Revista Babel - Edição julho_23

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revista babel

Um convite para descobrir as Américas

edição de julho de 2023

Professores-orientadores:

Alexandre Barbosa

Dennis de Oliveira

Editora-chefe:

Rebeca Alencar

Editor de arte:

Theo Sales

Repórteres:

Aldrey Olegario

Ana Carolina Guerra

Bruno Milliozi

Mara Matos

Mariana Marques

Luana Machado

Lucas Zacari

Natalia Nora

Natasha Teixeira

Mariana Marques

Matheus Nascimento

Victoria Borges

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Um convite para descobrir as Américas

Uma América... principalmente latina

Serra da Barriga reúne cultura e preservação ambiental

Comunidades pesqueiras: água como meio e modo de vida

Panamá: o país que não se tornou uma nação soberana na sua independência

Do ato à finitude: os extremos de "Memórias de Minhas Putas Tristes"

POC CON tem kit gay, arte e muita liberdade criativa em sua segunda edição

No coração de São Paulo, Teatro Oficina completa 65 anos de arte e resistência

A decolonização das relações

As odds da regulamentação

Um convite para descobrir as Américas

Rebeca Alencar

AAmérica Latina é uma parte integral da história e da identidade americana. Sua riqueza cultural, diversidade, sua luta pela independência e suas contribuições econômicas são elementos fundamentais que moldam a região e o continente como um todo. É necessário reconhecer, valorizar o que se tem aqui. Afinal, já parou para imaginar quantas histórias essas terras têm para contar?

Pode ser aquela que você ouviu na escola, que ouviu em casa, na rua, aquela que se dá orgulho e aquela que dá vontade de fingir que nunca existiu. Trazendo sorrisos ou lágrimas, a América Latina, além de ser casa, é lar de muito orgulho e de centenas de identidades. O latino-americano não é um só, nem suas lutas, e suas conquistas, tampouco.

É hora de olhar para o outro lado. Comemorar que chegamos até aqui, que resistimos,

e que por um motivo somos a maior parte da América: força. Força que existiu e continua existindo, e que cada vez mais se expande pelo globo afora. Força que também não é apenas símbolo de resistência, mas principalmente o que mais tem sido necessário para continuar fazendo a nossa história.

Embora tenhamos muita história para contar, fazer com que estivessem aqui as pessoas para contá-las é sempre difícil. Sabemos que nos fazer presente continuará sendo assim, mas mais difícil ainda é tirar o que fomos, o que somos e o que ainda vamos ser da história do mundo.

Há muito mais de “latino” por aí do que se pode imaginar. Por outro lado, há muito menos do que ainda podemos (e iremos) ocupar. Mas há algo do qual não há como fugir: é importante lembrar que nós também somos América. A América também é nossa.

Sumário
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Placa no Parque Memorial Quilombo dos Palmares. [Foto: Theo Sales]

Uma América... principalmente latina

Lar de mistura de contrastes, desafios e encantos que revelam um território complexo e em constante transformação, há muito o que conhecer por aqui.

Rebeca Alencar

Paraguai

frutilla (Festival do Morango, em português). O evento recebe inúmeros turistas que buscam a fruta e alimentos produzidos com ela e com bom custo-benefício.

Resistência, luta, natureza, diversidade, cor. Se te dissessem que esses cinco adjetivos descrevem um continente, qual é o primeiro que lhe vem na mente?

Sim, a América Latina. Um território que contém um histórico forte e que séculos atrás sofreu as consequências da tragédia do genocídio em massa e colonização. Consequências essas que projetam seus efeitos na sociedade até hoje, considerando os índices de desenvolvimento dos países latinoamericanos.

Os adjetivos sempre estão frescos para nós, uma vez que conhecemos nossa história e o valor da nossa identidade como como latinos. Por outro lado, aos que se limitam apenas à pré-conceitos estabelecidos que passam de geração para geração, a segunda prevalece. Como é possível então, mostrar ao mundo afora, e a nós mesmos dentro desse espaço, que a América Latina é muito mais do que destroços?

Natureza, diversidade. Duas palavras que além de simbolizar nosso território, estão intrinsecamente ligadas a uma terceira: cultura. Disso, temos muito. E do bom e do melhor. E isso não está só no Cristo Redentor ou nas Cataratas do Iguaçu. A América Latina pode oferecer muito mais do que qualquer pessoa pode imaginar.

De latinoamericanos para latinoamericanos, confira a seguir dicas turísticas de alguns países com lugares que você não pode deixar de conhecer:

Parque Ñu Guasu: localizado próximo ao Aeroporto Internacional de Silvio Pettirossi, o parque é considerado um “pulmão verde” em meio à área urbana de Assunção, capital do país, com 25 hectares. Além de ser um ótimo espaço para praticar esportes, caminhar e passear com a família, também possui uma ótima infraestrutura e espaços para crianças.

Localização: Peatonal del Parque Ñu Guazu

- Tramo 3, Luque, Assunção, Paraguai

Horário de funcionamento: de segunda à domingo, das 05h às 20h30

Localização: Zona Super6, Areguá, Ruta Areguá-Patiño. El Café de Acá: também em Assunção e com duas unidades abertas, esse café tem o objetivo de trazer o consumidor para uma imersão na cultura e culinária paraguaia tradicional, além de contar com outros itens mais globais no cardápio para aqueles que querem testar novas combinações, com pratos de, no máximo R$ 50,00 na cotação atual.

Localização: Unidade Vila Morra - Teniente Vera, 1380, esquina Dr. Morra; Unidade Barrio Jara - Av. Gral Santos, 1030, Local n. 5

Horário de funcionamento: de segunda a domingo, das 6h30 às 23h

Chile

Patronato: é um grande centro de restaurantes voltado para a culinária do Oriente Médio e Ásia que fica em Santiago, capital do país. Embora o foco seja a comida, o espaço não deixa de ter lojas para comprar itens de vestimenta e acessórios. É uma ótima opção para conhecer uma cultura externa ao continente do ponto de vista chileno.

Localização: próximo à estação Patronato, na linha amarela do Metrô de Santiago.

é destinado majoritariamente a itens de moda, vestimenta e antiguidades. Embora não seja um local muito frequentado para a compra de souvenirs, ainda é possível aproveitar o comércio, desde que evite insistir com os comerciantes nas pechinchas.

Localização: ao sudoeste da Av. Alameda, próximo à estação Franklin, também na linha amarela do Metrô de Santiago

Praça coreana dentro do Parque Ñu Guasu

[Foto: Diego Quintana / Wikimedia Commons]

Feira do Morango de Areguá: fugindo da agitação da área urbana, na cidade de Areguá, também conhecida como a Capital do Morango, é possível visitar anualmente no mês de agosto, o Festival de la

Horário de funcionamento: a maioria dos estabelecimentos funciona de segunda a domingo, das 10h às 18h.

Pizzeria da Bruno: pizza é um dos pratos mais populares na culinária mundial, no entanto, embora sendo tradicionalmente italiano, cada país sempre dá um jeitinho de dar seu toque especial, mesmo que mantenha sua identidade. Na Pizzeria da Bruno, em Santiago, isso não é diferente. Com pizzas grandes de, em média R$ 50,00 cada (de acordo com a cotação atual), o estabelecimento é ótimo para reunir os amigos ou turistar da hora do almoço ao jantar e conhecer a perspectiva chilena da culinária internacional.

Localização: Triana 857, Santiago

Horário de Funcionamento: de Terça a Sábado, das 12h30 às 21h30, ou enquanto durarem os estoques

Mercado Persa Bio Bio: também conhecido como Mercado Franklin, é uma grande feira a céu aberto também em Santiago. Diferente do Patronato, o Persa Bio Bio

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Pizzeria da Bruno. [Foto: Divulgação/Instagram]

Argentina

Ushuaia: é ua cidade que mais fica próxima ao continente da Antártida e, por isso, popularmente conhecida como Cidade do Fim do Mundo. Como consequência, o clima da região é de frio intenso e a paisagem é dotada de neve e geleiras. Embora esteja a mais de 3 mil quilômetros de distância da capital Buenos Aires, que é um dos focos de turismo do país, Ushuaia tem recebido cada vez mais a atenção de estrangeiros curiosos com o local.

Localização: Arquipélago da Terra do Fogo, no Extremo Sul da América do Sul

Peru

Glaciar Perito Moreno: com mais de 60 metros de altura e 5 de comprimento, o tamanho da geleira se aproxima da extensão total de Buenos Aires, e é a única do mundo que tem previsão de aumentar ainda mais, e não diminuir. Esses fatores fazem com que Perito Moreno atraia inúmeros turistas não apenas para admirar a paisagem, mas também para realizar passeios de mini trekking, big ice e navegação.

Localização: Parque Nacional Los Glaciares, na cidade de El Calafete, Província de Santa Cruz

Kuélap: é uma antiga construção de pedra pré-inca protegida por uma muralha que, atualmente, é um grande e importante sítio arqueológico para o continente. Partindo da entrada, é possível chegar à área turística em 20 minutos com o auxílio de teleféricos, no entanto, os amantes de trilhas e caminhadas também podem se aventurar no trajeto.

Localização: Chachapoyas, Província de Luya, nordeste dos Andes peruanos

Horário de funcionamento: 8h às 17h

Unidos. Além de admirar a paisagem natural que conta com mais de 6 mil metros de altura em seu ponto mais alto na região de Huambo, também há a oportunidade de ver os Condores Andinos, que possuem o cânion como habitat natural, através do Mirante Cruz del Condor

Localização: sul do Peru, a 40 km de distância de Chivay, que dá acesso ao Vale do Colca Colômbia

Playa Guachalito: marcada pela paisagem das montanhas escuras da floresta ao fundo, essa praia colombiana possui cachoeiras que se fundem ao mar que fazem sucesso entre os turistas, tornando-a a mais visitada da região. Para aproveitar melhor o local, é possível realizar atividades como surfe, mergulho e observação de Baleias de Bossa.

Localização: Chocó, Golfo de Tribugá

do Labirinto do Deserto e Espaço Piscilodo, que conta com três piscinas de lama terapêutica.

Localização: município de Villavieja, em Huíla

Península Valdés: fugindo um pouco do frio, o local foi declarado Patrimônio da Humanidade pela Unesco em 1999 e é considerado um refúgio de vida silvestre. Lá, além de visitar os mirantes de pinguins, baleias, leões e elefantes marinhos, os turistas podem visitar o centro de visitantes para conhecer a história da Península e também o único vilarejo da área, conhecido como Puerto Piramides.

Localização: Patagônia, na Província de Chubut

Horário de funcionamento: aberto o ano todo para visitação, com mais informações no site https://peninsulavaldes.org.ar/.

Frisos em pedra de Kuélap. [Foto: . Luiluilui/Wikimedia Commons]

Cânion Colca: é conhecido como o mais profundo do mundo, duas vezes mais profundo do que o Grand Canyon, nos Estados

Deserto de Tatacoa: é a segunda maior zona árida do país e, ficando atrás apenas da Península da Guajira. Característico por seus quadrados de terra avermelhados e acinzentados, não é um dos destinos favoritos dos turistas, mas há muito o que explorar por lá, como o Observatório Astrológico, trilhas do Labirinto do Deserto e Espaço Piscilodo, que conta com três piscinas de lama terapêutica.

Localização: município de Villavieja, em Huíla

[Foto:

Brasil

Casa Mestre Ananias: é um espaço cultural, que busca estimular a integração social e valorização da identidade do povo negro, localizado no bairro do Bixiga, em São Paulo. O objetivo é difundir os saberes socioculturais afro-brasileiros, principalmente da vertente baiana refletida na capital paulista com rodas de capoeira e rodas de samba.

Localização: Rua Conselheiro Ramalho, 939 - Bela Vista, São Paulo

Horário de funcionamento: de segundafeira das 17h às 22h, de terça a quinta das 18h às 22h, de sexta-feira, das 20h às 22h.

Barichara: é a segunda maior zona árida do país e, ficando atrás apenas da Península da Guajira. Característico por seus quadrados de terra avermelhados e acinzentados, não é um dos destinos favoritos dos turistas, mas há muito o que explorar por lá, como o Observatório Astrológico, trilhas

Um glaciar a beira do Canal de Beagle, em Ushuaia. [Foto: Rayandbee/ Wikimedia Commons] Uma das ruas de Barichara. Bernard Gagnon/ Wikimedia Commons]
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Entrada da Casa Mestre Ananias. [Foto: Theo Sales] revista babeledição de julho de 2023

Serra da Barriga reúne cultura e preservação ambiental

O Parque Memorial Quilombo dos Palmares está a cerca de 80 quilômetros da capital alagoana, Maceió. Antes da chegada dos escravizados fugitivos, a região era habitada pelos povos indígenas originários

Matheus Nascimento

Em 2007, foi implantado pelo Ministério da Cultura o Parque Memorial Quilombo dos Palmares, no município de União dos Palmares, Alagoas. Esse é o primeiro e único parque temático sobre a cultura negra do país. O espaço é composto por ocas, mirantes (atalaias) com paisagens magníficas.

Esse é um dos poucos locais no Brasil que rememoram fielmente as características dos quilombos do período colonial na América Latina. Palmares foi fundada no século 16 pela princesa congolesa Aqualtune e seu filho Ganga Zumba e de acordo com a Fundação Palmares foi o mais duradouro e mais organizado quilombo já implantado nas Américas.

O local é um dos maiores núcleos de resistência negra do país e chegou a ter cerca de 30 mil habitantes. Esteve sob comando de duas lideranças: Ganga Zumba, e em seguida de Zumbi dos Palmares, que optou enfrentar os colonizadores.

A palavra quilombo significa povoação na sua origem no idioma quimbundo do grupo etnolinguístico bantu, porém, representa muito mais que essa definição.

Para defender os movimentos heróicos de Palmares, atualmente, organizações têm a tarefa de rememorar os ancestrais africanos resgatando a cultura oral existente sobre as suas religiões, artefatos de uso cotidiano, alimentos e principalmente através das suas manifestações culturais.

Esse desafio passa por uma maior compreensão da estrutura de exploração da mão de obra africana em nossa sociedade que durou mais de três séculos e também pelos estudos dos diversos povos africanos que através de um sistema de dominação eurocêntrica vieram ao Brasil.

Entretanto, ainda falta reconhecimento em muitos aspectos para a cultura afro-brasileira. O Parque Quilombo promove de maneira inovadora o turismo, a cultura, a geração de empregos e o desenvolvimento educacional da população das cidades em torno da Serra da Barriga, zona da mata do estado e área de preservação ambiental.

Chef Mãe Neide e o trabalho das artesãs da comunidade quilombola Muquém

Devido ao trabalho realizado pela população de Palmares, a comunidade quilombola Muquém, localizada a cerca de 15 quilômetros do Parque, passou a ser conhecida. Com isso, eles começaram a difundir as tradições culturais afro-brasileiras regionais usando o potencial do Parque Memorial como ferramenta de divulgação. A maior referência e exemplo disso é a ialorixá Mãe Neide Oyá D’Oxum.

Chef do restaurante de culinária quilombola e indígena Baobá, que significa árvore da vida, ela tem uma relação maternal e ancestral com a Serra da Barriga. “Eu subo a Serra há mais de quarenta anos. Ela é meu lar, é a barriga da onde eu vim, é minha vida, meu sangue, meu legado”, conta.

Quem também conhece bem essa região é Adriana Maria Pereira da Silva. Ela é moradora da comunidade quilombola Muquém, zona rural do município de União dos Palmares, e filha de Dona Irinéia, artesã referência no Vale do rio Mundaú.

Ela conta em entrevista à Babel que os vasos, cabeças, tigelas, cumbucas, pilões, esculturas e santos, são feitos há mais de quarenta anos pela mãe dela. “Eu só ajudo ela a vender, barrear, tirar a lenha e principalmente tirar o barro do rio que é nossa matéria prima”, conta.

Mãe Neide conta ter tido contato com religiões de matriz africana ainda quando criança, sendo incentivada pela avó.

Assim como as panelas e bonecos de Dona Irinéia, Mãe Neide acredita que o Baobá é atrativo na Serra porque a culinária quilombola desperta interesse pela diversidade de ingredientes e pratos peculiares aos sabores originais. Com muito axé e respeito, ela se esforça para manter as tradições das comunidades quilombolas que resistiram em meio aos costumes dos europeus no Brasil.

Como se imagina, o artesanato também é forte em União dos Palmares. O comércio das peças gerou interesse nos turistas sobre a vida por trás do trabalho das mulheres palmarinas. O Mercado de Artesanato movimenta a economia local e gera uma renda complementar para as famílias quilombolas. “No 20 de novembro a gente é convidado para expor por dois, três dias as peças lá”, disse Pereira.

“Na realidade, o meu interesse pela culinária vem das minhas raízes.
Minha vó Cecília era cozinheira e eu pude cambona-la por muitos anos. Fui preparada para ser cozinheira do sagrado, que é Iabassê”
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Panelas e bonecos de Dona Irinéia. [Foto: Acervo pessoal da Adriana]

As peças basicamente são fiéis às que eram usadas nos mocambos (nome dado às vilas do Quilombo dos Palmares) Aqualtune, Andalaquituche, Subupira e do Macaco. Além de compor o quilombo, eles sempre foram ligados por trocas comerciais. Sabe-se que o artesanato não surgiu de uma demanda turística na região, mas pelo contrário, essa tradição e a de construção de casas de taipa à pau a pique foi que passaram a ficar conhecidas em outras localidades.

“Não é um trabalho tão valorizado como antigamente. Minha mãe começou a trabalhar aprendendo com minha avó, aos oito anos de idade. Foi bem depois que os turistas vieram e passaram a se interessar mais. Ela [a mãe] casou com dinheiro de peça, de panela, criou seis filhos com esse trabalho”, lembra.

Nas comemorações do dia 20 de novembro, centenas de pessoas sobem a Serra — que é Patrimônio Cultural Brasileiro — para conhecer o Quilombo dos Palmares e a cidade. Adriana comenta que em torno de 80 peças foram vendidas durante um ano e que antes da pandemia, em média, menos de dez peças saem por mês. Novembro é o mês com o maior número de vendas.

Através da técnica do Pipiri — nome de uma planta típica da região encontrada dentro de lagoas e rios — são feitos outros tipos de artesanato na região, como por exemplo, abanadores, esteiras e leques. Comerciantes também apostam em produtos com a identidade afro e que “estampam” a imagem de Zumbi, além de elementos tradicionais da cultura quilombola.

“Devido a enchente de 2010 [em que o nível do rio subiu causando estragos a comunidade], a maioria perdeu suas casas e agora a gente tá morando em casa de alvenaria um pouco mais afastado da beira do rio Antigamente, era uma tradição fazer festa tapando uma casa para alguém que casou. Todos iam pisar o barro, amassar com a mão”, destaca.

Ativismo no Parque Memorial

Um profissional muito conhecido e que trabalha há cerca de vinte anos em projetos de incentivo ao turismo na Serra é Helcias Pereira. Ele foi presidente do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Conepir) e relata ter feito um curso em 2019 para começar a atuar como guia no Parque e em outras regiões da Serra. Frequentemente, leva turistas da capital Maceió para conhecer o Parque.

Também é considerado um dos pioneiros na luta pela criação do Parque, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), desde 1985, e pelo Mercosul, no ano de 2017. “Também sou ativista do movimento negro de Alagoas e hoje trabalho para difundir o afroturismo para os visitantes, principalmente aos estudantes e pessoas interessadas em conhecer um pouco da cultura do povo de Palmares”.

Isso potencializa as identidades regionais, pois através do incentivo à cultura e dessas experiências surgem novas possibilidades para o mercado afro e um turismo direcionado a públicos diversos: entre eles, os estudantes de ensino público e universitários. O malungo conta que cerca de 40 mil turistas já passaram pela Serra.

“Já chegamos a receber turistas de muitas nacionalidades no Parque e muitos deles eram pessoas brancas que tiveram alguém ou algo que despertou neles um pouco de curiosidade sobre a cultura afro. Também buscam mais conhecimento sobre como é trabalhar com pautas anti-racistas”, destaca o guia.

É interessante saber que o espaço do Parque recria o ambiente do quilombo de forma didática, através de painéis informativos em pontos e trilhas do Parque, de “maquetes vivas” em escala real e também através de atividades experimentais, com sons e músicas tradicionais da cultura quilombola.

“O restaurante da minha amiga Mãe Neide, chef premiada no Brasil, fica sempre

nesses meses de outubro e novembro. O meu trabalho ajuda os turistas a terem um contexto de cada ambiente, de cada negro que se estabeleceu aqui. Há 17 anos estou no Anajô, uma entidade do movimento negro alagoano, e me dedico no nosso maior projeto, que é o Vamos Subir a Serra”, conta.

No Parque fica o restaurante Kúuku-Wáana, conhecido pelos visitantes como banquete familiar, justamente por também ser repleto de pratos da culinária afro-brasileira, e o Batucajé, local onde ocorrem manifestações artístico-culturais. Ao lado da Gameleira Branca — na Lagoa Encantada do negro — frequentemente ocorrem momentos com músicas típicas e cantos de capoeira.

No centro da cidade, a cultura popular também não passa despercebida. Nos fins de semana é comum acontecerem festivais com muito samba de roda e danças tradicionais. Esses e outros eventos promovidos por ativistas do movimento negro fortalecem a luta da Maçayó-k preta, em reverência aos heróicos quilombolas de Palmares.

Guia Helcias no Parque Quilombo dos Palmares. [Foto: Theo Sales] Estátua de Ganza Zumba e Zumbi dos Palmares no Parque Memorial [Foto: Theo Sales]
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No dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra em recordação à data do assassinato do líder quilombola Zumbi dos Palmares, as comunidades de terreiro de Alagoas sobem a Serra da Barriga e cultuam a ancestralidade, os Orixás, Nkisis e Voduns na Lagoa Encantada do Negro.

[Foto: Theo Sales]

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Comunidades pesqueiras: água como meio e modo de vida

Entenda como se caracterizam as mudanças climáticas na América Latina a partir da pesca artesanal de camarão-rosa no Uruguai

Observada de cima, imagens da Venezuela mostram manchas e um tom esverdeado no Lago Maracaibo. As manchas esbranquiçadas no maior lago da América do Sul são de petróleo e a cor é uma resposta à descarga industrial que acabou servindo de nutrientes para algas que se proliferaram. Maracaibo fica no estado de Zulia, que foi se transformou em um polo econômico do país por conta da descoberta de petróleo no século 20. A extração da indústria petrolífera deixou sua marca ambiental: com o excesso de algas aumentou-se o consumo de oxigênio disponível na água e uma consequência disso é a morte de peixes, que impacta diretamente a vida dos pescadores da região.

Após a catástrofe ambiental, alguns venezuelanos criaram como alternativa lagoas artificiais para o cultivo de camarão — em 2021 foram 150 milhões de dólares¹ vindos dessa atividade. Mas essa troca de caminho que embora hoje pareça solutiva, não resolve de fato o problema de todos os que foram afetados, tampouco o próprio problema ambiental causado. Alternativas aos impactos ambientais podem ser encontradas, mas a lógica da relação humano e meio é o que determinará quantas vezes esse caminho será alterado.

Não à toa estamos na Década do Oceano (2021-2030), proposta da Organização das Nações Unidas (ONU) para mobilizar gestores, políticos e a sociedade em prol da saúde oceânica. A água é um recurso insubstituível e indispensável a todos

e isso é um fato. Além de ser aporte para a maior parte da biodiversidade do planeta, os oceanos também são de extrema importância para as atividades humanas. O relatório da ONU para Alimentação e Agricultura, por exemplo, mostra que em 2020 a produção global da pesca e aquicultura atingiu 406 bilhões de dólares, a partir de 178 milhões de toneladas — no qual a pesca de captura representou 141 bilhões de dólares² .

rão consumida no Uruguai e também parte da demanda que é exportada para os mercados internacionais”, diz Rodolfo Vögler, doutor em ciências marinhas e professor da Universidad de la República de Uruguay. Isso se reflete na migração dos pescadores artesanais, locais e ocasionais entre as lagoas de acordo com a safra mais alta de um determinado período.

âmbito cultural. Lobato comenta ainda que para ele a principal vantagem da pesca do camarão-rosa se dá no período das safras. “As melhores colheitas que às vezes acontecem dois ou três anos seguidos, às vezes demora alguns anos, mas de qualquer forma quando tem oferta de camarão a gente consegue juntar esse dinheiro para resolver as coisas, quer dizer pagar as contas. É bom para guardar um pouco [da renda] para o inverno”.

Mudanças

climáticas e pesca artesanal no Uruguai

É na região leste do Uruguai, nas lagoas de Castillos, Rocha, Garzón e José Ignácio, durante o outono que o camarão-rosa ocorre com mais abundância para os pescadores das zonas costeiras. Trata-se de um recurso pesqueiro de importância econômica no país, que em épocas favoráveis representa cerca de 320 mil dólares na venda interna nas lagoas e cerca de 1 milhão 600 mil dólares na renda bruta do Uruguai³ .

“Atualmente, a pesca desenvolvida nas lagoas de Rocha e Castillos sustenta toda a demanda de cama-

Entre 100 e 350 pescadores artesanais são responsáveis por realizar a pesca desse camarão⁴, atividade tradicional e que faz parte da vivência das comunidades costeiras. “[Pescar] é de família, meus antepassados e meu pai eram pescadores”, conta Pepe Lobato, pescador da Laguna de Rocha. Ele lembra que começou a rotina na pesca logo na infância quando saía para o barco com seu pai aos 7 anos. “Lembro dos momentos bons, mas também me lembro do sacrifício que a gente passava no trabalho. É um pouco difícil, porque não tem muito uma quantidade média. Às vezes você pode pegar 200 quilos, 500 quilos, 50 quilos ou nada”.

Assim como Pepe Lobato seguiu de seu pai a atividade de pesca, o filho de Pepe também é pescador. Essa é uma característica comum das comunidades de zonas costeiras do Uruguai. Com atividades de turismo, como os passeios de barco e a gastronomia da região, a pesca artesanal se consolida ainda no

Uma das características do camarãorosa é que o volume de pesca é sensível a diferentes condições ambientais e climáticas. Vögler explica que os efeitos das alterações ambientais sugerem alterações na distribuição da espécie nas zonas do oceano onde há a presença de adultos e nas primeiras fases de vida, e também nas lagoas costeiras durante a fase juvenil. Diante da sensibilidade desse crustáceo, foi criada uma Cooperação SulSul (2019-2021) entre o Uruguai e o Chile para avaliar a vulnerabilidade da pesca do camarão-rosa em detrimento das mudanças climáticas na costa atlântica, nas lagoas de Castillos e de Rocha.

Vögler, que também é responsável pelo projeto, explica em entrevista à Babel que a combinação de fatores ambientais de grande escala e dos fatores sociais específicos da região estariam promovendo a exposição desse sistema sócio-ecológico aos efeitos da mudança no clima e no oceano. “É possível que exista um elevado nível de risco para o ecossistema marinho na região do Atlântico Sudoeste causado por fatores ambientais associados às alterações climáticas globais — como a intensificação dos eventos El Niño/La Niña; aumento da precipitação regional/interdecadal; intensificação dos ventos de sudeste e aumento da frequência de proliferação de algas nocivas — que atuariam sobre a distribuição do camarão-rosa. Esses efeitos ambientais combinados podem ter consequências adversas na duração da safra e nos níveis de captura de camarão nas lagoas costeiras do Uruguai”.

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Pepe Lobato exerce a atividade de pesca desde os 7 anos. [Foto: Manuel Mendoza]

Para pescadores como Lobato e comunidades que obtêm da água seus recursos, as zonas costeiras são indispensáveis. "A saúde dos oceanos está totalmente relacionada à subsistência de uma comunidade. Al[em de impactar na própria felicidade e na dignidade das pessoas. Se ela sempre se viu fazendo isso, não adianta depois [dos impactos ambientais] tentar compensar com indenizações”, afirma a oceanógrafa Brenda Ramos Uliano, da Universidade Federal do Rio Grande e membro da Red IberoAmericana de Manejo Costeiro Integrado.

A CSS Uruguai-Chile ainda demonstra como iniciativas acadêmicas integradas a outros países podem corroborar as ações ambientais além de servirem como aporte para atuação e gestão governamental. “Este estudo de caso evidenciou a necessidade de se abordar a vulnerabilidade socioambiental da pesca artesanal nesta região da América Latina de forma a ampliar o conhecimento sobre as desigualdades socioeconômicas e culturais existentes, que podem acelerar ou aprofundar os efeitos causados pelos eventos associados à mudança climática global que estão em jogo”, diz Vögler.

De modo geral, a mudança climática provocada pela ação humana podem se refletir em diferentes desequilíbrios nos oceanos. No caso das zonas costeiras, Brenda Uliano destaca que a ocorrência de eventos extremos como enxurradas, ondas de calor, acidificação, — nas regiões costeiras, a intrusão da cunha salina (no qual ocorre um desequilíbrio por conta do avanço do mar num corpo de água doce) —, e as alterações de temperatura são alguns dos reflexos das alterações climáticas que mais impactam a saúde desse ecossistema. “A mudança de temperatura de um grau celsius já é o suficiente para impactar corais. As espécies têm uma certa sensibilidade à mudança de temperatura

e de PH. Um aumento da temperatura dos oceanos faz com que o PH fique mais baixo, fique mais ácido. Um dos efeitos é acabar na extinção de algumas espécies ao longo dos anos. E pode afetar os próprios recursos na pesca”, explica a oceanógrafa.

A América Latina no discurso ambiental

O uso da escala está longe de ser um método de análise restrito ao campo das exatas e das biológicas. Se em uma pesquisa para compreender um determinado fenômeno um cientista realiza observações por amostras, quando o objeto da vez é a sociedade e suas engrenagens de comportamento — como no caso das pautas ambientais — a redução e delimitação do ponto de vista é mais que bem vinda. É o que já buscava em 1968, o historiador mexicano Luís Gonzáles y Gonzáles em Pueblo en vilo: microhistória de San José de Gracia, no qual realizou um estudo a respeito de uma comunidade aldeana no México com o anseio de trazer às discussões uma parte deixada de lado pelos estudos historiográficos (correntes que partem dessa linha de

Do lado de lá do globo

Rumilly é um município da França que fez uma panela antiaderente se tornar um de seus maiores pesadelos. É na Capital Mundial da Frigideira que está localizada a fábrica Tefal, produtora de cerca de 45 milhões de utensílios de cozinha por ano — e que produz o Teflon (famoso por revestir as frigideiras com aspecto antiaderente que conhecemos). Mas como é que uma panela foi capaz de mudar a história de um local? Para entender isso, é preciso olhar primeiro para o material do qual eram feitas essas panelas.

Por anos, para gerar o teflon dos produtos da Tefal utilizava-se uma classe de produtos químicos chamados

PFAS (substâncias per e polifluoroalquil — cujas ligações químicas tem como principal característica formar uma espécie de filme que repele água e gordura). O problema dos PFAS é que sua estrutura química faz com que eles sejam extremamente difíceis de se decomporem, por isso são usualmente apelidados de ‘produtos químicos eternos’. Os PFAS foram usados desde 1940 para a produção de materiais domésticos e industriais por conta de sua resistência e tiveram seu banimento na Convenção de Estocolmo de 2020, principalmente por conta de seus efeitos sobre o sistema imunológico — como potencial cancerígeno.

Mas até aí, o estrago já estava feito. Além de terem as características de antiaderência, os PFAS também são considerados poluentes orgânicos persistentes, o que significa que eles ficam no meio ambiente, nos humanos e nos animais por um longo período de tempo. Existem mais de 4.700 tipos de PFAS, o PFOA é um deles, altamente tóxico e um dos principais tipos de PFAS que foram usados na fábrica Tefal. Um dos reflexos dessa história foi na água, com a contaminação dos lençóis freáticos7 de Rumilly (que abasteciam cerca de 12 mil pessoas), onde foram encontrados ‘níveis significativos’ de PFOA. Nos peixes capturados nos cursos de água Nant Boré, Néphaz e Trois Fontaines

pensamento são classificadas dentro da concepção de microhistória). É uma forma de entender como uma questão afeta um determinado grupo se atentando para as singularidades dele.

Um mesmo problema, outro ponto de vista. As mudanças climáticas são uma questão de impactos globais e que exigem políticas e mobilizações globais. Mas quando falamos em norte e sul global, voltar algumas páginas atrás é essencial para a compreensão do papel político que cada uma dessas partes representa no discurso ambiental atual. Um dos caminhos é olhar para o colonialismo. “O que, principalmente, o colonialismo trouxe e que repercute até hoje primeiro é uma questão das relações de trabalho, que são baseadas basicamente em racismo. Na ideia daí de que o norte global produz o pensamento, o conhecimento e o sul global executa, digamos assim, esse pensamento, de que ele não é capaz de produzir um conhecimento científico”, diz Mariana Rocha Malheiros, mestra em integração contemporânea na América Latina, da Universidade Federal da Integração Latino-Americana e especialista em perspectivas decoloniais e educação.

para análise realizada em fevereiro deste ano, verificou-se que os níveis de PFAS nas amostras encontravamse ‘ligeiramente acima do limite’.

Embora a proibição dos PFAS tenha sido estabelecida em 2020, relatórios publicados na Annals of Global Health8 mostram que os efeitos nocivos à saúde e a toxicidade desses químicos já era sabido pela indústria química e, posteriormente, também por parte das empresas desde a década de 1960. O consumo de água das bacias de Rumilly foi cortado e a prefeitura de Haute-Savoie, onde está situado o município, recomendou não consumir os peixes capturados nessas águas9 .

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Região das lagoas costeiras do Uruguai. [Fonte: Infraestrutura de Datos Espaciales Uruguai] revista babeledição de julho de 2023

Conforme o relatório Greve de fome: o índice de vulnerabilidade climática e alimentar5 (2019), os 10 países que possuem os maiores indicativos de insegurança alimentar geram apenas 0,08% da emissão de dióxido de carbono (CO2) global. Esse não é um dado aleatório, veja bem — os países que menos contribuem com as emissões de CO2 são os que mais estão vulneráveis à fome e aos impactos das mudanças climáticas. O relatório Situação do Clima na América Latina e no Caribe6 (2021), da Organização Meteorológica Mundial (OMM) apontou para o agravamento das mudanças climáticas na região: o nível médio do mar continuou a subir de forma mais rápida que a média global; chuvas com volumes recordes com consequências em enchentes e deslizamentos; temporadas de furacões no Atlântico atingindo o terceiro maior número já registrado. Mas o período colonial acabou, por que então a América Latina segue apresentando quadros tão alarmantes?

Ainda que também não se exima a contribuição de países latinoamericanos para as alterações climáticas (como em casos de queimadas e desmatamentos), a reflexão acerca do período colonial é que ele acabou, mas não acabou. “Tem um autor peruano [Aníbal Quijano] que trabalha com essa ideia. Ele vai trabalhar a ideia de colonialidade, porque o colonialismo ele define como um período histórico. O período histórico acabou e a colonialidade é um reflexo desse período histórico que permanece até hoje e que se reproduz

também. Quando a gente pensa a decisão política ela vem do norte e ela afeta o sul. Então isso também é uma continuação dessas relações de trabalho que é baseada em classe, mas também principalmente em raça”, explica Mariana Malheiros.

Em 2022, através da resolução 76-300 aprovada pela Assembléia Geral das Nações Humanas, a ONU declarou que todas as pessoas têm direito a um “meio ambiente limpo, saudável e humano”. O impacto social do meio ambiente é um dos fatores que indicam a necessidade de reconhecêlo como um direito humano. “A América Latina é uma região muito heterogênea e dentro dessa heterogeneidade é importante destacar a presença de populações tradicionais, populações afrodescendentes e populações indígenas que trazem uma cultura e um modo de viver diferente. São populações que com as mudanças climáticas, não só vão sofrer um incremento da vulnerabilidade, mas também das violações de direitos humanos”, avalia Humberto Filpi, mestre em direito, da Universidade Federal de Santa Catarina e autor do livro Litigância Climática Ecologizada: Contribuições da América Latina.

A dinâmica de extrativismo predatório — que acima de tudo considera o ambiente como um meio de obtenção de capital — é um reflexo do modelo de desenvolvimento trazido pelo período colonial. No Brasil, os ciclos do paubrasil, cana-de-açúcar, ouro e borracha (acompanhados de graves episódios de violações) são exemplos em nossa história que ilustram como um modelo de interação com o meio está intrínseco às questões dos direitos humanos.

Chave de escuta para o agora

Embora o ser humano seja priorizado na relação humano-meio, é notada uma tendência no contexto jurídico das discussões ambientais na América Latina. Filpi explica que isso se dá porque de forma geral a população latino-americana está mais integrada ao meio ambiente e

o considera também como um ‘sujeito’ de direitos — o que está ligado à ideia de direito da natureza. “A gente poderia até dizer que estamos num momento de ruptura com direito ambiental rumo a uma teoria do direito ecológico. Isso quer dizer que o direito ambiental, no âmbito regional na América Latina, tem uma perspectiva bem característica que tem se expandido cada vez mais, que é essa perspectiva mais ecocêntrica”, diz ele. “Então é um direito em uma perspectiva que seja biocêntrica ou ecocêntrica, em que a gente pense a proteção de bens ambientais, dos serviços ecológicos essenciais num modo que a gente consiga incorporar também interesses não humanos”.

Argumentar com a lógica do modelo de desenvolvimento e seus reflexos políticos estabelecidos a séculos é o desafio. Pósdesenvolvimentistas, por exemplo, criticam a ideia das políticas extrativistas, pois a longo prazo se refletirão na escassez de recursos, que resultará em um cenário insustentável. “Existe a ideia de desenvolvimento e de que todo o resto é oposição à ideia de desenvolvimento — e é como se todo o resto fosse ruim quando na verdade não são oposições: são novas formas de produção, são outros modos da gente pensar a lógica das estruturas econômicas na sociedade”, diz Mariana Malheiros. E isso também é um reflexo que fica da colonialidade. A América Latina produz e oferta possibilidades, mas, como reitera a especialista, é necessário romper com essa lógica de pensamento para que o conhecimento produzido aqui deixe de ser encarado como uma produção que fica no

campo daquilo que é específico (com aplicação única) e daquilo que é exótico — como ocorre com o conhecimento de comunidades indígenas e quilombolas.

A partir dessa integração é possível caminhar para um cenário de justiça ambiental. “É importante você garantir uma democracia ambiental ecológica, porque a participação nas discussões ambientais é muito importante para a gente conseguir efetivar o direito ambiental ou o direito ecológico”, explica Humberto Filpi. Ou seja, é necessário atuar e discutir de uma forma decolonial.

O modelo de desenvolvimento dita como será a relação com o meio ambiente, e os impactos dessa relação no meio, por sua vez, dita como será a dinâmica humana — e dos direitos humanos. Por isso agora, no que diz respeito aos representantes políticos e executivos, é preciso agir considerando as alterações climáticas.“Não fazer isso hoje é ter que reagir depois e é muito mais caro e sempre vão ter mais perdas. Então se a gente tem uma situação de risco ou a gente se antecipa, ou a gente reage e tem perdas”, afirma Brenda Ramos.

1. In the Shadow of an Oil-Slicked Lake, Venezuela Is Exporting Shrimp to World - Bloomberg.

2. The State of World Fisheries and Aquaculture 2022

3. Colibri: Caracterización histológica de los estadíos de desarrollo gonadal en hembras de camarón rosado “Penaeus paulensis” en la laguna de Rocha.

4. El camarón rosado: un favorito de la gastronomía regional

5. Hunger Strike: The climate and food vulnerability index (August 2019) - World | ReliefWeb.

6. State of the Climate in Latin America and the Caribbean 2021 - World | ReliefWeb

7. Haute-Savoie : le réseau d’eau de Rumilly, contaminé, a été raccordé à celui du Grand Annecy.

8. The Devil they Knew: Chemical Documents Analysis of Industry Influence on PFAS ScienceAnnals of Global Health.

9. Pollution de l’eau aux PFAS à Rumilly : la préfecture recommande aux pêcheurs de ne pas consommer les poissons.

Partindo dessa relação de trabalho vinda do modelo escravista e extrativista desconsiderou-se então, além do pensar próprio do sul global, uma outra forma de se relacionar com o meio ambiente.
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Lagoa de Rocha. [Foto: Manuel Mendoza]

O Período Colonial

A conquista do Panamá pelos europeus começou em 1501 quando o navegador espanhol Rodrigo de Bastidas chegou a Puerto Escribano, também conhecido como Puerto Retrete, território do atual país canalero, que na época era povoado pelos Chibchas. No ano seguinte, 1502, o genovês a serviço da coroa espanhola Cristóvão Colombo em sua quarta viagem às Américas explorou e coletou informações sobre a nova terra encontrada, que era conhecida como Tierra Firme e posteriormente Castilla del Oro ou Castilla Áurea.

Vasco Núñez de Balboa se tornou o governador da nova colônia e empreitou expedições de reconhecimento pela região, nas quais em 1913 ele atravessa o istmo e chega ao atual Oceano Pacífico, o qual Balboa batizou de Mar do Sul. Esse oceano até aquele momento ainda era desconhecido para os europeus.

Panamá: o país que não se tornou uma nação soberana em sua independência

O Panamá é famoso no Brasil principalmente pelo canal que leva o seu nome e liga os oceanos Pacífico e Atlântico. Esse canal tem forte relação com a luta por soberania no país canalero

OPanamá é conhecido mundialmente pelo canal que tem o seu nome e corta seu território fazendo a ligação entre os oceanos Pacífico e Atlântico. Essa obra de engenharia é um dos mais importantes pontos logísticos da economia mundial e esse impacto trouxe consequências para o país canalero, entre elas a não soberania sobre seu território durante os 200 anos após a sua independência.

O Panamá comemorou o bicentenário da sua independência da Espanha em 28 de novembro de 2021. Porém, essa data não marca o período em que a nação panamenha se tornou de fato

independente e soberana. De 1821 a 1999, o Panamá foi de província da Grã-Colômbia a protetorado estadunidense.

No século XIX, em 28 de novembro de 1821, aconteceu a primeira independência deste país do Istmo Centro-americano que se emancipou da Espanha e foi incorporado à República da Grã-Colômbia. Em 3 de novembro de 1903, devido a interesses estadunidenses, o Panamá se separou da Grã-Colômbia. A partir desta data, o país canalero viveu sob a influência dos Estados Unidos se tornando uma colônia não oficial e só no final do século XX o Panamá conquistou de fato sua soberania.

A primeira permissão de exploração do novo território foi concedida pela Junta de Burgos em 1506. Em 1510, foi fundada a primeira cidade do continente americano, Santa María la Antigua del Darién pela expedição de Fernández de Enciso a Darién. A cidade foi fundada nas antigas terras do cacique Cémaco que foram tomadas pela expedição. Ainda hoje, os historiadores não têm certeza se a tomada do território aconteceu após uma batalha ou se Cémaco se rendeu.

Nas margens do novo oceano, em 15 de agosto de 1919, o conquistador espanhol Pedro Arias Dávila fundou a cidade Nuestra Señora de la Asunción de Panamá, atual cidade do Panamá. A cidade foi nomeada capital da nova colônia e foi a primeira cidade permanente das Américas na costa do Pacífico. Em 1538, foi criada La Audiencia y Cancillería Real de Panamá en Tierrafirme, um órgão do governo e tribunal superior da coroa espanhola para administrar a colônia.

A partir desse período, o Panamá se tornou o ponto de partida para exploração do novo território, o que ocasionou na conquista da região do atual Peru. Segundo o professor Olmedo Beluche, “o Panamá era a ponte para o Vice-Reino do Peru”. Além de o Panamá ter virado um local de trânsito como o principal centro de embarque de ouro e prata que vinham das outras colônias espanholas na américa.

Em 1717, o vice-reinado de Nova Granada foi criado englobando La Audiencia y Cancillería Real de Panamá en Tierrafirme e as terras dos países atuais Colômbia, Equador, Panamá, Venezuela, Guiana e parte do Peru, Brasil e Nicarágua. O Panamá integrou o vice-reinado até a dissolução de Nova Granada no início do século XIX.

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[Foto: Luis Gonzalez/Unsplash]
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Mapa de La Audiencia y Cancillería Real de Panamá en Tierrafirme. [Fonte: Banco de la República]

Independência do Panamá da Espanha

“Deve-se dizer que o processo foi lento e difícil”, comenta Beluche sobre a Independência do Panamá da Espanha. Visto que enquanto os outros territórios do vice-reinado de Nova Granada lutavam pelas suas independências na década de 1810, o Panamá se manteve como uma das áreas mais leais e melhor controladas pela coroa espanhola até o final dos dez anos de Guerra Civil pela independência. Segundo Beluche, isso se deve a relação do Panamá com o Vice-Reino do Peru, o qual era o mais apegado ao sistema colonial espanhol.

a independência da cidade. Esse foi o primeiro ato de independência do Panamá em relação à Espanha.

Após El Grito de la Villa de los Santos, emissários foram a Simon Bolívar pedir que enviasse tropas para lutar pela independência do Panamá. Enquanto isso, os comerciantes da Cidade do Panamá começaram uma resistência pela independência. No dia 28 de novembro de 1821 foi proclamada a Independência na cidade do Panamá e os últimos soldados espanhóis deixaram o istmo.

O professor Beluche explica que Simon Bolívar ajudou a liderar a independência de

A separação da Colômbia

Em 1819, após a independência da Nova Granada e da Venezuela, esses dois territórios se uniram formando a República da Grã-Colômbia. O Panamá se juntou a esse país em 1821 na sequência de sua independência da Espanha. Assim, a Grã-Colômbia chegou a sua maior extensão, sendo formada pelos atuais países Colômbia, Panamá, Venezuela e Equador.

A partir de 1847, com o início da corrida do ouro na Califórnia, o Panamá começou a ser usado, assim como a Nicarágua, como ponto de trânsito para mercadorias e pessoas que iam de uma costa a outra dos Estados Unidos. Nesse período, várias ferrovias foram construídas por companhias estadunidenses no Panamá.

A importância do Panamá para o trânsito de mercadorias entre os dois oceanos foi um dos pontos fundamentais da economia colombiana naquela epóca. “No entanto, esse é exatamente o motivo que levou à separação do Panamá da Colômbia, porque os interesses norte-americanos começaram a operar lá por conta própria e acabaram produzindo a separação do Panamá da Colômbia”, expõe Beluche.

O estopim da luta pela independência começou no campo em 1821. Nesse período, generais espanhóis forçaram o pagamento de tributos pelos camponeses para financiar o exército regular na Guerra do Equador. Os camponeses cansados de pagar altos impostos e da requisição de alimentos iniciaram o processo de revoltas nas aldeias do interior.

El Grito de la Villa de los Santos foi a mais famosa das revoltas e aconteceu em 10 de novembro de 1821 na cidade de Villa de los Santos. Essa revolta foi liderada por Don Segundo de Villarreal, crioullo de grande reconhecimento na região, o qual organizou a população da Villa de los Santos para tomar o quartel espanhol e declarar

toda a área do vice-reinado de Nova Granada e que as vitórias nessas regiões, em especial nas batalhas de Carabobo e de Boyacá, que aconteceram nas atuais Venezuela e Colômbia, respectivamente, influenciaram na luta pela independência no Panamá.

Porém, “Bolívar nunca esteve de fato no Panamá”, afirma Beluche. Ele ainda acrescenta que Bolívar estava preparando uma intervenção no Panamá a partir de Cartagena, mas a independência do Panamá aconteceu antes e o país “se tornou independente por conta própria, sem intervenção do exército bolivariano”.

A Grã-Colômbia foi uma República efêmera e em 1831 Equador e Venezuela se separaram da Grã-Colômbia, resultando no fim da República. “O Panamá permaneceu como parte da Colômbia, como uma ou duas províncias, ou três, dependendo do período e de como a situação política estava organizada”, explica Beluche. Essa região formada por Colômbia e Panamá foi batizada de Nova Granada de 1831 a 1886, quando recebeu o nome atual de Colômbia.

De acordo com Beluche, nesse período, o Panamá era uma importante província da Colômbia, pois é um istmo no Caribe que liga os Oceanos Pacifico e Atlântico por uma distância de 80 quilômetros, que era, em meados do século XIX, muito utilizada por britânicos e estadunidenses para a passagem de mercadorias.

Beluche acrescenta que, em 1880, a empresa francesa Companhia Universal do Canal, que foi a responsável pela construção do Canal de Suez, liderada pelo engenheiro Ferdinand de Lesseps, tentou construir um canal no Panamá, que fracassou por vários motivos. Na década de 1890, os franceses envolveram os investidores estadunidenses para tentar lhes vender o projeto do canal e assim recuperar o dinheiro perdido.

Em 1902, os EUA passaram a negociar um tratado para construir um canal no território da Nicarágua ou da Colômbia e, no final, optaram pela rota colombiana, ou seja, o Canal do Panamá. Assim, em 1903, foi assinado pelos Estados Unidos e Colômbia o Tratado Herrán-Hay, porém esse acordo não foi ratificado pelo Congresso Colombiano, visto que, segundo Beluche, “esse tratado estabeleceu cláusulas abusivas, como a criação de uma zona do canal sob a soberania dos EUA, que foi rejeitada pelas populações panamenha e colombiana”.

Museu da Nacionalidade em Villa de los Santos (atualmente), Panamá. [Foto: Kiam-shim/Wikimedia] Mapa da Grã-Colômbia em 1821. [Fonte: Wikimedia]
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O Canal atualmente. [Foto: Rikin Katyal/Unsplash]

Ele adiciona que quando os Estados Unidos percebeu que o tratado não iria para frente, os estadunidenses formaram uma coalizão com setores da classe dominante panamenha de comerciantes para proclamar uma suposta separação da Colômbia, que seria protegida por navios de guerra americanos e, assim, estabelecer um governo fantoche que assinaria o tratado de interesse americano.

“E assim aconteceu. Em 3 de novembro de 1913, o Panamá proclamou a separação. Na verdade, as tropas americanas invadiram o Istmo do Panamá e, em 18 de novembro de 1903, esse governo fantoche assinou um novo tratado chamado Tratado Hay-Bunau Rod, que criou a zona do canal com bases militares americanas e jurisdição americana”, desenvolve Beluche.

Panamá como protetorado estadunidense

A partir de 1903, o Panamá se tornou um protetorado dos Estados Unidos, porque a separação da Colômbia foi uma intervenção americana. “Tanto o tratado quanto à constituição que foram estabelecidos fizeram do Panamá uma colônia dos Estados Unidos. Não somente foi estabelecida uma jurisdição americana na zona do canal com bases militares e tropas estrangeiras, mas todo o país foi controlado pelos Estados Unidos. Os Estados Unidos contavam os votos e decidiam quem era o presidente da República”, fala Beluche, que ainda acrescenta que os Estados Unidos controlavam a produção de água e as obras públicas.

A presença colonial americana era apoiada pela classe dominante, a burguesia. Enquanto isso, o povo, a classe trabalhadora, lutou pela soberania panamenha, em especial nos momentos de crise e conflito. “Durante todo o século XX, a história do Panamá é a luta para romper com esse tratado de 1903, para obter soberania sobre a zona do canal e para aumentar sua independência política e econômica dos Estados Unidos”, ressalta Beluche.

Entre os principais momentos de conflito está a Greve do Inquilino em outubro de 1925, quando a Liga Inquilinaria convocou todos os inquilinos da cidade do Panamá para fazerem manifestações e uma greve geral contra os altos preços dos aluguéis de quartos para os trabalhadores da cidade. Os protestos tomaram as ruas da cidade e, em 11 de outubro, o governo panamenho acordou com os EUA que o exército americano iria intervir nas ruas para reprimir a greve. A intervenção durou até o dia 23 de outubro e resultou em várias mortes.

Durante a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos impuseram um tratado de defesa que envolvia a instalação de mais de 100 bases militares em todo o Istmo do Panamá. Após o fim da guerra, em 1947, os EUA queriam continuar com todas as bases do tratado que estavam fora da zona do canal e a população panamenha, especialmente os estudantes, saíram às ruas para lutar contra essa presença. Em 12 de dezembro de 1947, o povo conseguiu rejeitar o tratado.

O movimento estudantil continuou ativo contra a presença estadunidense. Durante a década de 1950, o movimento estudantil agiu hasteando bandeiras panamenhas no território da zona do canal para dizer que era território panamenho.

Para Beluche, o evento mais importante na luta contra a presença norte-americana aconteceu em 9 de janeiro de 1964. Após estudantes terem sofrido agressões no Instituto Nacional e “zonians”, estadunidenses que trabalhavam no canal do Panamá e vivam na zona do canal, terem pisoteado a bandeira panamenha, um grupo de estudantes panamenhos foi à zona do canal para exigir que a bandeira nacional fosse hasteada ali como um símbolo de que era território panamenho.

Os estudantes foram atacados e depois reprimidos pelas forças estadunidenses. O povo panamenho entrou na luta para combater os estadunidenses. “Em três dias de combate, praticamente uma revolução, cerca de 21 panamenhos morreram e mais de 500 ficaram feridos”, conta Beluche.

Essa revolta popular forçou os Estados Unidos a aceitarem a necessidade de negociar um novo tratado sobre o canal em sua totalidade. Mas houve um impasse entre os lados até a década de 70, quando o Tratado Torrijos Carter foi assinado em 1977. O tratado estabeleceu uma data final para a zona do canal e as bases militares, que era 31 de dezembro de 1999.

Assim,

revela Beluche, que complementa que os Estados Unidos continua a ser o principal parceiro econômico do Panamá.

Colaboraram:

Aleksander Aguilar-Antunes: coordernador de O Istmo, organização que busca contribuir para o debate sobre a América Central;

Briseida Barrantes Serrano: coordernadora de O Istmo e diretora de Associação Latinoamericana de Sociologia (ALAS);

Olmedo Beluche: professor da Universidade do Panamá e autor do livro “La verdadera historia de la serparación de 1903: reflexiones en torno al centenario”.

Homenagem à revolta popular de 1964. [Fonte: Wikimedia Archives at College Park]

“Em 1903, o Panamá não se tornou independente, ele se separou da Colômbia. Na verdade, foi uma separação imposta pelos interesses americanos”.
a partir do século XIX, “o Panamá ganhou soberania sobre o canal, a zona do canal desapareceu e houve progresso na questão de um Estado independente. Embora os Estados Unidos continuem a influenciar, é claro, de forma indireta”,
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Do ato à finitude: os extremos de "Memórias de Minhas Putas Tristes"

Em polêmica obra, Gabriel García Márquez transcende a perversidade para refletir a essência humana

Bruno Milliozi

Quais os limites da linguagem artística? Capaz tanto de criar sensações oníricas e fantasiosas, quanto de penetrar as entranhas do mundano, a arte, em especial a literatura, transita por essas esferas com certa soberania, esquivando-se de preocupações normativas para trazer o impacto e a mensagem desejada pelo autor. No entanto, há situações, temas e problemáticas cuja natureza moralmente condenável traz obstáculos para que uma obra se estabeleça diante do público.

Ainda que abordagem, prosa e enredo caminhem para outro lado, a indignação com o teor do assunto é justificada.

“Memórias de minhas putas tristes”, do renomado autor colombiano Gabriel Garcia Márquez, vencedor do prêmio Nobel de Literatura de 1982, reside justamente nesse espaço, na contradição entre uma mensagem universal sobre a vida humana, e como tudo isso se dá a partir de uma prática perversa: a pedofilia.

A história é a de um jornalista aposentado, cronista e crítico musical que, aos 90

prostituta virgem, de 14. O encontro traz ao protagonista reflexões sobre sua vida, mortalidade, senilidade e o significado do amor, nunca antes encontrado anteriormente. Em 2010, o romance foi transformado em filme, com produção internacional e filmagens no México. Não foi a primeira oportunidade de García Márquez de ver sua obra adaptada para o cinema. Mas o desejo do autor era de que fosse a última.

No entanto, a romantização de um ato de clara imoralidade, descrito nas páginas do livro, preocupou comunidades latino-americanas de combate à pedofilia e prostituição. A Coalizão Regional contra o Tráfico de Mulheres e Meninas da América Latina denunciou a produção, organizou protestos e buscava impedir a filmagem do longa-metragem. A argumentação foi a de que a adaptação do romance para o cinema poderia promover a pedofilia e seria acessível a um grande público.

O filme acabou sendo lançado. Mas, independentemente de seu desempenho e das questões que pode levantar, não deve ser colocado à frente da interpretação da obra original. Limitar a interpretação do romance ao tema seria ignorar a prosa poética, a caracterização habilidosa e sua abordagem sensível de García Márquez a temas delicados. A partir da visão e dos questionamentos do velho protagonista, o leitor é levado por uma narrativa envolvente que contrasta o prazer e a finitude da vida. Apesar de não disfarçar os movimentos incômodos já citados - e, pelo contrário, romantizá-los sem teor crítico - o conflito exposto é usado com objetivo de tratar do despertar de um amor em terreno infértil: um homem que nunca amou e, às vésperas do fim da vida, se descobre vulnerável aos ridículos que só esse sentimento, cuja essência é tão bem captada pela narrativa, é capaz de causar.

A habilidade de Gabriel Garcia Márques em criar uma atmosfera onírica, mesmo nos ambientes mais soturnos dos bordéis em que os encontros se dão, gera, na obra, contradições e provocações que, ainda que carreguem teor irônico e humorístico, são capazes de encantar e balançar as

avaliações do leitor, que tende a ter simpatia pelo protagonista. Ele usa uma linguagem rica e poética, cheia de metáforas e descrições minuciosas, conduzindo o leitor em sua prosa provocativa e encantadora que tão bem descreve uma cidade sem nome - mas claramente inspirada em Cartagena, na Colômbia, onde Márquez nasceu.

Vale destacar, por fim, um possível paralelo traçado pelo autor com sua própria vida. A publicação do livro, em 2004, ocorreu em um momento em que a saúde de Márquez estava em declínio. Ele havia sido diagnosticado com câncer linfático alguns anos antes, e sua saúde continuou a piorar nos próximos anos. Ele faleceu em 2014, deixando para trás uma carreira literária brilhante e influente. Explorar as nuances do fim e, nisso, deixar com que prevaleça um instante de brilho, de desejo e de felicidade talvez faça parte da forte mensagem da obra, construída sutilmente ao longo das páginas e culminando em lágrimas em sua última.

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Reprodução de cena do filme Memórias de Minhas Putas Tristes, adaptação da obra para o cinema lançada em 2011. [Imagem: Henning Carlsen]
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Capa do livro pela Editora Record, 2005. [Imagem: Reprodução, Editora Record]

CON tem kit gay, arte e muita liberdade criativa em sua segunda edição

Feira para quadrinistas LGBTQIAPN+ lotou Centro Cultural de São Paulo e trouxe artista finalista do Prêmio Jabuti

Luana Machado e Mariana Marques

No Centro Cultural São Paulo, uma multidão de fãs de HQs de todas as letras do arco íris se reuniram para ver mais de 120 artistas gráficos e quadrinistas brasileiros. Com uma programação totalmente voltada para a comunidade LGBTQIAPN+, a POC CON, evento dedicado à arte em quadrinhos e cultura nerd, levou sua segunda edição ao centro da capital paulista no final de semana da Parada do Orgulho.

O nome POC CON faz referência a um termo pejorativo usado na década de 70 para se referir a homens homossexuais e transformistas e, agora, vem sendo apropriado pela comunidade como termo de autodeclaração. O evento, que teve dois dias de programação com rodas de conversa, palestras, oficinas e concurso de cosplay, tem como objetivos dar visibilidade a artistas LGBT+ do mundo gráfico.

Na fila, que já formava um caracol uma hora antes da abertura da feira, os amigos Mar, Leonardo e Natália esperavam ansiosos. Natália, fã de quadrinhos desde criança influenciada pelo pai colecionador, convidou os amigos para a feira ainda em 2021 depois de saber que seus artistas favoritos iam participar.

Mar, puxada pela amiga Nati, ficou animada por conseguir conhecer pessoalmente seus ídolos. “Ano passado, eu tive a oportunidade de conhecer a Laerte, algo muito, muito especial, ainda mais eu sendo uma

pessoa trans. Eu não conheço tanto assim de quadrinhos, mas eu me apego muito a personalidades. Então acho que o ponto forte para mim é conhecer e ter o contato com pessoas que eu sempre idolatrei”, disse Mar, ansiosa para conseguir autógrafos.

Já Leonardo, ou só Léo, também falou sobre a importância da representatividade. “A questão da identificação entra muito, porque são narrativas que você se enxerga ali. Não são aqueles quadrinhos de super-herói, que eu não me identifico muito porque eu acho muito fora da minha realidade. Quando eu vejo sei lá ‘Cristirinhas’ ou qualquer outro desses artistas muito fodas contando histórias que eu passei eu fico tipo, não tem igual”, contou.

A quadrinista Verônica Berta, finalista do Prêmio Jabuti em 2019, integrou a programação da POC CON neste ano com uma oficina sobre colorização e falou sobre a diferença entre eventos voltados para a comunidade. Ela conta:

disso e isso tem uma força e impacto tanto para quem está dentro quanto para quem está fora da comunidade”.

O jornalista e quadrinista Talles Rodrigues também destaca a importância desses eventos para quem expõe o próprio trabalho: “Os eventos são ótimos para conhecer novos públicos e conseguir de fato vender nossos quadrinhos. Para autores independentes é mais difícil contar com vendas remotas, em lojas ou na Internet”.

Talles costuma publicar obras de sua autoria no formato de webcomic, já que isso barateia o custo de produção e permite que cheguem a mais pessoas. Durante a POC CON, o artista afirma que é possível encontrar um público que dificilmente frequenta eventos menos nichados.

POC CON apresenta:

Vê Berta, finalista do Prêmio Jabuti

Verônica Berta, ou apenas “Vê Berta”, como é conhecida nas redes sociais, é quadrinista e colorista. Nascida em São Paulo, Verônica se formou no Centro Universitário Belas Artes de São Paulo e se especializou em ilustração na École Émile Cohl, uma instituição especializada em artes na cidade de Lyon.

A artista foi finalista do Prêmio Jabuti em 2019 com a história em quadrinhos “Ânsia eterna”, publicada pela SESI-SP Editora. A obra, que também foi indicada aos prêmios HQMIX e Angelo Agostini, é uma adaptação do livro de contos homônimo escrito em 1903 por Júlia Lopes de Almeida, uma das principais escritoras da Belle Époque brasileira e uma das idealizadoras da Academia Brasileira de Letras.

Em setembro de 2022, Verônica lançou uma webcomic chamada “Princesa de Areia”, posteriormente publicada no formato físico em novembro do mesmo ano. A artista utiliza elementos do realismo mágico para tratar questões envolvendo relacionamentos e autoimagem.

A HQ aborda essas temáticas sob uma perspectiva feminista. Nas três histórias que compõem a obra, as protagonistas precisam enfrentar sentimentos e situações comuns à socialização feminina, como a insegurança e pensamentos autodestrutivos. Durante as narrativas, essas mulheres precisam enfrentar a constante necessidade de validação externa e o desejo “inquestionável” pelo amor romântico.

Babel: “Princesa de Areia” surgiu primeiro nas redes sociais e depois foi lançada impressa em eventos de HQ no final do ano passado. Qual a importância desses festivais para os artistas e suas obras?

Vê Berta: É nos eventos de quadrinhos que tenho a possibilidade de compreender quem é meu público e trocar ideia cara a cara com essas pessoas. Também é uma das melhores formas de passarem a conhecer

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Feira também contou com concurso de cosplays [Foto: Gabriela Barros]
“Quando criaram um evento específico para nós, dedicado à nossa cultura, ao nosso sucesso profissional e à nossa diversão, pudemos ver o quanto nós estávamos carentes
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uma das melhores formas de passarem a conhecer meu trabalho, porque em geral dedicamos mais atenção pessoalmente do que virtualmente. Além disso, é um espaço para conhecer e ser conhecida por outros artistas, criando uma rede de contatos muito importante para nossa cena de quadrinhos.

Babel: Ainda em relação aos eventos e feiras, como espaços voltados para a comunidade LBTQIAPN+ impactam os artistas no quesito econômico e de visibilidade?

Vê Berta: A POC CON especificamente é um dos eventos em que mais temos retorno nesse sentido. O evento não se limita à feira: a POC CON se preocupa ativamente em colocar profissionais no mercado e dar voz e visibilidade de diferentes formas. Então, temos um espaço que está realmente preocupado com os artistas enquanto profissionais e não apenas em ser um grande evento.

Babel: “Ânsia Eterna” e “Princesa de Areia” têm temáticas que trazem o universo feminino. Quais suas influências e inspirações para abordar esses temas?

Vê Berta: Não tenho influências muito pontuais porque tenho certeza de que tudo o que eu li e gostei acabou se tornando uma influência para meu trabalho. Mas me identifico muito com o realismo fantástico. As inspirações são sempre muito pessoais. Em Ânsia Eterna, adaptação para quadrinhos, foi a identificação com os contos de Júlia Lopes de Almeida que me fizeram ter vontade de me adaptar. Em Princesa de Areia, meus textos que eu escrevia a partir de reflexões e conversas com outras mulheres foram a base para eu conseguir criar as histórias. As questões e traumas de ser mulher estão sempre me movimentando e servindo de material para a criação.

Babel: Você foi finalista do Prêmio Jabuti, um dos maiores na arte e literatura brasileira. Acredita que a arte LGBTQIAPN+ tem conquistado mais visibilidade nas premiações?

Vê Berta: Com certeza. É evidente a preocupação do júri com a diversidade de uns anos para cá. Vemos isso acontecendo cada vez mais no troféu HQ Mix, em especial. Claro que não estamos no cenário ideal e ainda temos muito mais pessoas padrão sendo premiadas, então é preciso que esse movimento continue.

Resenha “Ânsia Eterna”

Uma das vantagens de ser uma artista mulher é ser incluída em versões revisadas da história da arte. A frase, da Guerrilla Girls, inicia o posfácio da história em quadrinhos “Ânsia Eterna”, de Verônica Berta, que revisa os contos do livro homônimo da escritora Júlia Lopes de Almeida.

A história em quadrinhos, finalista do Prêmio Jabuti, revisita três contos da escritora e propõe um resgate de sua obra. Nascida em 1862, Júlia Lopes de Almeida

foi uma romancista brasileira com uma produção extensa. Sendo a única mulher que participou da idealização da Academia Brasileira de Letras, Júlia Lopes de Almeida teve seu nome vetado entre os “imortais”, que decidiram receber apenas nomeações masculinas.

A escritora trazia em suas produções narrativas politizadas e com personagens femininas de destaque. Seus livros e contos abordam temáticas sobre a autonomia feminina, o sufrágio e o abolicionismo. Tudo isso sob uma perspectiva realista e naturalista.

Verônica, que assume a influência do realismo mágico em suas publicações, exibe isso em “Ânsia Eterna” trazendo o inconsciente e subjetivo dos personagens para o primeiro plano. O cenário é o próprio personagem e seu submundo.

A escolha pelos contos “Os Porcos”, “A Caolha” e “Ânsia Eterna” também dialogam com a proposta inicial: como eram escritos personagens femininos no passado? A análise de Verônica atualiza as discussões propostas por Júlia Lopes de Almeida na época e dialoga com as dificuldades de ser artista mulher e produzir obras sobre o universo feminino até os dias atuais.

Em seu posfácio, Verônica Berta fala sobre a necessidade de revisar o trabalho de Júlia Lopes, que, mesmo sendo feminista, era uma mulher branca do século 19 e replicava estereótipos racistas nas suas obras.

Em “Os Porcos” e “A Caolha”, ambas as protagonistas são mulheres negras descritas com adjetivos pejorativos nos livros. Nos quadrinhos, embora a representação das personagens se assemelhe à obra original, a arte de Verônica enfatiza o aspecto subjetivo do visual e aproxima as mulheres do público sem colocá-las em uma posição de inferioridade.

Com isso, “Ânsia Eterna” consegue cativar os leitores de Júlia Lopes de Almeida, adicionando um novo olhar e reflexão sobre seus escritos e apresenta a autora, uma das mais célebres da história da literatura brasileira, para um público que talvez não conheça as palavras da mulher que esteve na fundação dos “imortais”.

Em sua HQ, Verônica incorpora as características da autora em seu estilo gráfico. Os contos de “Ânsia Eterna” trazem narrativas dolorosas e que dialogam com o horror gótico, o que transparece no traço da artista e nas escolhas do design.

A paleta de cores, por exemplo, traz cores representativas da “feminilidade”, como o rosa, roxo e lilás, que são usados em tonalidades escuras e causam um impacto sombrio em suas artes. Os traços, muitas vezes distorcidos, dos personagens também contribuem para o efeito bizarro e grotesco do design.

Capa de Ânsia Eterna [Ilustração: Vê Berta] Trecho da HQ "Ânsia Eterna. [Ilustração: Vê Berta]
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No coração de São Paulo, Teatro Oficina completa 65 anos de arte e resistência

Projetada por Lina Bo Bardi, a construção fundada por Zé Celso foge do tradicional e integra o público ao espetáculo

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ercado por edifícios altos e novos empreendimentos imobiliários, a construção no número 520 da Rua Jaceguai é uma das poucas que mantém a mesma estrutura desde sua fundação. É neste endereço, no bairro paulistano Bela Vista, que está instalado desde 1958 o Teatro Oficina, que tem como principal fundador o dramaturgo, ator e diretor José Celso Martinez Corrêa — ou Zé Celso.

Em 2023, o teatro completa 65 anos e as comemorações começaram em maio, com a estreia do espetáculo inédito "Mutação de Apoteose" — o primeiro da companhia dirigido por uma mulher. O musical tem como personagem principal a atriz Cacilda Becker, que é interpretada por diferentes artistas e assume formas físicas, mas também representa uma entidade do teatro.

Na trama, a protagonista decide encenar "Os Sertões", de Euclides da Cunha, e seus estudos da obra a fazem entender como organizar uma companhia de teatro. O espetáculo explora a relação entre a natureza, a arte e a história pelos cerca de 40 metros de comprimento do palco.

O cenário das peças, aliás, passou por algumas mudanças ao longo das décadas de existência do prédio. A atriz e diretora Camila Mota, que dirige "Mutação de Apoteose", conta que na peça de estreia, o lugar ainda pertencia a uma instituição espírita e tinha o nome "Novos Comediantes".

Na época, o espaço tinha uma configuração parecida com a maioria dos teatros tradicionais, com o chamado palco italiano — que tem o formato de uma caixa cuja quarta parede é destinada para o público.

Segundo Mota, foi em 1961 que ocorreu a profissionalização do teatro, quando o prédio e a companhia se tornaram indissociáveis. "Para nós, é uma questão política que não haja separação", diz.

Essa ligação entre as histórias do grupo e do edifício também se conecta à arquitetura do local, que foi transformada conforme as diferentes peças ali interpretadas. Em 1961, por exemplo, o palco italiano foi substituído por um modelo que Mota chama de "sanduíche", em que o palco fica entre duas plateias. O projeto da época é assinado por Joaquim Guedes.

A diretora explica que é a partir de um incêndio em 1965 que o grupo passa a refletir qual arquitetura é ideal para qual repertório e vice-versa. No ano seguinte, o projeto do arquiteto, cenógrafo e artista plástico Flávio Império é concluído. A companhia volta a se apresentar com a peça "O Rei da Vela", de Oswald de Andrade, dessa vez em um palco giratório.

Atualmente, quem entra pelas portas duplas do teatro se depara com uma espécie de rua. Uma das laterais tem janelas de vidro e a outra é ocupada por estruturas de metal semelhantes a andaimes, com três pavimentos onde o público se posiciona para assistir aos espetáculos.

Espaço de arte e resistência

A atual configuração do teatro foi pensada pela arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi, em parceria com Edson Elito, finalizada em 1993. As transformações físicas só mantiveram as paredes de tijolos aparentes, mas a arquiteta também previa a integração da construção com uma extensa área verde voltada à produção artística, a qual nomeava de Anhangabaú da Felicidade.

O problema é que, desde a década de 1970, todo o terreno que envolve o teatro pertence ao Grupo Silvio Santos. Ali, o empresário pretendia construir três torres residenciais de alto padrão com mais de 100 metros de altura. O projeto previa mil apartamentos e andares no subsolo, que poderiam, inclusive, atingir o rio que corre sob o terreno.

Natalia Nora e Victoria Borges revista babeledição de julho de 2023
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A arquitetura do teatro permite que o público tenha contato mais direto com o espetáculo. [Foto: Cafira Zoé] No projeto, as torres residenciais de Silvio Santos encobririam as janelas do teatro. [Foto: Cafira Zoé] Localizado no bairro da Bela Vista, o teatro abriu as portas pela primeira vez em 1958. [Foto: Cafira Zoé]

A luta de Zé Celso é para que o terreno seja incorporado ao teatro e dê lugar ao parque dos planos de Lina, que ganhou o nome de “Rio Bexiga”. Os prédios pensados pelo “Rei do Baú” também encobririam as enormes janelas e o teto retrátil que integram o ambiente do teatro à paisagem urbana e caracterizam o edifício.

Mais de 40 anos de impasse quase cessaram quando o Projeto de Lei 805/2017, que determinava a implementação do parque, foi aprovado por unanimidade em votação na Câmara Municipal de São Paulo. No entanto, em março do mesmo ano, o projeto foi vetado por Eduardo Tuma, então prefeito em exercício da cidade. No ano passado, uma decisão judicial também impediu a construção das torres.

Em um de seus últimos encontros com o empresário, Zé apontou a velhice dos dois e sugeriu a construção do parque como um legado bonito à cidade de concreto. Silvio, na época com 86 anos, respondeu com uma piada:

Ano novo, novos ares

Em décadas sob o comando de Zé Celso, nenhuma mulher havia assumido a função de coordenar sozinha um espetáculo, mesmo tendo integrantes como Cibele Forjaz, diretora e iluminadora teatral que leciona na Universidade de São Paulo, a USP.

Mota explica que já havia assinado a codireção de peças da companhia, mas "Mutação de Apoteose" é a primeira vez em que leva o título de diretora. Apesar de não ser sua primeira experiência na função, ela nunca havia trabalhado com um grupo tão grande de artistas sob seu comando.

A ficha técnica do espetáculo tem cerca de 70 nomes que respondem a ela, mas o processo acontece de forma "menos vertical", segundo a diretora. Ela afirma que a coordenação dos artistas funciona a partir de acordos, sendo o principal deles o desejo de fazer parte do Teatro Oficina e do espetáculo.

A arquitetura do teatro permite que o público tenha contato mais direto com o espetáculo.

[Foto: Cafira Zoé]

Ao longo do ano, peças como "A Queda do Céu", com direção de Zé Celso, e "O que Nos Mantém Vivos?", de Renato Borghi, farão parte da programação que comemora o aniversário do Teatro Oficina.

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"Mutação Apoteose" é a primeira peça dirigida por uma mulher na companhia. [Foto: Jennifer Glass]
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"Não pretendo morrer”.

A decolonização das relações

Apesar de ser altamente difundida ao redor do mundo e praticada por defensores e diversas vertentes políticas, a monogamia é, para alguns, apenas mais um produto colonial

Amonogamia se estabeleceu há séculos como a única forma “correta” de se relacionar. Tudo aquilo que foge desses padrões é considerado imoral. No entanto, existem grupos que questionam essa ideia que é tida como verdade absoluta na maior parte do mundo atualmente.

Apesar de ter sido popularizada como uma prática que diz respeito somente à quantidade de pessoas que alguém escolhe se relacionar, na verdade, a não-monogamia fala sobre como as relações são construídas. Em sua forma política, chamada de não-monogamia política, ela nega tudo aquilo que está relacionado às estruturas monogâmicas.

Esse movimento político vem ganhando cada vez mais espaço entre grupos de esquerda porque parte de um pensamento anticolonial, anticapitalista, antirracista e feminista. Grupos que debatem esse tema, como o NM em Foco (@naomonoemfoco no Instagram), já possuem milhares de seguidores nas redes sociais e vêm expandindo o tema para diferentes vertentes.

Ramiro Gonzalez, pesquisador do Instituto de Psicologia da USP, define a não-monogamia política como “uma proposta radical, importante e transformadora que visa a construção de relações mais saudáveis para pessoas pretas, LGBTQAPN+, indígenas, mulheres, pessoas periféricas e pessoas com deficiência”. Ele enxerga a monogamia como um dos produtos coloniais, assim como é o racismo, o machismo e a LGBTQAPN+fobia.

Monogamia, colonialismo e cristianismo

Há séculos a monogamia vem sendo o modelo padrão de relacionamento nos países ocidentais, mas há razões para acreditar que nem sempre foi assim. Em um artigo escrito por Vânia Moreira, historiadora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), ela afirma que o combate ao que se chamava de “poligamia dos índios” foi um trabalho intenso dos jesuítas no Brasil, uma vez que a “poligamia impedia a conversão e o batismo dos adultos, comprometendo seriamente o sucesso da obra missionária”.

De acordo com a especialista em Cultura Material e consumo Anne Fonseca, “na América Latina, o que se tem registro da monogamia é a partir da colonização. As várias nações indígenas que aqui viviam, não viviam a monogamia nem a exclusividade sexual. Então, definitivamente, a monogamia é esse lugar ocupado pela colonização.”

Não é possível afirmar que a monogamia não esteve presente em nenhuma das culturas nativas da América Latina, mas é certo que o colonialismo cristão teve influência [Foto: Reprodução/Pexels]

significativa na legitimação do sistema monogâmico no mundo, já que os ensinamentos encontrados no Novo Testamento da Bíblia condenam as formas não-monogâmicas de se relacionar.

Ramiro afirma que os povos europeus que colonizaram o Brasil inferiorizaram tudo o que não era sua imagem e semelhança. Os povos nativos do Brasil, assim como os povos africanos, foram considerados humanos bárbaros que precisavam ser civilizados e essa ideia se dá por uma perspectiva religiosa moral. Ele complementa dizendo que, apesar de a monogamia ter sido um mecanismo de opressão, ela foi se atualizando e se positivando para ser vista como único caminho possível e saudável.

Atualmente, a não-monogamia está inserida na discussão anticolonial e é defendida por diversos pesquisadores anticolonialistas, como é o caso da psicóloga, mestre e doutora indígena Geni Núnez (@genipapos no Instagram).

Monogamia e capitalismo, não-monogamia e feminismo

Essa monogamia defendida pela Bíblia não é à toa. Ela surgiu para sustentar um sistema, hoje chamado de capitalismo, em que a propriedade, para que se mantenha privada, é repassada somente aos que pertencem à mesma linhagem. É, então, uma forma de romper com a coletividade e fortalecer a busca individual por sobrevivência.

A escritora espanhola Brigitte Vassallo afirma em seu livro “O Desafio Poliamoroso” que “o sistema monogâmico não organiza uma forma de sobrevivência coletiva, mas quer que nos reproduzamos de maneira identitária e exclusiva, com nomes e sobrenomes, com linhagem, com marcas de nascença. É reproduzir nossa casta e colocar nossa marca, os direitos autorais, a denominação de origem, o código de barras, para saber quem pertence exatamente a quem.” A monogamia para Brigitte é uma forma de garantir que os grupos mais privilegiados mantenham esses privilégios.

Anne afirma que o capitalismo é usado para manter a monogamia é usada oara manter o capitalismo. Segundo ela, “a estrutura da monogamia surge de um jeito de estruturar a família para que fosse possível não distribuir as terras e conceber que você só vai entregar os seus bens para filhos. Para isso, a mulher é resguardada num lugar de exclusividade sexual.”

Então, por partir desses ideais capitalistas, a monogamia traz a necessidade de posse. Ainda que em algumas relações mais modernas tem sido trabalhada a liberdade individual do casal, a monogamia implica necessariamente em exclusividade. As pessoas que compõem um relacionamento amoroso monogâmico são exclusivas uma da outra, já que ninguém pode as “possuir” da mesma forma que elas se “possuem”.

Atualmente, apesar de muitos dos relacionamentos monogâmicos estarem se desprendendo da hierarquização dentro das relações, a monogamia originalmente traz a ideia de que, entre as duas pessoas que podem existir dentro de um relacionamento, haverá uma relação de poder. Afinal, se a monogamia é posse, uma pessoa “possui” a outra e, portanto, tem poder sobre ela.

Ainda considerando que o contexto da monogamia é heteronormativo, esse conceito acaba reforçando o poder do homem sobre a mulher. É por isso que, até 2021, era possível alegar “legítima defesa da honra” em casos de agressão contra mulher ou feminicídio caso a vítima tivesse cometido adultério dentro do casamento. “Definitivamente, a não-monogamia não pode existir sem o feminismo. É a partir do olhar feminista que a gente vai observar essa estrutura e dizer que ela não serve para a mulher, que ela não serve para auxiliar essa mulher. Muito pelo contrário, muito das nossas pautas feministas são pautas que negam a monogamia e enxergam o lugar da monogamia como um lugar de prisão, de aprisionamento, de submissão dessa mulher".

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As odds da regulamentação

Mercado de apostas é dominante no futebol brasileiro, patrocinando 39 dos 40 times das séries A e B. Urgência de regulamentação e manipulação de resultados joga holofote às casas de apostas

Lucas Zacari O mercado de apostas esportivas tomou as capas dos jornais nos últimos meses. A emergência de um grande esquema de manipulação de resultados no futebol brasileiro e a proposta de regulamentação das empresas operadoras de apostas esportivas por parte do Ministério da Fazenda trouxe receios a apostadores e autoridades sobre essa prática.

Após a sua legalização com a Lei 13.756, de 12 de dezembro de 2018, a operação das casas de apostas precisava ser regulamentada em até dois anos, com possibilidade de prorrogação por mais dois anos, o que não aconteceu durante o mandato de Jair Bolsonaro. O mercado sem regras impulsionou o número de casas de apostas estrangeiras no país. Segundo o portal Lance!, em janeiro de 2023, cerca de 450 empresas operavam no mercado brasileiro.

De acordo com Tiago Gomes, advogado e mestre em direito comercial, o isolamento promovido pela pandemia de Covid-19 impulsionou o mercado das apostas esportivas no país, já que o futebol era um dos poucos entretenimentos disponíveis em boa parte desse tempo.

Segundo levantamento da SimilarWeb, empresa especializada em tráfego de sites, o acesso brasileiro a essas plataformas em 2022 foi de 3,2 bilhões, o dobro do Reino Unido, segundo colocado no ranking.

“Antes da edição da lei, em 2018, estimava-se que o mercado brasileiro movimentava entre R$ 1 bilhão e R$ 6 bilhões. Após a pandemia, somente em 2022, se fala em algo em torno de até R$ 100 bilhões de movimentação financeira só no Brasil”, explica Gomes. O advogado continua:

gente está falando de um mercado que, em promoção, marketing e patrocínios em empresas de telecomunicação para esporte, investiu cerca de R$ 3 bilhões”.

Patrocinadoras do futebol brasileiro

“A ideia de estampar anúncios nas camisas dos jogadores de futebol vai progredindo. Tudo indica que amanhã ou depois será realidade. Mas surgem problemas desde já. Indaga-se: o torcedor do time deverá também vestir o mesmo anúncio, para identificação da torcida?” A frase de Drummond pareceu trazer tons proféticos com o sentido e a importância que o futebol brasileiro passou a dar aos seus mecenas.

Com a falta de regulamentação, os espaços publicitários do futebol brasileiro foram monopolizados pelas casas de apostas. No Campeonato Brasileiro de 2023, 39 dos 40 times que disputam as séries A e B são patrocinados por empresas de apostas esportivas – apenas o Cuiabá não tem esse mercado como patrocinador.

revista babeledição de julho de 2023 Jogo entre São Paulo (patrocinado pela Sportsbet.io) e Juventude (patrocinado pela Pixbet), pelo Brasileirão 2022. [Foto: Fabio Giannelli / Soccer Digital]
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As competições também estão atrelados às apostas esportivas. A Copa do Brasil vendeu o seu naming rights para a Betano, casa de apostas que patrocina também duas das principais equipes da disputa: o Atlético-MG e o Fluminense, ambos eliminados nas quartas de final da atual edição. A segunda divisão brasileira também vendeu o direito do nome para a empresa, sendo que os clubes devem estampar um distintivo com a marca em seu uniforme.

O fenômeno de implosão de casas de apostas dentro do futebol brasileiro vai de encontro à Premier League. Os clubes da principal liga nacional do mundo concordaram em retirar o patrocínio dessas empresas da parte da frente das camisas de jogo, como uma forma de diminuir a publicidade de jogos de azar. A medida entra em vigor no início da temporada 2026/27, com a permissão de estampar em outros espaços da camisa e em painéis de publicidade.

Para Gomes, ainda falta entender a maturidade do mercado de apostas brasileiro para que uma medida radical como essa aconteça: “A gente está algumas décadas atrás da Premier League em termos de organização, em termos de arrecadação. Óbvio que o ideal seria que você tivesse, na publicidade dos jogos, cuidados muito importantes, como hoje se tem seguido na Inglaterra. O jogo é algo muito comum e muito corriqueiro para a população inglesa, então o efeito disso lá é muito diferente do efeito que é pra gente”.

Com o anúncio da intenção de regulamentação por parte do Governo Federal, os oito times do Eixo Rio-São Paulo da série A –Botafogo, Corinthians, Flamengo, Fluminense, Palmeiras, Santos, São Paulo e Vasco – manifestaram a preocupação com esse processo. “É imprescindível que os Clubes de Futebol tenham participação direta nas discussões legislativas que envolvam a regulamentação da atividade das empresas de aposta eletrônica, permitindo-se que se posicionem de forma clara e pública acerca do que entendem justo e correto no tocante à referida regulamentação, visto que ninguém está autorizado a lhes representar nesse debate”, disseram em nota.

Segundo eles, a utilização das marcas e eventos e o tratamento fiscal precisam ser debatidos também com os times.

Apesar desse movimento, Gomes entende que a criação de uma liga seria a única forma de ação consensual entre os clubes:

“Acho que a gente ainda está há alguns anos de conseguir ter esse nível de maturidade e entendimento dos clubes em relação ao que eles podem ou não fazer.

Não me parece que vá acontecer uma postura de auto-regulamentação rapidamente”.

O impacto da regulamentação

Atualmente, a única operação regulamentada no ramo das apostas esportivas é a Loteca (antiga Loteria Esportiva), realizada pela Caixa Econômica Federal, em que se aposta apenas no vencedor ou no empate de 14 partidas. Esse modelo de monopólio, segundo a proposta do governo, seria substituído pelo livre mercado. A partir de uma série de critérios estabelecidos pelo Ministério da Fazenda, serão concedidas permissões limitadas para a operação legal das casas de apostas.

Dentre as obrigações, a empresa deverá ter sede no Brasil para que possa operar. Algumas empresas que estão presentes no esporte nacional são originárias de países com legislações definidas sobre o tema. Já em outros casos, os famosos paraísos fiscais, como Malta ou Curaçao – com pouca ou nenhuma legislação sobre casas de apostas, além de vantagens tributárias –, são as sedes das casas de apostas.

“É uma atividade que quase que exclusivamente acontece no exterior, não tem nenhum benefício econômico sendo colhido aqui no Brasil. Do ponto de vista fiscal, esses recursos passam a estar dentro do Brasil e passam a ser objeto de uma tributação específica pelo governo”, explica o advogado comercial.

A Receita Federal prevê arrecadar entre R$12 bilhões e R$15 bilhões com a tributação das apostas. Essa taxação será de 16% sobre o Gross Gaming Revenue (GGR), aplicada no valor bruto obtido pelas casas de apostas, subtraído aos prêmios dados. Para os apostadores, o prêmio recebido será taxado no Imposto de Renda em 30%, respeitando a faixa de isenção de R$ 2.112,00.

Jogo entre São Paulo (patrocinado pela Sportsbet.io) e Juventude (patrocinado pela Pixbet), pelo Brasileirão 2022.

No entanto, para Rodrigo Alves, presidente da Associação Brasileira de Apostas Esportivas, o modelo proposto é falho, pensado somente na tributação e pouco na atuação do setor. De acordo com ele, tributar o apostador é problemático pois, “na sistemática das apostas esportivas, isso não funciona e não é justo.

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[Foto: Fabio Giannelli / Soccer Digital]

O apostador mais perde do que ganha, então é preciso que haja um mecanismo mais justo para que ele não tenha esse duplo negativo, senão ele perde dinheiro quando perde e perde dinheiro quando ganha”.

Além disso, o valor da licença para a operação é considerada exacerbada para o representante da associação: “fala-se que o valor da licença será de R$ 30 milhões. Ela não deveria ser uma forma arrecadatória por si só, deveria ser uma maneira de você ter operadores com um mínimo de capital necessário, para garantia do pagamento dos prêmios, mas deveria ser proporcional inclusive ao quanto eles lucram”.

Segundo a proposta governamental, o dinheiro arrecadado terá destinação para a Seguridade Social (10%), Força Nacional de Segurança Pública (2,55%), clubes e entidades desportivas (1,63%), Ministério do Esporte (1%) e escolas públicas (0,82%).

Quando a integridade sai de campo

Simultaneamente ao anúncio da regulamentação, o Ministério Público de Goiás (MP-GO) deflagrou a Operação Penalidade Máxima. A primeira fase da operação mostrou que jogadores do Vila Nova, Sampaio Corrêa e Tombense teriam aceitado dinheiro de apostadores para cometer pênalti na última rodada da Série B de 2022. Somente no jogo do Vila Nova não houve pênalti, o que impediu a conclusão da aposta.

Já a segunda fase, que teve início em abril, o MP-GO denunciou um grande esquema de aliciamento de jogadores para levarem cartões amarelos e vermelhos durante as partidas, com valores prometidos aos jogadores entre R$ 30 mil e R$ 150 mil. De acordo com a denúncia, essas apostas aconteceram durante rodadas da primeira divisão de 2022 e partidas de campeonatos estaduais de 2023.

Segundo o Artigo 41 do Estatuto do Torcedor, o jogador que solicitar, aceitar, dar ou prometer vantagem, patrimonial ou não, para alterar ou falsear o resultado de uma competição ou qualquer evento associado a ela deverá cumprir pena de prisão de dois a seis anos, além de pagamento de multa.

Para o MP-GO, tanto os clubes quanto as casas de apostas são vítimas desse processo. Alves ressalta:

“É chover no molhado dizer que a maior vítima de uma manipulação de resultado são as casas de apostas, porque são eles que pagam essa conta. Os fraudadores vão justamente obter esses ganhos em cima dessas empresas. E claro, perde muito o esporte, porque você tem toda a integridade esportiva afetada”.

Essa não é a primeira vez que o Brasil passa por grandes esquemas de manipulação de resultados. Em 1982, a Revista PLACAR indicou que 125 atores do futebol futebol brasileiro estavam envolvidos em fraudes de resultados para favorecimento de um grupo de apostadores. Dentre os acusados, estavam jogadores, dirigentes e árbitros. Desse total, apenas 20 foram condenados.

Já em 2005, os árbitros Edílson Pereira de Carvalho e Paulo José Danelon foram abordados pelo empresário Nagib Fayad para manipular partidas do Campeonato Brasileiro e Paulista, além da Copa Libertadores e da Sul-Americana. Os árbitros receberam R$ 10 mil por partida que influenciaram os placares. A condenação dos três participantes da Máfia do Apito, como o esquema ficou conhecido, 11 jogos do campeonato nacional foram anulados.

Reprodução da capa da edição de 22 de outubro de 1982 da Revista Placar que revelou um esquema de manipulação de resultados no futebol brasileiro.

[Fonte: Acervo da Editora Abril]

Em nota oficial de maio de 2023, o Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), formado por nove casas de apostas nacionais e internacionais – nenhuma patrocinadora de times das principais divisões – entende que a regulamentação do setor é “essencial para a segurança de apostadores, esportes e operadores, de forma que possam contribuir para o crescimento do país”.

O grupo ainda firmou uma parceria com a International Betting Integrity Association (IBIA), organização que luta pela integridade das apostas, para desenvolver projetos que garantam esse fator ao esporte brasileiro.

Outra organização que também se manifestou em relação às denúncias foi a Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL). Além de reforçar o caráter de vítima das casas de apostas, ressaltou a importância da regulamentação do setor para controlar e eliminar esse tipo de ato ilícito.

Eduardo Bauermann, zagueiro do Santos é um dos principais nomes denunciados pelo MP-GO. [Foto: Fabio Giannelli / Soccer Digital] revista babeledição de julho de 2023
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