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DICA CULTURAL

DPA

Reforma 500 anos

MargoT KäSSMann, pastora e teóloga alemã, ex-bispa da Igreja Evangélica de Hannover e ex-presidente do Conselho da Igreja Evangélica da Alemanha (EKD, sigla em alemão), será a embaixatriz da denominação para as celebrações do jubileu da Reforma 2017. A partir de 2012, ela vai coordenar os preparativos para as comemorações dos 500 anos da fixação das 95 Teses de Martim Lutero na Schlosskirche (Igreja do Castelo, em Wittenberg).

A Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB) concedeu o Prêmio Margarida de Prata, na categoria longa-metragem, a Dorrit Harazim e Arthur Fonseca, realizadores do documentário “Família Braz – Dois Tempos”. Dez anos depois de documentar o cotidiano de uma família do bairro popular de Brasilândia, em São Paulo, a dupla de cineastas voltou ao mesmo lugar e buscou os mesmos personagens para mostrar as transformações ali ocorridas.

Pastor ouvidor

Divulgação Novolhar O PASTOR TeobalDo WiTTer, 60, DA IGREjA EVANGéLICA DE CONFISSãO LUTERANA NO BRASIL (IECLB), FOI ESCOLHIDO DE UMA LISTA TRÍPLICE PELO CONSELHO ESTADUAL DE DIREITOS HUMANOS (CEDH-MT) E NOMEADO PELO GOVERNADOR SILVAL BARBOSA PARA A FUNçãO DE OUVIDOR DA POLÍCIA DO ESTADO DE MATO GROSSO.

DICA CULTURAL

Nas asas do vento

Em sua origem, a palavra latina anima significa “sopro da vida”. Desde 2007, ela tem sido emprestada para dar nome ao grupo Anima, formado por estudantes e professores da Faculdades EST, de São Leopoldo (RS). Nesses quatro anos, o grupo tem se destacado como um dos mais importantes propositores da renovação musical e litúrgica da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil.

Em seu segundo CD, “Nas asas do vento”, o grupo Anima traz canções da hinologia contextualizada de compositores brasileiros como Edson Ponick, Cláudio Kupka, José Acácio Santana e de seu próprio fundador e mentor Rodolfo Gaede Neto. Há também interpretações de compositores estrangeiros. Ao todo são dezessete músicas, muito bem arranjadas e executadas.

Destaques para a faixa 6, “Pelas dores deste mundo”, já traduzida para vários idiomas e internacionalmente conhecida, e para a faixa 8, “O exemplo de Cristo”, uma composição antiga de Gaede que ganhou maravilhosa roupagem sertaneja.

Esse CD apresenta canções cuja mensagem é comprometida com a vida, a justiça, a paz e a integridade da criação. Numa época repleta de celebridades pop religiosas, portadoras de mensagens duvidosas, o CD do grupo Anima é certamente uma bela opção cultural.

Reprodução Novolhar

Zaneta Hardy

Nossas j nosso apr

A VIDA DO SER HUMANO é FEITA DE PERDAS E GANHOS, OBSTáCULOS E CONQUISTAS, LáGRIMAS E SORRISOS. E SãO AS leMbrançaS E SuperaçõeS QUE CONSTROEM A BASE DAQUILO QUE SOMOS. SEjAM BEM-VINDOS à ExISTêNCIA!

por Luciana Thomé

Na vida, passamos por diferentes idades. Algo que pode ser comparado a um álbum de fotografias, com imagens guardadas em ordem cronológica, trazendo diversos registros. As descobertas do bebê, os primeiros sorrisos da criança, as brincadeiras e o colorido. A rebeldia do jovem e as primeiras decisões do futuro. A responsabilidade do adulto e as conquistas na família e na profissão. A estabilidade emocional e o conhecimento do adulto maduro. São etapas que trazem dores e obstáculos a serem superados, mas que também proporcionam beleza e felicidade. A vida é imprevisível, e nem sempre estaremos

ornadas, endizado

preparados para tudo. No entanto, guardar o que nos faz felizes, como fotografias coloridas da nossa memória, faz toda a jornada mais bonita e valorosa. Sejam bem-vindos à existência!

Segundo o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem 190.755.799 habitantes. No levantamento, foram constatados a diminuição da população de crianças (que representam 7,6%) e o aumento dos idosos (7,4%). O crescimento absoluto da população nos últimos dez anos ocorreu principalmente em função do crescimento da população adulta.

A idade é medida por tempo. No dito popular, costuma-se contar a existência de sete idades: aparente, psicológica, emocional, biológica, espiritual, social e cronológica. Essa última, que consta em documentos oficiais e que corresponde à quantidade de anos que possuímos desde o dia em que nascemos, será o nosso foco. De zero a dez anos, passamos pela infância. Dos dez aos 20 anos, é a vez da adolescência. O adulto jovem é a fase entre 20 e 40 anos. E o adulto maduro possui de 40 a 60 anos ou mais.

Estamos no mundo prontos para os desafios. Posso ser criança, jovem ou adulto e me considerarei pronto. Mas podemos mesmo nos organizar para absorver os aprendizados e problemas de cada idade? “É possível nos prepararmos para esses aprendizados, mas é muito difícil pela imprevisibilidade da vida”, explica a psicóloga Gisele Coutinho. Bem, prontos ou não, aqui vamos para a viagem rumo às diferentes etapas do ser humano.

Com a ajuda da psicóloga foram reunidas as informações a seguir, para ilustrar cada fase com >>

Annika Banfield

Luciana Thomé alguns detalhes, passando por suas conquistas, conflitos, lutos (que são as perdas ao longo da vida) e prazeres.

INFâNCIA 1

Idade: de zero a seis anos.

Conquistas: É o momento em que o bebê sai do ventre da mãe e passa a descobrir o mundo ao seu redor. Conhece as pessoas, o sabor dos alimentos e a cor dos objetos.

Conflitos: Os conflitos acompanham toda a vida do ser humano. Quando criança, precisa aprender a se comunicar, locomover e a atingir objetivos de forma independente.

Lutos: Existem vários lutos simbólicos nesta fase. Quando o bebê sai do período de amamentação ou para de usar fraldas, por exemplo. São momentos em que não possui controle sobre alguns fatos da vida, e isso gera sofrimento real.

Prazeres: Seu maior prazer é explorar as coisas e buscar conhecimento através da interação com pessoas e objetos. Os estímulos servem como combustível para o desejo de integrarse ao mundo.

INFâNCIA 2

Idade: de seis a dez anos.

Conquistas: A busca pelo espaço começa a mostrar-se mais forte. Mas as conquistas mais importantes estão relacionadas com o desenvolvimento cognitivo e a socialização.

Conflitos: Os períodos pré-escolar e escolar trazem situações novas e conflituosas, além dos novos aprendizados. Mas o principal desafio é conviver com outros.

Lutos: As perdas nesta fase estão mais ligadas a questões de relacionamento interpessoal. A criança percebe que vai perdendo espaço diante da família, e os familiares começam a incentivar sua independência.

Prazeres: Existe um prazer muito grande em poder estar inserido em um que é capaz de tomar suas próprias decisões e ser valorizado por seu estilo, hábitos e grupo de amigos.

Lutos: Esta é uma fase de muitos lutos. O rompimento com a infância gera um sofrimento contínuo, que ele tenta disfarçar por meio de rebeldia. É um momento de luta por seu espaço, pois, no mundo dos adultos, sente-se constantemente incompetente para viver esta fase. Sem saber o que fazer, tenta impressionar e acaba gerando situações de conflito.

Prazeres: Busca atividades que lhe tragam emoção. Gosta de sentimentos fortes e busca aquilo que fala por ele (atitudes, costumes, roupas).

grupo e sentir-se rodeado de “iguais”. Os hábitos vão se delineando de acordo com a personalidade de cada criança, agora mais crítica em relação ao que produz.

ADOLESCêNCIA

Idade: de dez a 20 anos.

Conquistas: O adolescente quer ser reconhecido como único e especial. A busca da autoestima é a meta e maior conquista.

Conflitos: O adolescente está rompendo com a infância e deseja mostrar

giSele couTinho: Cada fase da vida tem seus conflitos, conquistas, lutos e prazeres, que devem ser trabalhados, superados e celebrados ADULTO jOVEM

Idade: de 20 a 40 anos.

Conquistas: Busca pelo reconhecimento na sociedade por meio de habilidades e interesses. A escolha da profissão ocorre realmente nesta fase, pois o amadurecimento de sua autoestima e o autoconhecimento geram uma base maior para a escolha do seu futuro.

Conflitos: É um grande desafio escolher o que a pessoa vai fazer a maior parte do tempo de sua vida. É uma escolha que traz muitos conflitos internos e, em alguns casos, conflitos nos relacionamentos interpessoais e familiares.

Lutos: Também existem muitas perdas nesta fase. O adulto jovem está num momento intenso de busca e nem sempre consegue aquilo que almeja. Haverá decepções e perdas amorosas, morte de entes queridos e até mesmo separação do grupo de amigos.

Prazeres: A busca pelo conhecimento daquilo que escolheu para trabalhar, os hobbies, que se delinearam de acordo com sua personalidade, e o reconhecimento da pessoa com quem vai querer dividir todos os momentos são alguns dos prazeres desta fase.

ADULTO MADURO

Idade: de 40 a 60 anos ou mais.

Conquistas: A estabilidade emocional começa a mostrar-se mais presente. O adulto maduro já passou por muitas coisas e está pensando no futuro de sua família. Nesta fase, as suas conquistas estão ligadas às conquistas familiares.

Conflitos: Os conflitos desta fase estão relacionados com a necessidade que ele passa a ter para deixar as coisas acontecerem sem estar sob seu controle. É preciso entender que os filhos vão tomar caminhos diferentes do seu e o corpo não vai mais responder como antes.

Lutos: A menopausa e a andropausa envolvem alterações hormonais muito fortes nesta fase. A baixa na sexualidade gera um sentimento de perda e insegurança na vida conjugal. Além da sensação de “ninho vazio”, pois com a saída dos filhos os pais se veem sozinhos em casa novamente. E há também a aposentadoria, relacionada com a perda do trabalho, que pode gerar sofrimento.

Prazeres: Vida profissional e criatividade estão no auge. O adulto maduro está mais fortalecido em sua saúde mental para lidar com imprevistos e momentos difíceis da vida.

Não existem padrões rígidos para cada fase. Com a velocidade do mundo moderno surgem diferentes tipos de comportamento. Há as crianças que crescem e amadurecem rápido demais, agindo como miniadultos. Há os adultos que demoram para sair da casa dos pais e formar suas próprias famílias e mesmo os que são chamados kidults, porque ainda consomem brinquedos e produtos que lembram a infância. Sem esquecer a terceira idade, que retomou o convívio social em bailes e encontros e, ao mesmo tempo, recuperou a atividade sexual com o auxílio de remédios, mas está enfrentando problemas com doenças sexuais, Aids e álcool.

Em todas as fases, o sentimento de finitude pode acompanhar o ser humano. Uma das reações que mais chama a atenção em enlutados é a pena de si mesmo. No entanto, segundo a psicóloga Gisele, é possível lidar com os sentimentos nessas situações de morte ou perda. “É possível voltarse para o cuidado ao outro, gerando a plena certeza de que, enquanto esteve com a pessoa em vida, fez tudo o que podia por ela”, ressalta. Mas há também, em todas as fases, a esperança, o desejo de atingir os sonhos e ser feliz e realizado.

Cada idade é permeada de surpresas e desafios. É impossível definir qual é a mais difícil ou a mais fácil. “O que sabemos é que, com o passar dos anos, vamos nos preparando mais para os desafios. E a experiência pessoal de cada um é que vai marcar o tamanho da dificuldade de encarar as fases”, finaliza Gisele.

Seja com um sorriso nos lábios ou lágrimas nos olhos, importantes durante a vida são o grupo que nos cerca, a família e os amigos que nos fazem felizes e comemoram nossas conquistas. Esse é um dos melhores aprendizados, válido para qualquer idade. N

Leandro Cavinatto

LUCIANA THOMÉ é jornalista em Porto Alegre (RS)

não Tenho TeMpo pra MaiS naDa; Ser feliz Me conSoMe MuiTo. Clarice Lispector

Julio Filho

Eu morri...

por Vilnei Varzim

Morri sim. Aliás, morri muitas vezes. Morri no dia em que fui lançado para fora do útero materno. Morri para aquele mundo pronto, gostoso, aconchegante. Saí chorando, agarrando-me indefeso, para um mundo do qual eu não tinha a menor ideia como seria. Era preciso “morrer” o bebê de útero para nascer o bebê do mundo fora dele. Foi meu primeiro luto.

A vida é feita de mortes e nascimentos. Para nascer uma fase, morre a anterior. Se há morte, há dor. Morreu o bebê do qual a mamãe trocava a fralda e nasceu o que tem controle. Morreu o bebê de colo, nasceu o bebê que caminha sozinho. Essas transições nem sempre são fáceis. É comum ver crianças que avançam para uma nova fase e, momentaneamente, voltam à anterior como numa luta de não perder, de ter medo do avanço para o novo tempo.

Os primeiros dias de escola constituem-se no “sepultamento” da criança de casa para nascer a que se socializa. Nessa fase, há o duplo luto: o da criança que se vê só e o da mãe que não consegue fazer o segundo corte do cordão umbilical.

O tempo passa, e na sucessão dos lutos há um que provoca profundo sofrimento e dor: a adolescência. Na adolescência, é vivido um intenso conflito, no qual num mesmo corpo convivem uma criança com suas dependências, fragilidades, brinquedos e fantasias infantis e um quase adulto com desejos, hormônios e sonhos de “gente grande”. Morre lentamente a criança para nascer lentamente o adulto. Lentamente sim, porque pode necessitar de dez ou mais anos. Nesse luto, o adolescente perde a noção de quem realmente é. Ele pode ser a criança, o adulto ou ambos, várias vezes por dia ou por hora. Sem saber quem ele é, o adolescente usa uma linguagem complexa. Testa as figuras de autoridade a qualquer preço em busca de que alguém o freie ou oriente, já que ele mesmo não sabe fazer isso consigo próprio.

a viDa é feita de mortes e nascimentos; para nascer uma fase, morre a anterior

Nessa hora, entra o importante papel dos pais. Pais não foram feitos para ser apenas amigos dos filhos. Foram feitos para ser educadores. O amiguinho faz festa, brinca e se diverte. O educador regra, estabelece limites, orienta e dá colo. Muito colo. Ouve e lê o que está atrás do comportamento. Ler as entrelinhas do que ele diz é uma arte. Quando o adolescente tenta romper os limites estabelecidos ou agride verbalmente os pais, ele está declarando medo, fragilidade e, principalmente, busca de referenciais. Essas atitudes não são por falta de amor aos pais ou ao mundo ao redor. Pelo contrário, é um pedido de ajuda.

Se, nesse momento, os pais estabelecerem discussão de igual para igual, em queda de braço, em nada contribuirão para a formação do caráter do filho. Não é hora de disputa; é hora de compreensão e orientação.

A vida continua, e vem outra fase. Vamos chamá-la de adulta jovem, algo em torno de 20 a 40 anos, mais ou menos.

Morre o filho que mora na casa, que tudo recebe dos pais, para encontrar um cônjuge. Do quarto só para a vida compartilhada, com seus encantos e mistérios. Com essa fase vêm também o trabalho, a administração financeira, o mundo novo. Novo luto. Para os pais, em especial as mães, um novo corte de cordão. Deixar pai e mãe, na Bíblia (Gênesis 2.24), implica que pai e mãe cumpriram sua etapa, e agora vem o tempo de não mais opinar ou interferir. Muitos são os adultos jovens e seus pais que não fazem essa passagem de forma saudável. Filhos e filhas casados sistematicamente buscam os pais para pequenas e grandes decisões. E quantos desses pais entram no jogo e continuam sugerindo e opinando sobre o que não mais lhes pertence, atrasando o processo de crescimento e de emancipação dos filhos.

Passada essa fase, vem a de adulto intermediário, entre os 40 e 65 anos, aproximadamente. As modificações do corpo, a menopausa, a aposentadoria, entre outros, vão construindo uma imagem nova e difícil para alguns. A mulher que não quer mais filhos também não quer perder a linda função que Deus lhe atribuiu: a reprodução. A aposentadoria lembra o fim da capacidade produtiva, em máxima escala, do ser humano. Por isso se faz tão importante o projeto de aposentadoria, iniciado muito antes que ela chegue.

As rugas e os cabelos brancos anunciam novos tempos. Novos, não piores. Morre o adulto intermediário, e nasce o idoso. Morrem algumas capacidades físicas e mentais. Nasce o ser experiente, dotado de uma maravilhosa capacidade de ver e compreender o mundo a partir de suas vivências. Todo tempo que antes não tivera e toda experiência que antes não vivenciara estão à disposição para ser vividas intensamente agora.

Como não há fórmulas prontas, cada um tem que chorar seu luto sem agir como a mulher de Ló, olhando para trás (Gênesis 19.12-29). Quem fica caminhando de costas, prendendo-se ao passado, deixa de viver o encanto da fase que está à frente. Se há fases anteriores ainda não bem resolvidas, resolva-as agora, para viver um futuro feliz.

Michael Kaufmann

N

VILNEI VARZIM é psicólogo em Pelotas (RS)

não façaS De Tua viDa uM raScunho. poDeráS não Ter TeMpo De paSSá-la a liMpo. Mário Quintana

Infância roubada ou vivida?

por Paula Oliveira

As brincadeiras tradicionais e lúdicas, com ricos elementos educativos, foram esquecidas nos dias de hoje, em que a violência e as exigências do mundo moderno trancafiaram as crianças em casa e na escola. Diante desse contexto, como preservar a infância e evitar que nossos filhos se tornem adultos precoces?

Em pequenas cidades do interior, sobretudo no Nordeste, ainda é possível observar crianças brincando pelas ruas. Bonecas de pano, cantigas de roda e pipas caseiras fazem parte desse cenário atípico para os dias atuais, principalmente se olharmos as metrópoles. Nelas, a violência e a correria do dia a dia trancafiaram as crianças em suas casas, banindo do universo infantil brinquedos e brincadeiras que guardam elementos educativos enriquecedores.

Limitadas pelo espaço físico, muitas crianças trocaram a sociabilidade desenvolvida nas brincadeiras de rua por cursos como judô, natação, inglês e reduziram suas opções de diversão a programas televisivos ou a solitários e competitivos jogos de videogame ou computador.

Os pais, que trabalham fora, ficam mais ausentes da rotina familiar e por conta disso sobrecarregam os filhos com excesso de atividades para suprir essa ausência. “A pressão social para o sucesso na sociedade pós-moderna é uma realidade e contamina os pais, levando-os a aumentar o nível de exigência sobre o desempenho dos filhos, que acabam se tornando crianças cheias de obrigações, pequenos adultos”, afirma a psicóloga clínica e psicanalista Vera Blondina Zimmermann.

Segundo ela, existem consequências para uma criança que não vive sua infância, porque é nessa fase que se configuram as experiências de vida que formam a base do psiquismo, ou seja, da personalidade futura, bem como da saúde ou da doença mental. Fato é que a criança de hoje está mais passiva, sem cultura infantil, o que a leva a ter dificuldade de se expressar. O resultado do crescimento precoce é um grau de insatisfação que pode desencadear aumento de agressividade e dificuldade na criança de criar suas próprias opiniões, podendo inclusive distorcer a sua personalidade futura. “Os pais precisam ter em mente que são peças fundamentais para o desen-

vera ziMMerMann: Viver a infância implica uma certa dose de liberdade para experimentar atividades lúdicas e a expressão de afetos a respeito dessas vivências

Paola Oliveira volvimento do filho e que nenhuma escola ou atividade pode substituir essa presença”, afirma.

Viver a infância implica uma certa dose de liberdade para experimentar atividades lúdicas e a expressão de afetos a respeito dessas vivências. Claro que é importante conduzir a criança para o mundo dos adultos, mas de forma gradativa. Para a psicanalista Vera, resgatar a brincadeira tradicional é uma forma de melhorar a qualidade de vida das crianças e chamar a atenção dos

pais para que dediquem mais tempo aos filhos. “A interação criançacriança e criança-adulto por meio do lúdico deveria ser mais discutida pela sociedade e pelos profissionais de educação”, completa.

Apesar de a associação entre o lúdico e a educação ter sido marginalizada pelo estilo de vida do mundo contemporâneo e também por um ensino voltado à avaliação de desempenho, ainda existem centros de pesquisa preocupados com essa questão. Um deles é o Labrimp (Laboratório de Brinquedos e Materiais Pedagógicos), da USP, que dispõe de um banco de dados sobre brincadeiras e brinquedos tradicionais brasileiros para auxiliar pais e profissionais da área de educação interessados em utilizar esse instrumento pedagógico em casa ou na escola. O laboratório inclusive empresta brinquedos para a criança utilizar em casa.

Segundo a psicanalista, não importa qual seja a atividade lúdica, mas que haja trocas de afeto e ideias, pois o importante é gostar de estar junto e usufruir do prazer da companhia, descobrindo o filho e ficando feliz em tê-lo por perto. “O ser humano encontra maior realização quando consegue encontrar no trabalho escolhido o mesmo prazer que sentia ao brincar. Essa passagem do ‘brincar’ para o ‘trabalhar’ em harmonia é possível à medida que os pais possibilitam a criança ir descobrindo suas potencialidades, bem como um espaço para desenvolvê-las no ritmo dela”, conclui Vera Zimmermann. N

PAULA OLIVEIRA é jornalista em São Paulo (SP)

não TenhaMoS preSSa, MaS não percaMoS TeMpo. josé Saramago

A arte de envelhecer bem

por Luciana Reichert

Segundo o último censo do IBGE, o Rio Grande do Sul é o estado brasileiro com a maior proporção de idosos: cerca de 14% da população têm acima dos 60 anos. A expectativa de vida no RS atualmente é de 76,5 anos.

Envelhecemos desde sempre, mas esse processo se acentua a partir dos 25 anos de idade, e para prolongar a vida com saúde existe a geriatria.

A geriatra Ligia Maria Kummel Lopes Louzada explica que a gerontologia é a ciência que estuda o processo de envelhecimento, e a geriatria é a ciência médica que cuida de prevenção e tratamento junto a idosos. O trabalho do geriatra deve ser multidisciplinar. “Trabalhamos com nutricionistas, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos, entre outras especialidades”, explica. Ligia diz que as consequências do envelhecimento dependem muito do estilo de vida da pessoa. Doenças como artrose e obesidade aparecem com a chegada da idade e podem ser prevenidas e recuperadas com os exercícios físicos. “A atividade física ajuda até mesmo na depressão, porque a liberação da endorfina melhora nosso sistema imunológico, o estado de espírito, uma série de outros fatores que promovem a qualidade de vida”, explica.

São as mulheres que mais aparecem em seu consultório, antes mesmo da chegada da terceira idade. “A mulher ainda se cuida mais, e geralmente elas aparecem aqui após a menopausa,

Fotos: Luciana Reichert

brÖnSTrup: Boa solução para o casal no Lar Moriá

em torno dos 50 anos”, comenta. Para Ligia, a idade ideal para buscar atendimento médico para a prevenção de doenças é antes do nascimento. “Isso seria o ideal sempre. Aconselho as gestantes de que tudo começa por uma boa gestação. É nessa fase que já temos que ter cuidado com os hábitos alimentares. A mãe é responsável até mesmo pela parte psicológica da criança”, comenta.

Mas ela frisa que nunca é tarde para corrigir maus hábitos. “Quando uma pessoa procura um geriatra, já está bem-intencionada”, brinca. As doenças que mais marcam a idade avançada ainda são as demências. Conforme a especialista, só após o diagnóstico médico é que se faz o encaminhamento do paciente. “Nem tudo é Alzheimer, como muitos gos-

MiSSão: O Lar Moriá quer oferecer um lar a quem busca amparo, aconchego e dignidade de vida, mediante a convivência cristã

tam de sentenciar”, revela. A perda dos neurônios ocorre todos os dias, por isso a atividade cerebral é sempre indicada, como leitura, jogos, entre outros. “Ainda existe um certo tipo de terrorismo em cima do idoso. Se um adolescente esquece algo, por exemplo, é normal, mas se é um idoso, o esquecimento é taxado como demência”, destaca. “O importante é fazer o que se gosta, ter projetos de vida, viver com alegria, participar de grupos de convivência”, frisa.

A terapeuta ocupacional e diaconisa do Lar Moriá, Vilma Linda Reinar, reforça que o trabalho multidisciplinar é importante quando se fala em idosos. O Lar Moriá, localizado em São Leopoldo (RS), tem como missão oferecer um lar a pessoas idosas e outras que buscam amparo, aconchego e dignidade de vida mediante a convivência cristã. O local atende cerca de 70 pessoas. “Muitos acabam vindo para o Lar por opção”, diz. Como o caso do aposentado Arnilo Brönstrup, 89 anos. “Encontrei uma boa solução para mim e para minha esposa. Aqui converso com as pessoas com a mesma intelectualidade, que melhoram os meus conceitos”, conta. No Lar, eles participam de diversas atividades e interagem com outras pessoas. Pintura, dobradura, teatro e viagens são algumas das atividades que fazem parte da vida da aposentada Dionéa Gonçalves de Oliveira, 71. “Enquanto eu tiver possibilidade de caminhar, ouvir, falar e sentir os bons momentos, eu vou aproveitando a vida”, diz com imensa alegria. Para Hedwig Sofia Oderich, 97 anos, o Lar foi uma solução “quando a idade vinha se anunciando”. Ela, que ainda toca piano com maestria, diz que o ambiente, o contato com a família e as pessoas queridas ao seu lado são coisas que a fazem sentir-se bem. Em qualquer idade, o importante é extrair o melhor da vida, como fazem Arnilo, Dionéa e Hedwig. No consultório da doutora Ligia, uma placa resume o que pode ser feito: Aproveite a vida, só se é velho uma vez. N

LUCIANA REICHERT é jornalista em São Leopoldo (RS)

piano: Hedwig Sofia Oderich toca o instrumento com maestria aos 97 anos de idade

o TeMpo é uM ponTo De viSTa. velho é queM é uM Dia MaiS velho Do que a genTe... Mário Quintana

Soleiras para uma nova etapa

por Dorothea E. Wulfhorst

Aúnica época da vida em que queremos ficar mais velhos é quando somos crianças. “Tu tens sete anos?”; “Eu já fiz dezzzzzzz!”.

Envelhecemos desde que nascemos, mas não queremos ser ingratos.

Para a mulher, esse é o tempo da menopausa. Cessa seu período de fertilidade. Geralmente, há perda de libido, de massa muscular e de vigor físico. Calores no corpo, mas talvez frio no coração. Flacidez no corpo e, muitas vezes, na alma. Tempo de aprender um novo jeito de ser mulher.

Para o homem, é o tempo da andropausa, termo um tanto impróprio, pois não ocorre perda física tão incisiva como na mulher. Mas o climatério – termo que designa esse período de transição para ambos – também afeta os homens, causando modificações psicofísicas, como alteração da libido, prostatismo, ansiedade, fadiga, autoestima baixa, temores ou até depressão. Também denominada de “idade do lobo” – lobo forte, mas inquieto e ameaçado de fragilidade. Alguns lobos uivam na estepe. Alguns caçam. Alguns partem para novas paragens. Os mais felizes conseguem fazer de seu velho habitat um lugar de novas descobertas,

Nem todos chegam aos 45, 50 ou 55 anos. Quem deseja viver um buquê de anos de vida precisa estar disposto a deixar pétalas... Até aqui nosso bom senso concorda.

Mas a matemática dos sentimentos faz a conta: a metade da vida ou mais já passou. Cá estão Adão e Eva expulsos do paraíso da eterna juventude. Há um sentimento de esvaziamento que pede para ser preenchido e uma “terra prometida” que exige a travessia de um deserto.

A pergunta narcísica “Espelho meu, haverá alguém mais bela do que eu?” tem como resposta retumbante um sim implacável. Bisturi e Botox fazem pouca diferença. promovendo qualidade de vida, trocando ansiedade por intensidade e novos horizontes. Esse é o tempo de fazer as pazes com as perdas e descobrir novos ganhos. A primazia do SER sobre o TER. Talvez ele ou ela tenham corrido demais e atropelado ou até maltratado os outros e a si mesmo para conseguir mundos e fundos? Não, não queremos cantar um hino de glória ascética às perdas dolorosas dessa fase da vida. Perdas sempre arrancam um pedaço da gente. Ensaiar o letting go, o deixar ir, é doloroso. Quem nega esse processo de luto adoece física e emocionalmente. Mas o ganho que podemos extrair dessa fase da vida não

Mikhail Lavrenov

é automático nem gratuito. Precisamos estar dispostos a amadurecer e desenvolver-nos, estando abertos a mudanças que cunham nossa “marca registrada”. Nesse processo, cresce o anseio por um verdadeiro self, original e livre, mais consciente de seus dons e potencialidades, mas também de suas limitações. Assim aprendemos a fazer as pazes conosco, com passado, presente e futuro.

Chegamos até aqui. É tempo de resgate de saúde física, emocional, social e espiritual. Tempo de reativar planos interrompidos e interesses adiados. Sonhar tão forte, que o sonho se acorda e recebe uma segunda chance. A vida até aqui forjou ferramentas que nos possibilitam esse resgate. A velha e sábia Cora Coralina disse: “Venho do século passado e trago dentro de mim todas as idades”. Podemos viver um pouco de cada uma delas, e isso é algo fascinante. Menopausa ou andropausa não significam pausar a vida. Essa fase convida para ressignificar nossa história, resgatar as memórias, de modo que seja possível editar um novo script de vida, em que o “duro desejo de durar” encontre novos nichos de satisfação e sentido rumo à nossa verdadeira humanidade. N

DOROTHEA E. WULFHORST é psicóloga e psicoterapeuta em São Leopoldo (RS)

Cortar o tempo

Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão. Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação, e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente.

Carlos Drummond de Andrade

LAR ROGATE

Corpo escultural versus alma escultural

O IDEAL DE BELEzA IMPOSTO PELA INDÚSTRIA DA MODA E DA MÍDIA E A VALORIzAçãO DO CORPO PERFEITO TORNARAM-SE OBSESSãO, E ESSE culTo à eSTéTica TRAz SéRIOS DANOS A CORPO E ALMA.

por Vilnei Varzim

Apreocupação do ser humano com o corpo é antiga. Os gregos, cerca de 2.500 anos a.C., acreditavam que a estética e o físico eram tão importantes quanto o intelecto na busca pela perfeição – mens sana in corpore sano (mente saudável em corpo são).

No passado, o ser humano vivia pouco, envelhecia rápido, não se preocupava com a conservação do corpo, alimentava-se mal, ingeria poucas calorias, dando prioridade à sobrevivência.

O ser humano moderno vive mais, alimenta-se mal e tem sua idade determinada pela aparência. Hoje, a ciência sabe que algumas doenças são consequência de maus hábitos, como quantidades de gordura não compatíveis com os limites admissíveis, deficiências em vida sedentária...

A tendência para o ser humano do futuro é viver muito mais, envelhecer bem devagar, cuidar melhor do seu corpo e da sua alma, dando muito valor à aparência e a seu equilíbrio, ter consciência e responsabilidade sobre o seu corpo.

Hipócrates (460-377 a.C.) dizia: “De maneira geral, todos os segmentos corporais que possuem alguma função, se usados de maneira moderada e exercitados em trabalhos que estejam acostumados, tornam-se mais saudáveis e bem desenvolvidos, além de envelhecer mais lentamente. Mas, se permanecerem sem uso e ficarem preguiçosos, tornam-se predispostos a doenças, não se desenvolvendo com plenitude e envelhecem mais rapidamente”. Melhores níveis de saúde podem ser alcançados por meio da prática de hábitos simples.

Os programas de exercícios físicos que envolvem esforços leves ou moderados são recomendados e provocam

o TeMpo é algo que não volTa aTráS. por iSSo planTe Seu jarDiM e

Divulgação Novolhar adaptações fisiológicas relacionadas à melhoria e à manutenção do estado de saúde.

Alimentação orientada e prática de exercícios físicos são o melhor meio para envelhecer de maneira saudável. Ao contrário, a inatividade física está relacionada com a maioria das doenças crônico-degenerativas.

Os ideais de beleza impostos pela indústria da moda e da mídia e a valorização do corpo perfeito tornaram-se obsessão nos últimos tempos. Esse culto à estética traz sérios danos. Doenças como anorexia, bulimia e vigorexia (transtorno caracterizado pela prática de exercícios físicos em excesso) tomaram um vulto assustador. Vidas são colocadas em risco no consumo de remédios para emagrecer e de anabolizantes, ou até mesmo fazendo cirurgias desnecessárias. Nada contra o cuidado com o corpo. Corpo saudável, sim; corpo escravo da escultura física, nunca.

Assim também a alma precisa de cuidados. Ela também não pode enferrujar. O “sedentarismo” do mundo interno traduz-se em acomodação e conformismo. A alma que não é exercitada também envelhece cedo e mal.

O exercício físico exige disciplina, regularidade e dedicação. O da alma também.

Quando o apóstolo Paulo diz “porque o bem que quero eu não faço, e o mal que não quero ainda faço” (Romanos 7.19), ele está falando de um exercício difícil. O exercício proposto por ele visa evitar a atrofia de algo lindo da alma humana e determinado por Deus: fazer a vontade do Pai. Esse é o grande exercício.

Quando Paulo diz “prossigo para o alvo” (Filipenses 3.14), está falando da persistência necessária em buscar a meta bem definida. Ter claro o que se quer é fundamental.

Eis uma questão interessante: os “escravos da forma física” conseguem delinear os corpos. E os que exercitam a alma? Qual o resultado? Bem, aí a palavra de Deus é clara e linda: “O coração alegre aformoseia o rosto” (Provérbios 15.13).

O resultado do “exercício da alma” é um coração alegre, que não cabe dentro do corpo e transborda em forma de rosto aformoseado. Logo, a expressão bonita do corpo não vem pelo exercício físico, mas sim pelo exercício da fé e de todos os seus aspectos e valores.

Exercita-se a alma flexionando os joelhos e erguendo as mãos: “Salomão ficou em pé na plataforma e depois se ajoelhou diante de toda a assembleia de Israel, levantou as mãos para o céu e orou” (2 Crônicas 6.13). Precisamos exercitar isto: “ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai” (Filipenses 2.10-11). Isso é exercitar a alma.

Há corpos bem cuidados, porém com expressões muito tristes. Já os que cuidam da alma têm o rosto encantadoramente aformoseado. Cuidar só do corpo é puro sacrifício. Cuidar bem do corpo e da alma é vida. N

VILNEI VARZIM é psicólogo em Pelotas (RS)

e Decore Sua alMa eM vez De eSperar que alguéM lhe Traga floreS. William Shakespeare

Penny Mathews

aDoleScenTe: Clamor por espaço e desejo de ser protagonista da própria vida

Espaço, por favor

por Rui Bender

Para o vice-diretor do Colégio Sinodal de São Leopoldo/RS, Gerson Engster, “a escola é o último reduto onde o jovem pode quebrar regras e extrapolar limites” . “O adolescente de hoje quer ter seu espaço, muito mais do que em outros tempos”, percebe Ildemar Kanitz, responsável pelo pastorado escolar na mesma escola. “O adolescente clama por espaços, onde ele pode ser o protagonista, pois assim ele se sente valorizado”, salienta, por sua vez, o responsável pelo pastorado escolar na Fundação Evangélica (Novo Hamburgo, RS), Júlio Cézar Adam. Enfim, o jovem da atualidade não é mais difícil do que aquele de outrora, e sua conduta tem a ver com as características da sociedade moderna, de nossa época, observa Gerson.

Sobreviver na sociedade de hoje é difícil para o adolescente. Além da violência urbana, existe a cultura do sucesso, observa a psicóloga da Fundação Evangélica (Novo Hamburgo, RS), Renata Amélia Roos. Os pais tendem a projetar-se nos filhos e então ocupam os mesmos com muitas atividades. Assim, os jovens perdem sua autonomia, pois acabam assumindo responsabilidades de adultos. E eles acusam essa sobrecarga. Alguns adultos pioram as coisas. Vestem-se e comportam-se como jovens e querem ser “amigos” dos filhos. “Não se dão conta de que os filhos precisam, na verdade, de pais”, lembra Renata.

A adolescência também é a idade mais bombardeada pela mídia. A propaganda enxerga nos jovens somente potenciais consumidores, e há uma pressão enorme sobre eles. “Nossos jovens não têm mais como ser moleques”, lastima Gerson. “Aprontar faz parte da idade”, emenda Ildemar. E aí entra, segundo Renata, uma tarefa importante da escola: administrar os sentimentos para evitar conflitos. Gerson acrescenta que é necessário sempre transformar qualquer problema num aprendizado. “Não punir apenas por punir. Muita conciliação é a palavra de ordem”, define.

Júlio observa que há momentos estratégicos para lidar com os problemas. Sua escola vale-se para isso de “momentos de meditação, com temas pertinentes à realidade dos alunos”. Ildemar assegura que fazer um trabalho preventivo com os jovens ajuda muito a evitar conflitos. “Atacando os pequenos problemas, evitam-se os grandes”, garante. A título de exemplo, o pastor menciona as saídas de turmas para o sítio da escola na área rural de São Leopoldo. Ali acontece terapia grupal. São provocados conflitos para que os jovens conheçam as diferenças e descubram coisas positivas nos colegas. “Tem que haver momentos para falar e para ouvir”, acentua Ildemar. “Em dez anos, houve uma mudança sensível na escola e os conflitos diminuíram”, relata.

DeSperDiçaMoS o TeMpo queixanDo-noS SeMpre De que a viDa é breve. Marquês de Maricá

A disciplina é muito importante num ambiente escolar, concordam todos. Houve um tempo em que a escola havia perdido um pouco a sua autoridade, “mas ela tem que deixar claras as regras dentro de seus muros”, sentencia Renata. Cada família deve ter valores e princípios que orientam a vida dos adolescentes, e nisso se conta com os pais. Assim, os jovens aprendem a ver o mundo de outro jeito. Mas a necessidade de mudar tem que partir do adolescente.

É nisso que investe a Fundação Evangélica. Ela busca trabalhar conceitos que privilegiam a convivência. Por exemplo, certos alunos sofrem com as diferenças sociais. Então se

Fotos: Rui Bender

conceiToS: A aposta da escola do pastor júlio e da psicóloga Renata pela ética nas relações

começou a trabalhar a ética nas relações. Ninguém tem o direito de desrespeitar colegas, adverte Júlio. Nada proíbe a convivência em “tribos”, mas é preciso sempre respeitar os outros, salienta Renata. Parece inacreditável, mas os adolescentes são extremamente conservadores, surpreende-se Júlio. Não toleram homossexuais, emos e outras “tribos”.

Renata explica que “o preconceito é uma forma de sobrevivência”. Tudo aquilo que não pertence ao grupo é ofensivo. Por isso os jovens acabam por se juntar em “tribos”. Júlio emenda que a “panelinha” é boa até um certo ponto, mas ela não pode fazer com que o jovem perca sua identidade e exclua os diferentes. Enfim, o ser humano do futuro vai ter que ser uma pessoa mais tolerante. Somente assim ele poderá tornar-se uma pessoa mais rica. N

conciliação: Palavra de ordem no colégio onde atuam o pastor Ildemar e o professor Gerson

RUI BENDER é jornalista em São Leopoldo (RS)

O valor da fé na vida das pessoas

por Rogério R. Zimpel

Épreocupação da ciência ajudar as pessoas a desfrutar da vida da melhor forma possível. Tradicionalmente, a medicina sempre se empenhou em combater as doenças – bem ilustrado em estatuetas de artesãos, onde o paciente aparece disputado entre o médico e a morte. Desde o final do século 20, entretanto, os médicos passaram a perceber a dívida com sua vocação: sendo profissionais da saúde, por que ocuparse só com a doença? A desvantagem da saúde e do bem-estar como objetos de estudo precisava ser corrigida.

Imbuída desse espírito, a Organização Mundial da Saúde criou, em 1990, uma linha de pesquisa que envolve países de todos os continentes e que estuda aspectos envolvidos na qualidade de vida. A partir de entrevistas com grupos de pacientes e de pessoas saudáveis, foram destacadas as dimensões física, psicológica, nível de independência, relações sociais, ambiente e religiosidade/espiritualidade como importantes para um melhor viver.

Entre esses aspectos chama a atenção o último, ou seja, a ciência começa a incluir a dimensão da fé para entender melhor o que é qualidade de vida. Nesse sentido, cresce a cada ano – no mundo inteiro – o número de publicações científicas sobre a relação entre qualidade de vida e as crenças, descortinando uma nova frente de pesquisa.

Mas por que as pessoas incluíram a religiosidade/espiritualidade? Talvez pelo fio condutor no qual a fé pode constituir-se ao longo da existência. Muita coisa muda ao longo da vida, e a crença pessoal é uma das poucas – às vezes a única – que permanece. Isso é relevante em um mundo cada vez mais acelerado e volátil. Idade, profissão, endereço, cidade e amizades, tudo muda; mas a fé pode servir como elo de continuidade.

As cerimônias religiosas, ao fazerem parte dos ritos de passagem, demarcam claramente isso, como, por exemplo, a confirmação da fé cristã realizada no início da adolescência. Por muitas gerações, foi o claro divisor entre a infância e a fase adulta, e muitos lembram que, a partir daí, eram aceitos como “grandes”. Do ponto de vista do crescimento emocional, há aí um valor inestimável. Na contramão disso, a cultura pós-moderna criou um borramento entre as fases da vida e uma consequente confusão de identidade. Exemplo disso são os jovens que tentam combinar direitos de adultos com deveres de adolescentes.

Outro aspecto possível a considerar na resposta dos questionados é que a realidade é traumática, e transcender o aqui e agora é necessário para aliviar o peso da existência. Toda a subjetividade pode auxiliar nisso, como, por exemplo, a literatura, o cinema e qualquer expressão artística. O exer-

Divulgação Novolhar

faze-Te SeM liMiTeS no TeMpo. Cecília Meireles

A confirMação DA Fé CRISTã, REALIzADA NO INÍCIO DA ADOLESCêNCIA, TEM SIDO CONSIDERADA UM DIVISOR ENTRE A INFâNCIA E A FASE ADULTA.

cício da criatividade nos eleva e, assim como a flor que desabrocha, revela o belo. Nessa direção – e indo adiante –, James Loder, psicanalista e teólogo americano, afirmou que o ser humano é um ser cujo eixo de equilíbrio está fora de si mesmo. Assim, propôs que se pensasse o ser humano como um ser exocêntrico. Frente a isso, faz todo sentido o clamor de Agostinho de Hipona ao dizer que “inquieto está meu coração enquanto não repousa em ti, Senhor”. Aquilo que falta não está dentro do eu.

Qualidade de vida significa não só ter mais anos de vida, mas acrescentar vida aos anos. Vida que é movimento e que nos impulsiona para adiante. Assustados, agarramo-nos à amiga nostalgia para fazer o tempo andar mais devagar, mas ela insiste em não atender. O apego ao passado tampouco nos acalma, porque perdemos contato com o novo e, com ele, a chance de crescer. “Fé é uma caminhada de desapego”, afirma o psiquiatra argentino Carlos Hernández. Isso nos pode encorajar a conviver com o fato de que somos tripulantes de uma nave que tem curso próprio, em que a cada dia somos convidados a acolher a vida, permitindo que ela regue a aridez da nossa alma. N

ROGÉRIO R. ZIMPEL é psiquiatra em Porto Alegre (RS)

FACULDADES EST