Caderno de Artes .S 22

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caderno de artes >> Postal - 03.06.10

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primeiro plano PEÇAS DA COLECÇÃO DE MANUEL TEIXEIRA GOMES E ASPECTOS DE PORTIMÃO NO SÉC. XIX

FOTOS D.R.

histórica e cultural do Algarve nómica e um novo instrumento de medição, o astrolábio português. A exposição «Os Descobrimentos Portugueses, do Museu da Marinha exibe, para além dos modelos dos navios e dos instrumentos de navegação, nove dos 16 fólios que compõem o atlas de 1561 do cartógrafo Diogo Homem. O século XIX e XX «Sombras e luz» é a proposta do Museu do Trajo, de São Brás de Alportel, para uma retrospectiva do Algarve no século XIX. Partindo da indumentária, de alguns acessórios e objectos de uso doméstico, e do natural edifício oitocentista em que está instalado o museu, procura-se recriar o ambiente da época, as vivenciais íntimas, sociais e laborais. Um dos problemas com que uma exposição do género se depara está ligado à carência de objectos de classes pobres o que em comparação com o legado das classes burguesas desequilibra a leitura que se pretende oferecer da época. Para aliviar a situação e para restabelecer alguma justiça na análise do século, do qual o legado de famílias como a dos Pestana Girão, que vestia em Paris, só pode ser considerado representativo do seu contexto social, ao longo de toda a exposição o visitante é confrontado, sobretudo, com notícias de jornal, que dão uma visão mais alargada do que foi o século XIX na região. De famílias da burguesia é também Manuel Teixeira Gomes, escritor e antigo Presidente da República, em destaque no Museu de Portimão. De Teixeira Gomes escreveu José Júdice, num texto síntese sobre a vida e a obra do escritor, que «viajou toda a vida, incansável até aos 50 anos, percorrendo a cinzenta Europa do Norte, a Bélgica, a Flandres, a Prússia renana por puras ra-

zões de interesse, obrigações de negócio, dizia, rio, atraiam-no as jovens adolescentes a quem, vendendo os seus frutos secos do Algarve, e de- dizia, colhia as primícias, e se lhe entregavam morando-se lentamente durante meses e meses com o desejo animal do sal, do sol e do sul (…) no regresso a Portimão, flanando pelas costas do É agora, dizia, quando se sentava no terraço de Mediterrâneo em peregrinação a Constantino- bouganvíleas do hotel de Bougie contemplando pla, à Grécia, a Itália, à Tunísia, a Marrocos e à o Mediterrâneo e fumando o seu charuto com Argélia, sem planos e sem horários, apauma taça de champanhe, que eu tenho nhando vapores daqui para ali beijado, abraçado e gozado as mais belas em esquecidos portos do mulheres do mundo». Levante e do Magreb, A exposição «Manuel Teixeira Gosem destino, só, percormes entre dois séculos e dois regirendo passo a passo a mes» reúne uma série de objectos paisagem pagã da civilipessoais do escritor e da sua zação grega e romana. Ao colecção de arte a par de aproximar-se dos 50, reuma interessante resolveu reformar-se de viaconstituição, à época, gens e negócios e instade um posto de telégralou-se nas suas fazendas fo através do qual lhe foi anunciade Portimão com o da a Implantação da República bucólico e ruinoso em Lisboa. entusiasmo de se torOs objectos que Teixeira Gonar lavrador». mes coleccionou vão desde a esCom o advento da cultura greco-romana, à arte japoRepública é convidado nesa, às medalhas antigas e à para Embaixador de Porpintura. Peças geralmente de petugal em Londres. Em quenos formatos e de fácil trans1923, é eleito Presidente da porte. Na pintura era notório o República. Dois anos depois seu gosto pelo Naturalismo. demite-se e embarca no carO Romantismo tinha entragueiro Zeus que o conduz a do tardiamente em Portugal um exílio voluntário que fruto de algumas vicissituduraria até à morte no des que atingiram o mecenorte de África. nato artístico como as inva«No Algarve, no sões francesas, a fuga da seu território, diz família real para o Brasil e José Júdice, se é que a guerra civil. Teixeira Goo mais viajado e o mes apreciava a vanguarda mais cosmopolita de que, à época, na pintura todos os nossos escriportuguesa era o Naturalistores tinha um territó- Colecção de M. Teixeira Gomes mo que irrompera em PorD.R.

tugal em 1879, com Silva Porto e Marques de Oliveira. No entanto tinha também um gosto mundano, o que o levou a adquirir nas viagens que fez ao Norte da Europa obras de relevância europeia. Teixeira Gomes está a par das tendências e da vanguarda ao ponto de receber um convite da Rainha Alexandra para decorar o seu gabinete de antiguidades orientais no Palácio de Bukingam. Compra os pintores mais importantes da sociedade vitoriana como o paisagista e retratista Alfred Stevens, Rossoff, pintor polaco emigrado em Paris, Henri Fontin-Latour, Henri Loire, William Etty entre outros. Na exposição «Portimão nos alvores do século XX», o olhar recai sobre a evolução da antiga Vila Nova no primeiro quartel do século XX, aquele em que se assiste à transição da monarquia para o regime republicano. O principal objecto da exposição são as transformações ao nível das infra-estruturas públicas. Logo à entrada, numa das duas visões que se dão a ler sobre a realidade de Portimão, registada no semanário independente «A Verdade» de 3 de Agosto de 1902, diz-se que o estado em que se encontra Portimão é «retrógrado». «Portimão não oferece aos seus habitantes as mais necessárias como as mais simples comodidades públicas. Portimão não tem mercado, Portimão não tem matadouro, Portimão não tem canalização de esgotos; Portimão não tem iluminação capaz, Portimão não tem teatro digno desse nome; Portimão não tem urinóis, nem serviço de limpeza que possa classificar-se de tal». Um carro de tracção animal cheio de bilhas para transporte de água dá-nos a medida das condições de vida da população antes das obras


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