extremamente desafiadora, intensa e a cada dia mais surpreendente. Nossas tardes de quintas-feiras passaram a ser tomadas pelas meninas e meninos do Brota. A cozinha do CRJ, até então inativa, passou a funcionar quando se percebeu o quão caro – e necessário – era para aqueles jovens o lugar da comida. O Brota movimentou, e a cozinha foi ativada. Os espaços do CRJ, ocupados pelas oficinas de arte e pelas rodas de conversa, passaram a pertencer àqueles jovens, que nunca ou quase nunca haviam ido “ao centro da cidade”. Esse é o movimento do CRJ. Esse é o movimento do Brota. Ocupar e tomar para si. Brotar na cidade, alargar o tempo-espaço, romper as fronteiras e promover trânsitos, fluxos, contrafluxos e circuitos de uma juventude plural, diversa, potente e, sobretudo, viva. Salve, Brota! Salve, CRJ!

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Programa Brota: uma experiência extraclasse que modificou a escola Édila Caetano da Silva Robson Pereira de Andrade O Programa Brota surgiu na escola juntamente com um movimento de melhoria do clima escolar desde o ano de 2017, como uma das saídas para as questões disciplinares, atos infracionais, infrequência e retenções que tanto afligiam a comunidade escolar. A Escola Municipal Doutor Júlio Soares, localizada no bairro Granja de Freitas na periferia da cidade de Belo Horizonte, ganhou um prédio novo no ano de 2015. Com as novas instalações, a escola absorveu também novos alunos moradores do bairro que foram transferidos de outras unidades escolares da prefeitura e que estudavam em outras escolas da região, pois o prédio antigo da escola não comportava tantos alunos. Esses jovens foram transferidos das suas escolas de origem para um novo lugar, com o qual não tinham vínculos afetivos e nem uma história já vivida. Essa situação ocasionou uma ruptura na vida escolar desses adolescentes e pré-adolescentes, o que refletiu de forma negativa nas relações interpessoais e no clima escolar. Em 2017, a escola assumiu investir na melhoria da qualidade do clima escolar, cuja nomeação é a Formação em Clima Escolar. Começou-se a pensar em inovar atitudes de convivência na escola e oferecer perspectivas para o protagonismo juvenil. No início de 2018, fomos 25_


escolhidos pela Secretaria Municipal de Educação (SMED) para participar do programa Brota. A entrada do programa veio em um momento de ressignificação das relações e do clima escolar. Durante um ano de trabalho do programa, vários aspectos positivos foram percebidos na escola, principalmente no que se refere às atitudes de nossos alunos. Durante a trajetória de nossos adolescentes no Brota, percebemos que eles começaram a dialogar mais, evitando situações de conflitos que poderiam acabar em discussões extremamente agressivas. Sua capacidade de argumentação melhorou e frequentemente os profissionais da escola passaram a escutar a frase: “quero conversar... Preciso conversar com você”. Nesses momentos, sentimos que o uso da palavra tornou-se o principal instrumento para acordos e conciliações. Dessa forma, ficou evidenciada a melhoria das relações interpessoais dos alunos. O número de atos de indisciplinas e acionamentos da Guarda Municipal e da Polícia Militar com registros, que em 2017 era dos maiores entre as escolas da Região Leste da cidade, diminuiu drasticamente, em torno de 65% no ano de 2018, em comparação com o ano anterior. Esses dados foram pesquisados pela Secretaria de Segurança e Prevenção. As oficinas e as conversações oferecidas aos discentes proporcionaram uma nova experimentação do mundo e de suas possibilidades. Uma das características do público da escola era a falta de sonhos e de pensamentos voltados para o futuro. Por várias vezes, quando questionados sobre o que queriam ser profissionalmente, vários alunos não sabiam se expressar ou simplesmente não respondiam e lançavam-nos um olhar de surpresa, como se sonhar com um futuro profissional fosse algo extremamente distante. Muitos de nossos alunos iniciaram uma experiência de profissionalização, e alguns se destacaram nas áreas em que se empenharam, por exemplo, grafite, produção escrita e corporeidade, áreas representadas por alguns dos nossos estudantes que se tornaram monitores de apoio no projeto. Alunos que enfrentavam dificuldades para se expressar começaram a desenvolver essa capacidade, a partir da participação nas oficinas de artes, circo, teatro, dança, gastronomia, escrita criativa, design etc. Para além do desenvolvimento da capacidade de expressão, foi constatado que, nas atividades escolares, eles tiveram maior comprometimento e empenho, 26_


assim como também ficou comprovado que os resultados no aproveitamento escolar dos alunos foram melhores do que aqueles no mesmo período antes da frequência no Brota. Outra possibilidade que o Brota proporcionou aos estudantes foi a apropriação de vários espaços da cidade e principalmente do Centro de Referência da Juventude (CRJ). Nesse convívio, os alunos puderam sair pela cidade visitando museus e novos espaços geográficos desconhecidos por eles, numa perspectiva de ampliar a compreensão do espaço da cidade. Uma experiência importante para tantos alunos que, por morarem numa região pobre e periférica, trazem a marca da exclusão velada, muitas vezes relatada por eles em frases, como: “nossa, todo mundo olha a gente...eles olham a gente achando que vamos fazer alguma coisa...acham que vamos roubar”. Em muitas oportunidades, os alunos puderam andar pelos espaços da cidade acompanhados por estudantes e professores da UFMG e UEMG de uma forma empoderada e com uma nova perspectiva em mente. O Brota não só modificou os alunos, mas também parte dos profissionais que perceberam a adolescência pelos seus vários ângulos e com dimensões mais abrangentes, passando a respeitar essa fase e valorizar os saberes que esses adolescentes trazem de sua história de vida. Nesse sentido, a marca do Brota não está apenas no grafite deixado no muro da escola como símbolo de nossa participação no Programa. Está na subjetividade de cada um que participou do Brota e na história de construção de um clima escolar mais acolhedor. Efeitos das conexões e vínculos estabelecidos entre a equipe e os estudantes que permitiram maiores oportunidades de aprendizado.

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Oficina Articidades André Freitas Gibram Silva Elisa Campos Thereza Christina Portes Ribeiro de Oliveira O projeto de artes visuais Articidades visa proporcionar experiências plásticas de forma a estimular, junto aos adolescentes, o desejo pelo conhecimento e pela expressão ético-estética, individual e coletiva. Suas atividades buscam contribuir para a construção da identidade pessoal, social e cultural dos participantes, assim como proporcionar a aquisição de novos conhecimentos e recursos associados à experimentação poética e às práticas artísticas. Propõese a configuração de um espaço interativo de escuta e acolhimento, propiciando ao adolescente a apropriação de seus potenciais expressivos e de inventividade, sendo ofertados diferentes módulos de atividades que ativam vivências artísticas em consonância com as habilidades e interesses do grupo. Exercícios que exploram diferentes linguagens plásticas e visuais, em variadas técnicas e/ou ações artísticas, têm por objetivo estimular a reflexão, desenvolver as potencialidades, a criatividade e a memória afetiva de cada participante. As atividades incluem jornadas de desenho, pinturas de autorretratos, colagens, encontros gastronômicos, caminhadas, experiências fotográficas, visitas a museus, galerias e exposições de artes plásticas e outras, procurando ativar os sentidos e a percepção dos adolescentes.

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O projeto Articidades, em sintonia com o programa Brota, justifica-se pela importância dada à valorização das singularidades individuais no contexto coletivo, procurando o despertar do desejo e da curiosidade de cada adolescente pelo saber, pela cultura e pela autoexpressão, articulados à construção de um projeto de vida conectado socialmente. A seguir apresentaremos breves relatos das atividades desenvolvidas entre agosto de 2018 e julho de 2019. As oficinas de arte Através das oficinas de artes plásticas,os alunos desenvolveram a criatividade, a percepção e a sensibilidade. Foi possível experimentar diversas formas de pinturas (guache, nanquim, spray); confecção de autorretratos com espelho; desenhos a partir da observação, do tato, da imaginação e da palavra; gravuras (lambes, adesivos, fotos, colagens, cartazes, estêncil). O debate, a reflexão, a análise crítica, a visita a exposições também contribuíram como parte das atividades desenvolvidas nesta oficina. Oficina de Rolês A atividade foi criada a partir do desejo dos adolescentes de “darem um rolê pela cidade”, manifestado no primeiro encontro realizado. Diante dessa demanda, criou-se a Oficina de Rolês organizada em dois percursos: um para o Parque Municipal e outro para a Praça da Liberdade, preservandose, em ambos, o importante momento de um lanche compartilhado. Além da experiência do trajeto na cidade, foi proposta a criação de desenhos e imagens gráficas sobre adesivos como experimentação de intervenção urbana e, posteriormente, o estudos de uma cartografia afetiva (fotográfica e artística) representativa dos dois rolês realizados. Visita ao Museu Mineiro O grupo de estudantes participantes do Brota tiveram a oportunidade de visitar a exposição Estadia 2, em cartaz no Museu Mineiro e realizada pelo Grupo GRASSAR, composto por artistas-professores da EBA-UFMG: Daisy Turrer, Elisa Campos, Liliza Mendes, Roberto Bethônico e Rodrigo Borges. Em sintonia com a proposta dessa estadia, expressa no título, os alunos puderam associar as obras contemporâneas apresentadas, tanto na galeria 30_


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de exposições temporárias como nos espaços internos do museu, ao próprio acervo dessa instituição composto por arte sacra, documentos e objetos históricos mineiros, assim como pinturas de importantes artistas do início do século 19. Na mesma ocasião também visitaram à exposição InventaRios, do coletivo franco-brasileiro EthnoGraphic, tendo como anfitriã uma das artistas do grupo, Letícia Panisset, com quem os alunos puderam dialogar e discutir questões relativas ao meio ambiente e a importância das águas dos rios e o risco de sua progressiva extinção em várias regiões do mundo e mais especificamente em Minas Gerais. Os grafites no CRJ e na Escola O desejo dos alunos de deixar uma marca nestes espaços aos quais pertencem e sua identidade com a linguagem do grafite transformou, por meio do planejamento e consenso de todos, o que seria uma atividade semanal em um projeto coletivo que ocupou os últimos dois meses do semestre. Toda essa movimentação criou um clima de entusiasmo nos adolescentes que, no final do semestre, propuseram fazer um grande painel com pinturas em uma das paredes do Centro de Referência da Juventude e outro na Escola Doutor Júlio Soares. O Prato do Afeto A ação Prato do Afeto investigou a lembrança da comida/afeto na vida dos adolescentes atendidos pelo Brota. A oficina propôs atividades artísticas que se articularam com a memória do alimento na vida dos alunos. Durante o período da oficina, os adolescentes desenharam e escreveram, em pratos de louça, uma boa lembrança relacionada ao alimento. Nas diferentes atividades empreendidas, foram atendidos aproximadamente 60 adolescentes, que, a partir das experiências no Brota e com a significativa contribuição do Articidades, demonstraram que a transformação do sujeito por meio da arte é sempre compensadora para todos os envolvidos. Isso é afirmado, uma vez que o resultado ficou visível por meio das produções realizadas e dos processos vivenciados.

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Oficina de Jogos Teatrais e Conversações Cênicas Bárbara Oliveira Batista Libéria Neves Lorena Beatriz Fernandes Santos O que os jovens têm a dizer? E como podem dizer? A Oficina de Jogos Teatrais e Conversações Cênicas convida os sujeitos a fazerem uso de suas potências criativas diante do inusitado que se produz a partir dos jogos simbólicos, os quais os confrontam com o desafio da invenção. Os jogos provocam a coletividade, a concentração e a escuta, bem como o reconhecimento e a apropriação do corpo, que ocupa o espaço, denunciando as relações já construídas, cristalizadas, cheias de bloqueios e sensibilidade. A criatividade é provocada sobretudo pelas propostas de improvisação que, não raro, culminam em partituras ou cenas que abordam o universo adolescente na relação com o território, com a sexualidade e com o saber. Como não se joga sozinho, a oficina fomenta uma troca e uma negociação com o que vem do outro, além da demarcação simbólica do limite entre os corpos. Nesse sentido, por vezes um excesso de gozo5 desdobra-se em um enxame de palavras que encontram caminho numa resposta melodramática para uma disputa afetiva. 5  A noção de gozo em Lacan diz respeito a um excesso pulsional, que vai além do prazer, impossível de ser totalmente apaziguado pela ordem simbólica. 37_


Em outros momentos, um gesto tímido acaba por ser expandido de modo a expressar-se como solução cênica diante do conflito. Desse modo, uma resposta simbólica aparece como demanda no jogo do real, a partir da comunhão entre o lúdico – que resgata o brincar como elemento do teatro – e o desafio, resposta esta que busca recursos no repertório do imaginário diante do desejo não apenas de encenar, mas também de falar da encenação cotidiana em suas vidas. São recorrentes os temas como relações familiares, machismo, feminismo, homofobia, “situações problemas” na escola, fronteiras entre a diversidade e o respeito, os quais, muitas vezes, denunciam a posição que esses sujeitos ocupam nos ambientes e na sociedade de forma geral, expondo construções feitas a partir do discurso que se tece sobre eles. A primeira experiência da oficina teve duração de dois semestres letivos, organizados em dois módulos independentes, que contaram com a participação de muitos jovens de modo “flutuante” e cerca de 15, mais específicos, que se dedicaram com frequência sistemática aos encontros. Cada encontro, conduzido por uma estudante de Pedagogia/Teatro, bolsista do Programa de Extensão, e auxiliados por uma voluntária, estudante de Pedagogia, transcorreu ao longo de noventa minutos, dos quais boa parte foi utilizada pelos jovens em formato de roda de conversa, para dizerem daquilo que, de forma geral, aparece nos jogos ou nas cenas de modo condensado. Notoriamente, essa conversação acaba por diminuir o tumulto e separar “aquilo que se quer dizer” “daquilo que se precisa dizer”: o resultado desse processo é o que podemos nomear “Teatro”. Embora os significados e sentidos atribuídos às experiências sejam essencialmente peculiares a cada sujeito, os sentimentos compartilhados na roda se conectaram na relação com a produção de um saber no e do grupo. E por outra via, a vivência da linguagem teatral, oferecida pela oficina, promoveu o trabalho essencialmente coletivo, a partir do qual cada um acabou por elaborar recursos para o enfrentamento de suas questões reais e subjetivas. A esse movimento de mão dupla podemos chamar de “TeatroConversação”.

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Cabe destacar que não se compreende aqui a arte como terapêutica ou curativa per se. Acredita-se que o Teatro se configura em um modo de intervir, capaz de produzir efeitos na subjetividade e na cognição, embora o intuito inicial seja a arte na sua literalidade, buscando a potência dos elementos teatrais como forma de expressão. Desse modo, aposta-se numa oportunidade de expressão estética daquilo que possivelmente o sujeito não consegue organizar pela via da palavra endereçada. Ao final desse primeiro ciclo, um grupo que participou da oficina no módulo do primeiro semestre de 2018 concluiu o trabalho, apresentando uma improvisação cênica para os demais colegas, na qual trataram do autoritarismo docente, do desinteresse pelas aulas, além de questões referentes à sexualidade e ao suicídio. Já os jovens do segundo módulo concluíram a oficina em roda de conversa, na qual sintetizaram suas experiências por meio de algumas palavras, dentre as quais destacamos: “novidade”, “aprendizagem”, “oportunidade”, “escolha”, “fala” e “escuta”.

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Oficina de Design Glaucinei Rodrigues Corrêa Lucas Brumano da Silva Melo Marcus Antonino França Volpi Mércia de Andrade Barbosa Guilherme

A Oficina de Design do Projeto Design para Juventude tem como principal objetivo instigar e estimular a curiosidade e a criatividade dos adolescentes por meio de atividades relacionadas ao design. A intenção é que eles possam elaborar projetos de intervenção tanto no espaço escolar quanto fora dele, além de criar projetos diversos, alguns correlacionados às outras oficinas, como a produção gráfica de livros. Objetiva-se, também, a confecção de material digital, audiovisual e gráfico do Programa Brota pelos adolescentes, sob orientação dos professores e estudantes dos cursos de Design e de Arquitetura e Urbanismo. A transdisciplinaridade característica do Programa Brota também está presente nesta oficina. Durante a realização de cada atividade, busca-se propiciar o desenvolvimento de diferentes habilidades, como desenhar, combinar cores e utilizar elementos gráficos. Além disso, tem-se trabalhado com os adolescentes a habilidade para resolver problemas, incentivando-os a superar as dificuldades encontradas nas atividades do projeto, sendo estas uma representação cognitiva das demais situações diárias. 41_


Dessa forma, as atividades da oficina alinham as práticas metodológicas em Design ao cotidiano dos jovens, com o objetivo de aproximá-los do conteúdo apresentado de maneira atrativa a cada encontro. Nesse sentido, mesmo tendo feito o planejamento das atividades para os encontros semanais, as oficinas têm sido construídas durante a execução de suas práticas, ou seja, a partir das reações e respostas dos próprios adolescentes. No quesito território, os jovens comumente abordam questões do dia a dia da região onde vivem em Belo Horizonte, bem como da atmosfera de diferenciação criada por eles próprios e pelas pessoas dos diferentes bairros em seu entorno e também da região sul da cidade, que funciona de outra forma, mas que também os abriga e os faz cidadãos. Como exemplo, podese citar o Carnaval na Praça da Estação, de cujas atividades festivas eles comumente participam. No que tange ao conteúdo programático, inicialmente, definiu-se que o tema central das oficinas seria sobre o desenho como ferramenta de comunicação. Dessa forma, fizemos alguns exercícios para treinamento de traços, compreensão de figuras e desconstrução de imagens. Entretanto, com a chegada dos mais jovens, alterou-se a abordagem e seguiu-se com uma nova temática. Nessa etapa, eles se dividiram em dois grupos: um deles desenvolveria as camisas do Brota, enquanto o outro criaria um cartaz para expor no colégio, com o objetivo de convidar outros jovens para conhecer o programa. Com a falta de equipamentos tecnológicos para todos, decidimos transformar todas as etapas que necessitam de computadores em processos manuais. Sendo assim, trabalhamos com materiais artísticos, como tintas, canetas, lápis de cor, bem como com materiais complementares, como revistas e referências impressas que eram definidas pelos jovens na semana anterior, para que pudéssemos produzi-las a tempo da oficina seguinte. Ambos os grupos conseguiram gerar alternativas para os projetos propostos e assim elaboraram os primeiros protótipos de camisas e de cartazes. Para finalizar o semestre, a pedido dos jovens, houve a visita à Escola de Arquitetura e Design da UFMG, em que lhes foi apresentado o espaço, como o laboratório de marcenaria. Após a visita, organizamo-nos no pátio para conversarmos sobre as dúvidas que eles poderiam ter sobre a escola e 42_


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sobre as atividades realizadas durante o semestre. Foi imprescindível para o conhecimento dos jovens sobre a qualidade e gratuidade do ensino público superior, qualidades antes desconhecidas por muitos deles e, também, para grande parte da população brasileira. Para o segundo semestre, dividimos as atividades em três módulos: Identidade Visual, Fotografia e Animação. O primeiro módulo propunha a construção de uma marca cujo tema era definido pelos próprios jovens. O processo de definição se mostrou muito sensível às particularidades de cada jovem. Alguns queriam desenvolver marcas relacionadas à gastronomia, algo muito comentado por eles, enquanto outros queriam criar marcas de vestuário. A partir dessas definições, apresentamos alguns conceitos de Design importantes para o desenvolvimento dos projetos. Para a execução das artes, repetimos o mesmo processo do semestre anterior, isto é, utilizamos tintas, revistas, materiais impressos, canetas, lápis etc. Nessa etapa, um dos jovens materializou a marca de seu estúdio de tatuagem. O módulo de Fotografia baseou-se, a priori, no entendimento da teoria e do funcionamento de uma câmera fotográfica. Posteriormente, ocorreram tanto práticas fotográficas, quanto conversas sobre a temática da fotografia nas redes sociais e como isso os impacta. Também foi realizada uma visita à Casa Mineira de Fotografia, localizada na avenida Afonso Pena, onde puderam perceber como funciona uma exposição de fotografias e quais seriam as possibilidades de apresentarem seus materiais das práticas fotográficas no espaço das oficinas no CRJ.

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Oficina Brota no Picadeiro Cristiane de Freitas Cunha Grillo Lucas Henrique da Silva Castro Taisa Cristina da Silva Valéria Barbosa de Andrade e Silva

Brota no Picadeiro foi o nome dado às oficinas de Circo que são parte do Programa Brota. Elas têm como objetivo apresentar aos adolescentes as principais práticas circenses e fazer delas e do universo lúdico do Circo um dispositivo para melhorar a qualidade de vida, por meio da promoção da saúde e da prevenção da violência para esses jovens. Espero muitas coisas do Circo, mas ainda não sei o quê. As Oficinas trabalham as quatro principais modalidades circenses, com suas múltiplas variações: Acrobacia Aérea, Acrobacia de Solo, Equilibrismo e Malabarismo. As acrobacias aéreas envolvem movimentos e exercícios em tecido, lira acrobática e trapézio. Acrobacias de solo são saltos, estrelas, cambalhotas e diversos exercícios no chão. No equilibrismo, temos o arame, a corda bamba, o equilíbrio de objetos, o rola-rola. E no malabarismo praticamos a manipulação de diversos objetos como bolas, claves, aros, diabolôs, entre outros. Todas essas atividades trazem benefícios enormes à saúde, pois exercitam a força, a flexibilidade, o equilíbrio, a coordenação motora e a concentração. Trazem mais 47_


consciência do próprio corpo, dos limites e capacidades individuais, além do cuidado e da confiança em si e em relação ao outro. Além disso, as práticas circenses aumentam a autoestima, uma vez que desenvolvem capacidades e criam desafios que promovem o prazer para quem pratica e a admiração dos que assistem. Quero fazer Circo para me desligar dos problemas e do dia a dia. Quero aprender a me pendurar no tecido pra todo mundo ver. Também criamos junto aos jovens as oficinas de construção de equipamentos circenses a partir da reutilização de materiais, objetos que se tornaram provas concretas das habilidades e da criatividade dos participantes. Essas oficinas foram ferramentas importantes na tarefa de mostrar-lhes o quanto o circo pode ser acessado, praticado, descoberto e ensinado por eles mesmos, inclusive fora do período das oficinas e em seu próprio território. Adorei fazer essas coisas de Circo. Vou levar para guardar de lembrança para sempre e para mostrar para as pessoas o que aprendi aqui. O Brota no Picadeiro, apesar de todo o carinho com que foi concebido e de todo o empenho da equipe, apresenta muitos desafios e muitas dificuldades a serem superadas. Não dispondo de recursos financeiros, todo o material utilizado foi emprestado, comprado ou construído pela própria equipe. Outro grande desafio é manter os jovens envolvidos com as atividades e assíduos nas oficinas, pois, como muitas atividades artísticas ou esportivas, as práticas circenses exigem esforço, dedicação e empenho, para que tenham um resultado satisfatório. E, finalmente, temos os riscos envolvidos nessas práticas, que podem comprometer a integridade física dos participantes, se não forem tratados com cuidado e responsabilidade. Minha mãe adora quando mostro pra ela as fotos que tiramos. Ela acha que sou corajoso e fica feliz.

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Desde o início até o momento atual, o Brota no Picadeiro tem se mostrado um Projeto envolvente que demanda muita dedicação, esforço, criatividade, mas, sobretudo, muito amor. É extremamente gratificante receber esses adolescentes, que estão vivendo um período delicado de transição em todos os aspectos (biopsicossocial) – muitos deles, por exemplo, estão em situação de vulnerabilidade –, e fazer com que experimentem novas experiências e tenham outras oportunidades. Vemos alguns formarem laços com o Circo, e muitos formarem laços com o afeto que temos para oferecer. Descobrimos que o saber tem que ser compartilhado sempre, porque tanto aprendemos com os alunos quanto eles conosco. Compreendemos que, muitas vezes, é importante diminuir nossas próprias expectativas e procurar entender o desejo do outro. E, acima de tudo, temos a certeza de que essa convivência sempre trará um novo ganho para vida de cada um de nós. Gosto de vir para as oficinas para encontrar vocês. O projeto propõe a vinda dos jovens ao palco do circo: o picadeiro. É muito comum que o adolescente seja colocado em um assento ao fundo da plateia do circo de sua vida, para que assista à criança que ele já foi e ao adulto que deve ser. Nessa atmosfera de cobrança extrema, não existe espaço para quem ele é agora. Assim, o Brota no Picadeiro convida seu público a experimentar esse lugar, que devia ser cotidiano, mas parece algo novo para muitos deles: o lugar de protagonista de sua própria história. Venho para o Circo para muitas coisas. Aprender acrobacias, prevenir o sedentarismo, mas principalmente para aprender coisas diferentes e ver pessoas novas.

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Oficina Dança no Brota Anamaria Fernandes Viana Marisa Almeida Vieira Welleton Carlos Beato André Brota na base Entre a favela e o asfalto, há uma barreira invisível e ao mesmo tempo sólida, compacta, como se fosse um grande muro de pedra. Como também é invisível e muitas vezes naturalizada, pode não ser vista por muitos de nós. Mas que barreira seria essa? Que muros seriam esses que separam classes sociais, pessoas, culturas? Esses muros são construídos pela injustiça e desigualdade, pelo preconceito e racismo, pela exclusão social. De um lado do muro, há um grande descaso e negligência de ações básicas, de ações transformadoras; do outro lado, a violência cotidiana, vivida por aqueles que moram nas favelas, invade seus corpos, suas almas; toma conta de seus desejos, seus sonhos, seu passado, presente e futuro. E de onde vem essa violência? Ela vem de todos os lados, de todas as formas, e alcança todas as idades. Essa violência é verbal, física, emocional. Ela vem da polícia, ela mora nas escolas; dentro de casa, está presente na família, nas relações de amizade, ela está sempre presente, como se estivesse no ar que respiramos. Será que a violência gera violência? Sabese que pessoas que sofrem opressão na rua ou em casa podem desenvolver um comportamento mais agressivo. O ciclo de violências tem se demonstrado estrutural, como os tijolos de uma casa. E por ser tijolo, por fazer 53_


parte do cotidiano, do passado e do presente, torna-se também futuro. E o ciclo é visto como algo natural, como se fosse esse o único modo de viver a vida. Favelados(as) vivem do outro lado do muro, muitas vezes excluídos de uma sociedade que lhes nega uma perspectiva de vida melhor. Uma sociedade que, na maioria das vezes, reforça que o(a) favelado(a) não pode frequentar certos lugares, que ele não conseguirá atingir seus objetivos, que ele nada merece além do que já tem. Sabemos que as drogas estão por toda parte, mas quando o tema é abordado, geralmente está relacionado a um território: a favela. A palavra “traficante” vem colada a uma imagem: a do menino preto, pobre e favelado, violento e selvagem – como se todo traficante viesse do morro. Já a palavra “piriguete” vem colada a outra imagem: a da menina preta, pobre e favelada, violenta e selvagem. E esses estereótipos repercutem na vida do jovem das comunidades, em seu dia a dia. A oficina Dança no Brota se insere no universo do adolescente periférico que frequenta escolas com alto índice de evasão estudantil. Nessa oficina, utilizamos uma linguagem que o jovem reconhece como sendo a sua. Essa linguagem é a das Danças Urbanas. A partir dela, tentamos inserir outras para que, coletivamente, possamos questionar territórios e criar espaços de transformação por meio dos aprendizados obtidos na oficina. Durante as oficinas, vários comentários sobre violência, drogas, preconceito etc. surgiram em diferentes situações. Relatos de violência policial no carnaval no centro da cidade, de amigos e parentes que foram mortos no bairro Granja de Freitas, onde se situa a “Doutor Júlio”. Essa é a realidade desses jovens. Na oficina, temos um caderno que fica à disposição das/os participantes que podem, a todo momento, escrever qualquer comentário importante para eles naquele dia. Os escritos vão desde: achei a aula de hoje um saco, até assuntos como a comida, a escola, o desejo de ter um/a namorado/a, além da expressão de sentimentos e pensamentos que quiserem colocar para fora. Nesses escritos e conversas, as/os adolescentes falam da dificuldade em trocar gestos de afeto com seus familiares. Quando perguntados em uma 54_


das oficinas se elas/es abraçavam suas mães quando chegavam em casa, a maioria ficou pensativa e houve respostas como: eu? misericórdia! Eu tento abraçar minha mãe, ela me joga na parede, ela não me abraça. O carinho entre mãe e filho faz falta para qualquer adolescente. A experiência da violência, da carência de necessidades básicas, da falta de afeto atravessa os corpos desses jovens e está presente em suas expressões corporais. Os movimentos culturais ligados às Danças Urbanas vêm tentando subverter tais consequências corporais e psicológicas nos corpos e mentes de crianças e adolescentes que as praticam. Hoje, com um ano de projeto, percebemos que o funk é a linguagem mais próxima do dia a dia desses adolescentes, por ser símbolo de resistência, lazer, lugar de pertencimento, mostrando-se como uma subversão ao sistema opressor, racista e elitista. Antes de entrarem para as oficinas, muitos jovens faziam a mesma pergunta: Hoje vai ser o que ‘fessô’? Vai ser funk? Se for funk eu vou ficar aqui.

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No Taquaril, comunidade próxima ao Granja de Freitas, ocorre o Baile do Onze, uma das únicas manifestações culturais abertas ao público nas redondezas. Lá os adolescentes do Granja também frequentam e, por diversas vezes, já nos chamaram para curtir o rolê com eles. Ao mesmo tempo em que desejamos como oficineiros estreitar nossa relação com as/os educandas/os, utilizando de uma linguagem que elas/es conhecem e se reconhecem, buscamos introduzir aquilo que elas/es desconhecem, a fim de despertar interesse por novas possibilidades. Com isso, trabalhamos com o Hip Hop – não apenas como dança, mas como cultura –, e também com o dancehall, o afrohouse, o funk, danças que vieram de guetos, além do house dance e do jazz, que, apesar de não se tratar de um estilo dentro das Danças Urbanas, também foi trabalhado neste projeto. O que temos conseguido, assim, é nos aproximar das/os educandas/os, abrindo um canal de comunicação veiculado pela arte. Assim como toda atividade física necessita de uma preparação, a oficina Dança no Brota começa sempre com um alongamento e, já de início, esse é o nosso primeiro desafio. O adolescente não quer se preparar para fazer algo, ele quer fazer. Ele tem ímpeto de viver e viver logo, principalmente quando se tem a morte como realidade muito próxima todos os dias. Por isso, muitas/os não participavam no momento do alongamento, outras/os participavam por um tempo e, logo, se mostravam cansados(as), parando no meio do exercício para olhar o celular ou conversar com um colega. Mas sempre tivemos um acordo: não eram obrigados a participarem da oficina, mas não podiam atrapalhar o andamento dela. Entramos em acordo também sobre qual estilo de dança, entre os que dominamos, eles/as tinham mais interesse em aprender, em vez de levarmos para a oficina o que acreditávamos que seria melhor para o grupo. Fizemos essa escolha ao perceber que precisávamos nos desapegar de nossas expectativas sobre a oficina, já que esta só era possível no encontro com os participantes, com seus desejos e necessidades. Para muitas/os, o CRJ era um ambiente até então desconhecido e também inacessível, fora de suas realidades. Esse espaço oferece aos jovens um palco criativo: uma grande ocupação de pessoas de todas as regiões da cidade 57_


com diferentes expressões culturais. É natural que a liberdade criativa desse espaço instigue os jovens. Provavelmente por essa razão, um dos maiores desafios no Brota, a nosso ver, é manter o adolescente interessado na oficina. Somado a isso, observamos também que ocorria, nas oficinas, o chamado “efeito manada”, no qual uma pessoa ou um pequeno grupo influencia a ação de todos os outros. Bastava um pequeno grupo ou até mesmo um só participante decidir ir para uma outra oficina que muitos faziam a mesma escolha. Isso ocasionou o esvaziamento de algumas oficinas e, em outras, a falta de concentração. Para nós, o grande desafio era buscar estratégias para mantê-los(as) interessados(as) nas atividades propostas. Uma das estratégias foi levar as/os adolescentes para outros locais além do CRJ, mostrando que elas/es podem levar sua dança e mostrar quem elas/es são por meio dela em todos os espaços que desejarem ocupar. Uma das alunas relatou que adorou a experiência de dançar funk em cima do monumento localizado em frente ao Museu de Artes e Ofícios, na praça Rui Barbosa. Visitamos também o Palácio das Artes para assistir ao ensaio de uma companhia profissional de dança. Esse momento foi muito forte para nós, pois vimos que todos se mostraram interessados em entender o que foi presenciado, ainda que fosse um estilo de dança estranho para eles. Ao final do nosso percurso com as/os educandas/os da Escola Doutor Júlio Soares, realizamos uma reunião com toda a equipe do Brota e com membros da equipe do CRJ, além da diretora e do coordenador pedagógico da Escola, a fim de que cada um pudesse expressar apontamentos sobre essa parceria. Um dos relatos que os responsáveis pela escola trouxeram é que as/os adolescentes passaram a sonhar após frequentarem o Brota, a pensar sobre o futuro, a questionar mais dentro de sala de aula e a pedir pela atenção do/a professor/a quando não entendiam algo. Essas atitudes os fizeram desafiar as desavenças e a baixa autoestima observável na maioria delas/es, principalmente quando se trata de autoconhecimento. Algumas/uns, inclusive, passaram a desejar ingressar em universidades, brotando nesses espaços de disputa de conhecimento. O nosso anseio com o Dança no Brota não é dar voz ao jovem, pois ele já a possui, mas ouvi-lo e permitir que sua voz ressoe em nós. 58_


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Oficina de Gastronomia

Agnes Farkasvolgyi Gisele Araújo Magalhães Juliana Duarte Luisa de Paula Cozinhar é um modo de se ligar ao mundo, pois conecta pessoas, conta histórias, mexe com memórias, balança os afetos, traz alegria, emociona. Quando colocamos os pés na cozinha do Brota, encontramos um grupo de jovens ligados, agitados, com uma fome muito diferente, que não era de comida, mas de atenção, de carinho, de desejos. É uma cozinha intensa, cheia de perguntas e de afirmações. Olhares que desafiam porque se mostram fortes demais ou porque se esquivam. A cozinha quando é assim intensa se torna uma linguagem: tem seu vocabulário, a sua gramática, a sua sintaxe e a sua retórica, como bem disse Montanari6. No Brota, o vocabulário é extenso, começa com a narrativa do gosto por comer terra, não qualquer terra, mas aquela arrancada devagarzinho no tijolo da parede do quarto. A estranheza dessa fome gera empatia, os diferentes encontram seus pares e criam laços. A fome que chega com os meninos no meio da tarde não é qualquer fome. É uma fome curiosa, vibrante; eles 6  Montanari, Massimo (Org.) (2009) O mundo da cozinha: história, identidade, trocas. Tradução: Valéria Pereira da Silva. São Paulo: Estação Liberdade: Senac. 61_


querem comer e querem aparecer. Eles querem também colocar a touca para proteger os cabelos, um avental para dar um sentido de ofício, as luvas para intermediar o tato, pois esses instrumentos, assim como a comida, formatam o cenário para narrar a vida e para mediar as relações. - Quando eu for rico eu quero comer comida de novela, eu quero ser ator. - Como é comida de novela, é diferente? - Não, não é diferente. É bonita. Toda comida pode ser bonita, depende de como a gente a faz, e isso depende do nosso olhar para o alimento. Cada ingrediente, assim como cada prato, conta uma história: um menino lembra do macarrão que a vó faz, o outro do bolo da mãe, a outra do almoço que ela tem que fazer, todo dia, mesmo nem sabendo como fazer. A realidade desses meninos escreve a relação com o ato de cozinhar, e a cozinha expressa a história de cada um, sua identidade, seus sonhos, seu jeito de estar na família e no mundo. O gesto, às vezes, é violento, a colher corre nervosa pela panela, a mão bate com força na massa, a faca atrai o olhar e a mão segura o punhal. É preciso intervir, falar sobre os movimentos na cozinha, a importância de colocar a energia no lugar certo, de usar a força para crescer, sovar a massa com cuidado, com energia e com carinho, o respeito com os instrumentos de trabalho, o cuidado com o fogo. O tempo todo, todos atentos. Na cozinha se criam laços e compromissos. A cada encontro nós produzimos um prato para compartilhar com todos os participantes do Brota. A escolha do cardápio é decidida pelo grupo, a partir de alguma provocação, de alguma curiosidade, de uma fome qualquer. Fazemos de brigadeiro a salada de feijão, o importante é que a comida seja também um pretexto para uma boa conversa. - Eu gosto de pipoca com fondor. - Mas fondor é horrível, cheio de produtos químicos! - Mas eu gosto. 62_


- Mas faz mal para a sua vida e para a sua saúde. - Você acha que quem come está se suicidando? - Será que ela pensa no que ela está comendo? - Não… acho que não. Eu não penso. Cada conversa é uma pista e uma oportunidade. Enquanto cozinhamos, puxamos o fio da história, o que traz uma memória gostosa, o que faz falta, o que vamos fazer no futuro? A cozinha do Brota é uma cozinha aberta e sempre alegre, nela se misturam muitos saberes e muitos quereres. É uma cozinha sem cardápio, mas cheia de ingredientes para o preparo de pratos maravilhosos, feitos com um pouco de improviso a partir do encontro de meninas e meninos cozinheiros e seus desejos.

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Oficina Arte s/cem palavras Bruna Simões de Albuquerque Larissa Fontenelle Gontijo Maralice de Souza Neves Maria do Carmo de Melo Pinheiro A aposta na escrita como meio de expressão e de desabafo íntimo já é corroborada como parte do cotidiano dos jovens. Um dos objetivos da oficina é utilizar as facilidades que a contemporaneidade oferece, como os diversos meios virtuais (chats em whatsapp, blogs e redes sociais) e os tradicionais, como o papel, em que a multimodalidade, a multisemiótica e a escrita híbrida são presentes. Essa mescla de múltiplas formas de linguagem – oral, visual e verbal – pretende estimular também a produção literária e artística dos adolescentes. Nesse sentido, ocupar espaços fora do tradicionalismo contido em salas de aula causou uma escrita mais orgânica e natural. A ida a exposições, a museus e a lugares nunca antes visitados e o encontro com pessoas diferentes abriram espaço para uma escrita na cidade, que se desdobrou e se mesclou ao processo no CRJ. Assim, durante o segundo semestre de 2018 e o primeiro de 2019, os participantes produziram material para dois livros (publicados ao final de cada ciclo) com poemas, fotografias de outras produções, como lambes, entrevistas com transeuntes nas ruas, visitas a museus e contribuições escritas para outras oficinas do Brota.

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Trata-se de uma oficina que visa a possibilitar ao adolescente um espaço para que ele possa se expressar subjetivamente, valendo-se de diversas formas de linguagem, como meio de se constituir e se sustentar como sujeito de desejo. Os jovens encontram ali um lugar de enunciação, onde não há nenhum compromisso com certo/errado, bom/ruim. O objetivo não é também fazer da oficina uma terapêutica. E, embora tenha como suporte teórico a psicanálise, dialoga também com outras áreas do saber que acreditam na escrita como um dispositivo de emergência subjetiva, no qual cada sujeito possa fazer seu percurso e por ele se responsabilizar. O sujeito pode se servir da escrita para ressignificar seus conflitos e impasses com os quais se depara, sobretudo na escola, conseguindo elaborar e mesmo se desprender do que o cristaliza em determinadas posições. Seriam possibilidades de estabelecer outras formas de laço social. Ou seja: a aposta é no sujeito como ser de linguagem e, logo, sensível à palavra; capaz de refazer suas escolhas, produzir mudanças em sua própria vida, sobretudo construir laços que não o mantenham alienado ao desejo do Outro. A ideia, portanto, é sustentar um trabalho, um ofício, onde a palavra escrita possa circular e ser capturada, sem ter a pretensão de que um ideal se cumpra, já que a psicanálise nos revela que a linguagem não recobre tudo, que a verdade não é inteira nem única, e que há sempre um ponto que resta. E é com ele que nos propomos a trabalhar. Nessa perspectiva, a escrita pode “errar”, perseguir seu caminho errante, sem conferir grafias e, longe dos fazeres pedagógicos, ousar, se aventurar, se desconstruir, se desmontar, se despedaçar para se refazer, numa oficina, em um começo que se dá a partir de uma lembrança, uma palavra, um rabisco, um palavrão, um insulto, uma piada, um ponto, uma vírgula, de sem a cem palavras, e sempre de volta ao sem palavras, sem medo da palavra que falta. A palavra que falta como objeto precioso. Um espaço para ser afrontoso com as palavras, afrontar seu lado intraduzível, de modo que ele possa ser causa de uma escrita que se faz sozinho ou a muitas mãos, tocado pela falta, pelo não saber, pelo impossível de tudo dizer que insiste em se escrever e que, por meio de um encontro, pode virar letra.

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Depoimento Ana Brilho A escrita tem me ensinado tantas coisas novas, aprendo diariamente com ela. Com ela aprendi a aliviar os variados sentimentos que tenho de forma poética e com ela também pude ter a certeza de que sou muito inteligente. O que mais me fascina na escrita é a forma na qual ela nos afronta: você pode estar com o lápis na mão ou não, mas as palavras sempre vêm e de forma incontroláveis! Acho que muitos jovens da minha idade também convivem com ela, só não querem dar esse espaço para que ela se expresse assim, de forma tão nítida, e é justamente disso que as palavras precisam, de transparência e também liberdade. Se fosse para escolher outra vez as oficinas, escolheria novamente essa arte de escrever, essa arte que tem aprimorado tanto o meu conhecimento e que me deu maravilhosas oportunidades e amizades.

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Conversação e o lugar da palavra

Cristiane de Freitas Cunha Grillo Helena Greco Lisita Juliana Tassara Berni Márcio Rimet Nobre Nádia Laguárdia de Lima Patrícia da Silva Gomes O Brota tem como proposta despertar o desejo dos jovens pelo saber, por meio das artes, da cultura e da palavra. Para isso, a psicanálise é a principal referência teórica e ética a nortear a nossa prática, pois tem um lugar importante na construção e condução do trabalho. A aposta no saber do adolescente é o eixo comum a todos os projetos do Brota. Se a demanda inicial é da escola, buscamos criar condições para que cada adolescente formule sua própria demanda. Assim, existe um grande incentivo à circulação da palavra que se encontra presente desde as reuniões de equipe, nas quais há espaço para compartilhamento de experiências, de angústias, de um saber-fazer particular, até a prática com os adolescentes que participam do programa. Dessa forma, além das oficinas, o Programa Brota oferece um tempo destinado a Conversações, que é uma modalidade de pesquisa-intervenção que vem sendo utilizada na interface entre Psicanálise e Educação, com importantes efeitos no trabalho com alunos, docentes e pais. Essa metodologia visa a garantir o espaço da palavra no grupo, favorecendo a abertura para novas significações e promovendo a reflexão crítica. 69_


No Brota, as Conversações acontecem após as oficinas e têm duração média de 50 minutos. Os grupos são formados por cerca de dez adolescentes e animados por um (a) psicanalista e mais um ou dois acompanhantes, geralmente alunos de graduação, que auxiliam na escuta e nos registros dos encontros7. Aquele (a) que anima as Conversações deixa claro, desde o início, que se trata de um lugar para os jovens, a ser construído por eles, destacando que o que realmente importa é o que os adolescentes têm a dizer. O caráter sigiloso das conversas e o cuidado com a não exposição dos jovens são fatores que norteiam a prática e que também são explicitados aos participantes desde o primeiro encontro. Sabemos que a adolescência é o momento de passagem da infância para a vida adulta, momento no qual é necessário se desprender dos ideais parentais e construir novas referências e ancoragens que possam nomear e sustentar cada sujeito. É, portanto, um período delicado, conturbado, marcado por transformações não só no corpo, mas também nos laços estabelecidos até então. Os adolescentes se mostram, muitas vezes, incapazes de dar uma significação ao que sentem e, portanto, angustiados. Não é à toa que a adolescência é um período tão marcado por atuações, rebeldias e até mesmo contravenções. Estas são as formas que alguns jovens encontram para se fazerem presentes, vistos e ouvidos. Sabemos, também, que muitas saídas encontradas por eles os levam “para o pior”, colocando-os em situações de risco que comprometem laços estabelecidos e até mesmo suas vidas. Alguns jovens mostram-se, de início, acanhados, pouco à vontade para falar. Outros, entretanto, demonstram que têm muito a dizer e que, de fato, precisam de um espaço para serem ouvidos. Os assuntos são os mais variados e giram, principalmente, em torno dos impasses trazidos pela adolescência, como relações familiares, amorosas e sexuais, bem como questões da escola, das amizades, do uso das redes sociais, entre outras. 7  Além dos autores do presente texto, outros tantos profissionais e alunos de graduação

participaram das Conversações no Brota no período aqui retratado: Ana Leite Lima, Cândida Rosa da Silva, Emerson Augusto Medeiros da Silva, Gabriela Antunes Ferreira, Guilherme Fernandes Silva,Luiz Henrique de Carvalho Teixeira,Maria do Carmo de Melo Pinheiro,Maria Silvia de Castro A ndrade, Mariana Faria Sabino, Maralice de Souza Neves, Patrícia Carlotto Schneider, Pedro Ramos da Cruz Chaves, Renata Vidigal Pulier, Stephano Lunardi Toledo e Thais Thaler Souza.

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À medida que os encontros acontecem e a transferência com o animador se estabelece, os jovens ficam mais à vontade para falar de si mesmos; assim, compartilham preferências, experiências, angústias, medos e alegrias. Muitos dizem sentir-se aliviados por poderem falar sobre suas questões, por encontrarem espaço para ser escutados, compreendidos, respeitados. Identificam-se uns com os outros e percebem que construções feitas pelo grupo podem dar espaço para invenções particulares. Nossa prática no Brota tem nos mostrado o quanto é importante dar lugar à palavra nas instituições. Seguimos, então, apostando que a oferta da palavra pode fisgar aquilo que escapa ao sentido, que passa despercebido, que não tem lugar, criando espaço para o que há de mais íntimo em cada um. E, assim, torna-se possível auxiliar os adolescentes na construção de saídas menos devastadoras, mais orientadas pelo desejo, pelo saber.

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ParADOxes Ariane Chottin Fernanda Xavier Criada em 2009, a Associação ParADOxes propõe consultas psicanalíticas gratuitas, limitadas no tempo, voltadas a adolescentes e jovens de 11 a 25 anos. Também são oferecidos ateliês de escrita individuais com o objetivo de construir um CV (Curriculum Vitae) para, por meio dele, delinear a trajetória do jovem, traçando um caminho de vida - CV. A associação se propõe também a acompanhar os profissionais que trabalham com adolescentes por meio de dois dispositivos: análise de prática e conversações clínicas. Esse trabalho sobre linguagem e letra, solidamente embasado nos ensinamentos de Freud e Lacan, é desenvolvido por uma equipe de psicólogos e profissionais da escrita, todos engajados em seu processo pessoal de análise. Os jovens chegam à associação pelos mais diversos caminhos, por iniciativa própria, ou seja, por parceiros do campo social, educativo, judiciário. Seguindo seu próprio estilo e seu próprio tempo, esses adolescentes se valem das propostas da associação de forma pessoal. O caráter singular e imprevisível desses encontros permite a cada um dos jovens construir respostas próprias às dificuldades que a eles se apresentam. A Associação foi fundada por Normand Chabot; o presidente atual é Camilo Ramirez. 73_


Ateliê Caminho de Vida Sonia Pent Valérie Guidoux As oficinas Caminho de Vida (CV) são um dispositivo de acolhimento individual, pela via da escrita, criado pela Associação ParADOxes. Elas acontecem na ParADOxes ou em algum estabelecimento escolar. Trata-se, no CV, de reservar um tempo com o adolescente para apreender seu percurso, as etapas, os obstáculos, os apoios, aquilo que se rompeu e que se alinhou em seu caminho. O ateliê ocorre em três encontros de aproximadamente uma hora, nos quais o adolescente é recebido por uma oficineira. O trabalho ocorre em uma mesa e intercala conversas e momentos de escrita. No final, o adolescente cria seu “Caminho de Vida”: trata-se de um documento (escrito, desenho ou colagem) no qual tece seu trajeto, com seu estilo. Tal produção poderá ou não ser transmitida a quem encaminhou o (a) adolescente à ParADOxes. Os oficineiros se reúnem em grupo uma vez por mês. É nesse momento de reflexão posterior à oficina, a partir dos escritos dos oficineiros, dos seus dizeres e de seus questionamentos, que um trabalho conjunto orientado pela psicanálise lacaniana vai permitir a extração de uma lógica.

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A formiga Nariguda

Léna Burger

No mês de junho, Safia chegava ao primeiro encontro da oficina. Interroga: Por que estou aqui? Me trouxeram aqui para falar?. Ela é faladeira e desafiadora. Ela desconfia da oficina. Safia se presta um pouco ao exercício da escrita, mas levanta a cabeça de sua folha sentindo-se fisgada: Mas, por que eu, de verdade?. Aí, eu digo: “Não sou eu quem pode responder essa pergunta”. Ouvir sem responder; acolher, sem condenar. Na ocasião do terceiro e último encontro, Safia sai do curso de História arrastando os pés: Mas eu estive bem na batalha! O que vamos fazer? ela pergunta. Eu levanto os ombros. Falo de minhas férias?, ela pergunta novamente. Safia aponta meu nariz. Eu acho que você tomou um pouco de sol. Uma outra ideia lhe vem à cabeça, ela recua, depois: Bem, ao mesmo tempo a gente conversa, não é?. Eu opino com a cabeça, em silêncio. Eu posso contar o meu dia? Porque na verdade, tem uma menina... Safia relata o que aconteceu: uma menina, que é amiga dela, colocou enchimento nos seios com lenços e meias. Isso se via muito. Sua turma de colegas sabia disso. Em seguida, essa menina começou a zombar de uma outra que era muito peluda, como um gorila, então, a menina que foi atacada respondeu dizendo que mostraria suas pernas se ela provasse que seus seios eram de verdade, ela então levantou sua calça comprida, “como estava depilada, não tinha pelo nenhum”. Depois, a menina com enchimento nos seios se recusou a participar do jogo: “todo mundo ria e dizia dá pra ver e tudo”. Aí, uma ponta de tecido saiu para fora de sua camiseta, e uma outra menina pegou, e puxou na frente de todo mundo. Nossa, ela deve ter morrido de vergonha. 75_


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Safia conta com risadas abafadas. O que você está pensando sobre isso? Você concorda ou não?. Eu não reajo muito rápido, me manifesto e digo que não tenho certeza se entendi bem com o que deveria estar ou não de acordo. Com o fato de colocar enchimento nos seios! . Eu não digo nada. Ela tem preguiça de escrever e anota com a ponta da caneta confronto e insulto em uma folha. Ela levanta a cabeça: mas eu sei por que ela fez isso, é por causa das redes sociais!. Sua amiga passa o tempo todo curtindo fotos de mulheres photoshopadas, explica. Não, mas você acredita que bundas como essas, um tamanho como esse, seios como esses, dá mesmo para acreditar!?. Essa amiga já havia colocado enchimento na bunda um dia: era ridículo, parecia uma formiga!. Ataques de riso. Eu pesco essa palavra e grito: Vamos! Faça um pequeno esforço de escrita! Sua história sobre a formiga é interessante. Você conhece a fábula de La Fontaine?. Safia a havia decorado na 6ª série. Bem, é ‘A cigarra e a Formiga’, mas hoje, no colégio, por Safia. Ela imediatamente pega uma folha e anota sua fábula de uma só vez: A formiga nariguda. Você viu coisas desse tipo quando era jovem? Você aproveitou bem seus anos no colégio?. Safia é inesgotável. O que fazer, se transformar seu corpo é uma vergonha e não o transformar também? Ela desenha uma ilustração de sua fábula, que é uma ilustração da cena. Mas algo a intriga: a menina do confronto, a do enchimento nos seios, riu quando seu enchimento foi puxado e saiu: eu não sei por que, depois acrescenta, pensativa: é como eu, eu caio o tempo todo, e quando caio eu rio, mesmo não sendo engraçado. Qual título dar a seu desenho? Bem, é a vergonha, mas não a vergonha de verdade... A vergonha... O que é? Safia escreve: é quando a gente não assume alguma coisa e alguém a desvela. A isca da questão da vergonha captura a do riso: Eu não sei o porquê... e faz emergir um enigma que as deixa em suspenso, mesmo não sendo engraçado. É um ponto de vacilação para Safia, que me pareceu aflorar neste momento tênue onde uma perturbação a retém. 77_


Néa Nelly Steunou Néa, 17 anos, chegou à oficina Caminho de Vida orientada pelo conselheiro de educação de sua escola, que achava que ela estava deprimida. Depois de muitas escolas, diversas orientações, Néa se encontra no final do ensino médio, tempo de preparação de seu diploma profissional em Gestão de Restaurantes. Ela chega à oficina no mês de maio, fim do ano escolar, mas também, para ela, fim de sua escolaridade e entrada na vida profissional. Apesar de ter resultados satisfatórios, ela se mostra um pouco desligada há um mês, pois a angústia de sua orientação profissional e de vida se renova: estou cansada, ela diz. Durante nossa primeira conversa sobre seu percurso de vida, eu proponho a ela um retrato chinês, eu digo se eu fosse uma cor eu seria... Eu anoto as frases que digo, ela escreve uma continuação para as frases. Não há resposta certa esperada, a jovem pode não responder e também pode fazer outras proposições se quiser. O jogo permite um deslocamento da conversa e permite que ela possa criar alguma coisa a partir disso. Durante essa conversa, me surpreendi diante dos diferentes lugares, colégios, escolas, estágios, pelos quais Néa já passou. Ela me respondeu que adora viajar. No segundo encontro, proponho a ela um mapa de Paris, um mapa para dar uma forma a todas às suas viagens, como ela diz. Eu lhe proponho inscrever aí seus lugares. Ela toma o mapa e inscreve nele seu lugar de vida, seus colégios, suas escolas, seus lugares de estágio. Ela acrescenta seu lugar de nascimento, o bairro onde faz compras, o esporte, os lugares e os momentos fora da escola. Ela começa, então, a desenhar pequenas carinhas, emojis. A carinha feliz, a zangada e a carinha é isso aí. Uma maneira de fazer o percurso e de se divertir ao mesmo tempo. 78_


Durante nosso último encontro, Néa retoma a proposta de trabalhar com restaurante, com as palavras da cozinha que ela ama aprender, ama dizer. Eu faço um uso desse ponto e proponho a ela a escrita de um abecedário da cozinha: gostos, pratos, aqueles que ela serve e que ela faz em casa. Eu começo a anotar em uma folha: A...., B... Néa faz uso da preposição e cria seu próprio abecedário, seu caminho de palavras em uma ordem própria. Surpreendo-me, observo que sua escrita é cuidadosa, as cores são escolhidas, a ordem das letras é a sua; trata-se de seu alfabeto, suas palavras: aprender, futuro, cumprir, felicidade, bem-estar, confiança. Alguma coisa parece se desbloquear: cada letra e cada palavra parecem encontrar seu lugar, como engrenagens de uma roda criadora. É nesse momento que ela diz que a oficina a descansou. Foi ao fazer sua orientação que Néa se deslocou. A oficina criou uma passagem entre “cansada” e “descansada”. O tempo de um encontro foi para ela o tempo para exprimir a angústia do fim de seu percurso escolar. Foi a afirmação de sua escolha pela gestão de restaurantes e o reencontro com seu próprio ímpeto de criação. De cansada à des-cansada.

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Fazer com o acaso Valérie Guidoux No decorrer de uma oficina, uma palavra se põe a brilhar, clareia o que nesse encontro se procura sem saber, tateando, na conversa e nas bricolagens, em torno do escrito. De início, Elena não diz nada, está assentada, de casaco, óculos e mochila colocada entre os pés. De modo delicado, faço algumas perguntas, fico sabendo que todo dia ela faz longos trajetos de metrô, RER8 e de ônibus para se deslocar até seu colégio, localizado na periferia. Depois que sua mãe se mudou para Paris, em vez de mudar de escola, optou por fazer esse deslocamento todo dia. Ela diz: É difícil fazer amigos quando se é estrangeira. É inicialmente sobre essa palavra “estrangeira” que engato as perguntas seguintes. Elena diz somente que chegou da Ucrânia aos 9 anos, com sua mãe, sem falar francês. Ela não tem nenhum sotaque. Após o acolhimento fui diretamente para o CM19. A história, o país e o pai permaneceram fora dessa conversa. Ela diz: eu não sei ou não entendi nada. Engato então a conversa a uma outra parte da frase: amigos. Aí Elena se aproxima e fica fácil acompanhá-la no mundo que ela revela: um pequeno grupo de quatro alunos, mangás que ela desenha sozinha ou com uma colega. Entretanto, depois de algumas palavras, Elena para e desvia das minhas propostas de escrita. Entre suas recusas, eu lhe passo uma folha em branco e a convido a desenhar o que quiser, e ela começa. Ao lado dela, começo a dobrar uma folha A4 para formar um livreto de 16 páginas, anoto a paginação, dobro, redobro, divido as dobras.

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Sistema de trens que percorre longas distâncias em Paris e que circula abaixo do metro convencional.

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Equivalente ao 4º ano do Ensino Fundamental I.


Enquanto isso, ela diz várias coisas desconexas, surpreendentes, alegres e interrogativas, sobre o que ela fabrica com suas amigas, seu grupo de pandas, de onde ela tira a inspiração de seus mangás. Tudo isso desenhando com caneta hidrográfica uma menina que diz: Bom dia, eu me chamo Elena. No segundo encontro, Elena traz duas páginas de um dos seus mangás, em sequências específicas nas quais a dimensão da amizade abre para o fantástico. A história está sobre a mesa, ela começa. Releio a cena com ela, ressalto sua arte de fazer ver e sentir, e a encorajo a prosseguir. Elena fala abertamente, como uma artista que recebe uma visita em seu ateliê. Procura um título, se pergunta por que desenhou um pônei, fala de sua última ilustração. O ataque das bolsas, uma paródia (procuramos a palavra), a partir de seu professor que existe, evoca a modelização dos personagens, o software que ela vai precisar para fazer suas animações. A partir de sua camiseta com coisas escritas, um pequeno hábito se formou, abrir o dicionário sobre a mesa. Eu gosto muito do barulho que ele faz. Ela quer saber o que significa “Serendipity”, título de uma música de um grupo coreano. Ela lê a definição: capacidade de fazer uma pesquisa e descobrir por acaso algo inesperado, e perceber seu alcance. Nós seguimos os termos sutis dessa noção, quando uma pesquisa se revela, por si só, por acaso. No terceiro encontro, breves notícias, é o último encontro. Ela interroga: o que vamos fazer? Terminamos a oficina. Elena fala que sua nota de francês melhorou (ela estuda muito). Fala de sua dor nas costas. Fala de seu bairro, que ela não conhece bem. A biblioteca que ela não sabe onde fica. Ela entra um pouco mais no cotidiano, mas como no jogo da amarelinha, sem se deter. Eu a acompanho em seu jogo, saltar e pegar, tornar a jogar em outro lugar. Depois juntas fazemos uma folha de palavras, ela recolhe pequenos restos da oficina: o jogo eu me lembro, livro, biblioteca, passear, cor, óculos, por vezes, eu não sei, as palavras que ela usa, as coisas que não fez. Em seguida, ela decide recopiar a definição de “Serendipity” e a leva. Enquanto dávamos alguns passos na rua Saint-Maur, eis que, para minha surpresa, ela fala das preocupações e da precariedade material de sua vida

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com sua mãe. E se pergunta sobre como encontrar outras pessoas em seu bairro. Eu a encorajo e acrescento algumas pistas às que ela havia falado a partir do trabalho na PaADOxes, procurar lugares onde deixar que se exerça sua majestosa capacidade de fazer com o acaso.

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Fazer borda Fabian Fajnwaks Brota se conjuga no presente ou no imperativo: Brota! Pensava nisso enquanto visitava as instalações do Centro que esse projeto ocupa, no coração de Belo Horizonte. Poderíamos nos deter na topologia singular que faz com que, voluntária ou involuntariamente, esse lugar receba jovens que estão à margem, que vagam pelas ruas dessa enorme cidade (e quando se fala em cidade hoje, também se fala em um monstro acéfalo), ou muitos que vêm da periferia desta megalópole, viajando algumas vezes por uma hora ou duas para chegar a esse lugar, que é o coração da cidade. Não vamos nos deter nesse ponto, que certamente tem seu interesse, mas enfatizar o que caracteriza essa oferta exclusiva do Brota! Trata-se de uma proposta como uma área de fronteira, um litoral onde se pode encontrar uma inscrição; esses dropouts do discurso, borda desde a qual o verbo não se conjuga do mesmo modo: brota cada um dos jovens que vem para ver “o que rola” aqui, o que há neste lugar que pode recebêlos, ou a própria existência desse espaço que convida você a brotar: Brota!, fazendo surgir de cada um o mais singular, possibilitando o encontro de um saber-fazer que lhes permite inscrever-se no Outro social a partir dessa singularidade. “Outro social”, escrevi... Ainda existe algo assim? O discurso que hoje governa o laço social provocou uma 83_


pulverização dos laços, levando cada indivíduo a ser um proletário10, ou seja, tornando-se um objeto que serve a esse discurso, usado e descartado rapidamente. E, de fato, esses jovens se apresentam sob o estatuto de dejeto social, e o Brota os convida a fazer algo a partir desse estatuto. A borda tem contornos frágeis, fluidos, pois não é certo que, do outro lado, exista mesmo um Outro ao qual se apegar. Escrevi acima um monstro sem cabeça: uma entidade sem cabeça, a selva urbana na qual cada um hoje encontra sua maneira de saber-fazer para criar seu lugar, lugar que não existe previamente. A borda então, ou a janela, recortada nesse real que é a selva – Lacan falava... Oh, que supresa! ...da selva da fantasia, que é a janela do neurótico sobre o real –, mas hoje é o espaço multifacetado, caótico e atomizado da cidade que ocupa esse estatuto do real, na qual cada ser falante deve cavar um furo para poder ex-istir nessa topologia instável e em incessante movimento. Nesse sentido, os jovens que vão ao Brota são paradigmáticos, pelo seu estatuto de dropouts do lugar ocupado pelo ser falante hoje, na geografia urbana. E o psicanalista não faz exceção aqui, já que é ele mesmo quem se propõe como objeto resto do discurso para mobilizar, por meio da divisão do sujeito, o sintoma com o qual os seres falantes aportam à sessão analítica. Da minha visita ao Brota!, em maio de 2019, guardo dois momentos particulares: o primeiro foi a ida ao ateliê de artes visuais, onde os jovens pintavam em pratos de porcelana branca a comida que gostariam de comer. Existe melhor representação do desejo do que o que essa tarefa traduziu? Não se tratava de preparar pratos exuberantes em um ateliê de cozinha ou de cozinhar uma refeição simples que eles pudessem comer mais tarde, como costuma ser feito com os jovens, mas para dar curso ao que o desejo permite concretizar, exatamente como no sonho, desenhando no prato, mais além da dimensão da necessidade alimentar. Tratava-se de desenhar o que eles gostariam de comer, não o que eles poderiam comer; fazê-los desejar, de alguma forma, incorporando, nas pinturas – algumas lindas por sinal –, o que dita o desejo. Lembremos aqui o quanto Freud apontava que não se deseja o

10  Lacan, J. (2011). A Terceira [1974]. Opção lacaniana – Revista Brasileira Internacional de Psicanálise, São Paulo. 62, dezembro, p. 11-35. 84_


que se tem para comer, mas o que nos falta, o que a bela açougueira11 sabia muito bem, privando-se voluntariamente do caviar para desejá-lo. Não me atrevo a perguntar se esses jovens comem todos os dias, porque a pergunta inclui a resposta: o sentido dessa oficina se torna ainda mais claro ao situar a relação dos sujeitos com o desejo. Outro momento é um encontro inesperado em um dos corredores, enquanto visitávamos as instalações, com um integrante de uma das oficinas. Comovido, conversa com uma das coordenadoras sobre sua dificuldade em fazer os jovens que vêm à oficina se interessarem pela proposta. Uma questão que põe em relevo a motivação dos jovens e que talvez pudesse ser encontrada em outras oficinas. Conversamos sobre a motivação e sobre a resistência às oficinas do Brota! Talvez muitos jovens venham buscando algo que os aloje, que os escute, que lhes dê alguma coisa (comida, dinheiro, afeto etc.), o que traduz uma demanda, mas essa demanda pode não envolver interesse real no conteúdo das propostas do Brota. Teremos que fazê-lo surgir, fazê-lo brotar em um segundo tempo. A conversação acolhe esse integrante de uma oficina, que retorna a esse espaço. Nesse breve encontro, tive um flash do que essa proposta original pode se apresentar como um sintoma, inclusive para os jovens que frequentam o projeto. Trata-se de inverter a demanda, silenciosa ou não, muito explícita às vezes, bem como colocar os jovens a trabalho a partir de suas próprias questões, nas oficinas e nas conversações. Dar-lhes a palavra, propondo uma primeira experiência, em muitos casos, de um trabalho com a palavra em que eles realmente sejam escutados, não para dominá-los melhor, como faz o Mestre hoje, mas para fazer emergir o que eles têm como sujeitos. Acolhê-los como seres falantes, que às vezes não sabem que o são, podendo alojar a palavra e dar-lhe curso, para que seu ser de palavra brote!

11  Trata-se de um modo de Lacan referir-se ao sonho de uma paciente de Freud.

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| sobre os autores | Agnes Farkasvolgyi_ Formação multidisciplinar; física e artes visuais pela UFMG e chef de cozinha / Cordon Bleu – Paris. Ana Luiza Alves de Oliveira_ Estudante da Escola Estadual Henrique Diniz, monitora da oficina Arte s/cem palavras. Anamaria Fernandes Viana_ Dançarina, coreógrafa e professora, diretora artística da cia de dança contemporânea Ananda. É professora do Curso de Dança da UFMG. André Freitas Gibram Silva_ Graduando no curso de Artes Visuais da UFMG. Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben_ Doutora em Educação, professora aposentada da Faculdade de Educação da UFG, secretária municipal de educação de Belo Horizonte. Ariane Chottin_ Psicanalista membro da AMP, diretora da Associação ParADOxes. Bárbara Oliveira Batista_ Graduanda em Pedagogia pela UFMG; bolsista de extensão e pesquisadora voluntária no Projeto: Oficina de Jogos Teatrais & Conversões Cênicas; desenvolvida no Programa Brota: Juventude, Cultura e Educação. Bruna Simões de Albuquerque_ Psicóloga, mestre em Psicologia/Estudos Psicanalíticos, Doutora em Conhecimento e Inclusão Social em Educação pela UFMG. Claudia Andréa Mayorga Borges_ Professora do Departamento de Psicologia da UFMG e do Programa de Pós-graduação em Psicologia. Áreas de pesquisa e extensão: Psicologia Social e Feminismo. Atualmente é Pró-reitora de Extensão da UFMG (2018-2022). Cristiane de Freitas Cunha Grillo_ Psicanalista membro da AMP e pediatra, professora titular da Faculdade de Medicina da UFMG. Coordenadora do Programa de Extensão Brota: Juventude, educação e cultura. Édila Caetano da Silva_ Pedagoga graduada pela UFMG, psicopedagoga, especialista em alfabetização, educação infantil, coordenadora pedagógica da rede estadual de educação de Minas Gerais, dretora da Escola Municipal Doutor Júlio Soares. 87_


Elisa Campos_ Artista-pesquisadora, professora da Escola de Belas Artes/UFMG, tem como campo de pesquisa a Espacialidade na Arte – crítica, curadoria e estratégias gráficas e artísticas, no museu, na cidade, na paisagem. Fabian Fajnwaks_ Psicanalista membro da AMP, professor do Departamento de Psicanálise da Universidade Pars 8. Fernanda K. Xavier_ Psicóloga/psicanalista, coordenadora dos Ateliês Caminhos de Vida da Associação ParADOxes. Gisele Araújo Magalhães_ Nutricionista formada pela UFOP, mestre em ciências da saúde pela faculdade de medicina da UFMG, nutricionista do Cetus Oncologia Glaucinei Rodrigues Correa_ Professor no curso de Design da Universidade Federal de Minas Gerais. Diretor de Apoio à Gestão da Extensão da Pró-reitoria de Extensão da UFMG (2019-2022). Helena Greco Lisita_ Graduada em Arquitetura e urbanismo (Puc Minas) e em Psicologia (Puc Minas), Mestre em Teorias Psicanalíticas (UFMG) e Doutorando em Teorias Psicanaliticas (UFMG). Janice Henriques da Silva Amaral_ Professora do Departamento de Morfologia e dos Programas de Mestrado em Ensino de Biologia e Neurociência da UFMG. Atualmente é Pró-reitora Adjunta de Extensão da UFMG (2019-2022). Juliana Duarte_ Pesquisadora e cozinheira, Graduada em História (UFMG) e Gastronomia (Una) e Pósgraduada em Gestão de Negócios (FGV). Juliana Tassara Berni_ Psicóloga, mestre e doutoranda em psicologia pela UFMG, pesquisadora do grupo Além da Tela: psicanálise e cultura digital. Larissa Fontenelle Gontijo_ Graduanda em Letras, bolsista PROEX, pesquisadora em Iniciação Científica da UFMG. Léna Burger_ Filósofa, animadora dos ateliês da Associação ParADOxes.

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Libéria Neves_ Psicóloga, atriz, doutora em educação. Professora da FaE UFMG - graduação e mestrado profissional. Lorena Beatriz Fernandes Santos_ Formada em teatro pelo CEFART, palácio das artes, Fundação Clovis Salgado. Graduanda em Pedagogia pela UFMG. Participou de diversos projetos de extensão pela universidade, sendo eles PIBID, ArRTEA e BROTA e Pesquisa de Ensino e Extensão. Lucas Brumano da Silva Melo_ Aluno do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFMG. Lucas Henrique da Silva Castro_ Educador Físico (Centro Universitário Estácio de Belo Horizonte - 2017), professor e artista circense (SPASSO-Escola de Circo - 2011), fundador do Espaço CircoLar – Contagem. Luísa Oliveira_ Técnica em Hotelaria pela UFV. Gastróloga pelo Centro Universitário UNA. Cozinheira pela vida. Maralice de Souza Neves_ Professora Titular da Faculdade de Letras da UFMG, Doutora em Linguística Aplicada, Psicóloga, Psicanalista. Márcio Rimet Nobre_ Psicólogo, doutorando em Psicologia pela UFMG, bolsista PROEX/CAPES; integrante do grupo de pesquisa Além da Tela: Psicanálise e Cultura Digital e colaborador no Programa Brota: Juventude, educação e cultura. Marcus Antonino França Volpi_ Fotógrafo e estudante de Arquitetura e Urbanismo pela UFMG. Maria do Carmo de Melo Pinheiro_ Psicóloga, psicanalista e Mestre em Psicologia/Estudos Psicanalíticos pela UFMG. Marisa Almeida Vieira_ Graduanda em Licenciatura em Dança na Escola de Belas Artes da UFMG. É envolvida com as Danças Urbanas desde os 12 anos e tem o Afrohouse como foco de seu estudo pessoal. Mércia de Andrade Barbosa Guilherme_ Graduanda de Design da UFMG, técnica em Informática para Web pelo IFET SJDR, exbolsista do Projeto Catadores de Sonhos e atualmente voluntária do Programa Brota. 89_


Nádia Laguárdia de Lima_ Psicanalista, psicóloga, professora do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFMG. Coordenadora do Programa de Extensão Brota: Juventude, educação e cultura. Nelly Steunou_ Professora de Letras, animadora dos ateliês da Associação ParADOxes. Patricia da Silva Gomes_ Psicanalista, psicóloga, Mestre e Doutoranda em Estudo Psicanalíticos pela UFMG. Robson Pereira de Andrade_ Biólogo graduado pela PUC Minas, professor de Ciências e Biologia. Samira Ávila_ Atriz, comunicóloga, arte-educadora e gestora de políticas públicas, com ênfase em juventudes. Atualmente é gerente executiva do Centro de Referência da Juventude, da Prefeitura de Belo Horizonte. Sonia Pent_ Psicanalista, animadora dos ateliês da Associação ParADOxes. Stéphano Lunardi Toledo _ Estudante de Medicina do 12º período da Faculdade de Medicina da UFMG. Taísa Cristina da Silva_ Estudante de Medicina da UFMG, cursando o 11° período. Thereza Portes_ Artista plástica e Professora de pintura Escola Guignard na UEMG. Coordena o Instituto Undió, organização sem fins lucrativos, pioneira na oferta de atividades artísticas a crianças e adolescentes que vivem em condições de vulnerabilidade socioeconômica. Valéria Barbosa de Andrade e Silva_ Médica Pediatra, especialista em Medicina do Adolescente pela SBP, Especialização e Pós-Graduação em Saúde do Adolescente pela UFMG. Valérie Guidoux_ Editora e escritora, animadora dos ateliês da Associação ParADOxes. Welleton Carlos Beato André_ Dançarino, intérprete e coreógrafo, graduando em Dança / Licenciatura.

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| ficha técnica | Revisão_ Maralice de Souza Neves, Márcio Rimet Nobre, Ricardo José Alves Tradução_ Bruna Simões de Albuquerque, Cristiane de Freitas Cunha Grillo, Larissa Bastos Milhorato e Maria do Carmo de Melo Pinheiro Projeto gráfico_ Elisa Campos e Nathaly Ferreira Silva Apoio financeiro_ Pró-Reitoria de Extensão (PROEX) da UFMG Apoio técnico_ Juliana Tassara Berni, Stephano Lunardi Toledo Fotografias _ Acervo Brota Foto capa_ Elisa Campos| Teerritório L4 BH, 2020 Gráfica e Editora COPIART Rod. Norberto Brunato, 2818. Km 02. São João, MD. Tubarão, SC. CEP 88702-803. +55 48 3626 4481 | 48 3628 3260 copiart@graficacopiart.com.br www.graficacopiart.com.br

Livro impresso em 2020 com tiragem de 430 exemplares. Capa em papael supremo 300g laminaçao fosca; miolo em Papel AP 90g. Tipografia: Akkurat. 91_


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