Anuário Evangélico. Ano 44. 2015

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O sonho de uma mãe... Elfriede Rakko Ehlert

Meu avô materno era dono de um moinho na Rússia, na região do Cáucaso. Por isso era considerado abastado. Tanto mais admirável que minha mãe não pôde realizar o seu sonho de possuir um piano - isso muito antes do advento da revolução russa (1917) que trouxe o triunfo do comunismo, a perseguição, a perda da propriedade privada, o caos. Dois filhos da família, por exemplo, foram encarcerados (sem julgamento) e sumariamente fuzilados. Minha mãe tivera o sonho de aprender a tocar piano. Diante da nova situação todos os sonhos se desfizeram. E este sonho, em especial, nunca se realizaria. Ela, ainda adolescente, ingressou numa escola de enfermagem e formou-se enfermeira. Conheceu meu pai, estudante de medicina. Ela também teve a mesma aspiração de estudar medicina. Mas, casaram. E como eu tive pressa em chegar, ela teve que assumir o trabalho de enfermeira e deixar a filhinha aos cuidados de sua mãe, minha avó materna. Era inverno, um rigoroso inverno russo (eu nasci em dezembro) e a querida avó me levava até o hospital para que minha mãe me amamentasse ali, no local de trabalho. De ônibus? De trem? Nada disso. A pé mesmo, atravessando a neve. Meu pai se formou. No sistema vi-

gente na Rússia nos anos trinta, seria funcionário público com um pequeno salário e sempre à disposição do governo. Os médicos eram mandados a postos de saúde, de acordo com as necessidades. Lembro-me de uma moradia nossa, onde num quarto nem assoalho tinha. Lá os pais criavam três ou quatro galinhas, para termos ovos. Para aquecer a moradia, no inverno, a minha mãe carregava, todas as manhãs, feixes de palha de trigo para alimentar o fogo. Lenha não havia na região. A Ucrânia era desprovida de mato (este só na longínqua Sibéria!). E o sonho do piano? Sepultado definitivamente? Não! Sobreveio a Segunda Guerra Mundial. As tropas alemãs invadiram a Rússia, ocuparam a Ucrânia e com isso também a pequena localidade onde nós morávamos. Agora os médicos tinham que servir sob o comando dos novos donos do poder. Um belo dia estava lá, na sala de nossa casa, um piano! Quem deveria aprender a tocar? A filha (de uns nove anos). Mamãe também se exercitava um pouco, mas o sonho dela agora deveria realizar-se na filha, isto é, em mim. A guerra continuava. Meu pai, médico, era obrigado a tratar dos feridos de ambos os lados (russos e alemães). Num certo momento veio a

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