Revista Anestesiologia MIneira

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Revista Anestesiologia Mineira

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mai/jun/jul 2015 Shutterstock

Revista da Samg e Coopanest-MG - Edição 10

Anestesia em idosos

Conheça as peculiaridades e os cuidados a serem considerados no atendimento a pessoas na terceira idade

Os desafios dos residentes

Finanças para profissionais de saúde


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Sobre PILOTOS e ANESTESISTAS

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Milagre, sorte ou competência? No dia 24/5/2015 o avião que transportava a família do apresentador Luciano Huck apresentou uma falha na bomba de combustível, obrigando o piloto a fazer um pouso forçado. O piloto pousou numa fazenda, mas, imediatamente antes de pousar, ainda teve que desviar-se de um rebanho. Ninguém se feriu gravemente. Esse acidente aéreo poderia ter sido uma tragédia, mas todos saíram ilesos. Muita sorte! Ou talvez competência do piloto. Mas quem é esse piloto? Alguém se lembra do nome dele? Ou só nos lembramos dos pilotos nas tragédias? O mesmo acontece com procedimentos cirúrgicos, nos quais muitas vezes o paciente nem sequer sabe o nome de quem cuidou da sua vida, ou eventualmente a salvou: o anestesiologista. Seu nome só é lembrado quando algo dá errado. Mas e as inúmeras vezes em que enfrentamos situações adversas decorrentes de falhas mecânicas, de complicações ou inerentes ao paciente? As situações são inúmeras, mas a solução sempre passa por conhecimento técnico-científico associado à rápida capacidade de tomar decisões e à sorte, claro! Esta semana atendi no consultório pré-anestésico um bebê, cujo irmão apresentou Hipertermia Maligna durante uma cirurgia. A Hipertermia Maligna é uma doença genética rara e gravíssima, que pode ser desencadeada por alguns anestésicos e apresenta alta mortalidade. Essa criança sobreviveu sem nenhuma sequela. A mãe me relatou que todos falaram para ela que foi muita sorte! Talvez a sorte tenha ajudado, mas ter o medicamento próprio para tratar a Hipertermia Maligna no hospital não é sorte, é lei! Qualquer instituição onde se realizam cirurgias é obrigada a ter 36 frascos de Dantrolene (medicamento usado para tratar a doença). Para se ter uma ideia da urgência da situação, após o diagnóstico de Hipertermia Maligna o Dantrolene deve ser administrado imediatamente, pois, a cada meia hora de demora entre o início dos sintomas e a administração da medicação, há um aumento significativo na mortalidade! Por outro lado de nada adiantaria a existência da medicação se o anestesista não fizesse rapidamente o diagnóstico e tratamento adequados. Fiquei curiosa de saber quem foi o profissional que salvou a vida daquela criança. A mãe do menino me disse que nunca se esquecerá do nome dele: Pedro Felipe de Souza Xavier, na época anestesista em treinamento, e seu preceptor Flávio Willian.

Voltando ao acidente com a família de Luciano Huck, o nome do piloto é Osmar Frattini, tem 52 anos e provavelmente é bastante experiente, ou tem muita sorte, ou ambos. Parece que o episódio foi considerado um milagre. Será que passou pela cabeça das pessoas que a competência, experiência, controle emocional e capacidade de resolução do piloto ajudaram na realização desse milagre? Outro milagre salvou os passageiros do voo US Airways 1549 em 15/1/2009, que ia de Nova Iorque para a Carolina do Norte. Enquanto ganhava altitude, o Airbus A320 atingiu um grupo de gansos, o que resultou na perda imediata da potência das turbinas, tornando necessário um pouso de emergência. A tripulação concluiu que o avião não conseguiria alcançar nenhum campo de pouso, decidindo então guiar a aeronave para o sul, estabelecendo seu curso para o rio Hudson. O nome do comandante era Chesley “Sully” Sullenberger, de 57 anos, um ex-piloto de caça que desde 1980, quando deixou a Força Aérea Americana, tornou-se comandante de linhas aéreas civis. Ele também era especialista em segurança e piloto de planadores. Consta que, após comunicar a torre sobre a colisão e a necessidade urgente de pouso, a torre indicou que o piloto pousasse na pista Um, em Nova Jersey. O piloto disse que não seria possível e, quando a torre perguntou onde ele pretendia pousar, respondeu calmamente: “Estaremos no rio Hudson”. A seguir perdeu-se a comunicação. O avião pousou minutos depois no Hudson, e todos os 150 passageiros e cinco tripulantes foram salvos. Antes de sair do avião parcialmente submerso, o piloto ainda percorreu duas vezes os corredores da aeronave para se certificar de que todos haviam saído. Muita sorte! Milagre mesmo! Ou como disse Thomas Jefferson: “Quanto mais trabalho, mais a sorte me aparece”. Já Churchill era mais enfático e dizia que a sorte não existia e que aquilo que chamamos de sorte é o cuidado com os pormenores... Toda a tripulação do voo 1549 foi mais tarde condecorada com a Medalha de Mestre da Guild of Air Pilots and Air Navigators. No momento da entrega das medalhas, foi dito que aquele “pouso de emergência e a evacuação da aeronave, sem a perda de nenhuma vida humana, são uma conquista heróica e única na história da aviação”. Dra. Michelle Nacur Lorentz, vice-presidente da SAMG


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Os desafios da residência

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Como organizar suas finanças

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JASB em BH

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Homenagem à diretoria da Coopanest-MG

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expediente Coopanest-MG – Cooperativa dos Anestesiologistas de Minas Gerais

Diretoria Executiva: Presidente: Dr. Lucas Araújo Soares • Diretor Administrativo: Dr. Rômulo Augusto Pinheiro • Diretor-Financeiro: Dr. Geraldo Teixeira Botrel • Conselho de Administração: Dr. Carlos Leonardo Alves Boni, Dr. José Gualberto Filho, Dra. Márcia Rodrigues Neder Issa, Dr. Nordnei Soares de Paiva Campos Moreira • Conselho de Ética/Técnico: Dra. Cláudia Vargas de Araújo Ribeiro, Dr. Francisco Eustáquio Valadares, Dra. Juliana Motta Couto, Dr. Rodrigo de Lima e Souza, Dr. Rodrigo Guimarães Leite • Conselho Fiscal: Dr. Adriano Bechara de Souza Hobaika, Dr. Crélio Viana, Dra. Izabela Fortes Lima, Dr. Marcelo de Paula Passos, Dr. Marcelo Fonseca Medeiros, Dr. Marcílio Batista Pimenta. Rua Eduardo Porto, 575, Cidade Jardim • Belo Horizonte • MG • CEP: 30380-060 Coopanest: Tels.: (31) 3291-2142, (31) 3291-5536, (31) 3291-2716, (31) 3291-2498 • Fax: (31) 3292-5326 • coopanest@uai.com.br • www.coopanestmg.com.br SAMG: Tel./Fax: (31) 3291- 0901 • samg@samg.org.br • www.samg.org.br Produção: Prefácio Comunicação – Tel: (31) 3292-8660 Jornalista responsável: Celuta Utsch (4667/MG) Redação: Guilherme Barbosa (MTB/MG 12.630) Revisão: Francisco Ferreira

SAMG – Sociedade de Anestesiologia de Minas Gerais

Presidente: Dr. Jaci Custódio Jorge • Vice-Pres.: Dra. Michelle Nacur Lorentz • 1º Sec.: Dr. Rogerio de Souza Ferreira • 2ª Sec.: Dr. Cláudia Helena Ribeiro da Silva • 1º Tesoureiro: Dr. Rômulo A Pinheiro • 2º Tro: Dr. André Vinicius C. Andrade • D. Ctfco: Dr. Antônio Carlos A. Brandão • D. Social: Dr. Renato Hebert G. Silva • Comissão Científica: Dra. Renata da Cunha Ribeiro • Dra. Flávia Quintão Silva Belém • Dr. Roberto Almeida de Castro • Dr. Jonas Alves Santana • Dr. Leandro Fellet Miranda Chaves • Comissão de Defesa Profissional: Dr. Joaquim Belchior Silva • Dr. Alexandre Assad de Morais • Dr. Nilson de Camargos Roso • Dr. Rodrigo Costa Villela • Dr. Celso Homero Santos Oliveira • Dr. Lucius Claudius Lopes da Silva • Comissão de Estatuto, Regulamentos e Regimentos: Dr. Eduardo G. M. Milhomens • Dr. Marcos Leonardo Rocha • Dra. Virginia Martins Gomes • Conselho Editorial: Coordenadores: Dr. Marcel Andrade Souki • Dra. Luciana de Souza Cota Carvalho • Membros: Dra. Bruna Silviano Brandão Vianna • Dra. Roberta Ferreira Boechat • Dr. Luciano Costa Ferreira • Dr. Wellington de Souza e Silva • Dra. Gisela Magnus • Dr. Thiago Gonçalves Wolf • Dra. Raquel Rangel Costa

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SAMG entrevista – Dr. José Raimundo Lippi

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Opinião do especialista e leitura recomendada

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sumário


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opinião do especialista

Sugammadex: uso em idosos e cirurgias laparoscópicas A população idosa tem crescido nos últimos anos, bem como o número de idosos submetidos a procedimentos cirúrgicos. Acredita-se que cerca de metade deles irá requerer algum tipo de intervenção cirúrgica e o índice de mortalidade dessa população será maior do que o registrado em adultos de forma geral. Ao atingir 80 anos, para cada ano acima dessa faixa etária, há um risco adicional de 5% na taxa de mortalidade. Já pacientes que atingem 90 anos apresentam risco 50% maior do que aqueles que chegaram aos 80. A farmacodinâmica dos idosos é alterada pela diminuição da água corporal total e aumento do tecido gorduroso. Os agentes hidrossolúveis são distribuídos em menor compartimento, com aumento da sua concentração plasmática inicial. Os agentes lipofílicos, por sua vez, têm maior volume de distribuição e eliminação prolongada. A farmacodinâmica e farmacocinética dos bloqueadores neuromusculares (BNM) e seus agentes reversores também se encontram alteradas nos idosos. O Rocurônio, por sua vez, tem seu tempo de início de ação diminuído, bem como a duração aumentada, devido à lentificação na eliminação do fármaco. Atualmente, muitos idosos e pacientes ASA III e IV têm se submetido a cirurgias laparoscópicas, inicialmente reservadas para pacientes ASA I e II. Entretanto, as cirurgias videolaparoscópicas requerem bloqueio neuromuscular profundo para facilitar a ventilação e garantir um bom campo cirúrgico. Por outro lado, a recuperação espontânea do bloqueio neuromuscular é

lenta e imprevisível, com altos índices de bloqueio residual, que pode ocorrer mesmo com bloqueadores de ação intermediária como Vecurônio, Rocurônio e Atracúrio. O bloqueio residual pode gerar graves complicações como atelectasia, colapso das vias aéreas e hipoxemia. A reversão do bloqueio neuromuscular com os anticolinesterásicos, por sua vez, acarreta efeitos muscarínicos, sendo necessário o uso concomitante de agentes anticolinérgicos; além disso, os anticolinesterásicos podem causar efeitos colaterais como náuseas, aumento de peristaltismo, bradicardia e broncoconstrição. Os testes clínicos como elevação da cabeça, força nas mãos e capacidade de abaixar a língua, dentre outros, têm baixo valor preditivo e, mesmo se associarmos todos os testes clínicos disponíveis, alcançamos apenas 46% de valor preditivo, positivo para recuperação neuromuscular. Por isso, tornou-se imperativa a monitorização da função neuromuscular por meio da aceleromiografia ou da cinemografia. Vários estudos demonstraram que o uso de monitorização da função neuromuscular, associado à reversão do BNM, foi capaz de reduzir significativamente os eventos críticos em anestesia. Entretanto, a reversão do bloqueio neuromuscular com os anticolinesterásicos requer recuperação parcial da função da placa motora. Isso faz com que cirurgias que demandam relaxamento muscular profundo até o final, como as videolaparoscopias, possam ter tempo prolongado de recuperação do pacientes.

O Sugammadex desponta como alternativa em casos que requerem rápida reversão do BNM, mesmo imediatamente após sua administração. Trata-se de um agente reversor do Vecurônio e Rocurônio que encapsula esses fármacos para criar um gradiente de concentração que favorece a saída do BNM da junção neuromuscular, resultando na rápida reversão do bloqueio neuromuscular. Não tem atividade anticolinesterásica ou ação competitiva. Sua dosagem varia de 2 a 16 mg/kg, dependendo do grau de recuperação da placa motora. Sua eficácia foi testada em adultos, crianças e idosos. Provou-se seguro nos idosos, mesmo com bloqueios moderados e profundos. A eficácia na reversão do bloqueio profundo em idosos foi testada em estudo multicêntrico, comparativo e “open label” em 14 centros dos EUA, entre 2005 e 2006, encontrando

“Sua eficácia foi testada em adultos, crianças e idosos. Provouse seguro nos idosos, mesmo com bloqueios moderados e profundos”


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efeito rápido nos idosos em doses similares às dos adultos. A diminuição dos tempos de ocupação da sala cirúrgica e permanência na SRPA torna o Sugammadex custo efetivo, especialmente nas cirurgias videolaparoscópicas e em idosos. Além

disso, a possibilidade de reversão imediata nas situações não intubo e não ventilo aumenta a segurança dos procedimentos. Dra. Michelle Nacur Lorentz, vice-presidente da SAMG

Leitura sugerida: Anesth Analg 2006; 102:426-429. Anesth Analg 2008; 107:130-137. Anesthesiology Clin 2010; 28: 691–708. Anesthesiology 2011; 114:318-329. Curr Anesthesiol Rep 2013; 3:122–129.

opinião do especialista

Manejo perioperatório do idoso com fratura de quadril Anualmente, cerca de 1,6 milhão de pessoas sofrem fratura de quadril, e esse número deve crescer com o envelhecimento da população. Em torno de um terço dos pacientes irá morrer dentro de um ano após a correção da fratura de quadril (esse índice é maior entre homens; entre mulheres, a mortalidade em um ano alcança 20%). Como o paciente idoso representa um desafio para o anestesiologista, várias estratégias têm sido propostas com o intuito de reduzir a mortalidade. Três fatores principais devem ser considerados na abordagem desses pacientes: idade avançada (incluindo idoso “idoso”, com mais de 90 anos), a presença de comorbidades e condições médicas agudas concomitantes. Como a correção cirúrgica é considerada uma urgência, devendo ser realizada dentro de 24 a 48 horas, poucos são os fatores que justificam o atraso do procedimento, principalmente quando estudos demonstram que a cirurgia muito precoce (dentro de seis horas) apresenta melhor prognóstico. Entretanto, para a maioria dos

serviços, a realização do procedimento em um prazo de 24 horas ainda representa um desafio. Mesmo nos pacientes com graves doenças o adiamento da cirurgia é quase uma exceção, justificando-se talvez apenas nos pacientes com síndrome coronariana aguda, arritmias graves, falência ventricular ou anemia e distúrbios hidreletrolíticos graves. Por isso, muitas vezes, o anestesiologista deve estar preparado para tratar várias condições no período pré-operatório, já que em diversas situações não haverá tempo pré-operatório para otimizar as condições do paciente. Nem mesmo hemostasia alterada justifica adiamento da cirurgia. Na abordagem desses pacientes é importante hidratação individualizada baseada em metas hemodinâmicas, tratamento da dor com morfina e aceraminofem intravenosos ou bloqueios periféricos, prevenção e tratamento dos delírios. A anestesia regional parece mais benéfica que a anestesia geral. E os cuidados pós-operatórios são fundamentais para a recuperação dos idosos. Nesse contexto, o conceito

“Os cuidados pós-operatórios são fundamentais para a recuperação dos idosos” da Ortogeriatria agregou muito valor aos cuidados desses pacientes. Desde a admissão até a alta hospitalar o idoso deveria receber tratamento em uma unidade especializada em geriatria, com equipe médica e de enfermagem com expertise, que priorize cuidados como mobilização precoce, detecção precoce de retenção urinária e delírio, prevenção de úlceras de decúbito e tratamento adequado da dor. Dra. Michelle Nacur Lorentz, vice-presidente da SAMG Leitura sugerida: Anesthesiology 2014; 121:1336-41. Anesthesiology 2015; 123:136-47.


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SAMG entrevista

A Revista Anestesiologia Mineira conversou com Dr. José Raimundo Lippi, psiquiatra da Infância e Adolescência Doutor em Ciências pela FIOCRUZ, Membro Emérito e diretor Científico da Academia Mineira de Medicina; professor convidado da Faculdade de Medicina da UFMG, professor Colaborador da Faculdade de Medicina da USP; psicanalista didata em Terapia de Grupo e Família; presidente da Associação Brasileira de Prevenção e Tratamento das Ofensas Sexuais (ABTOS); coordenador do Ambulatório Especial de Acolhimento e Tratamento de Famílias Incestuosas (AMEFI/HC/UFMG); coordenador da Comissão de Atenção à Saúde Mental do Médico (Associação Brasileira de Psiquiatria – ABP).

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“Não somos super-heróis”

Dr. José Raimundo É verdade que o médico trabalha mais que os outros profissionais liberais? Se for verdadeira a impressão que temos de a carga horária dos médicos ser extenuante, a que devemos atribuir esse fato? Sim. São várias as razões: a) Ele se considera super-homem e não tem limites para o trabalho, em função de sua trajetória de vida; b) A sua formação teórica e prática, humanista, envolve conhecimentos que implicam reflexões profundas sobre a vida e a morte; c) Para alcançar um bom nível de compreensão da vida humana exige-se dos médicos muito mais horas de estudos e de exercícios práticos. Ele aprendeu a trabalhar mais que os outros desde os bancos escolares; d) O médico existe para salvar vidas e evitar a morte. Por isso,

seu título de semideus vai sendo cultuado, e ele pensa que é invulnerável; e) Ele aceita, de forma pouco profissional, a sobrecarga de trabalho, sendo muitos vezes explorado por instituições e colegas; f) Como consequência, trabalhar muito, e em péssimas condições ambientais, não vai lhe fazer mal. Frequentemente comparamos os anestesiologistas a pilotos de avião. Entretanto os pilotos, após longas viagens, são obrigados a descansar. A própria legislação não permite que eles façam imediatamente outra viagem. Não deveria ser assim com os médicos? Deveria, sim. Pilotos e médicos se sentem invulneráveis. Eles pensam que o que acontece com outros não acontecerá com eles! Mas essa semelhança não implica os mesmos direitos:

a) Os pilotos pertencem a uma classe profissional mais organizada, que exige seus direitos; b) A legislação é sabedora da importância desse descanso; c) A população reconhece os riscos que correria sem o descanso deles e os apoia; d) Os médicos, vocacionados, carregam o “peso“ do vínculo sacerdotal, que existe no seu imago; e) A população, da mesma forma, os enxerga de forma religiosa; f) Dessa forma, sua invulnerabilidade é explorada pelas leis, instituições e colegas; g) Essa autoimagem internalizada no passado é que o faz mais passivo e menos exigente; h) Assim, sua relação empregatícia é, predominantemente, de submissão. Os médicos cuidam de todos o tempo todo, sejam pacientes,


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SAMG entrevista familiares ou amigos. Entretanto, quando se trata da sua própria saúde, os médicos são geralmente negligentes. Esse é um fenômeno paradoxal. Qual a razão para não cuidar de si mesmo? Ela explica esse fato assim: a autossuficiência é a palavra que pode sintetizar a dificuldade que o médico tem de procurar ajuda quando adoece. Esta psiquiatra da USP cita o benefício da ignorância como um fator que protege a pessoa leiga de compreender o que vai lhe acontecendo e permite que esse paciente acredite na palavra do médico. Nesse contexto, sentimentos como onipotência e vergonha fazem com que muitos profissionais assumam a automedicação. Que fenômeno é esse? Especialista (Simon, 1971) aborda o imaginário da morte na vida dos médicos de uma forma bem criativa. Além do mais, o estado de tensão a que o médico é submetido não tem paralelo. Esses dados e a possibilidade de “vencer” a morte o colocam com sentimentos de onipotência. A esse ser idealizado Simon chamou de “ser tanatolítico”, e ao conjunto de ações mágicas que lhe são atribuídas, de “complexo tanatolítico”. Entre as motivações para a escolha da profissão da carreira médica, segundo ele, o “complexo tanatolítico” influi fortemente. Como podemos melhorar os cuidados dos médicos com sua saúde física e mental? Ajudando-o a mobilizar e desenvolver suas habilidades, tornando-o apto a elevar o nível de tolerância ao sofrimento (dor, tensões e frustrações), que fazem parte da vida e são necessárias ao amadurecimento emocional do indivíduo. Ou seja, torná-lo mais forte na sua humanidade e tirá-lo da onipotência. Essa ajuda pode ser feita incentivando-o a procurar tratamento especializado com um psiquiatra e/ou psicanalista.

O uso de recursos medicamentosos e psicoterápicos é um caminho mais seguro para viver mais realisticamente e recuperar a autoestima perdida. Existem estudos que relacionam os anestesiologistas a um risco maior de doenças autoimunes e depressão. Na sua avaliação, isso é mito ou verdade? Quais seriam as causas? As pesquisas têm revelado que os médicos vivem sob intenso estresse tóxico. Todo ser humano vive sob tensão, mas ela tem limites para não se tornar patológica. No estágio da tensão tóxica poderá ocorrer o adoecimento da pessoa. A visão biopsicosocial da tensão muito aumentada (estresse) nos permite conceituá-la: Os médicos e os anestesiologistas em especial, estão sob pressão constante relacionada ao trabalho, tais como: insalubridade ambiental, estresse relacionado às situações de emergência, ao excesso de trabalho e aos plantões noturnos. Esses dados nos levam a refletir: Doenças autoimunes: quando estamos estressados, temos um aumento na produção de um imunossupressor importante: cortisol. Ele reduz a produção das imunoglobulinas classe A (IgA) que são produzidas, principalmente, na saliva e no intestino. O resultado disso é que ficamos mais vulneráveis à absorção de toxinas por via intestinal, favorecendo várias reações alérgicas, além de infecções respiratórias. Ao mesmo tempo, aumenta a possibilidade de desenvolver doenças autoimunes. Além disso, os anestesistas, em particular, se alimentam muito mal. A característica do trabalho, de manter um ser humano sob o efeito de medicações poderosas, importantíssima para permitir o salvamento de vidas, exige a sua presença constante. Assim, alimentação inadequada para superar a fome de horas de trabalho. A exigência do exercício dessa prática, sob estresse tóxico

como é salientado acima, faz com que eles deixem de ingerir, de forma adequada, alimentos contendo carboidratos, ômega3, triptofano, vitaminas C e B6, que reduzem os níveis de cortisol e controlam a ansiedade, a angústia e o medo, conjunto que eu denomino de tensão, que poderá se transformar em estresse tóxico. Estão criadas as condições para o adoecimento. Adicionalmente, há dois outros fatores especialmente relevantes entre os anestesiologistas: acesso facilitado a substâncias altamente dependógenas e o hábito da automedicação para lidar com insônia, ansiedade e dor física. Estão abertas as portas para a DEPRESSÃO. Vale ressaltar que o estresse pode precipitar a depressão em pessoas com predisposição, que provavelmente é genética. Um médico com histórico familiar estará mais propenso a esse quadro. A prevalência da depressão é estimada em 19%, o que significa que aproximadamente uma em cada cinco pessoas no mundo apresenta o problema em algum momento da vida. Entre os médicos a prevalência é maior. Sucintamente podemos dizer que ela é um distúrbio afetivo que acompanha a humanidade ao longo de sua história. No sentido patológico, há presença de vários sinais e sintomas entre os quais podemos citar: insônia, inapetência, tristeza, pessimismo, baixa autoestima, que aparecem com frequência e podem combinar-se entre si. “A falta do sono é um dos gatilhos para o aparecimento da depressão.” No Brasil (Martins, 1991) destacaria alguns fatores estressantes associados ao exercício profissional: sobrecarga horária, privação de sono, comportamento idealizado – contato intenso e frequente com a dor e o sofrimento; lidar com a intimidade corporal e emocional – contato com a morte e com o morrer; lidar com pacientes difíceis – incertezas e limitações do conhecimento


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SAMG entrevista

“O abuso de opioides entre anestesiologistas tem sido amplamente reportado na literatura médica” médico, isto é, o medo do erro médico. Esses dados são muito claros na vida do anestesiologista, pois ele vive intensamente essas relações, e sua onipotência se manifesta. A depressão é uma das maiores causas de suicídio e já apontava dados importantes: é mais frequente entre as médicas do que entre os médicos; a taxa entre elas é quatro vezes maior que nas mulheres da população geral com mais de 25 anos, nos Estados Unidos; a incidência de morbidade psiquiátrica, alcoolismo e uso de drogas é alta nos médicos suicidas; a disponibilidade e a oportunidade de acessos a meios de suicídio (drogas, venenos, etc.) são maiores na população médica e entre anestesistas, em especial. Os anestesiologistas são expostos a acidentes de trabalho com risco de aquisição de doenças por eventualmente terem contato com sangue e secreções dos pacientes, mas parecem não se preocupar com isso. Eles sofrem da Síndrome da Invulnerabilidade Médica. Essa síndrome se caracteriza pela falsa ideia, que alguns médicos têm, de que eles seriam imunes às doenças e que os problemas de saúde não os afetariam. Esclareço que essa síndrome acomete, também, profissionais de outras áreas, inclusive os do esporte. Aprofundemos, um pouco, essa ideia de invulnerabilidade: a maioria dos leitores já assistiu a “Superman”, “Batman” e outras películas

nas quais um super-herói enfrenta os riscos mais incríveis. Esses seres fictícios colocam-se ao alcance dos perigos mais devastadores, vencem seus inimigos, sem receber nenhuma ajuda, e nisso reside a função do super-herói: ser imbatível em qualquer circunstância. Muitos médicos se colocam nesse patamar. Embora, conscientemente, eles saibam que as cenas cinematográficas não são reais, muitos deles tratam de imitá-las no dia a dia, no desenvolvimento de atividades produtivas ou não. Nelas, os candidatos a heróis ficam expostos aos perigos, sem tomar as devidas precauções, o que pode desencadear consequências devastadoras. O que motiva consciente ou inconscientemente essas ações de fuga da realidade? Basicamente, a diferença entre os filmes e a vida real! O resultado dessa “confusão” pode ser catastrófico. Muitas pessoas ficam lesionadas ou mesmo morrem em decorrência de atividades de risco. Os exemplos são noticiados, com frequência, entre aqueles que praticam esportes radicais e exercem profissões de elevado risco. A medicina é considerada uma profissão de risco. Muitos médicos adoecem e alguns deles morrem em decorrência do descaso no uso de regras preventivas simples. Como poderíamos fazer para difundir a necessidade de uso de equipamentos de proteção individual? Tirando-os da onipotência. O que se passa na mente das pessoas que

creem ser invulneráveis aos perigos do meio? Não é incomum a explicação de que isso teria a ver com um sentimento de dessensibilização progressiva frente aos perigos, quando a exposição a eles é rotineira. Isso vai familiarizando a pessoa com tais riscos, colocando-a num nível de resistência superior. Essas pessoas, então, não adotam as medidas de controle definidas e estudadas, reconhecidas conscientemente, por elas mesmas, como necessárias. Mas, para o seu inconsciente, essas regras não são aplicáveis, pois elas é que sabem mais e conhecem o perigo! A verdade delas supera qualquer estudo técnico, já que é elas que estão frente ao perigo na maior parte do tempo. E em relação ao uso de substâncias ilícitas? O médico em geral e o anestesiologista em particular estão mais expostos ao risco de usar tais substâncias? Os anestesiologistas são os mais representados em estudos relacionados à dependência química entre médicos (Baldissieri, 2007), salvo engano, esse autor ainda não havia sido citado. Em uma amostra clínica de 198 médicos brasileiros que apresentavam dependência foi observado que, apesar de os anestesiologistas representarem 3% da população médica, eles constituíram 12,5% dos médicos sob tratamento. Adicionalmente, a mortalidade relacionada ao suicídio e à dependência química entre anestesiologistas é maior que entre profissionais médicos de outras especialidades. O abuso de opioides entre anestesiologistas tem sido amplamente reportado na literatura médica (Spielguelman, 1987; Kintz et. al, 2005). Um estudo apontou uma incidência no uso dessas substâncias de 1,6% entre médicos residentes, que constituem uma classe especialmente vulnerável à experimentação.


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SAMG entrevista O que devemos fazer para ajudar um colega que se encontra nessa situação? Procurar um colega e/ou serviço capacitado. Estimular, onde não existe, a criação de serviços especializados para os tratamentos que envolvem medicamentos e, principalmente, psicoterapia e psicanálise. Somente assim, o colega poderá encontrar um lugar adequado para refletir sobre sua realidade e sair da “onipotência”, podendo elevar o seu nível de tolerância ao sofrimento.

em Terapia de Grupo e Família, eu sei o valor da psicoterapia de grupo para essas situações. Nesse sentido, enviei para o Presidente da Associação Médica de Minas Gerais o projeto de um programa de prevenção e assistência aos colegas com transtornos mentais. Ele deve envolver todas as entidades médicas responsáveis pelo cumprimento da boa prática da Medicina para tornar realidade essa proposta. Essas entidades têm o dever de criar uma forma de gestão moderna para esse mister.

Em sua opinião, qual o papel que as sociedades de especialidades médicas devem ter nos cuidados com a saúde mental dos seus associados? Essa síndrome de invulnerabilidade e onipotência, em realidade, é um problema para a GESTÃO de prevenção de riscos nas empresas. No nosso caso as empresas médicas não têm assumido o seu papel de gestores preventivos. Elas devem criar setores especializados para trabalhar com o inconsciente das pessoas cujas vivências as fazem sentir-se invulneráveis, e isso não se consegue com a GESTÃO TRADICIONAL. É necessário aplicar medidas e atividades que permitam entrar nas emoções dos profissionais. Devemos impactar as pessoas dando a elas a chance de vivências profundas. Isso irá promover alterações no inconsciente delas, pois não basta dar conselhos, fazer regras, regimentos e punições! Isso poderá ocorrer nas vivências em grupos nos quais se possa exteriorizar o conteúdo de seus conflitos sem o receio de que suas palavras sejam ditas em vão. Por isso, não basta falar em grupo, ou seja, fazer catarse: é necessário que um terapeuta experiente decodifique as mensagens e ajude a trazer as pessoas para a realidade. O pensamento de que as coisas ruins só acontecem com os outros e as boas conosco é mito e não é construtivo! O perigoso é o excesso de confiança, e isso aumenta nossa vulnerabilidade. Como didata

Como se define alcoolismo e o que fazer com esses profissionais? Do ponto de vista médico, o alcoolismo é uma doença crônica, caracterizada pelo consumo compulsivo de álcool, na qual o usuário, progressivamente, se torna tolerante à intoxicação produzida pela droga e desenvolve sinais e sintomas de abstinência quando ela é retirada. “O alcoolismo é a doença mental mais comum no mundo”, mas, mesmo assim, de difícil controle e tratamento, envolvendo aspectos comportamentais e socioecômicos. Essa patologia tem componente genético e está mais presente em pessoas que vivem situações de estresse constante. O uso do alcool é, na maioria das vezes, uma tentativa de se livrar da realidade, quando envolvida com muito sofrimento. Assim, aqueles que têm carregamento genético, e vivem sob tensão, podem caminhar para depressão, desenvolver o transtorno bipolar e outras patologias, estando particularmente em risco, pois o álcool pode ser usado como automedicação. O que melhor se pode fazer por esses profissionais é ajudá-los a encontrar um caminho de recuperação. Buscar na sua comunidade os recursos possíveis existentes, como clínicas especializadas idôneas. Mas, acima de tudo, buscar dentro de si suas habilidades latentes e tentar sair da situação. Um bom terapeuta

pode ajudá-lo. Além disso, existem pessoas que se reúnem em grupos específicos para se salvarem. Sempre é bom relembrar que um dos primeiros movimentos para a reabilitação de alcoólatras – Alcoólicos Anônimos (AA) – nasceu no dia 10 de Junho de 1935, portanto há 80 anos, – criado pelo médico-cirurgião Robert Holbrook Smith, apelidado de Dr. Bob. Ele nasceu e morreu nos EUA (1876/1950). Dr. Bob era cirurgião e sofria os efeitos graves do alcoolismo, que o impedia de exercer sua excelente técnica. Ele e um colega, após longo diálogo muito produtivo, tiveram a ideia de ampliar a discussão para outros alcoólatras. Hoje, estão espalhados pelo mundo inteiro: em Belo Horizonte, por exemplo, existem cerca de 150 grupos e em Minas Gerais, 576. Qual o seu conceito de saúde mental? Eu considero esta minha forma de abordar o tema como a mais compreensível: Saúde mental é a capacidade que o ser humano tem de desenvolver e mobilizar suas HABILIDADES (inatas e adquiridas) tornando-se apto para ELEVAR, cada vez mais, o NÍVEL de SUPORTE e/ou de TOLERÂNCIA às tensões, à dor e às frustrações (sofrimento), resultantes da luta pela sobrevivência e necessárias para o seu desenvolvimento emocional.

“A falta do sono é um dos gatilhos para o aparecimento da depressão”


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Cuidados com os mais experientes População mundial inicia processo de envelhecimento, e evolução da analgesia para esse público mostra-se cada vez mais importante


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capa Certamente um dos maiores avanços conquistados pela medicina é a possibilidade de o paciente perder a consciência durante um procedimento cirúrgico. Além dos grandes benefícios trazidos para os médicos, o alívio do sofrimento e a diminuição da dor deram mais comodidade e segurança para os operados. A data que marca o início desse processo é 16 de outubro de 1846, dia em que o cirurgião John Collins Warren realizou a retirada de um tumor de um jovem de Massachusetts. O médico contou com o auxílio da anestesia do dentista William Gilbert Morton, que utilizou um aparelho inalador projetado por ele mesmo e uma garrafa de éter para que o paciente ficasse totalmente inconsciente. Paralelamente à importância que a anestesia ganhava em procedimentos cirúrgicos, caminhava a evolução de fármacos e metodologias específicas para anestesiar o paciente. No entanto, os índices de mortalidade e morbidades provenientes da anestesia começaram a ficar cada dia mais evidentes. De lá pra cá, as melhorias alcançadas no processo anestésico ganharam força, e, atualmente, as possibilidades de um paciente saudável morrer por causa da anestesia é inferior a 1 em 200.000, o que significa 0,0005% de chance de haver fatalidade. Entretanto, como o processo evolutivo da Medicina deve ser contínuo, os anestesiologistas e

laboratórios se deparam com um novo desafio – o envelhecimento da população. “Temos observado um aumento na frequência de cirurgias, inclusive em pacientes octogenários e nonagenários, que necessitam, obviamente, de procedimentos específicos”, comenta Dr. João Alberto Duarte, diretor técnico e anestesiologista do Hospital Santa Isabel, em Ubá. De fato, bem como a sociedade deve se adaptar a esse novo fenômeno, os anestesiologistas devem ficar atentos a novos procedimentos, drogas e dosagens para pessoas acima de 65 anos. De acordo com Dr. João Alberto, é evidente que o paciente adulto idoso difere-se do adulto jovem pelas alterações que ocorrem devido ao processo de envelhecimento, que afetam todos os sistemas orgânicos, como redução do débito cardíaco, diminuição da resposta da frequência cardíaca, capacidade elástica miocárdica e a arterial reduzidas, hipertrofia ventricular, atividade simpática e elasticidade pulmonar diminuídas, volume residual aumentado, capacidade de fechamento aumentada, fluxo plasmático renal diminuído, taxa de filtração glomerular menor, alterações na bioquímica dos neurotransmissores, redução de dopamina e noradrenalina, diminuição da síntese de serotonina, gaba e acetilcolina, dentre outras especificidades. “Paralelamente a essas e outras alterações, a farmacocinética e farmadinâmi-


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ca das drogas sofrem mudanças pelas modificações no conteúdo de água-gordura do organismo, diminuição da metabolização hepática e exceção renal, diminuição da concentração de albumina e principalmente redução das necessidades anestésicas dos idosos”, explica Dr. João. Os cuidados com esse tipo de paciente passam também pelos medicamentos usados na anestesia. Dra. Luciana de Souza Cota Carvalho Laurentys, anestesiologista dos Hospitais Mater Dei e João XXIII, prefere não utilizar anti-inflamatório em idosos e evita benzodiazepínicos. “Dou preferência para sedativos de curta duração e tento fazer a menor quantidade possível de fármacos, pois é muito frequente o idoso fazer uso da ‘polifarmácia’, portanto, há maior risco de complicações por interações medicamentosas.” Delírio pós-operatório Provavelmente, o delírio pós-operatório é um problema que todos os anestesiologistas já passaram ao anestesiar um paciente mais velho. Isso ocorre devido à uma Síndrome Cerebral Orgânica Aguda, que se desenvolve dentro dos primeiros dias depois da cirurgia. Dr. João Alberto alerta que o delírio deve ser diferenciado do “fenômeno cognitivo de emergência”, que ocorre ao final da anestesia decorrente do despertar. Ele desenvolve-se 24/72

horas depois da cirurgia e atinge a incidência de 10% na população idosa. Em alguns tipos de cirurgia, tais como de fratura do quadril, cirurgias cardíacas e de emergência, pode atingir 30% a 65%. Esses fatores evidenciam ainda mais a importância de o profissional conhecer o histórico clínico do indivíduo para prover a analgesia satisfatória. “O local onde o pós-operatório ocorrerá é de grande importância, pois o afastamento dos familiares leva a maior incidência de delírios”, opina Dr. Luiz Antônio Carneiro, anestesista do Hospital Madre Teresa. Para Dra. Luciana, essencialmente, os cuidados com o paciente idoso são os mesmos relacionados às pessoas comuns, como dar atenção para posicionamento, evitar hipotensão, realizar aquecimento ativo objetivando manter controle térmico, ter cuidado com soroterapia, prover analgesia adequada e, por meio de bloqueios, dar preferência para fármacos de curta duração e, sempre que possível optar por bloqueio em detrimento da anestesia geral. De fato, não só os anestesiologistas, mas também outras especialidades se defrontam com um novo perfil de pacientes. No futuro, a população idosa estará mais numerosa, o que vai nortear profissionais e laboratórios no desenvolvimento de anestesias ambulatoriais para garantir a segurança desse público.

Pontos importantes que o anestesiologista deve verificar antes da anestesia no idoso

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Avaliar exames laboratoriais necessários Orientar bem sobre a necessidade e o período de jejum Orientar quanto à necessidade de continuar ou suspender o uso dos remédios habituais Avaliação detalhada da via aérea e verificar a presença de prótese dentária Avaliar a capacidade neurocognitiva Orientar detalhadamente o que será feito na anestesia e obter assinatura do termo de consentimento


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Medicamentos que devem ser evitados ou utilizados com cautela nos idosos:

Meperidina Medicações “Atropina like” Prometazina Difenidramina Antiinflamatorios não esteróides Cimetidina Clorpropramida

“O local onde o pós-operatório ocorrerá é de grande importância, pois o afastamento dos familiares leva a maior incidência de delírios.” Dr. Luiz Antônio Carneiro, anestesista do Hospital Madre Teresa “Temos observado um aumento na frequência de cirurgias inclusive em pacientes octogenários e nonagenários, que necessitam, obviamente, de procedimentos específicos.” Dr. João Alberto Duarte, diretor técnico e anestesiologista do Hospital Santa Isabel, em Ubá “Dou preferência para sedativos de curta duração e tento fazer a menor quantidade possível de fármacos, pois é muito frequente o idoso fazer uso da ‘polifarmácia’, portanto há maior risco de complicações por interações medicamentosas.” Dra. Luciana de Souza Cota Carvalho Laurentys, anestesiologista dos Hospitais Mater Dei e João XXIII

Benzodiazepinicos de longa ação

“A diminuição de eventos adversos é possível, principalmente com a identificação e prevenção de fatores de risco. Com isso, temse maior probabilidade de atingir um resultado positivo e uma melhor satisfação do paciente.”

Obs.: Avaliar criteriosamente o uso de glicosidios cardiacos, benzodiazepinicos de ação curta e medicações de excreção renal.

Dr. Fabiano Soares Carneiro, anestesiologista do Lifecenter “Hoje temos um maior número de pacientes comparecendo às consultas pré-anestésicas, possibilitando a identificação antecipada de provável IOT difícil e, assim, a tomada de providências necessárias. Além disso, podemos realizar uma preparação adequada de pacientes pneumopatas.” Dr. Juarez Lopes, anestesiologista e clínico da dor do Hospital Belvedere Horizonte


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O começo de tudo... Shutterstock

Qual a melhor forma de lidar com a rotina atribulada de um residente em anestesiologia?


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residência Aulas em período integral, provas que exigem muito estudo e concentração e madrugadas atravessadas na companhia dos livros são lembranças que os residentes que ingressam na especialização em anestesiologia costumam guardar com saudade dos anos de faculdade. Não que a rotina atribulada seja uma surpresa para os especializandos. Eles sabem que, para se formar em determinada especialidade, é preciso muita dedicação. Sobretudo dos que estão no primeiro ano de especialização, como é o caso de Ana Flávia Vieira Leite. R1 da Santa Casa, ela não consegue aliar a rotina da residência com plantões em outros locais. “Na maioria das vezes, chegamos às 6h da manhã e saímos às 23h. É um dia a dia que envolve aulas e estudo. Até gostaria de conciliar com outros

plantões para complementar a renda, mas não é possível.” A pesquisa informal feita pela Revista Anestesiologia Mineira constatou que os especializandos do primeiro ano chegam a trabalhar em média de 80 a 90 horas semanais, o que muitas vezes inviabiliza a atuação em outro complexo hospitalar, mas não a torna impossível. Por outro lado, os que se arriscam a estender ainda mais a jornada diária encontram dificuldades para manter uma vida social minimamente satisfatória, e, muitas vezes, o estresse chega ao nível máximo. “Temos muitos colegas que têm de complementar a renda e acabam se matando nos plantões”, conta Ana Flávia. Rafael Neder, R2 da Santa Casa, admite que, em alguns casos, o excesso de trabalho não só atrapalha a

vida social e a saúde do profissional, como influencia a relação entre o especializando e a equipe multidisciplinar. Em um ambiente de pressão como é o caso do bloco cirúrgico, ter um médico no limite do cansaço pode ser um grave problema. Por esse motivo, médicos mais experientes recomendam que o recém-formado atue em plantões antes de iniciar a especialização. A ideia é fazer uma poupança para só depois iniciar a residência sem a necessidade de trabalhar em outros hospitais. Foi o que fez Hugo de Alencar Santos, R3 do Hospital das Clínicas. Ele atuou durante um ano como médico do Exército até decidir encarar o desafio. “Sei que o primeiro ano de residência é muito puxado, por isso tive a preocupação de fazer um ‘pé de meia’ antes de partir para a especialização.”

Como aliar qualidade de vida e residência Passe o pouco tempo que tem para a família e os amigos com qualidade. Faça programas que dão prazer e tente não levar o estresse para casa. Não deixe de fazer exercícios físicos. É fato que nesse período o cansaço predomina, mas uma vida sedentária só vai elevar o nível de estresse. Converse com os anestesiologistas mais experientes. Saiba como eles lidaram com a situação e quais foram os principais desafios enfrentados. Evite programas muito agitados. Uma noite maldormida vai acumular o cansaço durante a semana. Converse com seus familiares. Deixe-os cientes de que se trata de um período passageiro e que no futuro a realidade será diferente. Tenha horário definido para estudos. Isso lhe ajudará a organizar melhor seu tempo e planejar as folgas com qualidade. Evite fazer plantões fora. Fazer a especialização com qualidade é fundamental para seu sucesso futuro.

A SAMG não recomenda que o residente faça plantões na especialidade de anestesiologia sem supervisão.


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finanças

Trabalhar para viver

Desconhecimento sobre educação financeira, muitas vezes, faz com que profissionais da classe médica se tornem reféns do próprio padrão de vida na velhice

O envelhecimento da população é um fenômeno mundial, por isso ciência e medicina têm se dedicado cada vez mais a assegurar às pessoas mais qualidade de vida na terceira idade. E, assim como uma boa saúde clínica é fundamental, planejar gastos e rendimentos para não comprometer a própria saúde financeira deve ser uma preocupação de todos. Afinal, o ideal é que, com o passar dos anos, o ritmo de trabalho seja

reduzido e que a desaceleração não venha acompanhada de dificuldades para manter um padrão de vida aceitável. No caso da classe médica, a importância do planejamento financeiro torna-se ainda mais importante, tendo em vista a possibilidade que esses profissionais têm de acumular rendimentos – quanto mais plantões, por exemplo, mais dinheiro no final do mês. Lucas Radd, consultor da

WG Finanças, empresa especializada em planejamento pessoal financeiro, observa que a rotina de trabalho de um profissional da área médica é uma “via de mão dupla”. “Pode ser boa, caso o médico tenha passado por um processo de educação financeira e saiba utilizar esse conhecimento, assim como pode ser ruim, quando se busca manter um nível de gastos mais elevado do que se consegue ou que a saúde física


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finanças permita. A falta de educação financeira, aliada ao salário variável, pode ser uma combinação perigosa.” Ao perceber que suas aplicações financeiras não traziam o retorno esperado e que seus gastos com a aquisição de bens geravam mais e mais despesas, Dr. Luiz Gustavo Alves Moreira, anestesista do Grupo de Transplantes do Hospital das Clínicas da UFMG, buscou orientação para gerir suas finanças pessoais. “Nós, médicos, somos muito focados na profissão e, muitas vezes, deixamos de lado a gestão financeira patrimonial. Um dos resultados desse descaso é ter que trabalhar na velhice, em regimes exaustivos, pois não nos preparamos financeiramente para diminuir o ritmo. É melhor se programar adequadamente do que

olhar para trás e perceber que muitos recursos foram desperdiçados”, avalia. Atualmente, Dr. Luiz possui as finanças equilibradas e se prepara para manter a qualidade de vida quando estiver mais velho. Ele optou por diversificar seus investimentos após ter recorrido a uma consultoria que o orienta a visualizar com mais clareza seus objetivos de curto, médio e longo prazo. “A ideia não é viver para trabalhar, e sim trabalhar para viver.” Como os médicos ganham relativamente bem, pois trabalham mais horas que a média da população, isso faz com que ao longo dos anos esses profissionais se acostumem a um alto padrão de vida. Com o avanço da idade, o número de horas trabalhadas muitas vezes não é suficiente para sustentar

despesas fixas de valor considerável e extensa duração. Isso quando situações imponderáveis, como o surgimento de um problema de saúde, não impedem que o profissional exerça sua função. Não é à toa que a velhice é também chamada de “melhor idade”. É nessa fase da vida que podemos aproveitar o tempo livre para conhecer novos lugares, curtir a família, cuidar da saúde e fazer o que nos dá prazer. A possibilidade de desfrutar desses momentos tem, contudo, relação direta com a forma como lidamos com os compromissos financeiros do presente. A tão sonhada paz na velhice é possível desde que comece a ser planejada agora. Quanto antes se iniciar a própria gestão financeira, mais prazerosa será a aposentadoria.

Dicas para um bom planejamento financeiro pessoal • Procure planos de previdência privada de instituições sólidas e que forneçam um bom rendimento para a aposentadoria. • Busque seguros de vida resgatáveis após determinado período. • Procure empresas que realizem seguros contra doenças graves ou invalidez. Nunca se sabe o que pode acontecer. • Anote suas despesas para ter a noção exata de quanto lhe sobra no final do mês e a quantia que você pode poupar ou investir. • Consulte um especialista para saber se você deve investir em títulos de renda fixa, fundos de investimento, imóveis ou ações, entre outras opções disponíveis. Todos eles possuem perfis e rendimentos específicos.


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JASB

Enis Donizetti Silva, presidente da SAESP; Carla V. Caspar Andrade, presidente da SAES; Hugo E. D. de Pereira Cardoso, presidente da FEBRACAN; Rogean Nunes, diretor do Depto. Científico da SBA; Jaci Custódio Jorge, presidente da SAMG; Oscar César Pires, Presidente da SBA; Michelle Nacur Lorentz, vice-presidente da SAMG; Alcebíades V. L. Filho, Secretário Geral da AMMG; Lucas Araújo Soares, presidente da Coopanest-MG; Márcio de Pinho Martins, presidente da SAERJ

Auditório da sessão de abertura da JASB

Coquetel de abertura da JASB

Auditório de aula científica

49ª edição da JASB é sucesso em BH

ASB

Jornada de Ane do Sudeste Bras

Entre os dias 3 e 5 de julho, no Hotel Mercure, no bairro Lourdes, em Belo Horizonte, aconteceu a Jornada Brasileira de Anestesiologistas do Sudeste Brasileiro (JASB), que recebeu cerca de 400 anestesiologistas. O evento recebeu importantes profissionais da classe médica, e, de acordo com Dr. Jaci Custódio, presidente da SAMG, a programação foi muito elogiada pelos participantes pela qualidade do conteúdo das palestras e workshops.


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homenagem

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Trabalho da Coopanest-MG é reconhecido pela Câmara de BH

Em junho, a Câmara de Vereadores de Belo Horizonte criou a Frente Parlamentar de Cooperativismo (Frencoop). A inciativa foi lançada durante evento que homenageou a Cooperativa dos Anestesiologistas de Minas Gerais (Coopanest-MG) pelo bom desempenho registrado no ano passado e no primeiro semestre de 2015. A Frente analisou uma série de informações, entre as quais o balanço da Cooperativa, que é enviado periodicamente à Ocemg – entidade de representação política e sindical patronal das cooperativas no Estado. Quem recebeu o prêmio em nome de toda a equipe foi o Dr. Lucas Araújo Soares, presidente da Coopanest-MG.

estesiologia sileiro

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Equipe da Coopanest-MG se fez presente no evento

Dr. Lucas Araújo, presidente da Coopanest-MG, foi homenageado em nome de toda a equipe da Cooperativa



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