Ribeirão Preto Revisitada | 2016

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JOSÉ ANTONIO LAGES

RIBEIRÃO PRETO REVISITADA

José Antônio Lages é graduado em História, Filosofia e Pedagogia, mestre em História pela UNESP–Franca em 1995 e doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo em 2016. É professor aposentado da Rede Municipal de Ribeirão Preto e, atualmente, é consultor técnico legislativo na Câmara Legislativa do Distrito Federal em Brasília. Foi vereador em Ribeirão Preto entre 2001 e 2004. Publicou em 1996 Ribeirão Preto: da Figueira à Barra do Retiro, originado da sua pesquisa do mestrado, referência obrigatória na reflexão do processo de povoamento do nordeste paulista. Teve participação na Coleção Nossa História, publicada em 2012, com o título Fundadores: a saga de Manoel Fernandes do Nascimento. Como militante da área do patrimônio cultural e histórico, participou dos Conselhos de Cultura e de Preservação do Patrimônio Cultural de Ribeirão Preto.

JOSÉ ANTONIO LAGES

RIBEIRÃO PRETO REVISITADA

“(…) a obra de José Antonio Lages Ribeirão Preto revisitada chega em bom tempo. Em contexto de muitos outros livros, coleções, mídias, vídeos, fotos, sites de relacionamento, dispositivos variados que publicizam a memória local para quaisquer olhos curiosos que tiverem acesso à internet. A trajetória destes 160 anos de história ribeirãopretana está disponível de forma gratuita em inúmeros locais e suportes diferentes, mas nem sempre acessíveis, dado o caráter acadêmico-científico de muitas destas produções. Aí está a primeira diferença de Ribeirão Preto revisitada – mesmo diante da cautela inicial na interpretação das fontes (teoria e método acadêmicos), ainda sim, Lages não se preocupou em produzir linguagem semelhante. A obra deseja aumentar o acesso à memória local a todos os interessados, contribuindo fortemente com tal intento, na medida em que retira dos leitores não iniciados os conceitos e jargões específicos da teoria da história e de questões teórico-metodológicas.” Rafael Cardoso de Mello Historiador

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O Governo do Estado de São Paulo, a Secretaria da Cultura e a Associação Amigos do Memorial de Classe Operária - UGT apresentam:

Ribeirão Preto Revisitada JOSÉ ANTONIO LAGES



JOSÉ ANTONIO LAGES

Ribeirão Preto Revisitada

1ª Edição

Ribeirão Preto Nova Enfim Gráfica e Editora 2016


2016 © José Antonio Lages. Todos os direitos reservados.

Expediente:

Autor: José Antonio Lages Coordenação Editorial: Vinícius Macias de Barros | Simone Kandratavicius Revisão de texto: Alice Gomes Heck Revisão historiográfica: Rafael Cardoso de Mello Imagens: Vinicius Macias de Barros | Arquivo Público e Histórico de Ribeirão Preto Capa e Projeto Gráfico: AMZ | SA Impressão: Nova Enfim Gráfica e Editora

Catalogação na Fonte Lages, José Antônio L174r Ribeirão Preto revisitada / José Antônio Lages. - Ribeirão Preto : Nova Enfim, 2016. 236 p. : il. ; 30 cm.

ISBN 978-85-67681-03-0

1. Ribeirão Preto (município). 2. História. I. Título. CDU: 94(815.6)


Duas ou três coisas que devemos saber acerca de “Ribeirão Preto revisitada”... por Rafael Cardoso de Mello Ler um livro de história pode significar muitas coisas. Segundo o historiador italiano Benedetto Croce, em sua obra “La storia come pensiero e come azione” (1938), a crítica de um texto histórico é fruto de atitude muito próxima àquela vinculada à crítica literária (a poesia, por exemplo). O autor nos convida a pensar que não são as características “semelhantes” destes textos as responsáveis por algumas confusões, e sim o posicionamento daqueles que se ocupam da crítica. Desta forma, o julgamento de texto histórico não deve ser realizado mediante a exatidão do processo de recuperação do passado, nem pelo prazer que o mesmo proporciona. O que define esta crítica é a profunda complexidade da historicidade da obra propriamente dita e como tal espectro nos movimenta. Assim salientou Benedetto Croce na página 9 da citada obra, publicada na sua sétima edição pela Editora Laterza em 1966: “Il giudizio di un libro di storia deve farsi, dunque, unicamente secondo la sua storicità , come di im libro di poesia unicamente secondo la sua poeticità. E la storicità si può definire un atto di comprensione e d’intelligenza, stimolato da un bisogno della vita pratica il quale non può soddisfarsi trapassando in azione se prima i fantasmi e i dubbi e le oscurità contro cut si dibatte, non siano fugati mercé della posizione e risoluzione di un problema teorico, che è quell’atto di pensiero..” Concordando com o historiador italiano, desejei compreender os contornos de “Ribeirão Preto revisitada” a partir desta historicidade-constituinte, movimento que me levou a promover um caminho específico para a crítica. Primeiro, senti necessidade de contextualizar a obra neste continuum de produções (especialmente acadêmicas) acerca da história de Ribeirão Preto; segundo, de contornar as expectativas de leitura em função do vínculo da obra com autor reconhecido na historiografia local, promovendo uma relação entre a biografia de José Antônio Correa Lages e o contexto desta escrita; e por fim, de tecer apontamentos sobre a leitura da obra propriamente dita, em seus objetivos, desejos e execução. Como toda crítica é subjetiva, esta não se esquiva de seu caráter pessoal. Mesmo diante de tais aspectos e critérios pré-definidos, há ainda a necessidade de pontuar que o convite recebido para analisar a obra “Ribeirão Preto revisitada” significou para mim um elogio a minha trajetória e produção acadêmicas, em especial, a minha atuação docente como responsável da disciplina “História de Ribeirão Preto” há mais de quatro anos no Curso de História do Centro Universitário Barão de Mauá, localizado na mesma cidade. Portanto, reconheço de antemão que as minhas boas experiências com textos pretéritos do autor, em diversas atividades como a produção de meus escritos, a utilização dos mesmos em minhas aulas, a orientação de meus alunos produtores de monografias, a compreensão da longa duração mineira na cultura local, foram fundamentais para contribuir com minhas análises sobre esta obra em específico. Assim sendo, inicio minha leitura com a contextualização de “Ribeirão Preto revisitada”. Estamos em 2016 e não seria exagero assumir que a historiografia que tomou a cidade de Ribeirão Preto como objeto de pesquisa ainda é recente. Se identificarmos as pesquisas que se debruçaram sobre a localidade, realizadas em programas de pós-graduação (stricto senso) instalados em Universidades autorizadas para tal, percebemos que ainda na década de 1990 eram poucos os historiadores que se movimentaram nesta direção. De lá pra cá muito mudou, tendo em vista que a década de 2000-2010 já oportunizou muitos mestres e doutores, bancas de avaliação, livros, artigos e demais produções que representaram, cada qual a sua maneira, uma urbe diferente. A obra chega em bom tempo. Em contexto de muitos outros livros, coleções, mídias, vídeos, fotos, sites de relacionamento, dispositivos variados que publicizam a memória local para quaisquer olhos curiosos que tiverem acesso a internet. A trajetória destes 160 anos de história ribeirão-pretana está disponível de forma gratuita em inúmeros locais e suportes diferentes, mas nem sempre acessíveis dado o caráter acadê-


mico-científico de muitas destas produções. Contudo, eis a primeira diferença de “Ribeirão Preto revisitada” – mesmo diante da cautela inicial na interpretação das fontes (teoria e método acadêmicos), ainda sim, Lages não se preocupou em produzir linguagem semelhante. A obra deseja aumentar o acesso à memória local a todos os interessados, contribuindo fortemente com tal intento na medida em que retira dos leitores não iniciados os conceitos e jargões específicos da teoria da história e de questões teórico-metodológicas. Mais ainda, sobrevoa a cidade de Ribeirão Preto com olhos interessados em demandas que emergem do cotidiano e do presente dos sujeitos leitores, tal como o historiador francês Lucien Febvre já nos convidava a fazer no princípio do século XX, como nos lembra José Carlos Reis na sua obra Escola dos Annales: a Inovação em História, editada pela Paz e Terra em 2000. Tornar acessível, não significou o empobrecimento textual, muito pelo contrário. Seguiu as sugestões de outro historiador francês, Marc Bloch, com a máxima: “o historiador precisa falar aos doutos e não doutos”. Atitude coerente com a trajetória de Lages como historiador da localidade nos últimos anos, em virtude de sua aproximação com a internet, movimentos sociais, sites de relacionamento, com o Arquivo Público de Ribeirão Preto, entre outras agremiações. Retomo o fato de que sua dissertação defendida em 1995 e o livro “Ribeirão Preto: da Figueira à Barra do Retiro: povoamento da região por entrantes mineiros na primeira metade do século XIX”, publicado pela VGA Editora e Gráfica em 1996, originado da pesquisa anterior, foram (e para muitos ainda o são) referências obrigatórias na reflexão do processo de povoamento do nordeste paulista, pela caracterização dos chamados entrantes mineiros, pelo contorno dado à interpretação dos documentos gerados pelas disputas judiciais entre as primeiras famílias aqui assentadas, tal como a crítica à doação de terras para a Igreja e a problematização do espírito religioso dos primeiros ribeirão-pretanos. Lages proporcionou, tal como seu objeto de estudo, uma entrada na historiografia local e influenciou uma geração de pesquisadores a fazer o mesmo, trilhando os caminhos que ele mesmo percorreu. Vale lembrar sua participação como historiador entrevistado no documentário “Filhos do café” e um outro livro dentro de uma coletânea de pesquisas sobre a história local, chamada “Coleção Nossa História”, publicada em 2011-12, intitulada “Fundadores: a saga de Manoel Fernandes do Nascimento” (2012). Cabe dizer que a sua escolha pelos temas é reveladora. Se ocupou em historicizar a Ribeirão Preto pouco conhecida pela sociedade ribeirão-pretana (século XIX), relacionando-a com aquela que já foi bastante trabalhada pelos historiadores locais (a petite-Paris do café, 1883-1929) e, por fim, teceu fios de ligação entre aquele passado fáustico até o presente em construção. Destaque positivo por ter se reportado aos primeiros habitantes da região, os indígenas (caracterizando-os como Caiapós) e os relacionar aos bandeirantes, se posicionando de forma crítica ao processo de aprisionamento e escravidão. Retomou o longo processo de ocupação das terras do sertão nordestino paulista e a consequente doação de terras para a formação da cidade, evento este bastante conhecido por intermédio de suas próprias pesquisas. Trouxe diálogos com historiadores e memorialistas contemporâneos e deu novos ares a velhas demandas da historiografia local. No desejo de ampliar a divulgação do conhecimento histórico sobre a urbe, Lages também caiu na tentação que a maioria dos historiadores repete: há uma supervalorização do período cafeeiro em seus capítulos. Não devemos (e nem podemos) caracterizar tal escolha como menor, posto que na verdade ela se ocupa de oportunizar uma leitura honesta de como as pesquisas atuais caminham para representar/ (re)configurar a cidade. Por isso, cerca de dois terços da obra se propõe a historicizar o período que vai da formação da cidade ao fim da “Belle Époque”. Nas páginas finais, o autor dá ênfase maior às questões políticas (muito coerente, dada sua atuação como vereador entre os idos de 2001-2004). Outra característica do trabalho que deve ser pontuada é a quantidade de fontes pesquisadas. São mais de 130 fotografias somadas a mais de 30 tabelas, além de periódicos, artigos, teses e dissertações, todas identificadas e descritas nas referências. Finalizo citando mais uma vez Benedetto Croce, já que duas frases deste autor me vêm à mente: “toda história é contemporânea” e “história é arte”. Acredito que “Ribeirão Preto revisitada” traz fragmentos de uma história sempre a contar, infinita em representações, dada aos desejos e limitações da prática histórica; recupera as últimas décadas da historiografia local, conversa com as demandas do presente e pinta, com novas cores, uma Ribeirão Preto sempre diferente.


Sumário

1

QUANDO A NOSSA REGIÃO ERA UM “SERTÃO DESCONHECIDO” 9

2

E O SERTÃO SE ABRE PARA OS MINEIROS

14

FORMAÇÃO DA COMUNIDADE DE SÃO SEBASTIÃO DO RIBEIRÃO PRETO

23

FREGUESIA E VILA DE SÃO SEBASTIÃO DO RIBEIRÃO PRETO: PRIMEIROS TEMPOS

40

O TRABALHO NA LAVOURA CAFEEIRA: DOS ESCRAVOS AOS IMIGRANTES

62

6

RIBEIRÃO PRETO AO FINAL DO SÉCULO XIX

68

7

RIBEIRÃO PRETO, A CAPITAL DO CAFÉ

86

8

A EXPANSÃO URBANA - “LA PETITE PARIS”

102

9

A “BELLE ÉPOQUE” RIBEIRÃO-PRETANA

132

10

A DÉCADA DE 1920: APOGEU E CRISE

176

11

RIBEIRÃO PRETO NA ERA VARGAS: RECONSTRUÇÕES

193

12

RIBEIRÃO PRETO POPULISTA ENTRE 1945-1964

208

13

RIBEIRÃO PRETO NOS ÚLTIMOS 50 ANOS

219

3 4 5

BIBLIOGRAFIA 225



9

1

QUANDO A NOSSA REGIÃO ERA UM “SERTÃO DESCONHECIDO”

Há mais de duzentos anos, nos mapas da antiga capitania de São Paulo, a nossa região aparecia assinalada como “sertão desconhecido”. Sertão significava, naquele tempo, o interior despovoado, área distante das povoações e das culturas. A palavra se originara de “desertão”, aumentativo de deserto. Todo esse “sertão desconhecido” somente era habitado pelos índios da nação caiapó, chamados pelos colonizadores portugueses de selvagens e bravios. O índio vivia isolado, mas feliz e perfeitamente integrado com a natureza. Até que apareceu o homem branco...

OS ÍNDIOS CAIAPÓS, OS PRIMEIROS HABITANTES DA TERRA

Há muitos e muitos anos, toda essa nossa região onde hoje encontramos Ribeirão Preto, São Simão, Batatais, Sertãozinho, Cajuru era habitada por um povo muito pacífico e feliz - eram os caiapós. Eles constituíam uma tribo indígena que pertencia ao grupo linguístico Jê (chamados de Tapuias pelos tupis do litoral).


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Era um povo feliz porque vivia perfeitamente integrado à natureza. No meio das florestas e dos campos imensos, os caiapós se dispersavam por algumas aldeias de choupanas, feitas de troncos e folhas de árvores, algumas roças com pequenas plantações de milho e mandioca. Homens, mulheres e crianças, constantemente sem nenhuma roupa, dançavam, brincavam e nadavam nos rios e cachoeiras. Viviam da caça e da pesca, colhiam frutas gostosas das árvores nativas como a jabuticaba, o araçá e o maracujá. Os caiapós faziam belos objetos de cerâmica e utensílios para uso próprio. De cerâmica eram feitas também as igaçabas, grandes vasos onde eles colocavam os mortos para serem enterrados. Os caiapós reverenciavam seus mortos. Cada índio tinha seu próprio arco e sua própria flecha, mas as terras e as plantações pertenciam a toda comunidade. Os homens desbravavam o mato e preparavam a terra para a plantação, fabricavam canoas e construíam as choupanas, iam para a guerra e protegiam as mulheres, velhos e crianças. As mulheres é que faziam e cuidavam das roças, fabricavam a farinha, faziam os serviços domésticos e cuidavam dos curumins (crianças). Não iam à escola, pois dela não precisavam, já que aprendiam tudo com a convivência com os mais velhos. Os caiapós conheciam as plantas que serviam de remédio para várias doenças. Conheciam os hábitos dos animais, em que época eles dão cria, de que se alimentam, quando podem ser caçados e de que maneira deviam caçá-los. Tudo isso o índio caiapó aprendeu em muito tempo de estreita convivência com a natureza. Ele sabia que a natureza é a garantia de sua vida. Que o mal que ele fizer a ela, estará fazendo a si mesmo e a seus filhos. Hoje, fica apenas na lembrança a história feliz que tiveram os caiapós da nossa região. Seus últimos remanescentes deviam ainda viver por volta de 1819, não muito longe daqui. É que foram mencionados por um viajante francês chamado Auguste de Saint-Hilaire. Assim, escreveu esse viajante: “... depois dessa área já povoada pelo homem branco, estendem vastas terras selváticas habitadas por hordas de índios caiapós. Nas vizinhanças da Farinha Podre (atual Uberaba), os fazendeiros já travaram relações com esses indígenas. Mas ainda que não façam nenhum mal aos brancos, os índios evitam comunicar-se com eles, pois não esqueceram, sem dúvida, as atrocidades que os homens de nossa raça praticaram contra seus ancestrais” (SAINT-HILAIRE, 1976, 96). Ainda hoje podem ser encontrados em toda a nossa região artefatos de pedra, madeira, osso e cerâmica, confeccionados pelos caiapós, principalmente nas proximidades de Barrinha e nos vales dos rios Tamanduá, Sapucaí, Pardo. Este material pode ser observado em museus de muitas das nossas cidades, como em São Simão e Monte Alto.

OS BANDEIRANTES PASSARAM AQUI POR PERTO, ATRÁS DE ÍNDIOS E DE OURO Todo aquele paraíso de felicidade vivido pelos caiapós começou a ser desbravado e conquistado por homens rudes que vinham de chapéu e algibeira, armados com facões e espingardas, vestindo roupas de couro e com botas até o joelho. Gostavam de ser chamados de “paulistas”, pois a maioria vinha da vila de São Paulo de Piratininga. Mas eram, na verdade, quase todos mamelucos, ou seja, filhos de portugueses com índias carijós. Faziam da violência o seu modo de vida. E ficaram conhecidos nos livros de História como bandeirantes. Chegavam de surpresa, atacavam as aldeias dos índios ou os chamavam à luta aberta nos descampados. Dispondo de muitas armas de fogo e ajudados por outros índios, seus aliados, os bandei-


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rantes aprisionaram milhares de índios caiapós e de outras tribos também. Muitos missionários jesuítas que viviam com os índios nas missões (grandes aldeias organizadas pelos padres, também conhecidas como “reduções”) também foram mortos, principalmente no Rio Grande do Sul, Paraná e Mato Grosso. Os bandeirantes diziam respeitar a Igreja e os padres, mas para eles falava mais alto o interesse pelo lucro. É que os índios aprisionados pelos bandeirantes eram vendidos como escravos para os proprietários de terras que os compravam e os obrigavam a trabalhar nas roças e plantações. E este comércio de seres humanos, que os bandeirantes chamavam de selvagens, lhes dava um bom dinheiro. Este tráfico (= comércio) dos “negros da terra” (= índios) foi intensificado por volta de 1630, quando os holandeses, depois de terem invadido e tomado dos portugueses e espanhóis o Nordeste brasileiro (estávamos no período da União Ibérica, período de domínio da Coroa Espanhola sobre Portugal e suas colônias, entre 1580 e 1630), também se apoderaram dos portos de Angola, também colônia portuguesa da África, grande exportadora de escravos para o Brasil. Assim, os holandeses passaram a controlar o tráfico de escravos africanos no Atlântico e não mais os forneciam para o restante do Brasil que continuava sob domínio da Coroa Espanhola. Por isso os paulistas, sem os escravos vindos da África, passaram a organizar grandes expedições rumo ao sertão, chamadas de bandeiras, para aprisionar e escravizar os índios. Mas, na verdade, toda essa matança teve início muito antes, desde a chegada aqui dos portugueses, com a expedição de Cabral, em 1500. O índio perdeu suas terras, foi escravizado, teve de fugir e sofrer toda sorte de violências para que o Brasil fosse colonizado pelos portugueses. Mais tarde, quando os índios já não interessavam tanto aos bandeirantes, estes passaram a utilizar a sua experiência de sertanistas para descobrir e explorar jazidas de ouro e diamantes no sertão. A ocupação do território brasileiro estava, sem dúvida, orientada pelos interesses do sistema capitalista europeu, baseado naquela época no comércio (necessidade de mercadorias). E agora, o que mais interessava era o ouro, a prata e outros metais e pedras preciosas. Um desses bandeirantes que saíram para o sertão à procura de ouro foi Bartolomeu Bueno da Silva, apelidado pelos índios de Anhanguera, que quer dizer “diabo velho”. O Anhanguera identificou pepitas de ouro na terra dos índios Goiases por volta de 1670, mas a localização exata dessas minas ficou perdida durante muito tempo, pois o bandeirante morreu sem contar seu segredo para ninguém. Um filho desse bandeirante, que tinha o mesmo nome do pai e, que por isso, ficou conhecido como Anhanguera II, voltou ao sertão muitos anos depois e redescobriu aquelas famosas minas. A maioria dos estudiosos que pesquisou este acontecimento afirma que esta expedição data de 1722. Mas tudo indica que o Anhanguera II fez mais de uma viagem à terra dos índios Goiases na década de 1720.

O CAMINHO DOS GOIASES E A CONCESSÃO DE SESMARIAS PELO GOVERNO COLONIAL A expedição do Anhanguera II levou apenas vinte dias para ir a pé e de montaria de São Paulo até o rio Grande, mais ou menos metade do caminho a ser percorrido. A rapidez do percurso, sem nenhum incidente, deixa claro que o trajeto já era bem conhecido, sendo trilhado inicialmente por índios e, depois, por muitas entradas e pela própria bandeira do pai do Anhanguera II. Sem dúvida


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que havia moradores por ali muito antes dessa expedição da década de 1720. A partir da redescoberta do ouro em Goiás, este percurso passou a ser mais transitado e ficou conhecido como “Caminho dos Goiases”. Ele passava por Mogi Mirim, Casa Branca, próximo de Cajuru, Batatais e Franca. Mas passava longe de São Simão e Ribeirão Preto. Observe o mapa a seguir. Apesar de estar inscrito na bandeira de Ribeirão Preto “Bandeirantium Ager” (= Terra de Bandeirantes), nenhum bandeirante pisou o chão do nosso atual (ou mesmo do antigo) município. De qualquer forma, o “Caminho dos Goiases” passou a ser trilhado constantemente por mineradores e tropeiros. Alguns se fixaram em certos pontos do caminho, instalando pequenos sítios e pousos que puderam atender às necessidades de reabastecimento e descanso dos viajantes. A venda de milho era, talvez, o melhor negócio desses moradores. Assim, ao redor do rancho, desenvolvia-se a roça de milho que possibilitava a alimentação das bestas de carga. Mas os moradores desses sítios e pousos ao longo do Caminho dos Goiases não se fixavam ali por muito tempo. A ocupação desses lugares era quase sempre temporária. As roças eram abandonadas, mas sempre aparecia alguém para ocupar o lugar daquele que partia. Por isso, naquele momento (século XVIII), o Caminho dos Goiases não desempenhou papel algum no povoamento do sertão que continuou sendo chamado na época de “sertão desconhecido”. A sua pequenina população ficou restrita, quase sempre, ao leito da estrada e muito poucos se arriscaram a adentrar as terras que ficavam lado a lado. Estes pousos e sítios recebiam o nome do pequeno riacho que ficava ao lado ou, às vezes, o nome do seu proprietário. Observe o mapa que vem a seguir. Ele nos mostra o sertão paulista cortado pelo estreito e poeirento Caminho dos Goiases, com seus pousos e sítios. Note que alguns desses pousos e sítios emprestaram seus nomes, bem mais tarde, a cidades que surgiram próximas. Foi o caso de Casa Branca, Tambaú e Batatais. Outros sobreviveram até hoje como sedes de fazenda ou pequeninos povoados como Lages, Oriçanga, Itupeva, Araraquara e Cubatão (não confundir com as cidades atuais que têm o mesmo nome).

O Caminho dos Goiases, das proximidades de Campinas até o Rio Grande, atravessando a área mesopotâmica entre os rios Pardo e Mogi Guaçu.


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AS SESMARIAS Logo após a expedição do Anhanguera II, o governo paulista tomou a iniciativa de regularizar a posse das terras que ficavam ao longo do Caminho dos Goiases. Assim, uma lei de 19 de maio de 1726 obrigava a todos os moradores daquelas bandas a procurarem os órgãos competentes para requererem o registro de suas posses de terra. Mas, como havia muitas terras sem dono, muitas pessoas entraram com requerimentos de sesmarias, ou seja, de terras concedidas pelo governo. Essas pessoas alegavam, como regra, a necessidade de fazer roças e criar gado, seja para atender às necessidades de viajantes do Caminho, seja para aumentar os dízimos (=impostos) pagos ao rei. Existia por parte da metrópole portuguesa toda uma política oficial de ocupação de terras a partir da concessão de sesmarias pelas autoridades desde o início da colonização. E seja por necessidade de ordem econômica (produzir alimentos, aumentar a arrecadação de impostos), seja por uma questão estratégico-militar (ocupação do território para melhor defendê-lo dos ataques dos índios ou de invasores estrangeiros), as autoridades procuravam estimular a ocupação do interior com a distribuição de sesmarias a quem oferecia condições de ocupá-las com plantações e criações de gado. O primeiro lote de sesmarias ao longo do Caminho dos Goiases foi concedido, ainda em 1726, aos responsáveis mais destacados pelo descobrimento do ouro em Goiás: Bartolomeu Bueno da Silva (o Anhanguera II), João Leite da Silva Ortiz e Bartolomeu Pais de Abreu. Estas sesmarias localizavam-se junto a dez rios, cuja travessia precisava de canoas, e seus proprietários recebiam do rei o “direito de passagem”, ou seja, o direito de cobrar uma taxa sobre indivíduos e animais em trânsito, verdadeiro pedágio, fixado a princípio em $80 (lê-se oitenta réis) por pessoa e $160 (lê-se cento e sessenta réis) por montaria. Este direito de passagem deveria vigorar por três vidas, mais ou menos cem anos. Mas o governo paulista não cumpriu o estabelecido nos contratos. O Caminho dos Goiases constituiu o eixo ao longo do qual foram concedidas 67 sesmarias entre 1726 e 1736. Boa parte dessas sesmarias foi doada para paulistas de Santos e do vale do Paraíba. Uma delas foi concedida em 1733 a um morador de Mogi do Campo (hoje Mogi Guaçu), mas nascido em Pindamonhangaba, chamado João dos Reis de Araújo. Guarde bem o seu nome. Seus descendentes vão aparecer daqui a vários anos em Ribeirão Preto. Existiu um pouso no Caminho dos Goiases chamado “João dos Reis”, certamente dentro de suas terras. No entanto, a maioria desses sesmeiros não quis ou não pôde ir ocupar as suas terras. Outros estiveram nelas por pouco tempo ou mandaram procuradores, geralmente parentes ou amigos. Para não perder direito à sesmaria (o governo poderia retomá-la se ela não fosse ocupada), o sesmeiro, muitas vezes, montava um pequeno curral ou fazia uma pequena roça, dando a entender que a terra estava sendo explorada e deixando grandes áreas abandonadas. Mas a maioria das sesmarias que o governo distribuiu ao longo do Caminho dos Goiases não foi ocupada pelos seus donos. Algumas foram ocupadas por posseiros que ali construíram seus pousos e sítios. Outras, o governo retomou (as chamadas “terras devolutas”, isto é, devolvidas) e as distribuiu mais tarde para outros interessados. A área do sítio urbano de Ribeirão Preto nunca fez parte de sesmaria alguma. Ela será ocupada muito mais tarde por posseiros que por aqui se estabeleceram a partir de 1810. Mas esta é outra história que ainda veremos. Uma das poucas sesmarias que foi efetivamente ocupada pelo seu dono foi a do Cubatão, de Carlos Barboza de Magalhães. Ele trouxe sua família, agregados e escravos, organizou fazendas de criação e plantação. Seus descendentes lançaram raízes naquelas terras onde mais tarde iria surgir a cidade de Cajuru.


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E O SERTÃO SE ABRE PARA OS MINEIROS

Mas, de repente, todo o sertão paulista começou a ser invadido por um pessoal bem diferente. Chegavam com suas famílias, traziam poucos pertences a que chamavam de seu “trem” sobre carros de boi, agregados, escravos, algumas cabeças de gado, bestas de carga. Mas quem eram? Eram mineiros de Minas Gerais, principalmente do sul e do oeste dessa província. Eles não provinham das camadas mais ricas da sociedade, pois estes quase nunca precisam sair de sua terra. Mas, em comparação com os paulistas que se dispersavam pelo Caminho Dos Goiases, esses mineiros eram “homens de certa posse”. Eram mineiros, mas nunca haviam trabalhado em minas de ouro e diamantes. Viviam da pecuária e da agricultura e, apesar disso, tinham um certo comportamento de homens da cidade. Era a necessidade de comprar e vender seus produtos que os levava, com frequência, às vilas de São João del Rei, Mariana, Campanha, Tamanduá (atual Itapecerica), Aiuruoca, na província de Minas Gerais.

O ESGOTAMENTO DAS LAVRAS DE OURO EM MINAS GERAIS Mas quando é que começaram a chegar esses mineiros? Já bem no finalzinho do século XVIII, a partir de 1790, já era possível sentir sua presença percorrendo o Caminho dos Goiases ou descendo pelos rios que têm suas cabeceiras em Minas Gerais, como o Pardo e o Mogi Guaçu. Sua chegada se intensificou como uma verdadeira corrente migratória a partir de 1820 e foi crescendo cada vez mais durante o século XIX, principalmente durante a expansão da lavoura cafeeira em São Paulo. É possível comprovar a quantidade enorme de mineiros chegando a São Paulo pelos recenseamentos da época que apontavam a origem geográfica da população. Em alguns lugares, os mineiros chegavam a constituir mais da metade da população. Aqueles que haviam chegado recentemente à região aparecem nesses documentos sendo chamados de “entrantes mineiros” e de “novos entrantes”, se tivessem chegado mais recentemente. Mas o que levou tantos mineiros a sair de sua terra e ir para o sertão paulista? Durante muito


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tempo, os historiadores acharam que a simples decadência do ouro levou toda a economia da província mineira ao empobrecimento e esta teria provocado a dispersão de seus habitantes. As coisas não aconteceram bem assim. Algumas pesquisas do final do século XX afirmam até o contrário. Vejamos. A falta de ouro e diamantes levou, de fato, muitos mineiros a se dedicar a outras atividades econômicas que já eram praticadas na sua província desde o início da mineração. Assim cresceram ainda mais a criação de gado vacum (bovinos) e de suínos, a produção de queijos, a lavoura de milho, algodão e tabaco e outras atividades artesanais e domésticas, como a produção de panos. Sabemos que em Minas a terra é fértil, mas montanhosa e, por isso, imprópria ou insuficiente para expandir as atividades agropecuárias. Por isso, muitos mineiros saíram de sua província em busca de campos e terras férteis para plantar e criar gado. Assim, o que aconteceu, na verdade, foi um crescimento e uma diversificação da economia que levou muita gente a ocupar novas terras onde estas ainda não tinham donos. Uma expansão econômica acompanhada por uma dispersão populacional.

POSSEIROS E POVOADORES Entre os primeiros posseiros e povoadores que madrugaram em nossa região estava um entrante mineiro, proveniente de São João del Rei, chamado Simão da Silva Teixeira. Ele já aparece citado nos documentos históricos, como no censo de Mogi Guaçu, desde 1810, morando no bairro do Rio Pardo. Assim era chamada, na época, toda a região norte da província de São Paulo, entre os vales dos rios Pardo e Grande. É bastante provável que nessa época, Simão da Silva Teixeira já estivesse na fazenda onde passou boa parte de sua vida no vale do ribeirão do Tamanduá, este riacho de águas cristalinas onde a criançada se diverte bem pertinho de São Simão (a prainha de São Simão) ou sobre o qual passamos na estrada que nos leva de Ribeirão Preto a Serrana. Simão era filho de um português do mesmo nome e casou-se na matriz de Nossa Senhora do Pilar, em São João del Rei, com Catarina Maria da Silva, em 1802. Nunca teve filhos. Além de lavrador, ele era também carapina, isto é, carpinteiro, o que pode ser comprovado pelas várias ferramentas que fizeram parte de seu espólio (=lista de coisas deixadas para herança). Um escravo seu, de nome Joaquim, aprendeu com ele esse ofício. Simão não veio sozinho para o sertão. Com ele, vieram alguns de seus irmãos, como Miguel, José e Caetano. Simão da Silva Teixeira deve ter morrido com mais de cem anos, em 1849. Depois de ficar viúvo, casou-se pela segunda vez com Leandra de Souza Fonseca. Deixou testamento e uma série de lendas e recordações para seus conterrâneos de São Simão.

SÃO SIMÃO TRADIÇÃO EXPLICA O NOME DA CIDADE Segundo uma tradição popular, em uma cavalgada pelas matas e campos de sua extensa fazenda, Simão da Silva Teixeira acabou se perdendo. Então, ele fez uma promessa: se pudesse encontrar o caminho de volta, ele retornaria para Minas e traria de lá,


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sobre seus ombros, uma imagem de São Simão, santo de sua devoção, e construiria para ele uma capela com grande patrimônio de terras. Depois de muito custo, Simão achou o caminho de volta e cumpriu a promessa. Trouxe um São Simão de Minas, acompanhado de uma grande multidão de entrantes mineiros que se espalharam por várias posses no vale do ribeirão do Tamanduá. Construiu uma capela e doou ao santo mil alqueires de terra, reservando para si apenas duzentos que, depois de sua morte, também couberam ao santo. Assim, nasceu a cidade de São Simão. Segundo a tradição, a tosca imagem de São Simão que se conserva ainda hoje no pequeno museu da igreja é a mesma trazida de Minas por Simão da Silva Teixeira. Ao lado dela, um crânio que os mais velhos dizem ser do fundador. É que, para construir a igreja atual, foram exumados os restos mortais dos mais antigos moradores, mas alguns paroquianos quiseram conservar o crânio do primeiro simonense ilustre.

OS REIS DE ARAÚJO TAMBÉM SE FIXAM NO VALE DO TAMANDUÁ Mas nem só de entrantes mineiros povoou-se o vale do Tamanduá. Outra família muito antiga de paulistas acabou se fixando ali também e fundou uma fazenda chamada “Figueira”. Quem eram eles? Bisnetos de outro paulista que ganhou do governo uma sesmaria no Caminho dos Goiases, João dos Reis de Araújo, em 1733! Dele já falamos, estão lembrados? Pois é: eram seis irmãos, três homens e três mulheres - Vicente, Mateus, Manoel, Ana Rosa, Bárbara e Antônia. Eram filhos de Manoel José dos Reis de Araújo, nascido em Jacuí (Minas Gerais) e de Maria Madalena de Jesus (da família Alves da Silva), nascida em Congonhas do Campo (Minas Gerais). Seus parentes por parte de pai e por parte de mãe sempre viveram em sítios e pousos ao longo do Caminho dos Goiases. Os Reis de Araújo e os Alves da Silva eram muito conhecidos em toda essa região no século XVIII e início do século XIX. Por volta de 1808, os filhos mais velhos de Maria Madalena, então moradora na freguesia de Franca - Vicente e Mateus - se dirigiram para os sertões de São Simão com a intenção de se apossarem de terras sem donos. Assim, eles tomaram para si uma porção de terras, campos e matos, a que deram o nome de “Fazenda da Figueira”. Mas não se fixaram ali de imediato. Eles iam todo ano plantar roças e retificar as posses para evitar que algum intruso se metesse nas ditas terras. Eles fizeram isso durante anos, sem interrupção, até que, por volta de 1824, toda a família se mudou para a referida fazenda. Um documento de divisão judicial de terras, encontrado no cartório de Casa Branca, nos informa que, ainda em vida, Maria Madalena fez doação da fazenda aos seis filhos, em partes iguais. Esta fazenda, no vale do ribeirão Tamanduá, foi, sem dúvida, o ponto de partida da população que, mais tarde ocupou a área correspondente aos municípios de Ribeirão Preto, Serrana, São Simão, Cravinhos e Serra Azul. Muito provavelmente, nenhum dos irmãos da família Reis de Araújo residiu por muito tempo na Figueira. Eles sempre estiveram muito ligados a Batatais, do outro lado do rio Pardo, onde possuíam residência, terras e negócios. Mateus, por exemplo, foi militar das tropas de milícia, chegando


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a alferes e, depois, a capitão. Ele possuía outra fazenda chamada Mata do Rio Pardo. Todos eles se casaram e batizaram seus filhos na matriz do Bom Jesus da Cana Verde, em Batatais. Quem ficou na Figueira o resto da vida foi Maria Madalena. Ali ela faleceu em novembro de 1838.

LUTA PELA TERRA

Capa do processo judicial da família Dias Campos contra a família Reis (de Araújo) que tramitou nas comarcas de Mogi Guaçu e Casa Branca entre 1834 e 1846. Fonte: APHRP.

Primeira página do processo judicial da família Dias Campos contra a família Reis (de Araújo), verdadeira certidão de nascimento de Ribeirão Preto. Fonte: APHRP.

Por volta de 1834, o capitão Mateus José dos Reis e seu irmão Vicente José dos Reis decidiram ocupar uma grande área de terras sem donos que ficava a oeste da Fazenda da Figueira. Levaram com eles parentes, agregados e escravos, abriram estradas, construíram porteiras, fizeram plantações e currais de gado. Mas, de repente, tiveram enorme surpresa! Outros já estavam por ali com as mesmas pretensões! Quem eles eram? Filhos e genros de José Dias Campos e sua mulher Maria Ignácia de Jesus, entrantes mineiros que chegaram por volta de 1807 à região de Batatais, onde formaram a Fazenda Velha. As duas famílias entraram em uma disputa judicial por aquele enorme latifúndio que os Dias Campos chamavam “Fazenda do Rio Pardo”. Esta disputa deu origem a uma ação de “força e esbulho de terras” que se arrastou por quatorze anos na Justiça Municipal de Mogi Mirim, transferida depois para a de Casa Branca.


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O mais interessante é que este mundão de terras corresponde exatamente ao que é hoje o sítio urbano de Ribeirão Preto, onde estão as ruas, as praças, escolas, igrejas, indústrias, usinas, fazendas e sítios próximos. Os documentos anexados ao processo deixam perceber claramente a localização exata do terreno. Assim vai nascer Ribeirão Preto: sob o signo da disputa e da luta pela terra. Ambos os lados trataram de se armar com documentos e testemunhas, verdadeiros ou falsos, para provar ao juiz que eles estavam há mais tempo no lugar. Mas os Reis de Araújo, já fixados há mais tempo na fazenda ao lado, da Figueira, lançaram uma estratégia espetacular: independente do curso do processo judicial, abriram dentro da área outras várias fazendas, trouxeram mais agregados e moradores e começaram a vender partes para terceiros. Era agora impossível sua retirada. Dentro de poucos anos, todas aquelas terras já estavam nas mãos de outras pessoas através dos mais diversos artifícios: venda, troca, doações, transmissões de herança, etc. Uma enorme quantidade de pessoas, muitas aparentadas com os Reis de Araújo e com os Bezerra dos Reis, tornaram-se condôminos de várias fazendas que foram abertas. O juiz de Casa Branca somente deu por encerrado o processo em 1846, quando foi feito um acordo entre as partes com base no preço simbólico de 4.000$000 (quatro contos de réis) que os Reis de Araújo pagaram aos Dias Campos. Mas, um desses, Antônio Dias Campos, continuou contestando este acordo e reivindicando seus direitos sobre uma pequena área ainda por muito tempo, mas sem sucesso.


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AS PRIMEIRAS FAZENDAS Foi assim que os irmãos Reis de Araújo ampliaram seus domínios territoriais. Além da Figueira adquiriram na lei e na marra a vasta área cortada pelo córrego das Palmeiras e pelo ribeirão Preto e seus afluentes Retiro e Laureano. Mas é importante saber que eles nunca chegaram a residir nessas terras. Eram absenteístas. Fizeram negócios com elas, ganharam dinheiro, deixaram-nas para suas mulheres e herdeiros. E nunca sonharam que, dentro delas, iria surgir, dentro de algum tempo, uma grande e bela cidade. Manoel, Mateus e Vicente, para firmar seu domínio, tiveram de dividir a fazenda original, ocupá-las com parentes, agregados e escravos, além de transmiti-las para seus herdeiros e outros compradores. A antiga Fazenda do Rio Pardo, disputada com os Dias Campos, ficou assim dividida1: FAZENDAS

EXTENSÃO

PONTINHA OU RIBEIRÃO PRETO ABAIXO

4.050 alqueires

LAUREANO OU BRAÇO DIREITO DO RIBEIRÃO PRETO

2.067 alqueires

PALMEIRAS

RETIRO

BARRA DO RETIRO(*)

2.250 alqueires

4.632 alqueires

263 Alqueires

VALOR

BAIRROS ATUAIS DE RIBEIRÃO PRETO

7.200$000

Campos Elíseos Ipiranga Jandaia Marincek Tanquinho Simioni Avelino Palma Quintino II e adjacências

600$000

-

8.000$000

-

Vila Tibério Monte Alegre Jd. Recreio

Palmeiras Aeroporto Salgado Filho Quintino I

Vila Virgínia Parque Ribeirão Sumaré Santa Cruz e adjacências

Área central Higienópolis Vila Seixas Jd. Paulista

PRIMEIROS PROPRIETÁRIOS

Mateus José dos Reis (1/2)

Vicente José dos Reis (1/2)

PROPRIETÁRIOS SEGUINTES José Mateus João Mateus Francelina Ananias José Mateus Maria Silvéria da Anunciação e seus filhos: Manuel Mateus Claudina

idem

idem

. Mateus José dos Reis

.José Mateus .João Mateus .Francelina .Ananias José .Mateus

Vicente Manoel dos Reis (1/2)

Manoel José dos Reis (1/2)

Vicente José dos Reis

Maria Silvéria da Anunciação e seus filhos: Manoel Mateus Claudina Maria Felizarda e suas filhas: Ana Teodora Maria Silvéria da Anunciação e seus filhos: Manoel Mateus Claudina

(*) Dentro de sua área foi formado o patrimônio eclesiástico de São Sebastião onde foi construída a capela, em torno da qual teve origem o arraial, depois vila e cidade de Ribeirão Preto. 1 Esses dados foram retirados dos seguintes inventários: Prudência Maria de Jesus, mulher do Capitão Mateus José dos Reis (Batatais, 1835), Manoel José dos Reis (Mogi Mirim, 1839), Vicente José dos Reis (Mogi Mirim, 1839).


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ANTIGA FAZENDA DAS PALMEIRAS, A CÉLULA-MATER DE RIBEIRÃO PRETO No “libelo cível de força e esbulho de terras” entre os Dias Campos e os Reis de Araújo, nós podemos encontrar as informações mais remotas do que seria mais tarde a Fazenda das Palmeiras, integrante do grande latifúndio chamado pelos litigantes de Fazenda do Rio Pardo. Wanderley dos Santos (ex-diretor do Arquivo Histórico de Franca, já falecido) sugere que a ocupação da área das Palmeiras por José Dias Campos e seus filhos venha desde 1811 como uma extensão de terras aquém do Rio Pardo a partir das que já ocupavam na região de Batatais. Eles confirmaram aquela posse em 1816, procurando estabelecer benfeitorias, porém, ao que parece, não o suficiente para impedir invasões de intrusos, como os Reis de Araújo, a partir de sua ocupação muito próxima e também muita antiga na Fazenda Figueira. Assim é que, na versão da família Reis, entre 1816 e 1822, parte das terras ribeirinhas do córrego das Palmeiras foram ocupadas por Manoel Francisco da Silva, casado com Senhorinha Maria de Jesus, e Antônio Custódio, casado com Maria Teodora, que se estabeleceram em uma posse de matos e campos de cultura no ribeirão da Piedade, vertente do Rio Pardo. Este ribeirão da Piedade será chamado de ribeirão do Campo pelos Dias Campos e, posteriormente, batizado definitivamente de ribeirão das Palmeiras pela família Reis. O mesmo documento informa que aquelas terras confrontavam pela nascente com José Dias Campos, reconhecendo assim a presença desta família no restante da antiga fazenda Rio Pardo. Defrontavam, subindo o espigão, com o alferes Matheus José dos Reis e, da parte direita, com Francisco de Faria. Esta confrontação com Matheus dos Reis sugere, já naquele tempo, a existência de uma demarcação possível das Palmeiras com uma outra área distinta, de propriedade do mesmo Matheus, muito possivelmente ainda uma extensão da Fazenda Figueira. E este Francisco de Faria é o mesmo que possuía serviços no lugar chamado Lagoa ou Lagoinha ou Furquilha, serviços que foram comprados pelos Reis que passaram a denominar aquela fazenda de Ribeirão Preto ou Pontinha, conforme declararam no referido processo judicial. Seguindo a argumentação favorável aos Reis, Manoel Francisco de Faria e Antônio Custódio efetuaram a venda dessas terras para José Severino, o qual vendeu as mesmas por volta de 1822, para os irmãos Vicente e Matheus dos Reis. Mas uma análise mais profunda do documento sugere que, mesmo tendo as adquirido antes, somente a partir de 1832 irão tentar se estabelecer nelas. Daí, os conflitos com a família Dias Campos, proveniente também de Batatais. Por escritura particular datada de 08/01/1833, Matheus José dos Reis e sua mulher Prudência Maria de Jesus, senhores de três partes de terras no “lugar denominado Palmeiras”, efetuaram a doação de uma parte ao seu irmão e cunhado Manoel José dos Reis. Esta escritura foi encontrada por Roberto Vasconcelos Martins no Cartório do 1º Ofício de São Simão, maço nº 16, Autos da Divisão da Fazenda da Cachoeirinha, apenso 53 (no qual foi anexado evidentemente por equívoco). É a primeira vez que aparece citada em um documento uma referência à Fazenda das Palmeiras e, por analogia, também ao córrego do mesmo nome. Vê-se, portanto, que a Palmeiras é a mais antiga, dentre as fazendas em que se desmembrou a antiga e grande fazenda Rio Pardo. No inventário, já mencionado da mulher do Capitão Matheus José dos Reis, em 1838, esta fazenda aparece como sua, mas em litígio com Hilário Dias Campos. Em 1845, o Capitão Matheus já falecera e seus filhos herdaram as terras das Palmeiras. Um deles, José Matheus dos Reis, foi quem fez a primeira tentativa de doação de uma gleba nas terras desta fazenda para a formação do patri-


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mônio eclesiástico de São Sebastião. A Fazenda das Palmeiras se estendia até as barrancas do Rio Pardo, limitando-se, a leste com a Fazenda da Figueira, ao sul, com a da Pontinha e a do Retiro; e ao oeste, com a mesma Pontinha. Vicente José dos Reis, irmão e sócio do Capitão Matheus, faleceu em 02/01/1839 em Batatais, sendo inventariado a partir de 16/11/1839 na Fazenda Figueira. Nos bens de raiz do inventário, nada constou sobre as terras nas Palmeiras, tendo em vista que Vicente José dos Reis, antes de falecer, entre 1833 e 1838, efetuara a venda das mesmas ou parte delas para Vicente José Ferreira e sua mulher Ana Jacinta Machado. Assim é que, segundo Osmani Emboada da Costa (1955, 19, n. 5), eram condôminos na Fazenda das Palmeiras em 1852 os seguintes moradores: 1. Ana Jacinta, viúva de Vicente Alves da Silva (ou Vicente José Ferreira) e seus filhos ainda menores: 2. Luís; 3. Francisco; 4. Antônio; 5. Jerônimo; 6. João; 7. Manuel. 8. Matheus José dos Reis (filho de José Matheus dos Reis e Honorina Maria Joana, portanto, neto do Capitão Matheus José dos Reis) e sua mulher; 9. Maria Silveria Gomes Ferreira; 10. Miguel Bezerra dos Reis e sua mulher, 11. Francelina Maria Teodora, filha do Capitão Matheus José dos Reis; 12. Antônio Bezerra Cavalcanti e sua mulher; 13. Bárbara Maria Gertrudes, irmã do Capitão Matheus José dos Reis; 14. Mariano Pedroso de Almeida (havia comprado sua parte de José Alves da Silva que, por sua vez, comprara de Manoel José dos Reis – pesquisa de Roberto Vasconcelos Martins) e sua mulher; 15. Maria Lourenço do Nascimento; 16. João Alves da Silva Primo e sua mulher, e 17. Ana Delfina Bezerra, filha de Antônio Bezerra Cavalcanti e Bárbara Maria Gertrudes (Reis de Araújo).


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Nos registros paroquiais de terras da freguesia de São Simão, datados de 1856 e pesquisados por Roberto Vasconcelos Martins, vamos encontrar os seguintes condôminos na Fazenda das Palmeiras: Condôminos em 1856

Antecessor

Antônio José Teixeira Júnior

Por doação de sua sogra, Maria Silvéria da Anunciação, viúva de Vicente José dos Reis

Ana Jacinta Machado (ou do Nascimento)

Por herança de seu finado esposo, Vicente Alves da Silva (ou Alves Ferreira)

Mariano Pedroso de Almeida

Por compra a Antônio Joaquim de Oliveira, Antônio Joaquim da Cunha e Antônio de Souza Martins

Maria das Dores de Jesus

Por herança de seu finado marido

Bárbara Maria Gertrudes

Por herança de seu finado marido, Antônio Bezerra Cavalcanti

Fernando de Souza Viana

Por herança de seu finado sogro, Vicente Alves da Silva (ou Alves Ferreira)

José Matheus dos Reis

Por herança de seus finados pais, Capitão Matheus e Prudência

Matheus José dos Reis

Por herança de seus finados pais, Capitão Matheus e Prudência

Antônio da Silva e Souza

-

João Alves da Silva Primo

Por compra a José Alves da Silva e Manoel Ferreira da Silva

Luís Borges de Aquino

Por compra a Manoel Ferreira da Silva e por herança de seu finado sogro Vicente Alves da Silva (ou Alves Ferreira)

Joaquim Bernardes

Por compra a Antônio Jacinto da Silva


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Sabemos que a religiosidade era intensa nas populações isoladas do interior. A visão de mundo desses homens perdidos nas grandes distâncias do sertão tinha em Deus e na salvação de suas almas um referencial para suas vidas. Por isso, quase toda residência possuía um oratório e quase toda fazenda tinha sua pequena ermida. Bastava a população aumentar e se adensar em uma determinada área que os líderes do povo tomavam a iniciativa de construir uma capela comunitária.

SOCIABILIDADES E TROCAS COMO BASES DA ORGANIZAÇÃO SOCIAL No caso das fazendas que acabamos de estudar, a situação tornava-se mais difícil devido à grande distância em relação às sedes das freguesias (paróquias) mais próximas: São Simão e Batatais. Por isso, desde cedo, aquela numerosa população de posseiros e povoadores desejava construir uma capela onde o padre pudesse oficiar os sacramentos com maior dignidade. A primeira tentativa nesse sentido foi feita em 1845 por José Mateus dos Reis, filho do capitão Mateus José dos Reis. Ele fez uma doação à Igreja de um pedaço de terra no valor de 40$000 na Fazenda das Palmeiras, localizada atualmente no nosso bucólico bairro do mesmo nome, na zona norte da cidade, não muito longe do Rio Pardo, para a construção e manutenção de uma capela dedicada a São Sebastião. Naquela época, a Igreja Católica impunha condições rigorosas para aceitar este tipo de doação e permitir a construção de uma capela. Mas foi em vão a tentativa de José Mateus dos Reis. Ele não conseguiu preencher as exigências da Igreja, não conseguiu provar a “posse mansa e pacífica” do terreno, porque corria ainda na Justiça de Casa Branca o processo judicial de “força e esbulho de terras” que os Dias Campos moviam contra os Reis de Araújo e aquela era, portanto, uma área litigiosa. Por outro lado, o valor do terreno doado não alcançava o valor de 120$000 (cento e vinte mil réis), que era o mínimo aceito pela Igreja.


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Até 1852, outros condôminos da fazenda das Palmeiras continuaram doando pequenos quinhões de suas terras para a formação de um patrimônio que viabilizasse a construção de uma capela, mas foi tudo em vão. A Igreja não aceitava porque ainda pairavam dúvidas acerca da legítima propriedade de toda a fazenda. Independente da autorização da Igreja, o povo das Palmeiras construiu a sua capelinha, onde o padre de São Simão vinha, de vez em quando, rezar missa e fazer batizados e casamentos. Já em 1857, o Pe. Manoel Euzébio de Azevedo tinha sua residência na fazenda das Palmeiras onde tinha sua propriedade e era recenseado como eleitor.

MAS OS FAZENDEIROS QUEREM LEGALIZAR SUAS POSSES Naquela época, uma forma estratégica de legalizar as posses de terras era exatamente doar um pequeno patrimônio para a construção de uma capela. Esta doação era recebida oficialmente pela Igreja e ficava registrada nos livros paroquiais. Isso acabava legalizando toda a propriedade da fazenda. O primeiro a perceber isso foi José Mateus dos Reis, mas sua tentativa não deu certo, como já vimos. Depois, outros posseiros das fazendas das Palmeiras, da Figueira e do Esgoto tentaram o mesmo, mas sem sucesso. Enquanto isso, outro grupo de posseiros da fazenda do Retiro, dispondo de maiores recursos e mais influência junto à Igreja, iniciaram um movimento com os mesmos objetivos: formar um patrimônio em terras e construir uma capela para São Sebastião. Eram eles: DOADORES DE TERRENOS PARA O PATRIMÔNIO DA IGREJA

EXTENSÃO

DATA DA DOAÇÃO

João Alves da Silva Primo e sua mulher Ana Delfina Bezerra

30 alqueires

19.12.1852

Severiano João da Silva e sua mulher Gertrudes Maria Teodora

12 alqueires

16.03.1853

José Borges da Costa e sua mulher Maria Felizarda

9 alqueires

20.03.1853

Ignácio Bruno da Costa e sua mulher Maria Izidora de Jesus

9 alqueires

19.04.1853

Mariano Pedroso de Almeida e sua mulher Maria Lourenço do Nascimento

2 alqueires

22.04.1853

José Alves da Silva e sua mulher Pulcina Maria de Jesus

2 alqueires

1856

MAS QUEM FORAM OS “FUNDADORES” DE RIBEIRÃO PRETO? João Alves da Silva que aparece ainda com o sobrenome “Primo” para diferenciar de outros parentes com o mesmo nome nasceu por volta de 1828. Era filho de Vicente Alves da Silva e Ana Jacinta, posseiros da região das Palmeiras. Seu pai era irmão de Maria Madalena de Jesus, mãe dos irmãos Reis de Araújo que foram os primeiros posseiros da área de Ribeirão Preto. Ana Delfina Bezerra foi sua segunda esposa (desconhece-se o nome da primeira), nascida em 1820, era filha de Antônio Bezerra Cavalcanti e sua


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mulher Bárbara Maria Gertrudes (também Reis de Araújo). A doação desse casal, a maior dentre todas, estava, como tudo indica, integrada às anteriores da Fazenda das Palmeiras, mas acabou sendo aceita em conjunto com outras da fazenda do Retiro. Severiano João da Silva tem sua procedência ainda desconhecida. Existe certa confusão com seu nome nos documentos oficiais: ora Severino, ora Severiano; ora João, ora Joaquim. Sabe-se da existência de um filho seu: Tobias Severino (ou Severiano) da Silva, nascido por volta de 1852 e casado com Maria do Rosário de Nazareth, filha de Manoel de Nazareth de Azevedo e Maria Purcina de Jesus. Tobias foi delegado de polícia, farmacêutico e grande comerciante em Sertãozinho e Pontal. Para se ver como esta empreitada da fundação era obra de uma extensa família, esta Maria Purcina de Jesus, sogra de Tobias, era filha de José Borges da Costa. Foi também Tobias quem vendeu parte de suas terras na Fazenda do Retiro para José Teodoro Jacques que construiu ali o núcleo inicial do bairro Santa Cruz. José Borges da Costa, entrante mineiro que por aqui já estava desde 1827, teve sua vida intimamente ligada aos primórdios de Ribeirão Preto. Falaremos mais sobre ele. Sua segunda esposa foi Maria Felizarda, viúva de Manoel José dos Reis (Araújo), já nosso conhecido, um dos posseiros que madrugaram nestas terras. Inácio Bruno da Costa nasceu em Itajubá (MG) por volta de 1819, filho de Antônio da Costa Moreira e Ana da Costa de Jesus. Casou-se pela primeira vez com Maria Izidora de Jesus e, depois, com Ana Silvéria Nogueira, viúva de João Martins Borralho. Foi grande cafeicultor e faleceu em 04/10/1890. Seus pais também foram sepultados em Ribeirão Preto. Mariano Pedroso de Almeida era filho de José Pedroso de Almeida e Ana Maria, ainda estava vivo em 1878 na Vila do Ribeirão Preto, então com 70 anos de idade. Nesta data, ele foi listado como eleitor. Este é um dos fundadores de Ribeirão Preto de raízes mais antigas na região. Seu pai recebeu carta de sesmaria em 1811 na paragem de Araraquara (próxima de Cajuru, no caminho dos Goiases). Justificaram para isso que sua família já ocupava aquelas terras há mais de 150 anos! José Alves da Silva, batizado em 26/04/1823 e falecido em 26/04/1877. Fez uma primeira doação de terras para a construção da capela nas Palmeiras. Não sendo aceita, fez uma segunda, no Retiro que, então, foi aceita juntamente com as demais. Deixou larga descendência em Ribeirão Preto e região. Podemos considerar estes dez cidadãos como os verdadeiros fundadores de Ribeirão Preto. Sem o seu gesto, a cidade hoje não existiria, ou pelo menos, não no lugar e da forma como ela foi organizada desde seus primórdios. Eles, na verdade, usaram de uma estratégia mais eficiente que os posseiros da fazenda das Palmeiras: aproveitaram que um dos condôminos da fazenda do Retiro, Antônio José Teixeira Júnior, havia requerido na justiça a sua divisão, descontente como estava com as pretensões de outros em constituir uma capela dentro da área que julgava ser sua. E, assim, com a divisão judicial, além de poderem legalizar suas propriedades, separaram um terreno de 62 alqueires, entre os ribeirões Preto e Retiro, para o patrimônio eclesiástico onde seria construída a capela de São Sebastião. A genealogia dessas seis famílias com seus descendentes até o final do século XIX foi estudada por Lages em seus livros Ribeirão Preto: da Figueira à Barra do Retiro (2010) e Fundadores: a saga de Manoel Fernandes do Nascimento (2012).


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POR QUE A NECESSIDADE DE UMA POVOAÇÃO? A tradição oral nos diz também que houve intensa disputa entre os moradores das Palmeiras e os do Retiro pelo direito de sediar o patrimônio e a capela que teriam finalmente o reconhecimento da Igreja. Mas não existem documentos escritos que falam dessa disputa. Muitos que desejavam a construção da capela pretendiam também iniciar logo uma povoação em torno dela. Eis o que diz Manoel de Nazareth de Azevedo, líder do povo nas Palmeiras, ao escrever para o vigário de São Simão, Pe. Jeremias José Nogueira, em 1852: “E o ponto destinado para a capela tem proporções para nele se criar uma povoação, pois tem boa aguada, é alto e arejado, tem muito campo e muitas matas de cultura”. A escolha do lugar onde seria construída a capela e o centro da comunidade, já planejada e desejada, é um importante ato econômico, pois determinava, pela distância, o custo do transporte para cada fazendeiro até a povoação. Alguns cidadãos que participavam daquele movimento pretendiam também instalar-se na povoação como negociantes. Foi o caso, sem dúvida, de Antônio Soares de Castilho que não fez doação alguma para São Sebastião, mas foi um dos mais entusiasmados do movimento. Ele e seu irmão Manoel acabaram virando, mais tarde, prósperos comerciantes em Ribeirão Preto. Podemos dizer que ele era um homem de visão! Foi um dos que mais cedo e melhor percebeu como uma povoação poderia facilitar seus interesses e os de centenas de lavradores e criadores no que se refere às necessidades de troca e relações sociais. Mesmo depois, quando o grupo de posseiros da fazenda do Retiro acabou conseguindo trazer para juntos deles o patrimônio do santo, que será finalmente reconhecido pela Igreja, era muito clara a sua intenção de construir, ou melhor, organizar e ampliar uma povoação. Intenção da parte dos posseiros, reconhecida e aceita por parte das autoridades. Isso fica muito claro em um despacho do juiz Rodrigues Mendes, datado de 15 de julho de 1856, quando este recomenda ao fabriqueiro que, além de zelar pelo terreno do padroeiro, observasse também as leis urbanísticas em vigor, no levantamento dos edifícios do novo povoado. A quem interessasse obter um local para moradia ou para trabalho era concedida uma pequena porção da terra doada, ou seja, um lote, pelo sistema de aforamento. “Obrigava-se o beneficiário a um módico pagamento anual para custeio das despesas do templo, quantia anual fixa e predeterminada: o foro” (MARQUES, 1991, 26).

O PROBLEMA DA “FUNDAÇÃO” DA CIDADE O dia 19 de junho é comemorado como aniversário da fundação de Ribeirão Preto porque nesse dia, no ano de 1856, o juiz Rodrigues Mendes despachou favoravelmente ao pedido de demarcação das terras do patrimônio, feito pelo fabriqueiro da época, Manoel de Nazareth Azevedo. Essa data foi oficializada pela Lei Municipal nº 386 de 24 de dezembro de 1954, dois anos antes da comemoração do 1º Centenário da cidade, com base no famoso trabalho de pesquisa de Osmani Emboaba da Costa (História da Fundação de Ribeirão Preto) aprovada por uma banca de professores da USP. Mas a questão da “fundação” de Ribeirão Preto continua a levantar controvérsias até recentemente. Plínio Travassos dos Santos, por exemplo, afirma: “A rigor, pode-se considerar a fundação de Ribeirão Preto como tendo sido feita em 1863, data da escolha definitiva do local, feita pelo Pe. Manoel Eusébio de Azevedo para a edificação da capela que serviu posteriormente de primeira matriz, parecendo ser mero engano


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o “assentamento” do livro do Tombo da antiga matriz (conservado até hoje na catedral) quando diz que a ‘actual povoação teve início em 1853’.” (SANTOS, s/d; 27, nota 3).

O grande problema em toda essa discussão é o significado da palavra “fundação”. Muitas comunidades urbanas do Brasil marcam sua fundação a partir de um ato jurídico e/ou administrativo que deu forma institucional à mesma comunidade: instituição da freguesia, da vila, da cidade, etc. Outras a comemoram com base no ato voluntário de alguns, chamados de “fundadores”, que doaram parte de suas propriedades para a formação de um patrimônio eclesiástico, onde foi construída uma capela, esta sim origem de muitas cidades brasileiras. Existem, portanto, várias possibilidades. O caso de Ribeirão Preto é, de certa forma, diferente da grande maioria de nossas cidades, pois, pelo menos assim entenderam o historiador Osmani Emboaba da Costa e a Câmara Municipal de 1956. Agora, a nossa posição. Acreditamos que, como a grande maioria das nossas cidades brasileiras, Ribeirão Preto teve “formação espontânea”. Ao arrepio de atos jurídicos e administrativos, e mesmo independente da vontade de alguns que queriam ver surgir aqui uma povoação, esta se fez natural e espontaneamente, muito antes da construção da antiga capela da Praça XV (o que teve início somente em 1863). Portanto, não cabe falar em “fundação”. Mas a documentação histórica pode muito bem refletir aquela formação espontânea. Na lista de qualificação eleitoral da freguesia de São Simão de 1857, que pode ser encontrada no Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP), exatamente o seu 22º quarteirão é chamado de “Arraial de São Sebastião”. É isso mesmo: em 1857, já existia o arraial. Portanto, se entendermos por “fundação” o momento de origem de um aglomerado humano, que viria mais tarde a ser reconhecido pelas autoridades como uma comunidade política, deve ser recuada no tempo.

UMA POLÊMICA FINALMENTE RESOLVIDA2

Rua Duque de Caxias vista a partir da esquina com Tibiriçá. Na direita, Praça XV de Novembro e fundos da Igreja Matriz. À direita, no fundo, vista do telhado do Teatro Carlos Gomes.

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Artigo inserido como anexo no livro Ribeirão Preto da Figueira à Barra do Retiro, 2010, 2ª edição, pp. 303-306.


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Bastante oportuno foi o lançamento do livro História da História da Fundação de Ribeirão Preto do arquiteto Ricardo Barros, nas comemorações do Sesquicentenário em 2006. Seu maior mérito, sem dúvida, é o formidável resgate que faz da “construção ideológica” de cinquenta anos atrás de como teria sido a fundação da cidade. Talvez esse não fosse o objetivo principal do autor, mas tenho certeza que foi assim que a boa crítica recepcionou a sua obra. Fazendo jus ao título do livro, Barros organiza um levantamento minucioso de documentos particulares e oficiais da década de 1950, em torno da polêmica data de fundação da cidade. Esmiúça os argumentos contrários de Osmani Emboaba da Costa, para quem a fundação aconteceu em 1856, e Plínio Travassos dos Santos, para quem a mesma ocorreu em 1863. Faz uma análise profunda mostrando limitações, insuficiências e sutilezas desses historiadores do passado. Não desconsidera os interesses do poder estabelecido cortejando a ciência (no caso, a História) na edificação da nossa cidadania. Vão aqui alguns retoques e contribuições ao debate, acreditando mesmo, de antemão, que a tese de Barros, utilizando os argumentos de Plínio Travassos dos Santos, vem esclarecer de vez a questão. Há cinquenta anos faltavam documentos preciosos para os nossos pesquisadores. Documentos que somente décadas depois vieram à luz. Quero citar, como exemplo, pois tem relação direta com nosso debate, o “Libelo Cível de força e esbulho de terras” dos Dias Campos contra os Reis de Araújo (1834-1846) sobre as origens das terras sobre as quais hoje se assenta a malha urbana de Ribeirão Preto, e a “Ação de Desforço” de Manoel Fernandes do Nascimento e Luiz Antônio de Oliveira com suas mulheres contra Antônio José Teixeira Júnior e sua mulher (1853), pedra angular de Ricardo Barros para comprovar a existência do arraial da Barra do Retiro desde 1853. Sem dúvida, concordamos com Barros: o livro de tombo da antiga matriz tinha toda a razão – a povoação teve início em 1853.

Plínio Travassos dos Santos (*Cravinhos 07/03/1886 + Ribeirão Preto 12/12/1966), um dos mais importantes pesquisadores da História de Ribeirão Preto.

Mas o que significa “fundação” de uma cidade? As cidades nascem de uma intenção calculada? Ou elas são fruto de geração espontânea? É consequência de um ato político, administrativo, judicial? Ou prevalecem apenas os interesses privados? Acredito que no caso de Ribeirão Preto tudo isso esteve presente, mas concordo com Barros que os legisladores de 1954 deveriam ter aproximado o máximo possível a sua decisão legal da verdade histórica. Optaram, com exclusividade, por outro ato


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oficial, judicial, de cem anos antes (1856). Ainda bem que não decidiram que a cidade fora fundada pelo juiz de Casa Branca. Alguém poderia ter dado essa ideia... Que era uma intenção calculada fundarem uma povoação, sem dúvida! Desde 1845, quando José Matheus dos Reis fez a primeira tentativa de formação de um patrimônio eclesiástico na Fazenda das Palmeiras, várias petições, certidões e declarações confirmam o projeto dos moradores de construírem um povoado, um arraial, além de uma simples capela. Mas, o que teria confundido tanto os nossos pesquisadores? Não foi apenas o desconhecimento ou o mau conhecimento da “Ação de Desforço” de 1853, como afirma Barros. Eles não sabiam que, subjacente a toda essa polêmica centenária, eram grandes as dúvidas sobre a propriedade legal das terras no lugar dos dois patrimônios que a população tentava organizar, nas Palmeiras e no Retiro. Acreditavam ainda que isso aqui era terras de sesmarias. Ainda em 1856, Antônio Dias Campos declarava como suas terras no Registro Paroquial de Terras de São Simão com as mesmas confrontações de 1834. Isso mesmo: oito anos depois de a ação judicial entre os Dias e os Reis ter se encerrado, ainda havia alguém da família Dias Campos contestando tal desfecho. Daí a morosidade, as postergações e as contradições para se decidir que a tão desejada capela fosse construída oficialmente nas Palmeiras (onde as dúvidas eram maiores) ou no Retiro (onde eram menores). Foi preciso proceder à divisão judicial das fazendas Retiro e Barra do Retiro (concluída em 1856) para dirimir tais dúvidas e confirmar a propriedade legal das terras dessas duas fazendas, inclusive do patrimônio das terras de São Sebastião. Todo esse imbróglio judicial confundiu os historiadores até os dias atuais e deu origem, inclusive, à versão de que haveria uma disputa entre os moradores das Palmeiras e do Retiro para sediar o patrimônio eclesiástico. Mas outra faceta passa muitas vezes despercebida: subjacente aos interesses religiosos, falava mais alto o interesse econômico. Já dissemos aqui que até a escolha do lugar onde seria construída a capela e centro da comunidade, já planejada e desejada, é um ato econômico significativo, pois determina o custo do transporte para cada fazendeiro. E isso, sem dúvida, ocorreu na escolha da fazenda Barra do Retiro para sediar o patrimônio. Basta olharmos a planta da fazenda do Rio Pardo, disputada entre os Dias e os Reis, para percebermos que o núcleo inicial de Ribeirão Preto ocupava o centro geográfico dessa imensa gleba. Agiam, portanto, de forma integrada e planejada, com a finalidade de construir um patrimônio que pudesse servir de núcleo de interesses comunitários, ligados ao comércio e a outras atividades. Isso nos sugere um forte espírito comunitário, uma grande conjugação de interesses dos moradores dos cinco assentamentos em que se dividiu a fazenda do Rio Pardo desde a década de 1830, tendo como eixo a família Reis de Araújo: Palmeiras (que tinha uma bacia hidrográfica específica), Pontinha, Laureano, Retiro e Barra do Retiro (bacia do ribeirão Preto). A prevalência da Barra do Retiro foi exatamente por ser o centro geográfico, equidistante dos vários interesses presentes. Voltando à fundação, acredito que a “Ação de Desforço” de 1853, onde diz textualmente “construíram algumas pessoas do povo, não embargadas, uma capelinha e algumas casas no mesmíssimo lugar beneficiado e destinado para a povoação na Barra do Retiro”3, resolve de vez a questão. A título de esclarecimento, encontrei esse documento no arquivo do fórum de Casa Branca em 1993 e o cito no meu livro “Ribeirão Preto: da Figueira à Barra do Retiro” publicado em 1996, na sua 1ª edição, e que reproduz fielmente a minha dissertação de mestrado apresentada ao programa de pós-graduação em História da UNESP, campus de Franca, em 1995. Não contesto as afirmações 3 Ação de Desforço de Manoel Fernandes do Nascimento contra Antônio José Teixeira Júnior, Cartório do 2º Ofício de Casa Branca, 139, c. AC-1853.


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contidas ali e nem entro na polêmica sobre a data de fundação, pois não era esse o objeto do meu trabalho. E nem poderia sê-lo, pois se tratava de um trabalho com todos os rigores acadêmicos. Seria outra dissertação, agora vinda à luz pelas mãos de Ricardo Barros. Outra e, me parece, definitiva leitura dos fatos e dos documentos. Mas no mesmo livro, contesto a versão de que Ribeirão Preto surgiu com a construção da capela de São Sebastião na atual Praça XV a partir de 1863. Para isso, exploro, pela primeira vez, a documentação eleitoral de São Simão, onde aparece um quarteirão, enumerado como 18º e denominado “São Sebastião do Retiro” em 1856; em 1857, ainda como 18º, “Arraial de São Sebastião”; em 1858, “Retiro do Arraial” e, em 1859, “Arraial do Ribeirão Preto”. Não temos a menor dúvida: o verdadeiro início do povoado vem da década de 1850, muito antes, portanto, da construção da capela que viria a ser a matriz. Mas nas mesmas listas, não aparece, o arraial em 1853, 1854 e 1855. Seria o tiro de misericórdia na tese do Emboaba. Até porque essa é uma documentação nova, neutra, fora do contencioso. E por que não aparece? Ou ainda não aparece? A pesquisa nunca para. Vamos a ela! Denominações vacilantes aquelas para o início de Ribeirão Preto. Bem típicas de um nascituro antes do seu batismo. Era uma área de invasão de terras, sem dúvida. Não no modelo do movimento de ocupações dos “sem terras”, mas era briga de cachorro grande! E a tal capela de São Sebastião como escudo de vários interesses. Quase todos que invadiram as terras do Carvalhinho eram donos de outras glebas nas fazendas ao redor. Mas havia dois líderes deste movimento que acabaram não doando nada para o patrimônio da Igreja, mas foram os incentivadores, os organizadores, deixaram sua marca registrada em todos os documentos sobre as origens mais remotas de Ribeirão Preto: Manoel Fernandes do Nascimento, futuro responsável pela fábrica (administrador dos bens da Igreja) e que acabou pagando com a vida a ousadia de querer concretizar a urbe (foi assassinado em 1866, por querer abrir uma rua em terreno particular, pelo menos esta é a versão oficial). O outro, Antônio Soares de Castilho, aparece nas referidas listas de eleitores como negociante desde 1854. É sempre o primeiro que aparece nas listas eleitorais como morador do quarteirão do Ribeirão Preto (a fazenda) em 1853, 1854 e 1855. A partir de 1856, continua sendo o primeiro que aparece no quarteirão do arraial. Negociante em 1854 sugere-nos que já estivesse no arraial, lócus mais apropriado para atividades do comércio, de acordo com o modelo da Europa medieval transplantado pelos portugueses para sua colônia americana. Antônio Soares de Castilho foi talvez o que mais cedo e melhor percebeu como uma povoação poderia facilitar seus interesses e de outras centenas de lavradores e suas famílias no que se refere às necessidades de troca e às relações de sociabilidade. Bela aliança entre o latifúndio, o comércio e a Igreja! Mas quem são os cidadãos ribeirão-pretanos que tiveram sua residência no arraial do Ribeirão Preto em 1857? Foram, certamente, aquelas “pessoas do povo” que, juntamente com os embargados, construíram suas casas ao redor da capelinha, três anos antes, citados na “Ação de Desforço”. Vejamos: Antônio Soares de Castilho: Grande comerciante desde o alvorecer do arraial. A partir de 1847, já aparece como eleitor residente na fazenda da Figueira, hoje município de Serrana, e posteriormente na Fazenda do Ribeirão Preto. Mais tarde ainda vamos encontrá-lo na Fazenda do Laureano. Esta família Castilho provém de Mogi Mirim, mas é provável que tenha origem em Caldas, onde Antonio se casou, pela primeira vez, com Mariana Floriana da Silva. Ainda casou-se mais tarde duas vezes, com Senhorinha Nazareth de Azevedo e Ana Rita do Amaral. Padre Manoel Eusébio de Araújo: Até um padre já participava das invasões de terras. É o que a documentação deixa a entrever. É a Igreja agindo diretamente no projeto de capela e arraial! Ele aparece em vários documentos da Igreja relacionados à capela de São Sebastião da Barra do Retiro na década de 1850. Na década de 1860, transferiu sua residência para a fazenda das Palmeiras.


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Manoel Fernandes do Nascimento: Um dos líderes do “povo” para a construção da capela e do arraial, ele era o principal alvo das ações judiciais de Antônio José Teixeira Junior que alegava estar sendo esbulhado de suas terras. Será o futuro fabriqueiro, responsável pelos bens da Igreja no arraial e responsável pela abertura de suas primeiras ruas. Será assassinado a mando de Manoel Soares de Castilho, também comerciante e irmão de Antônio Soares de Castilho. Antônio da Silva e Souza: Casado com Joaquina Maria das Dores. Tinha 46 anos em 1857, deve ter nascido, portanto, em 1811. Esta família tem origem na região com Ana de Souza que se casou com Ignácio Reis de Araújo em 1739. Os Silvas se originaram de Domingos da Silva (Lisboa) que se casou com Gertrudes de Souza, filha de Ana e Ignácio. É possível perceber que esta família Silva e Souza já estava pelo Caminho dos Goiases desde o século XVIII. As primeiras gerações dos Silva e Souza podem ser encontradas em Lages, 2010, 173. João Alves da Silva Junior: Casado com Policena Maria do Nascimento. Deixou vasta descendência em Ribeirão Preto. Eram tantos homônimos da família Alves da Silva que eles procuravam se distinguir adotando como sobrenomes Junior, Primo, Sobrinho e Velho, mas sem grandes resultados práticos, pois eram sempre confusos tantos homônimos. Luiz Borges de Aquino: Nascido em Cajuru em 1818, casado com Maria Jacinta do Carmo, filha de Vicente Alves da Silva e Ana Jacinta, antigos proprietários da Fazenda das Palmeiras. Mariano Pedroso de Almeida: Ele e sua mulher Maria Lourenço do Nascimento doaram dois alqueires na Fazenda do Retiro para o patrimônio da capela em 1853. Ele e o seguinte eram os dois únicos doadores de terras para o patrimônio que residiam no arraial. Pertencia à antiga família de paulistas que podia ser encontrada em vários pontos do Caminho dos Goiases desde o século XVIII, como já foi dito. Severiano João da Silva: Ele e sua mulher Gertrudes Maria Teodora doaram doze alqueires de terras na fazenda do Retiro para o patrimônio da capela em 1853. Já falamos dele, quando tratamos da relação dos chamados fundadores de Ribeirão Preto. Antônio Joaquim de Oliveira: Juntamente com seu irmão Luis Antônio de Oliveira, foi proprietário de terras na Fazenda Barra do Retiro. Comprou-as do primeiro proprietário Manoel dos Reis de Araújo, filho de Vicente José dos Reis, um dos três irmãos Reis que protagonizaram a disputa com os Dias Campos pela Fazenda do Rio Pardo. Francisco Gonçalves Manço Rosa: Casado com Ana Rosa de Alexandria, da família Reis de Araújo. Tinha fazendas ao norte do Rio Pardo, na região de Batatais e Franca. Não deixaram descendência. Francisco José da Silva Onça: Casado com Maria Bárbara do Nascimento. Os Silva Onça eram paulistas, descendentes das famosas irmãs portuguesas, conhecidas como as “Três Ilhoas” que deixaram larga descendência no sul de Minas e no nordeste paulista. Ele foi vice-presidente da Câmara de Ribeirão Preto na 5ª legislatura, entre 1887 e 1890. Este sobrenome Onça tem sua origem no ribeirão da Onça, afluente do Mogi Guaçu, onde tinha sua fazenda. Ele e seu irmão Joaquim Francisco da Silva Onça eram ferreiros por profissão e se fixaram na região de Pontal. Jerônimo da Silva e Souza: Tinha 48 anos em 1856 e era casado. Deve ser irmão de Antônio da Silva e Souza. Esta família Silva e Souza tem raízes muito antigas na região, como já dissemos, sendo também descendente de João dos Reis de Araújo e Maria Peralta, já citados. A regularização do patrimônio de São Sebastião, constituído de doação das glebas em 1852, 1853 e 1856 e a transferência de domínio para a Igreja em 1856 pode ser entendida como a legali-


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zação de um conjunto de interesses privados em andamento, o que era claramente visível na invasão de terras de parte da fazenda Barra do Retiro, sugerindo uma pressão popular para se resolver um problema que se arrastava sem solução há anos. Tanto que quando foi escolhido o local para a construção da capela em 1863, esta área passou a incluir o local onde já existiam algumas moradias, sendo por isso bastante extensa, indo desde as imediações do Theatro Pedro II até a atual Praça Barão do Rio Branco - Praça da Prefeitura – o verdadeiro marco zero, e onde mais tarde foi construído o primeiro prédio público, a Casa de Câmara e Cadeia de Ribeirão Preto.

A CONSTRUÇÃO DA CAPELA DE SÃO SEBASTIÃO

Enquanto não se resolvia onde seria construída a capela dentro do patrimônio já formado e finalmente recebido pela Igreja, um dos líderes do povo da Barra do Retiro, Manoel Fernandes do Nascimento, resolveu construir uma pequena capela de pau a pique, coberta de palha. Mas onde ficava esta pequena capela? Na atual praça Barão do Rio Branco, ao lado do Palácio Rio Branco (sede da Prefeitura Municipal), ocupando o lugar do prédio de nº 342, conforme opinou o pesquisador Pedro Miranda. Outros pesquisadores afirmam que ela ficava aos fundos do terreno onde hoje se situa o Museu de Arte de Ribeirão Preto (MARP), antiga sede da Sociedade Recreativa. Isso, com certeza, muito antes de 1863. Deixemos Plínio Travassos dos Santos falar sobre isso: “Entretanto, informam velhos moradores de Ribeirão Preto, dentre os quais o Sr. Inocêncio Celso de Abreu e o Dr. Osmani Emboaba, baseados em informes de um avô materno, Joaquim Moura de Oliveira, filho de Ribeirão Preto, falecido em 1941 com 80 anos, que mais ou menos no local da atual sede da “Sociedade Recreativa” (atual MARP), que já foi também sede da Câmara Municipal, existia um rancho com um altar, no qual eram feitos os batizados, isso possivelmente desde antes de 1863” (SANTOS, s/d, 10, nota 19).

Podemos, então, identificar, com certeza, o berço onde nasceu Ribeirão Preto: nas imediações entre a Praça Barão do Rio Branco e a área ocupada hoje pelo MARP. Os documentos da época já chamam aquele pequeno ajuntamento humano, umas seis ou oito casinhas, de “Capela do Retiro” (em alusão ao córrego do Retiro), “Capela do Ribeirão Preto” (em alusão ao ribeirão Preto) ou ainda “arraial de São Sebastião”, como podemos ler na lista de qualificação eleitoral de São Simão, em 1857. Somente em 28 de março de 1863, o vigário de São Simão, Pe. Manoel Eusébio de Azevedo, cumprindo ordens superiores do Vigário da Vara, escolheu o local definitivo para a construção da igreja, dentro da área do patrimônio judicialmente aprovado anos antes. Este local ficava em frente à capelinha de pau a pique e foi denominado posteriormente Largo da Matriz, o que é hoje a Praça XV de Novembro. A igreja ficava exatamente onde hoje está a fonte luminosa, de costas para o Theatro Pedro II. A demora para se iniciar a construção da capela se explica pela falta de recursos. Um donativo de 360$000, deixado por Maria Felizarda em seu testamento para as obras da capela, é que permitiu o início da sua construção, mesmo assim quase dois anos depois. O pagamento dessa doação foi feito a contragosto pelo seu viúvo, José Borges da Costa (na verdade, seu segundo marido, pois fora casada antes com Manoel José dos Reis), ao fabriqueiro da capela.


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A partir de 1866, ela já podia abrigar os atos litúrgicos. Em 2 de janeiro de 1868, a Igreja reconheceu como legítimo seu patrimônio. A 9 de janeiro de 1868, o Bispo de São Paulo autorizou a necessária bênção pelo vigário o que foi feito pelo Pe. Miguel Martins da Silva em 25 de março de 1869. Em 26 de novembro do mesmo ano, ela foi levada à capela curada, sendo seu primeiro cura nomeado nessa mesma data, o Pe. José Phillidory Torres. A capela de São Sebastião do Ribeirão Preto passou a matriz quando foi criada a freguesia em 1870 e serviu como local do culto católico e distribuição dos sacramentos por vários anos, até sua demolição iniciada em 02/06/1905.

A VELHA MATRIZ DE SÃO SEBASTIÃO DO RIBEIRÃO PRETO

A capela de São Sebastião do Ribeirão Preto, depois matriz da freguesia do mesmo nome, localizava-se onde temos hoje a fonte luminosa da Praça XV.

A capela que logo se transformou em Igreja Matriz de São Sebastião era o edifício que mais se destacava na paisagem, no ponto mais alto da colina, entre os córregos do Retiro e o ribeirão Preto. “Era toda construída em adobe, com tijolos assentados com argamassa de barro. Toda sua estrutura de travamento, apoios, colunas e amarrações de vigas e pilares eram de madeira aparente. O forro do corpo da Matriz e o assoalho também eram de madeira” (GUIÃO, 1922, 11).


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No primeiro livro de Tombo da Matriz de São Sebastião, o Padre Siqueira a descreve: “Quatro são os altares, construídos com singeleza, sendo o lateral de Nossa Senhora das Dores, outro do Senhor dos Passos, o altar-mor e o do Santíssimo Sacramento, necessitando este de reparos, e ser substituído o sacrário que é pequeno. Todos os altares têm banqueta de metal tamanho regular e jarros para flores, porém desiguais em tamanho e cores. A capela-mor, que é forrada de papel, precisa sofrer reparos nas paredes, retábulo, teto e arco-cruzeiro.” (In VALADÃO, 1997, 99).

A edificação compunha-se de um corpo principal, com cobertura em duas águas, duas torres laterais engastadas na fachada principal e de secção quadrada. Possuía uma porta na fachada principal e acima desta, três portas-janelas (com guarda-corpo) na altura do coro. Na parte superior da fachada formava-se um frontão marcado por um óculo central. “As duas torres engastadas no alinhamento do corpo principal apresentavam as aberturas das sineiras na parte mais alta (quase no alinhamento da cumeeira) e eram arrematadas por cúpulas em forma semibulbóide, em cujas ponteiras se fixavam os cruzeiros” (LAURIANO, 1973, 30).

JOSÉ BORGES DA COSTA E SEUS 4 CASAMENTOS Uma das figuras mais irrequietas no alvorecer de Ribeirão Preto. Seu nome se liga inquestionavelmente às suas origens e ele aparece inúmeras vezes na documentação escrita. Neto de portugueses e filho de outro José Borges da Costa, ele nasceu em Campanha, sul de Minas, em 1793. Ali se casou, em 1820, com Maria de Nazareth, natural de Serranos, à época capela filial da freguesia de Aiuruoca (MG). Por volta de 1825, seu pai e alguns de seus oito irmãos vieram para o sertão paulista e formaram sua fazenda Águas Claras, próxima a São Simão. Esses “entrantes” mineiros tiveram grande importância no desbravamento e na ocupação de toda a região de Ribeirão Preto. Acompanhar este José nas suas andanças, inventários e estripulias é reconstituir uma verdadeira epopeia no limiar da história daqueles vastos sertões, a começar pelos seus casamentos que foram quatro. Tudo indica que estes casamentos eram meticulosamente planejados com viúvas-fazendeiras, donas de grandes heranças. Assim, o nosso José foi amealhando uma fortuna fabulosa durante a vida. José Borges da Costa formou sua própria fazenda no vale do ribeirão Tamanduá, não muito longe de onde se fixaram os irmãos Reis de Araújo (tidos como os mais antigos posseiros da área de Ribeirão Preto, aqui já presentes por volta de 1812) na sua fazenda da Figueira. Ali ele foi listado no censo de 1835, tendo então 46 anos, sendo qualificado como branco, livre, brasileiro, lavrador e negociante de carros de boi, possuindo onze escravos, casado e pai de quatro filhos. Na verdade, conhecemos grande parte de sua história através de vários inventários, de que foi ora beneficiado, ora vítima. Quando seu pai faleceu em 1835, entrou em várias desavenças com alguns de seus irmãos e cunhados por conta da divisão da herança. Quando morreu sua segunda mulher, Maria Felizarda, esta já viúva de Manoel José dos Reis (de Araújo), José Borges da Costa teve como desafeto o marido de uma de suas enteadas, Mateus dos Reis de Araújo, também por conta da divisão da herança. Aliás, este Mateus e o nosso José nutriam um verdadeiro ódio um pelo outro. Em 1846, José Borges da Costa entrou em juízo com uma queixa-crime contra Mateus, acusando-o de tentativa


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de homicídio. Borges alega que Mateus foi até sua casa, armado, e tentou levar de lá a mulher, Ana Maria Luiza, e a filha, que haviam ficado com a sogra dele, durante uma viagem que o mesmo fizera. Como a mulher não quis acompanhar o marido, ele tentou usar da violência para tirá-la da casa de Borges, que interveio na discussão e levou um tiro de Mateus. O réu se defendeu apresentando testemunhas e fatos a seu favor. Acusou Borges de usar de todas as pressões e artifícios para convencer a ele e sua mulher de irem morar em sua casa, com o intuito de apoderar-se de seus bens. Afirmou o próprio Mateus: “... sendo este homem de uma desvairada ambição, parece que até queria apoderar-se dos poucos bens que ele (Mateus) possuía por herança de seus pais” 4. José Borges da Costa faleceu em 18 de dezembro de 1867, na Fazenda do Retiro (que se tornou sua por compra que fizera a Manoel José dos Reis e por ter casado com sua viúva, Maria Felizarda). Seu inventário passou a correr em 1868 e seus autos podem ser encontrados no arquivo do cartório do 2º Ofício em Ribeirão Preto5. Deixou viúva sua quarta esposa, Leonor Nogueira Terra e quatro filhos menores. E mais uma fortuna de 33.952$200 e 6.129$270 de dívidas a receber, uma fábula para aqueles tempos! Resta lembrar que José Borges da Costa e sua segunda esposa foram doadores de uma pequena gleba de terras para a constituição do patrimônio de São Sebastião do Ribeirão Preto em 1853, juntamente com outros fazendeiros. Assim, ele também pode ser considerado um dos fundadores de Ribeirão Preto.

AS QUATRO ESPOSAS DE JOSÉ BORGES DA COSTA DATA DE ÓBITO

FILHOS

MEAÇÃO NO INVENTÁRIO

1802

1837

Francisco Antônio Pulcina Maria

3.400$000

?

?

1858

-

8.300$000

ANA FLAUZINA DO CARMO

Fazenda do Tamanduá (São Simão)

?

1858(!)

Maria do Rosário (de outro pai)

?

LEONOR NOGUEIRA TERRA

Fazenda do Tamanduá (São Simão)

17/01/1929

João Batista João Borges Ana Zeferina Maria

20.000$000

NOME

NATURALIDADE

MARIA DE NAZARETH

Freguesia de Aiuruoca (Minas)

MARIA FELIZARDA

DATA DE NASCIMENTO

depois de 1835

Fonte: LAGES, 2010, pp. 187-193.

4 Autos do processo de José Borges da Costa contra Matheus dos Reis Araújo. Cartório do 2º Ofício de Casa Branca, maço 155, cx. AC-1846. 5 Toda a documentação do Cartório do 2º Ofício Cível foi transferida em 2003 para o Arquivo Central do Judiciário em Jundiaí.


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CASAMENTOS ENTRE PARENTES POR INTERESSES ECONÔMICOS Casamentos entre parentes, geralmente entre primos, ou entre tios e sobrinhas, eram muito comuns naquela época. Era forma bastante conveniente de preservar a riqueza em comum das famílias do sertão. Sabemos que a maior parte desses casamentos era arranjada pelos pais dos noivos, às vezes, até antes do seu nascimento. Da mesma forma, as relações de compadrio. Compadres e comadres formavam uma verdadeira teia de compromissos uns com os outros. Os paulistas também preservavam o compadrio como relação altamente significativa, dada a importância social do batismo para ricos e pobres. Ter um padrinho influente era também uma forma de ser aceito socialmente. Dessa maneira, os favores eram mais facilmente conseguidos, numa trama variada de deveres e obrigações recíprocos que definiam a natureza dessa relação. Já vimos como três irmãos da família Reis de Araújo se casaram com três irmãos da família Bezerra Cavalcanti. Assim, a riqueza dessas famílias tendia a crescer e a se concentrar. As famílias se uniam e com elas também a propriedade das terras, escravos, bois, plantações, etc. E ficava mais difícil, posteriormente, a divisão de tanta riqueza entre herdeiros de famílias distantes. Mas um caso bastante curioso de casamento entre parentes, se bem que parentes afins e não consanguíneos, ocorreu em Ribeirão Preto com um neto do nosso já conhecido José Borges da Costa. Ele se chamava Manoel Borges de Oliveira, filho de Antônio Borges da Costa e Luiza Maria de Oliveira. Manoel acabou se casando, nada mais nada menos, com Leonor Nogueira Terra, viúva de seu avô José Borges da Costa. No caso de casamento entre parentes, a Igreja exigia as dispensas, ou seja, a suspensão da proibição. Assim, Manoel conseguiu as tais dispensas através do Pe. Cândido Martins da Silveira Rosa, de Franca. Esclareceram os interessados que “desejavam se casar por amor e afeição do parentesco e por amor à família, que a noiva vivia honestamente, não fora raptada pelo noivo e vivia em casa com seus quatro filhos menores” (MARTINS, 1984, 220). Faleceu Manoel Borges de Oliveira em novembro de 1869 com apenas 23 anos, pouco mais de um ano após o casamento com Leonor. Seu inventário provocou novas desavenças entre parentes. Maiores informações sobre Leonor Nogueira Terra podem ser encontradas em Fundadores: a saga de Manoel Fernandes do Nascimento, deste autor, entre as páginas 35 e 39.

SANGUE E MORTE NO ARRAIAL: VIOLÊNCIA NOS PRIMEIROS TEMPOS Mas nem tudo eram flores no arraial que estava nascendo. Já vimos como a ganância de José Borges da Costa por terras e mais terras provocou muita discórdia e ressentimentos entre membros de uma mesma grande família (parentela). Mas houve coisa pior... Apesar da religiosidade, apesar da piedade e da devoção de muitos moradores por São Sebastião, Nossa Senhora do Rosário e Nossa Senhora das Dores, a ambição e sentimentos de vingança de alguns trouxeram medo e pavor ao arraial que nascia na Barra do Retiro. O primeiro crime de morte que teve grande repercussão aconteceu em 1853 e foi protagoni-


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zado pelo filho mais novo de Bárbara (Reis de Araújo) e Antônio Bezerra Cavalcanti. Ele se chamava Vicente Bezerra dos Reis e matou a facadas Antônio Inácio, camarada (=empregado) de João Alves da Silva Primo, cunhado do mesmo Vicente, pois casado com sua irmã Ana Delfina Bezerra. Pelos depoimentos das oito testemunhas convocadas pelo Delegado de Casa Branca era, sem dúvida, um crime que envolvia discórdias e ressentimentos familiares. Vicente tentou convencer Antônio Inácio a assassinar o seu patrão quando de uma viagem que os três iriam fazer para uma cobrança de dívida. Seria um crime de encomenda e muito bem pago: uma besta arreada e um poncho! O camarada denunciou a trama ao patrão e, por vingança, foi morto. Julgado e condenado, Vicente passou o resto de sua vida na prisão, vindo a falecer na cadeia de Casa Branca em 1866. Seu crime manchou a honra de sua família que era influente e muito considerada no arraial do Ribeirão Preto. No mesmo ano em que Vicente morria em Casa Branca, Manoel Fernandes do Nascimento, o fabriqueiro da capela de São Sebastião, foi gravemente ferido por Manoel Félix de Campos. Acabou morrendo quatro meses depois. A polícia de Casa Branca tomou depoimentos e, perante o júri popular, o réu confessou que praticara o crime a mando da mulher do rico comerciante Manoel Soares de Castilho, em troca de 10$000 e uma garrafa de cachaça! Este crime de morte aconteceu na porteira da fazenda da vítima, que corresponde hoje à Rua Prudente de Moraes, cruzamento com a Av. Portugal, antiga estrada que ia para Santa Cruz do José Jacques.6 O motivo de tal atitude foi o fato de Manoel Fernandes do Nascimento, como encarregado e zelador dos bens da Igreja, pretender abrir uma rua bem no quintal do Sr. Manoel de Castilho. Houve uma discussão entre a sua mulher e o fabriqueiro. E ela desejava se vingar e contratou alguém que lhe desse um tiro e lhe quebrasse um braço. Manoel Soares de Castilho era um homem violento e vingativo. Era o que se pode perceber por outros crimes em que ele se envolveu. Em outro processo, ele foi acusado de mandante da tentativa de assassinato contra um enteado seu, Cândido, por problemas de herança de terras (Cx 11-A, Cartório do 1º Ofício, RP, 1879, APHRP). Ele aparece ainda em outro processo como vítima, alegando que recebia ameaça de morte do próprio filho de Manoel Fernandes do Nascimento, Moisés Fernandes do Nascimento, que desejava vingar-se do assassinato do pai. Em outro processo ainda o encontramos como acusado de mandante da tentativa de assassinato do mestre de música, Figueiredo Brasil (Cx 2-A, Sumário de Culpa, Cartório do 1º Ofício, 1875, APHRP). (Pesquisas de Mauro Porto no APHRP). Mesmo assim ele ainda foi eleito suplente de vereador para a Câmara de Ribeirão Preto, na legislatura 1877-1880. O réu Manoel Félix de Campos foi condenado à prisão perpétua e os mandantes, ricos comerciantes do arraial, chegaram a ser presos, mas nem sequer foram a julgamento, sendo logo libertados, apesar das contundentes acusações e provas. Os processos-crime dos dois assassinatos encontram-se no arquivo do fórum de Casa Branca.

QUEM FOI MANOEL FERNANDES DO NASCIMENTO Manoel Fernandes do Nascimento era filho de outro Manoel Fernandes do Nascimento, natural da ilha da Madeira, e de Albina Maria da Conceição, natural de Nossa Senhora da Soledade 6 Este local corresponde hoje a uma pequena praça que leva o nome de Manoel Fernandes do Nascimento, com um pequeno monumento ao centro lembrando o seu assassinato em 07/12/1866.


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de Itajubá (atual Delfim Moreira, em Minas Gerais), onde se casaram em 25/02/1797. Manoel Fernandes do Nascimento aparece no censo de Minas de 1832, recenseado no distrito da Matriz Nova do Itajubá (para diferenciar do Itajubá Velho, atual Delfim Moreira), então com 15 anos de idade, com sua mãe já viúva, mas comandando uma propriedade com uma dezena de escravos. No seu fogo, aparece um agregado, muito provavelmente um parente de seu pai, chamado Ignácio, com 18 anos. Pode ser um primo ou um tio. Este Ignácio tem grande chance de ser Ignácio Bruno da Costa, também um dos fundadores de Ribeirão Preto, originário de Itajubá, que chegou à região do nordeste paulista na mesma época de Manoel Fernandes. Podem ter vindo juntos. Manoel Fernandes se casou pela primeira vez com Marcolina Placidina da Costa em 29.08.1834 no Itajubá Velho, e pela segunda vez com a sua cunhada, Paulina Placidina da Costa (do Nascimento). Outra possibilidade é que essas irmãs tenham alguma relação de parentesco com Ignácio Bruno da Costa, já que tinham o mesmo sobrenome, mas é apenas uma hipótese.

Nesta edição do jornal A Tarde, de 29/03/1943, vê-se Francisca Nascimento Martins, viúva, então com 96 anos de idade, filha de Manoel Fernandes do Nascimento com sua segunda esposa, Placidina Paulina da Costa. Ainda aparecem Jonas Venâncio Martins, seu filho, com 76 anos; Jonas Venâncio Martins Filho, com 50 anos, seu neto; Diva Martins Cintra, sua bisneta, com 27 anos, e esposa de Wagner Cintra; e Jonas Ricardo, seu trineto, filho de Diva e Wagner, com 2 anos. Nesta foto, aparece um quadro na parede, com o retrato de José Venâncio Martins, o já falecido marido de Francisca, e também neto de Manoel Fernandes do Nascimento, cujos descendentes se espalham


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atualmente aos milhares por Ribeirão Preto, Serrana, Serra Azul e outras cidades.

Marcolina e Paulina aparecem também no censo de Minas, de 1832, filhas de José Joaquim da Costa, já viúvo, com 41 anos, no distrito da Matriz Nova do Itajubá. Por este documento, Marcolina nascera em 1821 e Paulina, em 1827. Conclui-se, por aqui, que não só Manoel Fernandes casara-se da primeira vez ainda muito novo, talvez não tivesse 18 anos, como também suas esposas, que devem ter se casado com ele por volta dos 14 anos de idade. Ele foi fabriqueiro da capela de São Sebastião do Ribeirão Preto, nomeado pelo bispo de São Paulo, Dom Antônio Joaquim de Melo, em 23 de agosto de 1859, dia em que este bispo estava em visita à capela do Ribeirão Preto e quando realizou o batizado de várias crianças, cujos assentamentos foram anotados pelo vigário de São Simão, Pe. Antônio Pires do Prado. Manoel Fernandes do Nascimento chegou a Ribeirão Preto depois de 1842, já que seu segundo filho, Moisés, ainda nasceu em Itajubá nesse ano. Mas sua presença pode ser comprovada em Ribeirão Preto em 1848, quando aparece em um documento pela primeira vez, batizando sua filha Francisca no dia de Natal desse ano. É a mesma Francisca que foi notícia no jornal A Tarde em 1943. Moisés Fernandes do Nascimento, seu segundo filho do segundo casamento, foi figura de destaque na nascente Vila do Ribeirão Preto: estudou no Seminário em São Paulo, foi juiz de paz e inspetor escolar por muitos anos em Ribeirão Preto. Foi casado com Silvânia Francisca do Nascimento e teve com ela cinco filhos. As desavenças que explicam o assassinato de Manoel Fernandes do Nascimento continuaram mesmo após a sua morte. Em 1870, Manoel Soares de Castilho, acusado de mandante do crime, entrou em juízo contra Moisés Fernandes do Nascimento por se sentir ameaçado de morte. Como prova da acusação apresentava um bilhete ameaçador de um ano antes. Exigia na Justiça um “termo de segurança de vida”, conforme previsto na lei. Talvez fosse um ato preventivo que inibisse qualquer tentativa de vingança. Mas o motivo real das discussões parecia ser a frequente invasão das plantações de Moisés pelo gado de Castilho. O juiz mandou arquivar o processo, desqualificando a denúncia de Castilho. Este processo se acha no APHRP, 1º Ofício Cível, caixa 41-A.7

7 Maiores informações sobre Manoel Fernandes do Nascimento podem ser encontradas na obra de José Antonio Lages Fundadores: a saga de Manoel Fernandes do Nascimento, da coleção Nossa História, editado pelo Instituto do Livro de Ribeirão Preto em 2011.


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Querer formar um patrimônio de terras para construir uma capela não era apenas um ato de caráter religioso e econômico, como já vimos, mas também um gesto político muito importante para os posseiros de terra que habitavam os vales dos ribeirões Preto, Retiro, Laureano, Palmeiras e Tamanduá. Queriam legalizar suas posses, formar uma povoação para ter comércio por perto, desejavam ter acesso à assistência religiosa mas, antes de tudo, queriam o reconhecimento por parte das autoridades daquela incipiente comunidade de criadores e plantadores. Sabemos como naquela época a Igreja estava ligada ao Estado. Foi assim até a proclamação da República em 1889. Por isso aqueles primeiros ribeirão-pretanos não desejavam apenas ter um templo, mas que isso lhes pudesse garantir segurança, condição de serem cidadãos com direitos e membros de uma nova comunidade. Queriam ser elevados a uma categoria superior. Nesse processo, depois da construção da capela, era necessário criar a freguesia. Assim, a capela iria se transformar na matriz, ela teria um vigário com residência fixa no arraial e o povo desfrutaria de todas as formalidades religiosas.

E OS RIBEIRÃO-PRETANOS TORNAM-SE CIDADÃOS A população vinha crescendo muito na década de 1860, tanto nas fazendas, quanto em torno da capela no arraial de São Sebastião. Os líderes do povo encaminharam, mais uma vez, diversos pedidos às autoridades implorando a instalação agora de uma freguesia no arraial de São Sebastião. Tudo indicava mesmo a necessidade de uma freguesia e foi o que aconteceu pela Lei nº 51, promulgada a 2 de julho de 1870 pelo então presidente da província de São Paulo, Antônio Cândido da Rocha. A área da nova freguesia ficava desmembrada da de São Simão. Em 16 de julho do mesmo ano, a freguesia foi instituída canonicamente através da provisão do bispo de São Paulo, Dom Sebastião Pinto do Rego. O primeiro vigário foi o Pe. Ângelo José Phillidory Torres. Mas os moradores queriam mais. O próximo passo para a sua ascensão como cidadãos plenos,


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com autonomia para eleger as autoridades locais, seria a criação da vila e do seu termo (=município) correspondente. Como vila, Ribeirão Preto teria sua Câmara de Vereadores e demais autoridades. Foi iniciado um movimento nesse sentido e que logo teve resultado: pela Lei nº 67, de 12 de abril de 1871, a freguesia foi elevada a vila, cujo termo foi também desmembrado de São Simão. Os primeiros vereadores da vila de São Sebastião do Ribeirão Preto foram eleitos somente em 22 de fevereiro de 1874, sendo os votos apurados pela Câmara de São Simão em 18 de maio seguinte e a Câmara instalada oficialmente em 13 de julho do mesmo ano, com o registro da primeira ata. Os vereadores eleitos da primeira legislatura, entre 1874 e 1877, foram os seguintes: JOÃO GONÇALVES DOS SANTOS BERNARDO ALVES PEREIRA VENÂNCIO JOSÉ DOS REIS THOMAS DE AQUINO PEREIRA ANTÔNIO GONÇALVES VALIM JOÃO FRANCISCO DE OLIVEIRA FRANCISCO RODRIGUES DE FARIA Fonte: CIONE, 1992, p. 186.

OS PRIMEIROS VEREADORES

Coronel João Gonçalves dos Santos, presidente da Câmara Municipal de Ribeirão Preto, em sua primeira legislatura.

O Coronel João Gonçalves dos Santos foi o mais votado na primeira eleição para a Câmara de Ribeirão Preto e, por isso, foi seu primeiro presidente. Nasceu a 5 de agosto de 1838, filho do Capitão José Gonçalves dos Santos e de Iria Leopoldina Nogueira. Descendia de antigos entrantes mineiros, sertanistas como seu avô materno, o Tenente Urias Emídio Nogueira de Barros. João Gonçalves casou-se com Antônia Maria do Nascimento em Casa Branca. Tiveram sete filhos, dos quais a caçula ainda vivia em Nuporanga há uns cinquenta anos, com idade bastante


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avançada. Ele era comerciante em Ribeirão Preto. Mas a política era alguma coisa muito familiar, pois seus pais e irmãos eram vereadores em Casa Branca. João Gonçalves dos Santos comprou de Leonor Nogueira Terra uma parte da Fazenda do Retiro que esta herdara pela morte de seu primeiro marido, José Borges da Costa. Portanto, seguia o padrão das elites políticas da época: possuidora de terras, mesmo tendo outros negócios na cidade. Presidiu a Câmara de Ribeirão Preto por pouco tempo, pois dela se retirou quando foi nomeado pelo presidente da província para primeiro suplente de Juiz Municipal e Órfãos. Venâncio José dos Reis o substituiu na presidência. Em 1876, João Gonçalves dos Santos mudou-se para Casa Branca onde continuou tocando seus negócios e participando da política local. Faleceu em 17 de setembro de 1916 em Casa Branca, estando seus restos mortais guardados no recinto da Igreja de Nossa Senhora do Desterro daquela cidade. Com certeza, o nosso primeiro presidente da Câmara era devoto de Nossa Senhora das Dores, devoção familiar trazida da sua vila de origem, cujo orago da matriz era dedicado a essa santa. É isso que sugere o fato de a Câmara de Ribeirão Preto oficiar João Gonçalves, em Casa Branca, para que ele providenciasse a demolição da capelinha de Nossa Senhora das Dores, já fechada desde muito tempo e ameaçando ruir a qualquer momento. É que ele era o seu zelador. Bernardo Alves Pereira, filho de Joaquim Alves Pereira e Maria Joaquina de Jesus, nascido por volta de 1821, em Inhaí, próximo de Diamantina, em Minas Gerais. Aparece listado no censo eleitoral, pela primeira vez, já no arraial de Ribeirão Preto, em 1865. Já era nessa época negociante. Na mesma documentação, aparece citado mais tarde como lavrador (1868), boticário (1873) e fazendeiro (1878). A diferença entre lavrador e fazendeiro é que o primeiro lavrava a terra, ou seja, era proprietário agrícola e o segundo, era criador de gado. Boticário era o mesmo que farmacêutico, segundo a nomenclatura da época. Isso mesmo: Bernardo Alves Pereira foi o primeiro farmacêutico de Ribeirão Preto. Em 1886, a fazenda do Ribeirão Preto Abaixo foi judicialmente dividida entre seus condôminos. Entre eles, estava o Major Bernardo Alves Pereira. Homem de posses, ele foi proprietário da maior parte da referida fazenda. Eram também de sua propriedade as casas da Rua Visconde do Rio Branco, nºs 42, 44 e 44-A, da antiga numeração, confluência com a Rua Álvares Cabral. Em uma dessas casas que pertenceu depois a José Papa, responsável pela sua demolição em 1951, a primeira Câmara eleita chegou a fazer suas primeiras reuniões. Venâncio José dos Reis, alferes, era suplente de João Gonçalves dos Santos e o substituiu na presidência quando da sua renúncia. Apesar do sobrenome Reis, não era parente dos primeiros posseiros e povoadores de Ribeirão Preto. Seu pai foi José dos Reis Figueira. Deve ter nascido por volta de 1804, pois o censo eleitoral de 1873 o coloca com 69 anos. Era lavrador e morava na Fazenda do Ribeirão Preto. Casou-se duas vezes. Sua primeira esposa foi Maria Tereza de Jesus. Casou-se pela segunda vez em 1871 com uma descendente, agora sim, dos Reis de Araújo, Alexandrina Bezerra dos Reis, neta de Bárbara Maria Gertrudes (Reis de Araújo). Venâncio José dos Reis faleceu em 17 de dezembro de 1878 e, em 17 de dezembro de 1882 falecia sua segunda esposa com 78 anos. Thomaz de Aquino Pereira descende de antigos entrantes mineiros que já eram citados nos censos populacionais de Casa Branca desde a década de 1820. A família Aquino Pereira era muito numerosa nos primórdios de Ribeirão Preto e ainda não foi feito um estudo minucioso sobre ela. Thomas de Aquino Pereira era lavrador e residia na Fazenda do Retiro. Na documentação eleitoral, ele aparece desde 1865. Em 1873, é citado com 40 anos. Deve ter nascido, portanto, por volta de 1833. Antônio Gonçalves Valim, natural de Lavras (MG), filho de Antônio Gonçalves Valim e de Ignácia Ribeiro do Evangelho. A família Valim foi das primeiras que se fixaram na região de São Simão, proveniente de Minas Gerais no início do século XIX. Transferiu-se posteriormente para Mogi Mirim e veio a falecer em São João da Boa Vista.


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João Francisco de Oliveira, filho de Antônio João Ferreira e Beralda Alexandrina de Oliveira, nascido por volta de 1804. Seus pais foram os primeiros povoadores da Fazenda das Posses. Era o representante da área de Sertãozinho na Câmara de Ribeirão. Aparece na documentação eleitoral, já em 1847, como negociante em Sertãozinho, mas, a partir de 1853 é citado como lavrador, possuindo sua fazenda nas Posses do Sertãozinho. Em 1878, não tinha uma renda superior a 200$000, portanto, deixava de ser elegível, pelo critério censitário em vigor durante o Império. Francisco Rodrigues de Faria, nascido por volta de 1800, era também mais um mineiro de nascimento, como a grande maioria dos residentes em Ribeirão Preto na época. Era lavrador e tinha suas terras na fazenda do Retiro, aparecendo na lista eleitoral de 1865, então com 65 anos. Não temos maiores informações sobre ele. Não chegou a ser empossado, pois era sogro de Thomas de Aquino Pereira, mais votado que ele, e não podia pelo parentesco assumir sua cadeira. Foi substituído pelo suplente, Tenente Luiz Herculano de Souza Junqueira, que viria a ser o presidente da Câmara na segunda legislatura, entre 1877 e 1880. Luiz Herculano de Souza Diniz Junqueira, o primeiro da família Junqueira que teve posição política destacada em Ribeirão Preto. Nasceu por volta de 1824, filho de Luiz Antônio de Souza Diniz e Ana Claudina Diniz Junqueira. Faleceu em 23 de agosto de 1883 em Ribeirão Preto. Recebeu a comenda de Barão da Casa Branca.

Casa que pertenceu ao Major Bernardo Alves Pereira e que foi sede da Fazenda do Ribeirão Preto. Sua construção remonta a um período anterior a 1853. Foi demolida em 1951 por José Papa. Segundo a tradição, nela a Câmara fez várias reuniões por ainda não ter sede própria. Localizava-se na Rua Visconde do Rio Branco, esquina com a Rua Álvares Cabral.

Como ainda não possuía sede própria, sua primeira reunião aconteceu na casa do seu primeiro presidente, João Gonçalves dos Santos. Outras aconteceram em casa do Major Bernardo Alves Pereira. A Câmara Municipal de Ribeirão Preto na sua primeira legislatura, teve de tomar medidas emergenciais. Suas primeiras deliberações diziam respeito à montagem da infraestrutura administrativa do novo município. Assim, foram nomeados os empregados da Câmara, em número de cinco: um secretário (Antônio Lourenço de Figueiredo Brasil), um procurador (Antônio José Ferreira), um fiscal (Antônio Joaquim de Arantes), um suplente de fiscal (Antônio Alves Pereira Campos) e um porteiro (Antônio Joaquim de Souza). Todos Antônio! Já na segunda sessão, foram empossados os primeiros professores públicos de Ribeirão Preto: Bernardino de Almeida Gouveia Prata e sua esposa, Eufrasina Eugênio de Almeida. Coube à primeira Câmara a discussão e a aprovação do primeiro orçamento do município, calculado naquele distante ano de 1874 em 1.084$800 (um conto, oitenta e quatro mil e oitocentos réis).


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Questões inadiáveis foram também discutidas e resoluções foram aprovadas. É o caso da construção de uma sede própria para a Câmara, da cadeia pública e do matadouro municipal. Mas algumas decisões pitorescas que refletiam muito bem o ambiente e o momento histórico da época: a Câmara manda comprar estricnina para matar cães vadios e adquirir algemas, colares e cadeados para prender escravos fujões. A primeira Câmara ainda discutiu vários outros assuntos, sempre fazendo proposições e requerimentos às autoridades da província, como por exemplo, a sugestão de se instalar aqui uma Agência de Coletoria, pois os impostos de todos os negócios efetuados em Ribeirão Preto e São Simão eram pagos na Coletoria de Casa Branca. Também a sugestão para a abertura de uma agência do Correio partiu dela. E em 1880, Ribeirão já tinha seu Correio. No entanto, o telégrafo só chegou em 1883 junto com a Mogiana. Somente em 1892, foi inaugurada a estação telegráfica que ocupava uma sala da Intendência. Mas o que era essa tal de Intendência? Vejamos. Desde o período colonial até a proclamação da República, em 1889, o presidente da Câmara de Vereadores é que exercia o poder executivo municipal. Portanto, não havia prefeitura, nem prefeito. O vereador mais votado era o presidente da Câmara e Chefe do Executivo Municipal. Por isso é que a Câmara decidia sobre todas as questões administrativas, sendo grande parte das atribuições legislativas exercida pela Assembleia Provincial. Pela lei federal nº 16, de 13.11.1891, foi criada a Intendência ocupada pelo Intendente Municipal, que seria um dos vereadores, escolhido entre seus pares. A Câmara passou a se chamar Conselho de Intendência e ela é que passou a determinar a extensão do mandato do executivo, mas geralmente era por 12 meses. A partir de 1902, é que o Intendente passou a se chamar prefeito. Mas voltemos a Ribeirão Preto. Como se tratava de uma comunidade ainda basicamente rural, podemos observar outra preocupação constante daqueles primeiros edis: a conservação de estradas e pontes. Inúmeros requerimentos nesse sentido podem ser encontrados nas atas da Câmara, ainda muito bem conservadas. Terrível epidemia de varíola, chamada à época de bexiga, abateu-se sobre Ribeirão Preto em 1875 e a Câmara tomou decisões a respeito: a determinação da primeira vacinação pública, com a nomeação do vereador Bernardo Alves Pereira como vacinador oficial (ele que foi o nosso primeiro farmacêutico) e a construção de um novo cemitério, justamente na área ocupada hoje pela catedral e pela praça em frente. O antigo ficava nos fundos da antiga matriz, na atual Praça XV de Novembro. Mas uma das mais interessantes deliberações da primeira Câmara, em sua sessão de 15/07/1874, foi sobre o arruamento da vila, com a demarcação e nomeação de suas primeiras ruas, travessas e largos (= praças). Vejamos: DENOMINAÇÃO ATUAL

PRIMEIRA DENOMINAÇÃO

Rua Visconde do Rio Branco

Rua da Boa Esperança

Rua Mariana Junqueira

Rua das Dores

Rua Duque de Caxias

Rua 4 de Julho

Rua General Osório

Rua do Bonfim

Rua Saldanha Marinho

Travessa do Botafogo

Rua Amador Bueno

Travessa da Alegria

Rua Álvares Cabral

Travessa Boa Vista

Rua Tibiriçá

Travessa das Flores

Rua Visconde de Inhaúma

Travessa das Dores

Rua Barão do Amazonas

Travessa das Lages

Praça XV de Novembro

Largo da Matriz

Praça Tiradentes

Largo das Dores

Fonte: CIONE, 1997, pp. 429-431.


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Baixada da Rua General Osório em 1900. É possível observar que uma parte do ribeirão Preto já está canalizada nestas imediações. A Rua General Osório se tornava o grande eixo comercial ligando o centro da vila até a Estação da Mogiana, às margens do ribeirão Preto.

Portanto, quatro ruas, seis travessas e dois largos. Estes foram nossos primeiros logradouros públicos. As ruas subiam a partir do ribeirão Preto; as travessas cortavam as ruas, subindo a partir do córrego do Retiro. Os devotos de Nossa Senhora das Dores deviam ser numerosos naqueles tempos, pois ela tinha uma rua, uma travessa e um largo. Mas existe uma explicação lógica: sua capelinha ficava na confluência da Rua das Dores com a Travessa das Dores. O antigo largo do mesmo nome também foi chamado, após a proclamação da República, de Praça da Constituição e corresponde hoje à Praça Tiradentes. E isso tem também uma explicação: só na República foi criado o mito do herói Tiradentes e passou a ser reverenciada a sua memória. A Travessa da Alegria, atual Amador Bueno, tem o seu nome justificado pela presença ali das diversões noturnas várias, inclusive prostíbulos. A Rua Mariana Junqueira acabou recebendo por muito tempo o nome de Rua do Comércio. E era mesmo: local do comércio mais desenvolvido da vila. Percebe-se que a Rua José Bonifácio ainda não existia. Ela só aparece bem mais para o final do século e será a rua de maior movimento da cidade no auge da efervescência cafeeira, nas décadas de 1910 e 1920.

Um mapa de Ribeirão Preto, de 1890, mostra que a Rua José Bonifácio ainda não existia.


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Mas o povo também criava apelidos e nomes populares para nossas ruas. E é por isso que tivemos a Rua do Sapo - a atual Visconde do Rio Branco. O apelido justifica-se por si mesmo: tínhamos ali, pelas confluências do ribeirão Preto e do córrego do Retiro uma área alagadiça com muitos brejais habitados por sonoros batráquios. Era a Ribeirão Preto daqueles tempos.

O córrego do Retiro com edificações na sua margem direita, na Fazenda do Retiro. Após a sua canalização, abriu-se uma rua na sua margem esquerda, então denominada Rua do Retiro, e que mais tarde será a Avenida Dr. Francisco Junqueira.

Até 1877, as reuniões da Câmara ocorreram nas residências dos seus presidentes. A partir desse ano, foram transferidas para casas alugadas. Até que em 1889, passou a funcionar em dependências próprias, ocupando o pavimento superior do prédio onde também funcionava a cadeia pública da cidade, no inferior. As sessões do júri também funcionavam no pavimento superior. Este prédio ficava localizado na Rua Cerqueira César, fronteiriço à Praça Barão do Rio Branco, onde hoje funciona o protocolo da Prefeitura. Interessante como Ribeirão ainda seguia alguns padrões urbanísticos coloniais já no final do Império. Nossas vilas coloniais tinham Cadeia e Câmara no mesmo prédio, sendo a primeira no andar inferior. Era sempre o edifício mais suntuoso do lugar, depois da igreja.

PRESIDENTES DA CÂMARA DE RIBEIRÃO PRETO DURANTE O IMPÉRIO E A 1ª REPÚBLICA João Gonçalves dos Santos (1874-1877) Luiz Herculano de Souza Junqueira (1877-1881) Joaquim Estanislau da Silva Gusmão (1881-1883) Luiz Antônio da Cunha Junqueira (1883-1887) Estanislau da Silva Gusmão (1887-1890) Públio Constâncio de Melo (1890-1892) Joaquim de Souza Melo (1892) Fernando Ferreira Leite (1896-1898)


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Fernando Ferreira Leite (1899-1902) Floriano Leite Ribeiro (1902-1905) Manoel Maximiano Junqueira (1905-1908) Antônio Vicente Ferraz Sampaio (1908-1911) Manoel Maximiniano Junqueira ( 1911-1914) Francisco Schmidt (1914-1917) Francisco da Cunha Junqueira (1920-1923) Fábio de Sá Barreto (1923-1926) Joaquim Camilo de Morais Mattos (1926-1929)

E O GOVERNO MANDA CONTAR A POPULAÇÃO A primeira vez que todas as pessoas do Brasil foram contadas, uma a uma, foi em 1872. Este foi o primeiro censo geral do Brasil, ainda na época do Império, durante o reinado de Dom Pedro II. Na província de São Paulo, este censo somente foi realizado em 1873 e também foi feito no distrito de São Simão, que ainda incluía em sua jurisdição a vila de São Sebastião do Ribeirão Preto, já criada oficialmente, porém ainda não instalada. Este censo, disponível no Arquivo Público do Estado de São Paulo, nos mostra uma radiografia perfeita de Ribeirão Preto nos seus primeiros dias de freguesia e de vila. Vejamos alguns dados interessantes: CONDIÇÃO SOCIAL HOMENS E MULHERES LIVRES

4695

HOMENS E MULHERES ESCRAVOS

857

TOTAL DA POPULAÇÃO

5552

CONDIÇÃO CIVIL HOMENS CASADOS

665

SOLTEIROS

1744

VIÚVOS

28

TOTAL DE HOMENS

2437

MULHERES CASADAS

658

SOLTEIRAS

1489

VIÚVAS

110

TOTAL DE MULHERES

2255

OCUPAÇÕES/PROFISSÕES LAVRADORES (AGROPECUÁRIA)

2657

EMPREGADOS DOMÉSTICOS

850

PROFESSORES

3

ARTESÃOS

29

COMERCIANTES, CAIXEIROS

20

OPERÁRIOS DIVERSOS

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CONDIÇÃO CULTURAL ANALFABETOS

5268

QUE SABEM LER E ESCREVER

281

POPULAÇÃO DE 6 A 15 ANOS

1696

* QUE FREQUENTAM A ESCOLA

70

* QUE NÃO FREQUENTAM A ESCOLA

1626

Alguns desses dados devem nos chamar a atenção. Ribeirão Preto tinha uma economia basicamente agrária, com a grande maioria de sua população ativa trabalhando na lavoura e na pecuária. Outras profissões e ocupações eram exercidas por um número muito pequeno de pessoas. Mas esta agropecuária era, na verdade, de subsistência. Algumas poucas fazendas já produziam, na época, algum café que era exportado por tropas de bestas para São Paulo e Santos. Outro dado interessante: havia muito mais viúvas que viúvos. Isso nos sugere que Ribeirão já seguia o padrão tradicional no que se refere a uma expectativa de vida maior para as mulheres. Um dado estarrecedor: a maioria absoluta da população era analfabeta, apenas 281 pessoas sabiam ler e escrever e das 1696 crianças e adolescentes de 6 a 15 anos, apenas 70 frequentavam a escola. Dá para perceber que melhorou muito essa situação daquela época até hoje! Além do censo do Império, temos outros dados parciais da população que incluíam Ribeirão Preto. Em 1887, um relatório da presidência da província dizia que naquele ano existiam em Ribeirão Preto 10.420 habitantes, sendo que 1.379 eram escravos. Sem dúvida, um crescimento extraordinário da população da década de 1870 para a de 1880! Os motivos ainda serão vistos em outros capítulos. Mas em 14 anos, a população havia crescido 87,7%! Mas, por outro lado, é chocante percebermos também o crescimento do número de escravos, em plena crise da mão de obra servil, atingindo em nossa cidade, às vésperas da abolição, um crescimento de 60,9% em comparação com 14 anos antes! Ainda voltaremos a este assunto.

QUEM ERAM NOSSOS PRIMEIROS CIDADÃOS

Um interessantíssimo documento de 1878, disponível no Arquivo Público do Estado de São Paulo, mostra quem eram exatamente nossos primeiros cidadãos ribeirão-pretanos na acepção exata da palavra: uma lista de qualificação de eleitores dividida em 24 quarteirões. Esses tais de quarteirões, na linguagem judicial da época, não eram bem os nossos quarteirões de hoje, as quadras urbanas. Eram, de fato, bairros rurais e urbanos, geralmente definidos geograficamente pelos córregos que cortavam a região. Assim, ainda aparecem nesse documento os quarteirões do Retiro, do Ribeirão Preto, do Laureano, etc. Era, sem dúvida, a população com residência e trabalho nas fazendas próximas. Mas o que nos chama mais a atenção são os dois primeiros quarteirões, correspondentes à Vila recém-emancipada há apenas cinco anos. Aqui, nós encontramos muitos cidadãos conhecidos, dos quais já falamos em páginas anteriores, ou seus descendentes diretos, com todas as suas qualificações. Então, vejamos:


FREGUESIA E VILA DE SÃO SEBASTIÃO DO RIBEIRÃO PRETO: PRIMEIROS TEMPOS | 49

1º quarteirão da vila

CIDADÃO

IDADE PROFISSÃO

ESTADO CIVIL

PAI

RENDA

Antônio Sotero Soares de Castilho

28

Tabelião

casado

Manoel Soares de Castilho

400

Antônio Luís Pimentel

62

Boticário

casado

José Manoel Pimentel

400

Antônio Bernardino Veloso

36

Coletor

casado

Manoel José Veloso de Almeida

400

Antônio Rodrigues do Prado

45

Carpinteiro

casado

Antônio Rodrigues do Prado

200

Antônio Joaquim dos Santos

34

Lavrador

casado

Joaquim Ignácio Ferreira

200

Agostinho Goulart da Silva

36

Carpinteiro

casado

Agostinho Goulart Alves

200

Cândido José da Silva

32

Negociante

casado

João Antônio da Silva

400

Eustáquio da Costa Rezende

45

Alfaiate

casado

José Gonçalves de Mello

400

Firmino Antônio de Siqueira

33

Negociante

casado

Joaquim Francisco de Siqueira

400

Francisco Pereira de Barros

40

Lavrador

casado

Antônio Pereira de Barros

200

Gabriel Joaquim Pinto

33

Carpinteiro

casado

Mariano José Pimenta

200

Joaquim Carneiro da Silva Braga

38

Boticário

casado

Domingos Carneiro da Silva Braga

400

Joaquim Francisco da Silva Onça

33

Empregado Público

casado

Francisco José da Silva Onça

400

João Fernandes Parreira

35

Carpinteiro

casado

João Fernandes Parreira

400

João Ignácio de Souza

30

Negociante

casado

Honorato José Corrêa

400

José Antônio Pereira

48

Oficial de Justiça

casado

Antônio José Pereira

200

José Batista da Silva

26

Oficial de Justiça

casado

Desconhecido

200

José da Motta Fontana

26

Escrivão de Paz

casado

Vicente José de Freitas

400

José Garcia Duarte Sobrinho

36

Escrivão

casado

Francisco Garcia Duarte

400

José Joaquim de Mello

45

Carpinteiro

casado

Antônio Pereira de Barros

200

José Luiz de Miranda

62

Lavrador

casado

José Luiz de Miranda

200

José Martins da Silva

40

Lavrador

casado

Ângelo Nogueira da Silva

200 400

Manoel Francisco da Silva Onça

29

Ferreiro

casado

Francisco José da Silva Onça

Manoel Soares de Castilho

63

?

casado

Sotero Soares de Castilho

200

Mariano Pedroso de Almeida

70

Lavrador

casado

Mariano José Pedroso

200

Manoel José de França

46

Fazendeiro

casado

Manoel José de França

400

Moisés Fernandes do Nascimento

31

Lavrador

casado

Manoel Fernandes do Nascimento

400

Padre Núnzio Greco

39

Vigário

solteiro

Dantas José Greco

400

Policarpo José Pacheco

32

Carpinteiro

casado

Lins Antônio Pacheco

200

Rodrigo José dos Santos

28

Sapateiro

casado

Desconhecido

200

Sabino Bezerra dos Reis

22

Carpinteiro

casado

Severino Bezerra dos Reis

200

Vicente Moraes Salles

40

Negociante

casado

Reginaldo de Moraes Salles

200

Zeferino José Vieira

48

Carpinteiro

casado

Francisco de Paula Vieira

400

Zeferino Ferreira da Silva

35

Ferreiro

casado

João Gomes da Silva

200


50 | Ribeirão Preto Revisitada

José antonio lages

2º quarteirão da vila CIDADÃO

IDADE

PROFISSÃO

ESTADO CIVIL

PAI

RENDA

Antônio Ferreira Lopes

29

Negociante

solteiro

João Bento Ferreira Lopes

400

Antônio Alves Pereira Campos

60

Carpinteiro

casado

Antônio Alves Pereira

400

Antônio Alves Pereira Júnior

25

Lavrador

casado

Antônio Alves Pereira Campos

400

Antônio Vaz Tosta

45

Lavrador

casado

Antônio Toledo da Silva

200

Bartolomeu Custódio Braga

36

Ourives

casado

Francisco Custódio Braga

200

Bernardo Alves Pereira

62

Fazendeiro

casado

Joaquim Alves Pereira

400

Balduíno Ferreira de Mello

25

Negociante

solteiro

João Bento Ferreira Lopes

200

Diogo Carlos Cardoso

61

Fazendeiro

casado

Joaquim Carlos Cardoso

400

Félix Custódio Braga

37

Ourives

casado

Francisco Custódio Braga

200

Francisco de Macedo

25

Negociante

casado

Carlos Carneiro da Silva Macedo

400

Francisco José Ferreira Júnior

28

Agências

casado

Francisco José Ferreira

200

Firmino Borges da Fonseca

36

Negociante

casado

Manoel Borges da Fonseca

400

Florêncio Gonçalves de Andrade

30

Negociante

casado

Pedro Gonçalves de Andrade

400

Gabriel Gonçalves Vallim

39

Lavrador

casado

Joaquim Gonçalves Vallim

200

Honorato Antônio de Faria

23

Carpinteiro

casado

João Antônio de Faria

400

Hypólito José dos Reis

32

Agências

viúvo

Matheus José dos Reis

200

Joaquim Antônio da Silva Rosa

29

Agências

casado

Manoel Antônio da Silva

200

José Domingos de Oliveira

35

Carpinteiro

casado

Desconhecido

200

Joaquim Pereira Garcia

55

Lavrador

casado

José Theodoro do Prado

400

Joaquim Borges da Silva

37

Negociante

casado

João Borges da Silva

200

José Martins Lemes

38

Lavrador

casado

Domingos Martins de Lemes

200

Ildefonso de Assis Pinto

37

Advogado

casado

Francisco de Assis Pinto e Andrade

200

José Venâncio Cardoso

38

Carpinteiro

casado

Joaquim Venâncio Cardoso

400

João Ferreira da Silva

39

Lavrador

casado

Antônio Ferreira da Silva

200

João Francisco Leite

60

Oficial de Justiça

casado

Desconhecido

400

João de Freitas Pacheco

50

Negociante

casado

Miguel José de Freitas

200

José Pedro do Prado e Silva

28

Carpinteiro

casado

José Thomé do Prado e Silva

400

José Antônio Ribeiro

26

Carpinteiro

casado

Antônio Manoel Ribeiro

400

José Gomes do Amaral

43

Negociante

casado

Manoel Gomes do Amaral

200

Luiz Gonzaga Bezerra dos Reis

26

Carpinteiro

casado

Severino Bezerra dos Reis

200

Ramiro Lins de Oliveira Pimentel

30

Empregado Público

casado

Antônio Luiz Pimentel

400

Saturnino José da Silva

35

Negociante

casado

Francisco José da Silva

200

Alguns dados interessantes podem ser ressaltados dessas duas listas. Em primeiro lugar, por que a anotação da renda? Porque o voto no Império era censitário e somente os cidadãos com renda anual mínima de 200$000 (duzentos mil réis) podiam votar e somente aqueles com mais de


FREGUESIA E VILA DE SÃO SEBASTIÃO DO RIBEIRÃO PRETO: PRIMEIROS TEMPOS | 51

400$000 (quatrocentos mil réis) eram elegíveis. Assim, podemos observar que quase todos os elegíveis em Ribeirão Preto eram, geralmente, fazendeiros, negociantes, empregados públicos e alguns poucos lavradores. O grande número de carpinteiros sugere-nos um núcleo urbano em plena efervescência de construções de moradias, verdadeira frente pioneira da economia cafeeira que avançava sertão a dentro. Algumas figuras ilustres aqui aparecem: Mariano Pedroso de Almeida, um dos doadores de terra para a constituição do patrimônio da Igreja; membros da família Reis de Araújo e Bezerra dos Reis, como Hypólito José dos Reis, Sabino Bezerra dos Reis e Luiz Gonzaga Bezerra dos Reis; o primeiro vigário, Pe. Núnzio Grecco; Moisés Fernandes do Nascimento, filho do fabriqueiro que morreu assassinado, Manoel Fernandes do Nascimento e o fundador do primeiro jornal impresso de Ribeirão Preto, “A Lucta”, Ramiro Lins de Oliveira Pimentel.

E PRETENDERAM MUDAR O NOME DA VILA Pela Lei da Assembleia Provincial nº 34, de 7 de abril de 1879, foi mudada a denominação de Ribeirão Preto para “Entre Rios”. Isso foi feito a pedido da própria Câmara Municipal, como se vê da seguinte indicação que consta da ata de 26 de fevereiro de 1878: “Pelo vereador Velloso foi indicado que, havendo outro lugar denominado Ribeirão Preto, para os lados de Faxina, fazendo com que muitas vezes, as correspondências daqui vão para lá e as de lá para aqui, propõe a mudança do nome dessa vila, oficiando-se a Assembléia Provincial para o aprovar e, desde já, indica também para ser adotado o nome de Entre-Rios, por estar a povoação entre os rios Pardo e Mogiguaçu. Foi aprovado, sem discussão” 8.

Como era fácil mudar o nome dos lugares naquele tempo... Foi aprovado sem discussão... Até parece muitas sessões das Câmaras de hoje... “Ribeirão Preto”, o outro lugar a que se refere o vereador Velloso, era o atual município de Ribeirão Branco, desmembrado do de Faxina em 1892. Mas não tinha mesmo nenhuma lógica a mudança de nome para “Entre Rios”, pois se existia outro “Ribeirão Preto”, outros lugares também existiam com a denominação de Entre Rios. De resto, os rios Pardo e Mogi Guaçu ficam muito distantes do centro urbano... Na verdade, este entre-rios mais próximo, sem dúvida, era o ribeirão Preto e o córrego do Retiro. Por outro lado, a denominação de “Ribeirão Preto” tem suas raízes históricas inquestionáveis, seja do seu curso d’água, seja da sua primitiva fazenda do mesmo nome. A Câmara daquele tempo, ao aprovar sem discussão a mudança do nome da vila, até parece que não tinha a mínima sensibilidade para essas questões de fundamentação histórica. A reação popular parece ter sido tão grande que a Lei Provincial nº 99, de 30 de junho de 1881, restabeleceu a primitiva e atual denominação.

8

Atas da Câmara: Lei 34 de 7 de abril de 1879. Ribeirão Preto: Arquivo Municipal e Histórico de Ribeirão Preto.


52 | Ribeirão Preto Revisitada

José antonio lages

E CHEGA A ESTRADA DE FERRO

Vista do Solar Vila Lobos, tendo em frente à estação provisória da Cia. Mogiana, trilhos, e edificações próximas à atual Av. Caramuru. No fundo, campo e mata que correspondem aos atuais bairros República e Vila Virgínia.

Nas palavras de Rubem Cione, “Não seria possível escrever a História de Ribeirão Preto, sem dizer que foi a Companhia Mogiana fator de seu grande desenvolvimento, o elemento primacial, a precursora da admirável e maravilhosa zona cafeeira que ela descortinou e deu impulso com a força de suas locomotivas.” (CIONE, 1989, 187).

Mas com o olhar mais crítico sobre aquele momento, Rodrigo Santos Faria9 esquadrinha o significado profundo da chegada dos trilhos da Mogiana em Ribeirão Preto: “Do pavor e da alegria diante do deslumbramento do trem, significando uma ruptura que se iniciava com a transformação da cidade através da eliminação dos resquícios da vila rural e pelo receio da nova condição urbana que se formaria então”. (FARIA, 2010, 53)

No decorrer da expansão da lavoura cafeeira pelo Oeste Paulista, durante a segunda metade do século XIX, duas companhias de estradas de ferro rivalizavam entre si para alcançar com seus trilhos as principais áreas de produção. A mais antiga delas era a Companhia Paulista de Estrada de Ferro que chegou primeiro à região de Ribeirão Preto, lançando um ramal que atravessou o Rio Mogi Guaçu e atingiu Barrinha. Mas a Companhia Mogiana de Estrada de Ferro, sua rival, conseguiu antes a concessão para alcançar Ribeirão Preto, interceptando os propósitos da Paulista. Seu primeiro diretor foi o Dr. 9 Rodrigo Santos de Faria graduou-se arquiteto-urbanista pelo Centro Universitário Moura Lacerda de Ribeirão Preto em 1999. É mestre e doutor em História pelo Departamento de História do IFCH-UNICAMP e professor adjunto do Departamento de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo e do programa de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília. Seu trabalho Ribeirão Preto, uma cidade em construção: o discurso da higiene, beleza e disciplina na modernização Entre Rios (1895-1930) pode ser considerado um dos mais importantes sobre a modernização de Ribeirão Preto sobre a ótica da higienização e exclusão social.


FREGUESIA E VILA DE SÃO SEBASTIÃO DO RIBEIRÃO PRETO: PRIMEIROS TEMPOS | 53

Antônio de Queiróz Telles, o Conde de Parnaíba, fazendeiro de Mogi Mirim, e que em 1886 foi nomeado para presidente da província de São Paulo. É de se presumir que as vantagens auferidas na época pela empresa foram conseguidas certamente pelo seu grande prestígio político e de outros membros da sua diretoria. A Companhia Mogiana de Estrada de Ferro, que deu seu nome à região, foi fundada por paulistas que requereram a concessão do governo da província de São Paulo. Esta concessão foi dada pela Lei Provincial nº 18, de 21 de março de 1872 que autorizava a construção de uma estrada de ferro ligando as cidades de Campinas a Mogi Mirim, com um ramal para Amparo e prolongamento até as margens do Rio Grande, fronteira com a província de Minas Gerais. Essa lei concedia, por 90 anos, uma garantia de juros de 7% sobre capital de 3.000.000$000, referente às obras do trecho até Mogi Mirim e Amparo; o trecho até o Rio Grande, passando por casa Branca e Franca, não teria essa garantia. Antes de celebrado o contrato com o governo a 19 de junho de 1873, a Mogiana já dera início à construção da ferrovia, isto no dia 2 de dezembro de 1872. Ela foi aberta ao tráfego em 3 de maio de 1875 com a inauguração do primeiro trecho de 34 km, de Campinas a Jaguari. A chegada dos trilhos a Mogi Mirim, em 27 de agosto de 1875, contou inclusive com a presença do imperador Dom Pedro II. O ramal de Amparo foi inaugurado em 15 de novembro de 1875 e atingiu Casa Branca em janeiro de 1878. Após muita polêmica com a Cia. Paulista, a Mogiana conseguiu a 8 de junho de 1880 a concessão para prolongar seus trilhos até Ribeirão Preto, na época, chamada de Vila de Entre Rios. Com 87 km construídos em apenas um ano, o primeiro tronco de prolongamento atingiu São Simão em 16 de agosto de 1882. Em 23 de novembro de 1883, o segundo tronco de São Simão a Ribeirão Preto era festivamente inaugurado!

A MOGIANA NÃO FOI BEM RECEBIDA EM RIBEIRÃO PRETO

Antiga Estação da Mogiana onde hoje se encontra o Pronto Socorro Central.


54 | Ribeirão Preto Revisitada

José antonio lages

Mas a Mogiana não contava com as simpatias dos fazendeiros, dos cafeicultores e da liderança política dos primeiros tempos da vila de São Sebastião do Ribeirão Preto. A Câmara, por exemplo, tinha preferência pela Companhia Paulista e até mesmo pedidos foram feitos à Assembleia Provincial a seu favor na polêmica que se instalou para saber quem ficaria com Ribeirão Preto. Mas a Câmara não teve sucesso. Às vésperas da chegada dos trilhos da Mogiana, em 4 de junho de 1883, a Câmara se indispôs abertamente com a Mogiana devido à escolha do local para a construção da estação. A ata daquele dia cita uma indicação assinada pelo vereador Antônio Bento Ferreira Lopes: “Constando estar marcado o local para a estação da ferrovia desta vila, além do córrego do Ribeirão Preto, e sendo isso muito prejudicial, quer encarado pelo lado da comodidade pública, quer encarado pelo da salubridade, pois ficará muito distante para os moradores do centro e dos subúrbios da parte oposta da vila e é esse ribeirão considerado maleitoso e, além disso, sempre na estação das águas, sofre inundações que impelem a passagem para fora do leito. Por isso indico que a Câmara represente à Diretoria da referida Companhia, a fim de que seja feita esta estação em qualquer lugar dentro da povoação ou, pelo menos, além do córrego do Retiro (área do Campos Elíseos e Jardim Paulista), que além de oferecer melhor comodidade pública, dispensará a Companhia de grandes despesas por serem os terrenos além do ribeirão Preto brejais e baixos e ao contrário em qualquer dos lugares indicados” (CIONE, 1989, 186). Apesar do alerta da Câmara, a Mogiana construiu a estação, na verdade um grande galpão, ao lado da chácara Villa Lobos, cujo terreno a Companhia comprou, na área que mais tarde ficará conhecida como bairro República (início da Av. Caramuru). De fato, era mesmo uma área sujeita a enchentes e muito próxima de brejos e alagadiços. A sede da chácara Villa Lobos dava de frente para a tal estação que não ficava muito longe de onde está construído o belo prédio da atual Câmara. Mesmo com todos aqueles contratempos, a Câmara de 1883 nomeou uma comissão para preparar os festejos de inauguração da ferrovia. Mas alguns dos escolhidos não aceitaram a indicação e a comissão teve de ser modificada. A Câmara deliberou ainda abrir um crédito de 300$000 (trezentos mil réis) para os festejos, mas posteriormente, por indicação de Cândido José da Silva, esta contribuição foi retirada. É que a Mogiana decidiu que a estação em construção seria provisória e os vereadores decidiram contribuir apenas com a inauguração da estação definitiva. Mesmo assim, houve a liberação de um crédito para pagamento das despesas de um baile comemorativo que foi realizado na noite do dia 24 de novembro de 1883. Mas quase um ano depois, o empreiteiro da festa ainda brigava com a Câmara para receber seu pagamento. Em fins de 1884, estava pronta a nova estação que dava frente para a Rua General Osório, uma espécie de “funil de vento” comprida, com a seção de despachos de encomendas, telégrafos, área livre para passageiros, sala de espera e o restaurante, medindo 250 metros. Ao lado, os primeiros armazéns (mais tarde, em 1927, é que foram construídos os novos onde hoje está a Estação Rodoviária), casa de máquinas, rotunda, casa de bombas d’água, oficinas e reparos. A memória dessa estação, que já não mais existe (foi demolida em 1967), é marcada na Praça Coronel Francisco Schmidt pela presença de uma antiga Maria Fumaça que rodou nos antigos trilhos da Mogiana.


FREGUESIA E VILA DE SÃO SEBASTIÃO DO RIBEIRÃO PRETO: PRIMEIROS TEMPOS | 55

O pátio da Estação da Mogiana, onde atualmente se localiza a Rodoviária.

A TERRA É ROXA E AS PLANTAÇÕES DE CAFÉ CRESCEM PARA TODO LADO

Na Fazenda Dumont um grupo de trabalhadores junto à plantação de café. Presença de crianças, um cavaleiro montado e uma carroça.

Durante a segunda metade do século XIX, a expansão cafeeira na região Sudeste deslocou-se do vale do Paraíba para o chamado “Oeste Paulista”. Ela era impulsionada por uma grande quantidade de terras férteis que os imigrantes italianos chamavam de “rossas”(=vermelhas, na sua língua), imitados pelos nacionais como “terras roxas”. Depois de criar fortunas no “Oeste Velho” (=região de Campinas), os cafezais foram se infiltrando cada vez mais pela Alta Mogiana, região de São Simão e Ribeirão Preto, que acabou ficando conhecida como “Oeste Novo”. Os quadros estatísticos abaixo mostram muito bem como a região da Mogiana foi se tornando a principal área produtora ao se aproximar do final do século XIX, consolidando essa posição na primeira década do século XX.


56 | Ribeirão Preto Revisitada

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Abaixo, podemos observar três momentos significativos da chamada “marcha do café”, deslocando-se do Vale do Paraíba paulista para a região da Mogiana:

1836 - Produção de café e a população da província de São Paulo Zona

% sobre a população total

População

Café - produção em arrobas

% café/ população

Norte

105.679

45,65

510.406

86,50

Central

102.733

44,30

70.378

11,93

Mogiana

20.341

8,79

821

0,14

Paulista

2.764

1,26

8.461

1,43

Araraquarense

-

-

-

-

Noroeste

-

-

-

-

Alta Sorocabana

-

-

-

-

TOTAL

231.517

100,00

590.066

100,00

Fonte: MILLIET, Sérgio. Roteiro do café e Outros Ensaios. São Paulo: Editora Bipa, 1946, 18.

1854 - Produção de café na província de São Paulo Zona

Café: produção em Arrobas

%

Norte

2.737.639

77,46

Centro

491.397

13,91

Mogiana

81.750

2,31

Paulista

223.470

6,32

Araraquarense

-

-

Noroeste

-

-

Alta Sorocabana

-

-

Total

3.534.256

100,00

Fonte: Milliet, Sérgio. op. cit., 18.

1886 - Produção de café e população na província de São Paulo Zona

População

% ao total

Café - produção em arrobas

% sobre o total

Norte

338.533

32,66

2.074.267

19,99

Central

299.216

28,86

3.008.350

Mogiana

163.831

15,80

2.262.599

29,00 21,81

Paulista

133.697

12,90

2.458.134

23,69

Araraquarense Noroeste Alta Sorocabana Total

43.358

4,18

420.000

4,05

Fonte: Milliet, Sérgio. op. cit., 18.

-

-

-

58.004

5,60

151.000

1.036.639

100,00

10.374.350

1,46

100,00


FREGUESIA E VILA DE SÃO SEBASTIÃO DO RIBEIRÃO PRETO: PRIMEIROS TEMPOS | 57

Na década de 1880, a região da Mogiana já era a terceira maior produtora da província de São Paulo, posição que passou para o primeiro lugar nas décadas imediatamente seguintes, já no período republicano, como ainda veremos. A inauguração dos trilhos da Mogiana significou a grande arrancada da lavoura cafeeira em Ribeirão Preto, colocando-a em contato direto com o mercado internacional, através do porto de Santos. Por esses trilhos vão também, agora, chegar os grandes capitalistas, ávidos de reproduzir fortunas, como também os trabalhadores europeus, os carcamanos, eternos sonhadores de uma vida melhor no ouro verde dos cafezais. O município de Ribeirão Preto foi se tornando um dos maiores celeiros da província de São Paulo pelo assombro maravilhoso de sua fertilidade e riqueza, universalmente conhecido como “Eldorado do Café”. Podemos datar de 1875 o início da arrancada de sua grande riqueza agrícola posta em evidência por dois nomes ilustres, Martinho Prado Júnior e Luiz Pereira Barreto. Luciana Suarez Lopes, na sua dissertação de mestrado Ribeirão Preto: a dinâmica da economia cafeeira de 1870 a 1930, apresentada no programa de pós-graduação da UNESP de Araraquara, em 2000, estudou a composição da riqueza em Ribeirão Preto de 1866 até 1888. Utilizando como fonte de dados uma amostra dos inventários post-mortem existentes nos cartórios do Primeiro e Segundo Ofícios da cidade, ela identificou os ativos que integravam o patrimônio dos indivíduos inventariados, bem como o peso de cada um desses ativos na composição do monte-mór dos processos analisados. Seu objetivo principal foi comparar três décadas distintas - 1860, 1870 e 1880 -, período no qual se verifica a introdução da lavoura cafeeira na região, para identificar possíveis semelhanças ou diferenças nas porcentagens de cada ativo na formação do patrimônio pessoal dos habitantes locais, durante as últimas décadas do regime escravista.

MORAES OCTÁVIO: MUITO CAFÉ PLANTADO POR ESCRAVOS

João Franco de Moraes Octávio com esposa e filhas. Da esquerda para direita: Tita, Virginia e Anna (esposa, com a mão esquerda sobre o ombro de João Franco); Mirandolina Braga (filha com a mão direita sobre o ombro do pai). João Franco foi fazendeiro e primeiro proprietário da Fazenda Monte Alegre, comprada posteriormente por Francisco Schmidt.


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O primeiro dos maiores cafeicultores de Ribeirão Preto, no entanto, foi o Coronel João Franco de Morais Octávio, já estabelecido por aqui por volta de 1870. Suas fazendas estendiam-se também pelos municípios de Serrana, Cravinhos, Pradópolis, Santa Cruz das Posses, Dumont e Sertãozinho. Descendente de paulistas, ele era filho de André Bueno de Moraes (que ainda vivia em 1878, então com 58 anos, na sua fazenda no Laureano) e Maria Franco Cardoso. Seu pai, nascido em Atibaia, era filho de Francisco Bueno de Moraes e Maria Gonçalves da Cunha. Os avós maternos de João Franco eram Bartolomeu Franco de Godói e Rita Pires Cardoso 10. Depois de passar a infância em Atibaia, passou por Belém do Descalvado, onde fez fortuna adquirindo fazendas e plantando café. Em 1859, sua família recebeu em Descalvado, como colonos seus, os pais do futuro Coronel Francisco Schmidt, que tinha, então, apenas 9 anos de idade, quando estes emigraram da Alemanha para o Brasil. Morais Octávio e Francisco Schmidt estabeleceram uma verdadeira parceria a que muito deve a expansão cafeeira no Oeste Paulista. É que Schmidt, depois de fazer fortuna com comércio de secos e molhados em Descalvado, comprou terras de Morais Octávio, por volta de 1870, naquela região. Mais tarde, em 1890, com ambos já em Ribeirão Preto, Schmidt adquiriu do mesmo Moraes Octávio as terras da Fazenda Monte Alegre, que se transformou na maior fazenda produtora de café do mundo. O Coronel João Franco de Morais Octávio era escravocrata convicto e, por isso, correu a conversa de que deixou de ser agraciado pelo imperador com o título de Barão. Mas não deixou por menos: pulou para o lado dos republicanos tão logo a princesa Isabel assinou a Lei Áurea, sendo por isso conhecido como um dos “republicanos do 13 de maio”. Sua vida pública em Ribeirão Preto foi uma das mais brilhantes e intensas. Contribuiu com recursos próprios para várias obras e melhoramentos urbanísticos na vila, foi vereador e possuiu quase todas as terras que hoje formam os bairros Campos Elíseos e Vila Tibério. E por falar na Vila Tibério, uma de suas filhas, Deolinda Franco, casou-se com Tibério Augusto Garcia de Sena, outro mineiro a quem este bairro deve o seu nome. João Franco faleceu em 1892 e seus restos mortais foram transladados mais tarde para o Cemitério da Saudade, onde se encontram, junto aos de outros parentes seus, na segunda sepultura à esquerda de quem entra pelo portão da Av. Saudade. MARTINHO PRADO JÚNIOR

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Conforme Silva Leme, vol. 7, p. 146.


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Martinho Prado Júnior era homem culto, inteligente e dinâmico. Agricultor moderno, ele foi dedicado homem público, político republicano e célebre orador. Atraído pelos artigos de Luiz Pereira Barreto, visitou a região de Ribeirão Preto em 1877. As observações e informações coletadas durante sua viagem transformaram-no em um dos maiores propagandistas da terra roxa e de suas potencialidades para a cultura de café em larga escala. Uma série de interessantes artigos assinados por Martinho Prado Júnior foi publicada por volta de 1877 no jornal “A Província de São Paulo” (atual jornal “Estado de São Paulo”), descrevendo em um estilo interessante e pitoresco as primeiras impressões sobre o futuro “Eldorado do café”. Iniciou na região a organização de fazendas gigantescas que possuíam centenas de milhares ou milhões de pés de café. Guatapará foi uma delas, com mais de dois milhões de pés de café, formada por ele e continuada, mais tarde, por um dos seus filhos, Plínio de Castro Prado. Ela foi verdadeiro modelo de propriedade agrícola, pela sua organização moderna, prática e racional, bem ao estilo capitalista. Dr. Martinho Prado Júnior, o mesmo Martinico Prado de uma das nossas ruas da Vila Tibério, foi o extraordinário propagandista desta zona cafeeira que ele classifica como “uniforme pelos seus maravilhosos terrenos, prestando-se a constituir num futuro próximo, um verdadeiro Estado dentro do Estado” (PRADO JÚNIOR, 1877). LUIZ PEREIRA BARRETO – AGRÔNOMO E CAFEICULTOR

Já Luiz Pereira Barreto foi o primeiro agrônomo brasileiro, diplomado pela Universidade de Bruxelas, na Bélgica, médico e cientista de alta competência e talento, escritor de larga envergadura e de vastíssima erudição. Positivista de primeira hora, ele nasceu em janeiro de 1840, em Rezende, e faleceu em São Paulo em 1923. Fixou residência em Ribeirão Preto entre 1905 e 1912, depois de morar durante muito tempo em sua fazenda, em Cravinhos. A sua admiração pela fertilidade das terras roxas o levou a mandar amostras para a Bélgica, para serem quimicamente examinadas. Verificou-se possuir as mais altas e extraordinárias qualidades de produção. Escreveu também vários artigos em jornais


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celebrizando a fertilidade das terras de Ribeirão Preto, principalmente no jornal “A Província de São Paulo”, o que despertou a atenção de outro grande futuro cafeicultor, Martinho Prado Júnior, de quem já falamos. Já tendo adquirido a fazenda Cravinhos, Luiz Pereira Barreto se propôs a arranjar comprador para a fazenda Santa Maria, lembrando-se do irmão, Rodrigo Pereira Barreto, também fazendeiro no Vale do Paraíba. Rodrigo acabou estabelecendo-se na região antes do seu irmão Luiz que, acompanhado ainda de outro irmão, Cândido Pereira Barreto, aqui chegou em novembro de 1876, iniciando logo a plantação de milhares de cafeeiros. A irmandade dos Barretos ainda tinha Miguel Pereira Barreto e Jefferson Pereira Barreto. Mas o maior mérito debitado a Luiz Pereira Barreto foi o de ter trazido de Rezende para Ribeirão Preto a variedade do café “Bourbon” (enviada da França para ele por um seu primo que lá residia, juntamente com a manga “bourbon”) que muito bem se adaptou no Oeste Novo. O historiador Plínio Travassos dos Santos, em obra inédita, fez um minucioso estudo sobre a origem do café bourbon, sua rota de expansão no Brasil e sua chegada a Ribeirão Preto pelas mãos de Luiz Pereira Barreto.

GEADA: A GRANDE INIMIGA DOS CAFEICULTORES DESDE OS PRIMEIROS TEMPOS

Fazenda de Martinho Prado Júnior, possivelmente, fazenda Guatapará. Vista de uma estrada ladeada por cafezal, uma carroça e pessoas.

“Em 1879, talvez com igual violência ao de 1870, mas certamente com muito maior prejuízo, reproduziu-se o fenômeno da geada. Muita gente desanimou. Os cafés novos desapareceram quase completamente, torrados pela queima do gelo... “... mas Luiz Pereira Barreto e Martinico Prado, vibrantes de fé e de entusiasmo, inocularam em todos, em memorável campanha pela imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro, a confiança necessária para o prosseguimento sem temor... “E foi assim que Ribeirão Preto, dentro de poucos anos, trabalhado pelo braço negro e caboclo, e já em início da colaboração de colônias estrangeiras, notadamente a portuguesa e a italiana, e guiado por experimentados fazendeiros e pela sabedoria do Dr. Luiz Pereira


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Barreto, tornou-se o maior centro produtor de café do mundo, dando a São Paulo a primazia da agricultura brasileira... “E houve verdadeiro êxodo de gente de quase toda a parte, principalmente do norte da província, e de Minas e do Rio de Janeiro...” (SANTOS , Plínio Travassos. Ela está sempre em meu coração in Expiação, jornal A Cidade, 1928).

DESPEDIDA DE JOSÉ PEREIRA BARRETO, PAI DOS IRMÃOS BARRETO, AOS SEUS CONTERRÂNEOS DE REZENDE “Não podendo pessoalmente despedir-me de todos os meus caros parentes e amigos, e mui particularmente de meus mui bons e antigos vizinhos, a quem só devo atenção e gratidão, venho por este meio cumprir meu imperioso dever, aproveitando-me da oportunidade para oferecer-lhes meu franco préstimo na fazenda dos Cravinhos, município de Ribeirão Preto, em S. Paulo, onde pretendo fixar minha residência, e onde espero poder prestar toda a coadjuvação a todos os meus co-munícipes que também ali os leve a sorte. Para justificar em parte a minha retirada, em deserção de minha família desta cidade de Rezende, Princesa do Paraíba, onde todos vimos à luz e crescemos à sombra da estima e consideração pública, mais do que merecemos, e de onde só levo como companhia inseparável de meus já avançados anos, a saudade e o reconhecimento, faço transcrever de um jornal de São Paulo, o que diz o Dr. Martinho Prado Júnior, fazendeiro muito importante, ilustrado e insuspeito, a respeito do lugar que escolhemos para abrigo de nossa numerosa família. Rendendo o mais fervente culto aos sentimentos de bairrismo que neste momento confrangem-me o coração, e ligando uma lágrima de saudade ao meu torrão natal, sigo adstricto à sorte dos filhos, que me arrastam a tão longínqua paragem. Não tomo a nuvem por Juno, e o Sr. Dr. Prado vai defender-me de qualquer suspeita menos favorável. 9 de fevereiro de 1878 José Pereira Barreto” 11

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BARRETO, José Pereira. Despedida. Jornal “Itatiaia”, Rezende (RJ), 9 de fevereiro de 1878.


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O TRABALHO NA LAVOURA CAFEEIRA: DOS ESCRAVOS AOS IMIGRANTES

Quem pensa que a escravidão negra não foi utilizada nas fazendas antigas da região está profundamente enganado. A escravidão existiu por aqui em larga escala, mesmo em uma época que se diz de crise deste tipo de mão de obra na lavoura cafeeira do chamado “Oeste Paulista”, antes da chegada em massa dos imigrantes europeus. A documentação que pode ser pesquisada nesse sentido é bastante grande. Estão aí os inventários que podem ser encontrados no arquivo do Fórum, pois os escravos eram bens transmitidos a herdeiros. A documentação paroquial nos mostra também batismos, casamentos e óbitos de escravos... Até mesmo livros de Cartório de Registro de Imóveis utilizados para registros de hipotecas de propriedades rurais e urbanas nos termos de Ribeirão Preto e São Simão nos mostram escravos, então chamados de “bens acessórios” sendo hipotecados com terras e benfeitorias. É possível extrair desses documentos informações e conclusões muito interessantes. Em trabalho apresentado no XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais (ABEP), realizado em Caxambu (MG), de 20 a 24 de setembro de 2004, Luciana Suarez Lopes procurou analisar a estrutura da posse de cativos em Ribeirão Preto no período de 1849 a 1888, época em que a escravidão caminhava para seus momentos finais e a cultura cafeeira despontava na região. Sua fonte de pesquisa foram os inventários post-mortem de proprietários de cativos, localizados no Fórum de São Simão e no Arquivo do Fórum de Ribeirão Preto. O estudo concentrase na análise das características dos proprietários de escravos, suas atividades econômicas, a estrutura da posse e, por fim, na caracterização da população cativa. Busca-se também verificar se realmente as atividades anteriores à cultura cafeeira limitavam-se à subsistência e qual o papel da mão de obra cativa no início da cafeicultura no oeste novo paulista. Luciana Suarez Lopes é doutora em História Econômica pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Algumas das informações a seguir foram retiradas deste seu trabalho.


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O TRABALHO ESCRAVO: EXPANSÃO E CRISE Uma das conclusões a que chegamos a partir da pesquisa documental é que a mentalidade dos primeiros cafeicultores da região de Ribeirão Preto era fortemente escravista, contrariando certa versão da historiografia tradicional. Talvez, uma rara exceção ficasse por conta da família Prado. Havia grandes plantéis particulares. Os pertencentes ao Coronel João Franco nas suas várias fazendas da região, aos irmãos Pereira Barreto em Cravinhos, Rodrigo, Jefferson e Cândido estavam dentre os maiores. É que a implantação e o desenvolvimento inicial da lavoura cafeeira no “Oeste Novo” Paulista explicam o aumento da participação do braço escravo na passagem da década de 1870 para a de 1880, importando de outras províncias ou de outras áreas de produção já decadente da própria província paulista, como o Vale do Paraíba. Vejamos a evolução do número de escravos em Ribeirão Preto exatamente no momento de decolagem da grande lavoura cafeeira, segundo fontes e estimativas oficias: 1873 ...................................................................................................... 857 escravos (1) 1874 ...................................................................................................... 663 escravos (2) 1885 ........................................................................................................ 57 escravos (3) 1887 (ano anterior à abolição da escravatura)..................................... 379 escravos (4) Fontes: 1. Censo Geral do Império de 1872, realizado em São Paulo em 1873. In MARQUES, Manoel Eusébio de Azevedo. Apontamentos históricos, geográficos, biográficos e noticiosos da Província de São Paulo. São Paulo: s/Ed., 1879, p. 134. 2. SANTOS, Ronaldo Marcos dos. Resistência e Superação do escravismo na província de São Paulo. São Paulo: Instituto de Pesquisas Econômicas, USP, dissertação de mestrado, 1980. 3. Idem. 4. Relatório do Presidente da Província de São Paulo. In COSTA, Osmani Emboaba da. História da Fundação de Ribeirão Preto: s/Ed., 1955, p. 15, nota 6 (Coleção Revista de História). A relação entre população livre e população escrava nos fornece os seguintes números: no censo de 1873, para um total de 5.552 habitantes em Ribeirão Preto, os escravos constituíam 15,3% da população total, mas já em 1887, um ano antes da abolição, para um total de 10.420 habitantes, os escravos representavam ainda 13,2% da população total. Pelos documentos já citados, podemos afirmar que a maioria dos escravos em Ribeirão Preto eram homens, com idade entre 16 e 45 anos, 40% deles originários de outras áreas da província, outros 40% originários especificamente do Vale do Paraíba (SP e RJ), alguns poucos de províncias do Nordeste e uma minoria de Minas Gerais. Quanto aos serviços desempenhados pelos escravos, 70% deles, incluindo homens e mulheres, trabalhavam na lavoura. Entre as escravas, algumas eram utilizadas como cozinheiras e mucamas e uma minoria como lavadeiras e engomadeiras! A CONSCIÊNCIA DE CLASSE DA ARISTOCRACIA RURAL A grande propriedade não oferecia perspectivas de realização econômica aos trabalhadores livres e nem permitia a liberação de terras economicamente viáveis à cons-


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tituição da pequena propriedade. Isto dificultava ao extremo a substituição do trabalho escravo pelo livre. Por outro lado, a própria ausência de transformações técnicas na lavoura tornava impossível a liberação da força de trabalho e a formação de um exército de reserva. Estes fatores explicam o fracasso dos primeiros projetos imigracionistas. Os trabalhadores europeus não chegavam em número suficiente, pelo menos, até a abolição. Na transição do trabalho escravo para o trabalho livre no Brasil, chama-nos a atenção a consciência de classe daquela aristocracia rural. Sem dúvida, consciência essa forjada na experiência histórica europeia e na Guerra de Secessão dos Estados Unidos, que enfatizaram e deixaram muito claro que, para preservar a sociedade de classes, era necessário estabelecer até que ponto e qual propriedade poderia ser abolida para que a sociedade de classes não desaparecesse. Era necessário abolir a propriedade privada configurada no escravo, mas com moderação e sem que se generalizasse todo tipo de propriedade. A crise da mão de obra escrava, como se convencionou chamar o esgotamento histórico da utilização desse tipo de mão de obra no Brasil, a partir da lei Eusébio de Queiróz que aboliu o tráfico internacional em 1850, não foi sentida diretamente na região de Ribeirão Preto. A escassez e os altos preços do tráfico interprovincial, as pressões internacionais, a campanha abolicionista e, principalmente, as fugas e revoltas dos negros condenavam a escravidão ao desaparecimento mais ou menos imediato no momento em que se aumentava a utilização de escravos nas fazendas de Ribeirão Preto. Mas a chegada dos trilhos da Mogiana em 1883 marca o momento da desorganização definitiva da mão de obra escrava, seguindo aqui também o padrão geral da crise na principal província cafeeira do Império. A derrocada da escravidão em Ribeirão Preto deu-se, na verdade, nos últimos cinco anos antes da abolição. Até então, como já vimos, era crescente a utilização de escravos na lavoura de café, é o que dizem os dados disponíveis.

E RIBEIRÃO PRETO TAMBÉM EXTINGUE A ESCRAVIDÃO Na 5ª Legislatura da Câmara Municipal de Ribeirão Preto (1887-1890), na sessão do dia 3 de agosto de 1887 – portanto antes da Lei Áurea - os vereadores aprovaram, por unanimidade, a libertação dos escravos em todo o município, numa proposta do monarquista Rodrigo Pereira Barreto. Era preferível entregar os anéis para não perder os dedos... Martinico Prado em Guatapará, Henrique Dumont em Dumont, os Pereira Barreto em Cravinhos, Horácio Correia de Carvalho em Santa Cruz das Posses e vários outros fazendeiros libertaram seus escravos nove meses antes da Lei Áurea. Em 5 de agosto, na Câmara, foi aberto livro próprio para registrar as alforrias de acordo com a referida lei. Aliás, este foi um fato muito comum: a aprovação de leis provinciais e municipais extinguindo a escravidão em diversas partes do Império, antes da lei geral assinada pela princesa Isabel em 13 de maio de 1888. Por outro lado, iniciativas como essa partiam quase sempre de monarquistas convictos. Era que muitos tinham a plena consciência de que o imbróglio da escravidão poderia levar de roldão (como de fato levou) o regime imperial não reciclado à sua falência. Rodrigo Pereira Barreto quis se antecipar à hora da verdade para poder salvar aquilo que a consciência de sua classe valorizava mais - o direito de propriedade e o controle do poder político.


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De qualquer maneira, este fato ainda foi pouco estudado pelos historiadores de Ribeirão Preto, se bem que possa ser perfeitamente entendido pela análise histórica mais geral, como veremos a seguir. OS INTERESSES EM TORNO DA ABOLIÇÃO A partir da crise da escravidão, não se discutiu mais se esta deveria ou não ser abolida. Ao contrário, passou-se a aceitar sua abolição como um fato consumado, e as divergências entre os partidos, classes dominantes e o próprio movimento abolicionista radical eram apenas a respeito da forma, do ritmo e da profundidade das transformações. A classe dominante, encastelada no aparelho de Estado, dividiu-se em duas alas: “Temos, então, um setor dominante, tradicional, hegemônico na estrutura de poder do Estado, que defende um rápido fim da escravidão, sem indenizações e que, no entanto, se opõe a transformações na estrutura do poder - fim do Conselho de Estado e Senado vitalício - assim como à ampliação do aparelho de Estado” (MATTOS, 1990, 78). Por outro lado, os setores dominantes emergentes, liderados pela cafeicultura paulista, mantêm na Câmara uma firme posição contrária a um rápido fim da escravidão e, no entanto, lutam por uma transformação da estrutura de poder do Estado, condição básica para a obtenção de um aparelhamento que venha atender às novas necessidades colocadas pela crescente utilização do trabalho livre. Percebemos, então, que o setor teoricamente mais interessado no fim da escravidão - os fazendeiros de São Paulo - era justamente o que preconizava certo prazo para o fim da mesma e tentou retardá-la o quanto puderam. Isso porque não se contava ainda com um mercado de trabalho livre que pudesse, da noite para o dia, fornecer o trabalhador substituto do escravo. A classe proprietária paulista exigia, pois, não apenas a substituição lenta do escravo pelo trabalhador livre, mas também uma profunda mudança na estrutura de poder do Estado para que pudesse participar das decisões políticas gerais e principalmente da questão da transição da mão de obra. Mas é importante ressaltar que ambas as correntes tinham a firme intenção de encaminhar a transição sem abalar o latifúndio. Assim, quando propunham alterações na estrutura de poder, preparando o caminho para o trabalho livre, os fazendeiros paulistas e seus poucos representantes na Corte pensavam, na verdade, em pequenas modificações políticas que, contudo, não colocassem em questão as relações capitalistas de produção. Mas, acima de toda esta polêmica, uma inteligência ímpar vai preparando o futuro - Martinho Prado Júnior, de que já falamos e ainda vamos falar mais.

E CHEGAM OS CARCAMANOS! Ninguém melhor que Júlio José Chiavenato descreveu a vida dos “Coronéis e Carcamanos” em Ribeirão Preto no final do século XIX e início do século XX. Aliás, quando, alguns anos atrás, a indicação da leitura de seu romance a alunos de 7ª série por uma professora de uma escola estadual provocou a maior polêmica nos meios educacionais, atingindo até a Câmara Municipal, não era mesmo para deixar por menos. Não foi bem a linguagem escrachada de Chiavenato a causadora


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principal de tanta histeria moralista, mas, sem dúvida, o dedo na ferida da exploração do trabalho nas fazendas de café e as péssimas condições de vida dos imigrantes europeus, coisa que já se perdeu da memória local, mas ainda faz parte da agenda atual das relações de trabalho na região, e não poderia vir novamente à tona para escandalizar descendentes de ambos os lados! Até a chegada da Mogiana, a presença por aqui de estrangeiros era mínima. A documentação mostra casos isolados, como os Pardi e os Bianconi, que se fixaram em Sertãozinho, como alguns dos primeiros. O Censo Geral do Império, realizado na província de São Paulo em 1873, mostra apenas três portugueses residentes em Ribeirão e dezessete em São Simão, fora os africanos, escravos ou libertos. Com a ligação ferroviária até o litoral, estava aberta a porta de entrada para os europeus que acorreram em massa aos cafezais de Ribeirão Preto e de toda a região. Mas a imigração não era coisa natural e espontânea, como muitos podem imaginar. Itália e Alemanha, após a sua unificação política consolidada em 1870, iniciaram rapidamente sua Revolução Industrial com todas as consequências bastante conhecidas deste processo histórico: abandono do campo, êxodo rural, desemprego e baixos salários nas cidades, etc. Os governos desses países chegaram a aprovar leis de incentivo à emigração, tentando assim diminuir a temperatura das questões sociais agitadas pelos socialistas e anarquistas em seus países. Coincide este contexto histórico europeu com a expansão da lavoura cafeeira para o Oeste Paulista tendo Ribeirão Preto como grande centro produtor, em um momento em que a utilização da mão de obra escrava estava seriamente comprometida pelos fatores diversos que já expusemos. Alguns cafeicultores mais espertos e inteligentes viram longe o futuro da imigração europeia para fornecer mão de obra numerosa e barata para suas fazendas. Já era bastante conhecida a discutida e fracassada experiência do Senador Vergueiro com seus suiços e alemães na sua fazenda Ibicaba, em Limeira. Era preciso, agora, não repetir os erros do senador e evitar, a qualquer custo, que a questão da mão de obra comprometesse toda a propriedade. Ninguém melhor que Chiavenato para colocar esta questão, destacando o importante papel da família Prado: A IMIGRAÇÃO SUBVENCIONADA PELO ESTADO

Fazenda Guatapará com trabalhadores imigrantes executando a secagem do café nos seus terreiros.

“Por trás de tudo, os olhos pequenos e vivos de Antônio Prado. E veio por fim, a abolição. Mesmo contra a burrice daquela gente do Clube da Lavoura de Campinas,


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mancomunada com o ministério de Sininbu, sabotando a imigração. O velho Prado foi um mestre: deixou os abolicionistas falarem, incentivou homens como Antônio Bento, fez aliança com inimigos. Mas o bote final foi seu. Enquanto os abolicionistas agitavam a política, no ar, provocando tempestades de vento que derrubariam o Império, ele criou uma estrutura de trabalho que preservou intacta a posse da terra. E vieram os imigrantes. Chegaram aos milhares, a maioria para o sertão brabo, o novo oeste do café. Ao tempo que Antônio Prado rompia com Cotegipe, depois de ter colocado João Alfredo na presidência da província; um mês depois que o mesmo João Alfredo passou o governo para o vice, Queiroz Telles, seu irmão Martinico Prado cantava nas orelhas lorpas dos futuros coronelões o que seria o sertão brabo, fundou a Sociedade Promotora da Imigração, em 2 de julho de 1886. Estava surgindo Ribeirão Preto. O golpe de mestre dos Prados foi total: os fazendeiros não precisavam mais investir diretamente na importação da mão-de-obra. O governo, através da sociedade, dotava verbas para compra de passagens, agenciamento de trabalhadores na Europa, especialmente na Itália. E depois amortizavam-se estes gastos aqui no Brasil com os próprios imigrantes pagando-os, em dívidas eternas aos fazendeiros” (CHIAVENATO, 1982, 78). Esse novo tipo de mão de obra era especialmente destinado ao surgimento de um novo poder, que manteria a estabilidade do sistema fundiário, não fragmentando a posse da terra. Criava uma inovação mais brutal que as violências que sofreram os colonos alemães e suíços do velho Vergueiro, na sua malfada experiência: não haveria mais colonos! Imigrante, agora, era simplesmente trabalhador assalariado, com muitas variantes dependendo de cada fazenda. Mas nunca, nunca mais, colono. De colono, sobrou só o nome. Eles não chegavam mais com a ilusão - embora lá por 1840 e 1850 a ilusão tivesse importantes assinaturas em contratos - de possuírem terras para cultivar. Nada: vinham para o eito, trabalhar para o fazendeiro. E mais: acaba-se a preocupação inicial de trazer gente especializada de um ou outro setor. O desastre de Ibicaba demonstrou que seria melhor trazer rudes trabalhadores braçais, um ou outro mestre de obras. Assim, não saberiam o que reivindicar, como lutar contra a exploração. E mais ainda: vinham famílias inteiras, os homens, suas mulheres e crianças. Era uma viagem sem retorno... Os lavradores contratados para o eito; as mulheres e crianças para cultivar de graça os terrenos vazios, plantar entre as talhas dos cafezais, cuidar dos bichos domésticos, servir à casa grande e, principalmente, ajudar na colheita. Tudo como antes - mudava-se a cor da pele dos trabalhadores e as relações formais de exploração do trabalho, para evitar a explosão do sistema.


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RIBEIRÃO PRETO AO FINAL DO SÉCULO XIX

O transporte de sacas de café era realizado por meio de uma malha de trilhos que atravessavam o perímetro da fazenda. Em 1886, Ribeirão Preto fervilhava. Fervilhava de gente e de café. A “Maria Fumaça” chegava trazendo os carcamanos e partia levando “ouro verde”. Alguns poucos escravos passando pelas suas ruas e travessas contrastavam com os ares capitalistas que iam tomando conta da vila. Mas, de qualquer forma, Ribeirão Preto estava no meio de uma crise. O escravismo dava seus últimos suspiros e os republicanos levantavam a espada para depor o trono. No meio desse turbilhão, olha quem chega! O Imperador, em pessoa!

Trabalhadores junto à locomotiva e vagões para transporte de café na Fazenda Chimborazo, da Companhia Agrícola Ribeirão Preto, na década de 1920.


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A VISITA DO IMPERADOR O Imperador Pedro II e Dona Tereza Cristina chegaram na vila de São Sebastião do Ribeirão Preto em 24 de outubro de 1886. Chegaram pela Mogiana. A estação ferroviária definitiva já havia sido inaugurada em fins de 1884, estabelecendo um pouco de paz nas tensas relações entre os políticos da terra e a companhia. A recepção oficial foi na própria estação. Para tal foram adquiridos móveis para a sala de estar. Esses móveis ainda podem ser vistos no Museu Histórico de Ordem Geral Plínio Travassos dos Santos, no campus da USP. Eles pernoitaram na Rua General Osório, nº 554 e que era a residência de Rodrigo Pereira Barreto, chefe dos monarquistas locais. Daqui, eles continuaram seu trajeto até Batatais, voltando depois para Ribeirão Preto. Três anos depois, os mesmos políticos e o mesmo povo que fizeram festas para Dom Pedro e Dona Tereza festejaram o golpe militar que depôs a Monarquia e os expulsou para a França...

Solar do Dr. Rodrigo Pereira Barreto, onde pernoitaram os imperadores Dom Pedro II e Dona Tereza Cristina, quando visitaram Ribeirão Preto em 1886, por ocasião da inauguração da estrada de ferro da Companhia Mogiana até Batatais. Estava localizado na Rua Luiz da Cunha, em frente à Praça Schmidt. Em 1889 foi adquirido por Martinho Prado, ficando conhecido como Palacete Martinho Prado. Posteriormente foi adquirido pela Cia. Antarctica Paulista, onde funcionou a sede da Fundação Antônio e Helena Zerrener. O prédio foi demolido durante a década de 70.

OUTROS VISITANTES DE 1886 Em maio desse mesmo ano, Ribeirão Preto recebeu a visita do presidente da província, Dr. Antônio de Queiróz Telles, o Visconde de Parnaíba. Foi hóspede de Tibério Augusto Garcia de Senne que morava então no largo da matriz, na Rua General Osório, nº 149, na numeração antiga, anterior à atual. Foi nessa ocasião que o Visconde plantou uma das famosas figueiras que ainda hoje existe na Praça XV. Plínio Travassos ainda se lembra de outro visitante daquele ano. Na página 67 de sua obra inédita, ele afirma que Dom Lino Deodato Rodrigues de Carvalho, bispo de São Paulo, fez uma visita pastoral a Ribeirão Preto, iniciada em 12 de julho de 1886.


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Sua passagem por aqui foi revestida de grande movimentação religiosa, inclusive com cerca de 3060 pessoas sendo crismadas. É oportuno lembrar que a então paróquia de São Sebastião de Ribeirão Preto abrangia, além de todo o município de Ribeirão Preto, também os hoje municípios vizinhos de Sertãozinho, Pontal, Dumont e Serrana.

E VIVA A REPÚBLICA!

Manifestação popular em frente à antiga Câmara de Ribeirão, tendo à frente o Coronel Francisco Schmidt. Este prédio ficava na esquina da Rua Tibiriçá com a Rua Florêncio de Abreu, onde hoje se localiza o prédio da Embratel.

Um dos primeiros movimentos de caráter realmente popular ocorrido em Ribeirão Preto aconteceu por ocasião da proclamação da República em 15 de novembro de 1889. A notícia deste acontecimento chegou no dia seguinte, dia 16 de novembro, através de uma sucessiva rede de telégrafos. Imediatamente, por volta das 13 horas, uma massa humana, ao som da Marselhesa, dirigiu-se à Câmara de Vereadores, em grande entusiasmo patriótico, dando vivas à República e aos principais líderes republicanos. Realizou-se uma sessão extraordinária, aberta pelo presidente, Coronel Joaquim de Souza Mello. O povo esperava o pronunciamento de apoio dos seus representantes aos acontecimentos que se davam na capital do país. Banda de música, foguetório e vivas não faltaram! “Dos velhos testemunhos que ficaram, sabe-se que muitos cantavam com lágrimas nos olhos: era todo o ideal romântico, politicamente progressista, cultivado na influência da cultura francesa, que o povo estava vivendo. Era o primeiro grande momento político da cidade” (CIONE, 1989, 210).

Discursos e saudações selaram o apoio da política local ao desenrolar dos acontecimentos no Rio de Janeiro. Fez-se uma ata da assembleia, redigida pelo secretário Salviano Rodrigues de Carvalho, deixando para a posteridade o registro histórico. Ela inicia-se assim: “... o povo de Ribeirão Preto, reunido solenemente em comissão popular, proclamou a República entusiasticamente, aclamando para dirigi-la uma comissão local...” 12 Essa comissão republicana ficou assim constituída: Herculano de Freitas, Marciano Antônio de Mello e Joaquim Estanislau da Silva Gusmão. 12

Atas da Câmara. Sessão de 15-11-1889. Ribeirão Preto: Arquivo Municipal e Histórico de Ribeirão Preto.


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Dezenas de ribeirão-pretanos, incluindo os vereadores, pessoal da imprensa, líderes da comunidade e populares em geral assinaram a referida ata. Uma curiosidade: assinatura apenas de uma mulher: Rita Valente de Souza Porto. República não devia ser assunto de mulheres... Este documento retrata bem o caráter excludente da República que se implantava através de um golpe militar, apesar dos arroubos democráticos. Sabe-se que o direito ao voto universal, implantado pela República, continuou a excluir as mulheres até 1934. Mas façamos uma análise dos fatos. Já estava solidamente implantado em Ribeirão Preto o Partido Republicano Paulista. Seus principais líderes na cidade eram os vereadores Cândido Pereira Barreto (interessante os Barretos - divididos entre monarquistas e republicanos!) e Joaquim Estanislau da Silva Gusmão. A ideologia republicana do momento, o positivismo, mais afeto ao Exército, possuía alguns representantes civis por aqui. E sem dúvida, seu expoente maior foi Luiz Pereira Barreto. De qualquer forma a seção local do PRP seguia o padrão geral quanto à sua constituição social na província: representantes da moderna cafeicultura paulista, secundados por ilustres membros da classe média emergente, principalmente profissionais liberais. Estavam aí os Barretos e o nosso médico Dr. Estanislau. Ser republicano ou monarquista para as elites políticas da época era apenas uma questão de momento, de conveniência. Há três anos, o imperador fora festejado em Ribeirão e até se hospedara em casa de outro Barreto, o Dr. Rodrigo Pereira. O Coronel João Franco, escravocrata contrariado com a abolição sem indenização, foi um dos signatários da ata da sessão da Câmara que festejava a República. São coisas da política... Diria Rubem Cione.

VICISSITUDES POLÍTICAS: “ESSA NÃO ERA A REPÚBLICA DOS NOSSOS SONHOS...”

Festa de inauguração da herma do Barão do Rio Branco por volta de 1913 em frente ao Palácio Rio Branco que, como se pode ver, ainda não tinha sido construído. Dr. Loyolla aparece à direita, de chapéu preto, de braços cruzados.


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A República abriu um período de agitações e turbulências em todo o país que não se via há anos. Também em Ribeirão Preto. As câmaras municipais foram dissolvidas por ato do Governo Provisório em 7 de janeiro de 1890, sendo que a nova Câmara, sob a denominação de Conselho de Intendência, tomou posse aqui em 10 de janeiro seguinte. Os vereadores eram, então, nomeados pelo poder central... A República começava com certos senões... Houve várias substituições na nossa primeira Câmara Municipal da República. Em dois anos ela teve quatro presidentes. Disputas e ressentimentos levaram muitos a abandonarem a vida pública, preferindo cuidar de seus interesses particulares. A nova era decepcionava.

Manifestação em frente ao prédio da Câmara e Cadeia, na Rua Cerqueira Cesar. Vereadores e autoridades, liderados por um grupo armado que depôs a Câmara Municipal. Este prédio ainda existe e é tombado pela municipalidade.

Em 1892, a revolta de Bernardino de Campos influiu diretamente na política local e a Câmara de Ribeirão Preto foi simplesmente deposta... Um grupo de dez cidadãos, liderados por José Guimarães Júnior, chefiou essa revolta em 1892. A cavalo, eles passaram pelas ruas centrais da cidade, rezaram na velha matriz, montaram novamente e dirigiram-se à Câmara Municipal onde depuseram os vereadores ou intendentes, como então eram chamados. Eles obedeciam à orientação de Cerqueira César por ocasião do episódio republicano que depôs o presidente da província Américo Brasiliense. Independente dos contratempos políticos, Ribeirão Preto tomava, no final de século, ares de uma urbe importante. Em 1º de julho de 1895, era inaugurado o 1º Grupo Escolar que vem a ser a Escola Estadual Guimarães Júnior, na época funcionando na esquina da Rua Mariana Junqueira com a Rua Barão do Amazonas, em terreno doado por Arthur de Aguiar Diederichsen. Em 1896, desmembrava-se o município de Sertãozinho. Em 1897, era inaugurado o Teatro Carlos Gomes no espaço onde se localizava, até a administração Jábali, o terminal de ônibus urbanos da Praça XV. No mesmo ano, era criado o município de Cravinhos. O Diário da Manhã, um dos primeiros periódicos de importância e de longa duração, aparece em 1º de junho de 1898. No mesmo ano foi inaugurado o serviço telefônico local. A inauguração da luz elétrica aconteceu em 26 de julho de 1899, com a concessão dada pela Câmara a Rufino Augusto de Almeida, já concessionário da iluminação elétrica de Cravinhos que, portanto, teve luz elétrica antes de Ribeirão Preto. Há de se registrar que várias fazendas receberam este benefício antes mesmo que a sede do município. Rufino Augusto construiu uma usina elétrica nas proximidades da estação do Barracão, aproveitando as águas do ribeirão Preto. Dezesseis anos separam


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a instalação de lampiões a querosene nas ruas principais da vila, da inauguração da iluminação elétrica em 1899. Esta foi instalada nas ruas e praças, edifícios públicos e particulares da zona central. Já os serviços de esgoto foram inaugurados em 24 de fevereiro de 1900. O empreiteiro da obra foi o Dr. Flávio Uchoa. Um novo cemitério mais distante do centro, construído no lote nº 16 do Núcleo Colonial Antônio Prado (comprado pela Câmara do cidadão Antônio Martins Baracho por 4 contos de réis) é inaugurado em 1896. Nascem o Cemitério da Saudade e a Avenida da Saudade. Era o Campos Elíseos que tomava corpo. Mas um dos acontecimentos mais auspiciosos daquele fim de século foi a instalação da Comarca em 10 de outubro de 1892, criada pela Lei nº 80 de 25 de agosto do mesmo ano. O nosso primeiro Juiz de Direito foi o Manoel Aureliano de Gusmão e o primeiro promotor Alcebíades Peçanha.

A ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA: DE DISTRITO DE PAZ A COMARCA Com a criação da freguesia (o que chamamos hoje de paróquia) em 1870, Ribeirão Preto passava também a constituir um distrito de paz, independente de São Simão. Isso ocorria devido à organização política do Império que consagrava a união Igreja-Estado. Como distrito de paz, os registros de nascimento, casamento e óbitos de pessoas naturais passariam a ser feitos hipoteticamente em cartório próprio, instalado no distrito recém-criado. A primeira tentativa de se criar no Brasil o registro civil vem do Dec. nº 798, de 18 de junho de 1851, mas que foi suspenso por outro de 29 de janeiro de 1852. A Igreja tinha lá suas grandes influências na época. É que ela se encarregava, desde os tempos coloniais, de fazer os registros da população, reconhecidos pelo Estado (batismos, casamentos, óbitos e até propriedades de terras) e somente mais tarde, em 25 de abril de 1874, pelo regulamento nº 5.604, é que foi criado em definitivo o registro civil, mesmo assim mantendo-se o registro religioso com efeitos civis. A obrigatoriedade do registro civil só veio em 1888, e o de casamento só em 1890, após a instalação da República. Assim, o “registro civil” somente foi iniciado em Ribeirão Preto em 30 de outubro de 1875, em livro próprio aberto pelo presidente da Câmara, Venâncio José dos Reis. Vejamos os primeiros registros feitos no nosso cartório de paz, conforme Rubem Cione, 1992: PRIMEIRO REGISTRO DE NASCIMENTO

PRIMEIRO REGISTRO DE CASAMENTO

PRIMEIRO REGISTRO DE ÓBITO

Thomaz

João Ignácio de Souza e Eufrausina do Espírito Santo

José Joaquim Ferreira

07-11-1875

12-11-1875

02-11-1875

Filho de José Ignácio de Faria e de Umbelina Maria de Jesus

Ele filho de Honorato José Correia e ela, de Fernandes de Souza Viana

esposo, em segundas núpcias, de Ana Rezende de São José

Uma das mais antigas comarcas da capitania e província de São Paulo foi a de Mogi Mirim, à qual pertencia o distrito de paz de São Simão, do qual fazia parte o território que viria mais tarde constituir o município de Ribeirão Preto. Exatamente por isso que alguns dos mais antigos documentos sobre a região, notadamente inventários, testamentos, processos de demarcação de terras e processos-crime encontram-se até hoje nos arquivos do fórum daquela comarca.


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Quando se cria uma nova comarca, os escrivães separam a documentação relacionada à nova circunscrição que, então, é enviada para o arquivo da nascente comarca. Ocorre, muitas vezes, que a dificuldade de localização dos lugares faz com que documentos da nova circunscrição criada permaneçam na comarca de origem, não sendo enviados para a nova. É por isso que a documentação relacionada aos primeiros tempos da formação fundiária e demográfica de Ribeirão Preto encontrase ainda hoje nos arquivos das comarcas de Mogi Mirim, Casa Branca, Batatais e São Simão. Ribeirão Preto pertenceu à comarca de Casa Branca entre 1872 e 1875, à de Batatais entre 1875 e 1877 e à de São Simão entre 1877 e 1892. A comarca de São Simão foi criada pela Lei nº 63, de 12 de maio de 1877 e, pelo decreto nº 7.064, de 31 de outubro de 1878, foi designada a vila de Ribeirão Preto para sede da referida Comarca, dando-se a respectiva instalação em 20 de dezembro do mesmo ano, sendo nomeado juiz de direito Hipólito de Camargo. Naquela época, era bastante precário o funcionamento da justiça municipal na vila recémcriada. O tribunal do júri, por exemplo, funcionava no início em uma sala da Câmara Municipal e, por volta de 1881, funcionava na própria matriz. Nem acomodações próprias ela possuía. A instalação da Comarca de São Simão em Ribeirão Preto foi, como era natural, motivo de grande regozijo. Isso se depreende de atas de várias sessões da Câmara. Evidente que os simonenses não gostaram nada de perder a sede da comarca e fizeram de tudo para reverter a situação, sem sucesso. Mas, pela Lei nº 80, de 25 de agosto de 1892, foi criada a Comarca de Ribeirão Preto, sendo instalada em 10 de outubro do mesmo ano, sendo seu primeiro juiz o Dr. Manuel Aureliano de Gusmão, cidadão de grande projeção no passado da nossa cidade.

SERVIÇOS URBANOS DO QUEROSENE À LUZ ELÉTRICA

Inauguração do Jardim Público em 1901, entre as Ruas Álvares Cabral, General Osório, Duque de Caxias e Tibiriçá. Ele foi construído pelo prefeito Dr. Augusto Ribeiro Loyolla e por isso ficou conhecido como Jardim do Dr. Loyolla. Vê-se o coreto onde hoje se acha o monumento ao Soldado Constitucionalista. Vê-se ainda um prédio com a inscrição “Antonio Branco de Freitas” no local onde hoje está o Edifício Meira Junior (Pinguim 2). O Coreto era construído de madeira forrada de zinco e foi demolido em 1929 pelo Prefeito Camilo de Mattos.


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O desenvolvimento da vila exigiu um sistema de iluminação pública. Até 1886, a única iluminação com que as ruas da cidade contavam era fornecida pelos lampiões a querosene, que alguns moradores penduravam na fachada de suas casas. No ano de 1886, entretanto, depois de demorados debates na Câmara Municipal, Antônio Gomes de Freitas conseguiu a concessão para o fornecimento de luz para a cidade. No decorrer de 1887, dificuldades financeiras levaram à transferência da concessão para Rufino Ricardo Teixeira. Este empresário organizou em Ribeirão Preto um modesto serviço que contava com algumas dezenas de lampiões a querosene, fornecidos pelo próprio comércio local. Em 1895, a energia elétrica chegou ao distrito de Cravinhos, trazida pelo empresário e engenheiro Rufino Augusto de Almeida. A iluminação pública do lugarejo era composta por 30 lâmpadas de 16 velas, que permaneciam acessas das 6 horas da tarde às 11 horas da noite. O sucesso dessa primeira experiência animou Rufino de Almeida a apresentar a proposta de iluminação pública para Ribeirão Preto, sede do município, em 1898. A nova concessão foi assinada em agosto, e os trabalhos de instalação da usina e da rede elétrica começaram imediatamente. No dia 26 de junho de 1899, acendiam-se pela primeira vez, em caráter experimental, as primeiras lâmpadas elétricas na cidade, e o fornecimento regular foi inaugurado no dia 26 daquele mês, com uma grande festa popular. Foram utilizadas 250 lâmpadas de 32 velas e a energia necessária vinha de uma pequena usina localizada na margem esquerda do ribeirão Preto, em terreno adquirido pela empresa. No Museu Histórico de Ordem Geral Plínio Travassos dos Santos, ainda existe uma lâmpada que, segundo a tradição, foi uma das instaladas por Rufino em 1899. Segundo Pedro Miranda, a lâmpada se achava em perfeitas condições de funcionamento em 1976! Para explorar as concessões adquiridas, Rufino de Almeida e seu sócio o engenheiro Trajano Sabóia Viriato de Medeiros, organizaram a firma Rufino A. de Almeida e Cia., que foi responsável pela fundação, em junho de 1898, da Empresa Força e Luz de Ribeirão Preto, localizando seus escritórios no Rio de Janeiro. Entre 1904 e 1905, chegou a Ribeirão Preto o engenheiro Flávio de Mendonça Uchoa, com o objetivo de explorar a concessão de fornecimento de água à cidade, como ainda veremos. Alguns anos mais tarde, associando-se a Plínio da Silva Prado, ele adquiriu a Usina de Ribeirão Preto, assumindo o controle acionário da empresa Força e Luz. Os novos recursos investidos na companhia abriram uma era de expansão, na qual seus serviços se estenderam a muitos municípios próximos de Ribeirão Preto. Para fazer frente às novas demandas, a empresa construiu uma série de usinas hidrelétricas, destacando-se as de São Joaquim, de Dourados, de Igarapava, de Ituverava e Buritis. A sua incorporação à CPFL ocorreu em 1947, mas, desde agosto de 1927, o seu controle acionário já estava nas mãos do mesmo grupo norte-americano - AMFORP - que também controlava a CPFL. SERVIÇOS DE ÁGUA E ESGOTOS Os serviços de água e esgoto, iniciados em 1898 pelo governo do Estado em Ribeirão Preto, por ocasião da epidemia da febre amarela, foram entregues ao governo municipal, que pouco depois abriu concorrência pública para o seu arrendamento. Assim, em 5 de dezembro de 1903, a Empresa de Águas e Exgotos, de propriedade do engenheiro civil Flávio de Mendonça Uchôa, arrendou os serviços, encarregando-se do abastecimento de água e canalização de esgotos para a cidade e para a Vila de Bonfim. A instalação desses serviços na cidade priorizaria basicamente a área central. O projeto dos esgotos de 1903 mapeou essa região para o dimensionamento e orçamento das obras, conforme nos


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informa João Rodrigues Guião no seu Álbum do Município e da Cidade de Ribeirão Preto, publicado quando da comemoração do Centenário da Independência Nacional. CEMITÉRIOS Cemitérios como espaço, público ou privado, reservado aos mortos sempre foi uma preocupação de qualquer comunidade nascente. Mesmo independente da construção de uma capela, o conjunto de moradores de um lugar, que já possuísse certo elo de solidariedade, buscava criar um campo santo onde pudesse enterrar seus parentes e amigos. Assim procederam José Borges da Costa e sua mulher Maria Felizarda, bem como Antônio Alves da Silva, ao doarem uma área para a construção de um cemitério público nos terrenos ainda indivisos da Fazenda da Figueira em 1848. Não se sabe se tal projeto foi levado adiante, mas esta foi a primeira iniciativa da comunidade nascente da Barra do Retiro e das fazendas próximas em construir um cemitério público. Seguindo o padrão colonial, herdado da metrópole portuguesa, os primeiros enterramentos realizados em Ribeirão Preto foram feitos nos fundos da velha matriz de São Sebastião, na atual Praça XV. Não há referências documentais de enterramentos feitos dentro do templo, como era comum também nas nossas cidades coloniais. Mas existe um comunicado publicado na imprensa local pelo vigário, em 1904, pouco antes da demolição da primeira matriz, para que os interessados retirassem os restos mortais de seus parentes e os levassem para o novo cemitério da Saudade, nos Campos Elíseos. Mas existe a possibilidade de restos mortais terem sido enterrados dentro da matriz. Antes disso, é bastante provável que os enterramentos fossem feitos em São Simão, por ser a sede paroquial, ou mesmo em cemitérios particulares de algumas fazendas. No entanto, não temos referências documentais desses cemitérios e nem mesmo os livros de registro de óbitos de São Simão foram conservados para o período anterior a 1874. Pouco tempo depois da construção da velha matriz, foi construído outro cemitério bem próximo, precisamente no trecho compreendido entre a catedral e as Ruas Florêncio de Abreu, Tibiriçá e Lafayette, na Praça da Bandeira, até então ocupado por simples matagal, pois a vila era resumida em poucas ruas e travessas que desciam em direção ao córrego do Retiro e do ribeirão Preto. A documentação a respeito da construção desse cemitério pode ser encontrada no Arquivo Histórico Municipal. É bastante provável que os registros de óbito mais antigos encontrados no arquivo da catedral, a partir de 1874, refiram-se aos enterramentos feitos nesse segundo cemitério. Local impróprio, devido à proximidade do centro da vila e ao crescimento do próprio sítio urbano com o afluxo de novos habitantes, atraídos pelo desenvolvimento da cultura cafeeira a partir da década de 1870, já por essa época era reclamado por todos um novo cemitério. Várias petições e indicações nesse sentido foram aprovadas pela Câmara entre 1878 e 1884, mas somente neste último ano é que foi inaugurado um novo cemitério no final da Rua Lafayette, ocupando uma pequena quadra, localizada entre o que é hoje a Praça 7 de Setembro e a Av. Independência. “Um afastamento [da área central] [era] também orientado, como no caso do cemitério dos variolosos, pelo saber médico-sanitarista, definido por uma nova forma de olhar a cidade, peremptório na construção da noção de perigo e ameaça à salubridade urbana que tal equipamento poderia representar.” (FARIA, 2010, 42).

Assim, com o crescimento do núcleo urbano inicial, já em 1891, cogitava-se da construção de novo cemitério. O crescimento populacional espantoso explica também o número crescente de mortos na vila e na zona rural. Em janeiro de 1893, a Câmara autorizou a aquisição de uma área dentro do Núcleo Colonial Senador Antônio Prado para a construção do Cemitério da Saudade. O Cemitério da Saudade foi instalado


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“no lote rural n0 16 da 3ª Secção do núcleo colonial “Antonio Prado”, tendo de superfície 103,836 metros quadrados e todo cercado, foi adquirido por escritura de compra e venda, em 20 de março de 1893, nas notas do 1’ Tabelião, lavradas às fls. 41 do livro nº 105, pelo valor de 4:000$000. É cercado de muros de tijolos, com um portão de ferro, para a Avenida Saldanha Marinho (atual Av. da Saudade). (VALADÃO, 1997, 66)”.

Posteriormente, o Cemitério da Saudade passou por ampliações até atingir a extensão atual. O Cemitério da Saudade serviu de campo para a pesquisa de doutoramento em Artes Plásticas da Profª Maria Elízia Borges, “Arte Tumular: a produção dos marmoristas de Ribeirão Preto no período da Primeira República” que ela apresentou na Escola de Comunicação e Artes da USP. Brilhante trabalho sobre a história da arte esculpida no mármore, desenvolvida pelos artesãos italianos que chegavam em Ribeirão Preto desde o final do século passado.

Um achado surpreendente!

Foto da velha matriz, publicada em um jornal da cidade no início do século XX, pouco antes da sua demolição em novembro de 1905. Nos seus fundos, localizava-se o primeiro cemitério de Ribeirão Preto. José Pedro Miranda foi um dos maiores pesquisadores da História de Ribeirão Preto. Trabalhou no Arquivo da Cúria Metropolitana, no Museu Histórico de Ordem Geral Plínio Travassos dos Santos e no Arquivo Público e Histórico de Ribeirão Preto. Deixou várias publicações. Faleceu em 17/07/1997.


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Um dos “achados” mais surpreendentes no meio da papelada do falecido historiador José Pedro Miranda13, que sua família doou ao Arquivo Público e Histórico de Ribeirão Preto, está um livro de contabilidade. Mas um livro de contabilidade muito especial! Na maior parte de suas páginas de papel “al masso” Gio Magnani, encontramos registros de sepultamentos realizados no cemitério da antiga capela de São Sebastião do Ribeirão Preto, localizada exatamente onde hoje está a fonte luminosa da Praça XV. O cemitério, com certeza, aos fundos, localizava-se entre a fonte luminosa e onde hoje está o Theatro Pedro II. Estão ali 284 sepultamentos realizados entre 19 de outubro de 1867 e 14 de junho de 1870. Mas existiu outro cemitério antes desse – ainda não localizado – pois o arraial já aparece citado em documentos eleitorais de São Simão em 1856. Entre os enterramentos, grande número de crianças e recém-nascidos, o que denota elevada mortalidade infantil. Mas o livro havia servido também para registro de receita e despesa da Igreja ainda durante a construção da capela. Entram na receita doações dos fiéis em dinheiro e em espécie, como dois garrotes no valor de 25$000 (vinte e cinco mil réis), 8 frangos no valor de $700 (setecentos réis), duas açucenas, um par de brincos e um alfinete de ouro, um carro (de boi) de milho do Sr. Francisco Roiz de Faria e um capado arrematado por 10$500 (dez mil e quinhentos réis). Tudo como doações a São Sebastião! Essas ofertas em espécie eram leiloadas e todo o dinheiro apurado era empregado na construção da capela de São Sebastião. Essas anotações contábeis iniciam-se em 12 de fevereiro de 1865, com a seguinte declaração: “Peguei da venda do Sr. José Antônio Pereira 700 pregos para a obra da igreja”. As anotações encerram-se em 10 de agosto de 1870. As despesas referem-se claramente à obra de construção da capela, cujo oficial responsável foi o Sr. Jerônimo Pinto da Silva. A maior parte dos pagamentos a esse oficial vem assinada por Bernardo Alves Pereira – fabriqueiro nomeado após o assassinato de Manoel Fernandes do Nascimento -, pelo procurador Antônio Maciel de Pontes e por Ignácio Bruno da Costa, um dos doadores do patrimônio de terras da capela há mais de dez anos. Na declaração de despesas feitas para atender às necessidades da nascente comunidade religiosa ou para a construção de sua capela, encontramos uma enxada por 3$500, 500 pregos por 5$000, uma garrafa de vinho mascate por 3$000, uma garrafa grande de vinho por 1$600. Garrafas de vinho certamente para a celebração da missa. Havia ainda uma fechadura comprada para o cemitério no valor de 3$800, em 31 de maio de 1869. E ainda 1Kg de farinha de trigo por 1$760 e uma viagem de telhas (viagem era medida!). Ao lado das despesas miúdas, ainda havia outras mais elevadas como a previsão de bênção da capela em 5 de julho de 1868 por 23$000 e o pagamento das provisões da pia batismal da capela no valor de 36$300, em 7 de janeiro de 1870. Ficamos ainda sabendo que foi pago a um pedreiro o valor de 2$000 pelo conserto do telhado (da igreja talvez). O interessante de tudo isso é que todas as anotações vêm misturadas, sem nenhuma preocupação com classificação: registros de óbitos, recibos e pagamentos diversos, acerto de contas, doações dos fiéis, etc. Conclusão lógica é que a cobrança dos sepultamentos, feitos ainda durante a construção da capela, serviu para custear a sua própria construção. Isso fica claro com os frequentes acertos de conta entre o fabriqueiro e o vigário em meio aos registros de sepultamento. É bom que se diga que cada sepultamento custava 3$000 e somente os pobres não pagavam. Mas voltemos aos mortos. Entre eles, encontramos nossos primeiros moradores ilustres, como José Borges da Costa, deixando viúva sua 4ª mulher, Leonor Nogueira Terra. Ele faleceu por “inflamação”, com 80 anos de idade, em 18 de dezembro de 1867. Ali está José Pacífico de Andrade, 13 José Pedro Miranda foi um dos maiores pesquisadores da História de Ribeirão Preto. Trabalhou no Arquivo da Cúria Metropolitana, no Museu Histórico de Ordem Geral Plínio Travassos dos Santos e no Arquivo Público e Histórico de Ribeirão Preto. Deixou várias publicações. Faleceu em 17/07/1997.


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morto aos 58 anos; Antônio Soares de Castilho, de família de ricos comerciantes do arraial e esposo de Ana Rita do Amaral, morto aos 66 anos de “hidrofisia”; João Alves da Silva Primo, morto repentinamente em 21 de março de 1870; e José Matheus dos Reis, morto aos 53 anos em 10 de agosto de 1869 de “inflamação do fígado”. Este José Matheus é o mesmo que fez, em 1845, a frustrada tentativa de doação de um terreno para a construção da capela na Fazenda das Palmeiras. Chama atenção a idade de alguns falecidos naquela época tão remota: Antônio Martins com 115 anos, morto por hidrofisia em 20 de outubro de 1867, e Manoel de Oliveira Pontes com 124 anos, falecido de “velhice” em 15 de junho de 1868 (enterrado gratuitamente por ser pobre). Este primeiro livro da Igreja de Ribeirão Preto que servia para tudo, pelo menos para registrar as entradas e saídas financeiras, é uma verdadeira preciosidade histórica. Uma pesquisa mais aprofundada pode até demonstrar o custo exato da construção da capela de São Sebastião. Os dados dos registros de óbitos poderão levar a interessantes conclusões na área da Demografia Histórica. É possível acompanhar os primeiros passos de Ribeirão Preto e de sua população originária – seus gostos, seus usos, seus objetos, seu imaginário. É até possível perceber certa vacilação para se fixar o nome do arraial que então nascia: até 1865, escrevia-se ainda São Sebastião da Barra do Retiro. A partir de 1866, é que parece ter se fixado São Sebastião do Ribeirão Preto. Que tal se Ribeirão Preto se chamasse hoje Barra do Retiro? Nada lembraria a agitada e efervescente vida urbana de nossos dias.

O THEATRO CARLOS GOMES

Theatro Carlos Gomes, inaugurado em 1897 e demolido entre 1944 e 1946, localizava-se na Praça XV, no lugar do antigo terminal de ônibus.

De acordo com Valéria Valadão (1997), o grande marco de vitalidade urbana gerada pelo centro da cidade foi a construção do Theatro Carlos Gomes, projeto do escritório Ramos de Azevedo. Esta imponente obra arquitetônica, surgida em um espaço recém-saído do meio rural, tinha um aprofundo significado ideológico naquela sociedade que, com todo o esforço de sua elite política, iniciava a europeização e o aburguesamento do espaço urbano (FARIA, 2010). O Carlos Gomes foi inaugurado em 1897, com a fachada principal voltada para a frente da velha matriz que nessa época já se encontrava


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em ruínas, tendo inclusive caído suas duas torres. O terreno onde foi construído o teatro, parte do Largo da Matriz, tratava-se de logradouro público cedido pela Câmara em forma de comodato. A construção foi realizada em forma de consórcio, do qual participaram os mais ricos fazendeiros da época. Depois de recolhidas todas as contribuições dos interessados, o Coronel Francisco Schmidt completou a quantia necessária para o empreendimento, constituindo seu principal financiador. Surgia assim a primeira grande casa de espetáculos da cidade, um teatro de ópera, fora do circuito das grandes capitais. Seu edifício era monumental, imponente, sobrepujando a velha matriz em dimensões. Foi construído com mármore de Carrara, cristais de Murano, madeiras de lei, vitrais italianos e telhas francesas, tinha 600 poltronas de veludo e salões de baile.

Theatro Carlos Gomes, visto a partir da Praça XV

O Theatro Carlos Gomes era a maior e melhor casa de espetáculos do país naquela época e representou, para Ribeirão Preto, a mais imponente expressão cultural de sua riqueza e prosperidade, representada pela expansão da lavoura cafeeira. Segundo pesquisa de Liamar Tuon, “até 1908, o Theatro Carlos Gomes apresentava somente espetáculos artísticos mais requintados, tais como peças teatrais italianas, as quais eram assistidas principalmente pelos imigrantes. A partir daquele ano, contudo, começa a funcionar também como cinema, diversificando desse modo o tipo de recreação oferecida ao ribeirão-pretano” (TUON, 1997, 129).

Os fundos e uma das laterais do Theatro Carlos Gomes.


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Uma das poucas fotos conhecidas do interior do Theatro Carlos Gomes.

Anúncio de inauguração do Teatro Carlos Gomes, com a ópera O Guarany.

O Carlos Gomes passou por inúmeras crises e administradores até 1920. Podemos perceber as crises, quando o teatro apela para espetáculos mais popularescos, fugindo de seu objetivo de diversão para as elites. Em uma de suas crises, como afirma Tuon (1997), apresentou uma Companhia Zoológica “com feras que trabalhavam na bola, no rolador e na escada” e “campeonatos de bilhar disputados por distintas senhoritas”. Liamar Tuon continua a nos informar que, em outro momento de crise, em 1910, quando o músico José Delfino Machado assumiu a orquestra do teatro, deixaram de ser apresentados grandes espetáculos e, assim, os artistas de outra casa, o Eldorado, passaram a fazer apresentações no Carlos Gomes. Em junho de 1911, novas e boas companhias teatrais passaram a se apresentar, como a Cia. Alves Silva encenando dramas baseados na filosofia de Tolstoi e Gorki. A apresentação mais frequente de películas mostrava quase sempre outro momento de crise do teatro. Em setembro de 1911, por exemplo, passou a funcionar no Carlos Gomes o Cinema Iris. Em 23 de novembro de 1914, foi apresentado pela primeira vez em Ribeirão Preto, no Theatro Carlos Gomes, o Kinetophone, definido pelo anúncio como o “cinema falante”, inventado por Thomas Edson. Ribeirão estava sempre na vanguarda do que havia de mais recente em termos de produção artística. Em 1915, a administração do Carlos Gomes passou das mãos de François Cassoulet para Aristides Motta. Em 1917, em plena Primeira Guerra, Chaplin esteve em Ribeirão, quando de um torneio pela América do Sul. Isso prova o que dizíamos antes: a cidade fazia parte do circuito de apresentação das grandes companhias no Brasil. Em 1919, o Carlos Gomes passou por grandes reformas empreendidas pela empresa Mendes & Companhia. No mesmo ano, a empresa Loyolla & Cia. Passou a administrar o Teatro. A partir dessa data, ele foi usado quase sempre como cinema até 1920. (TUON, 1997).


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A DEMOLIÇÃO DA VELHA MATRIZ

Igreja Matriz, já sem suas torres, pouco antes de ser demolida em 1905, e o largo entre as Ruas General Osório (na esquerda) e Álvares Cabral (no fundo). Presença de grande número de pessoas em dia de festa religiosa, em louvor a São Benedito. Vista a partir da Rua Visconde de Inhaúma.

A proximidade entre a velha matriz e o Theatro Carlos Gomes, edifícios de diferentes funções, gerou uma série de problemas, cuja solução definitiva foi a construção, em outro Largo ou Praça da cidade, de uma nova Matriz, que logo viria a ser a catedral. A Cúria Diocesana de São Paulo aceitaria a ideia sem grandes dificuldades. A desapropriação da velha Matriz ocorreria por despacho do prefeito Floriano Leite Ribeiro ao Padre Siqueira, datado de 23 de maio de 1904. Segundo registro às fls. 158 verso e 159 do Livro de Tombo da Paróquia, nas palavras de Padre Siqueira: “Para iniciar-se tão grande empreendimento (construção da nova Matriz) era necessário um capital com o qual fosse dado o primeiro impulso para atrair e animar os fiéis a contribuírem, com os seus donativos, e essa glória coube á Exma. Câmara Municipal que, desejando o lugar da Matriz. para aumento do jardim que hoje embeleza a nossa Cidade, na Praça XV de Novembro, autorizou-me a conseguir do Exmo. Sr. Bispo Diocesano, Dom José de Camargo Barros, permissâo para entrar em negociação ... “ (VALADÃO, 1997, 15).

Passada a escritura do terreno à Municipalidade, esta deveria pagar a importância de 56 contos de réis a título de indenização. Na opinião de Valéria Valadão, no relato acima descrito, o vigário referiu-se à Praça XV de Novembro e não mais ao Largo da Matriz. Era evidente que se tratava de uma homenagem ao advento da República, numa cidade onde os homens públicos, além de ricos fazendeiros, eram também republicanos declarados.


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ANTIGAS RECORDAÇÕES

A velha matriz ficava na Praça XV de Novembro, entre as Ruas Tibiriçá (Travessa das Flores) e Visconde de Inhaúma (Travessa das Dores), tendo sua frente voltada para o Theatro Carlos Gomes, inaugurado em 1897 e demolido entre 1944 e 1946. Iniciadas as obras da catedral (Praça 13 de Maio, hoje Praça da Bandeira), estando em ruínas o velho templo de 1868, os ofícios religiosos passaram a ser celebrados em um prédio da Rua Álvares Cabral, nº 55, que já servira antes de loja de ferragens de Jefferson Barreto e que, depois, serviria de cinema – o Paris Teatro-, de depósito da Cia. Souza Cruz, de bar, etc. O local da antiga capela, depois de ter sido ocupado por um bar da Antarctica com um mirante, tem hoje a enfeitá-lo a fonte luminosa, no jardim da Praça XV. Em 4 de janeiro de 1905, por deliberação da Câmara, tomada em sessão de 31 de dezembro de 1904, a Prefeitura, representada à época pelo Prefeito Floriano Leite Ribeiro, e o Bispo de São Paulo, representado pelo vigário, Mons. Joaquim Antônio de Siqueira, entraram em acordo para a desapropriação e a demolição da velha matriz por parte da Câmara, mediante a indenização para a Igreja no valor de 50$000, paga em prestações mensais de 2$000 durante 25 anos. Devia a demolição ser iniciada em abril de 1905. Entretanto, somente a 6 de junho desse ano, o Prefeito interino, Ricardo Gomes Guimarães, contratou a demolição com o advogado Alcebíades Juvenal de Mendonça Uchôa, com a obrigação de fazê-la no prazo de 15 dias, e remover todo o material, mediante o pagamento de 1$200, feito pela Municipalidade. Relíquias da velha capela e matriz podem ser encontradas hoje em Ribeirão Preto, espalhadas por diversos lugares, como no Museu Histórico Plínio Travassos dos Santos e no Bosque Municipal, mas também em residências particulares. (Adaptado a partir de obra inédita de Plínio Travassos dos Santos, O Ribeirão Preto Histórico e para a História. Arquivo Público e Histórico de Ribeirão Preto).


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Ribeirão Preto sem os arranha-céus: a catedral ainda em construção, sem sua torre, no início do século XX.

OS JARDINS PÚBLICOS O primeiro Jardim Público de Ribeirão Preto, antigo Horto Municipal, que ocupava mais ou menos a mesma área da Escola Estadual Cônego Barros.

A fachada do edifício principal do Jardim Público de Ribeirão Preto.


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No entanto, até 1900, o Largo da Matriz não havia sido ajardinado. Havia somente algumas árvores esparsas, dentre elas as figueiras que vinham sendo plantadas desde 1886, quando a Câmara aprovou indicação do vereador Antônio Bernardino Veloso neste sentido14. Uma dessas figueiras foi plantada pelo presidente da província em visita a Ribeirão Preto no início de maio de 1896, o Conde de Parnaíba, sogro de Alexandre Brodowski, engenheiro da Mogiana que trabalhava no prolongamento dos trilhos da companhia até Franca, e que será futuro vereador em Ribeirão na legislatura entre 1890 e 1892. Conforme nos informa Rubem Cione (1989), a cidade possuía até então apenas um jardim público no Horto Municipal, situado às margens do córrego do Retiro. Todo cercado, abria-se à visitação pública aos domingos, feriados e dias santos. Na opinião de Valéria Valadão (1997), dada a sua localização, pode-se supor que essa área fosse remanescente do antigo rossio, ou seja, área pública, formada a partir do patrimônio doado à Igreja.

14

Atas da Câmara. Sessão de 30-12-1886. In TRAVASSOS, Plínio Travassos, op. cit.


86

7

RIBEIRÃO PRETO, A CAPITAL DO CAFÉ O alvorecer do século XX surpreende Ribeirão Preto como o maior centro de produção de café do mundo, por isso chamado de “a capital do café”. Aqui era, de fato, o celeiro do Brasil, talvez do mundo. Vários fatores contribuíram diretamente para isso: a fertilidade de sua terra roxa, o escoamento rápido e fácil da produção através da Mogiana até o porto de Santos, a chegada de levas e mais levas de europeus para trabalhar nas suas fazendas. Mas não podemos nos esquecer da quantidade enorme de capitais que foram investidos por bancos estrangeiros e por grandes capitalistas que aqui chegaram a partir da década de 1870. Um processo progressivo de concentração fundiária preparou o caminho para o grande rush do café. Ernesta Zamboni estudou detidamente esse processo, tomando como exemplos as fazendas do Lageado e do Laureano. A lavoura de exportação exigia mesmo espaços amplos para se viabilizar economicamente - é o que chamamos de “plantation” na área tropical. Por isso, a capital do café conheceu seus reis do café: Francisco Schmidt, Henrique Dumont, Geremia Lunardelli e Iria Junqueira. Um dos melhores estudos sobre a expansão da cafeicultura no Oeste Paulista é o de Maria Luiza de Paiva Melo - “Companhia Agrícola Francisco Schmidt: origem, formação e desintegração”- que ela apresentou como dissertação de mestrado na Universidade de São Paulo em 1978. É com base nesses seus estudos que passaremos a discorrer sobre Ribeirão Preto, a capital do café no início do século XX. Outro trabalho de grande envergadura foi o de Luciana Galvão Pinto que pesquisou a Histórica Econômica de Ribeirão Preto, focalizando o período final do Império e a 1ª República, para o programa de pósgraduação (Mestrado) da UNESP de Araraquara. Ainda falaremos deste seu trabalho nos capítulos posteriores.

Fazenda Dumont com seus terreiros de café e construções anexas. Presença de trabalhadores lidando com a secagem do café.


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GRANDES FAZENDAS E PODEROSOS FAZENDEIROS

Sede da fazenda Monte Alegre que pertenceu ao Coronel Francisco Schmidt, atualmente Museu Histórico de Ordem Geral Plínio Travassos dos Santos.

Todo um longo processo de implantação da infraestrutura da empresa agrícola já tinha se passado no decorrer das primeiras décadas do século XIX. Foi o que vimos nos capítulos anteriores: desbravamento, desmatamento, abertura de estradas, plantação e criação para a subsistência e um pequeno comércio local - que seriam, com certeza, serviços essenciais. Mas essa “frente de expansão” agora vai sendo sucedida por uma “frente pioneira”, utilizando os conceitos sociológicos introduzidos por José de Souza Martins (1972). O deslocamento dessa “frente pioneira” coincide exatamente com a “marcha do café” pelo Oeste Paulista. Já apresentamos anteriormente quadros estatísticos que mostram muito bem como a região da Mogiana foi se tornando a principal área produtora, ao se aproximar do final do século XIX, consolidando essa posição na primeira década do século XX. Em 1912, os maiores produtores de café no estado de São Paulo eram os seguintes: Nome

Município

Média anual de produção em arrobas

Francisco Schmidt

São Simão e Ribeirão Preto

700.000

7.885.154

Dr. Henrique Dumont

São Simão

400.000

1.500.000

Quantidade de Cafeeiros

Dumont Coffee Co. Ltd.

Ribeirão Preto

310.000

3.999,900

S. Paulo Coffee States Co.

São Simão

300.000

2.325.000

D. Veridiana Prado (herdeiros)

Sertãozinho

190.000

1.268.000

Dr. Martinho Prado (herdeiros)

Ribeirão Preto

160.000

2.112.700

Cia. Agrícola Ribeirão Preto

Cravinhos

93.000

1.800.000

Cia. União Santa Clara

São Simão

60.000

1.000.000

D. Francisca S. do Val

Ribeirão Preto

60.000

977.000

Conde Prates

Rio Carlos

50.000

950.000

Ellis & Netto

São Carlos

45.000

1.000.000

J. da Cunha Bueno(Buenópolis)

Cravinhos

40.000

950.000

Fonte: Reginal Lloyd et alii. Impressões do Brasil no século XX. Londres, Lloyd’s Greater Britain Pub. Co., 1913. 632.


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José antonio lages

Em 1920, no auge da produção cafeeira, a Mogiana tinha uma liderança incontestável, conforme podemos ver no quadro abaixo: Zona

População

% sobre o total da província

Café produção em arrobas

% sobre o total da província

Norte

490.660

13,43

767.069

3,47

Central

769.802

21.07

2.780.525

12,58

Mogiana

811.974

22,23

7.852.020

35,53

Paulista

537.237

14,71

4.148.462

18,77

Araraquarense

579.653

15,87

4.152.438

18,79

Noroeste

136.454

3,74

722.119

3,27

Alta Sorocabana

326.994

8,95

1.676.228

7,59

Total

3.652.774

100,00

22.098.861

100,00

Fonte: Milliet, Sérgio. op. cit., 19.

A vida em Ribeirão Preto pulsava em função do café. O percentual da produção agrícola e, em especial, a de café, possuía uma preponderância quase absoluta no conjunto de todos os setores produtivos, conforme podemos ver abaixo, por duas tabelas de 1902: Atividade

Valor em RS

Agrícola

Rs. 9.353.806$400

Animal

Rs.

317.540$000

Extrativa

Rs.

247.340$000

Fabril

Rs. 1.832.536$000

Total

Rs.11.751.222$400

Fonte: Relatório apresentado ao Dr. Bernardino de Campos, Presidente do Estado, pelo Dr. João Batista de Mello Peixoto, Secretário da Agricultura. Ano de 1902. São Paulo: Typographia do Diario Official, 1903, anexo C, 15.

A renda proveniente da agricultura representava 79,5% da renda total do município, o que mostra o predomínio desta atividade sobre as demais. Principais Produtos Explorados

Produção anual em arrobas

Produção em litros

Valor unidade

Valor total

Aguardente

-

59.400

400 Rs

22:960$000

Açúcar

-

5.000

800 Rs

4:000$000

Café

1.305.204

6$600 Rs

8.614.346$400

Arroz

-

375.000

300 Rs

112:500$000

-

Feijão

-

1.500.000

200 Rs

300:000$000

Milho

-

6.000.000

50 Rs

300:000$000

Total

-

-

-

9.353.806$400

Fonte: Relatório de 1902. Anexo C., op. cit., 15.

Em 1906, Ribeirão Preto contava com 261 propriedades, no valor de 54.010:633$000. Esse dado mostra que a concentração de terras, conforme demonstrada por Ernesta Zamboni para um período anterior, continuou ocorrendo: em 1900 havia 285 propriedades no município e, em 1906,


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havia 261. A produção cafeeira do ano agrícola de 1904 -1905, em Ribeirão Preto, foi de 2.040.036 arrobas. O número de pés de café era 29.094.36515. Em relação ao ano de 1902, houve uma queda de 290.631 pés de café. Isso foi uma consequência direta da proibição, feita pelo governo do Estado de São Paulo, de se plantar novos cafeeiros, durante cinco anos, a partir de janeiro de 1903, proibição essa prorrogada, posteriormente, para mais cinco anos. O problema da superprodução preocupava os governantes e, em 1906, foi iniciada a “política de valorização do café” com o Convênio de Taubaté. Entre 1910 e 1920, a produção manteve-se relativamente estável, conservando uma média de dois milhões e meio de arrobas, com exceção dos anos 1918-1919 e 1919-1920. O declínio da produção nesses anos foi provocado pela grande geada de 1918 que aniquilou 40 milhões de cafeeiros em todo o Estado. Somente Ribeirão Preto perdeu 10 milhões de pés. Já antes da geada de 1918, a Primeira Grande Guerra havia provocado uma forte retração de mercado em função mesmo do conflito. Isso representou um desastre para muitos fazendeiros que foram obrigados a arrancar seus pés de café, queimados pela geada e não tiveram condições para replantá -los. Fazendas ocupadas antes unicamente por cafezais diversificaram sua produção agrícola, tentando outras lavouras, como a do algodão. Ainda houve um tímido crescimento do número de pequenas propriedades, como resultado do retalhamento de alguns latifúndios que não puderam se recuperar. Colheita de algodão na fazenda Guatapará em 1924.

De acordo com Moraes (1980), as atas da Câmara de Ribeirão em 15 de julho e de 16 de agosto de 1918 mostram a posição dos vereadores, tomando providências para reagir diante dos estragos na lavoura. Fazem pedidos de ajuda ao governo do Estado, reduzem cobrança dos impostos sobre os cafeeiros, falam da introdução da cultura do algodão e afirmam que a recuperação não viria em menos de quatro anos. A safra de 1920-21 do município de Ribeirão Preto já voltava ao normal, com um total de 2.780.000 arrobas. Os preços elevados em consequência da geada e do término da 1ª Guerra também se normalizaram, entre 10$200 e 19$400 a arroba. Mas uma relação do ano de 1922 mostra uma tendência de queda no número de cafeeiros plantados em Ribeirão Preto, em comparação com a situação de dez anos antes: 15 Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP): Relatório apresentado a Jorge Tibiriçá, Presidente do Estado, por Carlos Botelho, Secretário da Agricultura, 1906, São Paulo, Tipografia do Diário Oficial, 1907, p. 164.


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Fazendeiros/Empresas Cafeeiras

Pés de café

Cia. Agrícola Francisco Schmidt

4.500.000

Cia. Agrícola Fazenda Dumont

2.500.000

Cia. Agrícola Guatapará

1.600.000

D. Francisca Silveira do Val

1.050.000

D. Iria Ferreira e Filhos

1.290.000

Coronel Joaquim da Cunha Diniz Junqueira

711.000

Outros

-

Total

30.000.000

Fonte: GUIÃO, João Rodrigues. O Município e a Cidade de Ribeirão Preto de 1822 a 1922, 46.

CIDADE DE ESTRANGEIROS Em 1886 foi fundada, em São Paulo, a Sociedade Protetora da Imigração, cujo objetivo era promover por todos os meios a introdução de imigrantes para trabalhar na lavoura de café, “mediante auxílios e subsídios determinados nas leis, e que lhe forem concedidos e não tendo fim algum de especulação lucrosa...” (MORAES, 1980, 38-39). O líder imigracionista, Martinho Prado Jr, presidente da Sociedade, desenvolveu um grande esforço para atrair imigrantes, realizando várias viagens à Europa com este objetivo. Ele mantinha um fichário com milhares de nomes e endereços de parentes de colonos seus que haviam ficado na Europa. Trocava correspondência com eles. Abriu escritórios em várias cidades europeias. A Sociedade funcionou até 1895 e introduziu em São Paulo cerca de 126.145 imigrantes. Dos 14 centros oficiais de colonização, criados pelo governo imperial, entre 1827 e 1887, apenas um se localizava nas regiões novas do café: o do “Senador Antônio Prado”, que foi fundado em 1889, no município de Ribeirão Preto. Os lotes eram de 10 a 12 hectares, eram vendidos por 1.250 francos, com facilidades de pagamento e localizavam-se próximos dos meios de transporte (Estação da Mogiana no Barracão), assegurando o escoamento fácil da produção. Entretanto, esta experiência ficou limitada, e no período eufórico do fim do século, não foi levada adiante pelo governo. Conforme Maria Thereza Schorer Petrone, em seu livro “A lavoura canavieira em São Paulo”, “os italianos se localizaram de preferência no oeste Paulista onde o café e as estradas de ferro avançavam e onde rareava o escravo, principalmente nas fazendas mais novas” (PETRONE, 1968, 278). Uma citação de Pierre Monbeig (1984), em sua obra “Pioneiros e Fazendeiros de São Paulo”, nos informa que, no município de Ribeirão Preto, quase todos os cafezais foram formados por italianos. Isso com certeza, após a derrocada da escravidão. De acordo com Moraes (1980), entre 1898 e 1902, sobre um total de 123.096 de imigrantes distribuídos em fazendas paulistas, um pouco mais de um terço concentrava-se em cinco municípios apenas: Ribeirão Preto (14.293), São Simão (7.837), São Carlos do Pinhal (7.739), Araraquara (7.679) e Jaú (6.191). Assim, Ribeirão Preto pode ser considerada, no início do século XX, uma cidade de estrangeiros. Um quadro de 1902 nos comprova isso muito bem: População do município de Ribeirão Preto em 1902 Nacionais

Estrangeiros

Total

19.711

33.199

52.910

Fonte: Relatório de 1902, op. cit., 14.


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População estrangeira no município de Ribeirão Preto em 1902 Italianos

Outras nacionalidades

Total

27.765

5.434

33.199

Fonte: Relatório de 1902, op. cit., 14

Imigrantes entrados em Ribeirão Preto em datas selecionadas Data

Quantidade

1902

2.699

1904

1.243

1906

2.645

1908

2.846

Fonte: Relatório de 1902, op. cit., 15.

Na Itália, principal fornecedora de trabalhadores para as lavouras de café no Brasil, foi promulgado em 1902, o decreto Prinetti, “pelo qual o Comissariado Geral da Imigração na Itália junto ao Ministério dos Negócios Estrangeiros de Roma proibia a emigração subvencionada” (BEIGUELMAN, 1968, 91). Por causa disso, na década de 1900, houve um considerável decréscimo de entrada dos imigrantes italianos no Brasil. No entanto, Ribeirão Preto manteve estável a média de recebimento dessa mão de obra, cerca de dois mil a dois mil e quinhentos imigrantes por ano. Vejamos a composição da população do município de Ribeirão Preto no ano de 1912: Nacionais

Italianos

Outras nacionalidades

Total

33.862

14.561

9.797

58.220

Fonte: Ary França, op. cit., 177.

Podemos concluir, a partir dos quadros anteriores que, em um espaço de dez anos, entre 1902 e 1912, caiu o número de estrangeiros na população total de Ribeirão Preto, de 33.199 para 24. 358, mesmo que nesse período tenha continuado a sua entrada significativa no município. Isso sugere que grande parte desses estrangeiros não permanecia por muito tempo em Ribeirão Preto, indo, com certeza, ocupar outras áreas mais novas e promissoras do Oeste Novo e até mesmo que o auge da imigração já havia passado. Em 1921, dos 32.223 imigrantes que desembarcaram em Santos, Ribeirão Preto recebeu apenas 972. Em 1922, dos 32.473 imigrantes da Hospedaria dos Imigrantes, em São Paulo, apenas 919 vieram para Ribeirão Preto. Em 1923, 1315 de 47.249 imigrantes. Em 1924, 1311 de 57.810. Essa nova queda que começou em 1918 era consequência direta da geada daquele ano que queimou milhões de pés de café. Deixemos João Rodrigues Guião falar sobre aquele momento: “A depreciação deste produto (o café) no período de 1919 a 1920 provocou o êxodo de muitas famílias de operários rurais e a retirada em massa de muitas delas para a região nordeste de São Paulo, produzindo este fato imensa penúria de braços na lavoura da região de Ribeirão Preto que lutou com sérias dificuldades para manter o tratamento de seus vastos cafezais. O recenseamento de 1921 acusou a existência de apenas 68.500 habitantes no município de Ribeirão Preto, em consequência daquele êxodo”. (GUIÃO, 1923, 48).


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João Rodrigues Guião confirma o que dissemos acima, só que esse processo de esgotamento da imigração começara antes da grande geada de 1918: os imigrantes já não se enraizavam em Ribeirão Preto. A diminuição da população rural foi compensada pelo crescimento da população urbana. Ocorria um desenvolvimento urbano extraordinário em consequência da cultura cafeeira. A mão de obra empregada nas fazendas tinha necessidade de consumo e esta nova exigência transformou a estrutura comercial existente. Surgiram novos estabelecimentos com a finalidade de abastecer com gêneros alimentícios, vestuário, instrumentos de trabalho, etc. esta nova classe consumidora. Por outro lado, a cidade atuou como polo de atração para muitas pessoas que trabalhavam nas fazendas, oferecendo-lhes uma diversificação de atividades. Muitos colonos que conseguiram fazer uma pequena economia dirigiam-se para as cidades, “onde se tornavam pequenos comerciantes ou onde iam exercer um ofício mecânico” (PETRONE, 1968, 291). O grande fluxo migratório na década de 1920 deslocava-se para regiões cafeeiras mais novas, como a Araraquarense e a Noroeste que, a partir de 1925, passaram a se destacar na produção de café no Estado de São Paulo.

AS CONDIÇÕES DE VIDA E TRABALHO DOS IMIGRANTES

Estação do Barracão, no início da Av. Dom Pedro, no Ipiranga. Ali desembarcavam os imigrantes europeus que vinham trabalhar nas fazendas de café de Ribeirão. É tombada pelo CONDEPHAAT, desde 1982.

A Estação do Barracão, localizada no início da Av. Dom Pedro I e que deu o primeiro nome ao nosso bairro do Ipiranga (Ipiranga foi escolhido em plebiscito pelos moradores na década de 1960), é memória ainda viva entre nós dos tempos dos “carcamanos”. A Estação do Barracão teve


RIBEIRÃO PRETO, A CAPITAL DO CAFÉ | 93

seu tombamento decretado pelo CONDEPHAAT em 7 de maio de 1982 através da Resolução nº 31 da Secretaria da Cultura. Os imigrantes eram simplesmente despejados nessa estação, antes de chegarem até a cidade. Aliás, a grã-fina estação da Mogiana que ocupava o espaço da atual Praça Francisco Schmidt, entre o Pronto Socorro Central e a Fábrica da Antarctica, não poderia mesmo recebê-los, pois ali desembarcavam capitalistas, intelectuais, políticos e companhias de teatro no início do século. Seu visual de proletários iria quebrar a estética verde-ouro da pequena Paris à brasileira! Por isso, Barracão neles! Ao desembarcarem, todos seguiam para o grande barracão (daí o nome da estação) que ficava em frente. Devia se localizar, mais ou menos, na área ocupada hoje pela Escola Municipal Alfeu Gasparini. Ali, eles eram entrevistados, seus documentos revisados. Lá ficavam os capatazes das fazendas que deveriam orientá-los e acompanhá-los. O barracão tinha o piso de terra batida, o telhado era alto, de telhas redondas de barro, os caibros de eucaliptos finos. No fundo, sempre ficavam arranchados alguns tropeiros, que enfiavam paus no chão para amarrar as redes. Chamemos novamente Chiavenato para nos descrever a cena que se segue:

HISTÓRIA, IMIGRAÇÃO E MEMÓRIA “No centro do barracão, havia uma mesinha. Nela senta-se o gordo e um agente de imigração. Estão com todos os documentos dos imigrantes e uma folha indicando seu destino. Um velho de roupa estranha, sobretudo branco que fica entre o avental e um fraque, pergunta se todos foram vacinados em Santos. Passa pelas famílias e examina ao caso um ou outro italiano. Abre-lhe a boca, enfia uma espátula e olha a garganta. Hum, hum, é tudo o que diz. Pede às crianças que mostrem a língua. Hum, hum. Olha dentro dos olhos das moças e dos rapazes. Hum, hum. Percorre os dedos magros pela cabeça dos velhos e pesquisa detidamente o couro cabeludo dos jovens. Hum, hum. E abandona lentamente o local. Terminou o exame de saúde. Os carreiros atrelam os bois de carro na canga e preparam-se para a viagem. Impaciente, o gordo chama os capatazes e grita: “Attenzione! Presto!” O fiscal começa a repartir os imigrantes. (O processo não mudou muito: negros compravam-se no mercado de Valongo, escolhidos pelos dentes, músculos e idade. Carcamanos agenciavam-se na Europa, através de companhias mentirosas, que prometiam terras no Brasil, empregos compensadores, escolas para os filhos. Não se pagava como os negreiros: agora as empresas de imigração recebiam uma porcentagem sobre os trabalhadores enviados à lavoura). E os próprios imigrantes depois resgatavam a sua parte, consumida entre passagens, documentos, chantagens e suborno. No fim, o eito: um trabalho tão duro como o dos escravos. É Preciso ser justo com os fazendeiros: não existia o tronco. Havia, é certo, a tocaia para os revoltosos. Havia o assassinato de famílias inteiras de camponeses, que se enterravam nos confins das fazendas. Mas, por acaso, quem conta essas histórias? ... Quem são estes macarrones rebeldes, ainda com a memória dos fatos que oficialmente não aconteceram? Ah, estes antigos latachos são os que permaneceram pobres; os que não conseguiram filhos doutores; os que se aposentaram pela Mogiana; os que fracassaram tentando fundar sindicatos; os que morreram colonos dos grandes latifúndios. Os italianos enricados não dizem nada disso. Os juízes não deram sentenças condenando cafelista algum por estes crimes que teimam em sobreviver ocultos na memória do povo. A polícia nunca confirmou nada do que os anarquistas denunciavam”. (CHIAVENATO, 1982, 24-30).


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Era vergonhoso o tratamento dado aos imigrantes em muitas situações. Vários autores já o compararam a um tratamento de semiescravo recebido dos fazendeiros que ainda não haviam se desprendido da herança dos tempos do cativeiro. Um exemplo disso foi a demissão coletiva de cem húngaros, em 1925, colonos de uma fazenda de Orlândia. Famílias inteiras, que nem mesmo sabiam falar a língua portuguesa, foram simplesmente despejadas na estação de trem, ali permanecendo vários dias sem comida e assistência médica, conforme noticiou o Diário da Manhã, de Ribeirão Preto, na sua edição de 15 de dezembro daquele ano. Casos de abusos como esses foram comuns nas primeiras décadas do século.

É GREVE NOS CAFEZAIS DE RIBEIRÃO! Maria Angélica Momenso Garcia (1993), na sua dissertação de mestrado, estudou detidamente as condições de vida e os movimentos de resistência dos imigrantes nas fazendas de café de Ribeirão Preto. Ela pesquisou 9 inquéritos policiais e 144 processos criminais envolvendo trabalhadores e fazendeiros de café da região, encontrados no Arquivo Geral do Fórum de Ribeirão Preto, no período de 1890 a 1920. O que passaremos a falar se baseia nos seus estudos, artigos publicados e na sua referida dissertação de mestrado. De acordo com Lloyd (1913), as greves nas fazendas de café não foram raras, contudo, pela própria condição de isolamento vivida pelos trabalhadores em seu interior - imposta pelos regulamentos da fazenda -, restringiam-se aos trabalhadores de apenas uma fazenda. Embora acontecessem nessas circunstâncias, podiam tornar-se importantes pelo fato de muitas fazendas na região de Ribeirão Preto congregarem um número considerável de trabalhadores, mais até do que muitas cidades da época, como a fazenda Monte Alegre, que em 1913 empregava 8.613 trabalhadores, a fazenda Dumont, 5.000 trabalhadores, a fazenda Guatapará, 3.074, a Cia. Agrícola de Ribeirão Preto, 3.000 trabalhadores, entre outras. Essas greves, quando atingiam várias fazendas, reivindicavam melhores salários e condições de trabalho, bem como terras para o cultivo de cereais. Foi o que aconteceu em 1912 e 1913, marcando um novo momento nessas mobilizações de trabalhadores, as quais, até então, não apresentavam muita articulação. Essas greves aconteceram no início de maio, exatamente no início da colheita. Além disso, as comemorações do 1º de Maio, organizadas pela militância tanto anarquista quanto socialista, mobilizavam os trabalhadores. Uma das causas da eclosão dos movimentos de 1912 e 1913 foi a proibição, determinada por alguns fazendeiros, do cultivo de cereais entre as fileiras dos cafeeiros. Essa proibição chocava-se com o sonho do imigrante de se tornar independente financeiramente, podendo consumir e vender o que plantasse. Esse sonho era alimentado pelo imigrante desde a sua viagem para o Brasil: a possibilidade de poupar para adquirir o seu pequeno pedaço de terra. A GREVE DE 1912 A greve de 1912 foi iniciada pelos colonos da fazenda Iracema, de propriedade do Coronel Francisco Schmidt. Bem rápido, as reivindicações de melhores salários foram atendidas. O jornal anarquista LA BATTAGLIA noticia o fato, através do relato de um participante anônimo que assina como “um socialista”. Ele sugere ter existido uma


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vanguarda bem articulada a que chamou de “diretório secreto”. As lideranças reuniamse de madrugada, havia uma forte descentralização nas decisões e ações dos grevistas e estratégias bem sucedidas de intimidar outros trabalhadores que pudessem substituí-los. A greve durou oito dias e seu principal motivo, segundo o relato, foi “a miséria e a condição de verdadeiros escravos”. Por essa época era considerável a propaganda socialista e anarquista em São Paulo. Mesmo em Ribeirão Preto, existia alguma penetração desses grupos, claramente vinculados aos imigrantes italianos e espanhóis, como, por exemplo, o jornal O OPERÁRIO, que começou a publicar seus primeiros números em 1896, sob a direção de Antônio Guimarães. Eles procuravam organizar um partido de classe trabalhadora, levando-os a participar da vida política do país. O OPERÁRIO também era publicado em Cravinhos e Sertãozinho, sendo de lá os seus responsáveis, respectivamente, Salviano Rosa e José Rabelo. A GREVE DE 1913

Homens beneficiando café seco na Fazenda Chimborazo, sede da Companhia Agrícola Ribeirão Preto na década de 1920.

A greve do ano seguinte, deflagrada em algumas fazendas de Ribeirão Preto (de propriedade de Francisco Schmidt, Quinzinho da Cunha, Cia. Agrícola Dumont e fazenda Macaúbas), mobilizou um número até maior de trabalhadores mas não obteve o relativo sucesso da greve do ano anterior, pois encontrou os fazendeiros mais unidos para abafá-la. Essa greve adquiriu importância singular pelo elevado grau de organização e mobilização dos trabalhadores, embora as barreiras impostas pelos “coronéis do café” tivessem por fim predominado. Muitas publicações da época, principalmente da capital, relataram os acontecimentos. Jornais anarquistas e socialistas denunciavam as más condições de vida e de trabalho dos colonos. Pelas notícias da época, a razão principal da greve foi a desvalorização dos salários, agravada pela proibição de os colonos cultivarem cereais entre as fileiras de café, o descumpri-


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mento dos contratos de trabalho por certos fazendeiros e fraude na pesagem do café colhido. Foi inútil a intervenção do cônsul geral da Itália em São Paulo, que se colocou a favor dos colonos e chegou a vir até Ribeirão Preto a fim de tentar obter um acordo. O cônsul Pietro Baroni se viu impotente diante da aliança dos proprietários da região que receberam expressivo apoio da Sociedade Paulista da Agricultura. A greve de 1913 terminou com a dispensa de inúmeras famílias, muitas delas pedindo ao consulado para serem repatriadas. (GARCIA, 1993).

“CORONELISMO, ENXADA E VOTO” Quando falamos da História de Ribeirão Preto na 1ª República, não podemos desconhecer a realidade sociopolítica daquela época, marcada profundamente pelo “coronelismo”. E o caso de Ribeirão Preto pode ser considerado “exemplar”. Todas as grandes vertentes historiográficas sobre o assunto, já bastante estudadas pelos especialistas, encontram em Ribeirão Preto um campo ideal para a sua investigação. Mas o coronelismo local foi até agora muito pouco pesquisado. Ressalta-se a obra de Thomas W. Walker, brasilianista da Universidade de Ohio, Estados Unidos, que, na década de 70, esteve em Ribeirão Preto fazendo entrevistas e levantando documentação para sua tese “Do Coronelismo ao Populismo: a evolução da política no município brasileiro de Ribeirão Preto, 1910-1960”. Depois, ele retornou a Ribeirão em 2000 para lançar, juntamente com Agnaldo de Sousa Barbosa, o seu livro “Dos Coronéis à Metrópole”. Outra obra que retrata este período é a de Alexandre Ferreira Mattioli, “O Coronel e seu quintal: Joaquim da Cunha Diniz Junqueira e Ribeirão Preto durante a Primeira República”, focalizando a figura do Coronel Quinzinho da Cunha na formação do sistema político da cidade na era do café. Vamos nos reportar a estes dois estudos ao tratarmos do coronelismo em Ribeirão Preto. Durante a maior parte da 1ª República (1889-1930), dois coronéis rivais Joaquim da Cunha Diniz Junqueira, popularmente conhecido como “Quinzinho da Cunha”, e Francisco Schimdt disputaram entre si o controle político da cidade, como “chefes políticos”. Ambos ricos e poderosos cafeicultores, como já foi dito no caso de Schimdt. Ambos dispondo de grande prestígio baseado não somente na grande extensão de suas lavouras, mas também nas qualidades sociais e morais que lhes eram imputadas como liderança, filantropia e honestidade. Quinzinho da Cunha, por seu lado, ainda se escudava no fato de pertencer a uma família tradicional - os Junqueira - descendentes de prósperos entrantes mineiros que se afazendaram na região desde o início do século XIX, muitos dos quais adquiriram uma refinada cultura, de tipo europeu. Cada um deles, do seu modo, comandava os seus correligionários - agricultores aliados, profissionais liberais, comerciantes, homens de negócio e principalmente o grande número de colonos que trabalhava em suas propriedades. Um dos aspectos mais interessante, sabiamente abordado por Walker e Barbosa (2000) em seu trabalho, foi a relação entre a “política local” e a “supralocal”, esta constituída pelas esferas estadual e federal. “Este prestígio e os votos que os coronéis comandavam eram usados na barganha com a situação política estadual e, às vezes, até com a situação política federal, pelo controle do lugar de “chefe político” e pelos favores financeiros, políticos e administrativos dos governos estadual e federal” (WALKER & BARBOSA, 2000, 55).

Nessa relação entre a política local e a supralocal atuavam os representantes da cidade nas esferas estadual e federal da política. Eram homens politicamente formados pela Câmara Municipal de Ribeirão Preto. Inteligentes e literatos, representantes de uma cultura citadina, mas comprometidos


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em última instância com a base econômica que lhes dava sustentação - o café - e com os coronéis que lhes arregimentavam os votos. Vejamos alguns deles. João Pedro da Veiga Miranda, prefeito, deputado estadual, deputado federal e ministro federal da Marinha. Um dos mais inteligentes e refinados políticos da história de Ribeirão Preto; Manuel Aureliano de Gusmão, presidente da Câmara Municipal, deputado estadual e senador estadual; Francisco Junqueira, deputado estadual; Fábio de Sá Barreto, Secretário de Estado do Interior; Renato Jardim, prefeito e Diretor Estadual das Escolas Públicas; Joaquim Macedo Bittencourt, prefeito e Ministro do Tribunal de Contas; João Alves Meira Júnior, vice-presidente da Câmara Municipal e deputado federal. Conforme Walker e Barbosa (2000), as eleições eram manipuladas e - em alguns casos – fraudadas. O “voto de cabresto” era marca registrada nas eleições em Ribeirão Preto, aliás, como de resto, em todo o Brasil. Os candidatos, antes e depois de eleitos, eram obedientes ao coronel e os negócios do município aconteciam de acordo com os interesses da elite cafeeira. Os trabalhadores rurais e urbanos estavam muito mal-organizados e tinham pouca influência no sistema político. Por outro lado, o número de eleitores era muito pequeno e isso facilitava ainda mais a manipulação. Mulheres, analfabetos, menores de 21 anos e estrangeiros não naturalizados não tinham direito a voto. Assim, o segmento da população total de Ribeirão Preto que participava das eleições muito provavelmente oscilava entre 2% e 5%, segundo cálculos feitos por Walker e Barbosa (2000).

DISPUTAS ENTRE CORONÉIS: SCHIMDT X QUINZINHO

Solar de Quinzinho da Cunha, na esquina da Rua General Osório com a Álvares Cabral, onde foi posteriormente construído o edifício Diederischen.


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Existe pouca documentação disponível sobre o início da luta política entre os dois grandes coronéis de Ribeirão Preto. O surgimento de ambos na política ocorre no momento mesmo da complicada definição da estrutura política local, logo após a instalação da República. Como já vimos, Alexandre Ferreira Mattioli no seu trabalho O coronel e seu quintal: Joaquim da Cunha Diniz Junqueira e Ribeirão Preto durante a primeira República, baseado em sua dissertação de Mestrado é a principal referência para o estudo da vida política do Coronel Quinzinho da Cunha. O golpe do primeiro presidente, Marechal Deodoro da Fonseca, ao tentar fechar o Congresso em 1891, provocou profunda divisão nos partidos republicanos em todos os estados da federação. Em São Paulo, uma ala do PRP, liderada por Cerqueira César e Bernardino de Campos, e aliada com o Marechal Floriano Peixoto que assumira a presidência da República, após a renúncia de Deodoro, liderou o movimento pela queda do governador Américo Brasiliense, que apoiara o golpe. Estes acontecimentos tiveram enorme repercussão em vários municípios paulistas. Em Ribeirão Preto, um grupo de cidadãos depôs a Câmara local em dezembro de 1891, pois era considerada comprometida com a situação política que acabava de ser derrubada no nível federal e estadual. Citam-se o Coronel Fernando Ferreira Leite, fazendeiro, capitalista e representante do banco de Ribeirão Preto; Doutor José Alves Guimarães Júnior, fazendeiro e advogado; Major Antônio Barbosa Ferraz Júnior, fazendeiro; Joaquim José Faria, fazendeiro e comerciante; Doutor Francisco Augusto César, médico; José de Amorim, funcionário municipal; Manuel Marcondes; Doutor Juvenal Malheiros de Souza Menezes, juiz municipal e Manuel dos Santos Saraíba, advogado e político. Seu líder, Doutor José Guimarães Júnior, era, na verdade representante de um forte grupo de cafeicultores, muitos deles recém-chegados à região como Francisco Schimdt e Arthur de Aguiar Diederichsen, sócios na compra da Fazenda Monte Alegre em 1890, e ligados por altos interesses financeiros, através da Casa de Exportação Teodore Willie, de capital alemão.

Arthur de Aguiar Diderichsen, nascido em Santos e filho de alemães, assim como Schimdt, tinha laços de família com os proprietários da Teodore Willie.

O acadêmico Júlio Mestriner desenvolveu importante pesquisa sobre o empresário e político Arthur Diederichsen. As informações e relações que cercavam esta marcante personalidade no início da vida republicana em nossa cidade, com certeza trouxeram muita luz sobre a história econômica e política de Ribeirão Preto na passagem do século. Mas Diederichsen era uma figura ímpar. Estava entre os revoltosos que depuseram a Câmara de Ribeirão Preto. Um ano antes fazia parte da Câmara de Descalvado. Os interesses dos grandes cafeicultores eram mais regionais que locais e vinculavam estreitamente o econômico e o político.


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Diederichsen e seu amigo Schimdt foram eleitos para a Câmara de Ribeirão instalada em 1892. A mesma Câmara elegeu Diederichsen como Intendente (o prefeito da época). Mas por aqui ele não lançou raízes profundas. Exatamente como fez em Descalvado. Em 23 de novembro de 1893, pediu exoneração da Intendência, apresentando como motivo o fato de estar transferindo residência para São Paulo. Em janeiro de 1894, foi eleito para substituí-lo o Tenente-Coronel Fernando Ferreira Leite. Tudo indica que ele continuou por algum tempo na liderança do PRP local, pelo menos até 1895. Francisco Schimdt deve ter sucedido a Diederichsen como “chefe político”. Segundo Walker e Barbosa (2000), Quinzinho da Cunha, talvez motivado pelo ressentimento de que um novo rico estrangeiro estava, repentinamente, na chefia política de sua cidade, organizou uma campanha para derrotar Schimdt. Esta campanha - que custou grande esforço pessoal e centenas de contos de réis - acabou fragorosamente derrotada. Quinzinho abandonou a política local e isolou-se na sua fazenda, deixando o campo aberto para Schimdt. No entanto, a ata da Câmara de 29/09/1892 afirma que Quinzinho da Cunha tentou a sua eleição já naquele ano e esta foi anulada pela própria Câmara por razões que se desconhece. Este fato sugere que, se houve uma reação de Quinzinho à liderança de Schimdt, ela ocorreu ainda no momento da construção do poder local em Ribeirão, nos primeiros tempos da República. De qualquer forma, Schimdt permaneceu como “chefe político” até 1901. Exerceu a vereança na legislatura de 1892 a 1896 e entre 1898 e 1899. Mas em 1900, seus opositores organizaram o Clube da Agricultura e do Comércio como trampolim político para reagir à sua liderança. Na eleição de dezembro para a Câmara Municipal, Schimdt retirou sua chapa da disputa pouco antes do pleito, acusando a oposição do Clube de irregularidades e fraudes. Sua renúncia o afastou momentaneamente do cenário político. O Clube da Agricultura e do Comércio, agora com o controle político de Ribeirão Preto, necessitava de um novo diretório para que o PRP pudesse conduzir a nova situação municipal. Inicialmente, houve muita especulação sobre quem viria a ser o chefe político. Eventualmente, Quinzinho da Cunha, que nem era membro do clube e que até sofria oposição de alguns por causa de suas tendências monarquistas, acabou sendo escolhido. No começo, ele até relutou em aceitar esta posição, pois sua experiência política anterior não fora muito satisfatória. No entanto, diante da insistência de amigos e consciente de que aquele momento era perfeito para entrar na política sem qualquer dificuldade, ele finalmente aceitou. Sua liderança foi formalmente confirmada em 24 de fevereiro de 1902 quando o Clube elegeu um novo diretório do PRP com Quinzinho na presidência. Logo após, o Clube se dissolveu. Entre 1902 e 1910, a situação política municipal se estabilizou sob a liderança de Quinzinho da Cunha, mas havia certa cooperação entre os dois coronéis, como na recepção ao governador Jorge Tibiriçá, quando de uma visita oficial a Ribeirão em 1907.

DESACORDOS E TRAIÇÕES Mas a Campanha Civilista de Rui Barbosa em 1910 haveria de reabrir velhas cicatrizes. Com o aval de seus amigos e mentores da política federal, Francisco Glicério e Herculano de Freitas,


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Quinzinho da Cunha rompe com o Diretório Estadual do PRP e apoia a candidatura do Marechal Hermes da Fonseca, apoiado pelas oligarquias de Minas e Rio Grande do Sul, contra o candidato da oligarquia paulista Rui Barbosa que, então, inicia a “Campanha Civilista”. Este fato provocou verdadeiro terremoto político em Ribeirão Preto. O prefeito Veiga Miranda chegou a renunciar em protesto à traição de Quinzinho. O Diretório Estadual intervém, afasta Quinzinho e indica como novo chefe político Veiga Miranda e, a seguir, o próprio Coronel Francisco Schimdt. Mesmo com a participação de intelectuais valorosos participando da Campanha Civilista local, como Renato Jardim e Eduardo Leite Ribeiro, Quinzinho garantiu a vitória eleitoral de Hermes da Fonseca em Ribeirão, a única em todo o estado de São Paulo. Nas eleições municipais daquele ano, o grupo de Quinzinho garantiu a eleição de 7 entre os 10 vereadores. A oposição, embora com toda a cobertura da situação política estadual, foi capaz de eleger apenas Veiga Miranda, Renato Jardim e Francisco Schimdt, que passaram a boicotar sistematicamente as sessões da Câmara. Estes três rebeldes formaram o núcleo de resistência oposicionista pelos anos seguintes.16 Continuam Thomas W. Walker e Agnaldo de Sousa Barbosa (2000) a nos informar sobre as lutas coronelísticas de Ribeirão Preto no auge da economia cafeeira. Acompanhando a turbulência política das “salvações nacionais” do governo Hermes, o período entre 1910 e 1914 foi dos mais agitados na história de Ribeirão. Observavam-se verdadeiras catilinárias pela imprensa local. O jornal “Diário da Manhã” na defesa do grupo de Schimdt e a “Cidade” na defesa do grupo de Quinzinho da Cunha. O Diário bombardeou com denúncias de fraude e corrupção as eleições de 1910. Já o A Cidade atacou os ex-prefeitos Miranda e Jardim por terem sido incompetentes na solução do problema do abastecimento d’água na cidade e desleais por não terem permanecido com Quinzinho na eleição presidencial: “Dr. Veiga Miranda encarna o mais odioso exemplo de ingratidão pessoal e política” 17. Ironicamente, quando em 1911, o presidente Hermes ameaçou (ou dizem ter ameaçado) decretar intervenção federal no estado de São Paulo, a primeira reação consistente partiu de Ribeirão Preto com moção de repúdio aprovada por todos os vereadores da Câmara. Este episódio levou a uma gradativa, mas cautelosa reaproximação entre as forças políticas rivais de Quinzinho e Schimdt. Mas em 1913 foi a vez do próprio Schimdt romper com o Diretório estadual do PRP. Este optou pelo apoio à candidatura presidencial do mineiro Wenceslau Braz, de acordo com o esquema do “café com leite”, enquanto que os grupos de Schimdt e Quinzinho preferiam agora, por unanimidade, apoiar Rui Barbosa. Schimdt renunciou à posição de chefe político e Ribeirão Preto retirou-se temporariamente do sistema político nacional e estadual. A resistência à política supralocal serviu para aproximar ainda mais os dois coronéis. Nas eleições municipais de 1913, já estavam juntos apoiando a mesma chapa e Schimdt chegou mesmo a ser presidente da Câmara entre 1915 e 1916. A reconciliação pública aconteceu em 22 de janeiro de 1915, quando os dois concordaram em apoiar a situação política estadual nas próximas eleições, sendo então eleitos o velho amigo e mentor de Quinzinho, Francisco Glicério para o Senado, e Pedro da Veiga Miranda, correligionário de Schimdt, para deputado estadual. Segundo Walker e Barboza (2000), existem evidências de que a paixão pela guerra causou a queda de Schimdt, devido a sua origem germânica. Segundo esses autores, a sua lealdade ao Brasil deveria ser considerada acima de qualquer suspeita. Ele já havia até condenado publicamente o militarismo alemão. Mas o frenesi tomou conta da cidade e a declaração de guerra do governo brasileiro 16 Veiga Miranda, Renato Jardim e Francisco Schmidt são alcunhados de “três siameses” como título da obra escrita pelo próprio Veiga Miranda discorrendo sobre as lutas políticas daquele tempo. O termo “irmãos siameses” se refere a pessoas que são inseparáveis, por alusão aos irmãos gêmeos Chang e Eng, nascidos em 1811 na Tailândia e mortos em Nova Iorque em 1874, ligados entre si por uma membrana na altura do peito. 17 Ataque do jornal A Cidade a Veiga Miranda logo após as eleições de 1910.


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à Alemanha apresentou-se como uma situação delicada para o velho coronel. Renato Jardim ensaiou organizar na cidade um exército de voluntários e Veiga Miranda propôs na Câmara uma moção de guerra, aprovada até por Schimdt. Este chegou a renunciar à presidência da edilidade, o que não foi aceito pelos seus pares. Mas estes não o reconduziram ao posto em 1917 e 1918. A estrela de Schimdt parecia estar em decadência. Mas ele resistia. Para isso, precisava diferenciar-se do espaço político de Quinzinho. Assim, a ruptura definitiva entre os dois aconteceu em 1919, quando da eleição especial para o preenchimento de uma vaga de senador estadual. Eram candidatos Valois de Castro, considerado pelos jornais locais como germanófilo, amigo do “Jornal Alemão”, empastelado na capital, e Luiz Pereira Barreto, de sólidas e antigas ligações com Ribeirão Preto. Somente Schimdt, nem mesmo seus amigos, apoiou Castro. E isso em um momento de grande histeria antigermânica em Ribeirão Preto. Castro saiu-se vitorioso no estado, mas na cidade ele sofreu estrondosa derrota. Esta eleição provocou um grande impacto: Schimdt ficou totalmente isolado e toda a oposição acabou integrada ao campo do Coronel Quinzinho da Cunha. O Diário cessou suas críticas à situação. Opositores como Tito Lívio, Fábio Barreto e João Guião foram cooptados e logo ganharam cargos... Mas o velho coronel lutou desesperadamente pela sobrevivência política. Organizou um novo partido em 1919 junto com seu filho Guilherme para disputar as eleições municipais. Sua fragilidade era tão real e evidente que Quinzinho lançou apenas 8 candidatos para 10 cadeiras, conseguindo eleger apenas 2. Este elegeu Abílio Sampaio e Antônio Queiróz Teles Júnior que, isolados, preferiram a renúncia... No início de 1920, Schimdt ainda apoiou a candidatura de Álvaro de Carvalho para governador contra o bom amigo de Quinzinho, Washington Luiz, que chegaria mais tarde até a presidência da República. Aparentemente, este atrevimento foi demais para Quinzinho. Em junho, a Junta de Recursos de São Paulo desqualificou todos os eleitores das propriedades da Cia. Agrícola Francisco Schimdt, alegando que Schimdt havia trazido grande número de colonos de outras áreas, dando-lhes certificados de longa residência na comarca. Era o fim do velho coronel. Ele estava cansado e magoado com a política local. Em 1921, transferiu a sua residência permanente para São Paulo onde, com 73 anos, faleceu em 18 de maio de 1924. Quinzinho da Cunha passou a ser o líder exclusivo e incontestável de Ribeirão Preto.

Uma foto de 1921: à esquerda do poeta Amadeu Amaral que visitava Ribeirão, sentado ao centro, temos Veiga Miranda. À direita do poeta: João Rodrigues Guião e Fábio Barreto.


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“Ribeirão Preto é talvez o centro mais importante de café do Estado. O município contém não menos de 265 fazendas de café onde trabalham 30.000 pessoas. O número total de habitantes no districto, de accordo com o recenseamento de 1903, é de 62.000 habitantes, havendo 3.000 casas de moradia. A receita anual monta a Rs 589, 400$. Para aquela população total do Município a área urbana de Ribeirão Preto contribui com mais da metade, o que significa que ella não é só um dos maiores centros de riqueza, mas também um dos mais activos centros de população do Estado. É de notar-se, porém, que mais da metade da população de Ribeirão Preto é de origem estrangeira, especialmente italiana, tendo a sua colonização, que data de 1890, mais ou menos, sido principalmente feita por colonos cultivadores de café que affluiram ao Estado, e especialmente ao Município por esse tempo. Graças a esse grande fluxo e à extrema fertilidade da região, Ribeirão Preto progrediu rapidamente, tornando-se hoje o que Campinas fôra anteriormente: a verdadeira capital agrícola da zona cafeeira. Esse mesmo facto explica ainda porque a cidade apresenta um aspecto de perfeito modernismo em todas as suas construções no seu apparelhamento, com ruas largas e bem rasgadas, em linhas rectas, os seus serviços de água, luz e esgotos, os seus hoteis confortáveis e o seu casino movimentado. (...) tendo o Estado realizado em 1896 importantes obras de saneamento, inclusive canalizaçâo de aguas e esgotos - em vista das más condições hygênicas que então prevaleciam. Cercada por uns trinta milhões de pés de café, das mais importantes fazendas do paiz (como as do Coronel Schmidt, da Comp. Dumont etc.), Ribeirão Preto é um centro comercial da maior importância, centro das communicaçôes com os Estados de Minas e Goyas; e da zona cafeeira chamada do “Oeste”. Existem alli tres estabelecimentos de credito e, entre os seos edificios devem ser mencionados a cathedral, o Forum, o theatro e o Grupo Escolar” 18.

18 In LLOYD, Reginald & Outros. Impressões do Brasil no século XX: sua história, seu povo, comércio, indústrias e recursos. Londres: Lloyd’s Greater Britain Publishing Company Ltd., 1913, p. 76.


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DO LARGO DA MATRIZ À PRAÇA XV

Largo da Matriz em 1898, entre as Ruas General Osório e Álvares Cabral, local hoje ocupado pela Praça XV de Novembro e fonte luminosa

Marco histórico da cidade, foi a partir da Praça XV que Ribeirão Preto se desenvolveu. Ela dá um charme todo especial à cidade e é um dos seus cartões postais. Palco de manifestações de todos os gêneros, a praça nasce junto com o arraial que dará origem à urbe. Ela era, a princípio, muito mais extensa, medindo 400 x 100 metros. A sua volta havia apenas pequenas construções - casas e vendas - de pau a pique. Em um dos seus extremos, foi edificada, na década de 1850 pelos seus primeiros povoadores, uma ermida provisória, até que conseguissem a definitiva autorização eclesiástica para a construção de uma capela. Ao final da década de 1860, esta capela, que seria em breve a matriz, já estava pronta e foi em volta dela que o povoado se desenvolveu. Foi exatamente a partir do Largo da Matriz que Manoel Fernandes do Nascimento, o fabriqueiro, planejou o traçado original de Ribeirão Preto, como se fosse um tabuleiro de xadrez, com quarteirões quadrados, medindo 100 metros cada lado. Ele fazia isso, obedecendo estritamente às constituições da Igreja que recomendavam que a matriz e seu largo deveriam se localizar entre rios para que houvesse água por perto. Outro critério para a escolha do local era que a encosta desses rios tivesse um platô em que a igreja ficasse em destaque na paisagem em relação aos outros edifícios que constituíssem o povoado. Em sessão da Câmara Municipal de 15 de setembro de 1900, foi aprovada autorização para que o Dr. Augusto Ribeiro Loyolla, então prefeito interino da cidade, promovesse as obras de ajardinamento de uma das quadras do largo, situada ao fundo da velha matriz, na área compreendida entre as Ruas Gal. Osório, Tibiriçá, Duque de Caxias e Álvares Cabral, exatamente no lugar de enterramentos no cemitério que havia nos fundos da velha matriz. Dr. Loyolla plantou vários canteiros de flores e arbustos, construiu um chafariz e um coreto, além de um lago de carpas. Em 14 de julho de 1901, o jardim do Dr. Loyolla, como ficou conhecido, foi festivamente inaugurado, com a banda Filhos da Euterpe, do maestro José Delfino Machado, tocando o Hino Nacional e a Marselhesa. Comemorava-se a Queda da Bastilha. Em 1905, foi demolida a velha Matriz, alterando-se mais uma vez a paisagem urbana da área central da cidade. Desde 1890, com a chegada do Pe. Joaquim Antônio de Siqueira (3º vigário da paróquia), já havia se iniciado uma campanha por um templo de maiores dimensões.


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Palacete Innechi, prédio à esquerda, e a sede social da Sociedade Recreativa, localizados na esquina da Rua Barão do Amazonas com a Rua Duque de Caxias. O Palacete Innechi foi demolido e em seu lugar foi construída uma agência do Banco Itaú.

Ainda resistem ao tempo algumas construções da Praça XV que até hoje mantêm viva a história da cidade, como o edifício do Museu de Arte de Ribeirão Preto (MARP), construído em 1919, para ser a sede da Sociedade Recreativa e de Esportes e que também abrigou a Câmara Municipal entre 1948 e 1985. Outros dois exemplos são o palacete da família Junqueira, hoje Biblioteca Altino Arantes, e a residência do ex-prefeito Camilo de Mattos, na esquina da Duque de Caxias com a Tibiriçá. A revista “Expressão Feedback”, edição de junho de 1999, nas páginas 25 a 27 trouxe interessante reportagem feita por Matilde Leone sobre o casarão que foi a antiga residência do ex-prefeito Camilo de Mattos e onde o último morador, até a década de 1990, foi o seu filho Luiz Augusto Gomes de Mattos, octogenário que guardou muitas lembranças da época de seu pai. A reportagem traz uma entrevista saudosa com este único habitante do velho casarão. Vale a pena conhecer um testemunho vivo daqueles tempos. Tomamos a liberdade de publicar um pequeno extrato: O ÚLTIMO MORADOR SOLITÁRIO Rua Duque de Caxias em 1926. No primeiro plano, o solar de Camilo de Matos, ainda hoje sobrevive.


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Ribeirão Preto já foi uma cidade gloriosa, com vida cultural agitada e uma arquitetura nascida das influências francesa e italiana, modelos europeus que ainda persistem em alguns monumentos: os prédios do Quarteirão Paulista - onde fica o Theatro Pedro II - e alguns poucos casarões espalhados no centro da cidade. A maioria foi ao chão levantando uma poeira de materiais importados, e foram surgindo no lugar traços mais retos nos prédios residenciais e comerciais. “A cidade está descaracterizada. Da década de 70 em diante, os casarões começaram a cair para dar lugar a prédios e estacionamentos”, lamenta a arquiteta Valéria Valadão, estudiosa do assunto. “Os bairros preservaram mais a arquitetura antiga. Os edifícios foram construídos em áreas livres”, lembra. Difícil precisar quantos foram demolidos, mas é fácil contar nos dedos os que sobraram, não se sabe até quando. Preservando por dentro e por fora os resquícios de um passado elegante, apenas um ainda é habitado no centro da cidade: a casa do advogado e ex-prefeito de Ribeirão Preto, Joaquim Camilo de Moraes Mattos, na Rua Duque de Caxias, esquina com a Tibiriçá. Camilo de Mattos morreu na década de 40 e virou nome de uma rua no Jardim Paulista. VALOR HISTÓRICO As janelas e as portas do casarão estão sempre fechadas. E nem pela abóboda de vidro do andar de cima, às vezes iluminada, se vê alguma sombra. Mas, lá, vive um homem, quase lendário: o filho de Camilo de Mattos: Luiz Augusto Gomes de Mattos. Sozinho, viúvo e sem filhos, ele também já pensa em deixar o silêncio das paredes cheias de lembranças e se mudar para um apartamento pequeno. Mas, a julgar pela forma como mostra os cômodos, explicando com gosto cada detalhe, não parece provável que Mattos vá deixar a casa construída na década de 20 pelo engenheiro Antonio Terreri e pelo construtor Paschoal de Vincenzo, os mesmos que construíram o edifício Diederichsen e o antigo Umuarama, onde foi o Hotel Bradesco e hoje, o Hotel Vila Real, na Rua São Sebastião. “O prédio da prefeitura foi construído por um tio meu, Antonio Soares Monteiro, seguindo o modelo de um palácio europeu”, lembra Mattos, que lamenta as demolições dos casarões da cidade, mas considera mais importante que a arquitetura preservada, a história de cada um. “Quem se lembra da casa onde morava o gerente da Cervejaria Antarctica? Faz muito tempo. Havia nela um valor histórico muito grande. Aquela casa hospedou os reis da Bélgica, o presidente da República da época, Epitácio Pessoa”, afirma. “Ninguém se importou com nada... a casa foi demolida”, ressente. - Como também foi ao chão o Theatro Carlos Gomes... - Mas o Carlos Gomes estava condenado por causa dos cupins, lembra com tristeza. DIVISÓRIA DO TEMPO De terno branco, preservando a elegância que foi marca registrada de seu tempo de juventude, Luiz Mattos, sentado em uma cadeira de balanço com assento e encosto de palhinha, rememora o passado com os olhos brilhantes. O aparelho de TV é o único elemento que marca a divisória do tempo naquelas salas impregnadas de história, com móveis de madeira preciosa, e design aristocrático. As paredes conservam a pintura origi-


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nal do começo do século, e é possível imaginar resquícios de vinho francês nas taças de cristal. As fotografias eternizam a juventude do pai, da mãe e das irmãs em antigos porta-retratos sobre os móveis e em molduras deslumbrantes, nas paredes. “Meu pai inaugurou o Theatro Pedro II, quando foi prefeito”, diz, lembrando que o filme de estreia foi “Alvorada do Amor”, e olhando com carinho a foto do pai. Camilo de Mattos foi um homem bonito, de olhar sedutor, elegante e charmoso como um ator hollyoodiano. Luiz Mattos relembra algumas medidas administrativas do pai, como prefeito de Ribeirão Preto, há 70 anos: “Ele criou a assistência de saúde municipal que funcionava na Santa Casa, comprou a primeira ambulância, trouxe a Guarda Civil e deu início ao Educandário Sinhá Junqueira”. Naquele tempo, segundo Mattos, “era mais fácil governar. Existiam apenas dois partidos, o Republicano Paulista e o Democrata, e o prefeito - nomeado pelos vereadores - tinha maioria tranquila na Câmara”. Camilo de Mattos era do PRP (Partido Republicano Paulista) e foi deposto na Revolução de 30. (LEONE, 1999).

Fábio Sá Barreto, à frente, de chapéu, caminhando pelo Bosque.

Valéria Valadão, arquiteta e mestre em História pela UNESP de Franca, fez um dos mais importantes estudos acadêmicos sobre a evolução arquitetônica do espaço central de Ribeirão Preto. São baseadas em sua pesquisa as considerações que passamos a fazer sobre a Praça XV. Os fazendeiros, enriquecidos com o café, passaram a construir seus imponentes palacetes e mansões nessa região mais valorizada e privilegiada da cidade - o centro. Com a demolição da velha matriz em 1905, o Jardim do Dr. Loyolla pôde avançar em direção do Theatro Carlos Gomes. No ano de 1918, durante a administração de Macedo Bittencourt, houve uma significativa mudança no paisagismo existente, com o plantio das palmeiras imperiais no trecho próximo à Rua Álvares Cabral. A partir de 1919, o jardim passa por reforma completa, finalizada na gestão do prefeito João Rodrigues Guião (VALADÃO, 1996). No ano de 1928, foi demolido o edifício circular, onde funcionava o bar da Cia. Cervejaria Paulista, localizado no centro da Praça XV de Novembro. Iniciou-se quase imediatamente a construção do chamado Trianon da Praça XV, abrigando duas funções: bar no térreo e mirante em sua cobertura, sendo inaugurado entre 1929 e 1930 (VALADÃO, 1996). Em 1922, o jornalista Assis Chateaubriand, em visita à Companhia Electro-Metallurgica Brasileira, em Ribeirão Preto, hospedou-se no Hotel Central, localizado na Praça XV de Novembro, deixando registradas suas impressões sobre a praça. Relatadas em artigo, no “Jornal do Commercio” do Rio, nº 96, dc 15 de abril de 1922:


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“... da janela lanço um golpe de vista sobre a linda praça, que fica diante da nossa hospedaria. Esta praça tem um bom gosto raro: dir-se-ia, pela grama tenra, bem cuidada, a ausência dos hediondos canteiros de rosas, um parque inglez. Comove-me o imprevisto desse encontro, que o meu olhar se mostra immediatamente sensível. A harmonia, a doçura, a suavidade daquele jardim, encantam a um apaixonado da beleza na simplicidade. Vê-se que por alli não passou uma tesoura de chacareiro vulgar, mas sim a mão fina e suti1 dc um artista, cheio de medida e sentimento. Ribeirão Preto pode gabar-se de ter, na sua praça principal, um padrão dc cultura” (Album do Município e da Cidade de Ribeirão Preto. Org. João Rodrigues Guião, 1923, 35-36, apud VALADÃO, 1996, 82-83). No mesmo artigo, referindo-se à cidade, diz: “... Ribeirão Preto é uma cidade nova; com ruas calçadas, arborização e luz elétrica. A topographia local lembra um pouco Belo Horizonte: as ruas compridas galgam e descem, algumas vezes as encostas do terreno accidentado, abrindo bellas perspectivas à visão... “(Idem, apud VALADÃO, 1996, 83). As quadras fronteiras da Praça XV passaram por transformações significativas no aspecto, porte e qualidade das edificações durante as décadas de 20 e 30. Mas foi durante a gestão do prefeito Fábio de Sá Barreto, entre os anos de 1937 e 1944, que a Praça XV de Novembro sofreu suas transformações mais significativas e adquiriu os contornos que formam sua imagem atual. O traçado dos canteiros foi completamente alterado e o coreto foi substituído pelo Monumento ao Soldado Constitucionalista da Revolução de 1932. A mudança mais significativa foi a construção da fonte luminosa, inaugurada em 20 de janeiro de 1939, localizada onde anteriormente encontrava-se a velha Matriz e as edificações que funcionaram como bares da Antarctica. Dois coretos foram construídos. O prefeito Barreto enviou pedidos aos governos dos estados para que remetessem mudas de dois tipos de árvores nativas das diversas regiões. Por isso temos hoje ali espécies não nativas da região. Em setembro de 1946 foi concluída a demolição do Theatro Carlos Gomes, já em decadência há muito tempo. “A partir do final da década de 1910, diversas ruas e praças centrais (aí incluídas as dos bairros Vila Tibério e Barracão) já se encontravam ajardinadas e arborizadas. Além da extensa e larga avenida (da Saudade) de 1.300 metros de comprimento, artisticamente arborizada por dois renques de árvores Typuanas, cujos galhos entrelaçados formam uma linda abóboda em todo o seu percurso. Até então, a malha urbana se expandia, as ruas eram prolongadas, surgiam novos quarteirões na área central da cidade. Mas será a partir de 1922 que novos projetos na malha viária do centro irão influenciar decisivamente o desenho urbano da cidade. Ficava estabelecido na forma da Lei nº 270, de 22 de agosto de 1922, que na comemoração do primeiro centenário da Independência Nacional, fosse feita a aquisição de terrenos para a abertura da “Avenida Independência” (atual 9 de Julho) a partir do extremo da Rua Tibiriçá, quatro metros além do fundo do “Commercial Foot-Ball Club”, devendo o primeiro trecho ser inaugurado por ocasião das festividades. O trecho, a que se refere a lei, estava compreendido entre as Ruas Tibiriçá e São José, isto é, o equivalente a cinco quadras.” (VALADÃO, 1996, 134).


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Construção do Edifício Diederichsen em 1935, primeiro prédio com mais de três andares em Ribeirão Preto. No centro, prédio do Banco Francês-Italiano. À direita, edifício Meira Júnior. Antônio Diederichsen faleceu em 30 de setembro de 1955, e deixou em testamento o edifício Diederichsen para a Santa Casa de Misericórdia de Ribeirão Preto. O prédio foi declarado bem cultural e tombado pelo CONDEPHAAT em 2005, e desde então passou por uma série de estudos para se iniciar o projeto de restauração.

“Em 1934, em plena e aguda crise, quando todos pensavam que o ciclo evolutivo de Ribeirão Preto se findara ante o corte de 26 milhões de cafeeiros, Antônio Diederichsen (próspero empresário dos ramos de serralheria, fundição e mecânica) adquiriu uma área na Rua Álvares Cabral entre as ruas Gal. Osório e São Sebastião (onde era a residência do Coronel Quinzinho da Cunha), e ali ergueu um monumento de fé e marco de civilização - o “Edifício Diederichsen”. Foi o alento novo à cidade. Entusiasmado com o resultado do investimento, Diederichsen continuou no ramo da construção civil, inaugurando em 1941 o Edifício ABC, de 15 andares, localizado na Rua Saldanha Marinho” 19.

PRAÇA XV AO QUARTEIRÃO PAULISTA O majestoso Quarteirão Paulista na Praça XV, referência do Patrimônio Cultural e Histórico de Ribeirão Preto. Ao centro, o Theatro Pedro II, à direita o Hotel Central, depois Palace Hotel, e à esquerda o Edifício Meira Júnior, onde hoje funciona a Choperia Pinguim. Ainda pode ser observada a base do Coreto que deu lugar mais tarde ao Monumento ao Soldado Constitucionalista.

19 CRUZ, Nice Penna de Barros. Manoel Penna SDP Marketing & Comunicação Centenário, p. 75 apud VALADÃO, 1996, p. 73.


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A Revista “Revide” publicou durante o ano de 1999 vários encartes relatando diversos aspectos da História e da Cultura de Ribeirão Preto. Como parte integrante da sua edição de nº 120, este encarte discorreu sobre o Quarteirão Paulista. É com base nos dados e considerações do referido texto, que falaremos a seguir sobre o Quarteirão Paulista, cuja majestosa presença é indissociável da Praça XV de Novembro. A partir da década de 20, o centro da cidade tornou-se um ponto de referência para a iniciativa privada direcionar seus investimentos. Até então o eixo de desenvolvimento ficava nas imediações da estação ferroviária, com destaque para a Rua José Bonifácio, região que seria conhecida mais tarde como “a baixada”. Impulsionado pelo capital colhido no mar de café em que havia se transformado Ribeirão Preto, em muito pouco tempo, a paisagem da área central da cidade mudou radicalmente. Pequenas casas que remontavam à época da construção da capela, localizadas nas esquinas das Ruas Duque de Caxias e Álvares Cabral foram adquiridas por Adalberto Henrique de Oliveira Roxo. Próspero comerciante de café, Adalberto queria ser um dos pioneiros na construção de um hotel de grandes proporções, que correspondesse à importância que Ribeirão havia adquirido na época. Assim, em 1926, era inaugurado o Central Hotel, que mais tarde passaria a se chamar Palace Hotel. Este edifício deu origem ao conjunto arquitetônico que ficou conhecido como “Quarteirão Paulista”. Marco importante da história de Ribeirão Preto, o Quarteirão Paulista, formado pelos prédios do próprio hotel, do Theatro Pedro II e o do Edifício Meira Júnior, onde a partir de 1978 passou a funcionar a Choperia Pinguim II, teve seu tombamento decretado em dezembro de 1993 pelo CONDEPHAAT. Os prédios foram considerados “bens culturais de interesse histórico-arquitetônico e paisagístico”. Pouco tempo depois, os prédios de Adalberto Roxo foram vendidos para a Cervejaria Paulista, empresa de capital local criada em 1914 para concorrer com a Companhia Antarctica Paulista no ramo de bebidas e refrigerantes. Entre os fundadores dessa empresa, genuinamente ribeirão-pretana, estavam o advogado João Alves Meira Júnior, Albano Carvalho, Antônio Pagano, José Rossi (químico industrial, entendido no assunto) e o empresário Hans Scherhols (outro já escolado no ramo) com seu auxiliar João Pontim. Os lucros auferidos pela empresa foram tão grandes em tão pouco tempo que os proprietários decidiram construir um grande teatro no centro da cidade e, por isso, adquiriram os terrenos naquela área. Na verdade, planejavam construir um conjunto arquitetônico imponente e suntuoso, composto por um teatro, o Pedro II, e um prédio de escritórios, o Meira Júnior. O advogado Meira Júnior, um dos fundadores, contratou o arquiteto Hippolyto Gustavo Pujol Júnior, do escritório de Engenharia Pujol, para a execução do projeto. O Central Hotel passou por uma profunda reforma para que sua fachada pudesse fazer conjunto com o Theatro Pedro II e o Edifício Meira Júnior. Então é que se passou a chamar Palace Hotel. Ali eram realizados banquetes em homenagem a cidadãos importantes, daqui ou de fora. Aos domingos, sob os acordes de um grupo denominado Jazz Bico Doce, conforme descreveu o historiador Rubem Cione (1989), acontecia um chá dançante das 21 horas à meianoite. Tudo era festa para a mocidade em um ambiente refinado, bem ao gosto da próspera elite agrária da época.


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OUTRO OLHAR SOBRE A CONFIGURAÇÃO URBANA SOB O VIÉS SOCIAL E ÉTNICO-RACIAL A disciplinarização, o enquadramento de toda a sociedade à nova realidade surgida com a abolição do trabalho escravo e a ordem liberal estabelecida pela República são marcos importantes para se pensar o ordenamento urbano no Brasil a partir do final do século XIX. Mas, além disso, há necessidade, para compreendermos melhor os processos de ordenamento urbano, de se levar em conta as relações étnico-raciais e a cultura eurocêntrica, que estão na base de concepção de mundo dos grupos hegemônicos no Brasil. No caso de Ribeirão Preto, não foi diferente. Sérgio Luiz de Souza (2007) e Rodrigo Santos Faria (2010) detalharam uma outra abordagem sobre a configuração espacial e urbana de Ribeirão Preto sob o ponto de vista social e étnico-racial. Eles chamam a atenção para o noticiário dos jornais locais que tornam explícito o padrão dominante de cidade na visão das suas elites. Vejamos um artigo publicado no jornal Diário da Manhã: “Por entre as bellesas que já se destacam do conjunto imponente que apresenta o aspecto geral da cidade, notam-se às vezes, aqui e ali, como manchas encardidas de cousas velhas e arcaicas, algumas casinholas a enfeiarem o belo panorama. Não se poderia desmanchar essas velharias sujas para limpar a cidade, ao menos as ruas centrais? Às vezes, entre casas de bonita arquitectura, pintado de novo, numa limpeza de encantar, o olhar curioso sente-se de repente ferido pela ruina nauseante de um casebre sujo, sem coliça pelas paredes, sem tinta pelas portaladas, denotando na geringonça desarticulada de suas juntas uma espécie de andaime perigoso amarrado aos flancos dos bons prédios. É preciso uma reforma nesse sentido, reforma que não renderá não só benefícios de esthética, mas também de higiene.” (Diário da Manhã, 06/06/1907).

Cria-se um espaço público modelado em função de padrões europeus, um espaço com jardins e outros embelezamentos de um discurso simbólico para informar que este espaço é exclusivo para os grupos hegemônicos, ao mesmo tempo, vedado aos grupos negro-populares e à estética de suas manifestações culturais (SOUZA, 2007). Agora, era preciso redefinir territorialmente as linhas de distanciamento social, uma vez que o antigo consenso quanto à hierarquia estava ameaçado. Neste processo de reordenamento do espaço da cidade, a Praça XV de Novembro e seu entorno constituíram-se como a simbolização da disciplina exigida pelos padrões sociais burgueses. Vejamos o que diz Rodrigo Santos Faria a respeito: “Seus espaços [...] conscientemente organizados pela ordem e pelo controle, impunham uma disciplina caracteristicamente repressiva. Espaço qualificado pela segregação social que estabelecia lugares apropriados em função do grupo social a que se pertencia: era o cenário ideal e idealizado pela burguesia para sua situação cotidiana estritamente associada ao progresso municipal como representação de sua própria ação.” (FARIA, 2010, 226-227).

Um artigo do jornal A Cidade em 1905, citado por Souza (2007), mostra muito bem a reação das elites diante da presença de pessoas negras em seus territórios de convivência, mais especificamente na Praça XV de Novembro: “Espetáculo a que assistimos revoltados no domingo à noite, quando tocava no jardim público a banda Filhos de Euterpe, não pode e não deve repetir-se. Ribeirão Preto (...) não pode estar dominada por este elemento pernicioso que atenta pública e audociosamente contra os mais comesinhos deveres sociais, e que vae além, chegando a


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desrespeitar as famílias, fazendo-as retrahirem-se, fugirem daquele logar aprasível e único que possuímos. “As horizontaes”, uma cáfila de negras desocupadas e atrevidas e uma molecada insolente que está pedindo colônia correcional (...) A liberdade, já tivemos oportunidade de dizer referindo-nos a abusos naquele logar, não pode ser esta criminosa desatenção que individoas mal educadas querem praticar com similhante desenvoltura – o jardim é de todos, mas de todos educados. À Prefeitura e às autoridades policiais endereçamos estas linhas como uma reclamação que nos fizeram muitas famílias. Esperamos o corretivo enérgico da parte das autoridades, mesmo que se torne preciso uma postura municipal proibindo ali a entrada desta gente mal educada.” (Jornal A Cidade, 1905 in SOUZA, 2007, 81-82).

É possível perceber as relações sociais e étnico-raciais em Ribeirão Preto. Esta reação das chamadas “famílias” revela a visão preconceituosa e discriminatória das elites que construíam a cidade intra-rios (FARIA, 2010) e como a Praça XV era tida como um território branco e burguês. Ela expressa a concepção que se tinha das populações negras, sendo elementos perniciosos e desocupados, classes perigosas que levavam as famílias civilizadas a se retraírem, populações incivilizadas, mal-educadas, sem condições, portanto, para respeitar os mais comesinhos deveres sociais, necessários à sociabilidade imposta pelos padrões culturais europeizados que tornaram chics e elegantes os espaços destinados à elite (SOUZA, 2007). Percebe-se ainda, na visão dos grupos hegemônicos muito bem expressa pela notícia do jornal A Cidade, a forma como deveriam ser tratadas as populações negras: com o uso dos dispositivos disciplinares como colônias correcionais, com a proibição para entrar nos espaços públicos destinados ao usufruto privado das parcelas consideradas superiores na sociedade ribeirão-pretana.

PRÉDIOS PÚBLICOS CASA DE CÂMARA E CADEIA

Prédio da Câmara e Cadeia, primeiro prédio público de Ribeirão, construído entre 1887 e 1890, ainda hoje existente e tombado pelo Patrimônio Histórico Municipal.

Até 1886, a Vila do Ribeirão Preto não possuía um prédio próprio para Câmara e nem para Cadeia. Era tradição, desde os tempos coloniais, que as vilas sediassem sua Cadeia e sua Câmara no mesmo prédio. Uma casa de propriedade do vereador Bernardo Álvares Pereira, alugada para a Câmara por quatro mil réis, deve ter servido de primeira cadeia pública da vila e também local das primeiras reuniões da Câmara. Pelo menos é isso que se presume da ata da Câmara de 15/07/1874. Mas onde se localizava? Pelo mesmo documento, na esquina da Rua Visconde do Rio Branco com


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a Rua Visconde de Inhaúma. De fato, as reuniões da Câmara, nos primeiros anos, como já tivemos oportunidade de falar, aconteciam nas casas dos vereadores. Várias tentativas sem resultado foram feitas pela Câmara para a construção de um prédio próprio que servisse de Cadeia e Câmara. O problema é que sempre faltava dinheiro. É o que se percebe pelas atas de 16 e 22 de julho de 1877, de 22 de fevereiro de 1882, de 8 de janeiro de 1883 e de 19 de novembro de 1885. Esta última indicação finalmente teve resultado. Mesmo assim, somente em 1887 teve início a construção do edifício que abrigaria as duas funções, na atual Rua Cerqueira Cesar, em frente à Praça Barão do Rio Branco, obra do empreiteiro Pedro Cremonini. No final de 1889, mesmo sem estar concluído, construído com verbas provinciais, já estava sendo utilizado como cadeia. O edifício contava com dois pavimentos. No andar superior ficava instalada a Câmara e sala para sessões de júri. O pavimento inferior servia de cadeia, seguindo o padrão urbanístico das edificações das Câmaras desde o período colonial. Mas segundo Cione (1989), a Câmara funcionou neste prédio somente depois de inaugurada a nova cadeia em 1904, na esquina da Rua Duque de Caxias com a Marcondes Salgado, no mesmo prédio onde temos até hoje o Distrito Policial do centro da cidade. Em 1917, a Câmara ganhou nova sede, o Palácio Rio Branco. Ali ela funcionou até 1948, quando foi transferida para o prédio onde hoje é a sede do MARP (Museu de Artes de Ribeirão Preto), na esquina das Ruas Duque de Caxias e Barão do Amazonas, ficando o Palácio Rio Branco apenas como sede do Poder Executivo (Prefeitura). Em 1985, ela foi transferida para a Casa da Cultura, no Alto do Morro São Bento, sendo que a sua atual sede, no Parque Ecológico Maurílio Biagi, foi inaugurada em 1991.

PALÁCIO RIO BRANCO

Palácio Rio Branco, inaugurado em 1917, atualmente sede da Prefeitura Municipal.

Inaugurado em 26 de maio de 1917, o Paço Municipal, como era então chamado, sempre foi um grande centro das decisões políticas. Encomendado três anos antes pelo prefeito Joaquim Macedo Bittencourt ao engenheiro Antônio Soares Romeu, o Palácio Rio Branco tem 600 m2 de superfície coberta, com dois pavimentos e um porão, com 1.800 m2 de construção, levando em conta seus andares.


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Depois da deliberação da Câmara Municipal, em 24 de outubro de 1914, autorizando a obra, o prédio começou a ser construído em 3 de agosto de 1915, com o lançamento da pedra fundamental. O Palácio ficou pronto em abril de 1917. Este espaço público destinava-se à sede da Câmara dos Vereadores, à Prefeitura, à Procuradoria e outros órgãos políticos e administrativos. A escolha do patrono foi uma homenagem ao Barão do Rio Branco, um dos maiores diplomatas do Brasil, falecido em 1912. Seu busto ocupa lugar de destaque na praça que fica na frente do Palácio e foi construído antes da decisão de se construir o palácio. O andar térreo abrigava as salas da Prefeitura, procuradoria, repartição de obras, secretaria, biblioteca, tesouraria e vestíbulo de entrada. No andar superior estavam a sala de sessões (salão rosa) a sala das comissões, o gabinete do presidente da Câmara, o gabinete do prefeito municipal e um salão nobre para recepções. A sessão especial de inauguração do novo edifício do Paço Municipal aconteceu às 13h do dia 26 de maio de 1917, sob a presidência do Coronel Francisco Shmidt Estiveram presentes o prefeito Joaquim Macedo Bittencourt, diversas autoridades, vereadores, funcionários públicos e outros convidados.

ARQUITETURA Fachada da Mairie de Neuillysur-Seine, nos arredores de Paris, uma das que inspiraram a construção da fachada do Palácio Rio Branco em Ribeirão Preto.

Fachada do Hotel de Ville de Suresnes, também próximo de Paris, outra inspiração para a fachada do Palácio Rio Branco, em Ribeirão Preto.

A Revista Revide, no seu nº 127, no ano de 1999, traz um encarte com interessante estudo sobre o Palácio Rio Branco. É com base nele que passaremos às informações seguintes.


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O engenheiro Antônio Soares Romeu baseou seu projeto nas regras estilísticas da “belle-époque”. O estilo da fachada é uma transição do barroco para o moderno, inspirada nas fachadas da Mairie (termo equivalente à Câmara Municipal ou Prefeitura) da cidade francesa de Neuilly-sur-Seine e do Hotel de Ville (prédio que abriga a administração local) da cidade de Suresne, nos arredores de Paris. Naquele tempo, Ribeirão Preto não possuía uma tradição cultural própria em que pudesse basear suas construções. Em compensação, o dinheiro acumulado pela produção do café possibilitava à elite local importar não só os modismos europeus, como os mais sofisticados materiais de construção. Como já havia acontecido com o Theatro Carlos Gomes e com muitos palacetes erguidos na cidade, o Palácio Rio Branco foi projetado em estilo eclético, ou seja, uma mistura de tendências que ia do “art-decô” ao “neo-clássico”, com acentuadas características de “art-noveau”, o que até hoje pode ser visto em seus contornos arredondados, na predominância de motivos florais, nos entalhes e nas pinturas internas, executadas pelo artista Torquato Bassi. A decoração do vestíbulo de entrada foi executada pelo pintor Carlos Baraldi. As mesmas características estão nos móveis de inspiração francesa, estilo Luiz XV que ainda decoram várias salas do palácio. O poder conferido aos coronéis da cidade pela grande produção cafeeira era exercido no interior daqueles salões. Uma grande mesa atravessava o salão rosa, na qual fazendeiros milionários e seus prepostos fechavam negócios em benefício próprio e determinavam os destinos econômicos da cidade e, muitas vezes, até mesmo do país. A histórica mesa ainda existe, mas não fica mais neste salão, encontra-se no salão nobre. Também nesta sala, intelectuais debatiam questões da época, literatos e juristas viravam a noite em polêmicas intermináveis. Hoje, as paredes deste salão exibem quadros de artistas da cidade, registrando momentos importantes da sua história. Fielmente reproduzidas, ali estão as imagens da primeira capela do povoado, dos antigos habitantes em frente ao coreto, das velhas ruas e praças hoje transfiguradas. Nos salões do Palácio Rio Branco está eternizada a trajetória dos mais importantes personagens da elite da cidade. Francisco Schimdt, Veiga Miranda, Meira Júnior, João Rodrigues Guião e até o presidente da República Epitácio Pessoa, entre tantos outros, ocuparam aqueles cômodos e transitaram pelos seus corredores influindo na história da cidade. Ali tomaram decisões políticas, fecharam negócios nacionais e internacionais, recepcionaram a burguesia em festas e banquetes. REQUINTE No suntuoso salão nobre que toma a fachada superior do prédio, aconteciam as inesquecíveis festas da Capital do Café. Ali foi organizado, por exemplo, o baile de gala em homenagem ao então presidente da república, Epitácio Pessoa, que chegou a visitar a cidade duas vezes. Eram de puro requinte, realizadas numa imensa sala rodeada por janelões com vista para a praça. Intactos e conservados, lá estão os lustres de cristal, as vidraças bisotadas, o impecável assoalho de madeira, as pinturas que adornam as paredes e os móveis de época, entalhados e de madeira maciça. No salão nobre está também o gracioso balcão que costumava acomodar a orquestra durante as festas. Dali os músicos podiam avistar pelos espelhos, que até hoje ocupam a parede da frente, quem chegava ao baile. Contam os antigos que, de acordo com a importância do convidado, mudavam-se os acordes e os números musicais. PALCO DE MANIFESTAÇÕES O Palácio Rio Branco mantém ainda hoje a função de abrigar o centro das decisões do poder executivo. No prédio são decididos os destinos da comunidade e articuladas as estratégias políticas


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e administrativas do governo. Justamente por isso, a praça em frente ao Palácio frequentemente é palco para os mais variados tipos de manifestação popular. Além do gabinete do prefeito, o Palácio Rio Branco hoje abriga a chefia da Casa Civil, a Coordenadoria de Comunicação Social, a Assessoria Tecno-Legislativa (ASTEL), Fundo Social de Solidariedade, divisão administrativa de apoio ao gabinete, gabinete do vice-prefeito e o Serviço de Informação ao Munícipe. No porão funciona o arquivo de processos do Departamento de Protocolo da Prefeitura. O salão nobre continua sendo destinado a recepções e reuniões, muitas vezes acaloradas, mas sem a pompa que existia nos tempos áureos do café. Os bailes de gala ficaram para a História. As reformas mantiveram a arquitetura do prédio. No início da década de 90, o Palácio passou por uma recuperação que demorou mais de um ano para ser concluída. Teve todo o madeiramento, encanamentos e rede elétrica substituídos, recebeu nova pintura, mas sem alterar as características originais e muito menos o estilo da construção. A conclusão da reforma aconteceu em 1992. Atualmente, o prédio está tombado e, por isso, qualquer reforma ou alteração na construção tem que ser autorizada pelo CONDEPHAAT. O MERCADO MUNICIPAL Antigo Mercado Municipal, inaugurado em agosto de 1900 e destruído por um incêndio em 7 de outubro de 1942. Ele ocupava o mesmo espaço onde se encontra o atual.

O primeiro mercado da cidade, que poderíamos chamar de “mercado livre” era uma espécie de feira e ficava em um prédio da Rua Visconde do Rio Branco com Visconde de Inhaúma no final do século XIX. Ele satisfazia as necessidades dos comerciantes e chacareiros, que negociavam seus produtos com a população local. Com o crescimento de Ribeirão Preto, houve a necessidade de se construir um novo mercado, mais condizente com os novos ares de seu progresso. A Revista Revide também dedicou um dos seus encartes ao Mercado Municipal, o de nº 132. Baseado nesse seu texto, passaremos a falar sobre ele. Em 1881, a Câmara de Ribeirão Preto cogitou construir um mercado no Largo da Matriz, na Praça 15 de Novembro. Mesmo com o regulamento aprovado, a construção do empreendimento não saiu do papel. O assunto retornou à pauta em 15 de março de 1888 quando a Câmara fez um orçamento para edificar um barracão no quadrilátero formado pelas Ruas Duque de Caixas, José Bonifácio, Gal. Osório e Avenida Jerônimo Gonçalves, mas essa ideia também não vingou. Houve outras tentativas de se construir um mercado nos anos de 1889, 1892 e em 1899. Somente em setembro deste último ano, a Câmara deliberou sobre as últimas propostas, aprovando a desapropriação do terreno compreendido entre as Ruas São Sebastião, José Bonifácio, Américo Brasiliense e Jerônimo Gonçalves. A história do Mercado Municipal começou no início do século, quando a Câmara de Vereadores elaborou o primeiro regulamento para o funcionamento do edifício. A inauguração aconteceu


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em 29 de outubro de 1900. O prédio era alto, feito de tijolos maciços de barro e tinha uma cobertura envidraçada. Um marco para a arquitetura da época. Além de ser ponto de referência, abastecia famílias de todas as classes sociais da cidade. Vendia-se de tudo no mercadão, desde mantimentos e tecidos até ferramentas e relógios. O concessionário responsável pelo mercado foi o grupo Folena & Cia. que explorou o local por oito anos. Depois, a Prefeitura pagou uma indenização de 120 contos de réis e tomou posse do imóvel. TRAGÉDIAS

Até muito recentemente o Mercadão era invadido pelas enchentes do ribeirão Preto. Como nesta foto de 1927. Mas muito antes, a urbanização sem planejamento invadiu o ribeirão Preto. É a vingança da natureza.

A história do mercadão foi marcada por grandes tragédias. A primeira delas ocorreu em 7 de março de 1927, quando uma enchente alagou todo o quarteirão onde estava localizado, estragando roupas de cetim, gorgurão e tafetá. Outras inundações afetaram o quarteirão todo, mas nenhuma como a ocorrida na década de 1920.

O que sobrou do Mercadão após o incêndio de 1947: as paredes externas e o pórtico da entrada principal.


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No entanto, a pior tragédia ainda estava por vir. Em 7 de outubro de 1942, em plena Segunda Guerra Mundial, as chamas de um incêndio causado por um curto circuito destruíram quase todo o edifício, transformando em cinzas o maior centro comercial da cidade. Com a catástrofe, os comerciantes tiveram de se acomodar, provisoriamente, em barracas apertadas na Avenida Jerônimo Gonçalves. Nessa época, no local onde havia sido o mercadão, funcionou precariamente a Estação Rodoviária da cidade. Na comemoração do primeiro centenário de Ribeirão Preto, em 1956, surgiu a ideia de se construir um novo mercado. Com recursos do Estado, ele foi construído e já era inaugurado em 28 de setembro de 1958 pelo prefeito Costábile Romano. Seu prédio está tombado pelo CONDEPHAAT desde 1993 (informações baseadas na Revista Revide, encarte da edição de nº 132). Mercado Municipal: barracas construídas no local do antigo Mercado, destruído pelo incêndio de 1942. Vê-se à direita, carros e jardineiras estacionados, a Av. Jerônimo Gonçalves com suas palmeiras imperiais e parte dos armazéns da Cia. Mogiana.

Prédio dos Correios e Telégrafos, na esquina da Rua Álvares Cabral com Rua Florêncio de Abreu, construção da década de 1920.


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Fórum e Cadeia, edifício na Rua Duque de Caxias. Na parte térrea funcionava a cadeia e no piso superior o Fórum. Presença de crianças, um homem na calçada e dois homens na entrada do edifício. Vista do prédio a partir da calçada de frente. Em primeiro plano uma mureta com gradil.

Antigo prédio do Banco do Brasil, construído em 1923, localizado no calçadão da General Osório, onde hoje se localiza a Casa da Sogra.

NOSSOS PRIMEIROS BAIRROS Conforme estudos de Valéria Valadão (1997), na virada do século, o centro da cidade polarizava e centralizava todas as atividades sociais, prestação de serviços públicos, comércio e, também, permanecia como local privilegiado, destinado a uma burguesia emergente que começava a construir suas residências urbanas - os fazendeiros e comerciantes enriquecidos com o café. Ao mesmo tempo, configurou-se o surgimento de alguns núcleos de colonização na periferia rural da Vila, o que deu origem, posteriormente, aos primeiros bairros. Essa expansão ocorreu de forma desordenada e sem nenhum plano de conjunto. Valéria Valadão afirma que apenas duas condicionantes de caráter urbanístico podem ser consideradas nesse processo de expansão. A primeira e mais antiga seriam as vias de acesso a outras localidades, como São Simão e Batatais, em conjunto com os caminhos e servidões que ligavam os sítios e fazendas do entorno rural ao sítio urbano da Vila de Ribeirão Preto.


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A segunda condicionante do processo de expansão seria a já citada intervenção urbana, com a implantação do “complexo Mogiana”, em 1885, na margem oposta do ribeirão Preto. Outra condicionante socioeconômica complementaria mais tarde esse processo: os loteamentos oficiais e particulares. Os loteamentos oficiais foram implantados em terras devolutas ou desapropriadas, nos chamados “Terrenos Nacionais”, tendo por objetivo o assentamento de colonos com pouco capital. Sob o Império, chegaram a ser criados catorze centros de colonização oficiais entre 1827 e 1889.

NÚCLEO COLONIAL SENADOR ANTÔNIO PRADO E O BARRACÃO: ORIGEM DE VÁRIOS BAIRROS DA NOSSA CIDADE

Estação do Barracão: exemplo do Patrimônio Cultural e Histórico vítima da depredação e abandono.

Vale destacar aqui o brilhante trabalho da arquiteta Adriana Capretz Borges da Silva, “Campos Elíseos e Ipiranga, memórias do antigo Barracão”, publicado pela Editora COC em 2006. Este trabalho corresponde à sua dissertação de mestrado em Engenharia Urbana, intitulada “Imigração e Urbanização: o Núcleo Colonial Antônio Prado em Ribeirão Preto”, defendida em março de 2002, no Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de São Carlos. Boa parte das informações a seguir são retiradas de seu trabalho. De todos os núcleos coloniais criados durante o Império, somente um deles se localizou nas regiões de recente expansão agrícola, o do “Senador Antônio Prado”, em Ribeirão Preto. Segundo Arnold Wright (1913), o meio de comunicação do Núcleo Colonial Antônio Prado com a Capital era pelos trilhos da Cia. Mogiana, sendo que a estação vizinha chamava-se Barracão e sua área total compreendia 589 alqueires, sendo que a nacionalidade da maioria dos seus colonos era registrada como italiana.


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Este foi o primeiro grande projeto de expansão urbana na Vila do Ribeirão Preto. Ele começou a ser elaborado em 1886, logo após a instalação definitiva da Mogiana, em terreno com benfeitorias da Fazenda Ribeirão Preto, confiscados ao Tenente-Coronel Gabriel Garcia de Figueiredo, segundo sentença do Juízo dos Feitos de 27 de dezembro de 1878. Essa área foi cedida pelo Ministério da Fazenda ao da Agricultura, para que ali se organizasse em núcleo de colonização. Em 3 de junho de 1887, era inaugurado o “Núcleo Colonial Senador Antônio Prado”, tendo sido inicialmente ocupado por nove colonos alemães, os quais certamente viviam ali antes da criação do núcleo. Centro de colonização, sob o Império, era em verdade um loteamento oficial, cujos lotes poderiam ser adquiridos por 1.250 francos, sendo oferecidas facilidades de pagamento e condições que asseguravam o escoamento da produção, dada a proximidade da Estação do Barracão. No seu primeiro ano, o Núcleo Antônio Prado contava com 111 colonos, sendo que a maioria era de imigrantes italianos, havia 161 lotes demarcados, 78 medidos e 23 distribuídos. No segundo ano, havia 239 lotes, sendo que os lotes rurais mediam de 10 a 12 hectares e os urbanos, 2,5 hectares e contavam com uma população de 227 habitantes. Sua emancipação se deu em 1893, através do decreto nº 225-A, de 30 de dezembro daquele ano. Com isso, o núcleo passou para a responsabilidade do município (VALADÃO, 1997; SILVA, 2006).

OS PRIMEIROS MORADORES DO BARRACÃO DE CIMA (NÚCLEO INICIAL DO IPIRANGA) Documento de grande valor histórico para Ribeirão Preto são os registros de quitação dos lotes do Núcleo Colonial Senador Antônio Prado, na área de sua sede, feitos pela Secretaria de Estado e dos Negócios da Agricultura e Obras Públicas de São Paulo a partir de 1892 e que se encontram no Arquivo Público e Histórico de Ribeirão Preto. Poderíamos considerá-los os fundadores do bairro do Ipiranga. Vejamos: Número do lote

Nome do colono

-

Paulo Parduco

1-A

Fávero Fortunato

1

Rivoiro Giovani

2-A

Romano Enrico

2

Romano Enrico

3-A

Pólon Giusué

3

Fávero Francisco

4-A

Brussulo Jacintho

4

Codognoto Lorenza

5-A

Clemente Giuseppi

5

Batista Santos

6-A

José Facolino

6

(ainda não quitado)

7-A

Bertolotti Giuseppi


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7

(ainda não quitado)

8-A

Antônio Poggi de Figueiredo

8

(ainda não quitado)

9-A

José Battisteoh

9

(ainda não quitado)

10-A

Salvatore Malagali

10

Stephanelli Giacomo

11-A

Geraldo Luigi

11

Luiz Vieira

12-A

Luiz Gianini

12

Pascon Giacomo

13-A

Ercole Moroni

13

(ainda não quitado)

14-A

Francisco Federico

14

(ainda não quitado)

15-A

Antônio Richard

15

Constantino Fazzolino

16-A

Luigi Gelben

16

Antônio Jacinto Teixeira Rosa

17-A

De Bonis Vicente

17

Collusci Giuseppi

18

Attílio Gianini

19

Minello Francisco

20-A

Capelozza Antônio

20

Vigiani Giovani

21-A

Benharde Giuseppi

21

Ferrari Lorenzo e Brondo Angeli

22-A

Feraco Giuseppi

22

Maillard Celestini

23-A

Jules H. A. Romedini

23

Jules H. A. Romedini

24-A

(ainda não quitado)

24

(ainda não quitado)

25-A

Agostinho Lamberti

25

Francisco Raffini

26-A

Antônio Delchiaro

26

(ainda não quitado)

27

(ainda não quitado)

28

Miguel Zerbetto

29-A

Antônio Crema

29

Benedicto Roiz Vieira da Cunha

30-A

Inocente Francisco

30

(ainda não quitado)

31-A

José Joaquim Vieira

31

(ainda não quitado)

32-A

Alfredo Pippi


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32

Bernardelli Giuseppi

34-A

Valente Puntato

34

Pedro Semi

35

Carmiolli (não localizado no mapa)

Fonte: APESP

Comparando com a relação de requerimentos para a aquisição de lotes entre 1887 e 1893, apresentada por Adriana Capretz Borges da Silva, podemos perceber que alguns lotes requeridos ainda não estavam quitados em 1892 e que já havia alteração de proprietários em outros casos, talvez por compra ou permuta. Na tabela que ela apresenta entre as páginas 173 e 176, mostrando os títulos de propriedade entre 1892 e 1912, a grande maioria dos proprietários na sede do núcleo coincide com os registros de quitação apresentados acima. O trabalho desta autora é fundamental para conhecermos os primeiros proprietários de vários outros bairros de Ribeirão Preto, oriundos dos parcelamentos das quatro seções em que se dividia o Núcleo Colonial Senador Antônio Prado. Mas, deixemos com Valéria Valadão (1997) as considerações sobre a expansão urbana de Ribeirão Preto dentro da área do núcleo colonial. Analisando sua planta original, ela identifica algumas diretrizes de implantação que, ao longo do tempo, definiram o surgimento e a expansão de novos bairros, a partir do Núcleo Colonial Antônio Prado. O loteamento foi subdividido em quatro seções, a segunda e a terceira avançando na direção norte em relação à cidade do Ribeirão Preto, sendo sua sede e primeira seção, constituída de lotes urbanos, orientadas para o oeste e, finalmente, a quarta seção para a direção leste. As chácaras do núcleo eram abastecidas pelos córregos da região, o seu acesso ao centro da cidade dava-se por duas vias principais. A primeira era a continuação da Rua Saldanha Marinho, caminho para Batatais, conhecido também como caminho do Catapani. Trata-se de João Batista Catapani, italiano, conhecido fabricante de licores. A segunda era o prolongamento da Rua Visconde de Inhaúma. Os lotes da segunda e quarta seções, na realidade, eram sítios, destinados principalmente à população imigrante com pequeno capital. Funcionários da Companhia Mogiana também ali se instalaram com o objetivo de estabelecer sua moradia. Assim instalados pelo Governo, sua produção seria destinada ao abastecimento da cidade, presumivelmente, porque todas as fazendas particulares circundantes, nessa época, já praticavam a monocultura extensiva do café (VALADÃO, 1997). Dentro do Núcleo Colonial Senador Antônio Prado é que se desenvolveram os bairros do Sumarezinho (1ª Seção), os da região do grande Ipiranga, (2ª Seção), Jardim Mosteiro, Jardim Paulistano, Jardim Novo Mundo (3ª Seção) e grande parte dos Campos Elíseos até a Vila Carvalho (4ª Seção). Ainda podem ser encontrados, no Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP), na capital, os documentos relacionados à compra desses lotes pelos imigrantes, constituindo essa documentação um importantíssimo material para se conhecer a expansão da malha urbana nessa região da cidade. No caso dos loteamentos particulares, cada um dos proprietários das antigas chácaras e sítios, quando decidia pelo loteamento de suas propriedades, preocupava-se apenas com o seu caso particular, optando por um sistema ortogonal de ruas e lotes dentro de suas divisas.


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MAPA DA SEDE URBANA DO NÚCLEO COLONIAL SENADOR ANTÔNIO PRADO

1- Rua General. Câmara 2-Rua Bonfim 3- Rua Piauí 4- Rua Espírito Santo 5- Rua Bahia 6- Rua Pará 7- Rua Rio Grande Do Sul. OBS: O lote 7A era ocupado pela Hospedaria dos Imigrantes, prédio que ficou mais conhecido como “Barracão”, ao lado da estação que tomou o mesmo nome. Hospital de Isolamento, o Lazareto. Prédio do Hospital construído no terreno do Núcleo Colonial Antônio Prado, adquirido em 1895.

Lotes do núcleo colonial não quitados causam dúvida jurídica entre Estado e União Um mapa feito em 26 de maio de 1932 mostra que diversas áreas do Núcleo Colonial ainda não haviam sido repassadas ao domínio de particulares. O próprio decreto de emancipação do núcleo (1893) confirma a existência de terras não quitadas que passariam naquela época à disposição da Secretaria dos Negócios do Interior. Tais documentos contrariavam a posição assumida pelo Departamento de Patrimônio da União,


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que vinha insistindo em dizer que tinha interesse naquelas terras que um dia pertenceram ao Núcleo Colonial, confiscadas da Fazenda do Ribeirão Preto ao Tenente-coronel Gabriel Garcia de Figueiredo. No entanto, os registros de quitação daqueles imóveis não deixam dúvida. Os colonos os adquiriram do governo do Estado de São Paulo. Todo este imbróglio jurídico impediu até recentemente a tramitação normal de várias ações de reconhecimento de propriedade de diversos terrenos pertencentes outrora ao núcleo, já que incidiriam em usucapião em terras do Estado, o que não é permitido por lei.

JOSÉ JACQUES (SANTA CRUZ)

Procissão em Santa Cruz do José Jacques. Em primeiro plano, vista de uma estrada; no fundo, grupo de pessoas em procissão junto a uma capela. Esta capela pode ser o local da atual Matriz de Santa Cruz, núcleo inicial do bairro.

Em 1878, José Teodoro Jacques, o primeiro morador do que viria mais tarde ser chamado de bairro Santa Cruz, se encontrava no termo da Vila do Ribeirão Preto, residindo em Sertãozinho, onde foi listado como eleitor, então com 50 anos de idade e filho de João Jacques de Souza. Por volta de 1880, estava adquirindo algumas glebas de terra, de propriedade de Tobias Severino da Silva e sua mulher Maria do Rosário (condôminos da antiga Fazenda do Retiro, quinhão de Manoel de Nazareth Azevedo), pelos lados do caminho que ia para São Simão, distante aproximadamente seis quilômetros da vila de Ribeirão Preto. Estabeleceu-se no local, com sua família, formando uma chácara e uma olaria e edificou uma capelinha dedicada a São João, no meio de um largo. Outros moradores, que também adquiriram terras naquele local, construíram suas casas próximas à capela. Em pesquisa realizada por Roberto de Vasconcelos Martins, consta que José Teodoro Jacques seria cidadão francês20, mas há dúvidas sobre sua origem. Ele foi casado duas vezes, tendo deixado filhos dos dois casamentos, quando faleceu em 04/11/1900. 20 Autos da divisão de terras da Fazenda do Retiro, Cartório do 2º Ofício de Ribeirão Preto, Caixa nº 26, de 1892, do Arquivo do Fórum de Ribeirão Preto, SP.


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Aos poucos, foi se formando um novo núcleo de forma espontânea em torno da capelinha de José Jacques, sem qualquer plano ou ordenamento. Por volta de 1892, a capela foi doada para a Igreja e devidamente oficializada. Nessa ocasião, teria sido demarcado o largo em torno da capela, bem como os arruamentos circundantes, ficando o local conhecido desde então com o nome de bairro de Santa Cruz do José Jacques.

VILA TIBÉRIO

Obras de construção da Companhia Cervejaria Antarctica na Vila Tibério. A empresa foi inaugurada em 11 de agosto de 1911.

A especulação imobiliária também acenava com a possibilidade do enriquecimento fácil. Já naqueles tempos é provável ter sido este o motivo que levou Tibério Augusto a lotear suas terras. Depois de dividi-las, passou a vender cada lote por 50 mil réis. Com o passar do tempo, esse valor foi se elevando até chegar ao preço de 300 mil réis a unidade. Na opinião de Valéria Valadão (1997), essa súbita valorização foi sempre justificada pela característica plana dos terrenos, proximidade do centro e da estação da Mogiana. O loteamento localizava-se a oeste do centro da cidade, além da linha férrea, tendo sido ocupado a princípio por funcionários da ferrovia, imigrantes (na maioria, italianos) que abandonavam a lavoura de café, atraídos pela vida urbana e, posteriormente, pelos operários das indústrias de bebidas que se instalaram nas imediações, a Antarctica e a Paulista. A denominação oficial das ruas do loteamento ocorreu em 1903, através de lei da Câmara. A única ligação da Vila Tibério com o centro era pela Rua Luiz da Cunha, prolongamento da Rua Duque de Caxias, pois os trilhos e as porteiras da Mogiana impediam outras ligações, naquela época. A instalação, em 1911, da Cia. Cervejaria Antarctica e, em 1914, da Cia. Cervejaria Paulista acelerou o desenvolvimento da Vila Tibério e, consequentemente, condicionou para a direção oeste a expansão da malha urbana da cidade, até a década de 1920.


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Assim, o desenvolvimento da malha urbana foi avançando em direção ao loteamento particular de Tibério Augusto. O verdadeiro Ipiranga, antigo Barracão, corresponde, de fato, à sede urbana do Núcleo Colonial que, com a ocupação de suas áreas rurais (chácaras), acabou alcançando a Vila Tibério, ligando os dois bairros. Sua população mantinha as mesmas características das de outros bairros: eram operários, imigrantes que desempenhavam os mais diversos ofícios, funcionários da Mogiana, do comércio e de serviços que se ofereciam no centro da cidade. Valadão (1999) concluiu afirmando que surgia assim uma cidade pobre, gerada pelos meios de produção da cidade rica, confinada entre o valorizado núcleo original da cidade (símbolo de abastança e prosperidade do município) e as fazendas da zona rural circundante que, na época, dispunham de todo o conforto, acabando por se transformar em sedes das grandes empresas agrícolas do café.

VILA TIBÉRIO, O BAIRRO DOS ITALIANOS A Revista Revide, no seu número 122, trouxe um interessante encarte sobre a Vila Tibério. Vejamos o que diz a revista. Na região oeste de Ribeirão Preto está localizado um dos bairros mais tradicionais e antigos da cidade. As ruas, os moradores e as velhas construções guardam importantes passagens do seu desenvolvimento. O nome do bairro é uma homenagem a Tibério Augusto Garcia de Senne, um agrimensor que tinha uma grande clientela. Ele era procurado por pessoas que queriam fazer a partilha das suas terras. No final do século, as fazendas e as chácaras sofreram uma alta desvalorização por causa da febre amarela que matou muita gente. Na mesma época, uma violenta chuva de granizo ainda destruiu muitas casas. Terra ainda barata. Com pouco dinheiro dava para adquirir muitos alqueires. Considerado um homem progressista, Tibério Augusto recebeu do sogro uma grande gleba que, posteriormente, dividiu em lotes que foram vendidos a preços módicos (50 mil réis) para os italianos que chegavam. Comprou ainda diversas chácaras na área. Ele era agrimensor, o que lhe facilitou o fato de amealhar uma imensa fortuna vendendo lotes! Era a Vila Tibério que nascia, um dos mais antigos bairros da cidade. Construiu por ali também uma olaria para a fabricação de telhas e tijolos. Bem esperto o nosso Tibério! Aos poucos, os lotes foram sendo adquiridos por ferroviários, agricultores e trabalhadores da lavoura. Os compradores, na maioria, eram imigrantes italianos atraídos pela valorização do loteamento depois da instalação da Antarctica. Por isso, até hoje, a Vila Tibério é considerada uma verdadeira colônia italiana em Ribeirão Preto, o que pode se verificar por sobrenomes dos seus moradores como Spanó, Crispim, Rossi, Scoura, Ferracini, Lourenzatto, entre tantos outros. O bairro começa no cruzamento do ribeirão Preto com o córrego Laureano, continua no prolongamento da Rua Roque Nacarato, vai até o córrego Antártica e dali até o ribeirão Preto. Os pesquisadores afirmam que a história da Vila Tibério pode ser dividida em dois períodos: antes e depois da porteira da Mogiana. Até meados dos anos 60, a Rua Luiz da Cunha, prolongamento da Duque de Caxias, era a única ligação da Vila Tibério com o centro da cidade. As porteiras dos trilhos da Mogiana impediam o prolongamento das Ruas General Osório e São Sebastião.


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TIBÉRIO AUGUSTO GARCIA DE SENNE,O FUNDADOR DA VILA TIBÉRIO Este mineiro de nascimento também cumpriu uma longa trajetória até se fixar nesses rincões. Era filho de Bernardino José de Senne e Bárbara Maria, residentes no Distrito de Cana Verde, Minas, onde foram recenseados em 1831. Nessa época, seu pai tinha 24 anos e sua mãe, 20, com apenas dois filhos pequenos, Valentim e Cândido. Seu pai é citado nesse recenseamento com a profissão de caixeiro. Tibério estava, em 1865, em Descalvado, onde foi nomeado secretário da Câmara local. Mais uma vez, Descalvado parece ter sido ponto de passagem obrigatório para quem quisesse fazer fortuna em Ribeirão. Já vimos os casos de Francisco Schmidt, Moraes Octávio e Arthur de Aguiar Diederichsen. Tibério deve ter chegado a Ribeirão por volta de 1873 já casado com Deolinda Franco, filha do Coronel João Franco de Moraes Octávio que certamente já conhecia desde os tempos de Descalvado. Aparece citado na lista de eleitores de Ribeirão Preto em 1878, então com 35 anos. Deve ter nascido, portanto, por volta de 1843. Batizou vários de seus filhos com nomes que sugerem sua admiração por certos personagens da História recente e remota: Álvaro, em 20/08/1871, em São Carlos; Lincoln, em 17/07/1877; Tibério, em 10/10/1878; Itagiba, em 06/03/1881; Godofredo, em 07/10/1882; Tancredi, em 1886; Mário, em 25/09/1887; Gracco, em 19/07/1889. Teve ao todo onze filhos, os mais velhos nascidos antes de se fixar em Ribeirão Preto. Devia ser grande conhecedor de História. Faleceu em 15/07/1900. Seu inventário requerido pela esposa acha-se no 2º Cartório de Ofício Cível de Ribeirão Preto, maço 18, no Arquivo Central do Judiciário em Jundiaí.

O BAIRRO REPÚBLICA E O CASARÃO VILLA-LOBOS

Casarão Villa-Lobos que pertenceu a André Maria Villa-Lobos, na Av. Caramuru, bairro República. Construção do final do século XIX, em cujo interior ainda podem ser vistos belos exemplares da pintura da época do café.

Um dos mais antigos bairros de Ribeirão Preto surgiu sem dúvida em função da proximidade da estação provisória que a Mogiana construiu em 1883, quando da chegada dos seus trilhos. A re-


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vista Revide, na sua edição de nº 138, traz interessante reportagem sobre o patrimônio histórico de Ribeirão Preto e fala do prédio localizado na Rua Caramuru nº 232, no bairro República, que teve seu tombamento decretado em 28 de outubro de 1988 pelo CONDEPHAAT. “A casa é uma amostra do complexo arquitetônico do período da expansão do café na região. O imóvel sugere a liberdade da arquitetura rural. A marcante influência italiana, existente nos elementos e na sua edificação, documenta a presença do imigrante que contribuiu expressivamente para o desenvolvimento da sociedade. A família Villa-Lobos foi uma das primeiras a residir no local, revelando o ideal estético da elite cafeeira. Após passar por algumas modificações, o imóvel ainda conserva o estilo do final do século XIX”. (Revista Revide, 1999, nº 138, encarte).

A estação provisória da Mogiana foi construída em terreno comprado da chácara Villa-Lobos. Inicialmente a frente da sede dessa chácara voltava-se para o córrego do ribeirão Preto, de frente também para a referida estação. Com a expansão urbana acompanhando o caminho que ia para Bonfim Paulista (que viria a se chamar mais tarde Av. Caramuru), ela teve sua frente mudada para os fundos. Construiu-se uma frente postiça, voltada para o logradouro urbano que é a que se vê ainda hoje.

VILA VIRGÍNIA Nos anos 20, a região sul da cidade, que ficava além do antigo bairro da República, ainda era formada por várias chácaras e sítios, desmembrados da antiga Fazenda do Ribeirão Preto Abaixo. Localizada nessa região, a Chácara Paraíso, cujo proprietário era Lindolfo Nogueira, foi deste adquirida pelo mineiro Álvaro Lima, por 50 mil réis. Em 1925, Álvaro Lima decidiu fazer de suas terras um loteamento particular, tendo sido um dos primeiros que requereu aprovação prévia do projeto à administração municipal. Neles, o traçado dos lotes era sempre o mesmo em toda parte, sendo o método mais fácil e o menos oneroso para o loteador. Reproduzia-se o mesmo sistema utilizado desde o princípio da fragmentação e subdivisão das glebas. O empreendimento de Álvaro Lima seguiria o mesmo padrão dos loteamentos anteriores. Álvaro Lima reservou áreas para a implantação de escolas e construção de igrejas no bairro. O nome Virgínia para a vila foi uma homenagem à sua mulher, que assim se chamava. Preocupado com o desenvolvimento do bairro, esforçou-se junto à administração pública para que a rede de água e esgotos fosse ampliada até a área. Com o tempo, a expansão da malha urbana, a partir do loteamento da Vila Virginia, acabou por envolver o bairro República. Álvaro Lima é homenageado com o nome de uma rua no bairro fundado por ele. Ela se inicia na Rua Guatapará, bem ao lado da Câmara Municipal e margeia o ribeirão Preto até certa altura, carecendo ainda de prolongamento.

VILA BONFIM Voltando no tempo, veremos surgir nas duas últimas décadas do século XIX, um assentamento de características urbanas, na direção sul, a duas léguas de distância da Vila do Ribeirão Preto. Cercado por fazendas de café, dentre elas a Pau Alto, de propriedade de Iria Alves Ferreira, com 1.300 alqueires de terras cultivadas, um milhão e meio de pés de café, produzindo uma média anual de cem mil arrobas (entre 1905 e 1911) e contando com aproximadamente mil colonos. Com a


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chegada da Mogiana, em 1883, o povoado do Viaduto (denominação primitiva) expandiu-se, sendo erigida a Igreja do Senhor Jesus do Bonfim, em 1893. Considerado o fundador de Bonfim Paulista é Francisco Rodrigues dos Santos Bonfim, condômino da antiga fazenda do Ribeirão Preto Acima. Nasceu em Portugal, provavelmente em 1849, sendo filho de Manoel Rodrigues dos Santos e Rita Margarida da Silva. Passou para o Brasil, estabelecendo-se na região entre Ribeirão Preto e Cravinhos, onde se tornou forte capitalista e dono de muitas fazendas como as de Bonfim, Sapecado, Santa Cruz, Santa Luzia e Liberdade. Foi ele quem fez doações de terras para a construção da capela que data de 1894, do cemitério e da estação da Mogiana naquele distrito. Ele deixou cerca de onze filhos. Faleceu em Cravinhos em 02.06.1898, vítima de um atentado a tiros 21. Aos poucos, foi se configurando um núcleo urbano em torno da capela do Senhor Bom Jesus do Bonfim, núcleo esse que oferecia alguns serviços à população rural de seu entorno. Em 18 de janeiro de 1897, o intendente Joaquim Estanislau da Silva Gusmão promulga a Lei nº 22, ficando, o povoado, já denominado de Vila Bonfim (1893), elevado à categoria de Distrito Municipal da Vila do Ribeirão Preto. Grande quantidade de café era embarcada diariamente na Estação de Vila Bonfim da Companhia Mogiana, proporcionando seu rápido desenvolvimento. Em 1897, a Vila recebia a instalação de iluminação pública a querosene e em 1894 era construído o Cemitério Municipal. No final do século XIX, a vila contava com mais de seis mil habitantes e aproximadamente 40 fazendas povoadas, em torno da sede paroquial. No centro urbano havia cerca de 300 edificações ao longo do ribeirão Preto.

CAMPOS ELÍSEOS (BARRACÃO DE BAIXO)

Pavilhão inicial da Santa Casa de Misericórdia, construído entre 1899 e 1903. Na varanda, junto à escada, vê-se o Padre Euclides Gomes Carneiro. Do lado de fora, um grupo de irmãs salesianas e outras pessoas

21 Informações baseadas em pesquisa de Roberto Vasconcelos Martins e em SANTOS, Ionan Ferreira. “Rabiscos Genealógicos”. São Paulo: Impressora Latina, 1988, p. 119.


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Santa Casa de Misericórdia em 1910. Esta construção, conhecida como Pavilhão Antigo, ainda resiste ao tempo e se encontra entre os prédios mais recentes do Hospital

Situação atual dos pavilhões antigos da Santa Casa de Misericórdia de Ribeirão Preto

Foi através de gradual ocupação urbana (ao longo das duas vias de acesso principais que ligavam o centro da cidade ao Núcleo Colonial Antônio Prado, de que já falamos) e da instalação do Cemitério da Saudade, em lº de setembro de 1893, que começava a se delinear o bairro dos Campos Elíseos. Rapidamente, a malha urbana avançava em direção à parte da terceira e da quarta seções do Núcleo Colonial, incentivando os sitiantes à subdivisão de suas propriedades em quadras e lotes destinados à venda. A criação do Bosque Municipal deu-se pelo mesmo processo, através da aquisição de áreas da quarta seção pela Câmara Municipal, além de outra área contígua, chamada Chácara Olympia, desmembrada da antiga fazenda do Retiro. Essa chácara possuía uma casa, benfeitorias, terras para


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cultura e uma pedreira, que já estava arrendada pela Câmara, quando foi vendida, em 1907, para a mesma Câmara, por “Maria Eugênia Ramos Antunes e outros, como meeira e herdeiros do finado Dr. Olympio Rodrigues Antunes que a houve por compra do Dr. Manoel Joaquim Pinto de Souza e outros”. Daí o nome Chácara Olympia. O Coronel Francisco Schmidt, quando vereador e mesmo fora da Câmara, foi o grande batalhador por esta aquisição pública. Pouco a pouco aquela paisagem rural, formada pelos sítios do Núcleo Colonial, transformavase com a expansão da malha urbana. Sua população crescia na medida da multiplicação dos lotes. Como já foi dito, parte dessa população era composta por funcionários da Mogiana e, posteriormente, por operários das indústrias que viriam a se instalar na cidade. A Avenida da Saudade funcionava como eixo de circulação e nela foram erigidas a Igreja de Santo Antônio e sua praça, a Igreja de Santo Antônio dos Pobres, e a do Asilo Padre Euclides. Foi instalado também o Hospital da Santa Casa de Misericórdia. Daí o nome antigo da Rua Capitão Salomão que ficava ao lado da Santa Casa - Rua da Misericórdia. O prolongamento da Rua Capitão Salomão, a partir da Rua Tamandaré marcava mais ou menos a antiga divisa entre as fazendas do Retiro (a antiga Ribeirão Preto Acima) e do Ribeirão Preto Abaixo (conhecida também como Pontinha). Outra antiga via de circulação naquela região era o Caminho do Morro do Cipó, hoje Rua João Bim, saída para as bandas da Fazenda das Palmeiras e Batatais. Até a década de 1940, a Avenida da Saudade e seu entorno mantiveram suas características e paisagens originais. O processo de expansão urbana por sobre o Núcleo Colonial Antônio Prado acabaria por desmembrá-lo, dando origem ao bairro Campos Elíseos, o antigo Barracão de Baixo, entre outros. Igreja de Santo Antônio, nos Campos Elíseos.

Eis o início do Jardim Paulista, antiga Villa Paulista. Este é um bairro muito recente, da década de 1940


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Para muita gente, o interior, no sentido da região contraposta às capitais, sempre foi lugar de atraso, habitat de caipiras e jecas, de onde a modernidade passava longe. Nada mais falso. Pelo menos em alguns períodos, o interior, particularmente o do Estado de São Paulo, se antecipou e chegou a ser mais moderno que a capital. A Belle Époque caipira foi um período de efervescência cultural, política e comercial, de experimentações, novidades, barbárie, conflitos e desenraizamentos. A elite endinheirada do interior, na ânsia de se sentir reconhecida como civilizada, promoveu uma verdadeira revolução cultural. A riqueza obtida com a cultura do café, aliada à influência dos contatos com o mundo urbano e industrial europeu, impeliram essa mesma elite para a reinterpretação dos seus espaços, que foram recriados em cima da destruição de tudo o que pudesse remeter ao passado colonial.

Inauguração da herma a Luiz Pereira Barreto, na Praça XV, em 1923.


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Um espelho de cem anos: uma equipe entra em ação22 Em junho de 2003, convencido de que era preciso fugir do amadorismo que caracteriza muitos dos eventos sobre a história de Ribeirão Preto, Francisco Pinghera, então presidente da Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto (ACIRP), procurou pelo mestre em História José Antônio Correa Lages, que desde 2001 cumpria mandato de vereador pelo PDT na Câmara de Ribeirão Preto. Mineiro de Curvelo, Lages chegou a Ribeirão em 1988 para lecionar História no COC. Ganhou notoriedade em 96 pela sua dissertação de mestrado sobre a formação demográfica e fundiária de Ribeirão Preto. Voltara de uma longa pesquisa com ouro nas mãos: descobrira que muito antes das fazendas Retiro e Barra do Retiro, consideradas as matrizes de Ribeirão Preto, houve na região – mais precisamente no atual município de Serrana – um estabelecimento pioneiro, a Fazenda da Figueira, hoje pertencente a Gabriel Junqueira Gallo. No encontro Pinghera-Lages ficou combinada a formação de uma equipe de pesquisa, sob a coordenação de Renato Leite Marcondes, professor de Economia da FEA-USP. Em pouco tempo formou-se o grupo contratado para fazer pesquisas em diversas áreas do conhecimento, relacionando a história da ACIRP com aspectos e épocas da cidade. Um trabalho inédito pelo fôlego, alcance e envergadura. De certa forma, o acordo Pinghera-Lages colocava para dentro da ACIRP o espírito de investigação que norteia o curso de pós-graduação em História da UNESP de Franca, hoje o maior centro de pesquisas sobre as raízes da região nordeste de São Paulo. Alguns meses depois, fazendo parte das comemorações dos Cem Anos da ACIRP, era publicado o resultado dessa pesquisa sob o título “1904-2004: um espelho de cem anos”. Sua leitura é indispensável para quem quiser conhecer a história econômica e política de Ribeirão Preto no último século, através de uma síntese consistente na visão da Academia. A primeira parte desta obra foi composta de artigos escritos pelo jornalista Geraldo Hasse, abordando diversas personalidades e movimentos relacionados à História da ACIRP. A segunda parte consta de oito artigos de pesquisadores, quase todos, à época, ainda envolvidos com suas pesquisas de mestrado e doutorado. Várias reuniões deste grupo foram realizadas, algumas conduzidas por Lages que funcionava como meio de ligação do mesmo grupo com a ACIRP. O plano era abordar a História da ACIRP como instituição representativa dos interesses dos empresários locais, mas sem perder de vista a história da economia, da sociedade, da cultura e da política de Ribeirão Preto em geral, desde o início do século XX. O primeiro daqueles artigos é de Luciana Suarez Lopes que escreveu sobre “A formação do município de Ribeirão Preto e o surgimento do comércio e da indústria”. Luciana é mestre em Economia pela FCL/UNESP e doutora em História Econômica pela FFLCH da USP de Ribeirão. Júlio Manoel Pires, professor do Departamento de Economia da FEARP-USP e do programa de Estudos pós-graduados em Economia Política da PUC-SP, focou o “Desenvolvimento Econômico de Ribeirão Preto entre 1930 e 2000”. Lílian Rodrigues de Oliveira Rosa, mestre em História e à época doutoranda pela UNESP de Franca, por sua vez, foi escolhida para escrever sobre a “ACIRP e o poder público municipal”, destacando aspectos da história política da cidade nas quatro primeiras décadas do século XX. Outro que abordou também aspectos políticos e econômicos no seu artigo, entre 1945 e 1970, foi Milton Carneiro Júnior, também mestre em História pela UNESP. Renato Leite Marcon22 Texto de Gustavo Hasse, originalmente com o título Uma equipe em campo, publicado em 2004 na obra 1904-2004: Um Espelho de Cem Anos, à página 18, obra comemorativa do primeiro centenário da Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto (ACIRP).


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des, coordenador do grupo de pesquisa, e Juliana Garavazo, mestre em História Econômica pela FFLCH/USP, ficaram encarregados de escrever sobre o comércio e a indústria em Ribeirão entre 1890 e 1962. Os primeiros anos de vida da ACIRP, através de seus principais personagens, idealizadores e fundadores, foram alvo da pesquisa de Juliana Garavazo e Mauro da Silva Porto. Maria Cristina Siqueira de Souza Campos e Paulo Henrique Lunardello seguiram em frente, abordando o desenvolvimento da entidade centenária. Maria Cristina é professora livre-docente do Departamento de Economia da FEARP-USP e fizera parte de outros grupos de pesquisa sobre a região juntamente com os professores-doutores Lucila Reis Brioschi, Carlos Bacelar e José Chiachiri Filho, de Franca. E para finalizar, o desenvolvimento urbanístico e arquitetônico da cidade foi desenvolvido por Adriana Capretz Borges da Silva, arquiteta, mestre em Engenharia Urbana e doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos. Pelos títulos desses pesquisadores é possível perceber de pronto a seriedade e a profundidade desta pesquisa que deve ser a mais completa e abrangente da História Econômica e Social de Ribeirão Preto realizada até hoje.

UMA PEQUENA HISTÓRIA DA NOSSA EDUCAÇÃO

Tomada do Palácio de Inverno em Ribeirão Preto: 1- Fonte: Diário da Manhã, de 26/10/1961: esta foto pertenceu a Joaquim de Souza Meirelles.

“Em 1919, os alunos do 1º, 2º e 3º anos do Ginásio do Estado, que ainda se localizava na Rua Duque de Caxias, revoltaram-se contra a prepotência dos seus colegas que dirigiam o Grêmio Ciências e Letras. Da revolta à ação, foi um pulo e o grêmio foi dissolvido a pata de cavalo (Joaquinzinho Meirelles entrou a cavalo na sala do antigo 1º ano) e cabos de vassoura. Foi um tempo quente. Dali resultou o Grêmio Ginasial Olavo Bilac, mais tarde transformado em Centro Nacionalista Olavo Bilac”. A fotografia foi tirada na residência de Mario Pereira Rocha, um dos líderes do movimento. 2- Informações manus-


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critas na foto: Fundação do Grêmio Ginasial Olavo Bilac - 1919, do Ginásio do Estado de Ribeirão Preto. Sentados: Mario Silva Dantas (falecido); Dr. Nilo Conceição, médico; Dr. José Ribeiro Rocha, engenheiro; Byron Martins Brandão, cirurgião-dentista; Decio E. Almeida, agricultor; Manoel Carvalho Guimarães, general do exército e médico; Dr. Jose Olavo Meira, médico; Antônio Machado Sant’Anna, jornalista; Moacyr Martins, advogado; Dr. Waldemar Rosa dos Santos, médico; Cássio Lopes da Silva, bancário, falecido; Jose Pinto de Oliveira, advogado. De pé, da esquerda para a direita: Ademar Paim Pinto, advogado, falecido; Enoch de Melo, agricultor; Arthur Silca Grota, médico, falecido; Moacyr Silveira, advogado; Argemiro Rodrigues, advogado; Francisco Epaminondas Almeida, comerciante de café; Dr. Vicente Marsilio, médico, falecido; Carlos Arruda Sampaio, advogado, falecido; Manoel P. Guião, falecido; José Valim, advogado; Amando Valente, médico; José Aguiar Souza, agricultor; Luiz Gumerato, comerciante, falecido; Arquimedes Batista, médico; Yolanda Rodrigues, professora; Maria da Glória Martins, professora; Vicente Manfredi, médico; Maria Antonieta A. Ferreira, professora; Alvaro A. Ferreira, médico; José A. Martins, funcionário público; Julieta Abreu Amorim, professora; Silvia J. Lobato Soulié, professora; Jenney Rocha Lima, professor; Jandyra Rodrigues, professora; Dagmar A. Leita, professora; Alvaro Ferreira Amado, bancário; Rufino Selles, professor; Paulo Correa Carvalho, engenheiro, falecido; Paschoal Imperatriz, advogado; Mariinha Camargo, professora, falecida; Guido Maestrelo, agricultor; José Verri, comerciante, falecido; Clementina Pauro, professora, falecida; Francisco Sampaio, comerciante; Mario Pereira Rocha, falecido; Joaquim Ribeiro Meirelles, agricultor; Ary Silva Dantas, comissário de café; Dr. Vasco Conceição, desembargador; Francisco Gravina, comerciante; Francisco Tinoco Cabral, advogado; Jorge Nogueira Gaya, médico; Francisco Rodrigues, industrial; Dr. Philafelpho Gouvea Neto, advogado; Ubirajara Ribeiro, representante comercial; Dr. Luiz Maragliano Jr., médico; José Ribeiro de Almeida, professor, falecido. Manuscrito no verso: Ao Museu Municipal de Ribeirão Preto - fotografia de 1919 - Fundação do Grêmio Ginasial Olavo Bilac, oferece Antônio Machado Sant’Anna, 4 de novembro de 1975 - Foto tirada na residência da Sra. Maria Inês Pereira da Rocha (Rua São Sebastião esquina com Rua São José). Foto original cedida por Joaquim Ribeiro Meirelles, agricultor de Franca. Em 1871, o presidente da província de São Paulo expediu Carta Pública de Instrução, em favor do Professor Moisés Fernandes do Nascimento, para lecionar as primeiras letras para crianças do sexo masculino, na vila do Ribeirão Preto. Este foi o primeiro professor da cidade. Em 1873, Moisés era nomeado também o primeiro Inspetor Escolar de Ribeirão Preto. Era filho de Manoel Fernandes do Nascimento, o fabriqueiro assassinado por querer abrir ruas dentro do patrimônio de São Sebastião, em 1866. Até 1874, o Código de Posturas de São Simão regulava as nossas escolas particulares e estas apenas alfabetizavam, ensinavam ler e escrever, as quatro operações aritméticas e alguns rudimentos de geografia. A partir de 1874, a Câmara de Ribeirão passou a regulamentar as escolas locais, obrigando os professores a renovarem seus títulos. E os primeiros títulos reconhecidos foram os do casal de professores Bernardino Almeida Gouveia Prata que assumiu uma classe de meninos e Dona Eugênia de Almeida que assumiu a de meninas em uma escola criada pela Câmara. Havia naquela época distinção de classes para um e outro sexo. Essas classes localizavam-se em prédios diferentes que existiam na Rua Visconde do Rio Branco, prédios esses que foram demolidos, um na década de 1970 e outro em 1993. A primeira escola primária estadual só apareceu em 1892. Pedro Miranda, recolhendo outra tradição antiga, afirma que Pedro Xavier de Paula, apelidado de Pedro Maestro ou Pedro Tudo foi também um dos primeiros professores. Pedro Tudo era leitor e escrevedor de cartas e cobrava por isso modestamente!


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Mas a primeira escola municipal somente foi criada no distrito de Sertãozinho em 1895, por indicação do vereador Francisco Schimdt, sendo seu primeiro professor Francisco Caetano dos Anjos Gaia. Eram também muito comuns as subvenções de Câmara Municipal para as escolas estaduais. A primeira regulamentação do ensino municipal foi feita pela Lei nº 104, de 31/01/1904, do Prefeito Dr. Floriano Leite Ribeiro. Na vigência dessa lei, apenas uma escola foi criada, a da fazenda Santa Amélia, sendo seu primeiro professor José de Paiva Roxo, farmacêutico e mais tarde vereador. Reorganização do ensino municipal foi feita pela Lei 128 de 16/11/1907 que criou a função de Instrutor Escolar Municipal, sendo seu primeiro titular o Dr. Augusto Ribeiro de Loyolla. Outra reforma do ensino ainda foi feita pela lei 240 de 20/05/1920, ficando criada a obrigatoriedade do ensino primário no município. Pela lei 262, de 17/07/1922, foi instituído o cargo de Inspetor Escolar passando suas funções para o secretário da Câmara e Arquivista23. Rubem Cione (1989) e o Almanaque Ilustrado de Ribeirão Preto de 1913, editado por Sá, Manaia & Cia. ainda citam como escolas particulares que existiram em Ribeirão Preto até aquele ano: Escola

Regência

Localização

Colégio Pujol

José Custódio Bernardino e Silva

R. Florêncio de Abreu com Rua Amador Bueno

Escola de Brites A. do Val

Brites Alves do Val

-

Escola de Josephina Rezende

Josefina Rezende

Rua Tibiriçá com Rua Lafaiete

Escola de José Custódio

José Custódio

Rua Álvares Cabral

Colégio Spencer

Breno dos Santos

Rua São Sebastião esquina com Rua Tibiriçá

Escola de Adelaide Paixão

Adelaide Paixão

Rua Mariana Junqueira

Colégio Modelo

Horácio Cordovil

Casa de Martinico Prado (Fundação Zerrener)

Escola de Tolentino Delgado

Tolentino Delgado

Rua São Sebastião

Escola de Galdino Alves Correia

Galdino Alves Correia

Rua Duque de Caxias

Atheneu Demétrio (1)

Demétrio Collety

Rua Álvares Cabral c/R. Lafaiete

José Mendonça Furtado

Rua Florêncio de Abreu

Gymnasium Rio Branco

Aureliano Furquim Leite

-

Colégio Furquim

Aureliano Furquim Leite

Rua Tibiriçá, antiga residência de Dona Iria Junqueira, depois transferido para a Rua São Sebastião, onde hoje funcionam as Repartições Policiais

Colégio Cesário Motta (2)

Conceição Monteiro de Barros e Eugênia Vilhena de Moraes

-

Educandário Lar Santana

Madre Mansueta (religiosas franciscanas)

1ª) Sociedade Escola Alemã 2ª) Rua Cons. Dantas (Vila Tibério), atual sede.

Colégio Rodrigues

Carolina Rodrigues

-

Escola de Dona Ana (3)

Ana da Cruz Fleming

Praça 13 de Maio (atual Praça da Catedral)

Escola de Manoel Peixoto

Manoel Peixoto

Rua Álvares Cabral

José de Moraes

Rua Amador Bueno esquina com a Rua do Comércio

Escola de José de Moraes

23 As Informações sobre a História da Educação em Ribeirão Preto estão baseadas in CIONE, Rubem (1989); MIRANDA, Pedro (1987) et SANTOS, Plínio Travassos (s/d).


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(1) O Atheneu Demétrio já funcionava antes de 1913. Posteriormente foi adquirido por José Custódio Bernardino Silva e passou a se chamar Atheneu São Carlos. (2) O Colégio Cesário Motta funcionou entre 1924 e 1930. (3) Segundo Cione (1989), a Escola de Dona Ana foi muito provavelmente a primeira escola particular de Ribeirão Preto.

INSTITUTO METODISTA EDUCACIONAL

Foi fundado em 05/09/1899 por Miss Leonor Smith, até então diretora do Colégio Piracicabano, seguindo a orientação do bispo E. R. Hendrix, da Igreja Metodista. A escola começou a funcionar no interior do próprio templo. Depois foi alugada uma casa particular. Em 1913, passou a funcionar em prédio próprio, onde se localiza ainda hoje. Já nos primeiros tempos dos missionários metodistas em Ribeirão Preto, eles tiveram importante participação na vida da comunidade local, inclusive participando diretamente do combate à febre amarela que grassou por aqui em 1903.

COLÉGIO PROGRESSO Foi a primeira escola ginasial particular a se instalar em Ribeirão Preto, fundada pela Professora Maria Amália Pinto Arruda. Em 14 de fevereiro de 1912, o Colégio Progresso passou para a administração das irmãs Ursulinas, tendo à frente a Madre Sainte Croix Chretien, de acordo com o Almanaque Ilustrado de Ribeirão Preto de 1913. Em 1914, esse colégio passou a se chamar Santa Úrsula, mas anos depois, o Colégio Progresso reapareceu sob outra administração, mas utilizando o mesmo antigo nome. Desta forma, o Colégio Progresso passou por diversas fases, ocupando diferentes prédios, o que demonstra a garra e a persistência de seus fundadores e mantenedores:


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Ordem

Localização

Período

Regência

1ª sede

Rua São Sebastião com Rua Marcondes Salgado (ou com Rua São José?)

anterior a 1913 (1)

Profª Maria Amália de Oliveira Pinto

2ª sede

Rua Américo Brasiliense

a partir de 1930

Profª Carmem de Oliveira Pinto Arruda

3ª sede

Av. 9 de julho

a partir de 1940

Idem

4ª sede

Rua Prudente de Morais (atual prédio do Otoniel Motta)5

até 1948

Idem

5ª sede

Rua Visconde de Inhaúma Com Rua Prudente de Morais

a partir de 1948

Rubem Cione

6ª sede

Rua Tibiriçá, 870 6

a partir de...até 1955

Rubem Cione

(1) Antes de 1930, o Colégio Progresso permaneceu desativado por vários anos, depois que o primeiro passou para a direção das Irmãs Ursulinas que o transformaram no Colégio Santa Úrsula. (2) O prédio hoje ocupado pelo Otoniel Motta foi comprado pelo governo do Estado para sediar o então Gymnasio do Estado. (3) A nova construção de três andares de fronte para a Rua Tibiriçá foi construída pelos mantenedores do Colégio Progresso, ao lado do antigo prédio que foi mantido e que ainda existe hoje: é exatamente o prédio que foi ocupado até 1999 pelo COC.

O Colégio Progresso foi fechado em 4 de março de 1955, através de decreto da Diretoria de Ensino do Ministério da Educação por pura perseguição política, segundo a opinião de muitos. O Colégio era tido por reduto getulista, tendo a sua frente Rubem Cione, do PTB. Após o suicídio de Vargas, a referida escola começou a sofrer toda sorte de obstáculos por parte de autoridades educacionais, apesar do apoio de importantes setores da sociedade local e estadual, culminando finalmente com seu vergonhoso fechamento.

INSTITUTO SANTA ÚRSULA As missionárias ursulinas chegaram em Ribeirão Preto em 1911 e sua escola foi fundada, como já vimos, em 14/02/1912 pela Madre Sainte Croix Chretien na Rua São Sebastião esquina com Marcondes Salgado, ocupando o prédio que era utilizado pelo Colégio Progresso. Em 1914 foi transferida para a Rua São José, 933, ocupando todo um quarteirão no centro da cidade. Foi o Instituto Santa Úrsula, de saudosas gerações de estudantes, demolido em 1997 para dar lugar ao Shopping Santa Úrsula. Mas a escola não desapareceu. Ela se transferiu em 1º de agosto de 1996 para um moderno e amplo prédio construído pela empresa Hochtief no Jardim Santa Ângela, bem ao lado do Ribeirão Shopping.

COLÉGIO E ESCOLA NORMAL NOSSA SENHORA AUXILIADORA As religiosas Filhas de Maria Auxiliadora - Salesianas de São João Bosco - estão em Ribeirão Preto desde 1918. Alguns dias após sua chegada, já estavam organizando uma escolinha para funcionar como externato. Começou com apenas dez alunas e seis carteiras cedidas pela municipalidade. O Colégio Auxiliadora ocupou inicialmente o prédio onde, por treze anos, anteriormente, funcionou o Ginásio do Estado, na confluência da Cerqueira César com a Duque de Caxias. Nesse mesmo prédio, o Colégio Auxiliadora funcionou durante cerca de 20 anos até que, por volta de 1930, foi inaugurado o prédio atual.


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COLÉGIO SAMPAIO Este colégio existiu em Ribeirão Preto entre 1918 e 1930 onde funcionou o Colégio Furquim, na Rua Tibiriçá, ao lado da Beneficência Portuguesa, antiga residência de Iria Junqueira. Pertencia a Benedito Sampaio e teve professores ilustres como Francisco Gugliano, Eugênia Vilhena de Moraes, Teotônio Monteiro de Barros, dentre outros. O Colégio Sampaio era destaque pela qualidade do ensino que atraía alunos até mesmo de outros estados. INSTITUIÇÃO MOURA LACERDA Em 15 de junho de 1923, Djalma Porto, vindo de São Carlos, criou o Instituto Comercial de Ribeirão Preto. Quatro anos depois, o Instituto foi adquirido por Oscar de Moura Lacerda que lhe deu nova denominação: Escola de Comércio Rui Barbosa e, posteriormente, Instituto Moura Lacerda. Até então funcionava em velho prédio alugado na Rua Amador Bueno com a Rua Lafaiete. Transferiu-se depois para um prédio da Rua Duque de Caxias e atualmente funciona em moderno prédio na Rua Padre Euclides, nos Campos Elíseos.

ESCOLAS DO ESTADO

Primeiro Grupo Escolar, denominado posteriormente de Dr. Guimarães Júnior. Edifício localizado na Rua Lafaiete entre as Ruas Visconde de Inhaúma e Barão do Amazonas. Projeto do prédio do arquiteto Samuel das Neves que foi também quem projetou a Estação Júlio Prestes em SP. Vê-se na foto a presença de meninos e meninas no pátio da escola. Sua instalação foi uma iniciativa de Luiz Pereira Barreto e do Senador José Guimarães Júnior. Em 1895 foi instalado na Rua Barão do Amazonas, depois na Rua Duque de Caxias esquina com Cerqueira César (atual Escola Auxiliadora). Em 1905 foi feita a doação de terreno por Arthur de Aguiar Diederichsen para construção do prédio atual.


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Os 5 primeiros grupos escolares

Denominação

Ano de inauguração

Localização

1º Grupo Escolar

Guimarães Júnior (1)

1892

1ª) Rua Barão do Amazonas; 2ª) Esquina Da Rua Cerqueira César com Duque de Caxias; 3º) Rua Lafaiete (em 1902)

2º Grupo Escolar

Fábio Barreto

1912

Esquina da Rua Amador Bueno com Mariana Junqueira

3º Grupo Escolar

Dona Sinhá Junqueira

1920

Rua Conselheiro Dantas, 358, na Vila Tibério

4º Grupo Escolar

Escolas Reunidas do Barracão(2), depois Antônio Diederichsen a partir de 1957

1921

Rua Goiás, nº 610, bairro Campos Elíseos

5º Grupo Escolar

Cônego Barros (com este nome em 1944)

1932

Rua Tamandaré, 459, bairro Campos Elíseos e, depois de outros lugares, no Prédio atual, na Av. Francisco Junqueira a partir de 1954

(1) Guimarães Júnior era um rico fazendeiro de café na região de Ribeirão Preto e essa denominação somente foi dada à escola em 1902. Seu primeiro diretor foi o Prof. João Batista Ferreira da Cunha. A construção atual foi feita em terreno doado pelo Coronel Arthur de Aguiar Diederichsen. (2) Corresponde atualmente à Escola Estadual de Ensino Fundamental Antônio Diederichsen.

GINÁSIO DO ESTADO (ATUAL OTONIEL MOTTA)

No lugar do primeiro prédio onde funcionou o Ginásio do Estado (Otoniel Mota) hoje se encontra o Colégio Auxiliadora.

Foi instalado em 1º de abril de 1907 pelo presidente do Estado, Dr. Jorge Tibiriçá. Era o terceiro ginásio que o governo do Estado instalava: os primeiros foram na capital e em Campinas. O primeiro prédio onde funcionou o Ginásio do Estado ficava na esquina da Rua Cerqueira César com a Rua Duque de Caxias, onde hoje se encontra o Colégio Auxiliadora. Somente em 1948, passou a ocupar o atual prédio na Rua Prudente de Morais, no lugar que anteriormente funcionava o Colégio Progresso (em prédio adquirido dos seus mantenedores). Seu primeiro diretor foi Antônio Rodrigues Alves Pereira, de 28/02/1907 a 23/05/1911. A denominação Otoniel Motta foi dada em 1951. Até então se chamava Escola Normal e Colégio Estadual de Ribeirão Preto. Otoniel Motta foi o primeiro professor do Ginásio do Estado na cadeira de Português, entre 1907 e 1913. Diplomado em Direito e Teologia, era poliglota e foi, posteriormente, professor de Filologia da Faculdade de Ciências e Letras da USP.


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ETEC JOSÉ MARTIMIANO DA SILVA

Escola Profissional de Artes e Ofícios, atual ETEC José Martimiano da Silva, na fase final de sua construção em 1927.

Em 07/09/1922, foi lançada a pedra fundamental da construção destinada à Escola Profissional de Artes e Ofícios, primeiro nome da atual ETEC José Martimiano da Silva. No dia 11/07/1927, o estabelecimento foi festivamente inaugurado, passando a funcionar seus primeiros cursos: Mecânica, marcenaria, Fundição, Eletrecidade, Desenho e Costura. Com a revolução Constitucionalista de 32, a escola cooperou com este movimento armado com a fabricação em suas oficinas de quépis, blusas, calças, ataduras e alimentação para os voluntários. Até 1977, foram constantes as feiras tecnológicas. A escola fazia exposições de produtos manufaturados, vendendo-os e assim conseguindo recursos para si própria. Cidadãos comuns faziam muitos pedidos de encomendas para obter móveis a preços módicos e com excelente qualidade de serviço. O curso de Corte e Costura doava às creches pijamas confeccionados pelos alunos, além de chapéus e bordados que decoravam as lojas comerciais da cidade.

ESCOLAS SUPERIORES SOCIEDADE DE PHARMÁCIA E ODONTOLOGIA Reunião de fundação da Escola de Farmácia e Odontologia em 1924 no Ginásio do Estado.


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A Escola de Farmácia e Odontologia foi fundada em 1º de junho de 1924 pelos seguintes professores: Lourenço Roselino, Fernando Castela Simões, Francisco Antônio Pompeu de Camargo (seu primeiro diretor), Ataliba Amaral de Araújo, Antônio Barachini, F. S. Gomes dos Reis, Mário Carneiro Leão, Antônio Rodrigues da Silva e José Rodrigues da Silva. Essa foi a primeira instituição de ensino superior de Ribeirão Preto e uma das primeiras do Brasil. Em 1928, passou a denominar-se Associação de Ensino de Ribeirão Preto (AERP), sendo criados os cursos ginasial e normal. Em 1934, foi criado o curso colegial e, em 1949, a Escola Técnica de Química Industrial. No início, as aulas teóricas eram ministradas no Ginásio do Estado e as práticas em prédio residencial localizado na Rua São Sebastião, entre Visconde de Inhaúma e Barão do Amazonas. Depois, funcionou em outro prédio na mesma rua e, posteriormente, na Rua Américo Brasiliense, entre Álvares Cabral e Tibiriçá, exatamente onde hoje se localiza o prédio da CETERP Já tendo a AERP como mantenedora, transferiu-se para o prédio da Rua Tibiriçá, nº 714, onde hoje funciona a Secretaria Municipal da Fazenda e que chegou a abrigar também a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto em seus primeiros tempos. Em 6 de dezembro de 1958, a Faculdade de Farmácia e Odontologia foi estadualizada, mantendo-se como escola isolada. Pelo decreto nº 5407, de 30 de dezembro de 1974, ela foi incorporada à Universidade de São Paulo.

DIVERSÃO E CULTURA PARA TODOS OS GOSTOS

Hotel Central na Rua Álvares Cabral. Em primeiro plano um banco e vegetação do Jardim Público (atual Praça XV).

Liamar Tuon, em sua dissertação de Mestrado apresentada à UNESP, campus de Franca, em 1997, foi quem desenvolveu a mais completa pesquisa sobre a cultura e o lazer em Ribeirão Preto, durante a 1ª República, centrando seu estudo principalmente nas duas primeiras décadas deste século. Está baseado em seus estudos o que passaremos a falar a partir de agora. A vida social tornava-se intensa em Ribeirão Preto no princípio do século. A cidade pacata e modorrenta do século passado era substituída pela cidade cosmopolita e aberta cada vez mais a todas


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as ideias, gostos e costumes. Sua base econômica era rural, mas a sua expressão cultural vai se tornando cada vez mais urbana, uma refinada e grã-fina manifestação de uma mentalidade importada, em uma região que, até há pouco tempo, era chamada de “sertão desconhecido” da província paulista. O divertimento durante muito tempo esteve restrito ao lar. Eram as comemorações de aniversários, batizados, casamentos e bodas. As festas públicas eram quase exclusivamente as promovidas pela Igreja. Ela as promovia como instrumento de mobilização popular visando ao seu proselitismo. Seguindo o modelo jesuítico, eventos culturais como pequenas peças também eram encenadas, se bem que raramente, com os mesmos objetivos. Somente a partir da década de 1910, é que o lazer extradoméstico e totalmente laico tomou corpo em Ribeirão Preto. Até essa época, destacava-se apenas o Teatro Eldorado, fundado em 1887, o famoso cabaré que deu origem mais tarde ao Cassino Antarctica, de François Cassoulet. Até 1910, eram comuns apenas as companhias de fantoches, circos e companhias de curta temporada. Eram espetáculos pobres, geralmente sem muita estrutura, mas que, de alguma forma, traziam um pouco de agitação para a vida das pacatas cidades, como Ribeirão Preto. O primeiro estabelecimento dedicado à diversão foi o Salão Barroso, onde os homens se encontravam para jogar bilhar e falar de política. Esta casa teve grande destaque na história da cultura e do lazer de Ribeirão Preto. Transformou-se mais tarde no Eldorado, onde foram encenados os primeiros espetáculos de teatro, muito provavelmente pela Companhia Carrara, da Itália. O prédio localizado na Rua Visconde do Rio Branco foi ocupado também pelo Cassino Antarctica mais tarde. Na década de 1940, havia se transformado em um armazém de café. Teatro e Cinema estavam estreitamente ligados em Ribeirão Preto no início do século. Os empresários da cultura reuniam as duas atividades que funcionavam nas mesmas casas de espetáculos como o Carlos Gomes, o Bijou e o Paris. Mas é impossível falar de Teatro e Cinema em Ribeirão Preto, sem falar de François Cassoulet.

FRANÇOIS CASSOULET François Cassoulet, desenho a mão publicado por Cione (1989).


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François Cassoulet nasceu em 1864 na pequena cidade de Tarbes, nos Altos Pirineus, na França, onde passou a infância e a adolescência trabalhando com o seu pai Lourenço (ROIZ & SANTOS, 2007a). Ainda na França, passou a viver com Marie Cassoulet, com quem nunca chegou a ser casado oficialmente (ROIZ & SANTOS, 2007b). Em 1894 François Cassoulet mudou-se com a mulher para Buenos Aires, onde viveria por pouco tempo, explorando o negócio de cabarés e cassinos, segundo Rubem Cione (1989). Em 1895, já estava no Brasil, onde chegou pelo porto de Santos. Morou alguns meses em São Paulo e mudou-se para Ribeirão Preto no mesmo ano. Em 1897, o seu relacionamento com Marie ficou abalado, quando ele conheceu Fanny Blumenfeldt, uma austríaca que havia sido dama da noite na capital paulista e administrava um cabaré em Ribeirão Preto. Em 1898 Cassoulet e Marie se separaram. Ela retornou á capital e ele passou à viver com Fanny. O novo relacionamento renderia bens materiais ao casal. Em 1899, Fanny possuía apenas algumas joias de valor e o cabaré, tudo comprado quando foi dama da noite. Já entre 1901 e 1904, seus recursos aumentaram, e ela, então, passou a ter duas casas, compradas em parceria com Cassoulet. Ambas as propriedades ficavam na Rua Américo Brasiliense. Cassoulet iniciou suas atividades de empresário teatral na cidade com o Café Concerto, no qual aplicou seus parcos recursos trazidos da França. Dirigiu posteriormente vários outros teatros e cinemas, inclusive o Theatro Carlos Gomes. Um dos vários estudos acadêmicos sobre a atuação de François Cassoulet é o de Benedita Luiza da Silva (2000): O Rei da Noite no Eldorado Paulista: François Cassoulet e os entretenimentos noturnos em Ribeirão Preto (1880-1930), que aborda a questão do processo de desenvolvimento da empresa de entretenimentos de Ribeirão Preto comparada a outros municípios do interior do estado de São Paulo como Campinas, Franca e Batatais. Segundo a autora, estas cidades com as mesmas condições materiais, como a existência de ricos produtores de café e da ferrovia Mogiana, não tiveram um desenvolvimento crescente comparável ao de Ribeirão Preto. A autora divide as transformações nas formas de lazer que ocorreram na região relacionadas a quatro movimentos que podem ser assim exemplificados: de um lazer rural-familiar para um urbano, enfatizando o deslocamento populacional das fazendas para a cidade; de um lazer urbano privado para as formas públicas ou populares de diversão, através da existência dos clubes, praças com coretos, confeitarias, entre outros; de um entretenimento diurno para atividades noturnas como apresentações em teatros ou jogos em cassinos; e de um lazer popular para formas aprimoradas e mercantilizadas, utilizando de elementos culturais europeus como música, vestuário, arquitetura e culinária, em detrimento ao que era de costume local. Esta pesquisa considera ainda que este processo na mudança cultural e hábitos de entretenimento aconteceram lentamente e foi marcado pelo que chama de “urbanização da vida social” com as seguintes características: a imigração europeia, a migração campo-cidade, o surgimento de uma burguesia, também rural-urbana e de um segmento de trabalhadores livres, a influência cultural europeia e o desenvolvimento estrutural da cidade quanto ao calçamento de ruas, segurança e iluminação pública (HADAD, 2011). Em 1914, François Cassoulet chegou a ser o proprietário (ou arrendatário, como informa o Almanaque Ilustrado de Ribeirão Preto de 1913) de cinco casas de espetáculos na cidade: Theatro Carlos Gomes, Paris Theatre, Cinema Rio Branco, Polytheama e Cassino Antarctica. Ele era o responsável pela organização das festividades de 14 de julho na cidade, quando se comemorava a Queda da Bastilha, acontecimento de destaque da Revolução Francesa de 1789. Cassoulet era francês e, como todos os outros imigrantes, achava-se no direito de comemorar os seus feriados nacionais.


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Mas a maior fama de Cassoulet era como empresário da noite, dono de cabarés e cassinos requintados, que promoviam os espetáculos mais extravagantes para o deleite dos grandes coronéis, políticos importantes da República do Café, milionários, estrangeiros ricos, boêmios, prostitutas de alto nível, amantes oficiais e gigolôs. Cassoulet trazia prostitutas francesas para trabalhar em seu cabaré (chamadas popularmente de “polacas”) e, quando elas chegavam, fazia questão de que elas desfilassem em carro aberto pelas ruas da cidade. Era uma festa! Nas datas comemorativas de cada país, Cassoulet preparava programação especial, conjugando os seus interesses pessoais com os da comunidade local. Era assim na Queda da Bastilha e na Unificação Italiana. E os palcos de seus teatros serviam de cenário para essas festas nacionalistas. No caso das óperas e operetas, Cassoulet as exibia para agradar tanto à elite local como ao imigrante italiano. Em 1917, foi à falência e perdeu todos os seus bens. Walker e Barbosa (2000) relacionam o ocaso de Cassoulet com a crise da desvalorização do café provocada pela 1ª Grande Guerra. É possível. Seus sucessores, nos seus mais diversos empreendimentos, não tiveram talvez a habilidade e mesmo a capacidade de levar em frente o que havia de mais gratificante na capital do café. O fim da era Cassoulet era o prenúncio da borrasca que estava por vir nos próximos anos. Ele mesmo não sobreviveu por muito tempo ao fim dos seus negócios. Conforme Tuon (1997), no livro de registro de mortos do Cemitério da Saudade, consta que ele foi enterrado em 17 de fevereiro de 1919, aos 60 anos, viúvo, e que sua causa mortis foi “amolecimento cerebral”, talvez algum tipo de esclerose, pois perdeu a memória antes de falecer. Ele vivia errante pelas ruas e apenas alguns amigos cuidaram dele e pagavam seu tratamento.

THEATRO ELDORADO

Esta casa de espetáculos recebeu este nome pelo fato de Ribeirão Preto ser conhecida na época como “Eldorado do Café”. Este teatro dedicou-se à diversão das elites locais, principalmente os grandes fazendeiros de café. Era na verdade um cabaré, foi talvez o primeiro café-dançante do Brasil, onde trabalhavam principalmente prostitutas que Cassoulet importava da França. A fama do Eldorado era grande em todo o país. Condenado pelo moralismo da época era de fato tolerado pelas elites que o frequentavam para os costumes mais extravagantes, picantemente descritos por Júlio José Chiavenato no seu livro “Coronéis e Carcamanos”. Veja um comentário do jornal “O Trabalho”, de 1909, citado por Liamar Tuon em sua dissertação: “Cassoulet tem obrado malissimamente em convidar as excelentíssimas famílias para assistirem às matinês que realiza aos domingos no seu Eldorado. Que ele embora anuncie “matinês familiares”, aquela casa não deixa de ser o afamado Eldorado de Ribeirão Preto.” (TUON, 1998, 66).

As senhoras de família jamais frequentavam o Eldorado, mas seus maridos só Deus sabe... A partir de 1916, a empresa D. Boccaro assumiu o Eldorado que passou a ser denominado “Eldorado Paulista”, investindo em reformas, mas não alterou muito o tipo de divertimento, continuando a promover, por exemplo, os famosos bailes de máscaras. Em abril desse mesmo ano, Baccaro e Cassoulet ficaram sócios no Eldorado, acabando assim com as rivalidades entre o Eldorado e o


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Cassino Antarctica que exploravam o mesmo ramo de atividade. O Eldorado fechou com a falência de Cassoulet ainda em 1917.

CASSINO ANTARCTICA

Cassino Antarctica, frente para a Rua Américo Brasiliense, e Rotizzerie Sport Man, com frente para a Rua Amador Bueno, esquina onde mais tarde foi construído o prédio do BANESPA, hoje SANTANDER. O Cassino Antarctica foi inaugurado em 14 de novembro de 1914 e este talvez tenha sido o empreendimento mais extravagante de François Cassoulet, que o administrou até 1917. No Cassino ocorriam espetáculos, festas, bailes, jogatinas, sempre com a presença de mulheres estrangeiras (prostitutas de luxo, as “polacas”). O ambiente era frequentado pelos grandes coronéis e políticos importantes, além de estrangeiros e boêmios.

O luxuoso Cassino Antarctica foi inaugurado em 14 de novembro de 1914. Este empreendimento marcou o apogeu da Era Cassoulet. Ele o construiu para que ali passasse a funcionar o antigo Eldorado, seu primeiro estabelecimento teatral. O Cassino Antarctica oferecia aos seus frequentadores a oportunidade de jogar o que bem entendessem sem que ninguém lhes incomodasse. Não faltavam pessoas para criticar essa casa, nem pessoas que vinham a Ribeirão especialmente para conhecê-la. Embora Cassoulet fizesse de tudo para que ela parecesse um ambiente familiar, ninguém tinha dúvidas do que se passava lá dentro. Possuía uma excelente orquestra sob a direção de D. Boccaro. O sucesso era sempre crescente da magnífica e aplaudida troupe de cantoras e bailarinas que possuía. Suntuosos bailes e grandes desfiles de carnaval marcaram época no Cassino Antarctica. Após a falência de Cassoulet, o cassino permaneceu fechado até março de 1918, quando houve uma tentativa de reabertura que não durou muito tempo. Em 1919, voltou a funcionar sob a direção da Cia. Alcebíades que o administrou até meados de 1920. Era impensável o Cassino Antarctica sem François Cassoulet.


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OUTRAS CASAS DE ESPETÁCULOS DE RIBEIRÃO NO INÍCIO DO SÉCULO XX

Cinema Polytheama.

NOME

INÍCIO

FUNDADOR

PROPRIETÁRIOS

ATIVIDADES

PARIS THEATRE

1910 (?)

Luiz Junqueira

Luiz Junqueira até 1913 Cassoulet até 1914 Luiz Tosone até 1917

Cinema de arte e teatro

CINE-TEATRO BIJOU(1)

1910

J. Penteado & Cia.

J. Penteado & Cia. O. Stefani & Cia.

Cinema Infantil

CINEMA POLYTHEAMA

anterior a 1914

Evaristo Silva & Cia.

Evaristo Silva & Cia. Cassoulet (1914-1917) Evaristo Silva & Cia.

Teatro, cinema, bailes e banquetes

CINEMA RIO BRANCO(2)

ago-1912

Cassoulet

Cassoulet (1912-1917)

Teatro e Cinema

CINE ODEON(3)

1914

Aristides Motta & Cia.

Aristides Motta & Cia.

Cinema

CINEMA BARRACÃO

anterior a 1914

-

-

Cinema

CENTRAL CINEMA

1919

Luiz de Faria Batista

Luiz de Faria Batista

Cinema

CINEMA IDEAL

1919

Evaristo Silva & Cia.

Evaristo Silva & Cia.

Cinema

Fonte: Liamar Tuon, 1997. (1) O Cine-Theatro Bijou funcionou pouco mais de um ano, vindo logo a entrar em falência. Reaberto posteriormente com o nome de “Cinema Familiar”.


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(2) O Cinema Rio Branco foi reaberto em 1920, após a Era Cassoulet. (3) O Cine Odeon promovia sessões beneficentes. Faliu no mesmo ano e em 1915 foi reaberto com o nome de “Cinema Familiar”.

Pelo panorama acima, pode-se imaginar como que Ribeirão Preto fervilhava na década de 1910. A cidade vivia um clima de “belle époque” com seu estilo de vida cultural que poderia fazer inveja a qualquer outra capital do país. Mereceu bem o apelido de “Pequena Paris”. Eram frequentes as apresentações de grandes companhias teatrais e de cantores líricos que se apresentavam individualmente. É o caso de vários tenores de todas as idades que se apresentaram na cidade, entre eles, Agide Megoni, tenor de apenas 14 anos de idade e que se apresentou na cidade em abril de 1909 no teatro Eldorado.

ALGUNS ESPETÁCULOS TEATRAIS APRESENTADOS EM RIBEIRÃO NO INÍCIO DO SÉCULO, SEGUNDO PESQUISA DE LIAMAR TUON, 1997 Espetáculo

Companhia

Casa apresentadora

Atores

Data

Cyrano de Bergerac

Cia. Dramática Francesa Nina Sanzi

Carlos Gomes

-

1911 e 1912

A Dama das Camélias

-

-

-

-

Gioconda

Cia. Lírica Italiana R. Mário & Cia.

Carlos Gomes

-

-

Guarany

-

-

-

-

Tosca

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-

-

-

Boheme

-

-

-

-

Traviata

-

-

-

-

Carmen

-

-

-

-

A Casa Paterna

Cia. Clara Della Guardia

-

-

1912

Il Perfecto Amore

-

-

-

-

Madame Sans Géne

-

-

-

-

Companhia Carrara

Carlos Gomes

Luiz Carrara

Junho de 1914

Uma Comédia pelo Correio

Ermetto Novelli

Carlos Gomes

-

Fevereiro de 1915

Trio Phoca-AbigailMoreira

-

-

Abigail Maia

1915

Eva

Cia. Italiana de Operetas Maresca-Weiss

-

-

1916

Viúva Alegre

-

-

-

-

Geisha

-

-

-

-

Bocaccio

-

-

-

-

-

Cia. Alzira leão

-

-

-

Cia. Italiana de Operetas Vitale

-

-

-


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-

Carlo Nunziata

-

-

-

-

Cittá di Napoli

-

-

-

Carlitos e Dick vão ao café Concerto

Studio Film

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Charles Chaplin (Cardo Charlot)

1917

Traviata

Sebastião Pimentel, maestro

-

-

-

Carmen

-

-

-

-

Força do Destino

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-

-

Sonho de Valsa

-

-

-

-

Conde de Luxemburgo

-

-

-

-

Geisha

-

-

-

-

A Cia. Clara Della Guardia era considerada uma das mais importantes do mundo no início do século XX. Para recepcioná-la em Ribeirão Preto, os italianos organizaram uma grande festa na estação da Mogiana. Um artigo do jornal “A Cidade” noticiou em 1912: “Na vitrine da Joalheria Ramos & Nascimento, estão expostos um cartão de ouro e uma jóia de brilhantes para serem oferecidos pela Empresa Cassoulet e pela Colônia Italiana à Sra. Clara Della Guardia, em sua festa à noite” (TUON, 1997, 71). Della Guardia foi muito homenageada na cidade. Ainda hoje, figura no Museu do Café uma placa de mármore com o seu nome e a data de quando esteve em Ribeirão Preto pela última vez. Esta placa ficava no Teatro Carlos Gomes e com a sua demolição foi transferida para vários lugares até chegar ao Museu do Café.

ALGUMAS PELÍCULAS APRESENTADAS EM RIBEIRÃO NO INÍCIO DO SÉCULO, SEGUNDO PESQUISA DE LIAMAR TUON, 1997 Nome do Filme

Casa apresentadora

Distribuidora

Data

O crime da malla

Carlos Gomes

Richebourg

1910

Serra de Santos

Carlos Gomes

Richebourg

1910

Alucinação dos Ébrios

Carlos Gomes

Richebourg

1910

História das Vestimentas

Carlos Gomes

Richebourg

1910

O Disco da Morte

Carlos Gomes

Richebourg

1910

Match de football no Velódromo Paulista em 6 de junho de 1909

Carlos Gomes

Richebourg

1910

Idylio de um dia

Carlos Gomes

Richebourg

1910

Ao redor dos Grandes Lagos da África Central

Carlos Gomes

Richebourg

1910

Berlim

Paris Theatre

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Noite Parisiense

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Hydropterapia, massagens e fricções

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-

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Salomé

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A Revolução de Portugal

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A Chegada do Mal. Hermes ao Rio

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Regatas Internacionais da Inglaterra

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Dama das Camélias

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Quo Vadis

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Fratelli Bandiera - o despertar da Itália

Paris Theatre

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A Alemanha na Guerra

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A Trieste - vencer ou morrer

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O peregrino cego

Bijou

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1910

Uma viagem no litoral

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-

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New York

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-

A Empresa Cinematográfica F. Serrador instalou uma filial em Ribeirão Preto com um considerável estoque de fitas à disposição de todos os interessados. F. Serrador foi um grande empresário de cinemas, tendo iniciado seus negócios em Curitiba em 1906, transferindo depois para São Paulo, onde montou mais de 400 casas de exibição na capital e no interior. No Carlos Gomes, era o cinematógrafo Richebourg que trazia os filmes para serem apresentados no Teatro.

REQUINTES DA CIVILIZAÇÃO TELEFONE EM RIBEIRÃO PRETO JÁ EM 1899 A história da telefonia em Ribeirão Preto começou em 1896. Nesse ano, a Câmara de Vereadores recebeu os primeiros pedidos de concessão para explorar os serviços de telefonia na cidade. Na época, as concessões eram particulares e autorizadas pela Câmara Municipal, conforme previa a Constituição de 1891. A primeira autorização, no entanto, só seria concedida em setembro de 1898, ao empresário Antônio Marinho. Segundo registros da Câmara de Vereadores, em maio de 1899, a prefeitura comprou sua primeira linha telefônica por 1.750,000 réis. E é provável que tenha sido uma das primeiras da cidade. Em 1907, a telefonia de Ribeirão Preto foi interligada às cidades de Santa Rita do Passa-Quatro, Cajuru e Sertãozinho. Nesse ano, 17 empresas operavam os 4.069 telefones existentes no estado de São Paulo, dos quais 172 em Ribeirão Preto. Já o serviço interurbano chegaria à cidade em 1913, trazido pela Companhia Rede Telephonica Bragantina, possibilitando ligar de Ribeirão Preto para São Paulo e Santos. Em 1928, a CTB (Companhia Telefônica Brasileira), uma multinacional canadense, que dominava o mercado de telefonia no Brasil, comprou a Telephonica Bragantina, explorando o serviço até 1938, quando venceu o prazo de concessão e a empresa ficou sob o controle da prefeitura. Passou a se chamar STM (Serviço Telefônico Municipal), possuindo mil linhas instaladas.


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O grande marco da telefonia na cidade aconteceu em 1969, quando foi criada a CETERP, uma empresa pública com capital inicial de CR$13.300.000,00, distribuídos em 13.330 ações. Na sua inauguração, a empresa possuía quatro mil telefones Ericson automáticos, 3,5 mil Standard Eletric e 700 manuais. A tecnologia foi sendo substituída gradativamente até que a CETERP alcançou a condição de empresa moderna e eficiente. (Baseado em reportagem da Revista Revide, ano XII, nº 116, de 2 de maio de 1999)

OS PRIMEIROS AUTOMÓVEIS

Possivelmente um dos primeiros automóveis de Ribeirão Preto (1906): Carl Martin Magnus que trabalhava nas oficinas do antigo Banco Construtor, e Martha Belthftre, antiga proprietária do Bar Alemão.

A história do automóvel em Ribeirão Preto começou em 1922 com Antônio Diederichsen e Manoel Penna, empresários que fundaram na cidade a primeira concessionária de veículos. Paulista, com estudos na Alemanha, onde se formou em Agronomia, Diederichsen sempre foi um homem à frente de seu tempo. Convencido pelo sócio e amigo Manoel Penna, ele iniciou as vendas com os veículos da marca Chevrolet. A concessionária era na realidade uma filial da empresa Byington & Cia., de São Paulo. Ela foi instalada na esquina da Rua São Sebastião com Saldanha Marinho. Os veículos importados chegavam dos Estados Unidos encaixotados em várias partes e a montagem final era feita em Ribeirão Preto. O maior problema que a cidade tinha era a falta de motoristas. Ninguém sabia dirigir. A solução era esperar a passagem de um viajante, vendedor de cimento, chamado “Cometa”, que com toda a pompa dirigia os carros, dando voltas ao redor da praça XV. Aos poucos, o ribeirão-pretano foi se acostumando com a novidade e aprendeu a manejar as máquinas. A primeira bomba de combustível foi instalada também na São Sebastião com a Saldanha Marinho. Depois que o cliente falava quantos litros queria, a gasolina era retirada do tanque por sucção, indo para um reservatório que ficava num plano mais alto. Dali, por meio de mangueiras, chegava ao tanque do auto. Em 1922, a população urbana da cidade era de cerca de 25 mil habitantes. Antônio Diederichsen, que veio para Ribeirão Preto administrar a fazenda de seu tio Arthur Diederichsen, tinha o perfil do industrial. Encontrou em Manoel Penna, mais ligado ao comércio, o seu parceiro ideal. Em


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1934, a firma, que ainda se chamava Antônio Diederichsen & Cia., passou a vender carros da marca Ford. Trinta anos depois, já como Cia. Comércio Antônio Diederichsen, era assinado um contrato de concessão com a Volkswagen do Brasil, sob a condição de que a empresa constituiria uma pessoa jurídica, separada dos demais negócios que tinham na época. Assim, em 19 de setembro de 1965, nascia a Santa Emília - Distribuidora de Veículos e Autopeças S/A, sendo essa denominação uma homenagem à dona Emília, mãe de Manoel Penna (Informações baseadas em reportagem especial da Revista Revide, ano XII, nº 116, de 2 de maio de 1999).

COMES E BEBES NA “BELLE ÉPOQUE” RIBEIRÃO-PRETANA De José Ferreira Carrato(*) Festa dos Viajantes em 1906 em frente ao Theatro Carlos Gomes.

“Este é o Ribeirão Preto do Tempo, dos princípios do século até a Primeira Guerra Mundial. Iremos esboçar alguns quadros de sua vida cotidiana, que foram colhidos especialmente em jornais, textos ribeirão-pretanos e depoimentos de velhos moradores. Quadros sobre a comida, a bebida e o divertimento da gente local. Uma gente em mudança. Um encontro entre o velho e o novo. O homem da terra e o imigrante, aparentemente diferentes, mas sendo digeridos pela circularidade das forças sociais mescladoras na atividade econômica, no jogo político, na vida familiar, nas atitudes pessoais e coletivas, nas esperanças e aspirações, e até, nas fantasias e frustrações. Nesses quadros do cotidiano ribeirão-pretano, tentaremos seguir a sua linha informativa, marcando-a com alguns indicativos que revelem nela um laço comum a persistência de certo comportamento humano que é a conjuntura histórica chamada de “Belle Époque”. É o período que vai de l885 a 1914, cifrados pelos dados estatísticos do recenseamento de 1902 do município de Ribeirão Preto. Será que os resultados gerais desse censo - tão elucidativo - não dão à comunidade em estudo as variantes necessárias para que ela possa esquadrinhar alguns aspectos do mundo da “Belle Époque”? O primeiro deles é a influência decisiva da Europa, e tudo que ela representa, numa população local de base europeia, que é quase o dobro da brasileira. Ela não pode ser questionada. A visão europeia do mundo, então, é que ele vai às mil maravilhas. E como o mundo de Jeová, contente, no sexto dia, depois que criou o homem.


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O FLUXO DEMOGRÁFICO TRAZ O PROGRESSO MATERIAL

Praça 13 de maio, depois chamada de Praça da Bandeira, em frente à catedral.

As populações aumentam, eis que a natalidade cresce e a mortalidade diminui. Isto justifica as esperanças otimistas do cientificismo oitocentista, que, principalmente após as recentes conquistas da medicina e da cirurgia, da física e das invenções, pode aguardar - como o grande médico e polígrafo positivista, Doutor Luís Pereira Barreto, que, aliás, está em Ribeirão Preto desde 1876 - a expansão sem limites das atividades humanas, da cidade, da agricultura, da indústria, do comércio e da cultura. A cidade vai ter o seu esplendor, chamando o rurícola, para beneficiar-se de suas luzes. O enriquecimento e o bem-estar vão dar a sensação - como na exclamação de Jules Simon, um dos embevecidos dessa época - de que vamos todos fruir as delícias de Cápua... Aqui, em Ribeirão Preto, parece que, pelo menos os esnobes da terra, também pensam e sentem assim. Todo homem quer ser um cavalheiro perfeito, desprezando a condição humilde, amando as exterioridades do prestígio social ou da alta posição. Todos querem gozar os favores do progresso. O fluxo demográfico crescente traz, entre outras coisas, o aumento da demanda, o consumismo. Principalmente aquele relacionado com a apresentação pessoal. Nunca os alfaiates nem as modistas receberam tantas encomendas e capricharam tanto. Os homens usam paletós de casemira bordada, com magníficas golas de peles. Fumam charutos cubanos, calçam botinas de pelica com polainas, ostentando seus chapéus panamá e sarrilhando bengalas de madeira nobre, com ponteiras de prata. Uma senhora pelintra afoga-se em trajes tufados “art-nouveau” - saias e mangas ajustadas no alto e se alargando em forma de corola - com seus adereços custosos: - “Tudo isso” - pergunta uma língua ferina -”sois vós ou vós sois tudo isso, minha senhora?” Do vapor passe-se à eletricidade. Vem a luz elétrica. Vem o motor industrial nas máquinas de beneficiar café e nas manufaturas das cidades. Não há exemplo melhor desse avanço das técnicas do que nosso jovem Alberto Santos Dumont. Lá, na sua fazenda, desde menino, ele mexe com máquinas. Mas, como todo bom esnobe, mexe para ser diferente. Um comentarista local, em 1909, depois do feito pioneiro da “Demoiselle”, critica “os irmãos Wright (que) vieram muito depois de Santos Dumont e, enquanto este se contentava com a glória das aclamações, (...) aqueles fizeram do seu aparelho um esplêndido ramo de negócio, do qual já vão auferindo lucros dos ricos clientes que conquistaram (aeroplanos vendidos à Inglaterra, Alemanha, Áustria e França)”. Gente prática, conhecedores da vida! “Somos realmente um povo contemplativo e comedor de sonhos.”


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LETRAS E ARTES RIBEIRÃO-PRETANAS De fato, já adoramos ver dramas sociais ou psicológicos ou sentimentais, no Teatro Carlos Gomes e no Paris-Bijou, e gostamos, nos domingos, bem enfatiotados, de sair para namorar as filhas dos coronéis e as italianinhas venetas, meio loiras meio ruivas em suas peles de leite, tendo, como fundo musical, trechos de óperas de Verdi ou modinhas do tempo do Império, a cargo da Corporação Musical ‘’Giacomo Puccini’’, no coreto da Praça XV. Também gostamos das letras e das artes. O prefeito Veiga Miranda publica, com muita aceitação, o seu folhetim, num rodapé do Diário da Manhã, contando as agruras de um moço pobre, e os nossos mestres de obras levantam fachadas ornadas com caves e arcos, e ferros forjados: é a luta da “art-nouveau” contra a simplicidade. Mas, ostentação mesmo a gente vê nos monumentos aos mortos, no Cemitério da Saudade, uma triste feira das vaidades. Por sua vez, a decoração das residências é pesada, com reposteiros e baldaquins, as paredes cobertas de papel pintado e os tapetes cobrindo as largas tábuas do assoalho.

É preciso lutar contra a ignorância e abrem-se as escolas com alguns dos professores rivalizando com os sábios da cidade. Esses, também, fazem a sua escola, a sua roda, especialmente nas farmácias. Assim, o Lima da Farmácia é tão purista na ortografia que se recebe uma carta do amigo italiano, subscrito Rafaello, devolve-a de pronto ao colega e homônimo: “Nada, nada! Rafael com ‘’1’’ é coisa de italiano... Ao que, Rafaello, vingando-se, endereça-lhe, logo no envelope, assim “LLLLMO” com quatro “llll”... Na sua aplaudida coluna ‘’Ecos’’, a cronista social Maria Heloisa escreve que tem de fazer “uma secção diária leve, graciosa, rescendente do bom gosto e elegância”, para “proporcionar entre o cardápio insípido dos telegramas, das notícias policiais, das insidiosas notícias da política, um pratinho ingênuo, dedicado aos paladares educados de “gourmets”. E nesse propósito vai escrevendo, diariamente, sobre saber vestir as crianças, o extravagante, falar “esposa” em vez de “mulher”, roupas demais, jóias em crianças, Iolanda-princesinha italiana, a melhor poesia brasileira, o que dar a um primo que se casa livros para noiva, passeio à roça nos domingos, equitação para as senhoras e senhoritas, trechos de francês para traduzir, protestos contra o horário das oito horas no Grupo Escolar, frio demais para Ribeirão Preto, etc., etc. Eis a vida da “belle époque” no Ribeirão Preto dos primeiros anos do século. Ou ao menos dos ribeirão-pretanos que liam jornais. Ou nestes apareciam.


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OS COMES E BEBES DOMÉSTICOS Os “comes” e “bebes” de uma sociedade refletem, mais do que quaisquer outras manifestações da vida dos homens, o grau e o padrão de sua qualidade. E de sua realidade, também. Vejamos corno são eles, entre a afortunada gente da “Belle Époque” ribeirão-pretana. No Ribeirão Preto dos anos de antes da Primeira Guerra Mundial, e ainda por muito tempo, a casa doméstica é uma oficina econômica. Ela tem de bastar-se, num tempo em que ainda nem se imaginam as geladeiras, os “freezers”, as mercearias e os supermercados. E em que apenas começa a despontar uma ou outra barra de gelo, em caixas envoltas em serragem, vindas não se sabe de onde. Apesar de sua aparente calmaria, a casa é movimentada, como uma silenciosa orquestra, regida pelas mãos experientes de sua dona, ajudada por negras remanescentes do cativeiro, agora gente da família, que fazem desde os quitutes mais requintados até as brutas tachadas de sabão de cinza. Sem falar nos dias cheios da “lida com o porco”, para obter a banha, as carnes, os chouriços e linguiças, os miúdos e graúdos, guardados em grandes latas de querosene, em que o toucinho derretido conserva a carne e dá a gordura para cozinhar, por muito tempo, naquele fogão gostoso, de rabo e lenha, tão acolhedor, que, nos dias frios, a gente passa trepado nele, de cócoras, se aquentando, comendo pipoca e sorvendo café. A cozinha grande é, também, um bom lugar de estar. Nas noites frias, as crianças relutam em ir para a cama, depois de “lavar os pés” e tomar o leite com farinha. Querem ficar no colo das vovós ou das babás negras, ouvindo as histórias da carochinha. Porque a lida, em casa, começa cedo. O leite vem de manhãzinha. Ele chega das fazendas ou das chácaras vizinhas e tem de ser fervido imediatamente, senão azeda. No canto da cozinha, pregado no cepo de peroba, o moinho mói o café perfumado, que a nega da casa torrou na véspera. E o café com leite rescendente vai para a primeira refeição familiar. Uma porção de “quitandas” sobre a grande bandeja pintada do centro da mesa, sobre a maior toalha de bicos de crochê: biscoitos de polvilho, broas de fubá mimoso e de “munho’’, pão de queijo, rosca da rainha, bolão de fubá assado na brasa. (E começa a aparecer o pão de padaria, influência italiana). O café-com-leite tem bastante açúcar. A gente é louca por “doce” - não fosse herdeira de mineiros e portugueses. Mas, açúcar do bom mesmo é o “redondo”, mais claro, com grandes torrões redondos. Mas, o mascavo é o preferido do “zé-povo”. Há, até, quem prefira rapadura ou açúcar preto para adoçar o café, ou ainda um grosso pingo de gordura fina, boiando em cima da xícara. Ou do “coité”, servido na lua nova, para ficar bem seco e melhor que a xícara.

Refinamento é algum bolo extra. Inglês ou “kufa” alemão (já há padarias de alemães, com bom pão de centeio, “kufas” e algumas “delikatessen”). E mais os refinamentos da própria doçaria


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caipira, saídos dos misteriosos cadernos de receitas das babás e sinhazinhas, que recomendam, tantas vezes, assim: ... “duas libras de farinha de trigo, trezentos réis de fermento, duzentos réis de cravo, um tostão de canela”. E o meio ribeirão-pretano Nelson de Palma Travassos - que dá a informação - comenta: “Como decifrar esse enigma? Que quantidade representaria esse tostão de canela? Invejáveis tempos de moeda estável, tão estável, que as precavidas senhoras não duvidavam em redigir as receitas para o futuro, invocando dinheiro como medida!” Receitas que davam em brevidades, suspiros, babas-de-moça, papos-de-anjos, quindim, mentirinhas, bons-bocados, queijadinhas, pastéis de nata, fios de ovos, e tanta coisa celestial, que fazia remontar aos românticos claustros de Portugal, onde pontificavam as freiras-doceiras e faceiras - dulçoroso Dom João V. Almoço, até as onze horas, dadas no velho relógio “Ansônia” da varanda. Grande mesa austríaca, de tampo de mármore e pés torneados, com sua branca toalha de linho e a baixela de porcelana, com garfos, colheres e facas de “royal metal” “inalterável”. E as cheirosas terrinas, travessas e sopeiras vão chegando fumegantes, com feijão e arroz. Arroz frequentemente de forno, que é iguaria de gosto. Carne assada, e muitas frituras, pois não tem geladeira para conservar as carnes. Frango, ovos, legumes. Cará, batata. Verdura, pouca. “Erva é para cabrito” - dizem os mais velhos. Mas, aparece alguma, cozida ou afogada: serralha, caruru, beldroega. almeirão, taioba, ora-pro-nobis. A sobremesa é gloriosa, orgulho maior da dona da casa: arroz doce, cidra, cocadas, creme de milho verde, curaus, doce de leite, marmelada, goiabada, fios de ovos, pés-de-moleque, queijadas, geléia de mocotó e de laranja. E as infinitas compoteiras, de cristal da Boêmia, boiando douradas de frutas (goiaba, abóbora, figo, laranja, mamão, etc.). Às duas da tarde, café a duas mãos. E quando chegam visitas, que são obsequiadas com um bom café, sempre acompanhado de algum biscoitinho, bolachas mineiras, bolos de araruta, mãe-benta, sequilhos, pão-de-ló, rosca torneada. Janta, das cinco até as seis, o mais tardar. Não há muita variedade do almoço. Mas, aparece sopa, a gorda sopa, herança portuguesa. Já aparece a sopa de massa de macarrão, presença italiana. Antes, eram somente os escaldados. Curioso, há certa cerimônia ao jantar. Os homens põem os paletós, as mulheres fazem sua toalete. As babás dão banho de bacião ou lavam a cara e as mãos das crianças. As nove da noite, o chá, com as nossas infusões nativas - hoje tão desprezadas: funcho, ervadoce, hortelã, erva-cidreira, camomila, limão. Já há o chá preto e o “lipton”, para os mais exigentes. E a losna, para os dispépticos. Para os mais comilões ou de bom estômago noturno, canjica com leite e amendoim, leite com farinha de milho, leite com cus-cus doce ou com talhadas de goiabada ou marmelada. E, para quem prefere o chá, broa, muita broa. Por isso, é que há notícias de apoplexias, derrames e paralisias de gente de idade, depois dos chás domésticos. De duas ou de quatro mãos... No Ribeirão quando não são os sitiantes que trazem as farinhas e os polvilhos da roça, é a Casa Mineira que fornece a excelente mandioca “Crisciúma”, que rivaliza com a ‘’Suruí”, contendo todo o polvilho e torrada clara, de sabor agradável, incomparável nas quitandas, principalmente biscoitos, biscoitões e pães-de-queijo.

A TRADIÇÃO DO NOSSO CHOPP E OUTROS APERITIVOS Amanhecem as cervejarias, neste caloroso Ribeirão Preto, ainda no tempo da italianada dos eitos do café. Primeiro, bebe-se muito vinho, principalmente os tintos e “chiantis” das “quartolas” vindas da Itália. Começam a aparecer as fábricas de cervejas, ainda mais facilitadas pela boa qualidade da nossa água, mineralíssima - já dizia o Dr. Luís Pereira Barreto. Lá pelos lados do Barracão, Gambini & Tegnano mantêm por anos e anos e sua cervejaria. Temos até uma listagem de material da brava e generosa indústria, que vai aguentando firme até que


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a poderosa Companhia Antarctica Paulista, sob o controle de Zerrener, Bulow & Cia. entre duro no mercado local. E entra mesmo, com uma sucessão de cervejas claras, escuras e pretas. Começamos a bebê-las, em todas as suas cores: - claras - Antarctica, Pilsen, Bock Cristal, Bavária Pilsen, Tívoli, União, Monopol, Aliança, Boêmia, Paulista, a saudosa Paulista, Mogiana, Excelente, Cometa e Ipiranga. Escuras - Munchen, Bavaria Munchen, Bavária Sport, Bock Tip-Top, e pretas - Antarctica Stout, Antarctica Porter e Culmbach...

Histórico da Companhia Cervejaria Paulista Tania Registro, APHRP, março/2012

“A Companhia Cervejaria Paulista foi fundada em 25 de abril de 1913, sendo o seu primeiro e principal incorporador o Sr. Hanz Scherholz. As primeiras reuniões para a organização da fábrica foram realizadas na antiga sede da Sociedade Dante Alighieri (rua Duque de Caxias, 98). A primeira Diretoria era composta por João Alves Meira Junior (Presidente), Alfio Messina (Gerente) e Hanz Scherholz (Diretor-Técnico). Posteriormente, com a saída de Alfio Messina, o seu cargo foi confiado a José Rossi. A primeira fábrica foi instalada à Rua Visconde do Rio Branco (esquina com rua Barão do Amazonas) e, em 18 de abril de 1914, foi inaugurada a nova fábrica, construída na Avenida Jerônimo Gonçalves, às margens do ribeirão Preto, próxima à Estação da Cia. Mogiana de Estradas de Ferro, com projeto do arquiteto Baudílio Domingues. Na margem oposta do mesmo córrego estava instalada a fábrica da Cia. Antarctica Paulista, também fabricante de bebidas e sua principal concorrente. As primeiras marcas de bebidas lançadas pela Cia. Cervejaria Paulista foram: STERLINA, CRISTALINA, NIGER, KROMO, CARABBO E ZURÊ. Posteriormente foi lançada a cerveja TRUST. Com o tempo as cervejas POKER, NIGER E TRUST, tornaram-se as principais marcas de cervejas produzidas pela Cia. Paulista e foi sob a égide desta <triologia> que a Cia. tornou-se conhecida, a princípio regional e depois nacionalmente. A Cia. Paulista foi organizada com um capital inicial de Rs. 300.000$000, este foi elevado para Rs 450.000$000 em 1914 e para Rs. 1.000.000$000 em 1915. A Cia. Paulista desenvolveu-se no contexto econômico do <ciclo do café>, dos <coronéis>, dos


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cassinos, da imigração europeia e do desenvolvimento urbano que esta economia desencadeou no interior do Estado de São Paulo. Desde a sua inauguração, em 1914 até a década de 70, a fábrica de bebidas da Cia. Paulista foi, juntamente com a Cia. Antarctica, responsável pelo desenvolvimento urbano da cidade. Gerou inúmeros empregos e contribuiu para a formação de mão de obra especializada, operariado este formado por imigrante, na sua grande maioria. Localizada às margens do córrego (Preto), que dá origem ao nome da cidade, contribuiu ainda para os melhoramentos quanto ao abastecimento de água e energia daquela região da cidade, impulsionando o crescimento do Bairro de Vila Tibério e região Central da cidade. A Cia. Paulista foi ainda precursora dos investimentos imobiliários que injetaram significativas cifras nas finanças locais em meio à crise iniciada em 1929. Em 1927, a Cia. Paulista investiu na compra de terrenos e antigos edifícios localizados à Praça XV de Novembro e, em 1930, inaugurou um Teatro de Ópera, um Edifício Comercial e um Hotel (o chamado Quarteirão Paulista, tombado pelo Condephaat). Estes investimentos, pioneiros, lançaram vultosas somas na economia local, em plena crise e foram ainda responsáveis por lançar as bases do que viria a se tornar a economia local até os nossos dias: uma cidade prestadora de serviços. Apesar de uma crise financeira sofrida pela Cia. Paulista nas décadas de 30 e 40, a fábrica continuou sua produção, baseada principalmente na marca NIGER de cerveja preta até que, em 1973 fundiu-se com a sua grande rival a Cia. Antarctica Paulista, tornando-se a Cia. Antarctica Niger.” (Texto extraído do site da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto, Secretaria da Cultura, Arquivo Público e Histórico de Ribeirão Preto). Bebe-se em casa, nas refeições. E nos bate-papos familiares, sentando-se em cadeiras colocadas nos passeios. E se começa a beber nos bares, nas confeitarias e nos restaurantes. Confeitaria da moda, em l909, é a Confeitana “Smart”, na Rua General Osório: construção moderna, com vastos salões arejados e adornados de quadros e reclames de outras casas; vasos ostentando em toda sua frescura palmeiras e outros vegetais de “nossa rica flora”; “artísticas prateleiras”, onde os olhares batem em cheio em rubras maçãs, frescas peras amenas ao paladar, cheirosos cajus, finos licores, sobressaindo o verde “pipperment”, vinhos franceses, portugueses e nacionais; convidativos “puddings”, cremes, pães-de-ló, brevidades, suspiros; queijos suíços, flamengos, mineiros, velhos do Reino, castanhas, nozes, avelãs de Portugal, etc. Na parte externa, magnífico parque com aprazível caramanchão, coberto de trepadeiras odoríferas. Tudo isso servido por um pessoal correto e amável, sob a competente direção do sócio Antônio Garcia de Souza, que se compraz em oferecer à freguesia nova que vai chegando o seu bom copo de cerveja. Cerveja quente, que só então começa já agora a ser congelada dentro de caixas de serragem misturadas a barras de gelo, diligentemente fabricado pela Fábrica Santa Maria, ali na Rua Barão do Amazonas, l0. Mas, há os que não dispensam o seu vinho. Começando pelo aperitivo, o “celestial nectar Geropiga”, que - segundo a publicidade - “faz os fracos ficarem fortes e os fortes não ficarem fracos”. E regam sua boa mesa com os vinhos finos importados: Bourdeaux, Saint-Emilion Nugar, Lormont, Pontet-Canet, Chateau Margaux, Larose, Lafitte, tintos; os brancos Graves-Extra, Barsac; os velhos Governador, Joanna d’Arc, Reconstituinte, Reno Branco, Moscatel de Setúbal (bebida de senhoras), o Delicado, etc. O grande fornecedor de bons vinhos, em Ribeirão, ali na Rua Duque de Caxias, 88, é o ativo representante Otávio Lagosta. Ele anuncia vinhos franceses, alemães, e portugueses (marca P.L.): “aquele que apanha uma “taxada” de vinhos baratos” - diz em sua propaganda pitoresca -”de marcas desconhecidas, no dia seguinte a boca sabe-lhe a cabos de chapéu de chuva” e, em sua mensagem bem lusitana, acrescenta que “se economizas comprando vinhos baratos, gastarás com


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médicos e farmácia e arruinarás a saúde”, pois ele “vende-os como chegam da Europa e não os engarrafa aqui”: é um remoque ao vinho do Caracol (hoje Andradas, MG), feito “pelo processo do Dr. Luís Pereira Barreto”, de uva Jack, da chácara do Coronel Zeca de Oliveira, que, por sua vez, garante que o seu produto é “inalterável, mesmo de barril aberto”... A verdade é que o povo não conhece bem um bom vinho, menos ainda, a oportunidade do seu uso. Bebe-se vinho, e pronto. Essa ignorância faz-se gritante nos banquetes, que de vez em quando são oferecidos a figurões. Há notícia de um desses regabofes, à base de uma comesaina pesada, que ia do leitão ao peru, com passagens por “rotis” de carnes variadas, em que foram servidos: Calídas ao lado de Chambertin, Lambrusco tinto e espumante por cima dos pratos pesados... O gosto popular estava, porém, com a cerveja. Ela era bebida sob todos os pretextos. Até os terapêuticos. Quando preta, era recomendada a mulheres grávidas, pois era fortificante; ou às que amamentavam, pois aumentava o leite. Quando fresca, depois das refeições, era um bom digestivo. Em qualquer hora, não havia melhor diurético. E assim se justificavam todos os pifões. Por essas e outras razões, foi que a Companhia Antarctica Paulista estabeleceu-se em Ribeirão Preto, a partir de 1909. O lançador da grande cervejaria foi o Dr. Luís Pereira Barreto, ao qual logo se uniram grandes interesses comerciais, dos quais se destacou a poderosa firma alemã Zerrener Bulow & Cia. estabelecida em Santos e São Paulo, que vendia tudo: ferragens, combustíveis, material de construção, arame farpado, cutelaria e até charutos Hahnemann (da Bahia) e legítimos de Havana. Mas, vendia, também, vinhos de todas as procedências e águas minerais europeias, da Vichy até a Rubinat. Mas, não tinha cerveja. Teve-a em Ribeirão Preto, fabricada com uma das melhores águas do mundo. A Antarctica nasceu em Ribeirão. O “Pinguim” - hoje a melhor tradição chopeira do Brasil - foi a sua natural conseqüência”. (*) Jose Ferreira Carrato foi Professor Adjunto da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) e da Faculdade de História, Direito e Serviço Social - UNESP, campus de Franca. Foi membro da Academia Ribeirão-pretana de Letras, autor de inúmeros trabalhos publicados em coleções, revistas e outros, de natureza científica. (Revista Regional de História, Franca, nº 1, págs. 133-141). Ele faleceu em Ribeirão Preto em 1994.

PAPEL E IMPORTÂNCIA DAS SOCIEDADES

Lar Anália Franco, localizado na Rua Rui Barbosa.


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Tuon (1997) afirma em sua dissertação de mestrado que foi muito grande a importância das associações protecionistas e assistencialistas na articulação e mobilização da sociedade ribeirão-pretana no início do século XX. Representando interesses de grupos profissionais, de imigrantes de alguma nacionalidade específica, de negros ex-escravos ou de confissões religiosas, as sociedades se faziam presentes nas suas datas comemorativas e desempenharam um papel aglutinador para parcelas importantes da população. No início deste século, Ribeirão Preto era uma cidade de estrangeiros, como já falamos: seja de europeus, seja de nacionais forasteiros. Era, pois, até natural que grupos de interesses se organizassem para garantir a socialização e a cidadania de seus integrantes. Muitas dessas organizações irão influenciar mais tarde a formação de sindicatos de categorias profissionais. Politizadas ou não, elas agiram no âmbito urbano e tiveram um destaque naquela época que hoje nos surpreende.

SOCIEDADES ITALIANAS

Diretoria e membros da União Italiana, reunidos em frente à sua sede em 1895.

A Sociedade Operária União Italiana nasceu em 1895, como resultado da fusão de duas outras sociedades italianas, a Príncipe Amadeo e a Umberto I. Era chamada no início de Societá Operaia Di Mutuo Socorso i Beneficenza Unione Italiana. A entidade unia os imigrantes italianos em Ribeirão Preto, oferecendo ajuda no tratamento de doenças, prestando assistência em casos de emergência, desenvolvendo a previdência e a fraternidade. Chegou também a ajudar muitos imigrantes na sua repatriação Já a Sociedade Dante Aligheri sempre foi mais envolvida com atividades de lazer do que com as políticas. Seus sócios, inclusive seus diretores, eram, na sua maioria, pessoas das camadas mais


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remediadas da sociedade, como médicos, comerciantes e outros profissionais liberais. Diferentemente da Sociedade Operária União Italiana (atual Sociedade de Socorros Mútuos de Ribeirão Preto), constituída basicamente de pessoas das camadas mais populares. Quando falamos em imigrantes vem sempre a ideia do trabalhador rural, do lavrador, do homem da terra que a lavra de sol a sol, mãos calejadas, aspecto sofrido. Este estereótipo nem sempre é verdadeiro. Havia sim uma grande heterogeneidade entre eles, em termos, principalmente de condições sociais e culturais. Muitos já chegavam com algum pecúlio e outros acumulavam rapidamente alguns recursos e, com previdência e habilidade, logo montavam um negócio próprio que crescia e os tornavam independentes. Assim, podemos entender a condição econômica dos associados da Dante Aligheri (TUON, 1997). A partir de 1909, a Sociedade Dante Aligheri e a Sociedade Operária União Italiana se uniram para uma tarefa de socorro distante às vítimas de um grande terremoto que atingiu a Sicília-Calábria. A unificação Italiana também era comemorada por elas com alvorada, passeatas, festas e espetáculos no Theatro Carlos Gomes a partir de 1910. Em janeiro de 1915, outro terremoto atingiu a Itália e mais uma vez elas se mobilizaram a favor dos seus compatriotas. “A primeira festa para os desabrigados deste último terremoto foi no Teatro Carlos Gomes, onde o “Circolo Filodramático Ermete Novelli” encenou “Dopo la Colpa”, drama em 4 atos, de Giovani Silvestri. O maestro Carlos Nardelli ainda dirigiu um concerto vocal e instrumental, com músicas italianas. Durante a 1ª Guerra, famílias italianas mandaram seus filhos para lutar na Itália e outras contribuíram com a Cruz Vermelha Italiana” (TUON, 1997, 74).

Em 1º de julho de 1915, embarcaram para a Itália 100 reservistas italianos que haviam se inscrito no Vice-Consolado Italiano de Ribeirão Preto. No dia do embarque, a despedida incluiu um desfile acompanhado pelo vice-cônsul, os membros da Cruz Vermelha, diretorias das sociedades italianas, famílias e muitos populares, seguidos de banda de música que tocou hinos patrióticos (TUON,1997).

SOCIEDADE LEGIÃO BRASILEIRA Clivonei Roberto* Escondida no primeiro andar de um edifício, na Rua Visconde de Inhaúma - no centro de Ribeirão Preto - a Biblioteca Padre Euclides já completou 110 anos de história. Além de ser a biblioteca mais antiga da cidade, é também uma das mais velhas do Estado. Uma trajetória de quase um século. Tudo começou em 1902, com a chegada a Ribeirão de um jovem padre mineiro, chamado Euclides Gomes Carneiro. Com uma visão avançada para a época, ele percebeu a carência cultural do povo, idealizando a Sociedade Legião Brasileira de Cultura e Civismo. Após mobilizar as autoridades da cidade, o padre conseguiu para a entidade um prédio próprio, em 1907. Eram três pavimentos com biblioteca, sala de estudos e de bilhar, auditório para 250 pessoas e salão. As estantes eram de madeira entalhada, o chão coberto por tapetes e os balcões tinham adereços de bronze. Um ótimo ambiente para a realização de saraus, festas e palestras literárias. Pessoas famosas deixaram a assinatura no livro de presença da biblioteca, como Santos Dumont, numa época em que era comum assinar com letras bordadas. O prédio também sediava campanhas de vacinação, serviu de quartel-general durante a Revolução Constitucionalista de 32


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e foi palco de muitos debates políticos. “Fui frequentadora da biblioteca na minha juventude. Eu e meus amigos nos encontrávamos aqui para estudar e depois íamos nos divertir”, recorda a professora aposentada e bibliotecária Labibe Zogby que conheceu o requintado casarão na década de 50. Preocupado com o desenvolvimento social, cultural e espiritual da população, Padre Euclides criou em 1912 uma escola profissionalizante onde hoje fica a Igreja São Benedito: era o Centro Operário São Benedito. Também deixou outras obras que continuam até hoje: reorganizou a Santa Casa de Misericórdia, numa época em que a cidade sofria uma epidemia de febre amarela, lançou a pedra fundamental da Catedral24 e criou um asilo que ganhou o seu nome. “Por tudo o que fez, Padre Euclides chegava a ser idolatrado pelo povo”, relatou o historiador Pedro Miranda. O padre também criou obras assistenciais em outras cidades por onde passou. Mas se apaixonou mesmo por Ribeirão. Tanto que antes de sua morte, em 1946, pediu para ser enterrado aqui. Depois disso, a biblioteca - que ganhou o nome de seu idealizador - entrou num período de descaso. Na década de 60, o prédio foi demolido, dando lugar a um edifício de catorze andares. “Um crime” lamenta a bibliotecária. Durante mais de três décadas, a Biblioteca Padre Euclides ficou quase esquecida. Sob a direção de Labibe Zogby há pouco mais de três anos, ela está sendo redescoberta. “O número de visitantes está aumentando”, afirma. Hoje, esse espaço cultural conta com cerca de 16 mil livros. A maioria está à disposição dos visitantes, com exceção de algumas obras raras, que estão guardadas a sete chaves. São preciosidades, como alguns exemplares do extinto jornal Diário da Manhã, de 1912, encadernações do “A Cidade”, do começo do século, e as obras da biblioteca particular de Padre Euclides: entre elas encontram-se Astronomia Popular, de Camilie Flammarion, publicada em 1881, Sermões do Padre Antonio Vieira, de 1907, e História da Fundação do Império Brasileiro, de José Pereira da Silva, publicado no Rio de Janeiro em 1864. Clivonei José Roberto foi jornalista da Revista Expressão-feedback, edição de Junho de 1999, 29.

OUTRAS SOCIEDADES IMPORTANTES NO INÍCIO DO SÉCULO XX EM RIBEIRÃO PRETO, SEGUNDO PESQUISA DE LIAMAR TUON, 1997 Prédio da Beneficência Portuguesa que começou a ser construído em 1915, passando a funcionar em 1918.

24 A catedral teve sua construção iniciada em 1902. Foram apresentados 33 projetos que foram expostos no Theatro Carlos Gomes. Depois de difícil seleção, foi escolhido o do engenheiro Carlos Kman.


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DENOMINAÇÃO

FUNDAÇÃO

ATIVIDADES

FUNDADORES/ MEMBROS

Sociedade Beneficente da Santa Casa (1)

1896

Assistência médico-hospitalar

-

Sociedade de Beneficência Portuguesa (2)

1907

Assistência médico-hospitalar

-

Sociedade Recreativa de Ribeirão Preto (3)

31.12.1908

-

Intelectuais da elite cafeeira

Sociedade Protetora dos Empregados no Comércio (4)

1910

Assistência aos comerciários

Comerciários

Sociedade Amiga dos Pobres

16.08.1910

Assistência aos desamparados

Pe. Euclides Carneiro

Associação de Assistência e Proteção à Infância

1918

Assistência a menores Desamparados

Senhoras e jovens da alta sociedade

Associação das damas de Caridade

1919

Assistência e Amparo aos Pobres

Senhoras e jovens da alta sociedade

Asilo da Mendicidade

1920

-

-

Sociedade José do Patrocínio

-

Combate ao preconceito Racial

negros e ex-escravos

Asilo dos Inválidos

-

-

Pe. Euclides Carneiro

Centro Operário São Benedito (5)

-

Escola Profissional

Pe. Euclides Carneiro

(1) Pe. Euclides Gomes Carneiro teve participação direta e indireta em quase todas as obras de assistência social em Ribeirão Preto no início do século XX. Entre 1902 e 1915, ele foi também provedor da Santa Casa. Em 1918, eram tantas as vítimas da gripe espanhola em Ribeirão Preto que os espaços da Santa Casa não foram suficientes para abrigar a todos os doentes. A Loja Maçônica Estrela do Oeste, a Sociedade Dante Aligheri e até o Cassino Antarctica funcionaram como hospital de atendimento. (2) O hospital da Beneficência Portuguesa só começou a ser construído em 1915, passando a funcionar em 1918. (3) Nos seus primeiros anos, a Recreativa promovia A Hora Literária, momento em que diferentes personalidades vinham debater temas ligados à literatura, ciência, música, política, etc. Citamos, dentre elas, Veiga Miranda e Antônio Piccarolo. Veiga Miranda dedicou-se por muitos anos à política local, chegando a ser prefeito da cidade. Já Antônio Piccarolo, intelectual italiano, residia em São Paulo e defendia o socialismo reformista. Publicava artigos sobre as condições de vida dos seus compatriotas no interior de São Paulo. (4) O comércio local funcionava todos os dias, inclusive aos domingos até as 15 horas e ainda exigia horas extras dos empregados (que não eram pagas) para o trabalho da limpeza, deixando tudo pronto para o dia seguinte. (5) Localizava-se onde hoje se encontra a Igreja São Benedito, na Rua Prudente de Morais.

UMA PEQUENA HISTÓRIA DA ORIGEM DA NOSSA IMPRENSA Em Ribeirão Preto, era grande a quantidade de jornais publicados, via de regra, de várias fases e de curta duração. O primeiro foi “A Lucta”, dirigido por Ramiro Pimentel, surgido em 1884. A falta de liberdade de imprensa quase sempre colocava os profissionais diante de sérios riscos de vida e impasses. Em 1903, Antônio Guimarães, jornalista responsável pelo jornal “O Sorriso”, foi assassinado e seu jornal fechado pouco tempo depois. No ano seguinte, João de Moura, fundador do jornal “O Ribeirão Preto”, foi morto a pauladas por “desagradar os poderosos da cidade”. Nos


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dois casos, nunca se soube quem eram os responsáveis pelas mortes e, provavelmente, nunca houve muito empenho em se saber 25. Os dois periódicos mais importantes e que tiveram maior duração foram o “Diário da Manhã”, fundado em 1899 e que tinha como proprietários o Dr. Albino de Camargo Netto e o Dr. José Pedro da Veiga Miranda, e “A Cidade”, fundado em 1905, sendo seu redator-chefe Abel Conceição. Esta longa duração se deu principalmente pelo fato de que seus proprietários sempre estiveram ligados aos grupos políticos que disputavam o poder local. Esses dois jornais eram declaradamente inimigos políticos. O primeiro ligado ao Coronel Francisco Schimdt e o segundo, ao Coronel Quinzinho da Cunha. Cada um representava à sua maneira o retrato da política local 26. Em 1918, foi apreendida a edição do jornal “O Parafuso”. Segundo Rubem Cione (1989), este jornal era dirigido por Benedito de Andrade. Este jornal era impresso em São Paulo, mas era dedicado a Ribeirão e região. Outros da década de 1920 foram: “A Tarde”, simpático à Revolta Tenentista de 1924 em São Paulo e que foi processado por injúrias no seu primeiro mês de circulação e “A Lanterna” 27.

RAMIRO PIMENTEL, NOSSO PRIMEIRO JORNALISTA O editor de “A Lucta”, o primeiro jornal que circulou em Ribeirão Preto, nasceu em 1848, de acordo com informação da lista de eleitores daquele ano. Era filho de Antônio Luiz Pimentel, cirurgião e farmacêutico na vila, e neto paterno de José Manoel Pimentel. Foi casado com Escolástica Pimentel. Ramiro Luiz Oliveira Pimentel era funcionário público e chegou a ser vice-presidente da Câmara de Ribeirão Preto na legislatura de 1887 a 1890. JORNAIS EM ITALIANO QUE CIRCULARAM EM RIBEIRÃO PRETO ATÉ 1930 DENOMINAÇÃO

INÍCIO

TÉRMINO

FUNDADOR

L’UNIONE ITALIANE

1896

1897

-

LA TRIBUNA

1897

1897

-

IL CORRIERE ITALIANO

1904

1905

CARLOS TORRE

L’ECO ITALIANO

-

-

-

IL MESSAGERO

1906

-

ALFREDO FARINA

LO SCUDICCIO (1)

1907

1927

ALFREDO FARINA

LA VOCÊ DEGLI ITALIANI

-

-

GASPAR MALTEZE

GAZZETA DELLA DOMENICA

1896

-

-

LA CANAGLIA

1900

-

-

IL DISTRICTO (2)

1904

-

-

(1) Sua publicação foi interrompida em consequência de um processo criminal por injúria que lhe moveu um negociante da cidade. (2) Este foi o último jornal em italiano a circular em Ribeirão Preto.

Os jornais publicados em italiano eram geralmente de linha anarquista ou socialista, o que provocou grandes polêmicas, diante do conservadorismo da sociedade da época e do domínio político dos 25 26 27

TUON, Liamar. op. cit., p. 100. Idem, ibidem, pp 100-101. TUON, Liamar. op. cit., p 100-101.


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coronéis. Alguns tiveram problemas políticos e foram fechados em razão de processos judiciais. Conforme Tuon (1997), outro jornal muito lido pela colônia italiana era o Fanfulla, publicado em São Paulo e que mantinha um correspondente na cidade. Era uma publicação a serviço do Consulado Italiano em São Paulo. Às vezes, ele se posicionava abertamente a favor dos colonos italianos, em momentos de complicações e greves e, por isso, seus correspondentes eram duramente criticados pela imprensa local. Somente em 1913, artigos envolvendo as questões femininas passam a ser escritos por Esther S. Monteiro. Esta provavelmente faleceu vítima da gripe espanhola em outubro de 1918. Ainda conforme Tuon (1997), os artigos de Esther mostram que a influência europeia não se restringia a costumes sociais, mas também às lutas pelos direitos sociais.

CARNAVAL DE RUA E BAILES Carro alegórico do carnaval de rua de Ribeirão Preto no início do século XX.

Seguindo o padrão nacional, a princípio, o carnaval em Ribeirão Preto era uma festa predominantemente masculina. O entrudo era uma prática muito frequente nos carnavais do início do século e, em 1909, ele chegou a ser proibido em Ribeirão pelo delegado de polícia. Não houve carnaval de rua naquele ano. Os grupos carnavalescos que mais se destacaram nas primeiras décadas do século, segundo pesquisa de Liamar Tuon (1997), foram: o “Club dos Lords” (1910), o “Clube dos Democráticos Carnavalescos” (1912) e os “Casacas Vermelhas” (1916). Ficaram famosos os bailes familiares realizados no Theatro Carlos Gomes e, aqueles menos familiares, realizados no Cassino Antarctica. O uso de lança-perfume era permitido, apesar de críticas ao seu efeito sobre os olhos. A partir de 1918, os bailes de clubes começaram a se destacar, como na Sociedade Recreativa.

ESPORTES Em Ribeirão Preto, os esportes foram a princípio muito mais praticados pelas elites da sociedade, mas acabaram por atingir outras camadas da sociedade após a primeira década do século. Os mais praticados foram as corridas de cavalo, o automobilismo, o ciclismo e o futebol, a corrida a pé e a corrida de motocicleta. Nesse contexto é que surgiram o Comercial Futebol Clube, o Botafogo Futebol Clube, o Palestra, a União Paulista e o Operário Futebol Clube.


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Segundo TUON (1997), um esporte muito popular, trazido pelos italianos, foi a boccia, a boxa. Era o jogo de pessoas humildes, praticado nas ruas, para o desconforto e a ira de transeuntes incomodados. O jogo de cartas também tornou-se popular. No início do século, surgem o jogo do bicho e as casas de tavolagem, estabelecimentos clandestinos onde se jogava e apostava à vontade. Em 1915, a situação das casas de jogos na cidade era tão escandalosa a ponto de os jornais paulistanos apontarem para a vergonhosa situação da cidade onde “a jogatina é franca” e acrescentavam ainda que em Ribeirão a situação era pior que em São Paulo, pois “há dezenas de casebres frenquentados por mulheres de vida galante e menores, onde jogam roleta e baracat” (TUON, 1997, 115). “A partir de 1912, chega mais uma novidade européia: a patinação. O primeiro rinque de patinação de Ribeirão foi o Pavilhão Rink, localizado à Rua Amador Bueno. Além da pista de patinação, este estabelecimento exibia fitas cinematográficas. Os rinques possuíam ainda “camarotes reservados, bares com mesinhas, cadeiras e completa separação da pista e da assistência”. Fazia-se de tudo para o ambiente parecer familiar. Outros rinques de Ribeirão: o Rink Colosso (1912), o Ideal Rink (1912) que chegou a ser adquirido ou arrendado por Francisco Cassoulet, o Éden Rink que substituiu o Ideal Rink em 1918” (TUON, 1997, 122-123).

Time titular do Comercial Futebol Clube que foi campeão paulista do interior em 1917. Da esquerda para a direita, em pé: Dr. Luiz Ferreira Gomes (presidente), Henrique Franco, Alvino Grota e Eurico Ribeiro; agachados, Augusto Bertone, Juan Carlos Bertone (eram irmãos, uruguaios) e José Franco; sentados, Belmacio Pousa Godinho, João Fernandes, Benedicto Rodrigues dos Santos (Zé Macaco), Joaquim Marques de Carvalho (Quinin) e Raul Schmidt (Informações de Raphael A. Galamba).

O Comercial Futebol Clube nasceu em 11 de outubro de 1911 por iniciativa de um grupo de comerciantes do centro, entre eles, Antônio Maneiro, Guilherme Nunes, Francisco Arantes, Adalto


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de Almeida, Thimoteo Grota, Alvino Grota, Argemiro de Oliveira, Djalma Machado e Antídio de Almeida, que foi escolhido para seu primeiro presidente. A fama do Comercial, como um grande time de Ribeirão Preto, apareceu pela primeira vez com uma excursão que fez ao norte do país em maio e junho de 1920. A viagem foi de navio e durou seis dias. Obteve vitórias espetaculares, ganhando fácil de outros clubes já consolidados como o Náutico, o Santa Cruz e até as seleções de Pernambuco e da Bahia. Foi daí que o Comercial ganhou o cognome de “Leão do Norte”. Outras célebres vitórias do Comercial foram sobre o Palmeiras (Palestra Itália) por 5 x 2, em 1921, pela Taça Círculo Italiano e sobre o Penharol por 2 x 0, em 1927.

Segundo o livro do jornalista Igor Ramos, “Botafogo: uma história de amor e glórias”, publicado em 2008, o primeiro confronto ocorreu em 1º de agosto de 1920, no Estádio da Rua Tibiriçá que pertencia ao Leão.

“Quando um grupo de ferroviários se reuniu na Vila Tibério, em 1918, para fundar um time de futebol, nem mesmo o mais sonhador de seus integrantes poderia imaginar a potência em que se tornaria o Botafogo, hoje proprietário de um dos maiores estádios particulares do país. Antes da fundação do Botafogo, existiam três times no bairro: o União Paulistano, o Ideal Futebol Clube e o Tiberense, equipe mais popular. Eles dividiam as preferências dos torcedores das redondezas. Com três times, os moradores da Vila Tibério nem sempre obtinham vitórias nas competições contra equipes de outras zonas de Ribeirão Preto. Por isso, um grupo de torcedores do Ideal, pensando exclusivamente em dar maior potencial ao futebol da Vila Tibério, reuniu-se com representantes do Tiberense e do Paulistano para se estudar a possibilidade de juntar forças e fundar um clube forte, que contasse com o apoio de todo o bairro, para os campeonatos disputados na época. Francisco Oranges, membro da diretoria do Tiberense, participou do encontro ao lado de Pedro, José e João Aguiar, dirigentes do União Paulistano, além de Júlio Pé de Ferro e Antônio Cardoso, jogadores do mesmo clube. Em pauta a unificação dos três times.


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O Botafogo surgiu para congregar todas as forças da Vila Tibério e enfrentar os demais clubes da cidade, como o Comercial, o Operário, o Itália, o Atlântico e o Força e Coragem. As primeiras reuniões aconteceram no antigo Bar Piranha, na esquina das Ruas Martinico Prado e Padre Feijó. O nome do clube teria surgido após uma discussão, na qual ninguém entrava em acordo. Um dos homens presentes teria dito que botaria fogo em tudo e que o acordo da união entre as associações estava terminado. Como na época, o Botafogo do Rio de Janeiro era o time mais popular do Brasil e o desabafo de um dos dirigentes lembrava o nome do time carioca, o pessoal definiu que a nova agremiação passaria a se chamar Botafogo. Assim, ocorreu a fundação de mais um clube na cidade, em 12 de outubro de 1918. O primeiro presidente foi Joaquim Gagliano, funcionário da Companhia Mogiana de Estrada de Ferro. Em sua posse, ocorreu o primeiro rateio para compra de material esportivo. A estreia do novo time aconteceu no mesmo ano, diante do Esporte Clube Fulgêncio, em Franca. O Botafogo venceu por 1 a 0 e toda a Vila Tibério saiu às ruas para comemorar a vitória junto com os jogadores. Em 1927, a equipe conquistou o primeiro título importante, ao sagrar-se campeã do interior. Com a desativação do Comercial, na década de 30, restava o Botafogo alimentar o sonho da população, de brigar com as grandes equipes paulistas, como o Palmeiras, o Corinthias e o São Paulo. O primeiro estádio do Botafogo foi construído na década de 20, na própria Vila Tibério. O estádio Luiz Pereira, cujo nome era uma homenagem a um dos mais ilustres botafoguenses, abriga hoje o poli-esportivo do clube. Até hoje a Vila Tibério é considerada um reduto dos torcedores botafoguenses. Muitos dos primeiros jogadores eram funcionários da Mogiana. Um dos mais ilustres foi Elba de Pádua Lima, o Tim, que começou jogando futebol, nas ruas do bairro, onde morava com a família. Tim jogou no Botafogo, Comercial e chegou até a seleção brasileira”28.

BANDAS Corporação Musical regida pelo maestro Pedro Xavier de Paula, conhecido como Pedro Tudo (sentado, de barba).

28

Revista Revide, ano XII, fascículo especial nº 23 da edição nº 139.


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Banda Filhos da Euterpe, 1899. O maestro José Gomes Delfino é o da esquerda, em pé.

Segundo Tuon (1997), a primeira banda de música foi organizada por Pedro Xavier de Paula, o Pedro Tudo, em 1887. Ela se apresentava em festividades e enterros. Pedro Xavier trabalhava como alfaiate, pouco entendia de música, mas com empenho, contratou um regente para a banda que criara. Rubem Cione (1989) diz que a 2ª banda foi a de José Munhai que reunia membros da colônia italiana, em 1894. Mas Maria Elízia Borges afirma que foi a Banda São Sebastião, organizada também em 1887. Em 1889, o primeiro Trio Musical foi formado por músicos italianos, e em 1884, a Banda Bersaglieri, também de italianos. A colônia italiana passa a interferir no gosto musical da população local. Por volta de 1910, cinco bandas haviam se consolidado: Filhos da Euterpe, Bersaglieri, União Progressista, a Giácomo Pucini e a Ítalo-Brasileira. O Almanaque de Ribeirão Preto de 1913 ainda cita a Banda Santo Antônio. Elas se apresentavam quase diariamente no coreto da praça XV. O jornal “A Cidade” trazia a programação diária de seu repertório. Segundo Tuon (1997), eram tocadas as músicas de Verdi, Puccini, Mascagni, Lehar e Carlos Gomes. As músicas dos compositores de Ribeirão faziam parte também da apresentação dessas bandas. “A Marselhesa também era muito executada, principalmente pela banda Filhos da Euterpe, demonstrando mais uma vez a influência dos costumes europeus na cultura local. Outras bandas também existiram por aqui como a Banda Progresso, dos operários da Mogiana e a Ítalo-Brasileira.” (TUON, 1997, 95-96).

LIVROS E LIVRARIAS No início do século, as livrarias mais famosas de Ribeirão Preto eram a Livraria e Papelaria Veríssimo dos Santos e a Livraria Selles. Elas publicavam sempre anúncios onde se ofereciam as últimas novidades tanto em romances, quanto em revistas e jornais do Rio de Janeiro, São Paulo, da Europa e dos Estados Unidos. Em 1914, a maior biblioteca era a da Loja Maçônica Estrela d’Oeste, com 1850 volumes. Muito possível que fossem livros que propagassem os ideais liberais e positivistas. A Sociedade Legião Brasileira, fundada pelo Pe. Euclides Gomes Carneiro, era o lugar onde se aglutinava a intelectualidade local. Em 1914, sua biblioteca possuía 1.200 volumes29. 29

Revista Revide, ano XII, fascículo especial nº 23 da edição nº 139, p. 98.


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Au Bon Marché, uma das lojas mais tradicionais de Ribeirão Preto, na década de 1920, famosa pelo comércio de artigos importados.

Mas nem tudo era conforto e festa na Ribeirão Preto da “belle époque”: as enchentes já castigavam a Vila Virgínia e a Baixada desde o início do século XX. Na foto, a Rua Guatapará durante enchente do Ribeirão Preto. Em primeiro plano, membros do Corpo de Bombeiros e soldados realizando operação com cordas e barco; pessoas em frente das casas e na rua.

Rua General Osório, próximo ao Hotel Modelo e Hotel Brazil. No fundo, Av. Jerônimo Gonçalves e a Estação da Cia. Mogiana, durante enchente do ribeirão Preto, em 1927.

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Outro fragrante da enchente de 1927 na Av. Jerônimo Gonçalves.

Saudosa Baixada! Texto escrito para a revista de conclusão do projeto Baixada Cultural, executado pela Associação Amigos do Memorial da Classe Operária-UGT em 2015 com financiamento do PROAC-SP A arquiteta Valéria Valadão (1997) afirma que apenas duas condicionantes de caráter urbanístico podem ser consideradas nesse processo inicial de expansão urbana em Ribeirão Preto a partir do seu núcleo central. A primeira e mais antiga seriam as vias de acesso a outras localidades, como São Simão e Batatais. A segunda foi a implantação do “complexo Mogyana”, na margem oposta do ribeirão Preto. Os trilhos da Mogyana atingiram a vila em 1883 e neste ano construiu-se uma pequena estação provisória na altura da Avenida Caramuru. Mas em 1885 começou a funcionar um grande conjunto de edificações, verdadeiro complexo integrado à Estação da Mogyana, localizada onde hoje temos o Pronto Socorro Central, bem em frente à Rua General Osório. Nascia a nossa Baixada! “A região, considerada fundo em relação à posição do edifício da igreja matriz – que tinha sua entrada principal voltada para as terras de Cravinhos [...] sofreria uma intensa transformação no que diz respeito ao uso do solo urbano e também de todo o ambiente construído” (FARIA, 2010, 49). Foi nesse “centro” da cidade, delimitado, a princípio, pelo Largo da Matriz e expandido até a Estação da Mogiana, que o projeto da cidade moderna patrocinado pela burguesia cafeeira seria minuciosamente elaborado e de fato construído. O desejo de modernidade tornar-se-ia um objetivo planejado pelos agentes sociais, todos interessados no rompimento daquele ambiente rural em favor de um ambiente urbano marcado pelo controle, pela ordem, pela higiene e, mais tarde, também pelo embelezamento, que planos governamentais e códigos de postura determinariam. “Neste processo a ferrovia foi instituída como marco inicial de toda essa intencionalidade, definidora do momento cuja ruptura deveria ser iniciada. Sua importância extrapolava os objetivos econômicos que seus promotores e financiadores pretendiam, como transporte eficiente e rápido de toda a produção do café. A ferrovia assumia uma significação fundante dos princípios modernizadores do discurso oficial no imaginário urbano.” (FARIA, 2010, p. 50).


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Mas havia um entrave de difícil solução à logística e à mobilidade entre o complexo da Mogiana e o centro da cidade, justamente os seus cursos d’água e seus brejais, portadores de epidemias, miasmas, cheiros pútridos e imundos. A partir de 1894, um dos maiores investimentos públicos do município foi direcionado para a retificação dos córregos que marcavam os limites de território entre aquelas duas cidades. Um relatório oficial de 1896 afirma o seguinte: “no cargo de Intendente Municipal, continuastes as obras de saneamento dos córregos, rasgando, retificando e alargando os seus leitos, aterrando suas margens e saneando os extensos pântanos que circundam esta cidade, por meio de valetas e drenos que caminham para os referidos córregos as águas estagnadas.” (Relatório do Diretor da Secretaria da Câmara Municipal, 31/12/1896, citado por FARIA, 2010, p. 88).

Estas obras de intervenção urbana se prolongaram pelos anos iniciais do século XX. Em 1901, foi assinado um convênio entre a Câmara Municipal e a Companhia Mogyana para a conclusão da retificação do ribeirão Preto, bem como das drenagens e aterros das suas margens, da atual Praça Francisco Schmidt até sua confluência com o córrego do Retiro. Toda a área da referida praça foi cedida pela Câmara à Companhia Mogyana em troca desses melhoramentos. Já na margem direita, seria responsabilidade da Câmara custear e executar as mesmas obras. Por aí surgiriam dentro em breve os dois marcos da industrialização tradicional de Ribeirão Preto, as cervejarias Antarctica e a Paulista, inauguradas respectivamente em 1911 e em 1914. Outro relatório oficial concretizava o sentimento vivido de transformação por que passava aquela área fronteiriça: “[...] imenso benefício do completo saneamento dos terrenos alagados ali existentes, virá a ser aquelle um dos pontos mais belos e mais aprazíveis da cidade” (Relatório do prefeito Manoel Aureliano de Gusmão, 10/01/1903, citado por FARIA, 2010, p. 99). Mas a retificação do córrego do Retiro fronteiriço ao quadrilátero central com seus aterros, construção de pontes e balaustradas somente foi levada a cabo na década de 1920. Estas obras acompanhariam pelas décadas seguintes o prolongamento das Avenidas do Café (do lado do “centro” da cidade) e Cesário Motta (do lado do que seria mais tarde os Campos Elíseos), ambas mais tarde chamadas Av. Dr. Francisco Junqueira. Compreende-se como a abertura da Rua José Bonifácio tenha se prolongado no tempo. A princípio um pedaço dela, totalmente irregular, ainda sem nome e com poucas edificações com certeza não passava da esquina com a Rua Duque de Caxias até por volta de 1900. Além dela, eram as vazantes e os brejais até chegar ao córrego do Retiro. Seu último quarteirão, por exemplo, onde hoje se encontra a UGT, ficava além desse córrego, em uma posição totalmente diferente da atual. Somente com a conclusão das obras de saneamento realizadas pela Mogyana e pela Câmara é que a José Bonifácio foi concluída até a Avenida do Café (Dr. Francisco Junqueira). Uma notícia publicada no jornal A Cidade em 26 de janeiro de 1908, reproduzindo uma reportagem do jornal Fanfulla, da capital, mostra uma opinião bem ajustada a uma cidade moderna, higiênica e embelezada conforme os padrões disciplinares da burguesia: “quem deixou algum tempo a cidade e conserva ainda a ingrata recordação da terrível terra roxa, fica hoje agradavelmente impressionado, voltando para aqui, e achando o Largo da Estação optimamente aterrado e arborizado; o córrego do Ribeirão Preto canalisado e flanqueado por cães de pedra que margeam as ruas estendendo-se amplas, direitas e calçadas”. (A CIDADE, 26/01/1908).

Mas não podemos esquecer que todo o progresso material de Ribeirão Preto na virada do século não a deixou imune aos surtos da varíola e da febre amarela que grassavam em várias partes do país. No imaginário popular, 1904 foi o maior desastre enfrentado pela cidade que se esvaziou de gente e de riqueza. A Baixada, fronteira do intra-rios, sofreu mais diretamente todo este maléfico


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panorama. Difícil foi a retomada que fortaleceu ainda mais a política higienista das administrações que passaram a investir mais pesado ainda nas obras de saneamento. Para quem desembarcava na Estação da Mogiana, já se apresentavam, de imediato, duas opções que não escondiam suas origens de classe. A General, também conhecida como Rua da Estação, era a rua dos grã-finos, com suas lojas e vitrines de luxo, casas de altos negócios capitalistas, seus teatros e palacetes ao fino gosto das elites urbanas e rurais, gosto que se esmerava cada vez mais ao se aproximar Praça XV. A José Bonifácio, que lhe cruzava já no primeiro quarteirão, lembrava o rosto da Baixada que hoje conhecemos: desde o início era pródiga de seu comércio popular, pensões, hotéis, bares, restaurantes, tudo isso misturado com residências, armazéns de secos e molhados e depósitos dos mais diversos materiais em serventia direta à estação. A General tinha um glamour que a José Bonifácio nunca teve. Ela lembrava a capital, a ponto do jornal Diário da Manhã, em uma das suas edições de abril de 1907, chegar a dizer o seguinte: “A primeira impressão que se tem ao enfrentar a rumorosa General Osório, sempre movimentada, vista da parte da Estação da Mogyana, é de se ter diante dos olhos um trecho da pauliceia. Mas se acentua esse juízo depois que se percorre algumas ruas da cidade, nas quais se encontra uma admirável semelhança com outros idênticos pontos da capital”. (citado por FARIA, 2010, p. 98).

A proximidade da Rua José Bonifácio com a antiga Estação tornou-se quase a extensão da estrada de ferro. A presença do Mercado Municipal, inaugurado em agosto de 1901, e a multiplicidade de atividades comerciais e industriais de diferentes tamanhos, misturados às moradias, constituíram os elementos formadores da identidade deste logradouro ao longo do século XX. O arquiteto e urbanista Eder Donizeti da Silva fez o mais interessante estudo sobre a Rua José Bonifácio em sua dissertação de mestrado pela UNESP de Franca em 1998, intitulada A história contada através da arquitetura de uma rua. Para ele aquela proximidade fez com que a rua se transformasse e seus edifícios passassem a servir economicamente à estação. “Aqueles prédios que serviam como empórios tiveram inicialmente suas atividades fortalecidas, pois as mercadorias ficaram mais fáceis de serem conseguidas” (SILVA, 2011, p. 25). A José Bonifácio, muito mais que a General Osório, era o eixo onde se encontravam todas as classes, fazendo jus ao território de fronteira entre as duas cidades, intra e além-rios. Este viés policlassista, mais ideológico que realista, sempre foi observado e propagandeado por viajantes, pela imprensa e pelas autoridades locais. Era esta a sua identidade, o seu charme diferenciador, ao mesmo tempo que mesclador, muito bem materializado no seu Mercadão, frequentado por pessoas de diferentes origens e interesses. Os anos 1920 representaram o auge da Baixada, mas também o início da sua degradação. E, com certeza, o ponto de partida deste longo e dolorido processo foi a grande enchente de 1927 que provocou prejuízos irrecuperáveis para os comerciantes, destruiu obras realizadas pela prefeitura, assim como bairros populares, entre eles, o bairro República. Soberba vingança da natureza. Esta não foi a primeira nem a última dos grandes desastres que se abateu sobre esta região da cidade, mas foi sim aquela que ficou no imaginário popular como mais terrivelmente espetacular, alimentada até hoje pelas fotografias de época e pelo noticiário contemporâneo. Deixemos falar o insuspeito prefeito de então, José Martimiano da Silva: “Seus habitantes (do bairro República), na maioria pobres e operários, tiveram seus lares invadidos pela água e viram destruídos quase todos os seus móveis. A parte urbana, entre as quais as ruas José Bonifácio e Jerônymo Gonçalves, também foi enormemente prejudicada. O comércio daquela parte da cidade, invadido pelas águas, também sofreu grandemente, e seus inquilinos se viram rudemente prejudicados” (Relatório


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Anual apresentado pelo prefeito José Martimiano da Silva à Câmara Municipal em 15 de janeiro de 1928).

A grande enchente de 1927 na região da Baixada, mostrando que a partir da Praça Francisco Schmidt (onde estão as árvores à direita), Ribeirão Preto ainda não estava retificado.

A degradação da Baixada e da sua José Bonifácio prosseguem com a crise cafeeira que se inicia em 1930 e se prolonga pelos anos seguintes, retirando-lhes os alicerces. Uma historiografia mais recente ressalta o perfil comercial e de prestação de serviços que predominava em Ribeirão Preto já no período áureo do café. A arrecadação do município mostra uma dependência muito maior em relação às atividades urbanas do que em relação às agrárias. A historiadora e economista Luciana Suarez Lopes demonstra esta realidade de forma magistral. Mas o clima que se criou em função da crise mundial foi catastrófico. A psicologia também tem seus efeitos na economia de um país, de uma cidade, de uma rua. Um relatório oficial, ainda no início deste processo, ligado à quebra da Bolsa, é esclarecedor: “Ribeirão Preto [...] não poude escapar aos efeitos da grande crise que perpassa por todos os países e principalmente pelos Estados em que é maior a atividade humana e mais elevada a riqueza particular. [...] Ribeirão Preto, centro de grandes negócios, a capital do café, deveria sofrer como sofre, alterações na sua vida econômica, alterações essas que acarretam a paralyzação de seu vertiginoso progresso [...]”. (Relatório do prefeito Joaquim Camillo de Mattos, apresentado à Câmara Municipal em 15 de janeiro de 1930).

Foi nesta conjuntura de crise econômica que rapidamente se desdobrou em crise social e política que a União Geral dos Trabalhadores (UGT) fez construir a sua sede própria na Rua José Bonifácio, 59. Entidade de operários e outros trabalhadores urbanos, fundada na década anterior, mas que somente agora passava a ter um protagonismo sem par nos movimentos sociais da cidade. A União, como era popularmente chamada, passou a ser ponto de referência de movimentos sindicais, culturais e políticos, enfrentando a ditadura Vargas, a ditadura militar e tempos outros mais propícios para a mobilização da classe. E a José Bonifácio entrava para a história, pois dali saíam as articulações de greves, passeatas e protestos, sem perder a ternura dos saraus, dos bailes e de outras confraternizações. Mas um outro acontecimento trágico ocorreu no início da noite do dia 7 de outubro de 1942. Um incêndio de grandes proporções deixou o Mercadão em ruínas. O imprevisível e o imponderado também fazem parte do acontecimento humano. Seus comerciantes tentaram sobreviver instalando


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barracas improvisadas para vender seus produtos em torno das paredes que não vieram ao chão, principalmente na Jerônimo Gonçalves. O que outrora era um imponente prédio que sobressaía na paisagem da Baixada ficou por anos a fio como cinzas de uma área abandonada e fantasmagórica que sediou provisoriamente a estação de ônibus interurbanos. O novo Mercadão, este mesmo que conhecemos hoje na Baixada, foi inaugurado em 28 de setembro de 1958, na administração do prefeito Costábile Romano. Um novo e importante alento, sem dúvida, mesmo depois de terem partido os moradores, ficando só os dos prostíbulos. O calvário da Baixada prossegue, agora com a desativação da Estação da Mogiana e sua demolição em 1967, e a difícil e demorada retirada dos trilhos da ferrovia que se prolongou até 1976. A sensação foi como que, de repente, voltassem todas aquelas condições adversas do final do século XIX. As administrações da época tentaram colocar um pouco de ordem em tudo isso, mas nem mesmo a construção e inauguração da Rodoviária em 1971permitiu que a Baixada recuperasse seus bons tempos. A partir de agora, fica até mais difícil estabelecer um certo contraponto entre ela e o “centro” da cidade. Que “centro”? O da Praça XV? Fica cada vez mais difícil de imaginar isso, pois o “centro” já subia para o “alto da cidade”, ali pelas imediações da 9 de julho. E de lá, logo alcançaria voo em direção às regiões tidas como mais “nobres” para a nova burguesia. Entra em cena o novo “centro” da Independência, Presidente Vargas, e mais recentemente, os shoppings centers. Mas a Baixada e a sua José Bonifácio resistem... Veio o Pronto Socorro Central, veio o Centro Popular de Compras, grandes obras de um novo enquadramento do ribeirão Preto que prometem acabar de vez com as enchentes... Veio agora o novo Terminal Urbano que chegou com mil promessas, o Shopping Buriti para ocupar o lugar da Antarctica. É o eterno recomeço. A Baixada e a sua José Bonifácio vão resistindo e recomeçando com o Pontão Sibipiruna, Baixada Cultural e outras vivências mil que lhes trazem sonhos, vida e cultura!


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A DÉCADA DE 1920: APOGEU E CRISE

Chegamos aos anos 20. Ribeirão Preto atingia o máximo de sua expressão econômica, sendo a verdadeira “capital do café”. Mas não era apenas isso. Parte dos capitais gerados pela agroexportação permaneceu de alguma forma no município e estimulou o desenvolvimento de uma gama variada de outras atividades, particularmente ligadas aos setores de comércio, pequenas indústrias e serviços. Entre o início do século XX e a década de 1920, todo o nordeste de São Paulo prosperou com os capitais gerados pelo café, mas foi Ribeirão Preto, já naquela época, que acabou se consolidando como polo regional. A cidade assistiu a uma considerável diversificação econômica, com a proliferação de pequenos estabelecimentos comerciais e industriais, como a Antarctica Paulista, inaugurada em 1911. Luciana Suarez Lopes escreveu interessante artigo sobre “As principais fontes de renda e as principais despesas do município de Ribeirão Preto de 1911 a 1930” que ela apresentou no IV Congresso Brasileiro de História Econômica e na V Conferência Internacional de História de Empresas. O artigo estuda as principais fontes de renda e as principais despesas do município de Ribeirão Preto de 1911 a 1930, mostrando a incapacidade do município em gerar recursos suficientes ao financiamento de sua expansão, mesmo sendo um dos maiores produtores de café do Estado de São Paulo. A presença do café fomentava as atividades urbanas, contribuindo para o crescimento da cidade. Porém, o imposto sobre a atividade cafeeira recolhido pelo município tinha participação pequena na receita. O município então recorria ao endividamento como forma de financiar sua expansão urbana. Os dados que ela utilizou na análise foram coletados nos Relatórios da Prefeitura Municipal, localizados no Arquivo Público e Histórico de Ribeirão Preto. Colheita de arroz realizada na fazenda Guatapará em 1925.


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Os imigrantes, principalmente os italianos, chegavam à região como mão de obra dos cafezais, mas muitos deles já vinham com uma profissão urbana que já exerciam em seus países de origem. O crescimento de Ribeirão Preto como centro produtor de café criou uma base de prestadores de serviços. Assim, como havia uma demanda natural no setor de serviços, esses imigrantes acabaram preenchendo o vazio. Foram justamente esses imigrantes que, lentamente, consolidaram a fama de centro regional de comércio para Ribeirão. Eles abriram com suas famílias pequenos estabelecimentos como padarias, alfaiatarias, armazéns de secos e molhados, barbearias, etc. Percebe-se, então, que não foi após a crise de 1929 que a cidade tornou-se essencialmente comercial e pouco industrializada. Nos anos 30, os comerciantes, pequenos industriais e prestadores de serviços que já estavam, na verdade, estabelecidos em Ribeirão desde o início do século, constituíam um setor muito importante da economia local. Esta é a opinião de Luciana Galvão Pinto, no seu trabalho “Crise e Ajustamento da economia de Ribeirão Preto: 1930-1956” realizado para a Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP30. Ela continuou pesquisando a História Econômica de Ribeirão Preto, agora focalizando o período final do Império e a 1ª República, para o programa de pós-graduação (Mestrado) da UNESP de Araraquara. A hipótese espetacular, que Luciana Galvão Pinto tenta desenvolver nesse novo trabalho, é como foi possível o setor de comércio e serviços se ampliar de maneira tão considerável em Ribeirão Preto, simultaneamente com a crise do setor de exportação que havia sido sua base anterior a 1930. Sua pesquisa foi, sem dúvida, uma investigação inédita e surpreendente de um momento muito especial da história de Ribeirão. No entanto, é importante lembrar que a desorganização da economia cafeeira não foi resultado apenas da crise mundial, não tivemos uma crise exclusivamente exógena. Outros elementos intrínsecos à lavoura cafeeira explicam a sua crise já nos anos 20 e sua derrocada a partir de 1930.

30

APHRP, Cx 42, pasta 95, n. 452, 1996.


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SETOR DE SERVIÇOS EM RIBEIRÃO PRETO EM 1913

O PROJETO FRACASSADO DE INDUSTRIALIZAÇÃO

Crise e ajustamento da economia de Ribeirão Preto: 19301956 De Luciana Suarez Lopes* “No início do século, a industrialização era uma ameaça. Os “barões do café” entendiam que as indústrias roubariam o trabalhador rural, competindo pela mão de obra, o que faria aumentar os salários, mas não conseguiram impedir que algumas indústrias se instalassem na região já que a prosperidade da cidade havia atraído pequenos industriais. Algumas pequenas fábricas foram se instalando na cidade, principalmente por iniciativa dos imigrantes, que abandonavam a lavoura e vinham tentar a vida nas cidades. Rapidamente, empresas maiores foram chegando. Já em 1914, o parque industrial ribeirão -pretano contava com grandes serrarias, como a Diederichsen & Hibbeln e a Serra & Miranda, a Cia Cervejaria Paulista, a Mogiana e, além disso, pequenas fábricas de móveis e macarrão. O número de operários chegava a 2000. Mas, com certeza, a indústria de mais expressão nessa época foi a indústria metalúrgica idealizada pelo Engenheiro Flávio de Mendonça Uchoa, inaugurada em 1921, com tecnologia de ponta para aquela época e envolvendo na sua construção nomes importantes no cenário político e social da cidade, como o Dr. João Meira Júnior e a família Prado. O sonho da industrialização durou nove anos. O ferro produzido pela Usina Epitácio Pessoa era de ótima qualidade. O minério de ferro vinha de São Sebastião do Paraíso, cidade de Minas Gerais. Seu ferro foi usado na construção do Edifício Martinelli, em 1924, na época o mais elevado da América do Sul. Com a quebra da Bolsa de Nova Iorque, as vendas de ferro caíram e com a Revolução de 1930, a situação se agravou, de forma que, em 1931, a grande metalúrgica pediu concordata.” * Luciana Suarez Lopes é economista pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-USP), com mestrado em Economia pela Universidade Estadual paulista Júlio de Mesquita Filho (2000) e doutorado em História Econômica pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências


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Humanas da USP. Atualmente é professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo. Desenvolve pesquisas na área de Economia, com ênfase em História Econômica, atuando principalmente nos seguintes temas: alocação e acumulação de riqueza, finanças públicas e estrutura da posse de escravos.

OS TRABALHADORES DA CIDADE ENTRAM EM CENA

A ORGANIZAÇÃO E MOBILIZAÇÃO DOS TRABALHADORES URBANOS EM RIBEIRÃO PRETO NO INÍCIO DO SÉCULO XX

Inauguração da sede da União Geral dos Trabalhadores (UGT), na Rua José Bonifácio, nº 59, em 03/02/1934, prédio ainda hoje existente e tombado como patrimônio histórico do município pelo CONPPAC. Aí se localiza hoje o Memorial da Classe Operária (MCO)

Lílian Rodrigues de Oliveira Rosa, em sua dissertação de Mestrado, apresentada na UNESP em 1997, campus de Franca, fez interessante estudo sobre o movimento operário e sindical, bem como a atuação dos comunistas nesse movimento, em Ribeirão Preto no início do século. É com base na sua pesquisa que iremos falar desse tema nas páginas seguintes. Nos primeiros anos do século XX, Ribeirão Preto contava com poucas empresas que possuíam um número grande de funcionários. A maior parte dos operários estava dispersa por dezenas de pequenas e médias oficinas. A cidade desenvolveu um expressivo centro comercial e, na primeira década do século XX, estavam instalados 163 pequenos estabelecimentos industriais, com um total de 642 operários. Segundo Rosa (1997), se levarmos em conta que a concentração de trabalhadores em grandes fábricas é um pressuposto para a organização dos movimentos operários, pode-se dizer que a dispersão geográfica do operariado ribeirão-pretano (média de quatro operários por empresa) pode ter sido um obstáculo, nas primeiras décadas do século, para o desenvolvimento de sindicatos e associações de classe. A organização operária nessa época era pouco expressiva e pouco organizada, refletindo o que ocorria no restante do país. Sua liderança era disputada por socialistas, sindicalistas e anarco-


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sindicalistas. Não existia uma liderança partidária, como ocorreria a partir da criação do Partido Comunista do Brasil, em 1922. Os primeiros movimentos grevistas e a formação da primeira associação sindical em Ribeirão Preto só apareceram após a realização do Primeiro Congresso Operário Brasileiro que aconteceu em abril de 1906, com participação de socialistas e principalmente dos anarquistas. A principal resolução desse congresso foi a luta pela “jornada de 8 horas”. A imediata repercussão deste Congresso foi a greve dos ferroviários da Mogiana em maio de 1906, em Campinas e Jundiaí, e que acabou arregimentando outras categorias na capital paulista. A greve terminou no final daquele mesmo mês, esmagada pela polícia.

Foto tirada em 11 de agosto de 1926 mostra a comissão que promoveu a festa dançante em benefício da UGT, fundada em 30/03/1925. De pé, da esquerda para a direita: 1- Leonel Fracasso; 2- Vitaliano Mauro; 3- João Pontim; 4- Rômulo Pardini; 5- Sem identificação. Sentados, da esquerda para a direita: 1- Ângelo Scarpino; 2Erico Classen; 3- Angelo de Gaetani; 4- Gustavo Wiermann.

“Em maio de 1907, movimentos grevistas explodiram novamente em São Paulo com alguma repercussão em Ribeirão Preto, onde cerca de 300 trabalhadores de várias oficinas se reuniram no dia 15 de maio na União Italiana e decidiram entrar em greve no dia seguinte. Já existia naquela época a Liga Operária de Ribeirão Preto (de provável orientação anarquista) que organizou os trabalhadores locais para aquele movimento, distribuindo panfletos e convocando assembléias, conforme foi noticiado no Diário da Manhã, em 1º de maio de 1910. No primeiro dia de greve, um dos seus líderes, Alfredo Farina, anarquista e diretor dos jornais “Il Messagero” (1906) e “Lo Scuddio” (19071927) chegou a ser preso. A seguir, a Mogiana aceitou a jornada de 8 horas para evitar que seus trabalhadores aderissem ao movimento. Ribeirão, assim, participou dos últimos anos da onda de greves que assolou São Paulo entre 1901 e 1908.” (ROSA, 1997, 35).

Nos anos seguintes, iniciou-se uma embrionária organização dos trabalhadores em Ribeirão Preto. Foram criadas associações de classe como a União dos Viajantes, em 21/12/1913, a Associação dos Empregados no Comércio, em 07.07.1920 e a Associação dos Condutores a Tração Animal, em 26.09.1923. Segundo ainda Rosa (1997), essas organizações incluíam núcleos de assistência social e se comprometiam a lutar pelos direitos econômicos de seus associados. Mas em 30.03.1925, surgiu a União Geral dos Trabalhadores, conhecida pela sigla UGT, a mais expressiva organização sindical de Ribeirão Preto, na primeira metade do século.


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“A limitada, porém ativa atuação dos comunistas no movimento operário, entre 1922 e 1925, fixou-se na propagação das idéias comunistas e na luta contra socialistas e anarco-sindicalistas pela hegemonia do movimento sindical. Apesar de toda a repressão policial do governo de Arthur Bernardes, o trabalho para tornar o PCB o único partido “capaz de liderar a massa operária” intensificou-se e passou a ter maior expressão na segunda metade da década de 20, após a realização do II Congresso do PCB, quando foi constatado o pouco resultado obtido até aquele momento.” (ROSA, 1997, 40).

Como já foi analisado, aparentemente as poucas greves ocorridas em Ribeirão, entre 1907 e 1920, foram de orientação anarquista. Este grupo também teria influenciado a criação da Liga Operária de Ribeirão Preto, a primeira instituição de defesa de classe criada na cidade. Interessante perceber como que Ribeirão seguia o padrão nacional: nossos primeiros movimentos operários e sindicais tinham como protagonistas os imigrantes e os filhos de imigrantes quer entre anarquistas, quer entre comunistas. Como resultado da ação dos anarquistas e comunistas, foi fundada a União Geral dos Trabalhadores de Ribeirão Preto, popularmente conhecida até hoje como UGT. Segundo Rosa (1997), no caso da UGT, uma análise de seu primeiro estatuto permite inseri-la no contexto do movimento sindical marcado por influências ideológicas variadas, o que estava de acordo com as orientações do III Congresso da Internacional Comunista, que sugeria a “política de Frente Única”. Em sua pesquisa nos arquivos do DEOPS de São Paulo, ela encontrou dados interessantes, inclusive relatórios de policiais que trabalhavam disfarçados dentro da UGT. Entrevistou militantes do PCB que chegaram a afirmar que a UGT foi fundada por comunistas, mas a polícia acreditava que fora pelos anarco-sindicalistas e que, somente a partir de 1928, é que os estatutos foram reformados e os comunistas passaram, de fato, a dominá-la. Estes procuraram conservar a “sindicalização livre”, desobedecendo à lei que exigia o registro em cartório dessas entidades. O mais provável é que a UGT tenha sido fundada por simpatizantes comunistas sem vínculo orgânico com o partido, como Guilherme Milani, Rômulo Pardini, Gustavo Wierman e João Pontim que eram observados assiduamente pela polícia ribeirão-pretana, que os considerava como líderes comunistas da cidade até o final da década de 30. Mas somente mais tarde eles engajaram-se como militantes de relevância no PCB. Vejamos a primeira diretoria da UGT-RP, pesquisada por Rosa (1997): Cargo

Nome

Presidente Vice-Presidente Secretário Geral Secretário de Atas Tesoureiro Suplentes

Guilherme Milani (vendedor) João Pontim (nome ilegível na documentação) Orestes Raioli Rômulo Pardini (sapateiro) Armando Pardini e Raphael dos Santos Pedro Pontim, Ettore Gerbi, Domingos Conella, João Crivelim, Moysés N. De Oliveira Demétrio Conelli, Delmis Barboza, Manoel Rosa, Aldo Montovani, Francisco dos Santos Nilo Donegá

Junta Cooperativa Junta de Socorros Recebedor de Contribuições


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O público assiste atenciosamente a uma palestra na sede da União Geral dos Trabalhadores (UGT) na década de 1950. Atualmente é um prédio tombado, propriedade da Associação Cultural e Ecológica Pau Brasil que tem aí a sua sede juntamente com a Associação Amigos do Memorial da Classe Operária-UGT.

Era eclético o quadro de sócios da UGT-RP. Havia sapateiros, alfaiates, funcionários públicos, dentistas, ourives, vendedores, advogados, professores e até negociantes. Segundo Rosa (1997), a presença marcante de autônomos e pequenos negociantes, ou seja, trabalhadores sem patrão pode ser explicada pela ausência da pressão patronal sobre essa categoria, o que lhes permitia uma ação sindical mais independente. Sua primeira sede localizava-se na Rua Duque de Caxias, nº 11. Os estatutos da entidade exigiam dos sócios “bom procedimento na sociedade e fora dela...”, evitando principalmente o alcoolismo, contribuindo para o funeral dos associados falecidos, comparecendo a enterros, etc. Uma das realizações mais concorridas eram as festas para arrecadação de fundos, reuniões semanais de conscientização e a festa de 1º de maio, quando faziam comícios e passeatas.

O PCB EM RIBEIRÃO PRETO NA DÉCADA DE 1920 Sebastião Geraldo, em sua dissertação de Mestrado “O Resgate da memória proletária em Ribeirão Preto” apresentada à Escola de Comunicações e Artes da USP, em 1990, chegou a entrevistar vários militantes comunistas em interessante trabalho de História Oral. Um deles, Antônio Girotto, ativista desde a década de 40, forneceu importantes informações sobre os primeiros anos da atuação dos comunistas na cidade. Afirmou, por exemplo, que o primeiro núcleo comunista surgiu em Ribeirão Preto entre 1922 e 1923, formado por Guilherme Milani, Rômulo Pardini (egressos do movimento anarco-sindicalista) e Gustavo Wierman (pedreiro). Wierman militou no PCB, comitê municipal de Ribeirão Preto, nas décadas de 20 e 30. Podemos assim considerar que o núcleo de comunistas de Ribeirão Preto deve ter sido um dos primeiros a se organizar no país. Milani residiu na capital antes de mudar-se para Ribeirão. Em São Paulo, era conhecido pela polícia como anarquista fervoroso. Seu nome consta em relatórios de um agente secreto enviado à Delegacia de Ordem Política e Social em 25 de setembro de 1912, já o indicando como um dos líderes comunistas de Ribeirão.31 31

Registro Geral nº 257.151, caixa 11, arquivo do DEOPS – SP, in ROSA, 1999, p. 55.


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Segundo Rosa (1997), a partir de 1928, a liderança dos comunistas dentro da UGT tornouse hegemônica, superando os chamados “amarelos ou reformistas”. “A Classe Operária”, jornal de orientação ideológica, criado pelo PCB em 1925, teve papel importante para uma eficiência maior na organização dos comunistas em Ribeirão Preto. Mas no interior de São Paulo, o PCB chegou a formar núcleos de grande importância política e sindical e o de maior destaque foi, sem dúvida, o de Sertãozinho. Nessa cidade, um ativo grupo de comunistas se reunia na Liga Operária Orestes Lascala, sob o comando de Theotônio de Souza Lima, fabricante de foguetes que aderiu ao partidão depois de ler um exemplar de “A Classe Operária”. Tinha um órgão próprio de propaganda, o “1º de Maio”, e participou da organização do Comitê Regional do PCB em São Paulo, através do comerciário Sebastião Pintaúde. Ideologicamente mais coeso e amadurecido, o grupo de Sertãozinho pretendia conquistar “para a luta nacional e internacional das classes, os 15 mil trabalhadores da cidade.” 32 As orientações do III Congresso do PCB, em 1928 e 1929, serviram para revigorar a atuação das células comunistas, especialmente em Santos, Ribeirão Preto e Sertãozinho. Assim, líderes da capital chegaram a visitar essas três cidades nesses anos. “A consequência desse contato foi a implantação, em Ribeirão Preto, do BOC (Bloco Operário e Camponês), organização de frente política, com plataforma de reformas sociais e políticas e que deveria abrigar os candidatos do PCB, pela impossibilidade real de participação nas eleições, desde que foi aprovada a Lei Celerada de 1927 que proibia o PCB de atuar publicamente. Mas, apesar da política de Frente Única, o BOC acabou se transformando em uma organização quase exclusivamente comunista. No entanto, nas eleições de 1929, o BOC de São Paulo orientou seus partidários a votarem nos candidatos do Partido Democrático, dissidência do PRP, contrariando decisão do comitê central do PCB. Tudo indica que os comunistas de Ribeirão Preto seguiram a orientação do BOC paulista. A partir do III Congresso do PCB, o BOC separou-se do PCB e passou a ser uma organização de frente, dentre outras no Brasil.” (ROSA, 1997, 98).

Segundo ainda Rosa (1997), em Ribeirão Preto, a atuação do BOC esteve ligada ao núcleo comunista e, consequentemente à UGT até 1930, quando ainda é possível constatar a ligação entre seus candidatos e os militantes do PCB. A partir do registro dos novos estatutos em fevereiro de 1929, a ação comunista na UGT passou a ser declarada, tornando essa instituição a sede do comitê municipal do Partido Comunista em Ribeirão Preto. Isso coincidiu com o fim da política de “Frente Única” e da adoção da política de “classe contra classe”, feitas no VI Congresso da Internacional Comunista em 1928, o que levou o PCB a atuar de forma mais sectária, propugnando a revolução armada. A nova diretoria de 1929, mais enxuta que a anterior, com grande destaque político para o Secretário Geral (bem aos moldes do PCB), já deixava perceber esses novos tempos da UGT-RP:

32

Cargo

Nome

Presidente

Pedro Campana

Vice-Presidente

João Pontim

Tesoureiro

Domingos Benetti

Secretário Geral

Angelo Pontim

Secretário de Atas

Guilherme Milani

1º Secretário de Expediente

(ilegível na documentação)

2º Secretário de Expediente

Henrique Covre

Jornal “1º de Maio”, ano I, 22.05.1926, número 2, in ROSA, 1997, p. 69.


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Outros militantes importantes, que inclusive atuaram na revisão dos estatutos foram: prof. César Tupynambá Roselino, Angelo de Gaetani, Izaac Camargo e Canuto Barbosa Vieira. A arrecadação de fundos, agora, era para financiar a propaganda e a formação política dos trabalhadores e também para socorrer as famílias dos “camaradas” presos. Todos os organismos de assistência e socorro perderam importância, mas não chegaram a desaparecer, pois eram mecanismos que auxiliavam a sindicalização e o apoio de muitos trabalhadores. Incentivaram-se o ingresso de jovens e mulheres e a organização da “secção feminina” e da “juventude comunista”. Já era possível sentir no final dos anos 20 os primeiros indícios, mesmo que embrionários, da política obreirista na atuação dos comunistas de Ribeirão Preto. Propunha-se a transformação da UGT em federação sindical de zona que não chegou a ser concretizada, porém mesmo assim, a sua influência no meio sindical regional cresceu naquela época.

CONSOLIDAÇÃO DO PODER LOCAL A década de 20, no aspecto político, representou também o apogeu e a derrocada de uma era. O zênite dessa conjuntura veio em agosto de 1921, quando o presidente da República, Epitácio Pessoa, veio a Ribeirão lançar a pedra fundamental da Eletrometalúrgica. Na ocasião, ele fez um discurso, referindo-se a Ribeirão Preto como o “coração do estado” e declarando que “a mais elementar das noções de interesse público aconselhava suporte perseverante à economia cafeeira”. A indicação pouco depois de Veiga Miranda para o Ministério da Marinha foi recebida na cidade como uma verdadeira apoteose. A influência política de Ribeirão estava fincada no coração do governo! O poder de Quinzinho da Cunha estava no auge. Praticamente, todos os seus adversários estavam derrotados, como Schimdt, ou aderiram à sua liderança. Agora, o poderoso coronel podia desfiar o seu lado mais generoso e complacente. Era o incontestável. Chegou a mudar até mesmo o perfil de seus apadrinhados. Agora, ele passou a escolher como candidatos ou a indicar para postos não eletivos figuras que representavam mais a cultura citadina da belle époque da capital do café. Em 1922, os festejos comemorativos do Centenário da Independência foram realizados em Ribeirão com grande regozijo cívico. Um álbum comemorativo editado pelo prefeito João Guião explodia orgulho e o otimismo dos ribeirão-pretanos. Ninguém sequer desconfiava dos anos difíceis que estavam pela frente. Os ventos de mudança já começavam a soprar no início dos anos 20. Ventos que vinham da Semana de Arte Moderna, realizada na capital do estado, mas também do Forte de Copacabana, na capital da República. Os jornais “O Diário” e “A Cidade” davam ampla cobertura à campanha nacional do “voto secreto”. A REVOLTA MILITAR DE 1924 E SUA REPERCUSSÃO EM RIBEIRÃO PRETO A rebelião tenentista de 1924, liderada na capital do estado pelo Gal. Isidoro Dias Lopes, abalou a capital do café. Era o primeiro forte desafio ao poder oligárquico no estado cafeeiro. A Câmara de Ribeirão Preto, por unanimidade de seus membros, solidarizou-se com a “ordem estabelecida”, naquele momento, chefiada pelo presidente Arthur Bernardes.


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A situação política local organizou uma milícia que manteve a ordem dentro do município e tentou impedir que a rebelião chegasse à região. Por trás de tudo, a orientação e a habilidade de Quinzinho da Cunha. Mas havia em Ribeirão vários elementos simpáticos à Revolução, incluindo os diretores do jornal “A Tarde”. Após o fracasso do movimento, agentes da repressão vieram à cidade para eliminar os focos de oposição e pediram a Quinzinho para apontar seus inimigos. Ele respondeu “Eu não tenho inimigos”. Este seu gesto seria lembrado até por seus adversários durante muito tempo.

CRISES DOMÉSTICAS E A OPOSIÇÃO EMERGENTE

Rua Amador Bueno em 1929.

Acompanhemos as informações de Walker e Barbosa (2000) sobre os últimos anos da República do Café em Ribeirão Preto. Novo confronto político instalou-se em abril de 1925, quando a Executiva Estadual do PRP resolveu escolher candidatos a deputado estadual diretamente sem consultar os diretórios municipais. Quinzinho rompeu politicamente com a direção regional de seu partido e demitiu-se da condição de chefe político local. Agora ele estava com a faca e o queijo na mão e se sentia em condições de desafiar a própria oligarquia. Tal era seu prestígio, que vários diretórios de outras cidades decidiram se dissolver em solidariedade a ele. Foi uma grave crise política. Na eleição estadual que se seguiu, Quinzinho deu ordem de boicote geral à votação: só compareceram 25 pessoas nas sessões eleitorais! A situação de conflito perdurou até 1927, quando a executiva estadual decidiu habilidosamente apoiar a candidatura de Fábio de Sá Barreto - correligionário de Quinzinho - para a Câmara Federal. Enquanto isso, novas forças políticas começavam a surgir em Ribeirão Preto, fora do Partido Republicano. Isso já era reflexo da crise política que tomava conta do país no final da década de 20. Em 1926, surgiu um partido fascista, organizado por antigos imigrantes italianos que chegaram a publicar artigos favoráveis a Mussolini na imprensa local. Mas logo caiu no vazio. Aliás, quando na década seguinte, a Ação Integralista Brasileira foi organizada em Ribeirão, esta foi integrada por outros elementos diferentes, de nacionalidade brasileira majoritariamente. Conforme Walker e Barbosa (2000), de maior significado foi o Partido Democrático (PD) lançado em Ribeirão a 14 de julho de 1926 com grande estardalhaço. Possuía uma liderança jovem que pretendia “aperfeiçoar o sistema político vigente”. Evidente que não representavam sentimentos mudancistas muito fortes: “nós propomos, neste sentido, a organização de partidos políticos que lutem


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pela real representatividade e honestidade eleitoral através do voto secreto. Isto e nada mais...” (WALKER & BARBOSA, 2000, 46). Mas ele foi importante pelas novas práticas partidárias que passou a adotar na sua organização interna, bem como por servir como escola política de futuras lideranças do pós-30. Era uma oposição institucional a um sistema não democrático. E, de sobra, ainda colocou o PRP na defensiva, forçando-o a uma limitada e tardia reciclagem. Mas a força eleitoral do PD em Ribeirão foi pífia. Numa eleição de 30 de outubro de 1928, o PD não foi capaz de eleger nenhum vereador, tendo recebido somente 14, 46% dos votos

UMA PEQUENA HISTÓRIA DA ORIGEM DO NOSSO RÁDIO: A PRA-7 A Rádio Clube de Ribeirão Preto, mais conhecida na história do nosso rádio como a PRA-7, é a primeira emissora do interior do Brasil, a segunda do estado de São Paulo e a sétima emissora a entrar em operação no país, ficando atrás das rádios: Clube de Pernambuco, Sociedade do Rio de Janeiro, Sociedade Educadora Paulista, Sociedade da Bahia, Clube Paranaense e Clube do Brasil do Rio de Janeiro. O melhor e mais completo estudo da história da PRA-7 foi feito por André Luiz Rezende e Gil Santiago, publicado em 2005 pela São Francisco Gráfica e Editora sob o título “PRA-7: a primeira rádio do interior do Brasil”. É com base nesta pesquisa que falaremos rapidamente sobre a história desta emissora pioneira de Ribeirão Preto. Há um consenso geral entre os historiadores do rádio no Brasil de que a data atribuída à fundação da PRA-7 seja 23 de dezembro de 1924. Para Rezende e Santiago, “... a Rádio Clube de Ribeirão destaca-se como a sexta (emissora) do interior do país na relação dos prefixos concedidos pelo governo federal, conforme a Relação das Estações brasileiras de Radiodifusão publicada pela revista Carioca em 19 de setembro de 1936. Faz-se necessário ressaltar que não foi atribuído o prefixo PRA-1. A identificação das emissoras pelo Ministério das Viação e Obras Públicas, começou pelo prefixo PRA-2, atribuído à Rádio Sociedade do Rio de janeiro” (REZENDE & SANTIAGO, 2005, 28-29).

ATA DA REUNIÃO DE FUNDAÇÃO DA PRA-7 “Realizou-se na quarta-feira última, no palácio do Sr. Coronel Francisco Maximiniano Junqueira, uma reunião de elementos de destaque da nossa melhor sociedade, cujo fim primordial é a fundação nesta cidade de uma sociedade destinada a pugnar pelo progresso da radiotelephonia em toda esta zona do interior do estado. Compareceram cerca de 50 pessoas à reunião, dentre as quais vários capitalistas e agricultores, tendo ficado resolvida a instalação de uma poderosa estação transmissora nesta cidade, com capacidade de 5 watts, e cujo alcance de quilômetros deverá ser de 2000 aproximadamente, isto é, capaz de atingir a maior parte do território brasileiro. Em outra próxima reunião, com maior número de associados, será escolhida a seguinte diretoria: Presidentes: Dr. Jorge Lobato e Sr. Adalberto H. de Oliveira Roxo; vice-presidente, Dr. Odilon de Amaral Souza; 1° tesoureiro, Dr. Álvaro Cayres Pinto; 2º tesoureiro, Sr. Lauro Ribeiro; 1° secretário, Sr. Farmacêutico José de Paiva Roxo; 2º secretário, Sr. B. Corsino. A Comissão Técnica ficará constituída pelos Srs. Drs. Odilon de A. Souza , Antônio Soares Romeo e F. O. Gorde e a comissão


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elaboradora dos estatutos sociais pelos Srs. Drs. Álvaro Cayres Pinto e Camilo de Mattos”. (In REZENDE & SANTIAGO, 2005, 31) Tudo indica que a emissora já estivesse em operação e que esta reunião serviu para oficializar a sua criação, tanto que a comemoração de sua oficialização ocorreu em meio a transmissões feitas a partir do pequeno transmissor artesanal de 5 watts, segundo Rezende & Santiago (2005). Os estatutos da Rádio Clube foram aprovados e registrados no Cartório de Registro Geral de Ribeirão Preto, em 1º de janeiro de 1925 e, no dia 8 de março, ocorreu a publicação no Diário Oficial do Estado. Por estes estatutos, a emissora iria atuar “exclusivamente para fins educacionais, científicos, técnicos e artísticos, com completa abstenção de assuntos políticos, industriais e comerciais e, portanto, sem visar lucro de nenhuma espécie”. Em fins de 1925, a PRA-7 obteve autorização oficial para operar com 10 watts, sob o prefixo SQ1-K, através de um transmissor construído pelo Sr. Corsino. Já por esta época, o comerciante José Claudio Louzada, proprietário da Casa São Benedito que vendia artigos de couro, localizada na Rua Gal. Osório, 123-A, procurou se aproximar dos diretores da emissora. Ele era radioamador desde 1920 e um apaixonado pela radiodifusão e assíduo ouvinte das emissoras da Europa e dos Estados Unidos. Assim, na segunda diretoria eleita em 1928, Louzada já figurava como Diretor Técnico, tendo como presidente o Sr. Dr. Raphael Pirajá, secretário, o Sr. Ignácio Luiz Pinto e tesoureiro, o Sr. Max Bartsch. Em 24 de setembro de 1929, Louzada inaugurava um novo transmissor de 20 watts. A emissora funcionava em sua casa, na Rua Mal. Deodoro e, segundo Rezende e Santiago, “o programa inaugural do novo transmissor teve discurso do Dr. João Palma Guião, apresentação do Quinteto Max, dirigido por Max Bartsch e do grupo Regional Quatro Vogaes, sob o comando do prof. Alcides Guião” (2005, 34). Nesta época, quatro alto-falantes instalados sobre o Bar da Antarctica, localizado onde está hoje a fonte luminosa, transmitiam a programação da PRA-I, o novo prefixo da emissora, para o footing em torno da Praça XV. No início dos anos 30, além da contribuição dos sócios, a emissora passou a receber contribuições de sócios beneméritos. Um deles, Sr. Lauro Ribeiro, gerente da Caixa Econômica Federal, apresentou o Prof. José da Silva Bueno, de Franca, para José Claudio Louzada. Bueno era outro aficionado por radiodifusão, já montara transmissores com recursos próprios. Bueno veio a Ribeirão e levou o transmissor de Louzada para consertá-lo em Franca. Deste contato inicial, nasceu a amizade e a parceria entre dois homens que são os grandes responsáveis pela consolidação da PRA-7. Mas naqueles começos, tudo era muito difícil, era todo um esforço explicado pelo amor ao rádio, sem nenhum interesse pelo lucro ou pelo poder. “A programação começava às nove horas e ia até o meio-dia. Ao meio-dia, parava e fazia aquele intervalozinho e recomeçava às cinco horas”. É o depoimento do técnico Jacinto Rodrigues Silva, auxiliar de Bueno, citado por Rezende & Santiago (2005, 37). Em 7 de junho de 1930, Louzada transferiu os estúdios da sua emissora para um espaço do sobrado da Sociedade Legião Brasileira de Cultura e Civismo de Ribeirão Preto, localizado onde hoje se encontra o Edifício Pe. Euclides. Um novo transmissor, eficiente e moderno, com quase todas as peças importadas dos EUA, com 50 watts de potência, foi construído por Bueno e entrou em operação em 1932. No mesmo, foi conseguida a autorização oficial para a inserção de anúncios comerciais. Bueno, convidado por Louzada, mudou-se com a família e suas oficinas para Ribeirão Preto, e construiu com o amigo a empresa Louzada, Bueno & Cia., especializada em equipamentos, desenvolvimento de projetos, construção e montagem de transmissores e estações radiodifusoras. Sucessivas diretorias durante os anos 30 foram dando à Rádio Clube a estatura de uma grande


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emissora. Louzada acabou assumindo mais o lado financeiro da empresa, enquanto Bueno, agora membro de várias diretorias, era o responsável técnico. Dia 14 de janeiro de 1934 é data marcante na história da Rádio Clube. Ela marca a inauguração do nosso transmissor de 500 watts e novos estúdios no edifício Alzira Maldonado, localizado na Rua Tibiriçá, nº 26. Este novo transmissor foi quase totalmente construído em Ribeirão Preto, verdadeiro mutirão entre técnicos e empresas da cidade. Neste mesmo dia, ocorreu a troca de prefixo: de PRA-I para PRA-7 que vai consagrar definitivamente a história da Rádio Clube. Dos pouco mais de 700 receptores, por volta de 1932 em Ribeirão, agora podiam ser contados aos milhares. “E, assim, José Claudio Louzada e José da Silva Bueno realizavam o desejo de viver do rádio e para o rádio. Afinal, em tudo o que faziam tinham em primeiro lugar o toque do coração. Ao mesmo tempo, realizavam o sonho de uma cidade. O ribeirão-pretano fazia questão de manifestar o orgulho que sentia da Rádio Clube, que com a PRA-7, começava a escrever uma nova página na história da comunicação brasileira” (REZENDE & SANTIAGO, 2005, 52).

O falecimento de José Claudio Louzada, em 6 de junho de 1938, deixou um lugar vazio na história do rádio em Ribeirão. A empresa passa, então, por grande reestruturação. Em 1941, é transformada em Sociedade Anônima. Para isso, foi adquirida para a emissora toda a aparelhagem pertencente ao Sr. José da Silva Bueno no valor 235 contos de réis. A viúva de Louzada, Ghesia Sampaio Louzada, recebeu 65 contos de réis por outros bens. Ambos passaram a figurar como acionistas da nova empresa na proporção de seus créditos. Novos estatutos foram aprovados, novo capital social ficou definido no valor de 300 contos de réis, dividido em 3 mil ações no valor de 100 mil réis cada uma. Uma nova diretoria foi eleita, tendo como presidente o Monsenhor João Laureano, como Diretor-Superintendente o Sr. José da Silva Bueno e como Secretário, Mario Arantes França. No decorrer das décadas de 40 e 50, a PRA-7 foi se aperfeiçoando tecnicamente cada vez mais com a autorização para operar em ondas curtas e tropicais, conseguindo também a concessão da emissora em frequência modulada (FM). Em janeiro de 1945, Bueno alugou o prédio do antigo Cassino Antarctica, localizado na Rua Américo Braziliense, nº 20, esquina com a Rua Amador Bueno, por sugestão de Sebastião Porto, e o transformou no Auditório Carlos Gomes, com capacidade para 500 pessoas. Embaixo do palco, ele montou um estúdio de gravação. Era a “Era de Ouro” do rádio e se iniciava a “Era de Ouro” da PRA-7. A emissora operava então com 730 kilocyclos, com ondas de 411 metros. Os estúdios secundários e os escritórios continuaram funcionando na Rua Tibiriçá, nº 26. Sede da Rádio Clube de Ribeirão Preto, a PRA-7, entre 1956 e 1980, na Rua Barão do Amazonas, esquina com a Av. Francisco Junqueira.


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Em março de 1953, a PRA-7 foi simplesmente despejada do prédio alugado que ocupava por ação da proprietária, Sra. Alzira Maldonado. Isso forçou Bueno a iniciar a construção de uma sede própria, sonho acalentado por longos anos, no terreno já adquirido de Oscar de Moura Lacerda, na esquina da Rua Barão do Amazonas nº 35, esquina com a Avenida Francisco Junqueira. Com projeto do arquiteto Secundino Spínola e do engenheiro Hélio Foz Jordão, nascia o celebrado Palácio do Rádio, de saudosa memória dos ribeirão-pretanos. O prédio somente ficou pronto em 1955 e foi o primeiro edifício do Brasil construído exclusivamente para abrigar uma emissora de rádio. A maior parte dos recursos para a construção do Palácio do Rádio veio da venda das emissoras de São José do Rio Preto e de Catanduva que faziam parte do grupo, e da venda de alguns bens pessoais de José da Silva Bueno. O restante veio do capital social da Rádio Clube e do dinheiro arrecadado através dos ouvintes que pagavam uma taxa por pedidos musicais. A inauguração do Palácio do Rádio aconteceu em meio às comemorações dos festejos do Centenário de Ribeirão Preto e aconteceu em 28 de janeiro de 1956. Sobre a programação da PRA-7, teríamos muito a colocar nestas páginas. Deixemos para Rezende e Santiago na sua cobertura espetacular sobre a Clube nos seus anos de ouro. Somente adiantamos que sempre se destacou no jornalismo e no esporte com uma cobertura minuciosa dos acontecimentos locais e nacionais. Ela teve em seus quadros um verdadeiro cast de talentos locais e de fora e participou da formação profissional de muitos que fizeram nome em outras grandes emissoras do país. Produziu durante vários anos programas de auditório que fizeram época e peças de radioteatro e radionovelas que chegaram a ser comercializadas com outras emissoras. A PRA-7 foi uma verdadeira fábrica de sonhos. Em 1962, José da Silva Bueno transferiu a PRA-7 para a Cruzada Mundial Evangélica, instituição religiosa com sede nos Estados Unidos, entrando numa fase de longa decadência. Era o fim de uma era. O arauto do rádio em Ribeirão foi levado a isso, sem outras alternativas de sobrevivência. Ofereceu antes a emissora para a Igreja Católica. A Cúria se desinteressou alegando falta de recursos. Foram vários os fatores que explicam a venda da PRA-7, principalmente a concorrência comercial e de audiência com a Rádio 79, que entrou no ar em 1953, a Rádio Colorado, a Rádio Braziliense e a Rádio Cultura. No final de 1966, Ticiano Mazzetto, empresário bem sucedido e presidente da Sociedade Recreativa de Esportes, adquiriu junto à Cruzada Mundial Evangelística a PRA-7 Rádio Clube AM, os canais de ondas curtas e frequência modulada, o prédio do Palácio do Rádio e a área da torre de transmissão no bairro Monte Alegre. Ele implementou de imediato um projeto que buscava a recuperação técnica, artística e financeira da emissora e esta pôde voltar aos seus bons tempos. Voltou a época dos grandes comunicadores e entraram em cena Íris Ribeiro, Corauci Neto, Caparelli, Sebastião Xavier, J. Beschizza, Jovino Campos, Totinha, Wilson Roveri, Celesti Pastori e tantos outros. Em 1972, Mazzetto modificou a identificação da emissora com a supressão do tradicional prefixo PRA-7 e a adoção do prefixo ZYR 50. Era o início da construção da marca Clube, dissociada da PRA-7. Em 1976, entrou no ar a Clube FM, a primeira emissora de frequência modulada de Ribeirão Preto, apesar de já ter a concessão desde 1950. Em 1980, os irmãos Pizzani assumiram a PRA-7, mas o prédio da Rua Barão do Amazonas não foi incluído na transação. Com a imagem já desgastada pelo tempo, os novos proprietários transferiram a sede da emissora para a Avenida 9 de julho, criando o Sistema Clube de Comuni-


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cação. Surgia a Casa da Clube, numa jogada de marketing e de custos, na opinião de Pedro Bom (citado in Rezende & Santiago, 2005, 88).

O FIM DE UMA ERA

Camilo de Matos, o último prefeito da República do Café em Ribeirão Preto.

Camilo de Mattos nasceu em Rio Novo (MG) em 13 de dezembro de 1892, filho de Joaquim de Oliveira Mattos e Ambrosina Mattos, vindo para Ribeirão Preto com a família por volta de 1910. Em 1923, foi eleito vice-prefeito de Ribeirão Preto. Ainda


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em 1926, retornou ao cargo de vice-prefeito. Entre 1925 e 1927, presidiu o Comercial de Ribeirão Preto, sendo o seu 9º presidente. Foi presidente da Câmara Municipal e, depois, suplente de deputado pelo Partido Republicano Paulista (PRP). Faleceu em Ribeirão Preto em 24/08/1945, no mesmo ano em que seu filho, Luiz Augusto Gomes de Mattos, assumiu a prefeitura de Ribeirão Preto.

A primeira resposta da elite cafeeira à crise mundial de 29 foi marcada por uma mentalidade de “estado de sítio”, nas palavras de Walker e Barbosa (2000). A eleição de Júlio Prestes para a sucessão de Washington Luiz na presidência passou a ser vista como caso de vida ou morte para os cafeicultores da região. A recusa em apoiar um candidato mineiro (Antônio Carlos), integrado ao esquema do “café com leite”, tinha razões de sobra. A candidatura da Aliança Liberal (Vargas) era o fim. Como de fato ocorreu com a Revolução. Assim, em agosto de 1929, a Câmara Municipal de Ribeirão Preto endossou com unanimidade a candidatura de Júlio Prestes e a situação política local garantiu-lhe 3.278 votos, ou seja, 84,65 % do total. Houve denúncias de fraude, violências e compra de votos. Denúncias que vinham, sobretudo, do PD. No caso específico de Ribeirão, nenhuma manipulação a mais, além da já tradicional. Contudo, Fábio de Sá Barreto, ribeirão-pretano que ocupava a pasta do Interior no governo do estado, foi denunciado e chegou a ser investigado por desvio ilegal de altas somas de dinheiro público para a campanha de Prestes. Foi uma “vitória de Pirro”. A desmoralização da elite cafeeira era grande, os grupos formadores de opinião estavam virtualmente rompidos com a chamada “ordem estabelecida”, era evidente a falta de sustentação política para que o novo presidente pudesse resolver os graves problemas econômicos e sociais da nação. Enquanto isso, Quinzinho da Cunha caía gravemente enfermo e a elite política de Ribeirão se envolve numa luta amarga e fratricida pelo espólio da liderança do grande chefe. Estavam se massacrando por nada... Vários desiludidos, prevendo o fim próximo de toda uma geração política, preferiram abandonar a vida pública e renunciaram às suas funções. Como fez o vice-prefeito Antônio Rodrigues da Silva. Ficava claro, então, que, com um partido desmoralizado e um líder velho e enfermo, a elite local estava em uma posição muito debilitada para defender o “status-quo”, quando a revolução finalmente aconteceu em outubro de 1930. Uma inglória tentativa foi feita para organizar um “batalhão patriótico” com o objetivo de defender a legalidade. Essa ideia foi posta de lado, pois não havia o mínimo apoio popular para tal. As notícias da vitória da revolução foram recebidas em muitos círculos em Ribeirão Preto, a partir de 25 de outubro, com sinais claros de alívio mais que de entusiasmo. A população foi às ruas para saudar a revolução que não tinha feito, saqueou as oficinas do jornal “A Cidade”, tomou a prefeitura e instalou um governo provisório. Era um tempo de esperança, esperança de que a democracia pudesse finalmente se instalar no Brasil, e que os problemas econômicos, que a todos atingiam pudessem ser solucionados por um governo mais forte. Pouco tempo depois falecia o Coronel Joaquim da Cunha Diniz Junqueira. O velho líder se foi junto com o regime que ele havia sustentado por tantos anos. Estávamos no limiar de um novo tempo para o Brasil, para São Paulo e para Ribeirão Preto.


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Uma planta do quadrilátero central de Ribeirão Preto, de 1932, mostrando os terrenos do patrimônio eclesiástico com seus córregos limítrofes antes e depois da canalização.


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Com a vitória da Revolução de 30 e a ascensão de Vargas ao poder, os cafeicultores não foram abandonados à sua própria sorte. A política de defesa do café foi retomada ainda antes do final daquele ano. O interventor paulista, João Alberto, conseguiu junto ao governo recursos para liquidar os empréstimos obtidos anteriormente pelos fazendeiros e que ainda estavam sem pagamento. O governo preparouse também para intervir nas safras seguintes: a de 1931/1932 era estimada em 18 milhões de sacas.

Rua General Osório, no trecho entre as Ruas Amador Bueno e Tibiriçá. Vê-se na primeiro plano, à esquerda, os estabelecimentos do Photo Sport e da Alfaiataria JB.

A crise do café e seus desdobramentos em Ribeirão Preto As compras foram efetuadas, mas não na quantidade necessária. Um novo imposto sobre a saca exportada foi instituído como uma tentativa desesperada de aumentar os recursos do


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Instituto Paulista de Defesa Permanente do Café, já bastante enfraquecido, e que perderia a sua condição de líder na condução das políticas de valorização para o recém-criado Conselho Nacional do Café. A situação se agravou tanto que a única saída encontrada pelo Conselho foi a destruição de 2,8 milhões de sacas no porto de Santos, em 1931, e de mais de 9,3 milhões no ano seguinte, além da proibição oficial do plantio de novos cafeeiros. Os preços melhoraram um pouco devido à queima dos estoques. As exportações também caíram devido à Revolução de Julho com a ameaça de paralisia dos embarques. A desvalorização posta em prática contribuiu também para manter os preços e, paralelamente, provocou a queda do coeficiente das importações, abrindo agora novos atrativos para os ramos de atividades relacionados ao mercado interno. Durante toda a década de 30, aumentaram os efeitos das duas crises: a superprodução e a crise mundial que reduziu a demanda pelo produto. Essa política permaneceu até o final da 2ª Guerra. Em todo esse período, foram destruídos cerca de 78,2 milhões de sacas. Somente na Fazenda Dumont, foram destruídos 7,5 milhões de pés de café, até 1944, dos 8 milhões existentes antes de 1929. Em todo o estado, foram destruídos mais de 500 milhões de pés, sendo que quase 200 milhões desses eram de regiões novas, formadas entre 1910 e 1920. A produção nacional antes da crise era de 33.934.000 sacas, mas passou, em 1947, para 14.259.000, cerca de 40% menor. Em São Paulo, em 1933, a produção tinha uma média de 22 milhões de sacas e passaria a aproximadamente 7 milhões no período de 1945-1951. Os tempos áureos do café já tinham passado definitivamente. Ribeirão Preto sofreu violentamente todo esse impacto. Os autores falam de uma verdadeira diáspora humana provocada pela crise. Muita gente foi embora. É certo que os campos despovoaram-se, mas as cidades encheram-se ainda mais de gente que chegava de outras regiões, expulsa também pela miséria. Seriam os “peregrinos” ou os “migrantes” de acordo com as palavras de Divo Marino (1977). A urbs atraía, sem dúvida. O modo de vida urbano, já tão alicerçado desde o início do século, irá trilhar novos caminhos, agora sem a sua base agrícola. Alguns cafeicultores venderam tudo o que tinham e dirigiram-se para outras plagas, até para continuar com o mesmo negócio do café, agora em novos patamares. Geremia Lunardelli, antigo empregado do Coronel Francisco Schmidt, chegou a ser o terceiro rei do café na região de Ribeirão Preto (depois de Francisco Dumont e do próprio Schimdt). Agora, vemo-lo, em 1946, cultivando três milhões de pés de café em Sertanópolis, norte do Paraná. Era justamente ali que novos ventos favoráveis estavam soprando para o café na década de 40. Os que ficaram receberam auxílio das políticas oficiais dos governos de Washington Luiz e de Vargas: as compras para o estoque regulador e os preços mínimos pré-estabelecidos, a quota de sacrifício e a desvalorização cambial. Mesmo assim, alguns foram à falência. Outros ainda abandonaram a cultura cafeeira e passaram a se dedicar ao cultivo do algodão e da cana-de-açúcar, como fizeram os Junqueiras. A fazenda Monte Alegre, dentre as muitas do Coronel Schimdt, foi a única que sobrou para o seu filho Jacob Schimdt. Após a crise de 29-30, esta fazenda sofreu muitas modificações, inclusive com milhões de pés de café erradicados. Em 1934, começou o plantio de algodão, de rentabilidade bem menor que o café.


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A diversificação econômica cada vez maior

Praça XV de Novembro, Theatro Pedro II e Edifício Meira Júnior vistos a partir do Theatro Carlos Gomes na década de 30. No centro, o Bar da Antarctica.

A substituição das áreas plantadas com café por outras culturas, como a do algodão, na década de 1930, provocou um redirecionamento de recursos, beneficiando, com isso, as culturas de subsistência e aquelas ligadas ao mercado interno. As outras culturas provavelmente absorveram grande parte do capital e da mão de obra do antigo ciclo cafeeiro. A produção açucareira, por exemplo, não era nenhuma novidade na região. Já em 1917, por exemplo, Pedro Biagi, de sociedade com Mário Bigheti, comprou a fazenda Barbacena, de Joaquim Thomas de Aquino e adquiriu mudas de cana-de-açúcar do Coronel Schimdt, iniciando a produção de açúcar. A primeira safra da usina veio em 1922 e a produção chegou a 6.400 sacas de 60 kg. Hoje, essa usina faz parte da Santa Elisa. A cultura cafeeira manteve-se ainda como a principal atividade econômica do município até metade do século XX. Em 1957, foi criada a Cooperativa dos Cafeicultores da Alta Mogiana com o objetivo de armazenar, beneficiar e padronizar a qualidade do café, além de oferecer assistência técnica, facilitar a aquisição de máquinas e equipamentos a preços mais baixos. Verifica-se a importância desse setor da economia muito tempo depois da crise de 30. Sua influência chega até os dias de hoje. “Pôde ser percebida uma relação entre a evolução dos preços do café e as variações na arrecadação tributária de Ribeirão Preto em determinados anos. Porém, durante a 2ª Guerra Mundial, enquanto os preços do café subiam, a receita caía. Desta forma, podemos dizer que a hipótese de dependência entre o mercado cafeeiro e a economia da cidade não foi verificada.” (LOPES, 2000, 87).

Após 1930, houve uma intensa diversificação das atividades agrícolas e urbanas. A princípio, predominou o algodão, mas a partir da década de 50, começou a se desenvolver de forma mais intensa a cultura da cana-de-açúcar. “Não há argumentos suficientes para afirmarmos que a crise econômica cafeeira não prejudicou a economia local, mas o que pode ser dito é que o fato de Ribeirão Preto ser hoje uma cidade basicamente comercial e de prestação de serviços não é conseqüência da crise de 30. O perfil que a cidade tem hoje é de origem anterior a essa crise. O que pode ter ocorrido é que, após a crise, muitas pessoas que antes investiam na produção


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de café tenham se sentido mais seguras em investir em uma atividade já consolidada na cidade, o comércio.” (LOPES, 2000, 91).

A crise do café afetou, mas não desestruturou o município. A arrecadação de 1936, por exemplo, é praticamente igual à de 1930: podemos dizer que a crise de 29-30 afetou a economia de Ribeirão Preto, mas seus efeitos foram absorvidos em 5 anos. Não foi após a crise que a cidade tornou-se essencialmente comercial, prestadora de serviços e pouco industrializada. Antes de 30, o comércio já era forte e servia de suporte da cultura do café. Hoje não é muito diferente: a cidade é essencialmente comercial e prestadora de serviços, servindo de suporte a outra atividade agroindustrial: a indústria do açúcar e do álcool. A diferença é que Ribeirão Preto hoje se tornou forte centro regional, especializada nesses setores.

As dificuldades para a industrialização O investimento industrial parecia ser a melhor opção para o momento. Era o processo de substituição das importações que tinha início: a produção de bens industrializados cresceu 50% entre 1929 e 1937 no país. Mas, afinal, por que Ribeirão Preto não desenvolveu mais largamente suas atividades industriais? Já vimos que essas atividades, de pequeno porte, já existiam desde o início do século XX, diretamente vinculadas à presença dos imigrantes que aqui chegavam. Mas a ausência de um capital industrial em grande escala ainda não foi devidamente estudada. Existem várias hipóteses. A princípio, a resistência dos fazendeiros de café poderia ter impedido o estabelecimento de indústrias, sob o argumento de que estas poderiam fazer aumentar o preço da mão de obra na lavoura. No entanto, é apenas a opinião de alguns autores. Não temos nenhum movimento organizado neste sentido nas primeiras décadas do século XX. A concentração industrial na região metropolitana de São Paulo, a partir da década de 50, traria a vantagem de ganhos de escala. Afinal, a grande distância do litoral e dos principais centros consumidores, mesmo com a ligação ferroviária, era um grande empecilho para o desenvolvimento industrial da região de Ribeirão Preto. A concorrência de outras cidades da região se fez sentir em determinados setores industriais especializados. Podem ser citados os casos de Franca, Araraquara e São Carlos. Essas cidades desenvolveram sua vocação industrial antes de Ribeirão Preto. Por fim, temos a questão da “vocação” da cidade que foi se consolidando com o tempo.

“Peregrinos” e “migrantes”: projeções para o futuro Divo Marino fez um interessante estudo sociológico sobre Ribeirão Preto: “O Populismo Radiofônico em Ribeirão Preto”. Segundo ele,


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“realmente, depois do ciclo do café, Ribeirão Preto virou ilha: - a influência ou a mensagem de seus homens públicos não ultrapassaram nunca mais os limites do município. Somente depois de 44 anos, em 1974, um ribeirão-pretano de “boa cepa” conseguiu ser secretário de estado – Dr. Paulo Gomes Romeo que ocupou a pasta da educação no governo Laudo Natel.” (MARINO, 1977, 12).

A cidade perdeu a liderança. A diáspora do café levou para terras longínquas aqueles que aqui fizeram riqueza e poder. Muitos deles não eram nativos daqui. Mas aqui haviam feito suas vidas e a de seus descendentes. Ainda, segundo Divo Marino (1977), o “vácuo” do poder começou a ser progressivamente ocupado pelos “peregrinos”. Mas quem seriam eles? Seriam os forasteiros urbanizados, gente capaz para a liderança, aventureiros, falantes e, sobretudo, simpáticos. Muitos eram doutores que chegaram pela Mogiana entre 1940 e 1955 e acabaram sendo candidatos a prefeito e a vereador, diretores da Recreativa, do Comercial e até da Associação Industrial e Comercial! Eram os novos Cassoulets de uma época nova! Pois os nossos peregrinos resolveram reconstruir a cidade! Alguns peregrinos urbanistas compraram alqueires e alqueires de terras nos subúrbios da cidade, lotearam essas terras e venderam esses lotes de 10 por 25 a módicas prestações. E foram surgindo jardins com os nomes de Acácias, Sumarés, Irajás e tantos outros.

Inauguração do pórtico do Bosque. O primeiro, à esquerda, é Sebastião Porto. Da direita para a esquerda, Antônio Machado Santana e José de Magalhães.

Empresários como Abrão Assed e Amim Antônio Calil, políticos que se elegeram prefeitos como José de Magalhães, advogado carioca que se aclimatou bem nessas paragens. Todos eles “recriaram Ribeirão Preto de forma que a cidade permanecesse fiel às suas origens: - metrópole regional, grande empório, mais fenícia do que grega, cidade de prestação de serviços, com magnífica rede de conglomerados universitários, centro médico de renome mundial, cidade que ficou perfeitamente acabada em 1963, quando se iniciou uma nova etapa, o domínio do populismo radiofônico. Obviamente que não foram os peregrinos que deram este perfil à cidade, mas foram eles com sua capacidade empreendedora que alavancaram em definitivo aquele perfil que já vinha do início do século. Mas se a propaganda atraía os peregrinos, gente urbanizada que veio de São Paulo, Rio de Janeiro e outros grandes centros, “sem que profeta algum fizesse a previsão, a isca começou a ser cobiçada por um novo tipo de personagem: o migrante.” (MARINO, 1977, 13). A partir de 1950, a cidade foi invadida pelo migrante, forasteiro diferente que vinha da zona rural ou de pequenas cidades da Alta Mogiana ou do sul ou oeste de Minas Gerais. “Gente que teme ainda a mula sem-cabeça. Aqui chegando, matricula-se num longo processo de assimilação, diante da cultura urbana” (MARINO, 1977, 44).


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Divo Marino (1977) continua seu ensaio sociológico, até alcançar verdadeira teoria da comunicação, para entendermos as diferenças entre as nossas duas emissoras pioneiras de rádio: a PRA-7 e a 79. Para ele, os programas da PRA-7, como sua Rotativa Sonora e o Centro de Debates Culturais (verdadeira universidade aberta), fizeram época em Ribeirão Preto antes da invasão dos migrantes. Esta emissora era um centro de entretenimento, de jornalismo e de difusão cultural, de muita importância para a classe média ribeirão-pretana que, depois, deixou de ouvir rádio. Os peregrinos se entrelaçaram com os que ficaram depois da crise de 30, formando uma nova elite intelectual e política que tiveram sua melhor expressão na PRA-7 em sua fase de ouro. Em 1954, chegou a ZYR-79, com nítida programação popular, de linha política reivindicatória, ligada aos políticos do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Buscava como plateia exatamente a classe trabalhadora, formada pelos migrantes. Segundo o ensaio de Divo Marino (1977), a 79 teria feito sucesso com autênticos operários. Mas não foi o caso: os migrantes não compreendiam ou até temiam um Salvador Salerno, um Bonaparte de Moraes, um Rubem Cione, um Romeu José Fiori. Afinal, eram trabalhadores que ainda traziam na cabeça um mundo rural, agora desenraizado. Não tinham reivindicações sindicais a fazer. Sequer a maioria deles trabalhava no setor industrial. Estavam mais satisfeitos com a água encanada, luz elétrica, radinho de pilha e outras delícias da urbs. A pregação da 79 caíra no vazio. A partir desta constatação, a emissora direciona sua programação para uma linha populista que teve como seu grande expoente Welson Gasparini. É a nova etapa do populismo radiofônico recebido de braços abertos pelos migrantes. Mas já são projeções para um futuro que ainda vamos estudar.

A evolução política da cidade entre 1930 e 1945

Patronato Agrícola Diogo Feijó (Escola Agrícola), na atual área do Hospital Santa Tereza.

A partir da Revolução de 30, os municípios perderam a sua autonomia política e administrativa: os prefeitos passaram a ser nomeados pelos interventores federais nos estados e submeteram-se ao controle minucioso do Departamento de Administração Municipal, mais tarde


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Departamento de Assistência aos Municípios (DAM) no que diz respeito a impostos e gastos da arrecadação pública. Quando da volta da democracia formal, entre 1934 e 1937, a tentativa de ampliar a autonomia foi bastante relativa. Apesar da Constituição de 1934 ter criado novas fontes de arrecadação para os municípios, falhou-se – ao menos em Ribeirão Preto – em promover uma mudança significativa na receita municipal. Só para se ter uma ideia, a receita do município em 1937 não era radicalmente diferente da de 1930.

Panorama geral do período Mas mudaram as despesas do governo municipal: os encargos com a dívida foram reduzidos de 40% para 24% entre 30 e 37 e, no mesmo período, os “serviços públicos em comum interesse com o Estado” e “outros serviços sociais e de assistência” aumentaram de 8% para 14%. A partir de 30, reduziu-se drasticamente a influência política da cidade, sem nenhuma participação direta nos governos estadual e federal. Foram poucos os ribeirão-pretanos que se elegeram para postos de influência. Eleições ocorridas após 1930 Ano

Cargos

Eleitos de Ribeirão Preto

1933

Assembleia Constituinte Estadual

-

1934

Assembleia Constituinte Federal

-

1934

Câmara Federal

João Alves Meira Júnior e Hector Macedo

1936

Câmara Estadual

Albino Camargo Neto

1936

Câmara Municipal, prefeito e juizado de paz

13 vereadores, um prefeito e um juiz de Paz

Fonte: Walker e Barbosa, 2000

Mesmo com a reduzida influência da cidade nas mais altas esferas da política, não quer dizer que os interesses dos seus setores dominantes não se fizeram sentir junto aos governos estadual e federal. Comissões de agricultores, por exemplo, pleitearam ou contestaram diversas políticas junto ao governo, fora, portanto, do âmbito propriamente partidário e eleitoral. Mesmo no nível de lideranças locais, encontramos agora um vazio de poder, como já definira Divo Marino (1977). É notório que Ribeirão estava acéfala: “no início da década de 1940 quando um agente do interventor do estado veio a Ribeirão para perguntar à Amélia Junqueira – porta-voz do seu prestigiado clã – se ela poderia designar alguém para dirigir a política de Ribeirão Preto, ela foi forçada a responder que não havia nenhuma pessoa habilitada para a tarefa. O papel do “chefe político” era algo do passado.” (WALKER & BARBOSA, 2000, 85).

Em 25 de outubro de 1930, figuras do Partido Democrático de Ribeirão Preto assumiram o poder local, formando uma Junta Governamental: Antônio Engracia de Oliveira (dentista), Fernando Castela Simões (médico), Theófilo Siqueira (fazendeiro) e Albino de Camargo Neto (advogado


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e professor). Ficaram pouco mais de um mês, pois o interventor federal acabou nomeando pessoas de fora do PD para conduzir a administração da cidade. Dois Conselhos consultivos foram também nomeados pelo prefeito e pelo interventor, um em 1932 e outro em 1933, compostos por empresários e por profissionais liberais locais. Mas esses órgãos realizaram pouquíssimas reuniões, a imprensa praticamente os ignorou, não tiveram nenhuma importância. No caso de Ribeirão Preto, a escolha dos novos ricos de fora (já seriam os “peregrinos”), principalmente do meio urbano, “parece ter sido uma tentativa, por parte do prefeito e do interventor, de criar um novo tipo de ator político para substituir a velha e hegemônica oligarquia dos coronéis do café” (WALKER & BARBOSA, 2000, 86).

Manifestação Integralista em Ribeirão Preto: grupo de pessoas em um palanque no campo de futebol do antigo Palestra Itália.

Paralelamente a tudo isso, a vida partidária na cidade continuava bastante intensa. Partido Republicano Paulista, Ação Integralista Brasileira, Partido Democrático, Partido Comunista, Partido Constitucionalista – um pluripartidarismo verdadeiro entrava pela primeira vez na nossa vida política. Havia inclusive acirradas disputas internas entre grupos pelo controle de algumas dessas agremiações. “O prefeito eleito ainda pela Câmara em 1936 era, sem dúvida, mais independente. Não era apenas um vereador que tinha o título de prefeito. Ocorre, pela primeira vez também, a separação de poderes a nível municipal. Devia sua posição ao partido majoritário na Câmara, e não a um chefe político onipotente.” (WALKER & BARBOSA, 2000, 86).

Mas, a partir das eleições municipais de 1936, a liderança política parece ter sido revertida para a mesma elite tradicional relativamente homogênea que governou antes de 30. Os vereadores eram fazendeiros ou profissionais liberais, estes filhos de fazendeiros, todos brancos e com sobrenome português, na análise acurada de Walker e Barbosa (2000). Com o golpe de 37, Vargas manteve como prefeito Fábio de Sá Barreto, de família da antiga aristocracia do café, sobrinho do famoso pensador positivista, Dr. Luiz Pereira Barreto. Sá Barreto já fazia política em Ribeirão Preto desde o final do século XIX, ligado a Quinzinho da Cunha. Já havia sido vereador, presidente da Câmara, deputado federal e Secretário do Interior do Estado de São Paulo. Gente do establishment!


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Incertezas e desesperança – o início de uma nova conjuntura: 1930-1934 Na análise de Walker e Barbosa (2000), a Revolução de 30 foi recebida em Ribeirão Preto pela opinião média da cidade com resignação e cauteloso otimismo. As primeiras medidas do Governo Provisório trouxeram desilusão, que se transformou em ódio com a Revolução de 9 de Julho ou com a Contra-Revolução, como desejam alguns. A nova derrota trouxe desespero, mas a iniciativa de Vargas para a reconciliação com os paulistas deu caminho a um cauteloso otimismo. Mas vejamos pormenores da História Política de Ribeirão Preto neste período. Albino Camargo Neto fora indicado pelos membros do Partido Democrático para assumir o controle da administração local, logo após a vitória da Revolução de Outubro. Mas o interventor João Alberto Lins de Barros ignora a indicação e nomeia Eduardo Leite Ribeiro, antigo aliado do Coronel Schimdt e dos “siameses”, mas sem nenhum envolvimento partidário até então. Posteriormente, passaram ainda pela Prefeitura João Dias de Arruda, André Veríssimo Rebouças e Ricardo Guimarães Sobrinho até a eleição do próximo prefeito em 1936. Apesar disso, os democráticos não romperam imediatamente com o interventor, diminuindo, no entanto, seu entusiasmo pelos novos tempos. Alguns membros do Diretório demitiram-se. Em abril de 1931, a seção estadual do PD rompeu com Vargas. Na verdade, parecia um jogo de gato e rato. Era grande a insatisfação dos fazendeiros sobreviventes, tanto que em janeiro de 1931, sessenta deles enviaram um telegrama a João Alberto, solicitando aumentar as compras de café, já que era grande seu aperto financeiro. João Alberto veio a Ribeirão, onde foi bem recebido. O interventor convenceu Vargas a comprar e queimar o café. Mas as reconciliações eram passageiras e durante todo o ano de 31 a tensão só foi aumentando. Ainda em 1931, moradores do bairro Barracão colocaram de volta a placa de identificação que havia sido arrancada da casa de Camilo de Mattos, o prefeito afastado pela Revolução. Em maio, simpatizantes do PRP tiveram coragem de publicar no jornal “A Cidade” um artigo intitulado “O PRP e a Revolução”, fazendo críticas ao governo. No início de 32, o PRP estadual reorganizou-se formalmente, publicando um manifesto que atacava violentamente a ditadura. Em fevereiro, o PRP e o PD anunciaram a formação da “Frente Única” para a “imediata reconstitucionalização do país e a restituição da autonomia de São Paulo”. De acordo com Walker e Barbosa (2000), em Ribeirão, a reação a estes manifestos foi entusiástica. Em 24 de fevereiro de 32, um grande comício na Praça XV denunciava o regime de Vargas, através de calorosos discursos de Onésimo Motta Cortez, Francisco Junqueira, Elza Pompeo de Camargo e vários outros oradores. Em maio, no mesmo local, outro comício reuniu grande multidão que marchou até o quartel da polícia, pedindo aos comandantes a adesão à campanha pela reivindicação de São Paulo.

A revolução dos paulistas em Ribeirão Preto Deixemos Walker e Barbosa (2000) nos informar sobre os desdobramentos da Revolução Constitucionalista em Ribeirão Preto. Somente em 11 de julho é que se confirmou em Ribeirão


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Preto a Revolução que os paulistas iniciaram no dia 9. Um grupo de respeitáveis cidadãos reuniu-se formando o “Centro Paulista Pró-Constituinte”, comprometendo a prestar, se necessário, serviços militares ao país. Dentre eles, encontramos Albino de Camargo Neto, Jorge Lobato, Camilo de Matos, Tito Lívio dos Santos, João Pedro da Veiga Miranda e Sebastião Palma. O povo de Ribeirão parece ter se envolvido em uma verdadeira cruzada patriótica para reconduzir o Brasil à constitucionalidade. Nada de separação da União. Ninguém falou disso. Defender a autonomia sim, dentro da pátria comum! Grupos de voluntários levando as bandeiras de São Paulo e do Brasil foram enviados para as trincheiras de São José do Rio Pardo, Limeira e Mococa. Dinheiro não faltou para a luta. Quinzinho da Cunha e Jorge Lobato, a Associação Industrial e Comercial, a Cia. Antarctica doaram grandes somas. Comerciantes doaram comida. Damas da alta sociedade organizaram uma cantina com o nome de “Casa do Soldado”. Mas o último suspiro do velho regime foi prenunciado em Ribeirão Preto no dia 14 de setembro: Quinzinho da Cunha, depois de prolongada enfermidade, era levado ao túmulo. Em 29 de setembro, a derrota dos paulistas: clima de desesperança e desespero, geral desolação... A cidade foi ocupada por tropas inimigas, a maioria de “mineiros”. Eram os “novos entrantes do século XX” que chegavam com armas em punho para tomar a cidade que seus ancestrais haviam construído. Era grande a hostilidade entre vencedores e vencidos.

Reorganização Política e o Intermezzo Democrático: 1934-1937 Ainda de acordo com o trabalho de Walker e Barbosa (2000), acabou prevalecendo o espírito reconciliador de Vargas: anistia, eleições marcadas, o Banco do Brasil bancando os bônus paulistas de guerra até 150 mil contos. Eduardo Leite Ribeiro foi mantido prefeito por mais um ano, mesmo tendo permanecido durante a revolta no governo local com indisfarçável apoio ao movimento. Por isso, em poucos meses, o ânimo local já havia mudado para certo otimismo. Inicia-se um verdadeiro frenesi para a reorganização partidária, tendo em vista as eleições: Plínio Salgado esteve em Ribeirão Preto em julho de 33 para ajudar a organizar a sua AIB. Viamse no jornal “A Cidade” elogios rasgados a Hitler e Mussolini. Ribeirão logo se transformou em eixo das ações integralistas para todo o oeste do estado. Ampla coligação de várias forças se formou para apoiar uma chapa única na eleição dos membros da Constituinte em maio de 33. Depois da eleição, essa frente se dissolveu. Assim, organizou-se definitivamente o Partido Constitucionalista. Velhos fazendeiros reorganizaram o Partido Republicano Paulista. Dominaram a cena estes dois últimos. A AIB, mesmo com as suas ruidosas passeatas, e o Partido Comunista não conseguiram conquistar apoio popular. O Partido Constitucionalista atraiu apoios importantes de membros da elite como João Rodrigues Guião, João Alves Meira Júnior, Agosto Junqueira. Para a Assembleia Constituinte Estadual, este partido venceu em 33 dos 37 locais de votação. Mas nas eleições de março de 36, os republicanos retomaram a dianteira, beneficiados que foram por conflitos internos do Partido Constitucionalista em torno de questões pessoais e táticas a respeito de inscrição de eleitores.


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Eleições municipais em Ribeirão Preto em 1936 Partido Republicano

51,52%

7 vereadores eleitos

Partido Constitucionalista

38,76%

5 vereadores eleitos

Ação Integralista Brasileira

9,71%

1 vereador eleito

Fonte: Walker e Barbosa (2000)

A seguir, o Partido Republicano mergulhou em profunda crise com a escolha do prefeito pela Câmara. Fora combinada a indicação de Alcides de Araújo Sampaio. Mas a velha guarda desejava Camilo de Mattos. Houve renúncias de vereadores eleitos como protesto antes que a disputa fosse resolvida com a indicação de um tercius, Thomas Alberto Watelly. Doente, Watelly renunciou com poucos meses de empossado, abrindo mais uma vez a disputa interna no PRP. A velha guarda impediu novamente que Alcides Sampaio assumisse a prefeitura que foi dada, então, a Fábio Barreto. Faltava um chefe político ao PRP. Os tempos de Quinzinho da Cunha já estavam longe... Quando chegamos em 1937, parecia que tudo ia bem na outrora capital do café. Por isso, a decretação do Estado Novo por Vargas em novembro deve ter surpreendido a todos e desapontado muita gente, apesar do compreensível silêncio dos jornais locais. Na opinião de Walker e Barbosa (2000), a radicalização ideológica que tomava conta do país não metia medo em ninguém em Ribeirão Preto.

Ditadura bem ao gosto das elites O Estado Novo de Vargas: 37-45 Quando o sistema democrático foi abolido pelo golpe do Estado Novo, Fábio Barreto foi mantido como prefeito em Ribeirão Preto e assim permaneceu até maio de 1944. Já em julho de 38, Vargas foi recebido em Ribeirão por uma multidão de 40 mil pessoas. Hospedou-se na casa de Ana Amélia Junqueira, a mesma que liderara o movimento das mulheres em favor do Soldado Constitucionalista em 32. Segundo algumas versões, ela dissera que recebia em sua casa o presidente da República, não a pessoa de Getúlio Vargas... (WALKER & BARBOSA, 2000) Fábio de Sá Barreto transformou totalmente a aparência da cidade. Foi um verdadeiro tocador de obras. O embelezamento da urbs restaurou o orgulho civil local, de há muito adormecido! Segundo Walker e Barbosa (2000), foi nesta época que a economia de Ribeirão Preto começou a dar respostas à política de diversificação de Vargas. Em um primeiro momento, os cafezais deram lugar aos algodoais. Na década de 1940, teve início o plantio da cana-de-açúcar em grande escala. Logo depois do início da guerra, generosos empréstimos a uma taxa de juros de 3%, através do Banco do Brasil, permitiram práticas monopolistas e grandes lucros. Ribeirão trilhava novos e definitivos caminhos. Caminhos antigos, mas que se alargavam cada vez mais para o futuro. A partir de 43, ressurge o movimento de redemocratização em todo o país. Ribeirão acompanha as novas tendências. Em maio deste mesmo ano, o jornal “A Cidade”, o mesmo onde apareciam elogios a Hitler e a Mussolini apenas alguns anos antes, publica editorial elogiando a democracia inglesa. Era bater na cangalha para o burro entender! O governo de Fábio Barreto começou a receber


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críticas pela imprensa e de pessoas influentes como Camilo de Mattos e Thomas Watelly. Em maio de 44, Barreto renunciou “por problemas de saúde” e foi substituído tardiamente pelo herói da outrora ala jovem do proscrito PRP, Alcides de Araújo Sampaio.

Os movimentos de esquerda em Ribeirão na conjuntura 30-45

Rosa (1997) mostra que, ao iniciar a década de 30, vinha crescendo a influência dos comunistas sobre os movimentos de trabalhadores rurais (através da Liga Operária Orestes Lascala de Sertãozinho) e urbanos (através da União Geral dos Trabalhadores – UGT de Ribeirão Preto). Mas a vigilância policial também crescia sobre essas entidades e seus movimentos, dificultando a realização de manifestações e distribuição de material de propaganda. Desde 29, o segundo estatuto da UGT havia sido registrado em cartório, reformulado segundo os interesses dos militantes comunistas para permitir uma maior atuação sua no meio sindical e político. Assim, como ilegais e clandestinos que eram, atuaram através da UGT, do Bloco Operário e Camponês (BOC) organizado em Ribeirão Preto por Guilherme Milani e Gustavo Wierman e através do Partido Socialista Brasileiro. Desde 1930, eram diretores da UGT: Presidente

Pedro Campana

Vice-Presidente

João Pontim

Tesoureiro

Domingos Benetti

Secretário Geral

Ângelo Pontim

Secretário de Atas

Guilherme Milani

1º Secretário

(ilegível)

2º Secretário

Henrique Covre

Fonte: Rosa (1997)

Rosa (1997) ainda afirma que a militância do PCB foi intensificada, a partir de 1934, com o abandono da linha de ação sectária que marcava a vida da agremiação, até então, para dar início a uma política de “frente popular antifascista”, apoiada pela URSS e adotada pela Internacional Comunista a partir de 35. Por isso, o PCB se envolveu diretamente na organização da Aliança Nacional Libertadora (ANL), na unificação do movimento operário e em um intenso programa de propaganda contra os integralistas. Em Ribeirão Preto, os integralistas cresciam e já participavam de ações ousadas, como em março de 35, quando a sede da UGT foi depredada e pichada por um grupo de jovens daquela orientação política. Em 06/06/1935, organizou-se a ANL em Ribeirão Preto, reunindo várias agremiações civis e políticas sob a direção de Antônio Campos. A entidade, através de uma política de frente, procurava unificar os movimentos democráticos e populares em defesa da soberania nacional e dos interesses das camadas populares e das minorias sociais, no combate ao governo de Vargas e ao fascismo europeu, representado no país pela Ação Integralista Brasileira. Participaram ainda como membros fundadores:


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Cesar Tupynambá Roselino

Professor, da UGT e do PCB

Emílio José de Campos

Funcionário do Correio

José Alvarenga Ortiz

Farmacêutico, da UGT

João Vaz

Garçom

Luiz Ladeira

Eletricista

Afonso Ruggiero

PSB

Gustavo Wierman

Funcionário da Antarctica, da UGT e do PCB

Gercino Alves de Souza

Guarda Civil

Vicomedes Padilha

Funcionário da Antarctica, da UGT e do PCB

Rômulo Pardini

Sapateiro, da UGT e do PCB

Ângelo de Gaetani

Pedreiro, da UGT e do PCB

Fonte: Rosa (1997)

As dificuldades de comunicação entre o núcleo do PCB em Ribeirão e o Comitê Central de São Paulo eram enormes, ao ponto de ficarem praticamente paralisadas a partir de julho de 35, quando foram presos Joaquim Gonçalves e Dante Sartori, encarregados de receber de São Paulo o material de propaganda do partido. A repressão policial constante e a falta de recursos financeiros praticamente isolavam o núcleo do PCB em Ribeirão Preto. Aumentavam também a desconfiança e o medo. O Comitê Regional de São Paulo sofria com os mesmos problemas. Resultado de tudo isso foi a total desinformação quanto ao movimento revolucionário que Luiz Carlos Prestes e seus companheiros organizavam no Rio de Janeiro (Intentona Comunista). Em outubro de 35, um mês antes da rebelião armada, os militantes em Ribeirão Preto sequer sabiam da presença do “Cavaleiro da Esperança” no Brasil. Em plena rebelião dos quartéis em Recife, Natal e Rio de Janeiro, os comunistas ribeirão-pretanos ajudavam a organizar os sindicatos dos empregados em fábricas de bebidas e dos metalúrgicos. Com a derrota da rebelião pelo governo de Vargas, uma forte onda repressora abateu-se sobre os membros da ANL, particularmente os comunistas. Em Ribeirão Preto foram presas 16 pessoas: Nome

Entidade ou movimento

Gustavo Wierman

UGT, PCB

Afonso Ruggiero

PSB, ANL

Nicomedes Padilha

Sindicato da Cervejaria Paulista, PCB

Antônio Campos

Presidente da ANL

José Alvarenga Ortiz

UGT, ANL

Aristides S. Coelho

ANL

José Pardo

ANL

Olympio Ribeiro de Oliveira

Lavrador em Pontal

Rômulo Pardini

UGT, PCB

Olívio de Souza

ANL

Nazareth Fábio

ANL

Gercino Alves de Souza

ANL

José Patrocínio Nascimento

ANL

Esmerindo P. Silva

ANL

Clomiro S. Oliveira

ANL

Joaquim Freitas

ANL

Fonte: Rosa (1997)


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As prisões acabaram abalando profundamente a influência comunista dentro da UGT, que passou a ser constantemente vigiada pela Delegacia de Polícia local. Em 15 de maio de 1936, ocorreu nova onda de prisões: um grupo que se reunia com Jacob Benjamin Leipzig, depois de ter sido preso e solto em São Paulo. A polícia arrombou a casa de Emídio de Carvalho e prendeu Aristides Esteves, Fioravante Marighetti, José Ramos e Octávio de Carvalho, além de Jacob que foi barbaramente torturado. Foram soltos somente em 29 de julho de 38 por insuficiência de provas: eram apenas simpatizantes do comunismo. Em outubro de 37, pouco antes do golpe de Vargas, nova onda repressora levou para a cadeia Luiz Ladeira, Américo Costa, Fioravante Marighetti, Aristides Esteves e Gustavo Wierman. As prisões multiplicaram-se durante todo o Estado Novo de Vargas. Em Ribeirão Preto, a imprensa, liderada pela PRA-7 e pelo Diário de Notícias, desencadeou grande propaganda anticomunista patrocinada pelo Centro de Imprensa de Ribeirão Preto. Até 41, tornou-se nula a militância comunista que já perdera o controle da UGT, cuja sede chegou a ser alugada para os sindicatos legalizados. A perda de terreno no campo sindical foi resultado da própria desarticulação do partido, que enfrentou um longo período de perseguição policial entre 1935 e 1941, o que dificultou o movimento da propaganda comunista e a atuação dos seus militantes dentro dos sindicatos legalizados. Para Rosa (1997) foi a partir da própria UGT que os militantes comunistas conseguiram se organizar no início da década de 40. Tudo começou com uma polêmica em torno da possibilidade de transferência do patrimônio da UGT para os sindicatos oficiais, como era do desejo destes. Formaram-se dois grupos: os sindicatos oficiais e os sócios declaradamente comunistas da UGT. João Gomes da Rocha renunciou à presidência da UGT para não se indispor com os velhos camaradas. Vitaliano Mauro foi aclamado novo presidente até a aprovação dos novos estatutos e da eleição da nova diretoria em 1941 que ficou constituída quase toda por militantes do PCB: Nome

Cargo

Vitaliano Mauro

Presidente

João Ungaretti

Vice-Presidente

Nazareno Montovani

Secretário Geral

Antônio Gomes Palmeira

Secretário de Atas

Orlando Alves

1º Secretário

Ercio Rinatti

2º Secretário

Ângelo Pontim

Tesoureiro

Francisco, Antônio Lopes, João Gomes da Rocha e Moacir Araújo

Comissão de Sindicância

Fonte: Rosa (1997)

Essa nova diretoria da UGT exigiu que os Sindicatos, sob a direção de Guilherme Giro – sindicalista sem ligação com os comunistas - deixassem a sede da UGT, fato que ocorreria logo depois. Os novos estatutos da UGT expurgaram todos os termos que pudessem tornar a entidade suspeita de ser controlada pelo PCB, reforçando seu caráter assistencialista e associativo. Mesmo assim, ainda houve prisões em 1941, mas como os presos negavam nos seus depoimentos a militância comunista e por não existirem provas materiais, o caso foi encerrado e a UGT continuou a funcionar normalmente. Somente a partir de 1942, que o Partido Comunista entra em uma nova fase da sua história em Ribeirão Preto com a chegada de Irineu de Moraes33, o Índio, representante do Comitê Regional, 33 Para conhecer esta figura ímpar na história do movimento dos trabalhadores e do PCB, é imprescindível a leitura da obra Lutas camponesas no interior paulista: memórias de Irineu Luís de Moraes, de autoria de Cliff Welch e Sebastião Geraldo, publicada pela Editora Paz e Terra (RJ) em 1992.


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com militância desde 1935 e com grande capacidade de articulação e mobilização. Entre 1945 e 1947, período de legalidade do PCB, é que pôde ser sentido o intenso trabalho de organização, ainda clandestina, realizado pelos militantes entre 42 e 45, como ainda veremos no capítulo seguinte. Lílian Rodrigues de Oliveira Rosa estudou profundamente a história do PCB e da UGT em Ribeirão Preto até 1947, quando o PCB voltou à clandestinidade. O período que se segue ainda está em aberto para uma pesquisa dos acadêmicos. Maria Aparecida dos Santos, a Cidinha, que foi presa política no período da ditadura, historiadora e ex-diretora da Associação Amigos do Memorial da Classe Operária-UGT, vem estudando e levantando importante material sobre essas duas organizações neste período. Mas sabe-se, principalmente através de antigos militantes, alguns ainda vivos que as suas atividades culturais, sociais e políticas foram intensas no interregno liberal 1945-1964, mas vigiadas de perto pelos órgãos de informação e de repressão do governo. A ditadura havia ficado para trás, mas o Estado brasileiro e seus governos continuavam vigilantes diante de qualquer ameaça dos subalternos. Não podemos esquecer ainda que estávamos em plena guerra fria. Com o golpe civil-militar de 1964, a repressão se abateu sobre toda a esquerda e não foi diferente em Ribeirão Preto. Os estudos de Marcelo Botosso e Milton Carneiro são esclarecedores sobre este período. A UGT foi mais uma vez fechada, muitos de seus militantes foram silenciados, perseguidos, presos e torturados. Não se pode omitir as relações estreitas que a antiga UGT teve com o Movimento Negro em Ribeirão Preto. Quem estudou mais detidamente estas relações foi Sérgio Luiz de Souza na sua dissertação de mestrado na UNESP de Araraquara. Segundo ele, entre as décadas de 1970 e 1990, mas também em décadas anteriores, “a antiga UGT representou um grande polo de expressão de diversas formas culturais organizadas pela população negra, como o Grupo Travessia, o Grupo Cativeiro de Capoeira, os Feconezus, os bailes de gala e bailes Black, além de concursos de beleza. Um verdadeiro polo para a construção do patrimônio histórico-cultural das populações negras de Ribeirão Preto e do nordeste paulista.” (SOUZA, 2011, 58).

Neste período, destacou-se a figura de Pedro Paulo da Silva, reconhecido pelos militantes do Movimento Negro como o grande artífice das atuações pautadas pela afirmação da identidade afro em Ribeirão Preto a partir da década de 1970: “Sua atuação, além do combate ao racismo por meio do teatro, dança e poesia, contava também com a inclusão da capoeira e outras expressões das populações negras, em um visível contraste com os padrões identitários pautados pelos padrões eurocêntricos.” (SOUZA, 2011, 60).


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RIBEIRÃO PRETO POPULISTA ENTRE 1945-1964

A cidade fervilhava em 1945. Níveis mais altos de participação política – como de autoridades do Executivo, inclusive do prefeito, e outras eleitas diretamente pelo povo -, além de certas novidades como o voto feminino, do jovem de 18 anos e do voto secreto. Tudo isso era novidade e pôde ser implantado definitivamente então. Essa conjuntura levou à proliferação de vários partidos sem plataformas claramente definidas e à criação de um novo estilo “populista” de fazer política, baseado em um esquema eleitoral que estimulava a heterogeneidade e não a homogeneidade no interior das agremiações partidárias.

Panorama geral do período

Estação das jardineiras (Rodoviária) na Av. Jerônimo Gonçalves, esquina com a Rua São Sebastião.


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Isso pode ser explicado pela ambiguidade da herança de Vargas: ele deixa visões políticas distintas, identificadas com a direita e a esquerda tanto nos grupos de elite quanto nas camadas populares. O líder carismático entra em cena, embora elementos do clientelismo e do mandonismo local não tenham desaparecido por completo e cheguem até nossos dias. Exemplos não faltam em Ribeirão Preto! Walker e Barbosa (2000) dá o exemplo de Orestes Lopes de Camargo que foi candidato várias vezes, cada uma por um partido: em 47 pela UDN-PR, em 50 pelo PR, em 51 e 54 pelo PTB, em 59 pelo PRP, indo da esquerda para a direita e vice-versa, do conservadorismo ao populismo. Mas nada de escandaloso havia na mudança frequente de partidos. Era comum e natural. Faziam-se as coligações mais imprevisíveis como a que deu suporte à eleição de Condeixa Filho para prefeito em 51: PSP-UDN-PSD-PR-PRP. Parecem até as coligações a que assistimos hoje conquistando o executivo local.

De chapéu na mão, Fábio Sá Barreto. O terceiro, da esquerda para direita, Costábile Romano.

De acordo com Walker e Barbosa (2000), Ribeirão recuperou certa autonomia para resolver questões locais, mas foi incapaz de afirmar-se na política federal ou estadual, como no passado. Vejamos as considerações desses autores sobre o novo período que se abre. A Constituição restaurou a autonomia dos municípios, o que pode ser comprovado na questão orçamentária. Na receita municipal, os impostos da “indústria e profissões” passaram de 19% em 1937, para 28% em 1950, já que vários tributos foram transferidos do estado para o município. A queda posterior da arrecadação nesse item deve-se a uma feroz campanha antitributarista desencadeada pela Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto. Em 1960, água e esgoto respondiam por mais de 12% da receita tributária (foram feitos grandes investimentos nessa área). Repasses do governo federal atingiam mais de 20%. A arrecadação pública de Ribeirão aumentou em mais de 18% em 1950, em relação a 1949, e 21% em 1960, em relação ao ano anterior. Reduziu-se drasticamente o percentual do orçamento usado para o pagamento dos serviços da dívida municipal em quase 24% em 37, para 1,67% em 50, e para 4,05% em 60. As despesas administrativas e de manutenção puderam passar de 60% em 37, para 67% em 50 e 60. Despesas com obras sociais puderam se elevar de 10% em 37, para 25% em 50 e 18% em 60. Mas, por outro lado, a prática do clientelismo e táticas políticas personalistas, empreguismo, favores pessoais – tudo isso cresceu como nunca depois de 1946. Resultado disso, obviamente, foi o crescimento das despesas com pessoal. Somente os gastos com aposentadoria e pensões foram de 2,7% em 50, para 4,56% em 60.


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Ribeirão recuperou um pouco sua influência política nas esferas federal e estadual. Prova disso foram as visitas que recebeu: o senador Getúlio Vargas em 50, o governador Lucas Nogueira Garcez em 51 e 52, o governador Jânio Quadros em 55 e, depois por duas vezes, o presidente JK: em 56, na comemoração do 1º Centenário da cidade, e depois junto com o vice-presidente João Goulart em 58. A representação política da cidade nesse período ficou assim constituída: Candidato eleito

Partido

Órgão

Ano

Luis Augusto Gomes de Matos

PSD

Assembleia Legislativa Estadual

1947

Alfredo Condeixa Filho

PSP

Assembleia Legislativa Estadual

1954

Costábile Romano

UDN

Idem

1958

Luciano Lepera

PTB

Idem

1958

Geraldo Correa de Carvalho

Câmara Federal

1958

Waldemar B. Pessoa

Idem

1958

Fonte: Walker e Barbosa (2000)

A total independência do prefeito em relação à Câmara (já que a eleição deste passa a ser direta) e o complexo sistema multipartidário (com total liberdade de coligações) asseguravam que a base eleitoral dos vereadores (com voto proporcional) e a do prefeito (com voto majoritário) fossem divergentes. Daí o aumento dos conflitos entre a Câmara e os prefeitos eleitos nessa época. Esses recorriam ao uso rotineiro do veto, alegando vício de iniciativa, ilegalidade e inconstitucionalidade sobre os projetos dos vereadores. E esses vetos só poderiam ser derrubados por 2/3 da Câmara. Ainda de acordo com Walker e Barbosa (2000), aumentava, por outro lado, a heterogeneidade social, econômica, étnica, cultural e profissional dos grupos de representação política, ampliando os espaços de democracia, sem dúvida. Citemos alguns exemplos: Costábile Romano era filho de um padeiro que ajudava seu pai nesse ofício; depois, foi comentarista esportivo dos jornais “A Cidade” e “O Diário d’Oeste”; mais tarde, virou jornalista e chegou a proprietário do jornal “Diário da Manhã”. Luciano Lepera era filho de um alfaiate, jornalista de esquerda. José Costa era filho de um pobre migrante mineiro, trabalhando como fiscal de uma plantação de café. Chegou a ser carregador de água e garçom, vendedor, e somente mais tarde, diretor comercial de uma empresa. O caráter socioeconômico de Ribeirão Preto vinha sofrendo considerável metamorfose desde a República Velha e, agora, as novas instituições democráticas permitiam que essas mudanças fossem refletidas nas relações políticas entre os grupos de interesse. Uma economia diversificada ampliara-se nos anos 30 e 40, dependendo apenas parcialmente da agricultura. Já nos anos 40 e 50, a indústria, o comércio e o setor de serviços haviam alcançado enorme importância. Tudo isso se refletia agora diretamente nas mudanças políticas. O grupo mais influente pós-46 passa a ser o setor do empresariado representado pela ACIRP, que desenvolveu um trabalho de promoção dos interesses da classe patronal. Exemplo disso foi uma luta renhida contra as alíquotas dos impostos de “indústrias e profissões” que passaram do estado para o município a partir de 1949. O prefeito José de Magalhães aumentou consideravelmente a alíquota desse tributo, abrindo verdadeira guerra contra a ACIRP. Foram mais de dois mil processos que o jovem advogado dessa entidade, Wilson Roselino, moveu contra a prefeitura. A maior parte desse imposto, por isso mesmo, não foi paga até 1955, quando um acordo foi feito com o então prefeito José Costa. Depois da ACIRP, outro grupo importante de interesse era o setor de serviços representado, sobretudo, pelas instituições médicas e educacionais. Médicos e educadores organizados em associa-


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ções eram cortejados pelos políticos que se esforçavam em obter apoio financeiro federal e estadual para esse setor. Em terceiro lugar, a classe trabalhadora. Mesmo com a ampliação dos sindicatos e dos trabalhadores sindicalizados desde os primeiros anos do governo Vargas, ela foi vítima do paternalismo do Ministério do Trabalho e da ausência de lideranças autênticas. A inexistência de uma forte base industrial na economia da cidade também pode explicar as limitações de sua ação política.

A teoria da bipolarização

Manifestação popular para recepcionar o bispo auxiliar Dom Manoel da Silveira Delboux em 18 de abril de 1940, na estação ferroviária da Mogiana, Rua General Osório com a Av. Jerônimo Gonçalves.

Segundo a maioria dos analistas, a política local após o Estado Novo foi marcada pela disputa entre classes, na qual nem o setor privilegiado nem o setor popular nunca saíam nitidamente vitoriosos. Dessa análise surgiu a teoria da Bipolarização, levada em grande conta até hoje nos cálculos eleitorais dos candidatos a prefeito. Certo é que entre 46 e 51 tivemos um tempo de ajustes da nova democracia que dava seus incipientes passos, lançando-se na sequência um equilíbrio entre os grupos de elite e as forças populares. Se pode ser comprovada ou não, os defensores da teoria da Bipolarização têm lá seus argumentos. A ambiguidade da herança política de Vargas, de que Walker e Barbosa (2000) já falaram, refletida ao nível municipal, tendia a colocar nos extremos os discursos nacionalista e conservador durante as campanhas eleitorais, mas permeados por interesses locais que, no caso de Ribeirão Preto, representavam mais os setores do comércio e de serviços. Esses discursos resultavam em uma política de conciliação, seja qual for o lado que prevalecesse. Daí que os resultados eleitorais não eram muito nítidos, às vezes, com escassa maioria e em que os derrotados de hoje apoiavam os vitoriosos de amanhã. A teoria da Bipolarização ficou definitivamente enterrada nos últimos pleitos municipais, quando os vencedores foram claramente os grupos mais conservadores da cidade. Isso veio compro-


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var que a política local, de alguma forma, reflete as questões estaduais e nacionais. Alguma semelhança com a política da velha República não é mera coincidência... Nas eleições de 45, já existiam em Ribeirão Preto seis partidos: aqueles formados por políticos tradicionais, a UDN, o PSD e o PR, e os demais formados por políticos novatos, o PTB, o PDC e o PCB. Os resultados dessas eleições na cidade refletiram os resultados gerais no país, como pode ser visto no quadro abaixo: Reorganização da Política Tradicional em Ribeirão Preto a partir de 1945 Partidos

Lideranças

UDN – União Democrática Nacional

Albino de Camargo Neto, Sebastião Moura Bittencourt, Jorge Lobato (este retirou-se depois para o PR)

PSD – Partido Democrático Social

Antônio Rodrigues da Silva, Alcides de Araújo Sampaio

PR – Partido Republicano

Antônio Uchoa Filho, Francisco Junqueira, Thomas Alberto Watelly, Jorge Lobato

Fonte: Walker e Barbosa (2000)

Resultado das Eleições Presidenciais em 45 em Ribeirão Preto Candidato

Partido

Percentual de votos

Eurico Gaspar Dutra

PSD

59,32%

Eduardo Gomes

UDN

32,68%

Yedo Fiuzza

PCB

7.94%

Fonte: Walker e Barbosa (2000)

Já em 1946, existia também o Partido Social Progressista – PSP – de Ademar de Barros, o mais típico representante do populismo em São Paulo. Em julho desse ano, Ademar de Barros veio a Ribeirão Preto e realizou um grande comício para formar o diretório do seu partido. Entraram políticos novatos entre profissionais liberais, empresários e trabalhadores. Ademar ganhou apertado as eleições para governador em 47, mas nas eleições parlamentares do mesmo ano, os resultados do PSP foram pífias, conforme revela o quadro abaixo. Percebe-se que pesaram mais o carisma e o personalismo do governador, faltando ainda uma forte base municipal ao seu partido no estado. Resultados das eleições para a Câmara Federal nas eleições de 1947 em Ribeirão Preto Partido

Percentual de votos

PSD

55,89%

UDN

11,04%

PCB

13,30%

PTB

12,05%

PSP

6,25%

Fonte: Walker e Barbosa (2000)

Nas eleições de 47, a UDN saiu-se bem melhor com uma campanha mais organizada e com novos métodos de propaganda eleitoral: conseguiu eleger 10 das 31 cadeiras da Câmara Municipal em coligação com o PR. Mas para prefeito saiu-se vitorioso o candidato do PTB, o advogado José de Magalhães, com 37,17% dos votos, contra os 26,71% de Antônio Rodrigues da Silva, da coligação UDN-PR-PSP.


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Os transtornos de um prefeito forasteiro José de Magalhães devia muito pouco às classes privilegiadas de Ribeirão Preto. Bacharelado em Direito no Rio de Janeiro, ele não era ribeirão-pretano de nascimento, não tinha raízes entre as famílias tradicionais da região, não tinha laços nem compromissos com as elites locais. Era um adventício, um forasteiro desconhecido. Nas palavras de Divo Marino (1977), era um peregrino intelectualizado. Ganhou as eleições como a grande zebra, fora de qualquer prognóstico. Recebera o apoio de Vargas que veio a Ribeirão durante sua campanha e recomendou para ele o voto dos trabalhadores. Percebe-se a força que o populismo iria obter por aqui.

Da esquerda para a direita: Antônio Machado Santana, Alfredo Condeixa Filho, um padre, João Rodrigues Guião, um garoto, Plínio Travassos dos Santos e João Alves Meira Júnior (este, de bengala).

A UDN pecou em supervalorizar sua chapa para a Câmara e não prever um resultado adverso para o Executivo. Depois, foi incapaz de fazer uma oposição competente ao prefeito tal a sua instabilidade após romper com os partidos coligados na eleição. Magalhães deixou alarmadas as “classes patronais” tal a sua fúria tributária. Por isso, a ACIRP lhe declarou guerra sem trégua durante todo o seu mandato. Em 1950, a UDN amargou mais uma derrota eleitoral. Desta feita, para a presidência da República. Voltava seu arqui-inimigo na pessoa do próprio Vargas, que esteve novamente em Ribeirão Preto em um comício gigantesco, quando falou para mais de 40 mil pessoas. Ganhou aqui com 60,44% da votação. Para governador, saiu-se vitorioso Lucas Nogueira Garcez com 57, 08%, da coligação PSP-PTB. Para as eleições municipais de 51, as classes conservadoras adotaram nova estratégia frente à ameaça do voto populista, representado majoritariamente na cidade pelo PTB: era necessário apoiar um nome forte para candidato a prefeito, mesmo que fosse em coligação, mesmo em coligação com algum partido populista nem tanto perigoso, como o PSP de Ademar de Barros. Assim é que Alfredo Condeixa Filho elegeu-se prefeito pela coligação PSP-UDN-PR com 47% dos votos. Mas a UDN mesmo elegeu apenas 2 vereadores entre 21 naquelas eleições. O final do mandato de Magalhães foi visto com alívio pelas classes conservadoras locais. Condeixa Filho era ribeirão-pretano nato, membro da Recreativa, havia sido chefe da Casa Militar de Ademar de Barros e Coronel da Segurança Pública local (WALKER & BARBOSA, 2000).


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O PCB na legalidade e sua participação nas eleições Aproveitando a derrocada do Estado Novo com a vitória das democracias na 2ª Guerra, o núcleo comunista de Ribeirão Preto ampliou seu contado com os trabalhadores, juntando-se aos sindicatos legalizados em movimentos grevistas e de protesto contra a carestia e os baixos salários, arregimentando velhos comunistas e buscando novos membros para o partido. É marcante a liderança de Irineu de Moraes nesse momento. Para Rosa (1997), toda a reorganização do PCB em Ribeirão ocorreu dentro das novas diretrizes de atuação do partido ao nível nacional, firmadas a partir de 1945, em torno da tese “União Nacional com Vargas”. Em Ribeirão, este novo sindicalismo da conjuntura de 45 conseguiu realizar grandes movimentos como duas greves na Companhia Paulista de Força e Luz, outra na Antarctica, na Cervejaria Paulista e no comércio. Foram movimentos de massa que em determinados momentos saíram do controle das lideranças, como no saque da Casa Robin. Utilizaremos da pesquisa de Lílian Rosa (1997) as informações que se seguem sobre a história do PCB em Ribeirão na fase de sua legalidade. Com sua legalização na cidade, o partido elegeu seu comitê municipal em 45, constituído dos seguintes nomes: Irineu de Moraes, Hilário Soares da Silva, Cezar Tupynambá Roselino, Albino Tremeschini, Natal Gracchia, Antônio Alagão, Décio Fernandes, Silvio Perpelini, Vicente Quinhonero, Joaquim Magalhães dos Reis, Abdeo Chaguri e Gustavo Wierman (os três últimos suplentes). Vê-se a presença de velhos e novos militantes. Vinham desde os anos 20 Cezar Tupynambá Roselino, Vicente Quinhonero, Gustavo Wierman e Albino Tremeschini. A partir de 45, uma nova geração de líderes comunistas se formou, destacando-se Irineu de Moraes, Antônio Girotto, Luciano Lepera e Gabriel Tondela. Mas essa nova composição heterogênea acabou por possibilitar divergências internas no partido, até então não observadas. Com a formação do Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT), liderado por comunistas novatos, cresceu a liderança de Natal Gracchia que acabou se indispondo com Irineu de Moraes. Natal Gracchia acabou expulso do partido nos anos 50. O PCB e o MUT arregaçaram as mangas para apoiar o candidato Yedo Fiuzza à presidência da República em 1945. Em 24 de novembro, um grande comício foi realizado na Praça XV em seu apoio com a presença de Caio Prado Junior, Antônio Campos, Osvaldo Dória e Cândido Portinari. Os tempos agora eram outros. Acabara a perseguição policial e até caíra no vazio a campanha anticomunista da Igreja Católica através do seu periódico “Diário de Notícias”. Ainda de acordo com Rosa (1997), com a intensificação das atuações política e sindical, o prestígio dos comunistas crescia, não só em Ribeirão Preto, mas em várias cidades da região com a organização de comitês locais. Em 46, foi eleita uma nova diretoria do comitê municipal assim constituída: Irineu de Moraes, Albino Tremeschini, José Engracia Garcia, Natal Gracchia, Joaquim Teixeira de Andrade, Antônio Alação, Décio Fernandes, Aparecido Araújo, Gensen Martins, Abdeo Chaguri, Gustavo Wierman, Antônio Marques dos Reis e Damasceno Neto (os três últimos suplentes). Era explícita a relação entre a UGT e os comunistas, como mostra a nova diretoria da União eleita em 9 de março de 47: Presidente Vice-Presidente Secretário Geral Secretário de Atas Tesoureiro 1º Secretário 2º Secretário Fonte: Rosa (1997)

Joaquim Teixeira de Andrade Albino Tremeschini Fortunato Meneguetti Gustavo Wierman José Becerra Joaquim Marques dos Reis Oscar Scusa Soares


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Em abril de 47, um novo comitê municipal do PCB foi eleito, confirmando ainda mais uma vez a grande liderança de Irineu de Moraes: Irineu de Moraes, Jovino de Almeida Neves, Aparecido Araújo, Décio Fernandes, José Engracia Garcia, Odilon Lino Machado, Claudemiro Alves Pereira, Joaquim Marques dos Reis Filho, Joaquim Teixeira de Andrade, Ricardo Pinatti e Antônio Pontim (os três últimos suplentes). A cassação do registro do PCB, no dia 7 de maio de 47 pelo Superior Tribunal Eleitoral, interrompeu os planos eleitorais do Comitê Municipal que pretendia lançar candidatos próprios em Ribeirão Preto. Seguindo orientação do Comitê Regional, foi montada nova estratégia e os comunistas decidiram lançar seus candidatos por outras legendas. Organizaram um partido de fachada, o Partido Popular Progressista (PPP), apresentando o nome de Nelson Rodrigues da Nóbrega para prefeito, aliando-se ao PSD com o qual compuseram uma chapa de 10 candidatos a vereador. Os candidatos a vereador do PCB não se preocuparam em esconder sua tendência ideológica, chamando a si próprios de “candidatos de Prestes”. O próprio Prestes escreveu uma carta em apoio aos 10 candidatos comunistas de Ribeirão, carta que foi fartamente distribuída em todos os bairros. O resultado foi além do esperado pelos comunistas: dentre os 5 candidatos eleitos pela coligação com o PSD, 3 eram comunistas. Adotando a mesma estratégia, candidatos comunistas foram também eleitos em dez cidades da região, entre elas Franca e Igarapava. A repressão policial voltou a se abater sobre os comunistas depois da cassação do registro do partido. Décio Fernandes permaneceu escondido depois de eleito, pois havia prisão decretada contra ele e, por isso, acabou cassado. Antônio Araújo foi preso após as eleições por liderar uma greve dos operários nas Indústrias Matarazzo. Arlindo Teixeira, Antônio Girotto, José Antônio Neves, Natal Gracchia, Salvador Trovato e José Engracia Garcia foram presos em 1948. Com essas prisões, o comitê municipal do PCB desarticulou-se, voltando a ter expressão na política local a partir de 1951, quando ocorreram novas eleições municipais (ROSA, 1997).

Década de 1950: equilíbrio e estabilidade

Antônio Diederichsen (de bengala) junto a um grupo de pessoas. Visita às obras de construção do Ginásio Municipal (Cava do Bosque).


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Condeixa Filho manteve boas relações com a ACIRP: isentou de impostos a nova sede da entidade inaugurada em 54, mas a Câmara recusou-se a aprovar esta isenção por 15 anos, como desejava o prefeito. O problema dos impostos sobre “indústrias e profissões” somente foi resolvido com o prefeito José Costa em 55, mas Condeixa já estava encaminhando uma solução de contento. Mas o encanto do populismo continuava firme em Ribeirão Preto, principalmente na Câmara Municipal. O suicídio de Vargas, em agosto de 1954, provocou manifestações efusivas de emoção entre as camadas populares. Nas eleições para governador de outubro do mesmo ano, o voto populista dividiu-se, mas no conjunto foi amplamente majoritário na cidade: Resultado das eleições para governador de 1954 em Ribeirão Preto Candidato Partido Percentual de votos Vladimir de Toledo Pizza PTB 32,22% Ademar de Barros PSP 29,79% Jânio da Silva Quadros (*) PTN-UDN 9,16% * saiu-se vencedor no cômputo geral do estado Fonte: Walker e Barbosa (2000)

Nessa mesma eleição, Condeixa Filho elegeu-se deputado estadual pelo PSP e José Costa, o vice da UDN, o substituiu na prefeitura. Jovem e dinâmico, José Costa deu continuidade à obra administrativa do antecessor, sendo bem aceito pelas elites e pelas camadas mais populares.

No centro, de terno preto, Alfredo Condeixa Filho. Ele foi eleito prefeito em 1951 e deputado estadual em 1954 em Ribeirão Preto.

Resultado das eleições para Presidente de 1955 em Ribeirão Preto Candidato Partido Percentual de votos Ademar de Barros PSP 40,35% Juarez Távora UDN 30,11% Juscelino Kubitschek (*) PSD 25,10% Plínio Salgado PRP 13,92% * saiu-se vencedor no cômputo geral dos votos do país Fonte: Walker e Barbosa (2000)


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Esses resultados poderiam ser interpretados como ligeiramente desfavoráveis ao voto populista. Mas em âmbito local, nas eleições municipais de 55, os partidos populistas mantiveram o controle da Câmara, enquanto Costábile Romano era eleito prefeito pela coligação UDN-PTN. De origem humilde, habilidoso, apoiado pelas classes empresariais, mas com forte apelo também junto às camadas populares, Costábile promoveu a expansão da rede de água e esgoto da cidade, a pavimentação de muitas ruas, deu início à construção do Museu do Café, remodelou o Bosque Municipal, criou o Horto Florestal. Teve relações tensas com a Câmara ao vetar inúmeros projetos populistas dos vereadores. Nas eleições para governador em outubro de 58, constata-se o declínio do voto populista, já anunciado nas eleições presidenciais de 55: Resultado das eleições de 1958 para governador em Ribeirão Preto Candidato Partido Percentual de votos Carvalho Pinto (*) UDN 51,67% Ademar de Barros PSP 41,10% Auro de Andrade PSD 3,26% * Apoiado por Jânio Quadros, foi vitorioso Fonte: Walker e Barbosa (2000)

Nas eleições municipais de 59, Condeixa volta à prefeitura, mas na Câmara era evidente a crise do voto populista, acompanhando mais ou menos o que ocorria no resto do país: pulverização do voto partidário (observa-se que 9 partidos passam a ter representação na Câmara de Ribeirão) e polarização das correntes mais ideológicas. No caso de Ribeirão Preto, o PRP à direita e o PSB à esquerda. É sintomático o PTB varguista não ter elegido ninguém.

O repórter Welson Gasparini fazendo uma cobertura em Ribeirão Preto para a Rádio PRA-7 no final dos anos 50.

A história de Ribeirão Preto correspondente ao período logo anterior ao golpe militar de 64 e ao seguinte, propriamente da Ditadura Militar, ainda é pouco estudada. É um tempo ainda próximo de nós, com muitos de seus personagens ainda vivos. Os melindres não fazem parte da História, mas podem provocar certas dificuldades políticas no presente. Sobram informações, faltam análises. Façamos o que o bom senso e a coerência da análise histórica nos permitirem.


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Para estudar este período, são imprescindíveis alguns trabalhos como a dissertação de mestrado em História apresentada em 2002 ao programa de pós-graduação da UNESP/Franca por Milton Carneiro Júnior – Sociedade e política em Ribeirão Preto: 1960-1964 -, como também o seu trabalho elaborado para a publicação comemorativa do centenário da ACIRP “Um espelho de cem anos 1904-2004”, História Política e Econômica da ACIRP – 1945-1970. Outros trabalhos importantes são os de Thomas Walker e Agnaldo de Souza Barbosa, Dos coronéis à metrópole: fios e tramas da sociedade e da política em Ribeirão Preto no século XX, editado pela Palavra Mágica em 2000, de que nos utilizamos neste trabalho, e o de Cliff Welck & Sebastião Geraldo sobre as lutas dos trabalhadores rurais na região de Ribeirão Preto, Lutas Camponesas no interior paulista: memórias de Irineu Luís de Moraes, editado pela Paz e Terra em 1992. Para o período especificamente da Ditadura Militar com o foco no movimento armado de resistência, um dos poucos trabalhos acadêmicos disponíveis é o de Marcelo Botosso, A guerrilha ribeirão-pretana: história de uma organização armada revolucionária. Este trabalho corresponde à sua dissertação de mestrado apresentada ao programa de pós-graduação da UNESP/Franca em 2001 e sua consulta é imprescindível para conhecer os anos de chumbo em Ribeirão Preto.

Vários vereadores da legislatura de 1960 a 1963. Da esquerda Para a direita: Gasparini, Said Issa, Roberto Benedetti, Adhemar Penha e José Veloni. Da direita para a esquerda: José de Barros de Oliveira, João de Paula e Silva Filho, Áureo Norberto da Silva, (não identificado), Celso Paschoal e Juventino Miguel.


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RIBEIRÃO PRETO NOS ÚLTIMOS 50 ANOS

NOS TEMPOS DA DITADURA MILITAR UMA RÁPIDA RESENHA HISTÓRICA Uma faceta interessante percebida na trajetória política de Ribeirão Peto é que, depois da ditadura Vargas, assim como aconteceu mais tarde, depois da ditadura militar, foi mínima a renovação dos quadros políticos em nível municipal e, até certo tempo, também da Câmara Municipal. Depois de Condeixa Filho, o cenário político da cidade foi dominado por Welson Gasparini (prefeito por quatro vezes) e Antônio Duarte Nogueira (por duas vezes). Nas eleições de 1963, o PRP (Partido de Representação Popular, de orientação integralista) foi reforçado por uma ala dissidente do PDC (Partido Democrata Cristão), liderado por Welson Gasparini. Político que ganhou notoriedade através do rádio, ele levou a melhor pela chapa do PRP-PDC, derrotando por apenas 327 votos o candidato da coligação PSP/PTB/PSD/PR, Paulo Gomes Romeo.

POPULISMO: TARDIO E RADIOFÔNICO Era a primeira vez que Gasparini ficava à frente do governo municipal, administrando a cidade de 64 a 69, além de já vir de um mandato de vereador. Teve como vice o jornalista Orestes Lopes de Camargo, diretor do jornal “A Cidade”. Mais tarde, seu segundo mandato teve como vice Antônio Carlos Morandini; o terceiro, entre 89 e 93, foi seu vice o médico Faustino Jarruche e o quarto, entre 2005 e 2008, Celso Pastori. Welson Gasparini representou a versão local do político populista de forte conteúdo conservador, se bem que um pouco tardio, pois somente chega à prefeitura, pela primeira vez, no mesmo ano do golpe militar que encerrou aquela fase em nível da história nacional. Exatamente por isso ele não era bem visto pelas outras forças conservadoras que tomaram o poder com o golpe militar. Tanto assim que eram muitos na época os boatos de que poderia ser cassado. Só boatos... Gasparini tem origem popular, entre os “carcamanos” que chegaram à região na época áurea do café e fez seu nome junto às camadas mais pobres e obreiras, através da primeira emissora de rádio da cidade, a PRA-7, como depois, também, através da 79, onde ficou conhecido como “o menino do estilingue”. Fez escola, já que foi seguido por várias outras lideranças que firmaram seu espaço


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político através do rádio. Como já vimos, Divo Marino foi quem estudou detidamente até agora a força do rádio na formação das lideranças políticas locais no seu livro “O Populismo Radiofônico” onde demonstra, com acuidade, a ascensão política de Welson Gasparini. As administrações de Gasparini, principalmente as duas primeiras, foram marcadas por grandes obras de urbanização que mudaram a feição da cidade: abertura e alargamento de ruas e avenidas, asfaltamento, construção de redes de água, esgoto e energia elétrica. Um dos pontos altos do seu governo foram o saneamento e a retificação do córrego do Retiro onde surgiu a Avenida Dr. Francisco Junqueira, sucessora exatamente da Avenida do Retiro. Foi talvez o primeiro prefeito que buscou elaborar um planejamento de desenvolvimento urbano que desse coerência a um plano de obras. Para isso necessitou de implantar uma organização administrativa mais racional e compatível com os novos tempos de uma grande cidade. Podemos dizer que foi a partir dele que a prefeitura passou a ter um cronograma com secretarias, departamentos, coordenadorias e conselhos. Durante o seu segundo mandato, algumas obras se destacaram: a retirada dos trilhos da Mogiana na área que vai se transformar bem mais tarde no belo e aprazível Parque Ecológico Maurílio Biagi, abrigando a majestosa sede da Câmara Municipal (inaugurada durante a sua terceira administração) e as obras recentemente tombadas de Bassano Vacarini; construção da nova rodoviária onde antes existiam os armazéns da Cia. Mogiana de Estrada de Ferro; construção do cemitério Bom Pastor; a reforma do Palácio Rio Branco e a inauguração da Casa da Cultura, no Alto São Bento. Nas suas duas primeiras administrações, Gasparini pegou carona nos governos militares, na sua fase mais fechada e repressiva. Deu-lhes inquestionável apoio, sendo em nível regional o principal líder da Aliança Renovadora Nacional (ARENA), o partido do governo. Gasparini era o representante do regime que até então dispunha de apoio popular com seus planos faraônicos de desenvolvimento que embalavam os sonhos da classe média. Soube tirar proveito desta onda de otimismo e da forte propaganda ideológica do “país que vai pra frente”. Já a construção do calçadão do centro da cidade e a Escola de Educação Especial Egydio Pedreschi foram obras de seu terceiro mandato, entre 1989 e 1993. As relações estreitas que mantinha com influentes figuras do clero e com grupos de fortes empresários, principalmente grandes usineiros, alguns deles filhos e netos de italianos como ele, consolidaram uma formidável base de apoio político, o que explica ter vencido eleições para prefeito por quatro vezes. RIXAS DOMÉSTICAS: RIVALIDADES DENTRO DA ARENA Entre 1969 e 1973, Ribeirão teve como prefeito o médico Antônio Duarte Nogueira, apoiado por Gasparini e que fora seu Secretário de Saúde. Sua administração seguiu o mesmo perfil de seu padrinho político e teve como grande obra a construção de uma empresa municipal de telefonia – a CETERP. Foi também durante o seu primeiro mandato a criação do Diário Oficial do Município. Em 13 de junho de 1972, começaram a ser retirados os trilhos da antiga Mogiana do centro da cidade. Isso veio permitir a urbanização daquela área, a drenagem do ribeirão Preto e o saneamento do chamado “Triângulo da Malária”, o que deu nova vida aos bairros da Vila Tibério, República e Vila Virgínia. Mesmo assim este último continuou sem saídas fáceis para a cidade durante muito tempo. Posteriormente, nogueiristas e gasparinistas rivalizaram-se intensamente no âmbito da Arena Municipal, através do instituto das sublegendas até que, já no final da ditadura militar, Nogueira veio a romper definitivamente com Gasparini, dando origem a um novo grupo político que se aglutinará em torno do PDS (Partido Democrático Social), sucedâneo da Arena, quando da reforma partidária realizada pelo governo do Gal. Figueiredo, já no fim da ditadura militar.


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Gasparini foi o sucessor de Nogueira (segundo mandato), mas este retornou à prefeitura pela segunda vez em 1977, beneficiando-se também de uma prorrogação de mandatos municipais que o deixou até 1983 na prefeitura. No seu segundo mandato, Nogueira investiu pesado na construção de casas populares, através da COHAB, para a população de baixa renda, surgindo os populosos bairros do Complexo Aeroporto como o Quintino Facci I, o Quintino Facci II, o Avelino Palma, o Adelino Simioni e outros. A distribuição de casas populares pelos políticos com ou sem mandato constituiu nessa época uma das mais poderosas estruturas de clientelismo político da história de Ribeirão Preto que funcionava em pleno vapor em época das eleições.

RESISTÊNCIA AO REGIME MILITAR Os anos posteriores ao golpe militar de 1964 foram marcados por repressão política, cassações, prisões e torturas, mas também por protestos, greves, passeatas, enfim, todo tipo de resistência de setores da sociedade que discordavam do autoritarismo institucionalizado. Em Ribeirão Preto não foi diferente. Algumas lideranças da sociedade também passaram à contestação política mobilizando setores importantes que se manifestavam com frequência. O historiador Marcelo Botosso, na sua dissertação de mestrado em História que apresentou à UNESP de Franca em 2001 – A Guerrilha ribeirão-pretana: história de uma organização armada e revolucionária -, lembra uma das ocasiões em que os manifestantes, insatisfeitos com a ditadura, saíram às ruas para protestar: “No dia 21 de setembro de 1966, as ruas centrais da cidade de Ribeirão Preto seriam mais uma vez testemunhas das manifestações estudantis que repudiavam a nova ordem [...] A tradicional choperia Pinguim por muitas vezes era utilizada discretamente como área de concentração pelos manifestantes. O confronto com a polícia quase sempre era inevitável. Metralhadoras, cassetetes, bombas de gás lacrimogêneo, pancadaria, cães, cavalos, jipes e outros veículos da repressão investiam contra os manifestantes.” (BOTOSSO, 2001, 41).

Eram várias as táticas utilizadas pelo movimento estudantil no combate ao regime autoritário: faixas, cartazes, palavras de ordem, passeatas, comícios relâmpagos... Botosso relata que a efervescência contestatória, surgida principalmente no meio estudantil, resultaria numa organização com opção pela via armada: a FALN - Forças Armadas de Libertação Nacional: “A organização FALN se caracterizou pela sua insularidade, pois, sendo autóctone, optou pela autonomia tática não se vinculando a nenhum outro grupo armado revolucionário. Muito provavelmente foi a única que não surgiu a partir de uma capital de Estado. A baixa faixa etária de seus integrantes e o elevado percentual de trabalhadores rurais registrados no único processo judicial movido contra as FALN, também foram características enfáticas do grupo em relação aos 7 demais existentes na época. Mereceu também destaque no episódio citado o envolvimento de uma freira franciscana, o que traria uma tomada de posição inédita por parte da Igreja Católica, fato singular em todo o período autoritário.” (BOTOSSO, 2001, 7-8).

O fato singular a que se refere Marcelo Botosso foi a excomunhão de dois delegados de polícia por prática de tortura a presos políticos, entre os quais a Madre Maurina Borges da Silveira, diretora do Lar Santana, acusada de subversão e presa em outubro de 1969 pelos agentes da ditadura militar. Ela acabou indiciada por subversão e levada até o presídio Tiradentes. Só deixou a cadeia após ser incluída na lista de presos políticos trocados pelo cônsul japonês Nobuo Okuchi, sequestrado em 1970. Ela foi exilada para o México.


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Botosso discorre com detalhes sobre as dissidências do PCB em Ribeirão Preto que levarão à formação de um movimento revolucionário armado local. Segundo ele, nos últimos meses de 1966 e início de 1967, as divergências internas do PCB iriam acirrar-se ao ponto de provocar sérias fissuras nesta organização partidária. Inserido no panorama nacional, no ano de 1966, o Comitê Zonal do PCB em Ribeirão Preto não se diferenciaria dos acontecimentos que ocorriam dentro de quase todos os comitês do partidão, sendo palco de uma verdadeira avalanche de lutas internas. Nesse contexto, ainda em 1966, um grupo de contestadores liderados, dentre outros pelo estudante Wanderley Caixe, vislumbram a imediata organização da luta armada revolucionária como única forma efetiva de combate ao autoritarismo. A proposta tomou corpo e, em questão de tempo, surgiu a FALN – Forças Armadas de Libertação Nacional. Como dissidência do Partido Comunista Brasileiro, a FALN foi possivelmente a precursora no processo de rompimento do pós-golpe de Estado, que se iniciou a partir de 1966, culminando na irreversível desagregação partidária, levando inúmeros militantes do PCB a optarem pela via armada revolucionária (BOTOSSO, 2001). Filhos diretos do caldo cultural dos anos 60, aclimatado pela bipolarização da Guerra Fria, as reuniões politizadoras da UGT, na Frente Agrária, das discussões travadas pela imprensa local, do ativo Movimento Estudantil, universitário e secundarista, dos sindicatos dentre outros segmentos e organizações sociais existentes, a maioria dos jovens militantes ribeirão-pretanos, ligados direta ou indiretamente ao PCB, mostrava-se favorável à luta armada. Discordavam da política de alianças proposta pelo partido, tida como conciliatória. A repulsa pela impotência do PCB frente ao regime instaurado era a tônica dos descontentamentos. Esta efervescência contestatória, principalmente no meio estudantil, chegaria mais tarde ao ápice com a opção pela via armada e o conseguinte surgimento das FALN de inspiração debrayista. Realizando algumas poucas ações armadas, basicamente em Ribeirão Preto, a FALN é desmantelada ao final de 1969, sendo seus integrantes e simpatizantes presos e torturados pelo regime autoritário (BOTOSSO, 2001). APÓS A DITADURA, UMA HISTÓRIA QUE AINDA ESTÁ SENDO CONSTRUÍDA E AINDA POR SER ESCRITA As eleições para prefeito de 1982 foram vencidas pelo ex-vereador João Gilberto Sampaio. Acompanhando desde 1974 o crescimento da oposição consentida encastelada no Movimento Democrático Brasileiro (MDB), o partido de oposição, as eleições municipais daquele ano deram a vitória ao PMDB, recém-fundido com o Partido Popular (PP) de Tancredo Neves. João Gilberto representou naquele momento o forte sentimento de oposição à Ditadura agonizante, que também se refletia pela retomada dos movimentos sociais e pelas greves, como a dos cortadores de cana de Guariba em 82. João Gilberto já tinha seu nome fortalecido desde a eleição anterior, quando só foi derrotado pelo instituto das sublegendas utilizado pelo partido do governo, a ARENA, tendo sido o candidato mais votado individualmente, superando inclusive Welson Gasparini. A administração João Gilberto foi marcada pelo conflito político em nível municipal. Os grupos ligados à Ditadura, inconformados com a derrota, lhe fizeram oposição sem trégua, mas seu gosto pela polêmica e pelo enfrentamento político cativaram parte das camadas populares. Não deixou de lado as posturas populistas dos prefeitos anteriores e seguiu em frente com a construção de casas populares pela COHAB, quando as mesmas continuaram sendo distribuídas pelos vereadores do seu grupo político para montar seus feudos eleitorais. Um dos pontos altos de seu governo foi a remodelação dos serviços de saúde do município (acompanhada pela implantação do Sistema Único de Saúde), coordenada pelo seu Secretário de Saúde, Dr. Luiz Carlos Raya. Inúmeros postos de saúde foram construídos na periferia e teve início


RIBEIRÃO PRETO NOS ÚLTIMOS 50 ANOS | 223

a descentralização do atendimento médico-ambulatorial. Na área de educação, João Gilberto iniciou o modelo das escolas de tempo integral, seguindo o exemplo do Rio de Janeiro com o governador Brizola, e aqui ele construiu o Centro Municipal de Ensino Integrado (CEMEI) que levou seu próprio nome na Vila Mariana, com amplo visual voltado para a Avenida Costa e Silva, na saída para Franca, mas vítima de um barulho ensurdecedor do tráfego pesado da mesma avenida. Mas tudo isso não impediu a volta de Gasparini para o seu terceiro mandato, derrotando Nogueira e o próprio candidato do prefeito, Flávio Favaretto, em 1988. Nestas mesmas eleições, o Partido dos Trabalhadores (PT) elegeu o seu primeiro vereador, o médico sanitarista Antônio Palocci Filho, que viria a ser, quatro anos mais tarde, o sucessor de Gasparini, depois de exercer um curto mandato de deputado estadual. A eleição de Palocci marcou uma nova reviravolta na política de Ribeirão Preto, bem mais profunda que a eleição de João Gilberto em 82, rompendo com quase trinta anos de tradição política, dominada pelas figuras de Gasparini e Nogueira. A CONSOLIDAÇÃO DE UMA NOVA HEGEMONIA CONSERVADORA As novas elites, que se formaram em Ribeirão Preto nos últimos 50 anos, tiveram sua sustentação exatamente na pujança de sua economia e na projeção de algumas lideranças políticas ligadas estreitamente ao empresariado local. Pelo menos é assim que a sociedade as entende, já que os nomes que se destacam nas esferas culturais, educacionais e científicas quase nada interferem na formação de valores e nos caminhos traçados para o seu desenvolvimento, de maneira bem diferente dos tempos idos da 1ª República. Também os grupos organizados em torno dos mais diversos interesses como associações de classe, sindicatos, movimentos sociais e instituições religiosas, por exemplo, vem perdendo nos últimos anos, gradativamente, sua influência na formulação de um projeto de cidade. Como já foi dito, o rádio foi uma força muito maior para a formação de novas lideranças. Exceção poderia ser feita ao período da primeira administração municipal de Antônio Palocci Filho (1993-1996), mas como não se constituiu um projeto político claramente diferenciado, este acabou não tendo prosseguimento, com a vitória de Luiz Roberto Jábali (PSDB) que, nas eleições de 1996, venceu no segundo turno o candidato da situação, o petista Sérgio Roxo da Fonseca. O governo Jábali foi marcado pela dinâmica neoliberal. Conseguiu atrair algumas grandes empresas, procurou racionalizar as despesas, inclusive com a demissão de servidores, e concluiu a privatização da CETERP – a empresa pública de maior importância do município. Segundo Thomas W. Walker e Agnaldo Barbosa (2000), as eleições de outubro de 2000 demonstraram a insatisfação com os quatro anos da administração do PSDB. A vitória ficou com Palocci Filho que era deputado federal e preferiu voltar à administração municipal pela segunda vez. No pleito, enfrentou novamente o candidato Antônio Duarte Nogueira Júnior (PSDB), o qual já havia derrotado no segundo turno das eleições para prefeito em 1992, quando Nogueirinha disputou a prefeitura pelo PFL. Filho do ex-prefeito Antônio Duarte Nogueira, ele terminou as eleições de 2000 em terceiro lugar, atrás também do candidato do PFL, Antônio Carlos Morandini. Encabeçando uma coligação de centro-esquerda, Palocci fez uma campanha com o slogan “Para Mudar Ribeirão” e assumiu compromissos de priorizar as questões sociais. Como na opinião de Walker e Barbosa, “sua vitória expressa a esperança da população na possibilidade de dias melhores. Como tantas outras vezes, neste século XX, Ribeirão se propõe a recomeçar...” (WALKER & BARBOSA, 2000, 202). Mas já estamos no século XXI. Palocci cumpriu metade de seu mandato e se afastou em 2002 para coordenar a vitoriosa campanha de Lula à presidência. A prefeitura ficou com o vice, Gilberto Maggioni, oriundo da ACIRP, que se transferiu para o PT, tentou a reeleição e ficou em terceiro lugar, sendo derrotado por Baleia Rossi (PMDB) e Gasparini (PSDB) que então assumiu a prefei-


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José antonio lages

tura pela quarta vez. A teoria da bipolarização foi definitivamente pelos ares. Isso ficou ainda mais claro na sucessão de Gasparini em 2008, quando o prefeito foi derrotado pela candidata Darcy Vera (DEM) que vinha de uma ascensão meteórica como vereadora e deputada estadual. Análises exigem certa distância do tempo para serem minimamente histórico-científicas e não caírem como simples peça de propaganda ou um panfleto. Por isso, fiquemos por aqui. Mas Ribeirão não é apenas prefeitos, partidos e eleições. Sua política passa também por outras vias, como no passado. Mesmo com toda esta sensação, aliás, mais realidade que sensação, da dispersão, da desagregação, da desinformação, enfim, da despolitização... a política nos últimos anos vem sendo ocupada por novos atores.

O CONTRAPONTO

Ocupação da Câmara Municipal pelos professores em 2012, com apoio de vários movimentos sociais, entre os quais o Panelaço.


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Este livro foi impresso em Ribeirão Preto, em novembro de 2016, pela Nova Enfim Gráfica e Editora. A fonte utilizada para esta publicação foi a Adobe Garamond Pro, lançada pela Adobe, por volta de 1989. O design da fonte é de Robert Slimbach que fez uma releitura dos tipos romanos de Claude Garamond e dos tipos itálicos de Robert Granjon.


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JOSÉ ANTONIO LAGES

RIBEIRÃO PRETO REVISITADA

José Antônio Lages é graduado em História, Filosofia e Pedagogia, mestre em História pela UNESP–Franca em 1995 e doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo em 2016. É professor aposentado da Rede Municipal de Ribeirão Preto e, atualmente, é consultor técnico legislativo na Câmara Legislativa do Distrito Federal em Brasília. Foi vereador em Ribeirão Preto entre 2001 e 2004. Publicou em 1996 Ribeirão Preto: da Figueira à Barra do Retiro, originado da sua pesquisa do mestrado, referência obrigatória na reflexão do processo de povoamento do nordeste paulista. Teve participação na Coleção Nossa História, publicada em 2012, com o título Fundadores: a saga de Manoel Fernandes do Nascimento. Como militante da área do patrimônio cultural e histórico, participou dos Conselhos de Cultura e de Preservação do Patrimônio Cultural de Ribeirão Preto.

JOSÉ ANTONIO LAGES

RIBEIRÃO PRETO REVISITADA

“(…) a obra de José Antonio Lages Ribeirão Preto revisitada chega em bom tempo. Em contexto de muitos outros livros, coleções, mídias, vídeos, fotos, sites de relacionamento, dispositivos variados que publicizam a memória local para quaisquer olhos curiosos que tiverem acesso à internet. A trajetória destes 160 anos de história ribeirãopretana está disponível de forma gratuita em inúmeros locais e suportes diferentes, mas nem sempre acessíveis, dado o caráter acadêmico-científico de muitas destas produções. Aí está a primeira diferença de Ribeirão Preto revisitada – mesmo diante da cautela inicial na interpretação das fontes (teoria e método acadêmicos), ainda sim, Lages não se preocupou em produzir linguagem semelhante. A obra deseja aumentar o acesso à memória local a todos os interessados, contribuindo fortemente com tal intento, na medida em que retira dos leitores não iniciados os conceitos e jargões específicos da teoria da história e de questões teórico-metodológicas.” Rafael Cardoso de Mello Historiador

08/12/2016 22:05:43


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