Provinha Júpiter Maçã: A Efervescente Vida & Obra (Nova Carne Livros)

CRISTIANO BASTOS | PEDRO BRANDT

A EFERVESCENTE VIDA & OBRA

2ª EDIÇÃO Projeto gráfico por Rafael Cony

NUGGET DIGITAL DESTINADO AOS PROFISSIONAIS DE IMPRENSA Contém 3 capítulos, dos mais de 30 presentes no livro, e versões reduzidas dos 3 cadernos de fotos coloridas, além de 2 entrevistas concedidas aos autores.

CRISTIANO BASTOS | PEDRO BRANDT

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A EFERVESCENTE VIDA & OBRA

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A EFERVESCENTE VIDA & OBRA

NOVA L I V R O S

2ª EDIÇÃO Projeto gráfico por Rafael Cony

NOVA L I V R O S

2ª EDIÇÃO Projeto gráfico por Rafael Cony

Uma publicação

NOVA L I V R O S

2ª EDIÇÃO Projeto gráfico por Rafael Cony

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2ª EDIÇÃO Projeto gráfico por Rafael Cony

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NOVA L I V R O S

2ª EDIÇÃO Projeto gráfico por Rafael Cony

O ditado popular aconselha evitar aproximação com nossos ídolos para não ter decepções. Os jornalistas Cristiano Bastos e Pedro Brandt correram este risco em Júpiter Maçã: A Efervescente Vida & Obra. Em 500 páginas, os dois contam o que viram no mundo jupteriano e seus satélites. Com riqueza de detalhes e informações, descrevem a profícua e conturbada saga do músico nascido em Porto Alegre. Traçam sua trajetória pessoal e musical com elegância jornalística e rigor histórico.

Fazem justiça ao mais criativo e importante músico do rock gaúcho.

Mas o livro vai além de esquadrinhar a vida artística de Júpiter Maçã, morto precocemente. A sua biografia também é fio condutor que descortina outras histórias. Traz à tona novas facetas de uma das cenas musicais mais interessantes do Brasil moderno. Com fatos e circunstâncias, revela os bastidores de uma geração que construiu uma linguagem própria. Flávio encarnou o espírito irreverente, provocador da juventude rio-grandense dos anos 80 & 90. “Um artista no sentido mais pleno que esta palavra pode ter”, como diz Frank Jorge, amigo e parceiro nos lendários Cascavelletes.

Cristiano Bastos e Pedro Brandt são herdeiros da melhor tradição do jornalismo musical. São profundos conhecedores da cultura pop e seus signos. Com espírito de repórter, sabem extrair a verdadeira essência dos personagens. Neste livro, os dois cumprem com maestria o desafio de desvendar o mito Flávio Basso. A narrativa leve, a sucessão dos fatos, depoimentos e revelações capturam, cativam e emocionam.

O resultado é digno de Júpiter Maçã, de seus fãs e seguidores da cultura musical gaúcha.

Fernando Rosa Jornalista, editor do portal Senhor F e produtor do festival El Mapa de Todos.

CRISTIANO BASTOS | PEDRO BRANDT

Segunda edição Novembro 2021

@JupiterVidaEObra

NOVA L I V R O S

novacarnelivros@gmail.com

51

98298.6277

Projeto gráfico | Direção de arte

R A FA E L C O N Y

MERDE! design cultural

Conselho Editorial Cristiano Bastos, Pedro Brandt e Rafael Cony Equipe de edição: Coordenação editorial: Cristiano Bastos e Pedro Brandt Capas e projeto gráfico: Rafael Cony Revisão de texto: Zeca Azevedo Assessoria gráfica: Luiz Rubem Brondani Editoração e produção gráfica: Rafael Cony Colaboradores: Rodrigo Laux, Gerson Urguim, Rodrigo Oliveira, Álan Heluany, Fernando Gomes, Rafael Crispim, Duda Fortuna, Gerson Nagel, Lara Hax, Thiago Mattar, Val Corrêa e Eder Silva.

Fotos de capa: Fernanda Chemale

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José Maria Palmieri

Fernanda Chemale

Genaro Joner

Ado Henrichs

Bastos, Cristiano Júpiter Maçã – A Efervescente Vida & Obra Cristiano Bastos, Pedro Brandt. - Porto Alegre, 2021 496 p.; 16 x 23 cm; 2ª edição.

ISBN: 978-85-62837-28-9 | Inclui discografia.

1. Flávio Basso - Biografia. 2. Júpiter Maçã - Biografia.

3. Jupiter Apple - Biografia. 4. Woody Apple - Biografia.

5. Bandas Gaúchas de Rock. 6. Rock and Roll.

7. TNT, Grupo musical. 8. Cascavelletes, Grupo musical.

9. Jornalismo. 10. História. 11 Pesquisa bibliográfica.

CDU 929Basso 78.071.1

Catalogação na fonte: Paula Pêgas de Lima CRB 10/1229

NOVA L I V R O S

Direitos de publicação: Copyright by Nova Carne Livros 2ª edição – Novembro 2021 | Todos os direitos desta edição reservados à Nova Carne Livros

O sete é um número místico.

ÍNDICE Introdução

9

Prefácio: Mosaico de imagens mil

15

Prólogo

19

A força do destino

21

1968

27

Liga essa bomba

39

Entra nessa

49

O ano de Orwell

59

Rock Grande do Sul

67

Com quantos paus se faz rock and roll

81

Proibidos para moralistas empedernidos

101

Cascavéis

123

Rock’a’Ula

145

Sob um céu de blues

167

Tá na lona

181

Caderno de fotos: Cascavelletes

193

Woody Apple

209

Garagem Hermética

223

Os Pereiras Azuiz

233

Megazine

243

Antídoto

255

Atentado

267

A sétima efervescência intergaláctica

275

“Júpiter é Rei”

289

Caderno de fotos: Júpiter Maçã

305

Soda plástica

327

Portas de açúcar

345

Sibilização

353

Uma Tarde na Fruteira

369

Bitter

387

Um tanto quanto decadente

403

Modern kid

411

O último show

427

Epílogo

441

Caderno de fotos: Jupiter Apple

449

Discografia oficial

465

Posfácio

473

Entrevista – Rio curvilíneo

477

Entrevista – Em busca de expansão

483

Agradecimentos

488

Créditos das fotos

493

INTRODUÇÃO

O

“Olha, desse jeito você vai ter que me dar a coautoria da biografia!”, exclamei ao Cristiano depois de mais uma troca de mensagens na qual eu lhe fornecia informações para seu então recéminiciado processo de pesquisa do que viria a ser o livro Júpiter Maçã – A Efervescente Vida & Obra. “Então vamos fazer essa biografia juntos!”, ele respondeu, entusiasmado. Topei de imediato. Corria o mês de março de 2016. A rotina como jornalista e assessor de imprensa freelancer me permitia trabalhar à distância, então parti para uma temporada em Porto Alegre, seguida de mais alguns dias em São Paulo.

Cristiano ainda comemorava o Prêmio Açorianos de Literatura, recebido no final de 2015 por conta de Histórias de Amor & Morte, a bio de outra grande figura da música do Rio Grande do Sul, Julio Reny, quando recebeu o convite, da mesma editora que havia publicado o livro, para escrever, desta vez, as histórias de amor e morte (e música) de Flávio Basso/Júpiter Maçã, falecido em dezembro daquele ano.

Os caminhos do rock tinham aproximado a mim e Cristiano há alguns anos, quando ele, jornalista gaúcho, morou em Brasília.

Trabalhamos na mesma equipe em algumas ocasiões, fomos a vários shows juntos, tínhamos muitos amigos e conhecidos em comum e uma afinidade musical que rendia longas a acaloradas conversas. E Cristiano sabia do meu grande interesse pelo rock rio-grandense.

9

J ÚPITER M AÇÃ: A EFERVESCENTE VIDA & OBRA

De fato, se tinha alguém da música brasileira que eu gostaria de biografar, esse alguém era Flávio Basso/Júpiter Maçã. Não apenas por causa de sua obra musical, mas pela trajetória pessoal, repleta de altos e baixos, oscilações, reviravoltas e reinvenções. E também pelos mistérios que cercavam o cantor, compositor e instrumentista porto-alegrense.

Muitas das respostas para as perguntas que eu tinha a respeito dele não estavam ao alcance de um Google. E, em vida, Júpiter não ajudava nesse sentido. Em entrevistas, era comum dar respostas evasivas ou incoerentes – ainda que sempre solícito com seus interlocutores, ficava claro que ele não tinha respostas prontas para determinados assuntos de seu passado.

Isso ficou ainda mais claro para mim quando o entrevistei para o jornal Correio Braziliense, por telefone, em 11 de outubro de 2011. Ao longo de mais de uma hora de uma animada conversa, falamos sobre suas novidades, mas também sobre músicas antigas. A impressão que eu tive ao mencionar composições como “Aquarianas da Rua 20” ou “Cartas de playground” – duas das minhas favoritas, gravadas em versão demo e nunca lançadas oficialmente – era que ele sequer lembrava de tais canções.

Muitas de suas falas estavam envoltas em automitificação ou num inchaço de ego que, a mim, como fã ou jornalista, pouco interessavam (e, confesso, me incomodavam). Essa era uma faceta dele que parecia encantar a muitos, mas não a mim ou ao Cristiano.

Para nós, a biografia deveria radiografar o ser humano Flávio Basso e o artista Júpiter Maçã/Apple, com seus defeitos e qualidades, idiossincrasias e incoerências, deixando espaço para que o leitor tirasse suas próprias conclusões. Mas, acima de tudo, tentar responder às perguntas que pareciam sem respostas ou ainda envoltas em dúvidas. Por exemplo: quem eram os Pereiras Azuiz? Que diabos foi sua fase folk do começo dos anos 1990? Como se deu seu interesse por bossa nova, que pautou boa parte do disco Plastic Soda; ou pela banda Stereolab, forte referência em Hisscivilization? Ou, ainda, como aconteceu sua saída tanto da banda TNT (às vésperas de gravar o primeiro LP), quanto o fim da carreira dos Cascavelletes? Que episódios ou decisões pautaram suas escolhas pessoal e artisticamente?

10

Introdução

Ao longo de quase três anos, fomos investigando essas e outras questões falando – presencialmente, por telefone ou Internet – com familiares, amigos, músicos, produtores, fãs, outros jornalistas, etc. (as fontes primárias). Mergulhamos também em recortes de revistas, jornais, fanzines, livros (incluindo sua autobiografia, lançada nesse meio tempo), gravações de áudio e vídeo e depoimentos em redes sociais (a pesquisa bibliográfica). Procuradas, algumas pessoas optaram, por diferentes motivos, em não participar da biografia, postura que lamentamos, mas acatamos. Sorte a nossa poder contar com tantos colaboradores entusiasmados, alguns deles, como Roberto Panarotto e Marcelo Cunha da Silva, autênticos arquivistas sobre o assunto Júpiter Maçã, nos fornecendo histórias e memorabilia. Fotógrafas e fotógrafos também foram muito generosos concedendo seus registros para ilustrar a biografia.

Com o passar do tempo, fomos formatando o livro, utilizando o melhor do material coletado e deixando de fora tantas outras coisas – de um anedotário bastante vasto –, por questão de relevância e, especialmente, falta de espaço. Não são poucas as pessoas que, ainda hoje, entram em contato conosco para relatar algum episódio vivido ao lado do Júpiter.

Quando a primeira editora envolvida com a biografia, responsável por desencadear o projeto, anunciou que não teria dinheiro para publicar o livro, procuramos por alternativas. Pouco depois, entrou em cena a gráfica Algo Mais, interessada em inaugurar um selo editorial, o Plus, que bancou a publicação. Lançada em setembro de 2018, Júpiter Maçã: A Efervescente Vida & Obra alcançou rápido sucesso. Suas duas tiragens se esgotaram em pouco mais de um ano.

Lá por 2020, a “Marchinha psicótica de Dr. Soup” não virou hit nacional, como Júpiter profetiza na letra da canção. Mas o álbum Uma Tarde na Fruteira ganhou duas versões em vinil duplo, novos singles virtuais inéditos começaram a surgir on-line e, para a nossa surpresa, o livro, vendido em todo o país, começou a aparecer em sites de venda pela bagatela de até R$ 500. E os pedidos de uma reedição não paravam de chegar. Ou seja, o interesse das pessoas por Júpiter Maçã continua em altíssima conta.

11

J ÚPITER M AÇÃ: A EFERVESCENTE VIDA & OBRA

Uma bem-sucedida campanha de pré-venda possibilitou o financiamento da nova tiragem do livro, independente. A ideia nunca foi repetir exatamente sua primeira versão, mas apresentar uma nova, corrigindo eventuais erros e omissões, acrescentando um ou outro detalhe que havia ficado de fora e, claro, mostrando um novo material gráfico.

Nesse sentido, foi essencial a participação do Rafael Cony, que havia trabalhado com Júpiter no passado – tendo feito tanto a capa para o DVD Six Colours Frenesi, quanto o projeto gráfico para a coletânea em CD, nunca lançada, Pop Collectors Vol. 1 – e que configurou a publicação que você tem agora em mãos.

Esta biografia, vale ressaltar, não esgota o assunto Júpiter Maçã.

Afinal, são menos de 500 páginas para uma vida que durou 47 anos. Que venham outros livros (e documentários e espetáculos teatrais e minisséries e histórias em quadrinhos) sobre ele! Acreditamos, entretanto, que cumprimos com a missão que assumimos em 2016. Aqui está Flávio Basso e sua trajetória, como também de sua primeira banda TNT em seus primeiros dias, de seus comparsas Cascavelletes e de seus alter egos posteriores, Júpiter Maçã e Jupiter Apple. Em resumo, a vida do músico porto-alegrense do nascimento à morte, passando por suas vitórias (uma irregular, porém cultuada, carreira de rockstar – quase incomparável no Brasil) e tragédias (alcoolismo, a morte precoce de seu único filho) narrada com riqueza de detalhes, revelações e informações inéditas e ainda farto material fotográfico.

Vire a página e boa viagem!

Pedro Brandt, outubro de 2021

12

Com quantos paus se faz rock and roll

E

Em janeiro de 1986, Flávio Basso completou 18 anos e, como todo o jovem brasileiro nessa idade, precisou se alistar na Junta de Serviço Militar. Tudo que ele (que sofria crises de asma desde pequeno) mais queria era se livrar da obrigação e, para garantir que a perturbante possibilidade não se concretizasse, até Iara – cujo namorado, na época, tinha contatos no alto escalão do Exército, o popular “peixe” – foi acionada, mas no final nem foi preciso. Segundo consta em seu certificado de dispensa da corporação, a chamada “terceira” militar, Flávio foi liberado do serviço por “excesso de contingente”.

Dos Cascavelletes, só Frank Jorge não escapou do “chamado” militar. Pelo contrário, fez questão de ouvi-lo. Para ele, que serviu no 3º Batalhão de Comunicações do Exército, era tanta dúvida do que fazer da vida que poderia ser algo no mínimo curioso. “Decidi passar pela experiência, coisa que a maioria dos jovens nem cogita”, explica Frank.

Diferentemente de Alexandre Barea, que recorreu a um ardil para escapar da convocação: apresentou-se na junta militar após ter passado uma noite inteira bebendo e tomando todas as drogas possíveis, tática insana que, por sorte, deu certo. “De manhãzinha, quando cheguei ao quartel, eu estava um traste: totalmente louco e sujo e fedendo. Imaginei que os caras fossem me chutar de lá e, de fato, foi isso que aconteceu”, conta Barea.

Depois do Juramento à Bandeira, totalmente livre e sem banda, “um legítimo vagabundo”, contou em A Odisseia: Memórias e Devaneios de 81

J ÚPITER M AÇÃ: A EFERVESCENTE VIDA & OBRA

Jupiter Apple, a primeira coisa que Flávio fez antes de bater à porta de Barea – que morava próximo ao Quartel General do Exército, na Rua dos Andradas, Centro de Porto Alegre – foi tomar uma cerveja. Já no apartamento de Barea, Flávio intimou o amigo: “E aí, vamos falar, cara?

Falar sobre fazer um grupo de rock and roll!”. Ainda sonolento, Barea pegou uma coletânea de surf music e pôs a trepidante “Surfin' Bird”, da banda The Trashmen, para rodar no toca-discos. Foi assim que Barea disse “sim” à proposta de Basso, que, em comemoração, saiu dançando e pulando alucinadamente em cima da cama do baterista. Deteu-lhe a cabeçada que deu no teto e o pôs desmaiado.

Flávio só acordou mais tarde, com um saliente galo e ainda com a ideia de um novo grupo na cabeça. “Foi aí que conversamos a sério sobre montar uma nova banda, o embrião dos Cascavelletes”, contou. Em depoimento ao livro Gauleses Irredutíveis, Barea, que na ocasião tocava na Pesadelo e trabalhava como roadie do TNT, lembrou o episódio de forma semelhante. A única diferença em seu relato foi a aditivação por anfetaminas. De acordo com o baterista, Flávio apareceu naquela manhã com os olhos esbugalhados – “totalmente emboletado”. “Ele estava careca, o que não era muito comum naquele tempo. Totalmente ‘Febem’.

Então, ele disse: ‘Bah, saí do TNT, vamos fazer uma outra banda. O Nei largou também!’. E ele vinha com aquela bomba, dizendo que já tinha produção, show, tudo. Aceitei, mas queria saber o que a gente ia tocar, então puxei um disco que tinha ‘Surfin’ Bird’, dos Trashmen. Mostrei e ele enlouqueceu. Sacudia a cabeça, enlouquecido. Deu uma cabeçada e desmaiou, como sempre”.

Flávio livrou-se do quartel, mas levou alguns meses para que tanto ele quanto Nei Van Soria estivessem totalmente livres de seus compromissos com o TNT. Após ter gravado sua participação em Rock Grande do Sul, no ano anterior, a banda precisou cumprir uma agenda de shows e fazer o périplo de divulgação do disco no centro do país. Marcos Novaes foi o fotógrafo contratado pela RCA para acompanhar as cinco bandas gaúchas em programas de rádio e televisão no Rio de Janeiro e em São Paulo. Novaes fez muitas fotos utilizadas pela gravadora para divulgar 82

Com quantos paus se faz rock and roll

o cast do disco Rock Grande do Sul. No caso do TNT, são dele as clássicas fotos P&B dos integrantes carecas, com as quais a gravadora fez alguns materiais de divulgação. Novaes lembra o contexto: “Fomos ao Morro Dona Marta, em Botafogo, só eu e eles [o TNT], sem nenhum assistente ou produtor e subimos a pé, escolhendo, na hora, uma ‘laje’ para fazer as fotos com os barracos ao fundo”.

O fotógrafo acompanhou o TNT também em viagens para outros estados fora do eixo Rio-São Paulo. Em Juiz de Fora, no interior de Minas Gerais, houve um show coletivo em comemoração aos cinco anos de aniversário da rádio Manchester FM (nome que alude ao fato de Juiz de Fora, cidade eminentemente industrial, ser conhecida como a “Manchester mineira”). Embora o clima na estrada fosse de divertimento, recorda Marcos, nos bastidores, porém, a animosidade entre Flávio e Master, amplificada pelo componente etílico, era evidente. “Como [Juiz de Fora] fica relativamente perto do Rio, cerca de uns 160 km, a gravadora fretou dois ônibus com várias bandas do selo Plug, todas em começo de carreira, e as pôs pra tocar na festa de aniversário da emissora. Sabe como é: sem cachê, porém, com expectativa de boa divulgação em parceria com a rádio. Foi uma grande farra, mas também houve momentos de muito conflito entre Flávio e Charles – e muita loucura e bebedeiras. Acho que, já naquela época, o efeito do álcool debilitava muito o Flávio”, opina o fotógrafo.

Um dos últimos shows que o TNT fez com Flávio e Nei foi no festival Cidade Live Concert, no Estádio de Remo da Lagoa, no Rio. Promovido pela Rádio Cidade no verão de 1986, em seis edições realizadas em dois finais de semana de fevereiro (dias 21, 22, 23 e 28) e um de março (dias 1 e 2), o festival – apelidado de “Rock in Rio nacionalista” – reuniu mais de 60 bandas e artistas sob o slogan “A Lagoa vai berrar!”, escalação tão diversa quanto bizarra que pretendia fazer “uma grande retrospectiva do movimento”. O festival escalou atrações como Vide & Sangue Azul, Finis Africae, Plebe Rude, Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, Lulu Santos e outros, a exemplo da banda Grafite, do sucesso bubblegum “Mamma Maria”. Dos gaúchos, além do TNT, marcaram presença Engenheiros do Hawaii (que experimentavam certo sucesso 83

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nacional com “Segurança”) e os “veteranos” Garotos da Rua, que estouraram “Tô de saco cheio” em cadeia nacional. Outras bandas permanecem ilustres desconhecidas – casos de Stress, Atack e Páginas Amarelas. Medalhões como Caetano Veloso e Gilberto Gil emprestaram sua credibilidade ao evento quase dominado por artistas jovens. O Cidade Live Concert contou com o know-how do argentino Billy Bond, produtor musical e integrante do grupo Joelho de Porco que atendeu aos pedidos do público carente de shows internacionais quando programou o Queen no Morumbi em 1981.

Ao TNT coube a ingrata missão, ainda mais para uma banda que começava a ganhar experiência ao vivo, de fazer o primeiro show do segundo dia de festival, no sábado, 22 de fevereiro. Prevista para começar às 16 horas, a apresentação sofreu alterações devido ao atraso de um dos integrantes do TNT. A demora, que só não foi maior porque o Grafite topou encarar o show de abertura, fez com que o festival atrasasse em quase duas horas. O jornal A Tribuna de Imprensa, em nota sobre o derradeiro show realizado na Estrada da Barra da Tijuca (a única informação que se tem sobre o local do festival), anunciou o TNT como “o grupo que faz mais sucesso no Sul do Brasil”. Na nota, Basso foi creditado como guitarra, vocais e “composições”, indicação de que, naquele momento, ele valorizava mais a sua individualidade criativa do que a parceria com Master.

Lançada pelo grupo de surf-rock norte-americano The Trashmen, em 1963, e regravada por bandas como The Iguanas (do então baterista James Osterberg, vulgo Iggy Pop), Ramones e Cramps, a surtada “Surfin' bird” foi a primeira música que o projeto de banda confabulado por Flávio e Nei – agora de volta a Porto Alegre e totalmente liberados do TNT – incluiu no repertório, mas em versão própria: a divertidíssima “Pombo surfista”, que fincou as bases do frenético estilo que os Cascavelletes cultivaram na primeira fase de sua existência e que não ficou devendo ao delírio proto-punk da gravação original. A versão que fizeram (com “a little help” de substâncias químicas) para o petardo dos Trashmen abriu as comportas do manancial criativo represado nas cabeças de Nei, Barea e 84

Com quantos paus se faz rock and roll

Flávio Basso. “A partir dali [de “Pombo surfista”], nós começamos com as músicas próprias. Elas saíam tipo duas, três por ensaio. Bolava-se muita coisa em casa: no quarto, se chapando totalmente, de tudo o que podia se encontrar. Tocando violão e fazendo letra a tarde toda, tomando vinho de garrafão. Depois do almoço, a gente se encontrava e não parava mais”, lembra Barea.

Faltava ao grupo um nome que soasse bem e fosse chamativo. A inspiração veio do trocadilho beat/beetles (batida/besouro), que derivou na banda mais famosa do planeta – os Beatles. Assim, unindo cascavel (a cobra) e The Marvelletes (grupo vocal feminino da gravadora Motown que obteve grande sucesso com “Please Mr. Postman”, canção que os Beatles ajudaram a imortalizar), chegaram ao sonoro “Cascavelletes”. Numa esperta sacada de marketing, Vini do Canto, que assumiu o cargo de empresário dos recém-batizados Cascavelletes, espalhou a história de que o nome vinha de uma temida família da máfia italiana. Todo mundo acreditou na invenção, inclusive a imprensa, que, sem checar a veracidade da informação, espalhou o embuste. Quanto mais o boato se propagava, mais era distorcido. Quando a história chegou ao Rio de Janeiro, a “família mafiosa” alardeada por Vini tinha mudado de nacionalidade. No Jornal do Brasil de 5 de setembro de 1986 (época em que os Cascavelletes nem haviam feito seu show de estreia em Porto Alegre, marcado para dali a alguns dias), o jornalista Luiz Carlos Mansur escreveu em sua coluna, “Rock & Toques”, que Cascavelletes era o nome de uma gangue de Nova York.

Com Flávio, Nei e Barea, a formação dos Cascavelletes estava quase completa. Para fechar, eles precisavam do quarto integrante da famiglia, aquele que, ao lado de Nei, faria a segunda guitarra. Flávio, que no TNT tocou guitarra, assumiu o contrabaixo. Antes de optarem por Frank Jorge, um cara que Barea conhecia “da rua”, outros instrumentistas foram testados. Um deles foi Marcio Petracco, na época sem banda (ou, como se dizia na gíria local, “de banda”). Ele não entrou para os “Casca” devido a um mal-entendido. Duro de grana e sem instrumento, Petracco disse a eles que não tinha dinheiro nem para ajudar a pagar os ensaios.

Segundo Petracco, Flávio e Nei ficaram com a impressão de que ele pediu 85

J ÚPITER M AÇÃ: A EFERVESCENTE VIDA & OBRA

dinheiro para tocar na banda. “Eu só quis dizer que eles precisariam segurar a onda no começo. Ou seja, me conseguir uma guitarra pra eu tocar”, esclareceu Petracco.

Chamar Frank Jorge para fazer teste nos Cascavelletes foi iniciativa de Alexandre Barea, que o apresentou a Flávio. O encontro aconteceu numa gélida noite de junho de 1986, no Lola, bar situado no centro nervoso da Avenida Osvaldo Aranha. Durante o dia o Lola era uma inocente lanchonete, mas à noite virava um agitado boteco frequentado pela fauna punk que zanzava por ali. O Lola também era conhecido por ter

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Com quantos paus se faz rock and roll

a cerveja mais barata das redondezas. Frank aguardava-os escorado no balcão “comendo bolo inglês e tomando Fanta uva” e, ainda hoje, recorda as palavras de Barea para Flávio: “Ah, o Frank é um cara que ia gostar das nossas músicas”. Alexandre Barea, diz Frank, sabia de seu gosto por rock e “música bagaceira” em geral. A identificação foi mútua.

Algo ficou no ar naquele encontro no Lola. Antes de fazer seu primeiro teste, Frank foi chamado para assistir alguns ensaios com o objetivo de conhecer as canções da banda, entre elas “Ugagogobabagô”, “A barata” e “Pombo surfista”. Na ocasião, recorda Frank, quem tocava a guitarra-base era Miguel Mainieri, ex-parceiro de Flávio e Barea na Pesadelo. Para o horror de Flávio, brinca Barea, os Cascavelletes tiveram sua origem numa banda de heavy metal, estilo musical que ele detestava.

Frank só fez seu teste no ensaio seguinte. O grupo ensaiava no estúdio Biz, pertencente ao músico Ivo Eduardo, baterista da Banda Absurda, que rememora: “O Biz era um dos dois ou três estúdios que existiam em Porto Alegre em meados dos anos 1980. Ficava numa casa velha pintada de verde com uns anõezinhos de jardim em frente. Era tipo uma casa de família”. O Biz também era frequentado por bandas como Justa Causa, Engenheiros do Hawaii e, depois, Rosa Tattooada, formada por Jacques Maciel e Beat Barea (irmão de Alexandre Barea) – ambos roadies dos Cascavelletes.

Frank Jorge admite ter levado um baque quando ouviu aqueles caras tocando um punhado de canções poderosamente simples.

Enxergou-se fazendo parte daquilo. Frank diz que o primeiro pensamento que lhe ocorreu foi: “Eu adoraria tocar nessa banda”. Quanto à orientação estética que assumiu nos Cascavelletes, Flávio comentou em Gauleses Irredutíveis que sua saída do TNT teve a ver com “dissidência musical”: “O exercício de composição estava começando a se mover para outro lado”.

Além disso, comentou numa entrevista anos mais tarde, seu envolvimento com uma turma mais “da pesada” também contribuiu para que ele deixasse o TNT para trás. “Eu era tão direto e tão radical que, em torno daquela crueza toda, daquele despojamento absoluto com a forma do poema, inventei sem querer outro tipo de poema. Uma espécie de wild poem ou savage poetry”. Também em Gauleses, Flávio teorizou que, no 87

J ÚPITER M AÇÃ: A EFERVESCENTE VIDA & OBRA

Brasil, talvez os Cascavelletes estivessem, em relação às outras bandas, dez anos à frente na combinação de “poesia e sonoridade”. Isso se deveu, segundo ele, ao arranjo de personalidades que urdiram o som da banda: “Quando começamos os Cascavelletes, eu e o Barea estávamos voltados pro punkabilly, mas, como eu tinha uma escola de iê-iê-iê não apenas brasileira, mas de Beatles – na veia – e também Stones, surgiu toda uma gama melódica. Já o Nei Van Soria teria acrescentado uma parte country.

E o Frank Jorge, a coisa meio brega”.

Recém-ingressado na maioridade, Flávio começou a viver intensamente os desregramentos, as perdições e os fascínios da boemia, o que contribuiu – e muito – para a musicalidade “carnal” dos Cascavelletes. Foi um período, comentou Basso, em que os guris do TNT iam dormir mais cedo enquanto ele ia dormir na casa de outras pessoas. A nova turma de amigos com que passara a andar tinha mais a ver com seu novo “eu”. “Os garotos [do TNT] pegavam a grana deles, iam comprar roupas e discos... Eu também fazia isso, mas eu submergia. O la bohéme, aquela coisa de cafés, barulhos, tilintares, copos, burburinhos, cigarros, fumaça, eu fui com tudo. E acabei me identificando com outros caras”.

Até que chegou a hora em que as novas amizades interseccionaram-se na forma de uma banda de rock do tipo que nunca se vira em Porto Alegre e, quem sabe, no Brasil: os Cascavelletes. Em Gauleses Irredutíveis, ele próprio tentou explicar tal amálgama em palavras: “Eu vivia a coisa mais poeticamente, e o Barea, mais decadentemente, metaleiramente. Agora: o Frank Jorge era a nossa liga artística. E o Nei, não tão boêmio, completou tudo”.

Liberado das obrigações de caserna, Flávio comunicou à mãe que estava saindo de casa. Não que tivesse alcançado a independência financeira – longe disso. De acordo com Iara, embora dependesse do sustento paterno, Flávio já ganhava seu dinheirinho com a música e, talvez por este motivo, se considerasse independente. A notícia foi dada sem cerimônia à mãe, que, no começo, sofreu a “síndrome do ninho vazio”. “O Flávio simplesmente me comunicou que ia morar num apartamento com o Barea e se foi. É claro que fiquei meio chateada. Ainda pedi que ele 88

Com quantos paus se faz rock and roll

ficasse, mas, por fim, ele me convenceu de que seria bom para todos.

Acabei aceitando os argumentos dele. Na realidade, nem houve muita discussão sobre isso”, contemporiza Iara.

No final do primeiro semestre de 1986, os cascavéis entraram em estúdio para registrar parte do cancioneiro que se tornou um dos mais adorados do rock gaúcho. Gravadas em oito canais no estúdio da Fundação ISAEC, na época um dos mais equipados da capital gaúcha, as 15 faixas ganharam as ondas radiofônicas antes mesmo que a banda estreasse nos palcos da cidade. Somente em fins de 1987, quando havia um hype em torno dos Cascavelletes, essas músicas foram reunidas na fita cassete (hoje, disputado item de colecionador) conhecida como Vortex Demo.

8 Lançada pelo selo Vortex , de propriedade d’Os Replicantes, com tiragem de 500 cópias, a fita – cuja capa tem o desenho (a primeira de muitas colaborações do ilustrador Vit Nuñez) de uma topetuda cascavel vestida num paletó teddy boy e gravata borboleta – traz 20 canções, pedradas como “Banana split”, “Eu quero estudar”, “Entra nessa” (pinçada do repertório do TNT) e “Menstruada”, as quais exalavam espírito juvenil por todos os poros e escamas e entraram sem escala – mas não impunemente – na programação da Ipanema FM. De bônus, a Vortex Demo traz cinco músicas gravadas ao vivo em Santa Cruz do Sul (“Minissaia sem calcinha”, “O dotadão deve morrer”, “Darling”, “A última virgem” e “Morte por tesão”), canções que se eternizaram no imaginário roqueiro local e, com o tempo, se alastraram para além das fronteiras do Rio Grande do Sul. A irradiação da mensagem sexualmente transgressiva dos Cascavelettes pelas ondas radiofônicas conquistou numerosos fãs e incitou o surgimento de inúmeras bandas. Rafael Malenotti, vocalista dos Acústicos & Valvulados, se assume como um autêntico fanático pelos 8. Quando os Cascavelletes lançaram sua demo, a Vortex já havia lançado várias coletâneas com bandas da florescente cena de rock porto-alegrense, como Zona Mortal (o primeiro lançamento do selo), A Grande Sacanagem e Danças de Guerra. Outro marcante lançamento do selo foi a reedição, em 1986, do cultuado álbum Último Verão, de Julio Reny, que, três anos antes, havia sido lançado, também em cassete, pelo próprio artista.

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Cascavelletes. “Tinha [a Vortex Demo] um som extremamente envolvente, picante, com uma energia juvenil que influenciou toda uma geração do rock, na qual me incluo”, disse Malenotti em depoimento à revista Aplauso, que, em 2007, numa eleição realizada com especialistas, pôs a fita entre os 10 melhores álbuns do rock gaúcho de todos os tempos. Malenotti não está sozinho nessa. Carlos Eduardo Miranda considerava a Vortex Demo – ao lado da fita Com Amor, Muito Carinho, de 1988, a estreia da Graforréia Xilarmônica – uma das coisas mais expressivas concebidas pelo rock rio-grandense. “Os Cascavelletes e a Graforréia foram o melhor que poderia ter acontecido naquele momento histórico. Eram os melhores shows, as melhores letras, a melhor energia. Revitalizaram a cena”, afirmou Miranda.

As três primeiras músicas que ganharam vida nos estúdios da ISAEC foram “O dotadão deve morrer”, “Ugagogobabagô” e “Menstruada”. Antevendo possíveis problemas com a Censura em relação à letra desta última, e talvez da primeira, a banda optou por “Ugagogobabagô” (“um lance bem radical, como as primeiras músicas de rock and roll”, definiu Frank Jorge numa reportagem da época) para ser o single de estreia. Do repertório inicial, Barea observa que muitas das músicas dos Cascavelletes começavam propositalmente pela estrondosa introdução de bateria. A intenção, segundo ele, era enfatizar a batida “punk” perseguida naqueles primeiros dias. Nesse sentido, são explícitos os casos de “Eu quero estudar”, “Banana split” e “Ugagogobabagô”, cuja batida “rolo compressor” foi fielmente decalcada de uma música (de mesmo nome) da Pesadelo.

Regravada na Vortex Demo, “Entra nessa” é a mais conhecida composição de Charles Master, fato que produz a seguinte indagação: por que Flávio escolheu uma música de seu ex-parceiro quando ele próprio foi autor de várias outras do repertório do TNT? Flávio poderia ter lançado mão, por exemplo, da enfezada “Cachorro louco” ou até mesmo da incendiária “Liga essa bomba”, que combinavam muito bem com o vandalismo musical dos Cascavelletes. Frank acredita que a escolha de Flávio teve a ver, principalmente, com sua eterna busca por possibilidades 90

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sonoras e, claro, com uma boa dose de rock inglês adicionada à infusão. “A versão dos Casca [de “Entra nessa”] dialoga com um estilo que Flávio ouvia muito na época, através de Stones e Beatles, que é o country”, elucida Frank.

De letra colegial-sacana (“O perfume da tua calcinha / Me faz simplesmente delirar”) e amalucado refrão (“Jararaca! Jararaca! Eu quero pecar”), “Eu quero estudar” abriu os primeiros e concorridos shows dos Cascavelletes. Frank Jorge diz ter grande carinho pela canção que, para ele, mais uma vez reprocessa muito bem Beatles e Stones. “Nessa [“Eu quero estudar”] eu pude explorar todas minhas influências sixties, mas com identidade, digamos, anos 1980, própria dos Cascavelletes”.

Carlinhos Carneiro, da Bidê ou Balde, conta que os Cascavelletes eram o grupo gaúcho que ele mais curtia nos primórdios. Junto com “Money (That’s what I want)”, de Barrett Strong, e “Molly’s lips”, dos escoceses The Vaselines, “Eu quero estudar” formou a tríade de covers entoadas pela Bidê nos primeiros shows. Carlinhos recorda a ocasião em que, bem no comecinho da banda, convidaram Frank Jorge (que em 2004 passou uma pequena temporada sendo baixista da Bidê) para tocar “Eu quero estudar” num show que fizeram no Ocidente. Isso causou uma pontinha de ciúmes, brinca Carneiro: “Ele [o Frank] ficou meio assim: ‘Pô, mas vocês gostam de Graforréia também, né?’ E nós gostávamos, é claro, assim como amávamos o trabalho solo do Júpiter, mas uma coisa que nos unia, com certeza, era aquela demo dos Cascavelletes. Escolhemos ‘Eu quero estudar’ porque era uma canção fantástica, divertida e das menos conhecidas daquela leva”.

Com batida firme e bem marcada, “Minissaia sem calcinha” era mais uma das lascivas gemas imaginadas por Flávio Basso no auge da adolescência. A letra fala por si: “Debaixo daquela sainha / Existe uma fogueirinha / Que deixa vermelha e inchada / A minha salsichinha”. No entanto, o expediente da libertinagem não foi premeditado. De acordo com Frank, não entraram em pauta nas discussões internas da banda abordagens como “precisa ter mais putaria no rock”. A carga sexual da maior parte das letras – muitas abusam do duplo sentido e, outras, do sentido crasso da palavra –, rolou naturalmente. Frank assume, porém, que 91

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não possuía a naturalidade de Flávio para escrever e falar certas coisas nas músicas: “Independentemente de a Graforreia Xilarmônica também ter dito algum absurdo ou outro nas letras, eu nunca me enxerguei cantando versos como os de ‘Minissaia sem calcinha’, mas, pro Flávio, era a régua e o compasso dele. Ele escrevia essas coisas com a maior naturalidade”.

Sem ter nada a ver com A Metamorfose de Franz Kafka, “A barata” era uma espécie de “coringa” nos shows. O público adorava. Se levado em conta o teor, na definição de Frank Jorge, “meio escatológico” de certas letras dos Cascavelletes, “A barata” encaixava-se bem no repertório, especialmente ao vivo. “Na hora do solo do Nei eu e o Flávio fazíamos o backing vocal no mesmo microfone. Aliás, isso era um lance muito legal nos Cascavelletes: sempre tinha um backing meu com o Nei ou meu com o Flávio, dependendo de quem estava solando. A parte do ‘não mata a barata mamãe’ era uma das que eu mais curtia fazer nos shows”, diz Frank.

Tocada algumas vezes ao vivo pelos Cascavelletes, a controversa “Estupro com carinho” virou assunto após a morte de Flávio, em 2015.

Por causa da incômoda letra, quase 30 anos depois Flávio foi colocado no “banco dos réus” da Internet – entre outras acusações (que também incluem machismo e misoginia) – por fazer apologia à violência sexual. A própria banda, afiança Barea, tratou de censurá-la por considerá-la inadequada: “Já na época não pegou bem”. Outra razão pela qual a música foi banida, explica Frank, é que naturalmente surgiram canções cuja concepção “poética” era mais interessante. Todavia, ele considera que, melodicamente, “Estupro com carinho”, com suas divisões rítmicas que remetem a “A hard day’s night” e “Help”, dos Beatles, é uma das melhores daquela primeira safra de composições.

Se “Estupro com carinho” foi abolida do repertório da banda, “Banana split” foi confirmadíssima nos shows. É a típica letra de duplo sentido que valeu ao som dos Cascavelletes a pecha “pornô rock”. Com suas trocas de acordes retiradas de “Do you want to know a secret” (dos “guris de Liverpool”), Frank acredita que, em casos como o de “Banana split”, os Cascavelletes não cometeram plágio, mas sim “apropriação” ou 92

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reapropriação estética de obras consagradas (de acordo com o conceito deleuziano), procedimento ao qual muitos artistas contemporâneos apelam em suas (co)criações. O autodidata Basso – que nunca assistiu a uma disciplina de artes na universidade – tinha talento e aptidão de sobra para fazer apropriações estéticas. “O Flávio era campeão em incorporar ideias alheias de forma muito dissimulada”, sublinha Frank.

As protuberantes experiências sexuais dos integrantes da banda transformaram-se em canções, algumas delas memoráveis. É o caso da (verídica) história retratada na balada “A última virgem”, sobre uma guria em que Barea – e “metade do Bom Fim”, segundo ele – andava de olho.

Ela (“uma gata power de 18 aninhos”, explicou o baterista numa entrevista daquela época) chamava-se Sílvia e frequentava do Bar Ocidente. “Era uma guria muito bonita. E virgem. Todo mundo queria tirar o cabaço dela, e eu acabei tendo essa sorte”, regozija. Ele conta que até houve um namorico, mas, por causa do cerco feminino em torno dos Cascavelletes, era difícil manter uma namorada. Embora tenha ficado lisonjeada com a canção, não demorou para que, desgostosa com o comportamento do pretendente, ela lhe desse o fora. O aborrecimento da “última virgem” foi eternizado na contracapa do EP dos Cascavelletes, de 1988, na qual se pode ler o bilhetinho deixado por ela com a “amorosa” mensagem: “Obrigado por tudo. Vê se me esquece. Sílvia”.

Três décadas depois, Frank lembra dos dias em que ele e Flávio se encontraram para três ou quatro sessões de composição no apartamento da Cauduro, onde a história musical de Basso teve sua gênese. Nessas reuniões surgiram dois “hinos” cascavelletianos: “Menstruada” e “Morte por tesão”. O detalhe é que Frank e Flávio mal haviam se tornado amigos.

Flávio, Frank recorda, andava num período “muito bebum e não muito amistoso”. “Fomos pro quarto dele, mas eu não tinha naturalidade alguma com ele. Por outro lado, eu tinha total clareza da importância que era estar ali junto dele. E quiçá viéssemos a compor alguma coisa juntos”.

Para Frank, letras como a de “Menstruada” não eram vulgares ou simplesmente “pornográficas”, tinham mais a ver com a habilidade única de Flávio para manipular a linguagem.

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“Menstruada”, a mais famosa gravação dos Cascavelletes, foi esboçada por Frank Jorge (“Ela disse hoje não meu amor / Mas eu disse hoje sim, por favor”); o decisivo toque de safadeza, no entanto, foi dado por Flávio (“Ela disse hoje não meu tesão / Mas eu disse hoje sim, por que não”). Outra sacada de Basso é o trecho “Baby, eu sei que tu sabe / Com quantos paus se faz uma canoa / Mas baby, tu não sabe com quantos paus / Se faz rock and roll”. Além de compositor de mão cheia, acrescenta Frank, Flávio era um notável observador do cotidiano. Um dos trechos de “Menstruada” vem do fato de que, na época, Frank fazia cursinho preparativo para o vestibular. “Ele [Flávio] me viu com a pastinha do Bixo Vestibulares debaixo do braço e, dias depois, apareceu com aquele verso: ‘Além disso, eu passei toda tarde estudando pro vestibular’”.

Musicalmente, “Menstruada” é mais uma faixa “totalmente Beatles” dos Cascavelletes. Sua estrutura teve como inspiração duas canções do quarteto inglês. A abertura, em que a palavra “menstruada” é repetida quatro vezes seguidas, desvenda Frank Jorge, foi surrupiada de “I’m a loser”, do álbum Beatles For Sale, de 1964. Na parte instrumental da canção, “Misery”, de Please, Please Me, de 1963, é a referência que salta aos ouvidos. Na concepção de Frank, “Menstruada” é prova irrefutável de que, na primeira fase da banda, os Cascavelletes tinham muito mais a ver com Beatles do que com Stones. “Com o tempo, como se sabe, o Flávio assumiu fortemente o lado Mick Jagger dele, mas, lá na origem de tudo, era Lennon & McCartney quem davam as cartas”, pontua Frank.

Barea afirma que um dos segredos do sucesso dos Cascavelletes no Rio Grande do Sul eram as letras que diziam o que eles estavam vivendo e sentindo de forma direta e honesta: “Tudo era dito, seja nas músicas quanto nas entrevistas, com a maior sinceridade e sem rodeios. Isso fez com que o pessoal que tinha a nossa idade, e até um pouquinho menos, se identificasse com a gente”, acredita Barea. E o que eles estavam vivendo eram as descobertas adolescentes: sexo, garotas, drogas, noite e tudo de mais aventuresco, mundano e, por vezes, perigoso que o sedutor lifestyle do rock and roll oferece. Outro aspecto a ser levado em conta era a familiaridade do público com os temas que, nas canções da banda, ganhavam uma abordagem 94

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mais sacana. Numa fase pós-ditadura, liberando-se de impositivos padrões morais, os jovens dos anos 1980 encontraram uma libertadora ressonância nas letras dos Cascavelletes. Sem falar em outro detalhe, lembrado por Barea: “Na época, transar não era algo tão fácil como é atualmente”.

O sexo rendeu canções absolutamente impagáveis. Talvez a mais divertida bordoada roqueira da Vortex Demo, “O dotadão deve morrer” reflete a fissura de Flávio Basso em falar sobre sexo, tema que, por toda sua vida, foi um de seus prediletos. O ataque punk que traciona a música fez com que ela caísse nas graças de João Gordo, dos Ratos de Porão, que a regravaram no álbum de covers Feijoada Acidente 9, de 1995, tributo a grupos brasileiros como Olho Seco, Garotos Podres, Patife Band, Restos de Nada e Lobotomia. Comprovando seu pendor incontestavelmente “terroristapoético”, “O dotadão deve morrer” tornou-se uma das mais conhecidas (e até hoje pedida nos shows) do repertório dos Ratos. Boatos sobre quem seria o cara que “arrastava todas as garotas para casa dele”, o tal “dotadão”, circularam pelo underground porto-alegrense, especialmente entre as groupies dos Cascavelletes. A mais forte lenda sobre a identidade do “dotadão” foi confirmada pelo suposto personagem da música, o mutante Eduardo Martins Dornelles, mais conhecido como Edu K, do DeFalla, cuja reputação de “pegador” era folclórica. “Os caras [Os Cascavelletes] ficavam muito putos comigo porque eu pegava as groupies deles. Lembro que uma vez perguntei ao Flávio sobre isso. Ele me olhou com uma cara feia, como quem diz ‘filho da puta, vou te enfiar a mão na cara’, e deu um sorrisinho malandro”.

Da segunda safra de composições dos Cascavelletes, a sexymalvada “Morte por tesão”, também assinada por Nei Van Soria, tem uma das melhores sacadas “literárias” de Flávio: “Eu queria ser um vampiro / Pra chupar o sangue da gata / Eu queria fazer vodu / Pra conquistar tu”.

Frank Jorge coloca “Morte por tesão” em seu “Top 5” de melhores da 9. O título parodia The Spaghetti Incident?, álbum de covers do Guns N’Roses lançado em 1995 que traz versões de músicas de bandas e artistas como Dead Boys, Damned, T-Rex, New York Dolls, Johnny Thunders, Nazareth, The Skyliners, The Stooges, Sex Pistols, U.K. Subs, Fear e, ainda, do infame Charles Manson.

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banda. Para o músico, um dos pontos mais fortes dos Cascavelletes era os arranjos vocais aderentes e cativantes bolados por eles, como no caso de “Morte por tesão”. Frank explica: “O Flávio cantava ‘eu queria fazer vodu pra conquistar tu’, e a gente vinha junto. No refrão, ele prolongava o ‘morte por tesão’, e nós fazíamos o backing. O resultado era impactante.

Sempre funcionava”.

A Vortex Demo também tem canções menos lembradas como “Cavadão”, que, conforme Frank, foi uma tentativa de fazer uma sonoridade “mais swingada, mais soul”. A fita ainda traz a música que, dali alguns anos, se tornou a mais conhecida dos Cascavelletes em todo o Brasil: “Nega Bombom”, também conhecida como “Punhetinha de verão”. A música mais “Stones” concebida na primeira fase da banda, “Nega Bombom” aponta para a sonoridade “glam” que o grupo abraçou na esteira da metamorfose de Flávio em Mick Jagger. A primeira vez em que a prática do “onanismo” apareceu numa composição de Flávio foi em “Nega Bombom” (embora “Estou na mão”, dos tempos do TNT, sugira algo nesse sentido). Referências à masturbação surgiriam em diversas letras ao longo de sua carreira. Dois exemplos estão no cultuado álbum A Sétima Efervescência: “Essência interior” (“Quando você der para outro cara / Lembre-se que alguém se masturba / Alguém do outro lado da cidade / Se sente em sintonia e pensa em você”) e “Querida Superhist x Mr.Frog” (“Mas quem é Mr. Frog? / Quem é ele? Onde é que ele vai? / Será que ele faz alguma terapia? / Será que ejacula dentro da pia?”).

Barea diz que a loira (que faz “bom-bom-bom” na sacada do edifício) em “Nega Bombom” era uma personagem real. “Ela ficava na sacada do prédio defronte ao nosso e o Flávio ficava viajando na dela, fissurado, louco pra comê-la”, conta o baterista. Para Frank, o divertido de “Nega Bombom” é que sua inspiração foi verdadeira, mas, se isso [a transa entre Flávio e a loira] rolou ou não, não faz diferença. “É interessante enquanto imagem”, afirma. Frank crê que hoje a canção seria patrulhada por causa do “lá vem a Nega Bombom”. Por outro lado, quando “Nega Bombom” entrou para a trilha sonora da novela Top Model e foi alçada à condição de hit no Brasil, quem gostou da música 96

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foram as crianças. Um dos motivos para a identificação infantil, Frank avalia, foi a característica meio “onomatopeica” que os Cascavelletes tinham: “Essa coisa de botar um ‘bom-bom-bom’ ou ‘xubiduba’. A criançada adorava e cantava junto”.

As músicas da fita Vortex Demo que mais tocaram, de acordo com Frank Jorge, foram “Menstruada”, “Ugagogobabagô” e “Morte por tesão”. Rodaram tanto na Rádio Ipanema que, no show de estreia, os Cascavelletes foram agraciados com um grande e ensandecido público.

Frank Jorge diz que naquele momento havia um clima muito bom para o surgimento de bandas novas. “Vivíamos um cenário muito incomum no país – o nosso pós-punk. Tal qual Echo and the Bunnymen, The Cure e The Smiths, a gente fez esse papel por aqui, ainda que um pouquinho tardiamente”.

De todos os discos e gravações dos Cascavelletes, Alexandre Barea tem a Vortex Demo como sua favorita. A razão para isso, ele explica, é simples: “Conseguimos sulcar ali, integralmente, toda nossa energia inicial, uma energia juvenil transbordante”. Os dois primeiros anos dos Cascavelletes foram, para Barea, sem dúvida os melhores: “A cada ensaio, compúnhamos duas ou três músicas que se tornariam clássicas. As canções saíam rapidamente e de forma muito natural. Tanto que, com o passar do tempo, ficou muito difícil manter a constância daquele ritmo tão vivaz que nos moveu no início”.

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E

Em 1995, Egisto levou Flávio Basso, o novo contratado do selo Antídoto, para a festa de final de ano da gravadora ACIT. Nei Van Soria, que naquele mesmo ano lançou seu debute solo, Avalon, pelo Antídoto, selo roqueiro da gravadora ACIT, também estava na festa. Foi a primeira vez que os dois ex-cascavelletes se encontraram após longo período.

Nessa ocasião, a quebradeira dos áureos tempos ressurgiu. Em meio aos artistas do filamento gaudério (a grande maioria do cast da gravadora), Egisto levou Flávio e Nei, embalados pela cervejada da festa, para “fazer um som” no piano de cauda de um dos estúdios. A brincadeira terminou com mãos esmurrando ao mesmo tempo as teclas do delicado instrumento em ferozes versões de Jerry Lee Lewis e de John Lennon.

Prudente, Egisto tentou adverti-los para irem “com jeito” ao piano, mas não foi ouvido. “Apesar de eu pedir [a Flávio e Nei] o mínimo de cuidado com aquele frágil instrumento, eles não me deram ouvidos. Foram tocar direto nas cordas pra ver quem detonava mais. Um mini show de egos, um contra o outro. Algo do gênero: ‘Vamos ver quem faz mais barulho’”, retrata Egisto. Por conta desta “atitude rock and roll”, não foi possível contar com o piano no álbum de estreia de Júpiter. Semidestruído, o instrumento foi vendido pela gravadora. Egisto, no entanto, não se arrependeu: “Foi uma traquinagem das mais divertidas, e eu banquei a loucurada toda sem problema algum”. Segundo Egisto, aquele era o “estilo” de uma época.

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Discípulo de Keith Moon, notório destruidor de kits de bateria, Glauco Caruso também estava na confraternização natalina da ACIT. Ele foi apenas um comportado espectador do ataque ao piano de cauda – oportunidades de destruir outros instrumentos não lhe faltariam. Meses depois, ao final das gravações de A Sétima Efervescência, ele imolou sua estimada bateria Gretsch (que comprou de seu ídolo Edinho Galhardi, dos Garotos da Rua) na última faixa registrada nas sessões, “Essência interior”. Glauco descreve o transe, que trouxe prejuízos maiores à gravadora: “Rolou um lance tão passional e fora do controle, que chutei o bumbo e este, por sua vez, atingiu um dos [microfones] Neumann raros e caros da ACIT, partindo-o ao meio”. O tal microfone ao qual Glauco se refere era estimado em cerca de U$ 6 mil.

Para falar da ACIT (cuja sigla leva o nome dos proprietários Antônio Carlos e Ivete Troian), é preciso retroceder algumas décadas. O marco inicial da gravadora foi uma pequena loja de discos sediada em Caxias do Sul no ano de 1979. Em 1982, a ACIT cresceu quando decidiu montar uma empresa atacadista para distribuir, no Rio Grande do Sul, produções fonográficas de multinacionais. A bem-sucedida experiência junto aos lojistas terminou por revelar a carência de uma gravadora que registrasse a enorme demanda de artistas de música regionalista – o que levou a empresa a tomar novos rumos. De simples distribuidora, passou a atuar como gravadora. Inicialmente, os carros-chefes da ACIT foram os grupos de “música nativista” e os conjuntos de baile. Os primeiros contratados foram Chiquinho da Gaita e os grupos Três Xirus e Os Farrapos.

O selo Antídoto, que no começo encontrou resistência por parte dos donos da gravadora, foi concebido pelo produtor Raul Albornoz no início dos anos 1990. Trabalhando em dupla com Albornoz, o designer Luiz Carlos Fetter foi o responsável pela concepção gráfica de todos os álbuns lançados pelo selo Antídoto. Bem antes do badalado A Sétima Efervescência, a ACIT bancou as históricas coletâneas Rock Garagem25 (1984) 25. Idealizadas pelo radialista Ricardo Barão, que revelou bandas como Fluxo, Astaroth e Leviaethan.

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e Rock Garagem II (1985) e também Noves Fora (1984), o segundo álbum de Nei Lisboa. Outros lançamentos de rock da ACIT anteriores ao selo Antídoto foram Totalmente Rock (1985), LP do Taranatiriça, e o primeiro compacto dos Garotos da Rua com “Sabe o que acontece comigo” e “Programa” (esta, vetada pela Censura), de 1983. Comandada por Albornoz, a ACIT lançou até 150 produções fonográficas por ano.

Albornoz conta que cresceu ouvindo pop e rock e sentiu a falta – apesar de estar com todas as ferramentas de produção na mão – de trabalhar com o rock e o pop sulistas. O próprio nome Antídoto, ele explica, alude a essa frustração: “Minha ideia, com o selo, era criar uma espécie de antídoto ‘antimonotonia’ que viesse a contornar tal sentimento”. Nos primeiros tempos, conta Albornoz, a ACIT não apoiou a ideia do selo, tanto que, por falta de capital, o logotipo da Antídoto foi pago ao designer Fetter mediante a caixa de LPs Crossroads, antologia do guitarrista Eric Clapton. O selo Antídoto só nasceu quando obteve o apoio 26 da ISAEC , o maior estúdio de gravação de Porto Alegre à época, usado com muita frequência pelos artistas da ACIT. Raul Albornoz faz questão de diferenciar: “A proposta [do selo Antídoto] era lançar todos os gêneros musicais que fugissem ao regionalismo”. O grande desafio era convencer a ACIT a investir no campo minado, tão promissor quanto (às vezes) infrutífero, do rock gaúcho.

Em 1994, saiu dos fornos da Antídoto o primeiro “veneno”: a compilação Chá das Quatro (originalmente, ela se chamaria Quatro por Quatro, mas por conta da novela global de mesmo nome, precisou ser rebatizada), que reúne as bandas Acústicos & Valvulados, Pura Sangre, Quintos dos Infernos e Mr. Papoo. Depois dessa experiência – vista com bons olhos pela ACIT –, a gravadora cedeu à ideia de oficializar o selo “alternativo”. Disso, ilustra Arbornoz, resultaram novas estratégias para a 26. Em 1978, o Estúdio ISAEC adquiriu uma mesa de gravação de 16 canais com o objetivo de lançar um selo e, no mesmo ano, lançou a coletânea Paralelo 30, um marco na música urbana do Rio Grande do Sul. O álbum, produzido pelo jornalista e crítico musical Juarez Fonseca, reuniu seis compositores/intérpretes: Bebeto Alves, Carlinhos Hartlieb, Raul Ellwanger, Cláudio Vera Cruz, Nando D’Ávila e Nelson Coelho de Castro, cada um com duas canções registradas no LP.

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sedimentação do Antídoto, como investimentos em equipamentos e na promoção dos lançamentos do selo.

Com as gravações marcadas apenas para agosto, em janeiro de 1996, Flávio, acompanhado de um percussionista de nome Ralf, passou uma temporada na praia da Guarda do Embaú, em Santa Catarina. Lá, entre luaus e o crepitar de fogueiras, ele testou o repertório de seu debute discográfico. No livro A Odisseia, ele lembrou esses tempos com o peculiar humor: “Paguei minha passagem, fui com um short jeans e uma camisa, mais uma ou duas mudas de roupa, e um Real no bolso. Fomos eu e o Ralf, um percussionista. O plano era que eu cantaria e tocaria violão, e ele me acompanharia. Sobreviveríamos assim durante um mês, tocando à noite, num bar que uma amiga tinha nos indicado. O ônibus nos deixou na rodovia e nós caminhamos léguas e mais léguas até a praia, por estradas de chão, eu com o violão nas costas e ele levando o bongô. Quando chegamos, o lugar parecia a Jamaica, com tochas, drinks, caipirinhas, batidas de coco, de frutas vermelhas, afrodisíacas, e todas aquelas coisas meio ritualísticas”.

Nessa temporada na Guarda do Embaú, Flávio descreveu-se como “um amante desocupado”, um “poeta” que passava a tarde andando, admirando as belas mulheres e as belas praias. O álcool, que se tornou a sua ruína, nesses dias não era prioridade. Pelo contrário, ele contou, bebia muito pouco durante o dia – “O bar só liberava nossas bebidas à noite, a partir das seis”. “Eu não era um alcoolista afunilado, ou seja, que gosta de destilados. Tomava cervejas”, diferenciou o músico.

A temporada de Flávio & Ralf no bar foi bem-sucedida, como ele lembrou: “Começou a juntar público, público e mais público e uma multidão aglomerou-se no bar”. Contudo, foi à beira-mar que músicas como “Um lugar do caralho” e as novíssimas “Querida Superhist” e “Essência interior” tiveram seu teste de fogo: “Na praia tinha também os luaus, com grandes rodas, lindas, aonde o violão ia passando de um pro outro, ia e voltava. ‘Quem quer tocar mais uma?’. ‘Quem vai tocar a próxima?’. ‘Ele’. ‘Ele quem?’. ‘O Júpiter’. Eu já tinha adotado esse pseudônimo, já me chamavam assim. Roda, roda, roda o violão, chegava a mim e eu tocava ‘Querida Superhist’, absolutamente aplaudida. ‘Toca 258

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outra’. ‘Um lugar do caralho’. Absolutamente aplaudida. Tudo ainda era material inédito, e a gente estava na beira da praia. ‘Toca outra’. ‘Nossa, será que eu me lembro?’, e tocava ‘As tortas e as cucas’. ‘Uau!’. Rodava o violão, tocavam um Djavan, um Mutantes, de repente chegava a mim, de novo. ‘E o que eu toco agora?’ Deixa eu ver, deixa eu ver: ‘Essência interior’. Absolutamente aplaudida, até a fogueira se mexia”.

Em entrevista concedida em maio de 1996 para o programa Projeto Instrumentos da Rádio Unisinos, Flávio Basso revelou-se mais lúcido, sóbrio e sério do que no depoimento registrado acima. Acompanhando Flávio – que levou sua célebre Rickenbacker preta (“modelinho Pictures of Lily”, definiu) e um amplificador Giannini Bag – no radiofônico, que é um verdadeiro achado arqueológico, estava o músico e compositor Marcelo Birck, que fez backing vocals para ele nas canções mostradas ao vivo, entre elas “Um lugar do caralho”, “Miss Lexotan”, “Hippie under groove”, “Essência interior”, “Sociedades humanoides fantásticas”, “Kongha tomador de panca” e “Ela sabe o que faz”. Dos Cascavelletes, a exceção foi para “Menstruada”. Para homenagear seu ídolo daqueles dias, Syd Barrett, Flávio cantou “Arnold Layne”. Sobre A Sétima Efervescência, Flávio contou no radiofônico, em mais de uma hora de bate-papo e de sons ao vivo, que desejava fazer “uma coisa bem fechada”, em que uma música parecesse “irmã” da outra: “Eu não quero forçar a barra pra que isso aconteça, mas estaria mentindo se eu dissesse que não. Quero fazer um disco conceitual, pelo menos pra mim mesmo”.

“Eu tenho fases em que vomito canções. Fases férteis em que eu produzo um monte”. Assim Flávio descreveu o momento prolífico que vivia naquele momento. No mesmo programa de rádio, ele teceu comentários sobre TNT e Cascavelletes, coisa um tanto rara. “Garoto de colégio, eu tinha um sonho particular, aquela coisa de guri, meio exagerado. Queria formar um grupo tipo Beatles, tipo Rolling Stones. Era uma coisa diferente, já que a maioria da galera, na época, queria formar um grupo tipo Iron Maiden. Porém, eu não pensava em me profissionalizar. Quando eu vi, rolou a coisa do palco. O lance com o TNT foi rápido. Foi muito rápido. Pegou a gente bem imaturo”, refletiu. Sobre 259

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os Cascavelletes, ele disse que saiu do TNT para fundar a banda por conta de outras ideias musicais: “Aquilo que o TNT sugeria no meu tempo eu escancarei nos Cascavelletes”, disparou. Instado a escolher a melhor fase dos Cascavelletes, Flávio não titubeou: “É a [da] fita da Vortex Demo.

Naquilo ali tá a essência, tá o jogo”.

Voltando àquele que viria a ser o disco A Sétima Efervescência, Flávio explicou no programa Projeto Instrumentos que seria um álbum formado por canções e revelou que “Essência interior” seria atravessada por um trecho com microfonias, feedbacks e distorções – “Uma coisa que eu curto fazer com a guitarra, ali no meio. Pinta aquela barulheira de microfonia. Porém, ‘Miss Lexotan’ é uma típica canção. Tem a levada de uma canção”. Sobre quantas músicas o álbum teria, ele foi enfático: “O máximo sem encher o saco. Vou tentar colocar o maior número de coisas legais sem transbordar de canções”. A apresentadora do programa caracterizou a música de Flávio como “engraçada” ao compará-la com as canções “melancólicas” do exparceiro Nei Van Soria. Flávio reagiu com ironia: “Eu não faço humor! As músicas do Nei talvez sejam melancólicas porque ele tem uma loja de instrumentos musicais no centro de Porto Alegre [a Good Music]. Já as minhas são alegres porque eu tô sempre enchendo a cara na rua”.

A figura de Egisto dal Santo ressurgiu na história de Flávio Basso quando Raul Albornoz o contratou para lançar um “pacote” com as novidades roqueiras da cena local. Flávio lembrou o encontro dos dois no livro A Odisseia: “Eu estava vendendo minhas fitinhas cassete do Júpiter Maçã & Os Pereiras Azuiz pra uma loja de discos no centro de Porto Alegre, quando uma mão me tocou pelas costas. Era o Egisto dal Santo, que assinava Egisto 2, na época. Ele olhou pra mim e perguntou: ‘Vamos fazer um record, man?’. Eu estava vendendo fitas cassete pelo lado cult da jogada, me sentia cool, com 26 anos, ainda tinha idade pra isso, mas já tinha sido da EMI Records, da RCA Victor e, de repente, vendia fitinhas pra comer hambúrguer e tomar uma ceva”, contou.

No selo Antídoto, Egisto ficou responsável pela produção de três artistas: Júpiter Maçã, Tequila Baby e Colarinhos Caóticos, banda da qual era integrante. Para realizar o trabalho, o produtor contou com toda a 260

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estrutura de equipamentos do estúdio da ACIT – os mesmos, segundo Albornoz, usados pelos principais nomes da gravadora. No selo, Egisto 27 acumulou as funções de produtor e de A&R . “Ele [Egisto] foi o responsável pela produção, repertório e tudo que envolveu o trabalho dessas três bandas em estúdio, enquanto eu lidava com a gravadora e com planos promocionais”, pontua Albornoz. Egisto possuía no currículo muitas incursões discográficas. Em julho de 1995, lançou a compilação em CD Segunda Sem Ley, na qual o nome Júpiter Maçã apareceu grafado no encarte de um disco pela primeira vez. Na coletânea, Júpiter comparece com “Orgasmo legal”, na qual toca todos os instrumentos – portanto, em versão diferente daquela gravadas com os Pereiras Azuiz.

“Foi na tentativa de mostrar que ainda existia uma forte cena de rock aqui em Porto Alegre, pra qual ninguém dava nada, que montei a compilação 28 Segunda Sem Ley”, explica Egisto. Lançado pelo selo Banguela , o CD junta 18 bandas que compõem um diverso panorama do que rolava na época (Walverdes, Pietá, Space Rave, Maria do Relento, entre outros nomes) e tem projeto gráfico caprichadíssimo (com capa e ilustrações que levam o sarcástico traço de Allan Sieber).

Segunda Sem Ley recebeu excelentes críticas, embora não tenha alçado grandes voos para além da divisa do Rio Mampituba. Todavia, o sucesso local da empreitada chamou a atenção de Raul Albornoz e, finalmente, dos executivos da ACIT. Foi o que levou Egisto para a gravadora e possibilitou que Júpiter Maçã fizesse seu primeiro disco. “O Raul me chamou no escritório dele e disse: ‘Ó, os ‘gringos’ tão querendo reativar o selo Antídoto e quero que tu sejas meu braço direito’”. Egisto recebeu carta branca de Albornoz para tocar os projetos: “Isso eu não posso negar: o Raul me deu liberdade absoluta pra fazer os discos do jeito que eu queria”.

Porém, nem tudo foram flores na relação entre produtor e gravadora. Egisto alega que foi demitido do selo Antídoto assim que entregou a fita matriz de 27. Artistas e repertório (A&R) é a divisão de uma gravadora ou editora de música que é responsável por supervisionar o desenvolvimento artístico de artistas e compositores durante a gravação.

28. Banguela Records foi um selo fonográfico da gravadora Warner Music Brasil criada por integrantes da banda Titãs e pelo produtor Carlos Eduardo Miranda.

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A Sétima Efervescência para Raul Albornoz. Na crítica que faz à ACIT, Egisto maldiz a capital gaúcha e suas “peculiares mesquinharias”: “Pra se ter ideia do que é essa cidade [Porto Alegre], no dia em que entreguei o Sétima eu fui despedido porque, segundo eles [a gravadora], o disco era ‘um lixo’. Na visão deles, eu havia destruído a ‘possibilidade de sucesso’ de Júpiter Maçã, eu tinha feito um disco de merda. O Raul Albornoz me disse: ‘Tu não é produtor: tu é um louco varrido’”.

Gravado nas madrugadas de agosto, da meia-noite às 8 da manhã (conforme Egisto, esses eram os horários “parados”, nos quais a turma dos gaudérios não queria gravar), A Sétima Efervescência consumiu cerca de 200 horas de estúdio para ser concluído. Esses fatos contribuíram para o sabor de “espírito livre” predominante no álbum. “Uma das coisas que fez o Sétima ter aquele gosto peculiar é que, em nenhum momento, algum técnico opinou sobre qualquer coisa”, observa Egisto. Para o produtor, A Sétima Efervescência é um marco na produção do rock gaúcho. Na cabeça de Flávio, Egisto acrescenta, não foi uma simples viagem, mas sim uma estética milimetricamente pensada: “Nada ali [no disco] é à toa, muito pelo contrário, tudo foi de caso pensado, diretamente da cabeça do Flávio”. Na véspera do início das gravações, Júpiter (que não se dizia saudosista) reuniu a banda e frisou – ou melhor, determinou – que, dali para frente, todos estavam no ano de 1969. “Por causa disso, trabalhei todos os dias de sapato, meia carpim, camisa, gravata e paletó. Estávamos em 1969, o ano em que o homem chegou à Lua, e não em 1996”, rememora Egisto. “O Flávio fechou-se no Flávio e resolveu que tinha de se amar do jeito louco dele, um jeito estranho: ‘Vou me amar e me transformar num superstar’”.

Foi uma época complicada, Egisto observa, porque quase ninguém estava botando fé na viagem “jupiteriana”: “Todos achavam que Júpiter Maçã era um equívoco – as pessoas ainda queriam o Flávio Basso dos Cascavelletes cantando ‘Sob um céu de blues’. Essa é a verdade”.

Quanto ao som do disco e seus incontáveis pormenores técnicos, Egisto lembra de tudo de modo prodigioso e detalhista. Sobre a paleta de efeitos e de distorções utilizadas no álbum, ele diz que Flávio nunca teve uma cultura de pedais. Flávio confirmou em A Odisseia que Egisto o 262

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influenciou a adotar a pedaleira. “A sonoridade da [banda] Colarinhos Caóticos baseava-se muitos em efeitos e pedais. Ele também queria aquilo.

Os pedais utilizados no Sétima são todos meus. E o Flávio tinha umas ideias fixas em relação aos instrumentos que gostaria de usar no Sétima.

Tinha uma Telecaster maravilhosa à disposição dele, mas ele não quis: implicou que não tinha o som que ele estava almejando. Claro que tinha [o som]! Ele podia tê-la usado em uma ou outra música, porém, ele que fez suas escolhas – e usou a Rickenbacker”.

“A distorção usada na maioria das músicas do Sétima é um Fuzz Dod clássico alaranjado, bem varzeano, mas que dava aquele estralado que parecia os fuzz d’O Terço, Baobás, Bixo da Seda, Liverpool e os Brazões. A gente chegou a cogitar um Big Muff, porém ele [Flávio] repugnou, pois tinha um som muito “gordo”. ‘Tem de ser um negócio abelhudo, mas que não fique agudo demais’, ele me dizia. Entrou um pouco de Muff, na real, só pra dar uma engordada quando ele achava que determinada parte havia ficado fraquinha. A mesma coisa foi com o WahWah, um Cry Baby clássico, aquele do Jimi Hendrix, que pusemos em ‘Um lugar do caralho’. Ao longo do disco tem outros momentos [com diferentes pedais] como, por exemplo, o uso de um Phaser Small Stone Electro Harmonix, de 1972, original, que pertencia a mim, todo enferrujado. É um pedal que, aliás, não tenho mais: vendi pra um cara que faz cover de Pink Floyd lá no Amazonas”, diverte-se Egisto.

Muitos testes foram feitos na hora. “Eu ia levando coisas pra ele como, por exemplo, os [efeitos] reverb que ele queria. Lá na ACIT, a gente tinha o Emt Reverber, um aparelho que, na época, deveria custar por volta de uns U$ 10 mil, coisa caríssima. Eles, porém, não davam valor praquilo lá.

Ninguém usava porque puxava muitas [frequências] médias – é por isso que, no disco, tem aquelas frequências médias na voz do Flávio que remetem a Ray Davies, dos Kinks”. Além disso, Egisto completa, também foram aplicados efeitos de vários pedais. “Têm, ainda, efeitos Flanger e Phaser na bateria, coisa que, no Brasil, só Os Mutantes haviam feito até então”, afirma.

Quanto aos teclados (em “Um lugar do caralho” e “Novo namorado”), Egisto diz que o convite feito a Frank Jorge – dono de um 263

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modelo Ensoniq SQ1 – foi um “golpe”: “Nenhum de nós tinha um teclado e precisávamos de um amigo que pudesse nos emprestar. Geralmente, as pessoas tinham muita frescura pra emprestar equipamento. Resolvemos convidar o Frank e então botei na cabeça do Júpiter: ‘Pô, ‘Um lugar do caralho’ é meio ‘Robertão’. Podíamos pôr o Frank, cuja linguagem musical é super jovem guarda e, assim, resolvemos o problema. Esse foi nosso ‘golpe’ pra cima do Frank, confessado agora, coisa que ele não sabia”.

Embora sofisticado, o disco teve coisas que não foram “de luxo”. O contrabaixo foi uma delas. Durantes as gravações, Egisto implicou com Emerson porque este gravou sentado todas as bases de baixo. “Ele estava sempre sentado e eu dizia pro Flávio: ‘Porra, diz pra ele [Emerson] se levantar – é um disco de rock!’. Mas o Emerson ficava sempre ali sentadinho, na dele, ao contrário do irmão. Tudo que o Glauco tinha de louco o Emerson tinha de coordenado e objetivo. Ele traçava um plano e ia”. Emerson explica que sempre gostou de instrumentos mais antigos e, para a gravação de A Sétima Efervescência, comprou de Mitch Marini29, o primeiro baixista dos Garotos da Rua, um baixo Fender 75 Precision Sunburst. Para convencer Mitch a vender o baixo a Emerson, Flávio, que que estava presente no momento da negociação, assumiu o papel de “fiador”: “Tu pode parcelar pro Emerson que ele tá tocando comigo. Eu assino embaixo”. Conta o baixista que, nas gravações, misturou o Precision Sunburst com o contrabaixo Music Man 79, do legendário 30 Chaminé , de quem se tornara amigo próximo. “Então, os baixos que usei no Sétima foram metade Chaminé, metade Mitch Marini”.

A bateria ouvida no álbum é uma Gretsch que Glauco Caruso, após muita encheção de saco, conseguiu comprar do baterista Edinho Galhardi, que a usou nos primeiros discos dos Garotos da Rua. Uma bateria sem nenhuma pele de resposta. Segundo Egisto, esse foi um dos (poucos) motivos de brigas em estúdio: “O Glauco pirou porque queria gravar sem [peles de resposta] porque os caras do The Who, ou melhor, Keith Moon tinha

29. Também contrabaixista das bandas Câmbio Negro, Byzzarro e Swing.

30. Também contrabaixista de Hermes Aquino e das bandas Saracura, Succo e Bobo da Corte.

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gravado uns discos sem pele de resposta. Quando fui pesquisar em encartes de álbuns do Who, vi muitas fotos sem pele de resposta. Em um encarte, li que o Who tirou aquele som de tom absurdo no [álbum] Odds & Sods – que é o melhor som de tom que existe. Daí eu me convenci. O Glauco, de fato, fez um supertrabalho naquele disco”. Glauco confessa que levou alguns anos para gostar – de verdade – dos sons de bateria de A Sétima Efervescência: “Meteram um monte de efeitos em minha bateria! Hoje em dia, adoro”.

Quanto aos instrumentos adicionais que aparecem aqui e acolá no disco, situa Egisto, Flávio pirou lá pelas tantas com o som do violão de 12 cordas, mas como não havia ninguém para ceder-lhes um, recorreram a uma craviola pertencente a Egisto. “A craviola tem um som mais agudo que o violão de 12 – uma sonoridade, pode-se dizer, mais bonita, brilhante.

O Júpiter adorou a ideia de usá-la”. Outro instrumento empregado nas gravações, Egisto acrescenta, foi um bandolim “bem varzeano” da marca Tonante que ele ganhou de Marcio Petracco e que, segundo ele, tinha um som tri bom. “Mostrei pro Flávio o som que saía daquilo e, quando chegou a hora de gravar a mezzo folclórica, mezzo gauchesca e mezzo psicodélica ‘Canção pra dormir (Fantasmas!!!)’, ele curtiu tanto que abriu mão do solinho que havia preparado pra botarmos o bandolim em seu lugar. No final, tal mudança deixou a canção mais acústica”, analisa.

Os gnomos creditados no encarte são as vozes de Flávio e Egisto: “Nós estávamos tentando achar um pit que dava uma voz de gnomo ou de duende ou algo assim. O Júpiter, nesses dias, andava numa piração mística com gnomos”, conta o produtor. Isso resultou em prejuízo financeiro para Egisto. “Ele despirocou porque eu armei uma promoção de divulgação do Sétima que tinha uns incensos de gnomo, entre outros itens. Mandei fazer umas três mil varetas de incenso e, no final, ele não quis. Terminou que o Antídoto não bancou o brinde e sobrou pra mim, que tive de pagar. Na verdade, ele não queria camiseta, não queria incenso, não queria divulgação do disco – ele queria ser um cara do underground. Não queria mais ser o garoto da [rádio] Atlântida. Ele estava de saco cheio do ‘sucesso’, com nojo dos Cascavelletes. Não queria mais ser famoso. O Flávio queria desleixo total pra poder dar vida a esse personagem, o 265

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Júpiter Maçã. O objetivo dele era criar uma lenda “sydbarretiana” – um cara fora da realidade. Só que ele não estava fora da realidade. Ele foi ficando com o tempo. Ele buscou isso”, acredita Egisto.

Outras peculiaridades de A Sétima Efervescência são suas várias guitarras “viradas”. Em “As tortas e as cucas”, os sons das guitarras foram “entortados” para entrar em sintonia com a forma lisérgica “panificada” da letra. Flávio e Egisto colocaram também a gravação da orquestra de “Eu e minha ex” ao contrário para iniciar o disco. Este detalhe, elucida o produtor, foi inserido posteriormente: “Na hora de masterizar, eu pedi pro Thomas [Dreher, técnico de mix e master do disco] fazer tal qual o Flávio havia me pedido: ‘Ó, o Flávio quer toda aquela orquestra de ‘Eu e minha ex’ virada aqui’”. Esse pequeno truque de estúdio, segundo Egisto, foi a razão principal pela qual ele foi posto no olho da rua por Albornoz, que disse: “Aonde é que já se viu começar um disco com uma orquestra virada durante mais de um minuto?”.

Na época da contratação de Flávio Basso, Raul Albornoz conta que ouviu uma fita demo (a hoje intitulada Júpiter Maçã Múmias) que Egisto lhe mostrou e que esta “era bem mais comercial e radiofônica”. Ao contrário do que afirma Egisto, Albornoz diz que nunca criticou o conteúdo artístico de A Sétima Efervescência, que considerou um “achado” tanto técnico quanto artístico. “Comercialmente, era um disco difícil de se trabalhar. A música mais ‘emplacável’ era ‘Um lugar do caralho’, que, por motivos óbvios, não entrou nas rádios mais comerciais, algo fundamental para a promoção e venda do disco”, analisa o responsável pelo selo Antídoto. A coisa só melhorou, observa Albornoz, quando a imprensa do centro do país deu destaque ao disco. “Melhorou um pouco, mas como jornal não vende disco, logo a gente estava com problemas promocionais”. Segundo Raul Albornoz, se a ACIT tivesse apoiado o projeto com verbas, com certeza A Sétima Efervescência teria um destaque mercadológico muito maior. Para Albornoz, tudo era uma questão de tempo (e também de dinheiro), mas ambos andavam escassos. “Eu tinha uma visão de médio prazo, achava que o Júpiter era um artista que poderia ocupar um espaço que tinha sido do Raul Seixas, por exemplo, mas isso não seria da noite pro dia”.

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A situação estava braba. Flávio e família decidiram por uma segunda internação. Depois, ele ficou cerca de um ano morando com a irmã Cláudia. “Eu e o Tatá fomos visitá-lo várias vezes e ele estava super bem. Por volta de 2009, teve a ideia de remontar a banda”, conta Thunder.

Contudo, aconteceram outras recaídas e mais internações em diferentes clínicas. Cláudia conta que Flávio aceitou algumas dessas internações por livre e espontânea vontade, embora com muita insistência e persuasão por parte dela. Ela diz que, no começo, o pai deles, Délcio, não via o alcoolismo de Flávio como doença, mas depois de certo tempo aceitou a condição do filho e colaborou financeiramente com as tentativas de recuperação.

Iara lembra que, em geral, Flávio queria sair antes do término das internações. “A gente não podia obrigá-lo a ficar internado. Numa dessas ocasiões, ele ficou por apenas três dias. Passou a bebedeira e eis que apareceu um show. Então, o Lucas foi comigo até a clínica para pedir ao médico – casualmente, um fã do Flávio – que o liberasse. Ele autorizou desde que, após o show, voltasse imediatamente. O Flávio, no entanto, ficou apenas mais uns cinco dias internado e saiu de novo”, conta a mãe.

O esforço de todos na recuperação de Flávio Basso surtiu efeito pouco a pouco. Em fevereiro de 2009, Júpiter Maçã voltou – clean, vale frisar – aos ensaios, repaginando suas composições de maneira intimista e cantando no melhor estilo crooner. Para este projeto, batizado por um curto 411

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período de tempo de Jupiter Apple Fields, o artista contou com os companheiros de longa data Astronauta Pinguim e Thunderbird e com dois novos parceiros de banda, o guitarrista Dustan Gallas (membro do grupo Cidadão Instigado) e o baterista Felipe Maia. Em 5 de maio, prestes a estrear uma temporada na casa de shows Studio SP, Jupiter Apple – o Fields como complemento do sobrenome foi deixado para trás – participou do programa da MTV Acesso, no qual foi entrevistado e mostrou, acompanhado de sua nova banda, novas encarnações de “A marchinha”, “Welcome to the shade” e “Um lugar do caralho”. “A gente está tocando com sonoridades mais leves, mais delicadas, explorando mais o fator aveludado do meu som. São canções com uma roupagem um pouco mais jazzy, mas sem perder a essência do rock and roll, da psicodelia e do tropicalismo”, definiu o cantor.

A estreia da nova formação em Porto Alegre aconteceu no Bar Opinião, em 8 de maio. Na ocasião foi mostrada a música “Gregorian fish”, releitura de “O tintureiro”, composição de Júlio Cascaes para sua banda de surf rock instrumental, Reverba Trio. A boa recepção dos shows rendeu convites para outras apresentações. A agenda de Júpiter foi ficando cheia e, com isso, surgiu um problema: como conciliar seus compromissos musicais com os dos integrantes de sua banda, todos eles envolvidos também com outros artistas? O músico gaúcho logo encontrou uma solução: criar um projeto paralelo. Surgiu, então, The Apple Sound, quarteto formado por ele nos vocais, guitarra, gaita, percussão e, tocando

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com os pés, chimbal e bumbo de bateria; Clegue França, sua companheira à época, no surdo, chocalhos e backings; Laura Wrona, também nos backings, caixa e percussão; e Astronauta Pinguim no órgão. Se com sua banda oficial Júpiter perseguiu a suavidade musical, com The Apple Sound ele desconstruiu suas composições para revelar o que elas tinham de mais primitivo. Entre as inéditas surgidas nesse projeto estão “Strange day” e “Cerebral sex” (que foi gravada em estúdio), que podem ser conferidas, em registros ao vivo, no YouTube.

Em agosto daquele mesmo ano, Flávio, acompanhado de Clegue, foi a Niterói, cidade vizinha do Rio de Janeiro, para colocar voz em “Hey, spaceboy”, música da banda The Dormants, então gravando seu primeiro 51 álbum (o grupo logo trocou seu nome para O Divã Intergaláctico). Ao programa de Internet Mundo Astronauta, Flávio falou sobre essa parceria, que considerou “bem interessante e com resultado muito satisfatório”: “A gente trabalhou com o elemento surpresa de eu não saber exatamente pra onde iria a canção. Isso deixou tudo muito mais instigante: trabalhamos a melodia depois e, antes, readaptamos a canção pras regiões vocais que eu domino melhor”.

Segundo Thunder, nessa fase Flávio comportou-se como um profissional: “Ele segurou a onda, não bebeu. Foi tão legal que a gente pegou a estrada. Fizemos esse modelo de show até 2010, e o Flávio ‘secão’.

Aí pintou o [cineasta] André Peniche e fizemos o clipe de “Modern kid”. O clipe, provavelmente o mais bem-resolvido da carreira de Júpiter Maçã, concorreu ao [prêmio da MTV] VMB em 2009. “Óbvio que ele perdeu porque a categoria era ‘voto da audiência’ e quem ganhou foi o Skank.

Infelizmente, pelo número de fãs, ele jamais iria ganhar”, observa Peniche.

Contudo, diz o diretor, dentro da MTV o clipe era o favorito. “Vinícius Lepore, que até o fim da MTV era o cara que recebia os clipes, dizia ‘Cara, todo mundo pira nesse clipe!’”. Durante a premiação da MTV, Flávio, plenamente sóbrio, conheceu os integrantes da banda Franz Ferdinand.

“Foi muito legal”, afirma Peniche, que colocou Alex Kapranos, vocalista do 51. “Hey, spaceboy” está presente no álbum Psicossomático ou do que as aves são capazes, de 2014.

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Franz Ferdinand, e Júpiter Maçã frente a frente: “O Flávio, com seu inglês meio macarrônico, tentou falar com ele. Queria fazer uma música com o Kapranos. O Alex me deu o e-mail pessoal dele, nós escrevemos pra ele, mas nunca obtivemos resposta. O cara, decerto, nunca tinha ouvido falar do Júpiter, por mais legal que ele fosse. O Flávio tinha essa autoconfiança que, às vezes, extravasava as esferas: ‘Vou falar com ele e o cara vai pirar na minha.’ Ele tinha uma tendência de fazer uma lenda dele mesmo”.

Na virada de 2009 para 2010, Peniche saiu junto com Flávio em turnê pelo Sul do país, ocasião em que fez vários registros audiovisuais. “A ideia era extrair dali imagens para o longa-metragem dele, uma espécie de ‘ópera rock’”, conta Peniche. Outra ideia do diretor era reunir imagens para usar no inacabado clipe da música “Cerebral sex”. Mesmo sem a presença do guitarrista Dustan Gallas, que não pôde acompanhar a turnê, Júpiter decidiu iniciar o registro das músicas que ele e banda vinham criando nos meses anteriores. Ray-Z foi convocado para pilotar a produção em seu antigo estúdio em Porto Alegre, o Udigrudi Records, uma sala alocada dentro do estúdio Soma. Durante os dias que passaram ali, Júpiter e banda gravaram algumas faixas, que permanecem inéditas: a bossa “Before I get drunk”, a dançante “Cerebral sex”, a psicodélica “Six colours frenesi”, a sessentista “Time and fire” e as baladas “Rio de Janeiro blues again” e “Lady of the two time tune”. “A ideia era gravar um disco ao vivo no estúdio, mas eles não estavam tão bem ensaiados para isso e teríamos que fazer overdubs. Acontece que a banda tinha que voltar para São Paulo. Então gravamos o que foi possível”, conta Ray-Z. Nas páginas do livro A Odisseia – Memórias e Devaneios de Jupiter 52 Apple, Flávio usa mais de 50 vezes a expressão “Poder Superior” , oriunda dos programas de 12 passos adotados nas clínicas de recuperação para alcoólicos, as quais, desde sua primeira internação, levado por Thunderbird, tinham se tornado uma constante na vida do artista gaúcho.

Para alegria de todos, familiares e amigos, de 2009 a 2012 Flávio

52. Para o programa de recuperação Alcoólicos Anônimos (A.A.), Poder Superior é um conceito espiritual – nunca religioso – por meio do qual os membros podem manter contato com uma força maior do que si.

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conseguiu manter-se sóbrio. Musicalmente, concentrou esforços no lançamento de singles virtuais, de compactos de vinil e de videoclipes. É o caso, por exemplo, do compacto lançado pelo selo J.A.C.K., do próprio artista, em julho de 2010, que contém as faixas “Modern kid” e “Calling all bands” - esta, produzida por Ray-Z. Flávio Basso também dirigiu o clipe de “Calling all bands”. O resultado, pode-se dizer, saiu melhor do que a encomenda.

Em 2009, Leonardo Bomfim, amigo de Flávio e diretor do videoclipe de “A marchinha psicótica de Dr. Soup”, bateu um papo com o músico para a revista Noize. Bomfim observou que, sereno, Flávio estava bastante diferente da figura errante vista pelas alamedas de Porto Alegre nos últimos anos. O compositor gaúcho voltara a respirar os ares paulistas após uma “temporada” na casa de campo da irmã, Cláudia, onde teve uns tempos de reflexão, mas declarou seu amor pela capital gaúcha na entrevista: “A minha paixão maior, a cidade pela qual sou louco, é Porto Alegre. É impressionante a força que esse lugar exerce em mim”. Na mesma conversa, Flávio prometeu lançar um álbum, possivelmente duplo, naquele mesmo ano. Esse disco, que nunca foi lançado, seria influenciado fortemente por Uma Tarde na Fruteira, mas incorporaria elementos de Plastic Soda e, por que não, de A Sétima Efervescência: “Ele [o disco duplo] segue completando o que vinha sendo feito. É uma sequência, cantado em inglês e português. Eu sempre separava em conceitos, ou em inglês ou em português, e, dessa vez, fecho o conceito na mistura das duas línguas que supostamente domino. Ele talvez seja duplo pra que eu organize o meu relógio, o timing, quero captar o mesmo momento para todas as canções”.

Tecendo uma analogia com os Beatles, o músico definiu-se como um “nowhere plans”: “É um modo de vida existencial, retrato de impotência perante várias circunstâncias que o John Lennon vinha passando”.

Em 2011, um novo videoclipe encorpou a magra videografia de Flávio: “Mademoiselle marchand”. Dirigido pelo fotógrafo Cisco Vasques, o clipe mostrou que Flávio era um habilidoso dançarino, algo que já havia sido visto nos vídeos de “Modern kid” e Calling all bands” (e também, voltando no tempo, de “Eu quis comer você”). Filmado em P&B, 415

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o clipe é estrelado pela modelo Kika Martinez e tem participação da Trupe Absurdo Fantástico, que ficou a cargo das coreografias. Sobre Kika Martinez, Flávio disse: “Transformei ela [no clipe] numa atriz alemã morando na França, com cabelo preto, e que fumava. Ela, na verdade, odeia cigarro, e usou uma peruca. Só uma amiga faz isso, e não foi a única vez que ela fez. Depois do clipe, as amigas dela perguntavam por que ela não adotava aquele visual [do videoclipe]”.

Também lançada no formato videoclipe (dirigido por Roberto Panarotto), “Urban blue/Gothic love” é uma canção avulsa na carreira de Flávio Basso. Segundo Panarotto, “Urban blue/Gothic love” seria o lado A de um compacto de vinil que traria no lado B uma versão gravada e produzida por Ray-Z de “Six colours frenesi”. Lançado em julho de 2011, Jupiter Apple o definiu como seu “clipe de inverno”. O roteiro, diz Panarotto, aproveitou a espontaneidade e verve interpretativa de Flávio Basso. As cenas foram captadas em 2010 num intervalo entre dois shows do músico em Chapecó. “Gravamos ‘Gothic love/Urban blue’ no violão, voz e palmas para criar o clima exato que buscávamos, o clima expressionista/azul de um personagem solitário e melancólico que se refugiava do mundo em uma cabana sombria nas montanhas geladas. Os f lashbacks do parque e das imagens ao vivo demonstravam a loucura/insanidade que ele vinha passando”, explica Panarotto.

Flávio parecia, nesses dias, levar a sobriedade a sério. No depoimento que deu sobre sua participação no Rock in Rio ficou claro o quanto ele evitou situações, lugares e até mesmo pessoas “da ativa”53. “No Rock in Rio 2011, eu estava limpo, não bebia nem usava nada. Conheci a Karina Buhr nos bastidores e ficamos amigos. Toquei com os rapazes da Cidadão Instigado, foi um convite organizado, fiz a minha parte, tudo certinho, e no camarim apareceu o Erasmo Carlos. Nos ensaios eu tinha visto ele e tive a nítida impressão de que ele queria pedir um drink, mas estava tímido. Aconteceram os shows, o Erasmo tocou e arrasou junto com o Arnaldo Antunes. A banda do Erasmo é de jovens rapazotes e eles 53. Expressão usada para definir adictos às drogas e alcoólicos que não se encontram em recuperação.

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são meus fãs. Depois do show, ele veio rindo e me perguntou: ‘Que papo é esse de efervescência intergaláctica?’. Ele fala do mesmo jeito que o Roberto. Eles falam igual: ele, o Roberto e a Wandeca. Em seguida, o Arnaldo Antunes me disse ‘Você é o Andy Warhol brasileiro’. Me convidaram pra jantar, mas agradeci e disse que não. Queria voltar pro hotel. Abracei todo mundo e saí fora”, narrou.

Também em 2011, acompanhado de Clegue França na bateria (ela foi uma de suas últimas e mais duradouras namoradas) e de Felipe Faraco no contrabaixo, Flávio criou o projeto Hamburg Black Cats, batizado em homenagem ao movimento dos artistas plásticos de Hamburgo do qual fizeram parte Klaus Voormann e Astrid Kirchherr (ela “criou” o corte de cabelo “playmobil” dos Beatles). “Os Gatos Negros de Hamburgo é uma homenagem ao movimento de todos aqueles artistas plásticos, que vai de 1961 a 1964, basicamente durante o estouro da beatlemania”, definiu Flávio. A divulgação do trio anunciou: “Selvagem, dançante, experimental, orgânico e electro! Mais uma faceta de Jupiter Apple que você nunca viu”. Em sua carta de intenções, a Hamburg Black Cats

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proclamou-se uma “mistura de música eletrônica, distorção, programações organo-electro total”. O grande momento da banda foi quando tocaram num festival, em São Paulo, ao lado de The Kills e Space Rave. Felipe Faraco, no entanto, diz que os Hamburg Black Cats, no fundo, eram somente um pequeno “golpe” de Flávio (assim como The Apple Sound), um jeito de diminuir o tamanho da banda para ficar com um cachê de maior valor. “Hamburg Black Cats era mais a gente viajando e dando risada”, desmistifica Faraco.

Roberto Panarotto, que assistiu os Hamburg Black Cats em Chapecó, deixou suas impressões: “Um lance totalmente mecânico, um baixo marcado e dançante e uma bateria acústica tribal que formam uma massa sonora para que Jupiter interprete suas canções apresentando novas possibilidades”. Panarotto também fala sobre o excelente momento de saúde que Flávio atravessava e que se manifestava em sua música: “Pra mim, esses são os melhores shows. O show em que tu vê o artista no domínio de sua obra, tinindo de maneira muito legal, em estado de consciência pura. Quando dominamos esses aspectos sensoriais, temos certeza de que o que fazemos atinge as pessoas de maneira legal e positiva”.

Com menor assiduidade, Flávio continuou sendo notícia nos principais jornais brasileiros. No Correio Braziliense de 13 de outubro de 2011, a deferência é direta: “Uma enciclopédia sobre o rock brasileiro não estaria completa sem um capítulo dedicado à trajetória do gaúcho Flávio Basso”. O jornal enfatizou o excelente período que Jupiter Apple estava vivendo depois de superar os problemas com o álcool e noticiou que ele estava produzindo com Thomas Dreher seu novo álbum bilíngue: “Tenho tocado todos os instrumentos. São músicas que traduzem o meu dia a dia, um reflexo da minha essência”. O disco nunca finalizado, conta Dreher, se chamaria War. Flávio aproveitou a entrevista para listar os artistas que andava ouvindo: “Yeah Yeah Yeahs, Franz Ferdinand, Stereolab e o disco Beggar’s Banquet, dos Stones”.

Também naquele ano, em Londres, Flávio masterizou 37 faixas de seu repertório para editá-las num box set, projeto que tinha tudo para ser 418

Modern kid

bem-sucedido, mas infelizmente ficou apenas na promessa. Flávio trabalhou com Simon Gibson, profissional que participou da remasterização dos discos de seus ídolos máximos, os Beatles. Quanto ao repertório que estaria no box set, Flávio disse: “Eu me coloquei no lugar do público e selecionei aquilo que ele consideraria o filé da minha produção.

De uma maneira bem distribuída e gostosa de ouvir”, comentou.

Foi em 2011 que a faceta cênica de Flávio Basso alçou seu voo mais alto. Dirigido por Beto Brant e Cisco Vasques, o curta-metragem Kreuko faz parte do filme coletivo Mundo invisível, idealizado por Leon Cakoff e Renata de Almeida e que conta com 11 segmentos, dirigido por diretores de diferentes nacionalidades, entre eles, os portugueses Manoel de Oliveira e Maria de Medeiros, o alemão Wim Wenders e a brasileira Laís Bodanzky.

Na trama, o personagem Kreuko, interpretado por Mauricio Paroni de Castro, é tomado pela loucura e narra versões pervertidas de cenas de peças de William Shakespeare. Mudo, com exceção do monólogo inicial do protagonista, e com uma ambientação inspirada no cinema expressionista alemão, o curta tem clima onírico, repleto de simbolismos. Sonia Braga e

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José Wilker fazem parte do elenco. Na tela, Flávio Basso não é mostrado contracenando com eles. Entretanto, nas preparações para as filmagens, o músico participou de alguns exercícios cênicos com a musa do cinema brasileiro. Em um deles, capturado em vídeo, Basso interpreta em inglês, de forma improvisada e visceral, uma cena no qual ele, um homem agonizante, é rejeitado por uma mulher (Braga) até morrer em seus braços.

A coletânea, revela Thomas Dreher, teria um CD chamado Pop Collector Vol. 1 com as seguintes faixas: “Modern kid”, “Um lugar do caralho”, “Carvão sobre tela”, “Menina super Brasil”, “Mademoiselle marchand”, “Lovely riverside”, “Seventy man”, “As tortas e as cucas”, “Essência interior”, “Bridges of Redemption Park”, “A marchinha psicótica de Dr. Soup”, “Calling all bands”, “Gothic love/Urban blue”, “Beatle George” e “Lady Barrett Jones”.

Sobre o período pré-reabilitação, Flávio romantizou: “Acho que estive íntimo da morte umas quatro ou cinco vezes. Essa coisa meio pirata, meio Keith Richards. Reconheço a autenticidade do artista que se apresentava naquela época e que vivia em hotéis antigos, com o equipamento elétrico desligado, exceto abajur e ar-condicionado. Com a luz baixa, fumava, tomava drinques, recebia poucas pessoas – algumas garotas e amigos, lógico. E escrevia algumas coisas. Mas não escrevi coisas tão legais nesse período. Depois, eu entrava numa van já ‘altinho’ e ia para o show. E quando subia ao palco, já estava bem alto”.

Ainda em meados de 2011, Flávio Basso decidiu ter seu próprio escritório para administrar sua carreira e montou, junto da namorada Clegue França, numa sala alugada no centro de Porto Alegre, a Jupiter Apple Corporation & Kingdom, que ele chamava simplesmente de “J.A.C.K.”. Ele explicou a tardia decisão: “Eu já era um homem feito e nunca tinha me preocupado com advogados, contadores, nem seguranças, então resolvi abrir a minha própria empresa”. Também fazia partes dos planos da J.A.C.K. ter um canal ativo no YouTube para postar vídeos que deixariam seus fãs informados sobre sua carreira. No vídeo intitulado “Welcome to the J.A.C.K. TV”, Jupiter, acomodado em sua escrivaninha, saúda seus amigos de todas as preferências filosóficas, sexuais e religiosas 422

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– de “inclinações mil”: “É com muito carinho que estou anunciando a criação da J.A.C.K. TV. A gente vai passar a se comunicar mais. Vou postar coisas que me interessam, curiosidades, coisas da minha vida, enfim, particularidades. Além da minha coleção oficial de vídeos”.

Jupiter Apple explicou que “Jack” queria dizer “Zé Ninguém, sujeitinho, um nome genérico que a polícia londrina do século 19 dava aos malandros”. Conceitos para a recém-criada J.A.C.K. não faltavam, mas a empresa existia mais no plano da fantasia do que no real. Uma das inspirações artísticas do empreendimento, contou Flávio, foi a “arte fálica” de Andy Warhol. “Para a comunicação visual da J.A.C.K., escolhi as imagens mais fálicas possíveis: uma maçã simbolizando os testículos e uma banana simbolizando o pênis. Dizem as más línguas que Andy Warhol era um pouco assexuado, talvez fosse um cara muito na dele.

Portanto, eu dei à J.A.C.K. um pênis de Andy Warhol, ou seja, a banana da capa do disco do Velvet Underground. Aquele disco é aquela capa, e vice-versa. Pra deixar tudo bem claro, dei testículos Beatles, uma maçã.

Portanto, a J.A.C.K. tem testículos Beatles e pênis de Andy Warhol”, disse em A Odisseia.

Em 23 de novembro de 2011, sob o signo fálico da J.A.C.K., aconteceu no bar Opinião a gravação do primeiro DVD de Jupiter Apple, que, dessa vez, transcorreu sem maiores incidentes. Acompanhado no palco dos músicos Astronauta Pinguim, Júlio Cascaes, Felipe Faraco e Julio Sasquatt (que além de baterista, atuou como vendedor de shows do cantor por muito tempo), e repleto de convidados, o DVD Six Colours Frenesi é um prato cheio para os fãs, que esperaram até 2014 para vê-lo lançado oficialmente (de forma totalmente independente). Para animar a festa, Flávio, em exemplar forma, convidou parceiros de longa data como Nei Van Soria (com o qual interpreta uma belíssima versão de “Lobo da estepe”), Bibiana Graeff, Hique Gomez e Marcio Petracco com seu Conjunto Bluegrass Porto-Alegrense. Em certa passagem do show, os Hamburg Black Cats acompanham Jupiter para tocar “Essência interior” em versão beirando o rock industrial. O show registrado pelo DVD celebrou todos os “universos jupiterianos” ao incluir canções como “A marchinha 423

J ÚPITER M AÇÃ: A EFERVESCENTE VIDA & OBRA

psicótica de Dr. Soup”, “Modern kid”, “Síndrome de pânico”, “So you leave the hall”, “Beatle George”, “Eu e minha ex”, “Um lugar do caralho” e “Cachorro louco”, um grande hit dos Cascavelletes.

Bibiana Graeff conta que o convite de Flávio para tocar acordeon em “Mademoiselle marchand” ao lado de Hique Gomez e seu violino foi fundamental para que ela voltasse a fazer música, da qual havia se afastado por um tempo. “Tudo se deu meio na correria”, ela situa. Bibiana encontrava-se em São Paulo, sem acordeon para ensaiar, coisa que fez num teclado, e viu-se repentinamente no palco do Opinião: “Foi um momento muito especial porque no camarim estava um clima lindo. O Flávio estava ótimo, todo mundo muito bem. Dei uma treinadinha, no camarim mesmo, com o Hique Gomez. Uma das coisas que me deixaram mais feliz foi que me senti muito à vontade no palco. Não fiquei nervosa, não deu stress. Foi muito bonito, muito legal, muito prazeroso. Me deu a confiança de novo: ‘Poxa, vale a pena eu voltar a tocar. Faz sentido e eu gosto muito disso’”, reconhece Bibiana.

Para o baixista Felipe Faraco, a gravação do DVD foi estressante, embora hoje ele consiga rir de tudo o que aconteceu. “Faltava uma semana pro show e não tinha o multicabo pra gravar o som da sala do Opinião. Por outro lado, o Flávio chamou um DJ francês pra discotecar.

Era típico do Flávio se preocupar com a roupa, por exemplo, e não se preocupar com o resto. Foi tudo muito corrido. A gente passava tirando sarro e brigando um com o outro, mas nunca era uma briga séria. Parecia coisa d’Os Trapalhões – era tudo meio mal feito, mas no final as coisas aconteciam. Lembro que arrumei um [piano] Wurlitzer pro Flávio tocar, de graça, e, pro meu espanto, ele preferiu tocar com meu piano vagabundo que, no DVD, aparece em ‘Eu e minha ex’. Eu disse pra ele: ‘Flávio, esse piano é muito ruim, eu tenho vergonha de tocar com ele’. E ele: ‘Não, não, tá ótimo’. Ele estava mais interessado em aspectos como iluminação do que com os instrumentos que ia tocar, o que, se tu pensar, é bizarro”, considera Faraco.

Na opinião de Faraco, o resultado final do DVD podia ter sido muito melhor, sobretudo porque o chamado “rock gaúcho” é 424

Modern kid

extremamente mal documentado, mas ele registrou para a posteridade um grande momento de Jupiter Apple ao vivo. “A importância do DVD é que, bem ou mal, dá pra ver o Flávio em grande fase e não aquele bêbado rolando no chão e sendo uma piada. Sendo o músico foda que ele era. Isso que é o grande lance, ainda que eu tenha certeza que poderia ter sido muito melhor. Poderia ter sido um ‘DVD da Madonna’ dentro das medidas do Flávio, mas foi simplesmente um registro do que era um show do Flávio e suas composições”.

Para cuidar das questões de ordem técnica do DVD, que contou com a produção-executiva de Roberto Rubim (um fã que virou “patrocinador”), Flávio chamou seu fiel escudeiro Thomas Dreher, que levou para o Opinião um estúdio móvel que, segundo Jupiter, “parecia um órgão de tubos, um dinossauro”. Recordou Flávio: “Ele [Thomas] ficou com fones de ouvido no estúdio móvel e não viu o show, ficou trabalhando, ouvindo e mixando o som. Nós providenciamos tudo que precisava pra [gravar] um DVD: canhões de luz, palco, tudo, com muita pressão e correria. O Opinião estava quase lotado, o que foi ótimo, porque facilitou a movimentação dos cameramans, e eu queria uma estética que é da minha escola, ou seja, Fellini, Polanski, Richard Lester, que é o diretor do filme dos Beatles, François Truffaut, Godard, etc.”. Confiante, Flávio prometeu: “No meu próximo DVD eu vou radicalizar mais ainda essa linguagem”.

425

ENTREVISTA

Rio curvilíneo por Cristiano Bastos Revista Bizz, fevereiro de 2007.

A

A cédula de identidade não mente: o cara se chama Flávio Basso. Com esse nome de ascendência italiana, ele foi frontman dos Cascavelletes, uma das bandas que inventou o rock no Rio Grande do Sul e cuja (má) fama está registrada em artefatos como “Menstruada”, “O dotadão” (gravada pelos Ratos de Porão) e “Minissaia sem calcinha”.

Nos vetustos 1989, Basso protagonizou um dos grandes momentos de picardia do rock brasileiro, quando o semi-hit “Nega Bom Bom” (do refrão bubblegum “Bom-bom-bom faz aquela nega do outro lado daquela rua / Baby / Punhetinha de verão”) entrou na trilha sonora da novela Top Model.

Flavio Basso, então, saiu de cena. Voltou realinhado, anos mais tarde, folk e dylanesco, como Woody Apple – mas também foi fogo de palha.

Transformou-se em Júpiter Maçã, alcunha com a qual lançou o clássico A Sétima Efervescência, com devidos créditos a Timothy Leary, Albert Hofman e aos laboratórios Sandoz.

Mas não durou.

Num ataque semântico-artístico, renomeou-se outra vez como Jupiter Apple e adotou o inglês para embarcar de vez no desbunde do álbum Plastic Soda (1999). Em Hisscivilization (2003), a criatura seguinte, deu um passo a frente ao testar sonoridades que – é preciso perseverança, às vezes – não se decidem entre o indigesto e o incompreendido.

O lançamento do próximo rebento, Uma Tarde na Fruteira (que não é mais segredo desde que vazou na web), já está engatilhado. Sai primeiro na Espanha, em julho, pelo selo madrilenho Elefant. Pouco depois, será lançado no Brasil pela gravadora Monstro Discos. Enquanto isso não acontece, Júpiter 477

J ÚPITER M AÇÃ: A EFERVESCENTE VIDA & OBRA liberou um aperitivo para aplacar a curiosidade dos fãs: Bitter, um álbum com canções assinadas por ele e Bibmo (sua atual consorte e companheira de banda).

Bitter é gravado em inglês, no melhor estilo take one – rápido e cru. Outra novidade é a reedição de A Sétima Efervescência, no segundo semestre de 2007, acrescido de quatro faixas bônus dos tempos dos Pereiras Azuis, banda que o acompanhou no início da sua imersão psicodélica.

Recém-chegado da Inglaterra e ainda tentando achar a chave para voltar para “dentro da casinha”, em Porto Alegre, Júpiter Maçã deu essa entrevista exclusiva para a revista Bizz. Depois, ele pretende marcar a coletiva de imprensa “Bed In II – Beatnik Talks”, onde quer reunir cerca de 30 jornalistas (!) no quartíbulo de hotel onde mora no centro de Porto Alegre.

“Mais do que coletiva, o encontro terá clima de happening, juntando música, artes e bate-papo”, diz. Se você tem alguma idéia a respeito do universo e dos códigos jupiterianos, já sabe: não espere dele respostas convencionais para perguntas “mais ou menos convencionais”. Ou você acha que é todo o mundo que fica um mês sem tomar banho, que se diz um “encantador de um rio curvilíneo” e que, um belo dia, acorda e pensa que é o John Lennon em pessoa?

Em Uma Tarde na Fruteira (pelo que já podemos ouvir nas nossas cópias falsificadas) você assume uma cultura tropicalista. Já em Bitter, o tráfego de influências é o oposto: new wave, pós-punk, Dylan, Stones fase Emotional Rescue, Jefferson Airplaine, Buzzcocks, The Jam. Onde estava com a cabeça quando redirecionou sua musicalidade para o rock de língua inglesa?

Júpiter – Andava meio zonzo... Mas, na realidade, sempre fui o mesmo. Minhas influências já fazem parte de mim. Portanto, não importa por quais caminhos eu ande – o fato é: a canção não está diretamente ligada à influência em si e, sim, a uma espécie de complemento da existência. Algumas vezes soa melhor e, em outras, é melhor ainda! It’s getting better all the time!

Por que lançar Uma Tarde na Fruteira primeiro na Espanha?

Júpiter – Porque, na real, foi o único selo que se interessou pelo disco antes de qualquer outro.

Em três músicas do disco (“Síndrome de pânico”, “Beatle George” e “Casa de mamãe”) você evoca eflúvios alcoólicos. O componente etílico 478

Entrevista interfere no seu processo de composição?

Júpiter – Sou obcecado por chá, todavia, nunca tive coragem de assumir. A propósito, o vinho espanhol é bem interessante.

Como foi o seu encontro com Sean Lennon?

Júpiter – Foi como encontrar meu cúmplice!

Quando lançou A Sétima Efervescência, em 1996, tinha noção do culto que o álbum teria com o passar dos anos?

Júpiter – Na época, não tinha noção do que iria acontecer. Era um período em que eu era um solteirão, dormia em praças e tomava o café da manhã no Bar João [lendário moquifo da Avenida Oswaldo Aranha, em Porto Alegre, tragado pelo empreendedorismo imobiliário]. Na real, eu não sabia o quanto estava inspirado. Foi uma época lisérgica, sim! Uma década depois eu entendo a importância deste álbum, do quanto ele mexeu com a vida de algumas pessoas.

Na nova capa, elaborada para a sua reedição, particularmente, me pareço bem melhor – pareço Syd Barrett... [risos] Ele foi remasterizado, mas mantém as características originais. Foi um disco que me surpreendeu – e me assustou – quando se tornou um clássico com vida própria.

Recentemente, A Sétima Efervescência foi eleito o melhor disco do rock gaúcho numa votação com 50 especialistas do Rio Grande do Sul. Isso te toca?

Júpiter – A lisonja me pegou de surpresa quando eu tinha 15 anos, portanto, já sei lidar com este tipo de sensação há bastante tempo. Quando me elogiam em excesso, posso reagir como Liam Gallanger ou Bob Dylan, mas não me importo. Pra você ver, hoje acordei pensando que era John Lennon...

Em “Golden light”, de Bitter, a Bibmo evoca alguns vocais que lembram Grace Slick nos tempos do Jefferson Airplaine. Esses vocais, que as vezes parecem os duetos que Slick fazia com Paul Kantner no Airplaine, transportam diretamente praquele climão São Francisco, White Rabbit, LSD...

Júpiter – A Bibmo me encontrou morando num quarto de hotel no centro de Porto Alegre. Ela me salvou daquele quarto de hotel. Foi lá que bati meu recorde: um mês sem tomar banho. Grace Slick tinha a mesma fama... O LSD e a química que ele ocasionou no mundo mudaram contextos e, de certa 479

J ÚPITER M AÇÃ: A EFERVESCENTE VIDA & OBRA forma, mudaram o mundo também. Hoje, vivendo com a Bib, eu tomo banhos.

Não sei se vou morar em Nova Iorque ou em qualquer outro lugar do mundo, mas a expectativa é que os próximos álbuns me levem a traduzir e a concretizar mais e mais – tanto no plano da existência como no da experiência.

Dizem por aí que você anda chafurdando na literatura beatnik. Na busca do quê: escrita automática, jazz, acampamentos e fogueiras, vagões de trem, comida enlatada, vagabundos iluminados?

Júpiter – Respondo com um aforismo beat de minha lavra: “A partir do momento em que você simplesmente se rende a sua existência e procura um novo lugar pra viver um segundo de cada vez, o resto é consequência”.

Até que ponto a Madonna – que você sempre cita – é mais uma influência?

Júpiter – Na inveja. Tenho inveja de duas pessoas: Madonna e Bob Dylan. Não tenho inveja do David Bowie... Nem do Lou Reed.

E suas incursões cinematográficas? Depois da realização de Apartament Jazz e Pescando Júpiter Segundo Huxley, qual seu novo projeto de filme?

Júpiter – Depois que disseram que eu precisava de uma plástica para não parecer mais a Giulietta Masina [atriz de cinema italiana e esposa do cineasta Frederico Fellini], resolvi dar um tempo pra câmera [risos].

O clipe de “Eu quis comer você” dos Cascavelletes no Programa da Angélica virou hit no YouTube. Dá impressão que ninguém fazia a mínima idéia do conteúdo altamente sacana da letra. Como você explica isso, assistindo o vídeo quase 20 anos depois?

Júpiter – O Lobo Mau tem a resposta. Os Beatles também!

E hoje, você renega aquele Flávio Basso com pinta de Mick Jagger ou espreme no seu caldo musical?

Júpiter – Já o engoli!

Os Cascavelletes têm uma porção de hits. Tem gente que conhece as músicas da banda nos recantos mais absurdos do Brasil. Ainda há lugar para 480

Entrevista reminiscências daquela fase?

Júpiter – Sou uma espécie de gene embrionário nos Cascavelletes.

Logo, tudo que tenho feito desde então é sequência daquilo que pode ser considerado – ou não – um resultado sonoro “similar” ao dos Cascavelletes.

Você se orgulha dessa fase? Como definiria os Cascavelletes?

Júpiter – Caras muito bacanas agora e, ontem, um cantor super babaca – eu! Mas um ótimo dançarino, é verdade, como pode ser observado no vídeo de “Eu quis comer você” [risos].

Algum déjà vu – ou flashback – na volta temporona dos Cascavelletes aos palcos?

Júpiter – Sim, eu era tão babaca... Uma vez o Nei Van Sória me chamou num canto e disse: “Eu sou um cara muito inteligente, mas você é um gênio. E você sabe que um gênio não sabe comer filé a parmegiana sem sujar as calças brancas, né?”.

O que viu de legal na temporada que passou em Londres?

Júpiter – Me tornei a husband da Bibmo. Acordava as dez da manhã pra comprar manteiga. No caminho, eu bebia um refrigerante. Eu era um poeta das docas, um encantador de um rio curvilíneo, the best and the worst – saca?

Como foi tocar por lá? Acredita que o público o tenha compreendido?

Júpiter – Modéstia realmente à parte, se facilitar, ficaremos muito famosos...

481

ENTREVISTA

Em busca de expansão por Pedro Brandt Versão completa de entrevista publicada, de maneira reduzida, pelo jornal Correio Braziliense em 13 de outubro de 2011.

D

Desde o álbum Uma Tarde na Fruteira você tem sido mais Apple do que Maçã, compondo basicamente em inglês. Por que?

Júpiter – Não existe uma linearidade no meu sistema de composição.

Eu sou uma antena ambulante que capta as sintonias, as vibrações dessas informações que podem chegar em inglês ou português. Por ora, eu estou mais à vontade assinando Apple. Mas quando eu preciso de uma coisa mais tropicalista, eu sou mais Maçã. O Maçã é mais divertido e o Apple é mais cientista. Eu sou o mesmo cara, mas Apple é mais incisivo e mais, acredito eu, fácil para as pessoas pegarem toda a gama de coisas que eu acabo abrindo na minha obra. Mas eu tenho misturado inglês, português e francês – com as poucas palavras que eu conheço de francês, até, de certa forma, homenageado um grupo de quem sou fã, e que me influenciou muito em determinado período, que é o Stereolab, que também mistura inglês e francês.

Você esteve recentemente em Londres, masterizando músicas no estúdio Abbey Road. Que material é esse?

Júpiter – Eu estive em London para masterizar 37 faixas, que devem sair em um box set meu, de quatro ou cinco CDs; mais um de vinhetas, filmes e poemas. Trabalhei 16 horas com o Simon Gibson, que remasterizou os discos dos Beatles. Ele me mostrou o estúdio B, o grandão, onde os Beatles gravaram, vi o piano usado em “Rock and roll music” e “Long tall Sally”; o [órgão] Hammond usado em “Mr. moonlight”. Foi emocionante! Sobre a seleção de músicas, eu me coloquei no lugar do público e escolhi aquilo que eles considerariam o filé da minha produção. De uma maneira bem distribuída e gostosa de ouvir. As 483

J ÚPITER M AÇÃ: A EFERVESCENTE VIDA & OBRA minhas músicas tiveram aquele “toque Abbey”. É lógico que a tecnologia avançou, e eles têm os melhores equipamentos, mas mantém um padrão.

Sempre vai soar como Abbey Road. Mas não prometo esse box para este ano.

E esse box teria também algumas raridades, músicas inéditas?

Júpiter – As raridades estariam mais na parte plástica desse box, com muitas fotos. Mas eu realmente não prometo para este ano, a J.A.C.K. tem de estar num bom momento para produzir algo que não fique tão caro para a minha audiência. Antes disso, porém, eu lanço um álbum novo, em CD e vinil.

Estou muito excitado com esse projeto.

Você tem muitas músicas que nunca foram lançadas oficialmente, mas que circulam em gravações de shows ou ensaios pela Internet – e é muito comum ver comentários dos fãs sobre esse material, de que seria um crime ele não ser lançado oficialmente de alguma forma. Pensa em resgatar esse repertório?

Júpiter – Olha, você me deu uma grande ideia: reprocessar essas músicas, lançar um disco só com elas, “As Esquecidas”... “The Outsiders Songs”. “The Outsider Crime” é um bom título – pois seria um crime elas ficarem de fora... Tá vendo? Fluiu em inglês! É natural, como eu disse antes.

Mas, realmente, seria interessante juntar essas músicas e dar um tratamento de áudio legal, pois elas são legitimamente lo-fi. E as pessoas parecem estar mais abertas a esse tipo de sonoridade hoje em dia. Lançar isso não seria para agora, entretanto, mas vou prestar atenção nisso.

Além de “Modern kid” e “Calling all bands”, gravadas recentemente, essas outras músicas que você tem mostrado em shows, como “Six colours frenesi” e “Cerebral sex”, podem aparecer no novo álbum?

Júpiter – Não necessariamente. “Modern kid” e “Calling all bands”, com certeza. “Six colours frenesi” também. Elas são o aperitivo desse disco.

Mas elas são fofinhas perto do que eu estou preparando – There will be something heavy there (“vai rolar coisa pesada ali”).

E quando sai esse próximo disco de inéditas? Que audições podem influenciar esse novo álbum?

484

Entrevista Júpiter – Estou em estúdio, com o Thomas Dreher, coproduzindo.

Tenho tocado todos os instrumentos. A batida está muito “urban” – mas não como no Hisscivilization, que aponta para um futuro muito distante, mas para o agora. São músicas que traduzem bem o que estou vivendo no momento, um reflexo da minha essência. Terá músicas em inglês e em português. Não diria que estas bandas me influenciam sonoramente – e queria deixar isso bem claro –, mas em sensações: Yeah Yeah Yeahs, Franz Ferdinand... Quem mais? O disco Beggar’s Banquet, dos Stones – o canto do cisne do Brian Jones e, para mim, a obra-prima da banda. Ah, e claro, o bom e velho Stereolab. Mas como eu disse, são as sensações, não as sonoridades dessas bandas: você não vai encontrar músicas que se pareçam com elas. Deve sair este ano ou no próximo.

Como foi para você tocar no Rock in Rio, dividindo o palco com a banda Cidadão Instigado?

Júpiter – Eles tocam as minhas músicas maravilhosamente. Como a música deles me é menos familiar, eu tentei colocá-las na minha escola. Diria que soou instigante.

Nos últimos anos você tem vivido entre São Paulo e Porto Alegre.

Onde se sente melhor?

Júpiter – Para parir, dar à luz, eu prefiro Porto Alegre. Gosto de São Paulo para sociabilizar, tenho uma nata de amigos lá. Em London eu me sinto em casa. Mas não sei se escrevi mais do que quatro ou cinco canções lá. O poeta maior dá as caras em Porto Alegre. A sede da J.A.C.K. – Jupiter Apple Corporation and Kingdom – é aqui.

Qual vai ser a formação do show em Brasília?

Júpiter – Astronauta Pinguim, no órgão, moog e teclados; Felipe Maia na batera, Julio Cascaes na guitarra; Felipe Faraco no baixo e eu como crooner e guitarra autoral. Tecnicamente, o meu instrumento é o contrabaixo. Mas, apenas cantando, eu me concentro mais no sentimento da interpretação.

E o repertório?

Júpiter – Os meus clássicos, mas com uma pegada “on the floor”, bem pesada, bastante electro – somos cinco pessoas no palco, mais um computador.

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J ÚPITER M AÇÃ: A EFERVESCENTE VIDA & OBRA Vai ter também um momento João Gilberto e algumas novidades, umas surpresas, algo do álbum novo.

Você se reconhece naquele Júpiter pré-rehab?

Júpiter – Acho que estive íntimo da morte umas quatro ou cinco vezes.

Essa coisa meio pirata, meio Keith Richards. Reconheço a autenticidade do artista que se apresentava naquela época. Era um artista que vivia em hotéis antigos, com o equipamento elétrico desligado, exceto abajur e arcondicionado. Com a luz baixa, fumava, tomava drinques, recebia poucas pessoas – algumas garotas e amigos, lógico. E escrevia algumas coisas. Mas não escrevi coisas tão legais. Depois, eu entrava numa van já “altinho” e ia para o show. E quando subia no palco, já estava bem alto.

Você já buscou autoconhecimento fazendo psicoterapia ou análise, são coisas que te interessam?

Júpiter – Com certeza. Sou uma pessoa que tem acompanhamento.

Sou completamente a favor dos métodos e terapias pró-get-out-of-alcohol (“se livrar do álcool”).

Qual considera o seu pior defeito? E a maior qualidade?

Júpiter – Meu ego. O ego está no cerne, no âmago da sua essência.

Dali, vem minha maior qualidade. Às vezes, reconheço que tenho acesso à genialidade e posso me tornar petulante. Na verdade, eu sou um amor de pessoa. Eu encaro a genialidade com naturalidade, mas eu a busco. Acho que quando os navegadores pegavam um barco, eles buscavam uma terra nova. Não me considero satisfeito com ilhotas, eu quero um continente. Esse é o perigo, ser confundindo. E o ego é a linha central da hipercomunicação social.

Na canção “Doenças de alma”, uma dessas suas músicas “perdidas”, você fala sobre o número sete, um número místico, pois de sete em sete fase, todas as coisas se transformam. Você está com 43 anos, ou seja, há um ano, entrou em mais um ciclo múltiplo de sete. O que espera desse ciclo?

Júpiter – Expansão, em todos os – bons – sentidos.

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CRISTIANO BASTOS | PEDRO BRANDT

Segunda edição Novembro 2021 Projeto gráfico | Direção de arte

R A FA E L C O N Y

Uma publicação

NOVA L I V R O S

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Impressão

Tipografia: Futura Xblk e Calisto MT. Papel de capa: Cartão 300g/m² - Supremo Alta Alvura - Suzano.

Papel libretos de fotos: Couché fosco 115g/m² Prima Press + CMPC. Papel do miolo: Offset 115g.

Livro é cultura, beibe!

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Cristiano Bastos: autor dos livros Gauleses Irredutíveis – Causos & Atitudes do Rock Gaúcho, Julio Reny – Histórias de Amor & Morte (Prêmio Açorianos 2015 de melhor livro) e Nelson Gonçalves – O Rei da Boemia.

Em 2019, publicou a obra de jornalismo Nova Carne Para Moer: Seleção de Textos Sobre Cultura Pop, Grandes Reportagens, Entrevistas, Perfis e Artigos. Também é idelizador do livro 100 Grandes Álbuns do Rock Gaúcho.

Pedro Brandt: jornalista brasiliense e assessor de imprensa, trabalhou por uma década em editorias de cultura de periódicos da capital brasileira. Articulista e fundador do blog raiolaser.net, especializado em crítica e análise de histórias em quadrinhos. Lança artistas de rock pelo selo Discos Além.

A EFERVESCENTE VIDA & OBRA 2² edição

Esta biografia repassa a trajetória do multifacetado cantor, compositor e multi-instrumentista Flávio Basso (1968-2015), músico que integrou as bandas de rock TNT e Cascavelletes e, em carreira solo, lançou discos com os pseudônimos Júpiter Maçã e Jupiter Apple.

Ao longo de quase 500 páginas, o livro traça a vida do biografado do nascimento à morte, passando por suas vitórias (uma irregular, porém cultuada, carreira de rockstar – quase incomparável no Brasil) e tragédias (alcoolismo, a morte precoce de seu único filho) com riqueza de detalhes, revelações e informações inéditas e, ainda, farto material fotográfico.

Mercurial e afeito a mudanças radicais, Júpiter Maçã é autor do hit “Um lugar do caralho” e trabalhou, em suas canções, influências que passam pelo rock inglês de Beatles, Rolling Stones, Kinks, The Who, Pink Floyd e também por fontes como Bob Dylan, Bossa Nova, Tropicália e o som dos grupos Stereolab e Franz Ferdinand. A Sétima Efervescência (1997), seu cultuado disco de estreia, costuma integrar listas de melhores álbuns tanto do rock gaúcho, como da música brasileira; e seu legado artístico continua a ecoar, influenciando outros músicos e arregimentando novos fãs.

A primeira versão desta biografia, lançada em setembro de 2018, rapidamente se esgotou. Esta nova edição, além de ajustes e detalhes ausentes na primeira versão do livro, apresenta novo projeto gráfico, mais fotos e cinco opções de capa.

NOVA L I V R O S

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