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FEVEREIRO 2019 n.º 124 6.878 EXEMPLARES
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ARTES VISUAIS •••
Pode a arte fazer a ponte entre a realidade e a ficção? fotos d.r.
Saul Neves de Jesus
Professor Catedrático da Universidade do Algarve; Pós-doutorado em Artes Visuais pela Universidade de Évora https://saul2017.wixsite.com/artes
No último artigo, “Pode a arte visual ser “expressa” para os cinco sentidos?”, abordámos a conceção de tecnologia que permite apreciar obras de arte, não apenas através da visão, mas também através do olfato, do paladar, da audição e do tato. Este é um exemplo que permite compreender o posicionamento de várias especialistas que consideram que a inovação tecnológica está a começar a ser a “chave” para a arte do século XXI (eg, Stephen Wilson no seu livro “Art+Science”, 2010). Se é a “chave” não sabemos, mas a utilização de novas tecnologias é cada vez mais frequente nas artes visuais. A este propósito, parece-nos interessante a exposição LUZAZUL, de Miguel Soares, no Museu Nacional de Arte Contemporânea (MNAC), no Chiado, inaugurada em 22 de novembro de 2018. Esta é a terceira edição do projeto SONAE / MNAC Art Cycles, que tem como objetivo promover a criação artística livre e aproximar a sociedade à arte. Nesta exposição somos transportados para um futuro próximo em que a paisagem urbana parece já não depender de humanos, mas de uma inteligência superior. LUZAZUL, para além da curiosidade de ser um palíndromo composto por duas palavras, Luz e Azul, que, juntas, se podem ler tanto da direita para a esquerda como da esquerda para a direita, refere-se a um tipo de luz que apareceu recentemente, sobretudo com a introdução da televisão e das tecnologias informáticas (écrans, projetores de vídeo, LEDs, smartphones, etc). Por ser recente a sua utilização e interação com o ser humano, tem-se colocado a questão dos eventuais perigos da exposição
senvolveu um a hipótese de como poderá vir a ser projeto original a sociedade no futuro. As pessoas assente numa vipararíam de envelhecer aos 25 anos, são futurista da começando a partir daí o seu tempo sociedade, explode vida a diminuir, sendo cronomerando o conceito trado numa imagem que aparece no da automação e braço direito de cada um, podendo ser da inteligência arganho mais tempo através do trabatificial no contexto lho. Mas o tempo também pode ser da 4ª Revolução oferecido por outros, em particular Industrial. os pais, como se se tratasse de uma Para além desherança, ou o tempo pode ainda ser ta exposição, foi contraído por empréstimo, como se se desenvolvido um tratasse de um empréstimo bancário. programa de atiDesta forma, o tempo seria a “moeda” vidades paralelas de troca desta sociedade, substituindo repartidas entre o dinheiro. Tal como na sociedade acmasterclasses tual há ricos e pobres, também nesta realizadas pelo arsociedade haveria mundos diferentes, LUZAZUL propõe refletir sobre a realidade hipotética tista, conferências com fronteiras entre eles, sendo ne• e conversas em torno dos grandes cessário pagar com tempo para passar prolongada a este tipo de luz. temas da exposição: a robotização, a essa fronteira. Por um lado, teríamos Partindo deste mote, a exposição inteligência artificial e a ficção cienpessoas com muito tempo para viLUZAZUL projeta-nos num futuro tífica. ver ou gastar, predominando o ócio e que pode ser mais próximo do que Uma das três masterclasses reaum ritmo de vida lento e, por outro, possamos pensar, tendo em conta o lizadas teve lugar na Faculdade de teríamos pessoas com pouco tempo rápido avanço da inteligência artificial, Ciências Humanas e Sociais da Unide vida, vivendo o dia-a-dia de forma que poderá dar origem a uma evolução exponencial das máquinas e da versidade do Algarve, no dia 7 de rápida e intensa, tendo que trabalhar fevereiro, com a moderação de Pedro ou conseguir tempo de alguma forma, automação, transformando profunCabral Santo, tendo sido inserida nas para poderem viver mais algum temdamente o mundo em que vivemos. atividades do Doutoramento em Mépo. Na sociedade atual o tempo tem Segundo a teoria da "Singularidade dia-Arte Digital, uma parceria entre a um elevado valor, mas neste filme a Tecnológica", de Ray Kurzweil, em Universidade do Algarve e a Universisua importância é levada ao extremo. que se baseia esta exposição, o ano dade Aberta. Procurámos sintetizar a mensagem de 2045 será o momento chave Em relação à exposição, poderá principal deste filme através duma tedessas transformações. Antecipa-se ainda ser visitada até ao dia 24 de la pintada em preto e branco, sendo um mundo automático onde o ser fevereiro de 2019. estas cores separadas claramente, humano encontra as suas necessicomo se se tratasse dudades de serviços básicos satisfeitas ma fronteira que separa por máquinas ou robots dotados de inteligência artificial, sentindo-se lidois mundos, o mundo “branco”, das pessoas vre para se dedicar às suas genuínas com mais tempo, e o vocações. Contudo, nesse momento, mundo “preto”, das pesnovos problemas se colocam, nomeasoas com menos tempo damente a realidade hipotética em para viver. No mundo que as novas máquinas tomam cons“preto” está colada uma ciência de si e procuram reivindicar foto a preto e branco de mais tempo livre, mais liberdade e direitos, criando um paralelismo com uma imagem do filme, com o ator Timberlake a as lutas desenvolvidas pelos humanos correr preocupado para em séculos anteriores, e levando-nos conseguir mais tempo e a questionar se esta luz azul será a "luz ambicionando conseguir ao fundo do túnel". Figura 44: Trabalho “Time” (0,50x0,60m; 2011) • Assim, a exposição LUZAZUL passar a fronteira para o Um trabalho que traduz um esforço outro mundo. Por seu turno, no munpropõe refletir sobre a realidade hide síntese através da produção artísdo “branco” está colada uma foto a potética em que as novas máquinas tica intitula-se “Time” (ver figura 44), cores do mesmo ator bem vestido e tomam consciência de si e procuram reivindicar direitos sociais, sendo o que procura representar, sintetizancom uma postura calma, mas olhando culminar de um percurso artístico do, a principal ideia do filme de ficção para trás, com receio de passar para o científica “Sem tempo” (“In Time”). lado “preto”, em que o tempo de vida desenvolvido por Miguel Soares, deEste filme, realizado por Andrew é reduzido. Na fronteira está colada dicado à reflexão e à conceptualização Niccol, e com Justin Timberlake no uma imagem do cronómetro existente do mundo real versus virtual. Miguel Soares concebeu e depapel principal, pretende trabalhar no braço de cada um, com a indicação
Ficha técnica Direcção: GORDA Associação Sócio-Cultural Editor: Henrique Dias Freire Paginação e gestão de conteúdos: Postal do Algarve Responsáveis pelas secções: • Artes visuais: Saúl de Jesus • Espaço ALFA: Raúl Grade |Coelho • Espaço AGECAL: Jorge Queiroz • Espaço ao Património: Isabel Soares • Filosofia dia-a-dia: Maria João Neves • Letras e literatura: Paulo Serra • Missão Cultura: Direção Regional de Cultura do Algarve • Reflexões sobre urbanismo: Teresa Correia Parceiros: Direcção Regional de Cultura do Algarve e-mail redacção: geralcultura.sul@gmail.com e-mail publicidade: anabelag.postal@gmail.com online em: www.postal.pt e-paper em: www.issuu.com/ postaldoalgarve FB: www.facebook.com/ postaldoalgarve/ Tiragem: 6.878 exemplares
do respetivo tempo de vida, sendo reduzido num mundo e elevado no outro. Aparece ainda colado um cronómetro real debaixo do qual estão duas notas, uma em euros e outra em dólares, traduzindo que o tempo se sobrepôs e veio substituir as principais moedas nas transações atuais. Com grande destaque está a palavra “Time”, sendo mais largas as letras que estão pintadas no lado branco e mais estreitas as que estão pintadas no lado preto, traduzindo o fato de terem mais ou menos tempo de vida as pessoas de cada um dos dois lados. Como se trata de tempo de vida, a palavra está pintada em vermelho, escorrendo gotas ao longo da tela, como se se tratasse de sangue, símbolo da própria vida. l