RUA

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RUA

Textos: Priscila Bellotti Fotos: Priscila Bellotti e Coletivo PORO

Centro UniversitĂĄrio Belas Artes tiragem Ăşnica

Inverno de 2017


Editorial

Ações e Idéias sobre Uso e Posse do Espaço Público

é uma publicação que toma o espaço urbano como território de convivência e conflito inerentes à democratização do uso das cidades. Diante da permanente construção-demolição-reconstrução da paisagem, fruto do jogo de interesses privados, muitas vezes em parceria com o poder público, vemos brotar novas iniciativas de uso coletivo do espaço urbano. Afinal, o que é o espaço público? RUA trata de temas que evidenciam a diferença entre uso e posse do espaço público, e pretende lançar uma fagulha para pensarmos a idéia de “direito à cidade”. De um lado, a obsolescência programada da ávida especulação imobiliária, e, de outro, grupos de trabalhadores sem teto que se apropriam de grandes espaços desocupados e desenvolvem práticas coletivas, compartilhadas, autogestionárias e fortemente políticas. E ainda, a fotografia de rua e o direito de imagem, e as intervenções artísticas que usam a cidade como território de experimentação artística e poética. Vamos às ruas!



Iconografia Memรณria e Exibicionismo



Os avanços tecnológicos e os abalos produzidos pelas guerras da primeira metade do século XX, alteraram drasticamente a vida de diversas populações e fizeram com que os fotógrafos lançassem um novo olhar para as ruas. Se por um lado, as imagens apresentavam as duras consequências dos conflitos no modo de vida de homens e mulheres, acabaram por nos revelar a rua como espaço onde convivem o absurdo, o banal, o inventivo, a violência e a alteridade; fluxos de beleza e horror. Atualmente, ao andar pelas ruas de qualquer cidade, o ato de levantar uma câmera ou até mesmo o celular com a intenção de tirar uma foto, me refiro aqui à fotografia de rua de caráter artístico e autoral, não publicitária e sem fins comerciais, pode ser motivo de sérios atritos. Enquanto o nível de auto exibição, promoção e exibicionismo chega ao top 10 do momento, com selfies nas redes sociais e blogs, fotografar nas ruas passa a ser considerado algo invasivo e, não raro, escuta-se a frase: “quero os meus direitos de imagem”.


No entanto, estamos sendo fotografados e filmados todo o tempo por câmeras de segurança espalhadas em supermercados, nas calçadas, pelo CET, no banco, na escola, shoppings, restaurantes, e até mesmo dentro de casa, com a intenção de monitorar os filhos ou vigiar a babá; enfim, temos os passos controlados. E qual a finalidade dessas imagens? Alegam proteção. Fotografar a cidade e as pessoas é produzir a memória de um tempo. As imagens de Militão, Gaensly, Walker Evans, Robert Frank, Eugene Smith, diCorcia, e muitos outros, nos apresentam a iconografia de uma cidade. Através delas, podemos saber como aquelas pessoas viviam, cresciam, trabalhavam, moravam… Se capturarmos imagens da cidade retirando seus moradores da paisagem, acabaremos por registrar cidades fantasma. E se para conhecermos os homens e mulheres de certa época tivermos que recorrer às coleções de selfies, conheceremos mais sobre as ficções de si do que sobre uma realidade. Então, será a realidade uma invenção?



OCUPA AÇÃO MAUÁ


Na história da arte, o termo “ocupação”está associado às intervenções artísticas individuais ou coletivas que se apropriam do espaço público ou privado para dá-los um novo uso e um novo sentido enriquecidos pela memória de um acontecimento e de uma experiência. Esse ponto de vista favorece o entendimento da diferença entre os conceitos de uso e de posse. Nesse caso, o artista usa, ocupa (de maneira efêmera ou não), e dá novo sentido e valor. Atualmente, o termo ocupação está associado às apropriações dos espaços privados por parte dos movimentos de trabalhadores sem teto e de luta pela moradia. Muitos deles, como os associados a FLM, Frente de Luta pela Moradia, são grupos organizados, com critérios e responsabilidades que cabem a todos os associados e que, dentro de um plano emergencial, ocupam prédios, terrenos ou qualquer espaço que não cumpra a lei de função social de propriedade, ou seja, esteja desocupado. Segundo dados do IBGE, em 2010, haviam 290.000 domicílios vazios e 130.000 famílias na fila por uma moradia digna. São associadas as famílias que ganhem até 3 salários mínimos e que aceitem conviver em um sistema de tarefas e responsabilidades compartilhadas, além de poderem pagar um pequeno aluguel ou taxa de manutenção, como se referem algumas ocupações.




Ocupado o local, o movimento trata de estruturar o imóvel em condições saudáveis de moradia, e, então, implementa o programa complementar, com atividades educacionais, profissionais, culturais, e de estímulo à criação de cooperativas. São espaços privados fechados há mais de 1 ano e meio que, em geral, estão com impostos atrasados, impasses jurídicos ou são objeto de especulação imobiliária. No caso de pedido de reintegração legal de posse, governo municipal, movimento e proprietário deverão buscar uma negociação amigável. Aqui, a posse é substituída pelo valor de uso que produz uma importante mudança na maneira de se relacionar e lutar pelo “direito à cidade”. Movimento contrário às grandes distâncias percorridas pelos trabalhadores aos seus locais de trabalho, à favelização, à gentrificação, à verticalização das cidades, e a todas as consequências decorrentes do atrito constante entre interesses público e privado. Esse conflito é inerente ao espaço público; espaço que é construção e ruína, onde a paisagem nos revela, simultaneamente, gigantescas precariedades econômicas e opulências especulativas.


experimente novos trajetos



I ntervenções A rtistísticas U rbanas entrevista

MARCELO TERÇA-NADA!

do Coletivo PORO Intervenções Urbanas e Ações Efêmeras

O PORO é uma dupla de artistas formada por Brígida Campbell e Marcelo Terça-Nada! Desde 2002, realiza

As cidades são espaços públicos planejados, normatizados e privatizados, tomados pelo excesso de informações e “ordens”. O PORO utiliza exatamente esses espaços e meios: muros, dinheiro, panfletos, lambe-lambes, mas subverte o seus usos e funções. É

intervenções urbanas

uma provocação ou um meio fácil de atrair as pessoas?

e ações efêmeras

PORO: É uma tentativa de ressignificação desses meios

que tentam levantar questões sobre os problemas das cidades através de uma ocupação poética e crítica dos espaços.

e espaços. Em um ambiente em que o funcional, produtivo e útil predominam, qual a reação das pessoas quando vêem uma placa com os dizeres “Perca tempo” ou “Em defesa do ócio, por uma cidade mais lenta”? PORO: A questão do uso do tempo é urgente. E talvez por isso tanta gente tenha interagido com a intervenção “Perca Tempo”. É muito importante discutirmos como usamos nosso tempo. Propor que o tempo seja usado de maneira prazerosa quebra o lugar comum dos discursos “Tempo é dinheiro” ou de que não se pode “Perder Tempo”. Perder bem o tempo pode ser a melhor maneira de vivenciá-lo. Durante a intervenção, muita gente trouxe sua leitura sobre o que seria “Perder Tempo” e como a pressa tem nos roubado o convívio com os outros e nos afastado de coisas simples que simplesmente adoramos fazer no dia a dia. A reação das pessoas foi linda.


Nossos trajetos parecem obedecer cada vez mais aos fluxos do dinheiro, o que dificulta a experiência da errância, do imprevisto e do inusitado. O PORO parece querer nos distrair no meio do caminho, pode ser? PORO: Enquanto a maioria das pessoas se desloca pela cidade elas estão preocupadas com o compromisso para onde vão, com a lista de tarefas a fazer durante o dia, com o quanto estão atrasadas, com o engarrafamento, com os estímulos do smartphone. Quase não se percebe o caminho. Devido à sobrecarga de afazeres, acúmulo de preocupações e repetição do cotidiano, os trajetos são feitos com pouca consciência em relação aos lugares por onde se passa. Os percursos pela cidade acabam se tornam mecanizados, automatizados. Os trajetos se tornam quase que obstáculos a se transpor. Os trabalhos do Poro tentam de alguma forma sensibilizar o olhar das pessoas para que voltem a olhar a cidade. Para que percebam a cidade e suas situações. Atualmente, as cidades chegaram a escalas desumanas; a arquitetura, as distâncias, os deslocamentos, tomaram dimensões que parecem não favorecer a experiência do encontro e da poesia. No entanto, as intervenções do Poro levam o nosso olhar para elementos simples e corriqueiros como o céu, o vento e o tempo, e parecem nos propor um momento de suspensão. Estamos muito distraídos para o elementar? PORO: Talvez as nossas intervenções busquem criar espaços justamente para que as pessoas desviem um pouco e se distraiam, no sentido do lúdico, de se permitir para o poético. Abrir pequenos respiros na cidade, para o sutil. Como diria o Leminski: “Distraídos venceremos”.

“Olhe para o céu” (2009) Praça Sete, Belo Horizonte Fotos: Coletivo PORO



VIVA a borda

“VIVA A BORDA” escrita com a fonte parking, desenvolvida pelo PORO


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“Notas Perdidas” por Cristina Pescuma


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PHOTOCA laboratório fotográfico itinerante www.photoca.com.br






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