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Dica cUlTUral

Extremismo de direita

“aS iDeiaS propagaDaS pel0 pnd nÃo correSponDem à imagem DoS criSTÃoS SoBre a peSSoa HUmana. ToDo iDeário De DireiTa oU De eSqUerDa qUe recUSa DigniDaDe HUmana a peSSoaS oU grUpoS nÃo é aceiTável para Um criSTÃo.”

Dom RAINER MARIA WOELKI, arcebispo católico de Berlim, ao sugerir que as comunidades se empenhem ativamente no combate a seus membros que sejam do Partido Nacional Democrático (PND) ou defendam pensamentos extremistas. As igrejas da Alemanha lutam pela proibição do registro do partido extremista.

Dica cUlTUral

Gracias a la vida!

por Sofia Cristina Dreher

Quem de nós já não parou por um instante e olhou para trás e pôde agradecer por tudo aquilo que recebeu e construiu? Normalmente, fazemos esse tipo de reflexão quando finalizamos o ano e planejamos o próximo, quando passamos por uma situação-limite ou quando percebemos que a nossa dor e o nosso sofrimento não são nada diante do sofrimento do outro.

Mercedes Sosa sabia fazer isso como ninguém. Como muitos já

Divulgação Novolhar disseram, Mercedes deu voz aos sem voz. Argentina, nascida em 9 de julho de 1935, ela nos brindou durante 74 anos com canções de cunho político e social, dando voz ao povo latino. Seu timbre era o contralto. Muitas crianças foram embaladas ao som de Duerme Negrito, assim como muitos corações apaixonados foram acompanhados por Yo vengo ofrecer mi corazón.

Dona de uma voz inconfundível, Mercedes Sosa passou por um exílio em Paris e Madri por conta de pensamentos políticos contrários ao governo da época. Mesmo distante de sua pátria, continuava dando voz ao povo argentino e latino-americano. Em 1982, Mercedes retornou a Argentina, onde viveu e veio a falecer no dia 4 de outubro de 2009. Seu último trabalho foi o álbum “Cantora”, com dois volumes, que recebeu três indicações ao Grammy Latino. Em novembro, um mês após sua morte, o álbum levou o prêmio de melhor álbum de folclore.

O álbum traz diversos duetos com personalidades da música latina, tais como Jorge Drexler, Fito

Divulgação Novolhar

Paez, Shakira, Julieta Venegas, Pedro Aznar, Charly Garcia e os brasileiros Caetano Veloso e Daniela Mercury. Entre as 35 faixas destaco aqui Cántame e Parao. Entre as clássicas, Mercedes revisita a canção Razón de vivir, onde canta: “Para descubrir que la vida va sin pedirnos nada y considerar que todo es hermoso y no cuesta nada”.

No Palácio do Governo da Argentina, a Casa Rosada, há uma sala dedicada às mulheres argentinas. Como não poderia deixar de ser, logo na entrada está o quadro de Mercedes Sosa, a quem agradecemos a vida que nos deu tanto por meio de seu canto, de sua voz. N

SOFIA CRISTINA DREHER é coordenadora do Bacharelado em Musicoterapia da Faculdades EST em São Leopoldo (RS)

Um olhar sobre o mundo feminino

aS mUlHereS Já conqUiSTaram eSpaço na SocieDaDe, maS ainDa é preciSo melHorar mUiTo para conSoliDar Uma compleTa igualdade enTre oS gÊneroS.

por Luciana Thomé

Quem é a mulher da atualidade? O sociólogo francês Gilles Lipovetski analisou os papéis femininos no mundo contemporâneo e defende que a mulher não se encaixa mais no papel de vítima dominada pelo homem e tampouco no papel de mulher liberada e combativa apregoada pelo feminismo histórico. Segundo ele, existe uma terceira mulher, diferente dessas duas citadas. A complexidade que o assunto requer está contida no pensamento de Lipovetski. Mas talvez tenhamos que ir mais longe e reconhecer que podem existir ainda outros tipos femininos.

No mundo ocidental, ela é a mulher que batalha no mercado de trabalho, preocupada com a maternidade e as funções na família. Mas que, ao mesmo tempo, cobra uma efetiva parceria do companheiro. Ela pode ser a mulher erótica, a descolada, a Amélia, já tão consagrada na música popular brasileira. E se pensarmos nos países árabes, africanos e orientais, teremos uma diversidade ainda maior. Mas uma coisa é inegável: esse perfil complexo é fruto de décadas de batalhas para que a voz das mulheres fosse ouvida.

Essa opinião é defendida por Jussara Reis Prá, doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), professora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e na Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenadora do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Mulher e Gênero (NIEM/UFRGS).

“Não podemos negar o movimento feminista que tivemos e temos, talvez hoje existindo com outra tonalidade, mas que contribuiu para alterar totalmente a participação da mulher na sociedade. É inegável que os frutos do feminismo estão aí, principalmente nas novas gerações. Mas temos também as questões socioeconômicas, de classe, religião, escolaridade e outras, que vão determinar a atuação dessa mulher”, explica Jussara.

Feminismo é um movimento social, filosófico e político que tem o objetivo de eliminar os padrões opressores baseados em gêneros e criar uma vivência igualitária para homens e mulheres. A história do feminismo pode ser dividida em três “ondas”. A primeira teria ocorrido no século 19 e início do século 20, a segunda nas décadas de 1960 e 1970, e a terceira teria ido da década de 1990 até os dias atuais. Isso alterou as perspectivas predominantes em diversas áreas da sociedade ocidental.

As ativistas femininas fizeram campanhas pelos direitos legais das mulheres (direitos de contrato, direitos de propriedade, direitos ao voto), pelo direito da mulher à sua autonomia e à integridade de seu corpo e pelos direitos reprodutivos (incluindo o acesso à contracepção e a cuidados pré-natais de qualidade), pela proteção contra a violência doméstica, o assédio sexual e o estupro, pelos direitos trabalhistas, incluindo a licença-maternidade e salários iguais, e todas as outras formas de discriminação. >>

“o perFil compleXo Da mUlHer aTUal é FrUTo De DécaDaS De BaTalHaS para qUe a SUa voz FoSSe oUviDa.”

Dra. Jussara Reis Prá

ainda vai levar tempo – Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU) a igualdade de gêneros, com homens e mulheres tendo os mesmos direitos e responsabilidades, vai acontecer, mas demorará. É possível que somente no longínquo ano de 2490 as disparidades de gênero desaparecerão completamente.

Um relatório intitulado As mulheres no mundo 2010: Tendências e estatísticas aponta os progressos alcançados e o que pode ser melhorado em oito áreas: população, família, saúde, educação, trabalho, poder e tomada de decisões, violência contra as mulheres, meio ambiente e pobreza. Alguns resultados são: – Chefes de Estado ou de Governo são cargos que ainda são quase “imperceptíveis” para as mulheres. Em 2010, 18 mulheres ocupavam essas posições em 192 países pesquisados. – As taxas de mulheres vítimas de violência física variam de 12 a 59 por cento, dependendo de onde vivem, e a mutilação feminina mostra uma ligeira diminuição na África. – Existem aproximadamente 57 milhões de homens a mais do que mulheres no mundo. – Na África Subsaariana, foram registradas 270 mil mortes de gestantes em 2005, isto é, metade das mortes maternas do mundo. E, no mesmo local, as mulheres representam 60 por cento dos adultos soropositivos. – Em nível global, a taxa de meninas em idade escolar matriculadas na escola primária aumentou de 79 para 86 por cento no período de 1999 a 2007. Mas na África Ocidental e Central, existe uma das menores taxas do mundo, com 60 por cento das meninas matriculadas. – No ensino superior, o equilíbrio entre os sexos mudou em favor das mulheres, e o domínio dos homens diminuiu. – Os salários das mulheres representam de 70 a 90 por cento dos salários de seus colegas homens. As mulheres ainda são raramente empregadas em trabalhos com status, poder e autoridade. E a maternidade continua sendo uma fonte de discriminação no trabalho.

protagonismo concreto – De acordo com Jussara, existe um protagonismo maior da mulher na sociedade atual, especialmente na área da política. Já tivemos Evita Perón, presidentes mulheres eleitas no Chile e na Argentina e, em 2011, assumiu a primeira mulher presidente do Brasil, Dilma Roussef.

E será que ainda permanece o estigma de que mulheres cuidam de assuntos soft e homens dos hard? “Se a questão social é tão importante quanto a econômica, então precisamos colocar mais mulheres no poder, porque essas questões estão muito carentes. O mundo precisa do olhar feminino, porque as mulheres se

Still Searc

TraJeTória DaS conqUiSTaS FemininaS

1792 – inglaterra mary Wollstonecraft

escreve A reivindicação dos direitos da mulher.

1827 – brasil

Surge a primeira lei sobre educação das mulheres, permitindo que frequentem escolas elementares.

a mUlHer ainDa Se SenTe mUiTo cUlpaDa pelo Tempo qUe nÃo DeU aTençÃo inTegral à FamÍlia. maS ela nÃo Deve Se SenTir aSSim, poiS o orgUlHo De Um FilHo é SaBer qUe a SUa mÃe realizoU DiverSaS coiSaS.

preocupam com o outro, não só com o material”, enfatiza.

Na área do trabalho, as mulheres ainda ganham menos do que os homens. E ainda há segregação ocupacional e feminização de algumas profissões (como magistério, enfermagem e psicologia, que já partem de um piso salarial menor).

De acordo com Jussara, a figura do homem provedor sempre esteve instituída no mundo e, mesmo que isso tenha mudado, muitas das tarefas domésticas ainda são responsabilidade exclusiva da mulher, duplicando a carga diária de trabalho quando ela já possui um emprego formal.

E isso pode afetar a maternidade. “A própria redução do número de filhos por família nas classes média e alta é um exemplo de que as mulheres estão abrindo mão disso. A questão é: a mulher ainda se sente muito culpada pelo tempo que não deu atenção integral à família. Mas ela não deve, pois, ao se analisar uma trajetória de vida, o orgulho do filho é saber que a sua mãe realizou diversas coisas”, defende Jussara.

Ao mesmo tempo, a mulher tem sua imagem utilizada, principalmente a partir de estereótipos, na publicidade. De acordo com Jussara, a publicidade ocupa duas frentes: afirma que o lugar da mulher é no lar, como dona de casa, ou erotiza a mulher, para vender bebidas alcoólicas ou carros. “A publicidade em geral e a mídia, especialmente a televisiva, constroem a imagem da mulher assim. E isso é tão introjetado em nossa sociedade, que, muitas vezes, nem mesmo o profissional responsável pelas peças percebe”, ressalta.

Mas em diversos setores as coisas estão mudando. No rodapé histórico, abaixo, aparecem alguns dos mais representativos marcos da trajetória feminina de conquistas que valem a pena ser recordadas.

Várias outras nuances do mundo feminino serão abordadas nas matérias seguintes desta edição de Novolhar, que também ressaltarão as dificuldades e batalhas das mulheres. Mas muitas foram as conquistas ao longo da história, e muitas outras ainda virão, sempre buscando a igualdade dos gêneros num mundo que privilegia a atuação de homens e mulheres.

N

LUCIANA THOMÉ é jornalista em Porto Alegre (RS)

1857 – estados unidos

No dia 8 de março, em uma fábrica têxtil em Nova Iorque, 129 operárias morrem queimadas numa ação policial porque reivindicavam a redução da jornada de trabalho de 14 para 10 horas. Mais tarde, foi instituído esse dia como o Dia Internacional da Mulher, em homenagem a elas.

1879 – brasil

As mulheres têm autorização para estudar em instituições de ensino superior.

1887 – brasil rita lobato Ve-

lho é a primeira médica formada no país.

Vitória contra a violência

por Vera Nunes

Violência contra a mulher é crime. Se alguém ainda duvida disso, pode acabar na prisão. A responsável por essa sentença categórica é a lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha e que aumentou o rigor das punições nas agressões contra a mulher quando ocorridas no âmbito doméstico ou familiar. Segundo a delegada titular da Delegacia de Polícia para a Mulher de Porto Alegre e coordenadora das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs), Nadine Tagliari Farias Anflor, a lei trouxe celeridade ao atendimento às vítimas de violência e inverteu a lógica em que a mulher sempre perdia no jogo de forças contra o agressor.

Antes da nova legislação, diz a delegada, a mulher que fazia uma denúncia era retirada de casa e colocada em um abrigo, muitas vezes na companhia dos filhos. Já o parceiro era intimado a comparecer a uma delegacia, onde assinava um termo circunstanciado no qual se comprometia a comparecer para inquérito e era liberado. “A mulher acabava sendo vítima duas vezes: uma em casa e outra pelo Estado, que não lhe garantia, por exemplo, voltar para casa, de onde havia saído, às vezes, só com a roupa do corpo”, lembra.

Com a lei, muita coisa mudou. Hoje, num caso flagrante de agressão, o homem é preso e encaminhado ao presídio. Já se for um registro de ocorrência, a vítima solicita medida protetiva de urgência, que retira o agressor da casa e impõe-lhe a proibição de determinadas condutas (porte de arma, frequentar os mesmos locais da vítima, pensão para os filhos etc.). Nesses casos, o juiz tem 48 horas para se pronunciar e, caso o agressor não cumpra as determinações, é determinada a sua prisão.

rede de atendimento – Apesar dos avanços, nem todas as questões que envolvem o drama da violência feminina estão resolvidas. “A legislação fala em rede de atendimento, e nós sabemos que isso, na prática, ainda não acontece”, observa Nadine. A rede deve ser composta por centros de referência, delegacias especializadas, casas de abrigo, defensoria especializada, juizado de violência doméstica e familiar, com apoio do Ministério Público. E articulada com as redes setoriais de saúde, assistência e todo o sistema de segurança pública.

Ainda falta muita coisa. A primeira delegacia de mulheres foi criada em 1988 em Porto Alegre. Hoje existem apenas 15 em todo o Rio Grande do Sul e 27 postos de atendimento. Como nesses locais o atendimento é mais especializado e o pessoal é insuficiente – na capital são duas plantonistas para trinta mulheres/dia –, a demora no atendimento é de cerca de seis horas. “Elas até poderiam procurar uma

Vera Nunes

TraJeTória DaS conqUiSTaS FemininaS

1893 – nova Zelândia

Pela primeira vez no mundo, as mulheres têm direito a voto.

1927 – brasil

Ocorre, no Rio Grande do Norte, o primeiro voto feminino no Brasil. Quinze mulheres votaram, mas seus votos foram anulados no ano seguinte. No entanto, foi eleita a primeira prefeita da história do Brasil, alzira Soriano de Souza, no município de Lages (RN).

1932 – brasil

Novo Código Eleitoral garante o direito de voto às mulheres.

“aS mUlHereS poDeriam procUrar Uma Delegacia comUm, com Depoi menTo no BalcÃo. Já na Dp Da mUlHer, ela vai SenTar e converSar nUma Sala SeparaDa, com genTe eSpecializaDa e com mUiTo maiS privaciDaDe.”

Delegada Nadine Anflor delegacia comum, mas o depoimento é de pé, no balcão, relatando seus problemas na frente de quem estiver por ali. Já na DP da Mulher, ela vai sentar e conversar numa sala separada, com gente especializada e com muito mais privacidade”, observa.

Além da estrutura e de pessoal para o primeiro atendimento, prossegue a delegada, falta a rede de atendimento, que inclui, por exemplo, tratamento compulsório ao agressor. “Na maioria dos casos, o problema está relacionado com álcool e drogas, e, muitas vezes, o agressor pede ajuda, mas isso extrapola o nosso poder”, salienta. Nadine lembra que, apesar da grande procura pelo atendimento concentrarse na classe baixa, ela tem aumentado nas classes média e alta, especialmente pela agilidade no encaminhamento. “É mais ágil ir a uma delegacia do que aguardar pela sentença judicial determinando a separação de corpos”, afirma, lembrando que a lei desvelou uma realidade: a violência doméstica não escolhe classe social.

O resultado dos seis anos de existência da lei são positivos, garante a delegada. Em 2011, caiu em 30 por cento o número de vítimas de homicídios. Em 2010, morreram 223 mulheres, enquanto que, em 2011, foram 188. Dessas 188, 39 foram vítimas de crimes passionais. Em 2010, na capital gaúcha, esse número havia sido de 84 mulheres. “Salvamos 45 mulheres no ano passado”, comemora, lembrando que 306 homens foram presos em flagrante em 2011. Quase um por dia. N

VERA NUNES é jornalista em Porto Alegre (RS)

lei maria da penha

A Lei Maria da Penha, decretada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 7 de agosto de 2006, é uma referência ao caso nº 12.051/ OEA, de Maria da Penha Maia Fernandes. Ela foi espancada de forma brutal e violentada diariamente pelo marido durante seis anos de casamento. Em 1983, ele tentou assassiná-la por duas vezes, tamanho o ciúme doentio que ele sentia. Na primeira vez com arma de fogo, deixando-a paraplégica, e na segunda, por eletrocussão e afogamento. Após essa tentativa de homicídio, ela tomou coragem e o denunciou. O marido de Maria da Penha só foi punido após 19 anos de julgamento e ficou apenas dois anos em regime fechado, para revolta de Maria com o poder público. A lei entrou em vigor no dia 22 de setembro de 2006, e, já no dia seguinte, o primeiro agressor foi preso no Rio de Janeiro após tentar estrangular a ex-esposa.

Divulgação Novolhar

maria da penha maia Fernandes deu nome à lei de 2006

1945 – onu

A igualdade de direitos entre homens e mulheres é reconhecida por meio da Carta das Nações Unidas.

1951 – oit

Aprovada pela Organização Internacional do Trabalho a igualdade entre trabalho masculino e feminino para função igual.

1969 – israel

golda meir, ex-professora primária, diplomata de carreira e cofundadora do moderno Estado de Israel, torna-se primeira-ministra de Israel, cargo que ocupou até 1974.

Wandschoner – renda e terapia

por Rui Bender

Aagulha está para a bordadeira assim como o pincel está para o pintor. Bordadeira e pintor são verdadeiros artistas. Assim a octogenária Celita Holler encara a técnica do bordado de Wandschoner (panos de parede), muito cultivada em Ivoti, um dos berços da colonização alemã no Rio Grande do Sul. Os Wandschoner representam um artesanato típico da cultura alemã que cruzou o oceano e chegou à região por volta de 1826.

As famílias imigrantes gostavam de enfeitar as paredes internas de suas casas com quadros ou panos de parede bordados, que continham principalmente citações bíblicas e mensagens de natureza religiosa e moral. O bordado é uma arte eterna, reconhecem as pessoas que apreciam essa técnica. E à medida que se revitaliza essa arte, valorizam-se os conhecimentos dos antepassados. E também se descobre o quanto ela faz diferença especialmente na vida das mulheres.

No ano de 2004, nasceu em Ivoti um movimento de resgate cultural dos Wandschoner pelo grupo de terceira idade Amizade. Foram organizadas oficinas de bordado e uma pesquisa sobre a sua história. Em 2008, um projeto chamado Tecendo Memórias ofereceu uma oportunidade a 30 mulheres do município de Ivoti para aprender a arte de bordar.

Além da técnica de bordado, elas também adquirem conhecimentos sobre história do bordado, gestão de negócios, informática, criação e arte, direitos humanos e cidadania. O projeto Tecendo Memórias é desenvolvido pelo Instituto Superior de Educação Ivoti (ISEI), em parceria com a Fundação Luterana de Diaconia, Prefeitura Municipal de Ivoti, Sínodo Nordeste Gaúcho, entre outras entidades.

Conforme a pastora Marli Brun, gerente de Ação Social da Associação Evangélica de Ensino, mantenedora do ISEI, o projeto Tecendo Memórias busca fomentar uma nova alternativa econômica para o município de Ivo-

Rui Bender

ti, associando o resgate cultural dos Wandschoner à promoção da inclusão social. Ele envolve bordadeiras de Ivoti e do município vizinho de Estância Velha. No momento, são quatro grupos em Ivoti e um em Estância Velha, totalizando mais ou menos cinquenta mulheres envolvidas. Elas confeccionam panos de parede, camisetas, toalhas de mesa, panos de prato, guardanapos, trilhos etc. Mas o carro-chefe são os Wandschoner.

“Essas mulheres promovem a solidariedade, o companheirismo, o aprendizado mútuo e a integração

TraJeTória DaS conqUiSTaS FemininaS

1974 – argentina isabel perón

torna-se a primeira mulher a ocupar o cargo de presidente.

1985 – brasil

Surge a primeira Delegacia de Atendimento Especializado à Mulher.

1994 – brasil roseana Sar-

ney é a primeira mulher eleita governadora de um estado brasileiro.

mUlHereS qUe Só Ficam em caSa SenTem-Se FrUSTraDaS e caem em DepreSSÃo. qUanDo paSSam a proDUzir algo qUe é valorizaDo e complemenTa a renDa Familiar, elaS Se SenTem enriqUeciDaS. aprenDer coiSaS novaS melHora SUa aUToeSTima.

comunitária. Sem contar que é uma fonte de renda para elas e suas famílias”, completa Marli. Os produtos são comercializados em feiras municipais e regionais. As bordadeiras até já estão organizadas em forma de associação: a Associação de Bordadeiras Tecendo Memórias. Quinze mulheres estão inscritas nela.

“É uma grande satisfação e alegria poder vender algo que se produziu”, orgulha-se Valesca Kreutz, vice-presidente da associação. No ano passado, as vendas foram satisfatórias. “Em torno de 4 mil reais”, lembra Valesca. Assim, o trabalho das bordadeiras pode ser uma fonte de complementação de renda, admite a pastora Marli. Principalmente para as pessoas mais necessitadas, qualquer retorno é significativo.

Mas a arte de bordar também é uma terapia, observa Celita. Senhoras deprimidas por maus-tratos em casa, mormente em consequência do alcoolismo, sentem-se valorizadas. Isso é uma vitória para elas. Muitas mulheres que só ficam em casa cuidando da casa e dos filhos sentem-se frustradas e caem em depressão. Quando passam a produzir algo que é valorizado e pode complementar a renda familiar, elas se sentem enriquecidas. Também o simples fato de reunir-se com outras mulheres e aprender coisas novas contribui para melhorar sua autoestima, acrescenta a pastora.

Por sua importância, o projeto Tecendo Memórias foi premiado com um espaço no livro “Mãos, Meninas, Mulheres”, do jornalista e escritor Ricardo Bueno. O autor viajou com o fotógrafo Ita Kirsch a quinze cidades de diferentes estados do país atrás de histórias que fazem do artesanato uma ferramenta de inclusão social. Números recentes apontam que cerca de 8,5 milhões de pessoas trabalham na produção de artesanato no Brasil. Nada menos do que 87 por cento delas são mulheres.

N

RUI BENDER é jornalista em São Leopoldo (RS)

1996 – brasil nélida piñon

torna-se a primeira mulher a ocupar a presidência da Academia Brasileira de Letras.

2006 a 2010 – américa do Sul

Em 2006, michelle bachelet foi eleita presidenta do Chile. Hoje ela é diretora executiva da ONU Mulheres. Em 2007, é a vez da Argentina eleger cristina kirchner, que foi reeleita em 2011 para um segundo mandato. Em 2010, o Brasil elegeu dilma roussef presidenta do país.

Pesquisa de Luciana Thomé; imagens da internet.

Retorno ao ideal de igualdade

por Suzel Tunes

Seja em que denominação for, os bancos das igrejas revelam: há mais mulheres do que homens na membresia. Mas, nos cargos de liderança das instituições eclesiásticas, essa diferença se inverte, mesmo entre as igrejas evangélicas, que aceitam o pastorado feminino há vários anos. Para as teólogas Margarida Ribeiro e Suely Xavier, pastoras metodistas e professoras da Faculdade de Teologia da Universidade Metodista de São Paulo, essa disparidade não ocorre por acaso: é consequência de uma sociedade que ainda enxerga homens e mulheres de maneira desigual, o que requer reflexão, ensino e até mesmo conversão no interior das igrejas.

Margarida e Suely são coordenadoras do Centro Otília Chaves, centro de estudos ligado à faculdade, que visa à capacitação da membresia feminina da Igreja Metodista e ao apoio de iniciativas em defesa da mulher. Elas desenvolvem publicações, encontros e cursos baseados numa leitura da palavra de Deus sob a ótica feminina. Margarida e Suely evitam o termo “teologia feminista” pelo estereótipo de radicalismo que a palavra carrega, erroneamente confundida com uma espécie de “machismo às avessas”. Para que o discurso não seja desqualificado pelo uso de uma palavra pouco compreendida, as teólogas preferem falar em “leitura da mulher” na Bíblia. “Evitamos criar barreiras para começar o diálogo”, diz Suely.

Fazer uma leitura da Bíblia que dê vez e voz à presença feminina na sociedade e na igreja exige um sério

“ToDa leiTUra BÍBlica é FeiTa a parTir De Um conTeXTo qUe nÃo é o BÍBlico. o qUe Se procUra é compreenDer o conTeXTo no qUal o livro Foi eScriTo.”

Pastora Suely Xavier

com a inSTiTUcionalizaçÃo, o criSTianiSmo Foi SUcUmBinDo ao macHiSmo reinanTe na SocieDaDe e aniqUilanDo a parTicipaçÃo Feminina. valorizar o papel Da mUlHer como criSTà e ciDaDà é, porTanTo, Um reTorno aoS iDeaiS qUe marcaram o inÍcio De Um conTagianTe movimenTo religioSo.

margarida ribeiro fala em “leitura da mulher” na Bíblia

Fotos: Suzel Tunes

trabalho de interpretação. É preciso contextualizar as passagens bíblicas sem cair em um relativismo que poderia esvaziar o conteúdo do texto. “Toda leitura bíblica é feita a partir de um contexto que não é o bíblico. O que se procura é compreender o contexto no qual o livro foi escrito”, diz Suely, que é professora da área de Bíblia. Ela explica que, embora a Bíblia reflita a sociedade patriarcal na qual foi escrita, está repleta de exemplos de mulheres que ousaram transpor os limites que a sociedade lhes estabelecia. Assim, por exemplo, embora o apóstolo Paulo aconselhe silêncio à mulher, em suas epístolas também se encontram grandes exemplos de liderança feminina no cristianismo primitivo. Lídia surge nos textos do apóstolo Paulo como protagonista da nascente igreja cristã em Filipos. “Na casa de Lídia nasce a primeira igreja cristã da Europa”, diz Suely. Febe, possível portadora da Epístola de Paulo aos Romanos, exercia na igreja de Cencreia um papel considerado masculino – diakonon (diácono), palavra que tem hoje em diaconisa o seu equivalente feminino.

Mas é sobretudo na vida e nos ensinamentos de Jesus que estão os maiores exemplos da influência decisiva das mulheres na história do cristianismo. Com a institucionalização, o cristianismo foi sucumbindo ao machismo reinante na sociedade e aniquilando a participação feminina. Valorizar o papel da mulher como cristã e cidadã é, portanto, um retorno aos ideais que marcaram o início de um contagiante movimento religioso em que mulheres, homens e crianças eram tratados com igualdade. N

Teologia feminista e luta por direitos

National Portrait Gallery

elizabeth cady stan-

ton foi precursora do feminismo e de uma nova interpretação da Bíblia sob o prisma do feminismo

O feminismo nasceu no século 19 como uma luta por igualdade de direitos políticos e por políticas públicas voltadas às necessidades das mulheres. No final do século, chegava ao pensamento teológico por intermédio da presbiteriana Elizabeth Cady Stanton, uma ativista pelo voto feminino. Junto com outras mulheres versadas nas Escrituras e nos idiomas bíblicos, Elizabeth desenvolveu um projeto ambicioso e polêmico: uma nova interpretação da Bíblia sob prisma feminino. Publicado em dois volumes, entre 1895 e 1898, o projeto foi denominado A Bíblia da Mulher e é considerado o ponto de partida de um longo processo que culminou no desenvolvimento de uma teologia feminista, simultaneamente à teologia da libertação, na segunda metade do século 20.

Na América Latina, África e Ásia, a teologia feminista desenvolveu-se a partir da década de 1980, geralmente à margem das instituições religiosas, mas muito próxima dos movimentos sociais, como os movimentos de trabalhadores rurais, sem-terras, grupos de mulheres de periferia e grupos de consciência negra. Há quem diga que hoje a teologia feminista está ultrapassada, juntamente com a teologia da libertação. Mas as teólogas que se dedicam à luta pelos direitos da mulher – um amplo espaço de atuação cristã que ainda espera uma presença mais efetiva das igrejas – somente vão acreditar nisso no dia em que forem ultrapassados o preconceito, a opressão e a violência contra as mulheres em suas várias formas.

Mulher: ser plural

por Maíra Freitas Barbosa

Falar sobre mulher e família em suas atuais configurações significa infinitas projeções de temas: o feminino, trabalho, filhos, ausência de filhos, mulheres chefiando famílias, educação (delas e da família) são apenas alguns dos mais evidentes a se pensar. Façamos um pequeno apanhado desse universo em sua construção cotidiana, em pequenos encontros.

Retomemos algumas datas emblemáticas das mulheres na história ocidental recente: os protestos entre 1897, 1908 e 1911 das trabalhadoras têxteis de Nova Iorque por melhorias nas condições de trabalho; as três ondas feministas (fim do século 19, década de 1960 e a iniciada na década de 1990 até hoje). Esses acontecimentos resultaram em diversas conquistas nos campos político, cultural, social e de direitos civis.

A mulher redefiniu como infinitos os lugares que pode ocupar na sociedade, não mais se resignando ao de esposa, mãe, dona de casa. Isso amplia de forma inevitável as liberdades, responsabilidades e desafios que as mulheres têm de enfrentar. O fato de ter a maternidade como uma opção e não obrigação, por exemplo, complexifica a relação de esposa e mulher perante a sociedade, pois a “mulher esposa” não é mais uma definição óbvia por si só, restrita e limitada, com deveres claros e inquestionáveis, assim como foi para a grande maioria de nossas mães e avós.

Hoje, devido ao uso de métodos contraceptivos e aos avanços da medicina da fertilidade e inseminação, a gravidez não é um fato dado e simples na vida das mulheres, uma etapa necessária em seu desenvolvimento e realização, como retratam diversas peças publicitárias veiculadas em ho-

Foto Stock.xchng menagem ao 8 de março. Há que levar em conta mulheres que não podem ou optam por não ter seus filhos, o que não as define como menos mulher, mesmo que propagandas veiculem essa ideia.

Certo dia, em um desses cruzamentos casuais com pessoas desconhecidas que ocorrem cotidianamente, escutei as dificuldades de uma jovem mulher que vive uma nova realidade. Ela enfrenta muitos dilemas na criação de um filho de três anos de idade: toda a energia que ele possui e a atenção que demanda; o fato de ele ser adotado e as questões afetivas que isso envolve; um marido duas décadas mais velho, que tem dificuldades para auxiliar nos cuidados com a casa e o filho; o trabalho desgastante e não valorizado de ser professora de crianças e adolescentes; os cuidados

com os pais e os sogros idosos; as ansiedades que tudo isso gera e que provocam o aumento de peso dessa mulher, trazendo prejuízo à saúde e à autoestima. Mulher mãe, mulher filha, profissional, esposa, solteira: são tantas as possibilidades quantas são as exigências.

Outro dos maiores desafios que as mulheres enfrentam e que estão intimamente ligados às decisões de retardar a maternidade é a busca por espaço no mercado de trabalho. A procura pela independência econômica, o tempo de dedicação aos estudos e a profissionalização são apenas alguns dos fatores. Essas buscas fazem com que as mulheres enfrentem grandes e difíceis desafios, desde as greves do fim do século 19 até a busca (ainda atual) pela equiparação dos salários em relação aos dos homens e a ocupação de importantes cargos em espaços públicos e privados. Esses desafios levamnas a um novo status social, chegando hoje à presidência do Brasil.

Não ter mais o papel e a função social determinados é uma conquista, mas pode ser também um grande gerador de sofrimento. Certo dia, ao encontrar uma profissional com formação superior, inserida no mercado de trabalho, em busca de aperfeiçoamento constante, mas dedicada nos últimos dois anos quase que em tempo integral à maternidade, ouvi a seguinte frase, que expressa sua dificuldade com tarefas que lhe são novas, mas que sua mãe sempre desempenhou: “O problema é que nossas mães não nos ensinam mais como cuidar de uma casa, de um lar”. Talvez o desafio seja justamente este: integrar as novas conquistas de ser uma mulher contemporânea à sabedoria da tradição. N

MAÍRA FREITAS BARBOSA é psicóloga social e assessora de projetos da Vivá Moara – Assessoria em Projetos Sociais e Metodologias de Formação, em Porto Alegre (RS) mulata: óleo sobre tela do pintor Di cavalcanti, o primeiro a retratar a mulher negra brasileira

Reprodução Novolhar

Racismo e sexismo causam desigualdade

por Nilza Iraci Silva

Dados disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010 revelam que o Brasil é um país habitado por uma população de 191 milhões de pessoas. A população negra soma 97 milhões de pessoas e, pela primeira vez, é maioria no Brasil. As mulheres negras representam 49 milhões do total das brasileiras.

Trata-se de um contingente populacional exposto a diferentes formas de violência e mecanismos de exclusão dentro e fora das políticas públicas em decorrência da força com que o racismo, o sexismo e a lesbofobia incidem – e estruturam – a sociedade brasileira.

Ser mulher negra significa muitas coisas diferentes, porém tem em comum fortes marcas decorrentes da >>

existência do racismo, que cria um conceito e uma hierarquia de raça, que, aliado ao sexismo, tem produzido historicamente um quadro de destituição, injustiça e exclusão.

As mulheres negras estão entre o segmento populacional que vivencia a situação de maior pobreza e indigência do país. Possuem menor escolaridade, com uma taxa de analfabetismo três vezes maior do que as mulheres brancas, além de uma menor expectativa de vida. São trabalhadoras informais sem acesso à previdência, residentes em ambientes insalubres e responsáveis pelo cuidado e sustento de seu grupo familiar. 60 por cento das famílias chefiadas por mulheres não possuem rendimentos ou sobrevivem com rendimento inferior a um salário mínimo.

Entre as diferentes ocupações exercidas pelas mulheres negras no Brasil, com maior destaque para a atuação no setor de serviços, são exercidas com alto grau de informalidade e em condições de exploração de mão de obra e baixos rendimentos. O trabalho doméstico corresponde a aproximadamente quatro milhões de negras num universo estimado de cerca de sete milhões de trabalhadoras domésticas em atividade no país. As meninas negras representam cerca 75 por cento das trabalhadoras domésticas infantis, vivendo em regime de semiescravidão nas casas grandes modernas.

As mulheres negras contribuíram de forma inquestionável para a construção socioeconômica e cultural do país e têm participação decisiva nas conquistas de direitos das brasileiras. Sua luta contra o racismo e o desmascaramento do mito da democracia racial têm conquistado o envolvimento e o comprometimento de outros setores da sociedade civil. Cabe destacar ainda o protagonismo especial das mulheres rurais e das

Reprodução Novolhar

mulatas: a mulher negra na obra de Dina garcia

Pérolas negras

por Vera Maria Roberto

“PéROLAS NEGRAS” é uma seleção de depoimentos que visa transmitir ao leitor o desafio de 15 mulheres de contar experiências de suas vidas e a percepção que cada uma tem de ser mulher, negra e cristã. Esse livro é uma pequena amostra de pérolas negras existentes na sociedade brasileira.

As mulheres apresentadas vivem, sonham e desenvolvem-se pessoal e profissionalmente. Além de suas atividades, conciliam o cuidado de suas famílias e atuam nos espaços religiosos com inteligência perspicaz, sem perder a graça e a leveza. Lançam mão de estratégias mantenedoras de suas principais características: a força e a beleza.

Esse material, cuidadosamente garimpado, é uma iniciativa da Pastoral de Negritude do Conselho Latino-Americano de Igrejas (CLAI/Região Brasil) com o apoio da Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), que tem como um de seus objetivos o combate a qualquer forma de preconceito e discriminação, com especial foco no meio religioso.

O Projeto Pérolas Negras é inovador porque se trata de um levantamento histórico de mulheres negras brasileiras cristãs vivas, contemporâneas à nossa sociedade, mulheres que têm histórias e características semelhantes, porém vivem em diferentes cidades do Brasil,

CLAI/Região Brasil

a autora em noite de autógrafos

quilombolas na árdua luta para a preservação e titulação de suas terras e por um desenvolvimento sustentado para suas comunidades.

Há muito tempo, a mobilização política das mulheres negras tem apontado para o reconhecimento do papel do Estado na produção de ações capazes de reduzir o impacto que o racismo, o sexismo e a lesbofobia têm em suas vidas. Entretanto, o Estado não tem sido eficiente na construção de políticas capazes de enfrentar as discriminações e as demais iniquidades que excluem uma grande parcela da população brasileira, impedindo seu acesso às políticas sociais. Embora a implementação de algumas políticas para a questão racial, elas ainda não têm sido suficientes para produzir alterações significativas e imediatas na vida das mulheres negras.

A partir da consciência de sua dignidade, as mulheres negras, a despeito da profusão de violências, desvalorizações e violações de direitos que as atingem, permanecem atuantes de forma protagônica. A história das mulheres negras é, ao fim e ao cabo, a história da construção da democracia no país, pois uma nação democrática implica dar lugar a várias vozes e olhares muitas vezes silenciados e encobertos por mecanismos de discriminação.

As mulheres negras acreditam que a luta contra o sexismo, o racismo e todas as formas de preconceito é tarefa de todas as pessoas que acreditam na construção de uma sociedade justa e igualitária, onde todas as pessoas possam viver com dignidade e prazer. N

NILZA IRACI SILVA é coordenadora executiva do Geledés – Instituto da Mulher Negra e da Articulação de ONGs de Mulheres Negras Brasileiras em São Paulo(SP)

confessam religiões diferentes e desenvolveram as mais diversas atividades profissionais.

Considerando que, na população negra brasileira, existe o pressuposto de que ela está ligada a religiões de matriz africana, o Projeto Pérolas Negras não tem a intenção de fazer segregação religiosa e sim iniciar um debate, mostrando outra face da população negra religiosa.

Por outro lado, esse projeto elucida não apenas a aceitação da mulher negra cristã nas comunidades religiosas, mas também em outros contextos da sociedade, como o profissional, o social e o educacional, entre outros.

O desafio do Projeto Pérolas Negras não é somente para pessoas religiosas e/ou instituições com o mesmo caráter. O projeto desafia as pessoas a conhecer e falar nas suas rodas de diálogo como a mulher negra cristã tem sido vista, recebida e inserida tanto nas conversas informais como nas formais e ainda como tem sido sua participação nos espaços de decisão. Mulheres que falam com autoridade do que é para elas ser uma mulher negra cristã.

Dessa forma, o projeto atua na área de direitos humanos, com foco na educação. Educação é um processo, porém se faz necessário iniciá-lo para garantir, num futuro não muito distante, igualdade de oportunidades para todos e todas (inclusive nos espaços religiosos), respeitando a diversidade social brasileira. N

VERA MARIA ROBERTO é mestre em Ciências da Religião e coordena a Pastoral de Negritude do Conselho Latino-Americano de Igrejas, em Balneário Camboriú (SC)

como aDqUirir o livro

Preço: R$ 20,00. Depósito: CLAI Brasil Banco Itaú, Ag. 0609 – c.c. 31.126-1 Fazer depósito identificado, enviar o comprovante para o e-mail: negritude@claibrasil.org.br com nome e endereço para recebimento do livro.

Com a bola toda

a lUTa DaS mUlHereS por igUalDaDe proFiSSional vem De longa DaTa. melHoreS SalárioS, oporTUniDaDeS igUaiS àS DoS HomenS, maS, acima De TUDo, respeito no amBienTe proFiSSional.

por Paula Oliveira

Karla Cruz As mulheres ocupam cargos na presidência, nos tribunais superiores, nos ministérios, no topo de grandes empresas... Pilotam jatos, ônibus, comandam tropas, perfuram poços de petróleo e, em muitos casos, são as provedoras do lar.

Embora muitas tenham conquistado espaço em áreas que antes eram reduto masculino e ocupem cargos de liderança, elas ainda ganham salários inferiores aos dos homens. Em média, ganham 22% menos do que os homens na mesma função, mesmo sendo mais preparadas do que eles.

Segundo Silas Regis (46), gerente de Recursos Humanos (RH), a resistência e o preconceito no mercado de trabalho ainda existem e a diferença salarial predomina sim, mas gradativamente cresce o número de mulheres que ganham mais do que o marido. “O grande desafio para as mulheres desta geração é reverter definitivamente o quadro da desigualdade salarial”, afirma.

Outro desafio no crescimento feminino dentro das organizações é a falta de preparo das empresas em lidar com o período da maternidade. As empresas evitam a contratação de mulheres que

“no laDo proFiSSional, aS empreSaS SÃo maiS eXigenTeS com aS mUlHereS e, De oUTro, Há Um conSenSo De qUe a reSponSaBiliDaDe no cUiDaDo DoS FilHoS é principalmenTe Da mUlHer.”

Escritora Lúcia Cyreno

se mostram predispostas a uma gravidez. “Muitos empresários acreditam que o gasto com auxílio-maternidade é totalmente desnecessário e, para eles, a concessão do benefício faz com que as mulheres não tenham a mesma chance de promoção do que os homens”, diz a jornalista Juliana Leite (35), que já sentiu na pele esse despreparo das empresas.

Resta à mulher enfrentar o dilema de conciliar o trabalho sem deixar a vida pessoal de lado, como acontece com muitas mulheres na faixa dos 30 anos que abandonam seus empregos para ser mães e depois voltam a trabalhar apenas no mercado informal ou, ainda, não retomam sua carreira.

Na opinião da escritora Lúcia Cyreno (39), as mudanças sociais e de valores impuseram às mulheres uma competição desigual em relação aos homens: no lado profissional, as empresas são mais exigentes com as mulheres e, de outro, há um consenso de que a responsabilidade no cuidado dos filhos é principalmente da mulher.

Essa tripla jornada de trabalho sobrecarrega muito a mulher. Por isso Lúcia optou pela maternidade em primeiro lugar. “Tenho três filhos, e o caçula tem necessidades especiais. Decidi ser mãe em tempo integral e escrevo nas horas vagas”, diz com bom humor e completa: “Estou casada há 14 anos, tenho uma família unida e estruturada. Mas muitas mulheres cuidam sozinhas dos filhos, vivem sobrecarregadas e sem qualidade de vida”. “Em minha opinião, essa questão da mulher realizar tripla jornada de trabalho passa ainda por uma questão cultural. Muitos homens ainda se escondem de determinadas responsabilidades no lar, e outros não aceitam e nem admitem ter que ajudar nessas atividades”, completa o gerente de RH. Outra tendência da mulher contemporânea é deixar para casar depois dos 40, pois só assim consegue dedicar-se profissionalmente.

Apesar das dificuldades enfrentadas pelas mulheres no mundo corporativo, as notícias são otimistas: elas já ocupam pelo menos metade dos postos de trabalho, e quando se trata de cargos de direção, elas estão na frente. De acordo com a pesquisa realizada em diversos países do mundo pela Grant Thornton International Business Report (IBR), as mulheres aos 36 anos já são líderes, contra uma média de 40 anos para os homens. “Elas são melhores líderes e administradoras porque sabem conduzir melhor a equipe na busca e na conquista de resultados e compreendem bem esse conceito sem se deixar levar pelo poder que o cargo traz”, comenta Silas. “Elas têm um grande destaque na área de Gestão e Administração”, afirma.

Para superar as dificuldades, muitas mulheres optaram pelo empreendedorismo. De acordo com estudo do SEBRAE, realizado pela Global Entrepreneurship Monitor (GEM), de 49,3% a 50,7% dos empreendedores brasileiros são do sexo feminino.

Independentemente das escolhas, as mulheres mostram que estão “com a bola toda”. Trabalham, estudam e ganham espaço por onde passam. N

Paula Oliveira “o granDe DeSaFio para aS mUlHereS DeSTa geraçÃo é reverTer DeFiniTivamenTe o qUaDro Da DeSigUalDaDe Salarial.”

Gerente de RH Silas Regis

os jovens realizaram protestos contra os líderes dos países reunidos em Durban

Compromisso com a ecojustiça

por Raquel Helene Kleber

Trinta jovens de 21 países e de diversas igrejas reuniram-se para aprender sobre ecojustiça durante a 17ª Conferência das Partes (COP17) da Convenção Quadro das Nações Unidas para a Mudança do Clima em Durban, África do Sul, em dezembro de 2011. Organizado pelo Conselho Mundial de Igrejas, em conjunto com a Federação Luterana Mundial, o encontro climáticas, o grupo Youth for EcoJustice (Juventude pela ecojustiça) engajou-se ativamente em mobilizações da sociedade civil que cobravam dos governos uma ação rápida e efetiva de combate às mudanças do clima. O Global Day of Action (Dia de Ação Global) é um exemplo, que contou com mais de 30 mil pessoas.

A questão das mudanças climáticas está intimamente ligada às injustiças socioambientais em nosso mundo, uma vez que são as comunidades mais pobres e vulneráveis aquelas que mais sofrem as consequências. Muitas reflexões e diálogos durante o treinamento relacionaram-se a esse conceito de justiça, sempre tendo como base a palavra de Deus.

Enquanto os jovens aprendiam sobre o significado de ecojustiça, termo que conecta justiça climática, ambiental, social e econômica, aprenderam também sobre a teologia da mesma,

oportunizou a troca de ideias e experiências acerca dos contextos locais de cada participante, assim como também incentivou a planificação de projetos a serem implementados posteriormente nos respectivos países.

Enquanto os 194 países negociavam na COP17 a redução das emissões de gases do efeito estufa, principais causadores das mudanças

que apresenta a busca pela justiça como centro do ser cristão, chamando a atenção da igreja para atuar em defesa daqueles que mais precisam: os excluídos e os oprimidos.

A ligação com o ambiental encontra-se em versículos como Romanos 8.18-23, que revelam que a criação sofre os impactos de seu uso irresponsável por parte dos seres humanos. E é ainda por intermédio das palavras da Bíblia que os cristãos são então chamados a se tornar os “cuidadores” da criação de Deus.

Tendo chamado a atenção da mídia global, o trabalho dos jovens participantes no treinamento internacional reafirmou o papel crucial da igreja para atuar ativamente na sociedade em defesa da ecojustiça e o comprometimento dos jovens com essa causa, uma vez que são eles que têm a esperança e a energia para alterar essa situação, somadas à sua capacidade de networking (trabalhar em rede) e tecnologia. Serão os mais afetados pelas decisões de hoje, tendo em mãos a oportunidade única de apresentar e aplicar soluções para este mundo.

A essência do encontro Youth for EcoJustice foi perceber a presença de Deus em toda a criação. O desafio dos cristãos é cuidar dela, no sentido de que estão interconectados com ela e não são uma parte independente. Foi relevante também perceber a importância da igreja em abordar questões de justiça socioambiental, empoderando as pessoas para que reflitam sobre as causas dos problemas e relacionando as ações com a fé.

Esse treinamento acentuou que existe um chamado para toda a sociedade de se engajar na construção de justiça e sustentabilidade, e os jovens devem assumir um papel de liderança nesse contexto. N

raquel (esquerda) ao lado de crianças de Durban

Divulgação Novolhar

RAQUEL HELENE KLEBER é estudante de Relações Internacionais e participa da coordenação do Conselho Sinodal da Juventude do Rio dos Sinos (COSIJE) em Sapiranga (RS)

Mais informações: http://lwfyouth.org/2011/12/04/ y4ej-youth-participate-in-global-day-of-actiondemonstration/

Reciprocidade: base das relações

noS povoS inDÍgenaS Do BraSil nÃo Se poDem Separar aS categorias Feminino e maScUlino. porqUe o qUe eXiSTe é Uma complemenTariDaDe, é o anDar JUnToS, é o Fazer JUnToS.

por Laísa Erê, Renate Gierus e Cledes Markus

Aparticipação da mulher indígena na vida e organização do povo Kaingang é determinante para a sua existência e continuidade. Essa é a visão da bióloga Laísa Erê, da Terra Indígena Guarita, sobre a percepção de mundo das mulheres do povo Kaingang. Laisa pertence ao povo Kaingang, que é um dos mais numerosos do Brasil e vive em cerca de 30 terras indígenas demarcadas e em diversos acampamentos nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo.

Ao falar sobre a mulher do povo Kaingang, Laísa afirma que, como nos demais povos indígenas do Brasil, não se pode separar as categorias feminino e masculino, porque o que existe é uma complementaridade, é o andar juntos, é o fazer juntos. Ela explica que um dos fundamentos da vida dos povos indígenas é a reciprocidade. Essa palavra expressa um envolvimento de troca e de respeito com tudo o que os cerca, sejam pessoas, a natureza e tudo o mais que existe. Laísa afirma que “através da relação de troca são criados laços definitivos de amizade, respeito e cumplicidade”.

Assim, a reciprocidade é a base das relações que se constroem entre homens e mulheres, entre mães, pais, filhas e filhos e entre as pessoas e a natureza. O cuidado mútuo é o que molda a vida e a espiritualidade cotidiana das relações dos povos indígenas.

A organização social dos Kaingang é formada por duas metades: Kanhru e Kamê. Para esse povo, tudo neste mundo pertence a uma das duas metades, e ambas se complementam. Assim, por exemplo, no caso de doença, somente uma pessoa Kanhru pode curar uma pessoa Kamê e vice-versa.

Fotos: Arquivo do COMIN

As relações matrimoniais somente ocorrem entre Kanhru e Kamê, para que o casal possa se cuidar mutuamente, na doença e na saúde, na alegria e na tristeza. Laísa afirma que essa organização por metades é um valor cultural que não se pode perder, porque é ele que propicia a troca e os cuidados mútuos.

Nas relações de reciprocidade entre homens e mulheres, existem atividades que cabem aos homens e outras às mulheres. Por exemplo, ambos são responsáveis pela confecção do artesanato, mas é o homem que busca o material no mato e a mulher faz o trançado dos cestos. Assim também é com outras atividades.

As mulheres também assumen um papel fundamental na organização do povo e na continuidade da cultura. Nas reuniões e decisões comunitárias, participam como conselheiras. Nenhuma decisão é tomada sem antes ouvir os conselhos das mulheres. Como curadoras, conhecem as plantas medicinais, as dietas adequadas para doentes, as massagens para as gestantes e a forma de fazer o parto.

As mulheres também desempenham a autoridade como Kujá e como tal conhecem as plantas que curam o corpo e a alma, são responsáveis para orientar e aconselhar a comunidade e interpretar sonhos e acontecimentos.

A participação da mulher também é determinante na educação. São elas que ensinam os valores da cultura. Mantêm a língua Kaingang ao falar com as crianças e entre si. A educação é realizada de forma solidária e coletiva entre as mulheres, e nesse caso as avós têm um papel muito importante. Elas são conhecidas como Grande Mãe e como tais são corresponsáveis pelos cuidados com as crianças.

Albertina Dias, da Terra Indígena Guarita, lembra os ensinamentos recebidos: “Nós ficávamos ao redor do fogo na aldeia escutando as histórias, recebendo conselhos das pessoas mais velhas, aprendendo o respeito e o amor pela natureza, que é nossa mãe, a lição de ter orgulho de ser indígena”.

O mundo das mulheres indígenas, portanto, precisa ser visto a partir das relações de reciprocidade e cuidados que acontecem em comunidade e marcam todas as relações dos povos indígenas. N

LAÍSA ERÊ é estudante do Curso de Pós-Graduação “Educação, Diversidade e Cultura Indígena” da parceria COMIN/Faculdades EST RENATE GIERUS é teóloga e coordenadora do COMIN CLEDES MARKUS é teóloga e coordenadora do Projeto de Formação do COMIN

subsídios

Um caderno e um cartaz estão à disposição para a Semana dos povos indígenas 2012.

o conselho de missão entre Índios (comin), em parceria com a Secretaria de Formação da ieclB, oferece para estudo e reflexão nas comunidades e escolas o caderno “povo kaingang: vida e Sabedoria” e o cartaz da “Semana dos povos indígenas 2012”.

informações e pedidos:

cominsecretaria@est.edu.br Fone: (51) 3590-1440 caixa postal 14 93001-970 São leopoldo (rS) visite o site www.comin.org.br

Extinção de uma magia

com o Fim DoS cinemaS De rUa, aS SalaS De eXiBiçÃo migraram para locaiS onDe Há granDe concenTraçÃo De DinHeiro, TranSFormanDo a sétima arte nUma DiverSÃo para a eliTe.

por Willy Schumann

Asala de cinema está praticamente vazia. O terceiro sinal avisa que a sessão irá começar. As luzes apagamse em baixa resistência. Na tela, a última sessão de cinema. Foi assim que Cid Linhares (60) projetou, pela última vez, um filme no Cine Ritz, localizado no centro de Curitiba (PR), um dos últimos cinemas de rua, que já foi símbolo da modernidade e glamour até resistir bravamente a seu fechamento em abril de 2005. “As pessoas arrumavam-se para ir ao cinema, que tinha, em média, 900 poltronas. Eu projetava filmes para 1.800 pessoas num único dia”, lembra Linhares, projecionista desde 1967.

O servidor público Guilherme Osty (60) fala com nostalgia dos cinemas de vias públicas: “Sinto falta daquelas salas enormes, lindas. Tinha o lanterninha e aquelas cortinas que se abriam; era mágico”. Para ele, a extinção dos cinemas de rua deve-se ao fato do surgimento das videolocadoras e, posteriormente, dos shopping centers, onde há facilidade para estacionar o carro, o conforto das praças de alimentação e, principalmente, a segurança. Essa também é a opinião do cientista social, professor e pesquisador catarinense Adalberto Day, que mora em Blumenau (SC) há mais de 50 anos. Segundo ele, os cinemas localizados no centro e nos principais bairros da cidade foram, aos poucos,

Arquivo Pessoal tempos Áureos: cid linhares em 1969 na sala de projeção do cine marajó no bairro Seminário em curitiba

acoplados aos shopping centers pela comodidade e grande variedade de atrações que um centro comercial proporciona.

Outro fator importante, segundo Day, foi a proliferação de locadoras de filmes em DVD, que trouxe a possibilidade de assistir a filmes no conforto do lar. “Entender essa situação é a gente pensar que tudo evolui, mas claro que com isso o cinema toma novos rumos, sem nunca perder seu charme. É como um bom apreciador de vinho: ele sempre irá degustar novas marcas. Só mudaram a degustação, os novos mercados e nada mais; a qualidade sempre será primordial, e o cinema achará seu espaço seja onde for”, comenta ele.

“A força da TV foi o primeiro fenômeno que contribuiu para o

Arquivo Pessoal

carlos braga mueller: “a força da Tv foi o primeiro fenômeno que contribuiu para o fechamento das salas tradicionais”, diz o ex-proprietário de cinemas em Blumenau misericórdia veio com a inauguração do primeiro shopping da cidade, que inicialmente oferecia duas modernas salas de exibição, o que os obrigou a fechar as portas definitivamente em 1992.

Marlus Forigo (48), professor de filosofia, ética e ciência política, afirma que o fechamento dos cinemas de rua repetiu o que aconteceu com as mercearias de bairro, engolidas pelas grandes redes. “Quem tem dinheiro para pagar um ingresso de cinema tem cartão de crédito para gastar com roupa, eletrônicos, sapatos etc., e os shoppings, além do cinema, são um templo do consumismo”, analisa Forigo. Para ele, as videolocadoras não contribuíram para o esvaziamento

fechamento das salas tradicionais”, é a opinião do jornalista e cinéfilo Carlos Braga Mueller (72), que foi proprietário de dois cinemas em Blumenau. O Cine Atlas, que ficava no bairro da Vila Nova, funcionou de 1965 até 1972.

Nos anos 1980, Mueller e seus sócios fizeram uma nova tentativa no ramo: o Cine Carlitos, localizado no centro da cidade, mas a experiência dessa vez foi derrotada pela criminalidade. Como não dispunham de estacionamento próprio, alguns clientes eram surpreendidos com o furto de seus veículos, que estavam estacionados nas proximidades do cinema. Esse foi o grande primeiro abalo do Cine Carlitos, mas o tiro de dessas salas; pelo contrário, elas (além da internet e dos camelôs) é que garantem que as pessoas menos favorecidas tenham acesso à sétima arte. “O cinema perdeu a sua magia para tornar-se apenas um negócio”, finaliza Forigo. N

WILLY SCHUMANN é jornalista em Curitiba (PR)