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A LIBERDADE… 2 MESES ANTES
Jorge Bettencourt
O curso para promoção a oficial superior que o então major Melo Antunes frequentava, terminou com uma semana de exercícios militares no Algarve, em meados de Fevereirode 1974. Os oficiais ficaram hospedados num hotel em Monte Gordo, dois em cada quarto. Melo Antunes trabalhava até muito tarde e um dia, antes do nascer do sol, acordou o companheiro de quarto para lhe mostrar o texto que tinha escrito durante a noite. Era a primeira versão do documento “O Movimento, as Forças Armadas e a Nação” que viria a ser discutido e aprovado na reunião de Cascais de 5 de Março de 1974, depois de um processo em que participaram outros intervenientes, igualmente relevantes.
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Após a reunião de Óbidos e a eleição da Comissão Coordenadora de 19 elementos dirigida por Vasco Lourenço (organização interna e ligações), Vítor Alves (orientação política) e Otelo Saraiva de Carvalho, o Movimento dos Capitães evoluiu no sentido de se alargar a outros militares, não apenas do Exército, mas também da Marinha e da Força Aérea, e de definir um programa político para a eventualidade de um golpe de Estado que assegurasse a democratização do País.
reuniram-se na cave da casa do coronel Marcelino fundir essas três contribuições num único documento onde os objectivos políticos do Movimento estivessem bem definidos e em contraponto com o ideário que Spínola expressou no livro publicado em 22 de Fevereiro, que foi convocada para 3 de Março uma reunião em casa do capitãopiloto aviador Seabra, em Algés
Após a reunião de Óbidos e a eleição da Comissão Coordenadora de 19 elementos dirigida por Vasco Lourenço (organização interna e ligações), Vítor Alves (orientação política) e Otelo Saraiva de Carvalho, o Movimento dos Capitães evoluiu no sentido de se alargar a outros militares, não apenas do Exército, mas também da Marinha e da Força Aérea, e de definir um programa político para a eventualidade de um golpe de Estado que assegurasse a democratização do País. Nesse contexto, em 5 de Fevereiro de 1974, vinte e seis oficiais do Exército reuniram-se na cave da casa do coronel Marcelino Marques, numa moradia nos Olivais, para apreciarem e aprovarem um texto programático que já tinha sido debatido na Comissão Coordenadora. Entre eles estavam Garcia dos Santos, Costa Braz e Melo Antunes, que participavam pela primeira vez numa reunião do Movimento. Como o texto programático não apontava princípios políticos que sustentassem uma futura acção militar, acabou por ser rejeitado por unanimidade e da reunião saiu um grupo de trabalho constituído por Costa Braz, Melo Antunes, José Maria Azevedo e Sousa e Castro, com a incumbência de elaborarem um novo documento programático.
Depois de se reunirem três vezes, concluíram ser preferível definir os temas a abordar e cada um propor um texto. Terá sido na sequência dessa decisão que Melo Antunes redigiu o documento que leu às seis e meia da manhã ao companheiro de quarto do hotel de Monte Gordo, que Costa Braz redigiu um segundo focado no prestígio da Forças Armadas e na preocupação de que a sua acção se identificasse com a vontade da Nação, e que Sousa e Castro e oficiais do Centro de Instrução de Artilharia Antiaérea de Cascais (CIAAC) redigiram um terceiro. E foi com o objectivo de.
Those anguished by the apocalypse of literary culture see in this takeover of poetry by the machine the sign that the times are coming when man will add to his aridity of being massified the astonishment of a deserted people: the withering away of that human content engendered by the intensities of sensitive consciousness that explodes man’s poetic gesture.
Na reunião de 3 de Março participaram elementos dos três ramos das Forças Armadas: pelo Exército Costa Braz, Melo Antunes e José Maria Azevedo; pela Marinha Costa Correia, Almada Contreiras, Vidal de Pinho e Pedro Lauret; pela Força Aérea o anfitrião e o capitão Balacó. Foi uma reunião longa e cansativa em que, para além de alguns dos participantes não se conhecerem, era necessário encontrar um consenso suficientemente robusto sobre objectivos políticos perante os quais tinham posições que se revelaram por vezes antagónicas.
Do lado dos participantes da Marinha, Almada Contreiras e Pedro Lauret, que já tinham tido uma conversa prévia com Melo Antunes e concordavam com o essencial do seu documento, procuraram deixar claro que só se vinculariam a um programa político progressista; Costa Correia procurou, acima de tudo, que ficasse consagrado o princípio da solução dos problemas das Instituições no quadro de uma democracia política. Pelo seu lado, os oficiais da Força Aérea manifestaram reservas quanto a uma solução política da questão ultramarina que contemplasse a aceitação da vontade dos povos africanos a se governarem por si próprios; e as dúvidas sobre a suas intenções adensaram-se quando, em determinada altura, entrou e saiu, não se sabe com que incumbência, o capitão paraquedista Silva Pinto, que um dos presentes conhecia como dirigente da Mocidade Portuguesa no Liceu de Camões. Mas fosse por consenso ou por cansaço, o importante é que da reunião saiu o que pode ser considerado o primeiro manifesto político do “Movimento de Oficiais das Forças Armadas”, futuro “Movimento das Forças Armadas (MFA)”: o documento “O Movimento, as Forças Armadas e a Nação” que veio a ser submetido à apreciação e aprovação do plenário de quase duas centenas de oficiais do Exército, com a presença de cinco dos outros dois Ramos, convocado para o dia 5 de Março de 1974, em Cascais.
Nele é claramente afirmado que “os militares conscientes sabem (…) que a solução do problema ultramarino é política e não militar” e “que tal solução jamais será consentida pelo poder, que a si próprio se arroga o direito de exclusivo em matéria de patriotismo e se pretende apoiado pela Nação.” E ainda mais relevante, é sublinhado: “Trata-se, portanto, antes de mais nada e acima de tudo, da obtenção a curto prazo de uma solução para os problemas das Instituições no quadro de uma democracia política.” Se dúvidas houvesse, qualquer leitor, mesmo que desatento, perceberia que a aprovação do documento na reunião de Cascais teria como consequência muito provável o fim da ditadura
Para além da questão da liberdade e da democraticidade da vida política, o documento retomou, em particular nos últimos parágrafos, o tema do prestígio das Forças Armadas e da unidade entre o Povo e o Exército, considerando este como o “povo em armas”, nos exactos termos que Costa Braz usou no seu documento. O objectivo era, segundo o próprio Costa Braz, congregar os militares, nomeadamente do Exército, à volta do tema do “crescente desprestígio das Forças Armadas com a extensão temporal e territorial de uma guerra em que se tinha manifesta carência de meios, e a recusa terminante em se ser o “bode expiatório” de conduções políticas como as que levaram à queda da Índia, com a humilhação proclamada e ampliada dos militares, uma vez mais e em particular do Exército.”.
É que a Comissão Coordenadora sabia que a reunião de 5 de Março revelaria, muito provavelmente, a divisão no Exército entre os “spinolistas” – aqueles para quem o “Portugal e o Futuro” era a bandeira contra a guerra e que consideravam desnecessário qualquer outro programa político – e os que entendiam que o general não defendia uma mudança de regime no sentido da democratização efetiva, quanto muito propunha uma certa liberalização, e preconizava a federação do espaço português como forma de preservação do domínio colonial. Também neste contexto, o documento saído da reunião de 3 de Março e apresentado dois dias depois aos delegados do mini plenário de Cascais, acabou por se revelar muito eficaz.
Apresentado por Vítor Alves e lido e explicado por Melo Antunes, o documento “O Movimento, as Forças Armadas e a Nação”, com os temas caros aos militares mais conservadores ressaltados em maiúsculas, foi aprovado após várias atribulações pela maioria dos delegados e assinado por mais de uma centena de oficiais do Exército (111), muitos deles próximos da linha “spinolista”. Embora alguns destes tenham tentado na reunião transformar o Movimento numa estrutura de apoio a Spínola, o seu plano foi contrariado. O próprio general veio mais tarde queixar-se de uma alegada “manobra de envolvimento político levada a efeito na reunião de Cascais”, que considerou “como o primeiro grande equívoco – o raiar da traição ao espírito do «Movimento dos Capitães».”
Na reunião de Cascais estiveram presentes 194 oficiais do Exército em representação de 602, assim como três oficiais da Marinha – Costa Correia, Almada Contreiras e Vidal de Pinho – e dois da Força Aérea, como observadores. Nela ficou também patente o recuo da Força Aérea, fundamentalmente por causa da questão ultramarina. O conteúdo político do documento “O Movimento, as Forças Armadas e a Nação” assustava ainda muitos, tendo ficado na memória de quem lá esteve o não do capitão Seabra, curiosamente o anfitrião, dois dias antes, da reunião onde foi elaborado
E muitos não sabiam que já estava a ser elaborado um outro documento programático de cariz mais marcadamente político: o Programa do Movimento das Forças Armadas. Nesse processo mais complexo e prolongado, para além de oficiais que estiveram envolvidos na redacção do documento aprovado em Cascais, participavam outros também politicamente conscientes. Para todos a única saída possível para a situação do País era o derrube do regime por uma operação militar e a sua substituição por um sistema democrático que respeitasse os direitos fundamentais dos portugueses e reconhecesse o direito à autodeterminação e independência dos povos dos territórios africanos. Mas essa é matéria para uma outra crónica dedicada exclusivamente ao Programa do Movimento das Forças Armadas.
