História Geral da Aeronáutica Brasileira - Vol 1

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COLEÇÃO AERONÁUTICA S ~RIE

VOL I VOL. II VOL . II1 -

-

HISTORIA GERAL DA AERONAUTICA BRASILEIRA

Dos Primórdios até 1920 De 1920 à Introdução do Jato no Brasil Desenvolvimento da Aviação Brasileira (Título Provisório)

SÉRIE -

HISTORIA SETOR IAL DA AERONAUTICA BRASILE IRA

Sanlos·Dumom e a Conquista do Ar -

SERIE I 2 -

ARTE MILITAR E PODER AEROESPACIAL

A Vitória pela Força Aérea - Major A . P . de Seversky O Domínio do Ar· - Ccn . Giulio Douhet

SER IE -

-

Aluizio Napoleão

CULTURA GERAL E TEMAS DE INTERESSE DA AERONAUTICA

A Unha - De Mermo~. Gu illaumel. Saint·Exupéry e dos seus Companheiros de Epopéia - Jean-Gcrard Fh:ury


HISTÓRIA GERAL DA AERONÁUTICA BRASILEIRA Volume I ‘‘ Dos Primórdios até 1920’’


CO LEÇÃO AE RONÁ UT ICA

Série H ISTO RI A GE RAL DA AERONÁUT ICA BRAS ILEIR A VOLUME I " Dos Primórdios ;"jté 1920"

Cap;"j CLAU DI O MARTI NS "AV IAÇÃO ANTI GA:', O!co sobre parede (12mll5m), no saguão do Aeroporto Santos-DumOIH, Rio de Janeiro. pintado em fevereiro de 1950. por Cadmo Fausto. aUllili3do por Aluizio Valle. Luiz 8 , Paes Leme e Carlos A, Cardoso,

EDITO RA ITATIAIA LIMITADA BELO HOR IZONTE Rua São Geraldo. 67 - CE P 30,150 - PABX ; 212-4600 e 222·7002 Rua da Bahia. 902 - CE P 30, 160 - Telefones: 224-5 15 1 e 226-6997 Rua São Geraldo, 53 - C EP 30, ISO - Te1.: 222·86:>0 RI O DE JANEIRO Ru a Benjam in Constant, \1 8 -

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INSTITUTO HISTÓRICO-CULTURAL DA AERONÁUTICA

HISTÓRIA GERAL DA AERONÁUTICA BRASILEIRA Volume I ‘‘ Dos Primórdios até 1920’’

EDITORA ITATIAIA LIMITADA INSTITUTO HISTÓRICO-CULTURAL DA AERONÁUTICA


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© Institu to HiSIÓrico·Cuh\'ral da Aeronáutica (\NCAER l

Parte desta obra foi financiada, de conformidade com a Lei n." 7 .505, de 2 de julho de 1986, pelas seguintcs empresas: Companhia Elctromecãnica - CELMA Empresa Brasileira de Inrra-Estrutura Aeroportuária Telecomunicações Aero náuticas S/A. - TASA

INFRAERO

Fot05: Capa c Guardas Gentileza da Superintendencia Geral de Propaganda e Imprensa da VARIG S/A.

1988 Os direitos desta edição pe rtencem ao Instituto Hi stórico·Cultu ral da Aeronáutic;J Jmprcsso no Brasil

Printed in Brazil


COMISSÃO CO NSULTIVA ALUIZIO NAPOLEÃO, Embaixador - Historiador da Aeromíutica AM[R ICO JACOBINA LACOMBE, Professor - Presidente do l n5ti tuto Hi5tÓrico.Gco. gráfico Bra5ileiro c Membro da Academia Brasileira de Letra5 ANTONIO FERREIRA PAIM, Professor Universitário ARNALDO NISK IER, Professor - Membro da Academia Brasilcir:l de Letras CAR LOS EUGI!N IO DUFRICHE, Comandante - Pesquisador da História da Aero· náutica COM ISSÃO DE REDAÇÃO DEOCLf:CIO LIMA DE SIQUEIRA, Tenente-Brigadeiro do Ar - Diretor do Instituto HistÓrico·Cultural da Ae ronáutica OSWALDO TERRA DE FARIA, Major-Brigadeiro do Ar - Presidente cio Centro Dra· silciro de Estudos Estratégicos OSCAR DE SOUZA SPI NOLA IUN IOR, Coronel-Aviador - Pesquisador da HiSlória da Aeronáutica FLÁV IO i OS[ MART INS, Coronel da Aeronáutica - Professor dc Lingu3 Portuguesa COMISSÃO -AUXILIAR Ccl Av RR IVAN BERNARDINO DA COSTA Dr . ALC IR DE BARROS SILVA ProL VINIC IUS JOSE: TÁVORA



ÍNDICE GERAL

APRESENTAÇÃO INTRODUÇÃO -

17

O INSTITUTO HISTORICO-CULTURAL DA AERONÁUTICA 17/26 1 -

2 3 4 -

5 -

-

15

Origens 17 Instalação 20 Filosofia 23 Projetos 24 Meios 25

A HISTORIA GERAL DA ÀERONÁUTICA BRASILEIRA J 2 -

PARTE I -

Considerações Básicas Fases 29

O DESAFIO DO ESPAÇO AfREO ATf BARTOLOMEU DE GUSMÃO 33/39

Capitulo I -

O CENÁRIO

J -

Preliminares

2 -

Biosfera 36 O Ecúmeno 36

3 -

C.pitulo 2 1 -

2 -

27

35

35

UM MERGULHO NA PRE-HISTORIA

As Civilizações Antigas 40 As Possíveis Aeronaves 47

40/ 56

27/ 31


Capítulo 3 I 2 :; -

-

Capítulo 1 -

-

97

DAS CONQUISTAS IN ICIAIS A AUGUSTO SEVERO AVANÇOS PELO ESPAÇO

Presença Brasileira I I 5 Contribuição da Ciência Realizações 117

Capítulo 2 I 2 :; 4 5 6 7

BARTOLOMEU LOURENÇO DE GUSMÃO (1685-1724) 66/109

Considerações Gerais 66 O Homem 69 O Sacerdote 71 O Bem-Dotado 72 Primeiras Manifestaçõcs de Inteligência 74 In venção do Aeróstato 75 A Passarola, Iconografia Infeliz 77 Uma Descrição mais Verossímil 80 Int rodução na Corte Portuguesa 82 A Petição de Privilégio a D. João V 83 O Alvará de D. João V 83 As Experiências com o Aeróstato 90 O Atraso Científico c as Reações dos Contemporâneos Outros Inventos 100 O Prestígio na Corte 101 Declínio e Desaparecimento 103 A Primazia Inconteste 108 Cronologia 109

PARTE 11 -

I 2 3 -

57/65

O Homem e o Céu 57 Estórias de TentativaS 58 O Vôo dos Pássaros 6 t

Capítulo 4 I 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 J7

AS TENTATIVAS INIC IAIS

115(123

116

OS BALOES NA GUERRA DO PARAGUAI (1867) 124/142

Preliminares 124 A Decisão 124 A Aquisição dos Balões 128 A Operacionalidade dos Balões 134 As Ascensões e suas Repercussões 135 Documentos 137 Cronologia 140


CapílUlo 1 2 ') 4 5 6 7 -

3 - JúLI O CI::SAR RIBEIRO DE SOUSA 143/ 196 Preliminares 143 O Homem 146 O Estudo da Aerostação: Primeira Memória c o Parecer do Instituto Politécn ico 149 As Experiências do Balão Fu si morme· Dissimétrico em Paris 164 Temporada Brasileira: As Experiências e o Protes to 166 Uma Grande Vida, um Triste Ocaso 191 Cronologia 194

Capílulo 4 -

I 2 3 4 5 6 7

-

AUGUSTO SEVERO DE ALBUQUERQU E MARAN HÃO 197/231 Prelim in ares 197 O Homem 198 O Político 199 O Inventor 206 A Concepção do Scrni·Rígido 208 A CatástrOfe 2 14 A Comribuição Valiosa 224 Cronologia 229

PART E I11 -

SANTOS-DUMONT, SEU TEMPO E SUAS VITOR IAS 233 / 354

Capítulo I 2 3 4 5 -

1 - A VOCAÇÃO 235 / 256 Prelim inares 235 O Homem 236 O Obst inado 241 A Motivação Aeronáutica - A Primeira Ascensão A Primeira Ascensão 252

Capítu lo 1 2 3 4 5 6 7 -

2 - O MAIS-LEVE·QUE-O-A R 257 /298 A Experiência Progressiva 257 Os Balões de Santos-Dumoo! 261 O Santos-Dumon! n ," 1 264 Sucessão de Projetos 268 O Sucesso do N,o 6 283 OU lros Modelos 289 Os Dirigíveis e a Guerra 294

Capítulo 3 12 3 -

O MAIS·PESADO-QUE-O-AR AN TECEDENTES 299/ 310 Os Aeromodelos 299 Os Avanços 303 Os Planadores 308

245


Capítulo 4 I 2 3 5 6 1 8 9

-

Capítulo 1 -

-

-

6 7 8 9 10

-

11 -

12 -

311 / 384

ASPECTOS DO INIC IO DO SI!CULO XX

381 / 362

361

CHEGADA DA AV IAÇÃO NO BRASIL

PRIMEIRAS ESCOLAS DE AV IAÇÃO

335

355

363/386

O Vôo Torna-se Moda 363 Primeiros Vôos 366 Interesse Militar 370 Reide Praça Mauá-Ilha do Governador 372 Criação do Aerodube do Brasil 375 Reide São Paulo--Santos-São Paulo 378 Primeiro Aviador do Exército 383 O Aero-Club se Engrandece 386

Capítulo 3 1 2 3 4 5

A AVLAÇÃO NO BRASLL (ATf 1920)

Consolidação da República 357 Preocupações da I!poca 358 Avião - Portador de Esperanças

Capítu lo 2 I 2 3 4 5 6 7 8

REALIDADE

O Vôo Autônomo 311 A Caminhada do Gênio 314 O Novo Engenho 3 I 6 O Vôo de 220 Metros 323 Os Sucesscs do 14-8is 324 O Astronauta Complete: Novos Recordes c Último Vôo O Declín io de uma Vida 331 A Primazia Inconteste 342 Cronologia 345

PARTE LV -

I 2 3 -

O MAIS·PESADO·QUE-O-AR -

387 / 417

A Escola Brasi leira de Aviação: Origens 387 Conseqüências para o Aero-Club 389 Os Matriculados na Escola Brasileira de Aviação 392 Campo dos Mansos: Sua História 395 A Escola de Aviação da Força Pública de São Paulo_ Origens 403 Edu Chaves e sua Participação na Escola 404 Rota Rio--São Paulo: Inauguração 405 A Escola de Aviação Naval: · Origens 406 Organização e Primeiros Brevetados 409 Atividades Aéreas 411 Regulamento: Cursos e Provas Aéreas 412 Eventos e I!xitos Iniciais 414


Capítulo 4 -

A CAMPANHA DO CONTESTADO E O EMPREGO DA AVIAÇÃO

1 2 3 4 5 -

A Região Contestada 418 Misticismo e Realidade: Confrontos Armados 420 Ricardo João Kirk: O Avião é Lembrado 421 Preparativos da Operação Aérea 423 Missão Falai 425

Capítulo 5 12 3 4 -

ESCOLAS DE AVIAÇÃO APOS A GUERRA

436/469

Um Avião Polêmico na Força Pública do Paraná 436 A Escola Paranaense de Aviação: Origens 439 - Dificu ldades: Final Melancólico 441 - A Missão Francesa de Aviação 443 - A Escola de Aviação Militar: Origens 446 - Organização e Primeiros Brevetados 449 - Regulamento: Cursos C Provas Aéreas 453 - Acideme Fatal não Interrompe Exilos Iniciais 454 - Desenvolve-se a Escola de Aviação Naval 455 - O Primeiro Vôo Aeropostal a Serviço da Esquadra 459 - O Primeiro Vôo Rio--Santos 460 - Eventos e Novos t:x itos na Escola de Aviação Naval 461 -A Força Pública de São Paulo Reabre Sua Escola 464 - Admissão, Provas Aéreas c Brevês da Primeira Turma 468 - Eventos e 1?:xitos Iniciais 468

Capítulo 7 I 2 3 4 5

A fPOCA DA PRIMEIRA GRANDE GUERRA 429/435

O Brasil Emra na Guerra 429 Preocupações Militares e a Aviação 431 O Serviço de Defesa das Costas e Fronteiras do Brasil por meio de Engenhos Aéreos 432 Aviadores Navais Brasileiros nos Céus da Europa e América do Norte 433

Capítulo 6 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 II 12 13 14 15

418/ 428

-

REIDE RIO--BUENOS AIRES

470í481

Aspectos da Scgunda Década do Séc. XX 470 Tcmativas do Vôo Rio--Buenos Aires 471 Brasil e Argentina : Compclição Decisiva 476 Vitória Brasilcira de Edu Chaves 479 Fim da Segunda Década do Século XX 480


Capítulo 8 1 -

2 3 -

I NDÚSTR IA AERONÁUTICA

421 /509

Sonhos de Colaboração 482 Comissão do Aero-Club Exa mina Novas Criações Colaborações Reais 491 Bibliografia

Si I

489


APRESENTAÇÃO

Nós, homens da aVlaçao, temos o raro privilégio de ser contemporâneos de outroOs que foram testemunhas do alvorecer de uma nova era. Nenhuma atividade humana se desenvolveu com tamanha rapidez e provocou tantas mudanças comportamentais na sociedade como a aviação, fruto de um permanente crescendo tecnológico. Se o uSoo do avião para fins comerciais ganhou dimensões que hoje não nos permitem admitir sua estagnação ou mesrpo menor desenvolvimento, a aviação militar, por seu turno, transmutou completamente o panorama de todas as guerras deste século. DespontoOu então o Poder Aéreo, hoje com sua onipresença e magnitude, compreendido e aceito, ou não - mas, sobejamente respeitado. O sempre meteórico proOgresso da aviação não mais nos impressiona. Já aprendemos a conviver com esta realidade. , O ensejo de registrar cronologicamente os passos da Aviação no Brasil, iniciativa que 00 INCAER tomou a si, com absoluta propriedade e oportunidade, sob o título "HISTÓRIA GERAL DA AERONÁUTICA BRASILEIRA", não é somente necessário - é fundamental. Estimula e entusiasma saber que se venha a obter tão grandioso relato da história de nossa Aeronáutica. Cumula-nos de honra ter a oportunidade de sermos compartes de nosso Patrono, ALBERTO SANTOS-DUMONT, o PAI DA· AVIAÇÃO, na tarefa de preservar para todo o sempre seu invento, sua idéia, enfim, sua inspiração criativa. Esta obra, não se imaginando definitiva e acabada, veio preencher uma lacuna que, sem dúvida, era uma obrigação inalienável de nossa geração. Por outro lado, a maneira pela qual a obra está sendo elaborada, um colegiado dirigido e orientado pelo INCAER, dá'nos a certeza de que fugiremos de interpretações pessoais ou posições personalísticas e teremos, na realidade, um registro histórico profundo e abrangente. .. Temos também a certeza de que a preparação e compilação de dados para a elaboração final da "História Geral da Aeronáutica Brasileira" encontrou respaldo em outra obra pioneira, a "História 15


da Força Aérea Brasileira" de autoria do nosso saudoso Ten. Brig. NELSON FREIRE LA VEN!,;RE· WANDERLEY, a qual documenta cronologicamente o surgimento de nossa Aviação Militar. A felicidade de assistir ao desenrolar deste trabalho, por ocaSlao de minha gestão à frente do Ministério da Aeronáutica, permite-me louvar a todos que direta ou indiretamente se responsabilizam por sua feitura, aos quais procurarei traduzir a eterna gratidão da famma aviatória, de hoje e do futuro. Afirmaria ainda que, da inspiração de ALBERTO SANTOS· -DUMONT tivemos a máquina; dos cérebros de muitos tivemos a concepção da sua doutrina de emprego; do conhecimento, antevisão e inteligência de todos teremos a consagração do Poder Aéreo. Em todo esse processo avulta a simbiose homem-máquina, a qual, característica primária, fundamental e permanente da Aviação, evidencia-se por sua interação perfeita e inteligente. O avião, o homem, o voar, o buscar do desconhecido, o encontrar da verdade, são estímulos de e para todas as gerações, as quais, descortinando novos horizontes, palmilhando novos caminhos no céu, darão continuidade a este eterno conquistar .

"Parece-nos que confundem fim e meio os que se assustam em demasia com os nossos progressos técnicos. Quem luta com a única esperança de recolher bens materiais, efetivamente não recolhe nada que valha };iver. Mas a máquina não é um fim, é uma ferramenta como a charrua. Se acreditamos que a máquina destr6i o homem, é que talvez careçamos de algum recuo para julgarmos os efeitos de transformações tão rápidas como as que sofremos. Que são os cem anos da hist6ria da máquina em face dos cem mil anos de história do homem?" (Saint-Exupéry.)

Octávio Júlio Moreira Lima Ministro da Aeronáutica


INTRODUÇÃO

O INSTITUTO HISTORICO-CULTURAL DA AERONÁUTICA

1. Origens

ÃO se sabe quando, exatamente, começou a germinar a idéia da criação de um órgão, no qual se concentrassem as preocupações com a história e a cultura geral da Aeronáutica Brasileira. Considere-se, porém, que o processo de conquista do espaço, por sua inquestionável importância, apresentou-se, aos brasileiros e à própria humanidade, como desafio de relevo vital, cujos fatos históricos passaram a merecer atenção especial, alinhando-se na galeria dos eventos que merecem registro para utilidade futura. Essa preocupação de preservar o exemplo da História para o bem da humanidade remonta aos tempos antigos. Já na fase inicial de nossa colonização, por exemplo, Frei Vicente do Salvador (nascido em 1564 e falecido entrc , 1636-39), conhecido como o "Pai da História do Brasil" ou como o "Heródoto Brasileiro", e consagrado com sua obra "História do Brasil - 15001627", refere-se a essas preocupações. Na dedicatória do seu trabalho (datada na Bahia, a 20 de dezembro de 1627), em síntese primorosa, rea lça a imporlância da História, com as segu in tes palavras: "O motivo que teve Aristóteles para se divertir da especulação a que o seu gênio e inclinação natural o levava, como consta da sua Lógica, Física e Metafísica, e dar-se a escrever livros históricos e morais, quais suas Eticas e Políticas e a História de Animais, além de lho mandar .o grande Alexandre e lhe fazer as despesas, foi ver também que estimava tanto o livro de Homero, em que se contam os feitos heróicos de Aquiles e de outros esforçados guerreiros, que

N

17


(segundo refere Plularco "in vila Alexandre") de 'ordinário o trazia consigo, ou quando o largava da mão, o fechava em escritório guarnecido de ouro e pedras preciosas, melhor peça que lhe coube dos despojos de Dario, ficando-lhe na mão a chave, que de ninguém a fiava. E com muita razão, porque (como diz Tu/io Jl em "de Ora/ore") os livros históricos são luz da verdade, vida da memória e mestres da vida; e Diodoro Sículo diz "in proemio sui operis" que estes igualam os mancebos na prudência aos velhos, porque a que os velhos alcançam cOm larga vida e muitos discursos, podem os mancebos alcançar em poucas horas de lição, assentados em sua casa, Eis aí a razão porque o grande Alexandre tanto estimava o livro de Homero e, se hoje houvera muitos Alexatldres, também houvera muitos f-l omeros". 11 Razão não faltava ao Pai da nossa História, ao considerá-la uma fonte de experiência para as ge rações. A consciência dessa verdade, tão presente nas atividades humanas, por certo acompanhava os passos da Aviação Brasileira, a qual, numa perspecti va ,mai s ab rangen te, alargava também o horizonte de suas preocupações para o universo da cultura. Há mai s 4e meio século, pelos idos de 1920, um representante da inteligência da Aeronáutica, Domi ngos Barros, em sua Aeronáutica Brasileira, dizia: " Precisamos criar a nossa mentalidade aeronáutica. A única providência que se nos afigura viável, para que possamos colimar esse "desideratum", consiste na criação de uma instit uição imprescindível - o Instituto .Nacional de Aeronáutica - com o objetivo de nacionalizar e oficializar as criações aeronáuticas brasileiras. Funcionará na Capital da República e terá os seguintes fins e atribuições: I - Coligir documentos, provas e ilustrações, em fac·símile fo· tográfico, de tudo quanto possa interessar ao estudo e à comprovação da prioridade das criações brasileiras em Aeronáutica, por sua autenticidade, os elementos positivos e incontestáveis sobre os quais possa ser baseada a defesa exaustiva de nossas reivindicações. II - Essa documentação em "fac-símile", ad,'cionada à documentação original, em obras adquiridas, ou que sejam doadas, constituirá uma seção do Mu seu de História da Aeronáutica Brasileira, a ser continuamente enriquecida pelo Instituto. III - O In stituto estudará, atentamente, todas as objeções formuladas contra a prioridade de nossas criações aeronáuticas e elaborará a contestação decisiva, com documentação e argumentação positiva, sob a mais rigorosa base histórica e científica. IV - O Instituto redigirá e publicará uma Revista periódica, em que serão publicados trabalhos originais e reproduçõts históricas, 18


relativas às atividades aeronáuticas brasileiras. Os atos~ os estudos e as elaborações do Instituto serão publicados regularmente na Revista, com o conveniente desenvolvimento. V - O Instituto organizará um curso regular de estudos das criações e atividades aeronáuticas brasileiras, baseado em .documentação histórica e considerações científicas adequadas. Serão dissertações simples e concisas, abordando, diretamente, os assuntos respectivos, sem exibição de escusada literatice. Tudo posttivo, sintético e claro. Esse estudo compreenderá:

a - a concepção e realização do aeróstato por Bartolomeu de Gusmão, mostrando o passo gigantesco que representa o abandono da idéia absurda da asa, que, desde um passado milenário, impediu a realização da navegação aérea; a idealização e objetillação do flutuador aerostático, donde deveria sair a aeronave; b - a resolução do problema da marcha autônoma da aerOnave, por Santos-Dumont, pela aplicação decisiva do motor de combustão interna, permitindo, desde logo, a realização da primeira viagem aérea dentro das coordenadas precisas do tempo e do espaço; c - a criação original e efetiva da ave mecânica autônoma~ por Santos-Dumont - O Pai da Aviação - incluindo o objetivo de estudar e refutar a pretensão de Wilbur Wright, sobre a prioridade da invenção do aeroplano; d - criação do navio aéreo apto a navegar, pela consolidação do conjunto em um todo unificado, por Augusto Severo, quatro anOs antes de Zeppelin; e - estudo comparativo entre o sub-aéreo rígido de Zeppelin e o navio semi-rígido de alto ar de Augusto Severo, proposto por ele como solução racional e definitiva do tráfego aéreo;

f-

estudo' comparativo e-!1tre o semi-rígido de Severo e o de Nobile, demonstrando que a construção italiana, que transpôs o Pólo, com tanta facilidade, nada mais é que o "Pax", com poucas alterações; g - . conhecimentos sobre Física, Barologia e Meteorologia.. aplicadas à Aeronáutica; mecânica aplicada aos aparelbos .do ar, abrangendo o estudo dos motores de combustão interna e elétricos; apreciação do vigamento metálico próprio das aeronaves e .estudo das hélices, etc.

Não queremos deixar a vida objetiva sem que .fique alguma coisa que possa contribuir para a consolidação e defesa da maior glória brasileira . Daí a obra que ideamos .e que agora submetemos ao vosso benévolo e patriótico julgamento.,,9 19


Essas idéias, na sua quase totalidade, são as mesmas de agora. Sobreviveram a meio século, e incorporaram~se à Inteligência df Aviação Brasileira .. Nos meados da década de 70, uma feliz ocorrência permiti\! dar-se início à concretização desse sonho: a Acádemia do Ar transferia-se para Pirassununga, deixando em disponibilidade os hangare~ no Campo dos Afonsos, berço da Aviação Brasileira. Em vista disto, o então Ministro da Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro-do-Ar Joelmil Campos de Araripe Macedo, criou, naquele local, o Museu Aeroes· pacial. Já nos primeiros anos de funcionamento, a nova organização começou a apresentar as dificuldades inerentes a um órgão cujas funções eram, até então, estranhas ao grande arcabouço administrativo do Ministério da Aeronáutica _ Simultaneamente, ampliaram-se as preocupações com a memória da Aviação. Havia, dispersos pelo Brasil, outros centros possuidores de acervos históricos de interesse, os quais, para melhor servirem à Inteligência Aeronáutica, deviam ser integrados. Por outro lado, acentuava-se o interesse por outras atividades culturais. Assim, aos poucos, foi-se desenvolvendo a idéia da criação de um órgão no qual se centralizassem as medidas para atender a todas essas aspirações e necessidades _ Pensou-se primeiro numa FUl1dação, cuja autonomia plena atenderia melhor a esses propósitos. O Governo Brasileiro, no entanto, vinha-se opondo à criação de tais entidades, que não lhe ofereceriam condições de efetivo controle administrativo _ Outra solução seria utilizar-se do previsto no Art. 172 do Decreto-Lei n.o 200, que se refere a serviços~ institutos e estabelecimentos, como órgãos de autonomia administrativa compatível com suas missões específicas, subordinados, porém, à supervisão ministerial. Nesse quadro, ante as dificuldades para criação de uma fundação, o então Ministro da Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro-do-Ar Octávio Júlio Moreira Lima, com visão 'objetiva, optou pela implantação do Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica, o INCAER, baseado no dispositivo legal acima mencionado. 2. Instalação

o INCAER foi criado pelo Decreto n.' 92.858, de 27 de junho de 1986. ,seu primeiro Diretor, Ministro do Superior Tribunal Militar aposentado, Tenente~Brigadeir{).do-Ar Reformado Deoclécio Lima de Siqueira, nomeado por Decreto de 8 de outubro de 1986, tomou posse na Direção, a 21 do mesmo mês. Nessa oportunidade, entre outras, apresentou as seguintes idéias: 20


"O posto que assumo tem muito a ver com o nosso passado . Este nos legou um precioso acervo de exemplos e experiências. Não basta, porém, ter-se apenas notícias do que se passou. Há histórias, como a da Aeronáutica Brasileira, que não podem ficar na periferia do conhecimento. A potencialidade delas não deve se perder no esquecimento dos tempos e, muito menos, na indiferença dos homens. O nosso Instituto fala também da Cultura Aeronáutica. Vivemos o mundo dos conhecimentos; bem avaliados, eles representam o grande manancial de poder dos nossos tempos. São as novas moedas de um novo capital. As responsabilidades da nossa Aeronáutica para com o Brasil, e outras nações, ligam-se a esses fatos de tanta importância no mundo de agora." Ao final, o Exm.o Sr. Ministro da Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro-da-Ar Octávio Júlio Moreira Lima, entre outras, proferiu as seguintes palavras: "Ao ser criado O Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica e empossado seu primeiro Diretor, concretizamos uma velha aspiração da Aeronáutica. O que tornou mais singular este evento é que somente oitenta anos são transcorridos do primeiro estímulo real da aviação, e, ainda hoje, con vivemos com homens que já viviam quando Santos-Dumont iniciou seus vôos. Desta forma, somos como que confundidos e miscigenados com fatores de hoje e da história. O In stituto Histórico vem assim institucionalizar a memória da Aeronáutica Brasileira, cultuando o ontem, vivenciando o hoje t projetando o amanhã." Em meados de 1987, a Direção do Instituto, que até então funcionava provisoriamente junto à Presidência do Clube de Aeronáutica, transferiu-se para sua sede definitiva, ocupando o edifício da antiga Estação de Hidroaviões, construído na década de 30. Trata-se de prédio tombado, de grande valor histórico e cultural para a Aviação, pois, al ém de sua função pioneira corno estação de passageiros aéreos, é, até hoje, considerado uma importante obra da arquitetura nacional . A 20 de julho de 1987, natalício de Santos-Dumont, deu-se a instalação fonnal do INCAER, com a presença do Ministro da Aeronáutica e do Conselho Superior do Instituto. Este Conselho era constituído de 11 integrantes, cada qual ocupando, simbolicamente, a cadeira de um Patrono - personalidade, já falecida, que se tenha destacado na História da Aeronáutica. Conselheiros e Patronos foram selecionados através de consulta feita a 50 personalidades da Aviação Civil e Militar . Posterionnente, o Conselho, por prerrogativa regimental, elegeu mais um Patrono e o respectivo Conselheiro, integralizando o número de 12 cadeiras, número passível de ser eventualmente alterado, a critério do próprio Conselho . 2t


Segue-se a relação dos Patronos dessas primeiras Cadeiras e seus respectivos ocupantes, que compõem o atual Conselho Superior do Instituto. A relação obedece à ordem cronológica de nascimento dos primeiros:

BARTOLOMEU LOURENÇO DE GUSMÃO da por OMAR FONTANA.

Cadeira ocupa-

AUGUSTO SEVERO DE ALBUQUERQUE MARANHÃO Cadeira ocupada por JOSE CARLOS DE BARROS NEIVA. ALBERTO SANTOS-DUMONT SIMIRO MONTENEGRO FILHO.

Cadeira ocupada por CA-

EDUARDO PACHECO CHAVES PAULO DE OLIVEIRA SAMPAIO.

Cadeira ocupada por .

JOAQUIM PEDRO SALGADO FILHO por NERO MOURA.

Cadeira ocupada

ARMANDO FIGUEIRA TROMPOWSKY DE ALMEIDA Cadeira ocupada por JOÃO EDUARDO MAGALHÃES MOTTA. HENRIQUE RA YMUNDO DYOTT FONTENELLE - Cadeira ocupada por JOELMIR CAMPOS DE ARARIPE MACEDO. LYSIAS AUGUSTO RODRIGUES AmSIA PINHEIRO MACHADO. EDUARDO GOMES LIMA DE SIQUEIRA.

Cadeira ocupada por

Cadeira ocupada por DEOCLECIO

ANTONIO GUEDES MUNIZ RES SILVA.. RUBEN MARTlN BERTA SMIDT.

Cadeira ocupada por OZICadeira ocupada por HELIO

NELSON FREIRE LAVENERE-WANDERLEY ocupada por HENRIQUE FLEIUSS <t 15.04.88).

Cadeira

Dos pronunciamentos feitos no dia da instalação do Insti· tuto, cabe destacar as segujntes passagens: do Ministro da Aeronáutica "Vemos assim concretizada uma intensa aspiração dos tantos homens que doaram seus esJorços produtivos ao ideal aviat6rio . Identifico também o acerto na escolha de .elevados nomes para compor o Conselho Superior do Instituto, artífices na laboriosa tareJa de resgatar e coletar valiosos testemunhos na preservação de nossos pr6prios passos e caminhos . São os senhores a amostragem viva desta Casa~ e pelos quais revelamos respeitosa admiração. 22


Num somatório maior que a simples umao de nossas partes, estaremos orientando o edificar futuro pelo registro histórico dos acertos passados. do Diretor do INCAER "Há meio século, lá pelos idos de 1937 e 38, o Departamento de Aviação Civil, então no Ministério de Viação e Obras Públicas, construía e inaugurava este prédio onde nos encontramos. Hoje instalamos aqui o INSTITUTO HISTORICO-CULTURAL DA AERONAUTICA. Evidentemente, uma estranha força teima em ligar o destino deste local aos caminhos da Aviação. Certamente, aqui estamos para ajudar a iluminar estes caminhos, pois nosso des· tino é perpetuar O passado para que o futuro também mereça ser perpetuado. Esperamos aproveitar ao máximo as possibilidades deste local, num permanente chamamento para as coisas da memória e da cul· tura da A viação Brasileira. Esta é a nossa missão. Este é O nosso destino. Esta a nossa esperança." >J

3. Filosofia Do próprio nome - Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica podem-se depreender os objetivos precípuos da entidade. Embora haja uma superposição de significados nestas duas palavras - a Cultura abrange necessariamente a História - quis-se conferir a esta um certo destaque, dentro do universo da Cultura, porque, como guardiã dos exemplos do passado, a História exerce importante influência nos destinos humanos. Para que esta contribuição seja eficaz, porém, é imperioso que seu relato não sofra distorções, pois o futuro não pode assentar-se no alicerce frágil da meia-verdade e da mistificação. Tucídides, o grande historiador da Grécia Antiga, em sua magistral obra História da Guerra do Peloponeso, nas considerações iniciais, deixou para os historiadores de todos os tempos a seguinte reflexão: "Segundo as minhas pesquisas, foram assim os tempos passados, embora seja dificil dar crédito a todos os testemunhos nessa matéria. Os homens, na verdade, aceitam, uns dos outros, relatos de segunda mão dos eventos passados, negligenciando pô-los à prova ...45 Alega ainda O famoso historiador que procurou não dar crédito nem aos poetas, nem aos escritores da Antiga Grécia, porque eles, inadvertidamente, escorregam para o domínio da fábula. De· pois acrescenta outra observação imortal:

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"Pode acontecer que a ausência do fabuloso em minha narrativa pareça menos agradável aos ouvidos; mas quem quer que deseje ter uma idéia clara, tanto dos eventos ocorridos, quanto daqueles que algum dia voltarão a oCOrrer em circunstâncias idênticas ou semelhantes, em conseqüência do seu conteúdo humano, julgará a minha história útil, e isto me bastará. Na verdade, ela foi feita para ser um patrimônio · sempre útil, e não uma composição por algum prêmio. ,,95 Todas estas reflexões conduzem à definição de dois princípios que foram escolhidos para inspirar as atividades do INCAER: Verdade e Continuidade. A Verdade só pode ser alcançada evitando-se a todo custo a narrativa falseada; que compromete a utilidade da História. Este princípio leva também ao posicionamento imparcial, isento de paixões, já que estas acabam por acarretar imperdoável impostura. A busca da Verdade envolve a fidelidade aos fatos históricos e ao conteúdo humano que neles está em jogo. Por Continuidade entende-se · a necessidade de se dar seqüência aos rumos traçados para a atuação do Instituto. Além de garantir a manutenção da política por ele definida, a continuidade defende também a permanência dos elementos humanos que o compõem. Considerando-se que ·cada pessoa constitui um repositório de dados, é desejável evitar-se sua substituição, pois esta poderia, em última análise, resultar em interrupções e retrocessos de conseqüências danosas. Para garantir a continuidade, o Instituto tem seu destino nas mãos de um Conselho Superior, cujos integrantes têm poder vitalício. É, pois, com base nestes dois princípios, que o INCAER se dispõe a cumprir o seu papel como órgão centralizado r da História e da Cultura pertinentes à Aeronáutica Brasileira. 4. Projetos . O Conselho Superior do Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica aprovou que as atividades do órgão devam processar-se através de Projetos. Essa resolução, prevista no Regimento Interno, baseou-se nas seguintes razões: primeiro, porque as atividades do órgão não se desenvolverão necessariamente de maneira ininterrupta; segundo, porque este sistema facilitará a captação de recursos e seu controle, de acordo com as possíveis instruções dos patrocinadores ou doadores; e terceiro, porque esta sistemática visa a racionalizar a vida administrativa que, por sua vez, resguarda o princípio de economia. Dessa forma, a contratação de serviços será feita sempre e tão-somente quando os projetos o exigirem, eliminando-se o grave problema da ociosidade. 24


Os projetos dividem-se em dois grandes grupos: os permanentes e os temporários. Em 1988, os trabalhos do INCAER estão se desenvolvendo de acordo com o seguinte quadro de projetos: . - Permanentes: redação da História Geral da Aeronáutica Brasileira, Outras Publicações e Talento Aeronáutico; - Temporários: Informática, MUSAL. e .Sede Própria. Os três projetos permanentes estão diretamente ligados aos objetivos do Instituto, já que seu desenvolvimento acarretará a realização de numerosas atividades culturais. Todos são permanentes pa.rque envolvem preocupações de caráter constante. Mais adiante, serão discutidos com maior riqueza de detalhes. Dentre os projetos temporários, Informática refere-se à implantação de um sistema de Processamento de Dados para permitir a manipulação do imenso acervo histórico da Aeronáutica, já existente no MUSAL e em vários outros museus do país. O projeto MUSAL diz respeito aum plano diretor do Museu Aeroespacial do Campo dos Afonsos, visando ao seu desenvolvimento futuro. O projeto Sede Própria destina-se a consolidar a instalação da Direção do INCAER no edifício onde já se encontra. A partir dessas- definições, todos os integrantes deste órgão, de uma forma ou de outra, estarão trabalhando em benefício do desenvolvimento desses projetos. 5. Meios Para atendet aos diversos projetos, o Instituto tem uma organização simples eaÍtamente flexível. Conta apenas com uma Divisão de Pesquisa, uma de Planos e uma Administrativa, as quais não dispõem de seções e trabalham em constante regime de intercâmbio de esforços. Dentro deste organograma linear, desenvolvemse as atividades de pesquisa, consultas, contratação de serviços (edição de livros, traduções, apoio, etc.), e promoção de eventos de caráter cultural, como seminários, simpósios, encontros, etc. Cabe destacar o I Seminário de História da Aeronáutica, realizado em outubro de 1987, o qual trouxe preciosa contribuição para a redação da História Geral da Aeronáutica Brasileira. Nesse evento, que contou com a participação de personalidades ligadas ao estudo do tema, foram coletadas colaborações altamente significativas, todas constantes do Informe Final sobre o evento, publicação que será de enorme valia para os estudiosos da matéria, já se revelando de grande ajuda para as atividades do Instituto. oportuno destacar os seguintes trechos da apresentação deste Informe:

e

25


"O [' Seminário de História da Aeronáutica Brasileira foi realizado sob os ausp'ícios do INCAER, em sua sede, no Rio dt: Janeiro, no perlodo de 26 a 30 de outubro de 1987, e teve como objetivo discutir e firmar pontos de vista sobre a História da Aeronáutica Brasileira. Para a consecução dos trabalhos, foram considerados quatro temas: 1 - Esclarecimentos sobre o Pioneirismo Aeronáutico Brasileiro - até 1906; 2 - Primórdios da Aviação Brasileira - dê 1906 até início da década de 20; 3 - Consolidação Inicial dos Segmentos Civil e Militar (Marinha e Exército) da Aviação Brasileira. -' - até 1941 (Criação do Ministério da Aeronáutica); e, 4 - O Ministért;ó da Aeronáutica e a Segunda Grande Guerra - Conseqü.ências imediatas na A viação Bra~ileira . . Cumpre ressaltar que este Informe Final não representa conclusão do INCAER, mas sim, valiosa fonte de subsídios a serem analisados em proveito da redação da História Geral da Aeronáutica Brasileira, já em fase de elaboração."

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A HISTÓRIA GERAL DA AERONÁUTICA BRASILEIRA

1. Considerações Básicas

E

M 27 de abril de 1987, pela Portaria n.o 4 do Diretor do INCAER, foi criado o Projeto História da Aeronáutica, com o objetivo de se elaborar uma obra abordando os fatos mais significativos da evolução aeronáutica mundial e brasileira,e contendo as biografias dos principais vultos nacionais responsáveis por esse desenvolvimento. P~ra organizar e executar este projeto, foi criada uma Comissão cuja chefia foi entregue ao Major-Brigadeiro~do-Ar R/R Oswaldo Terra de Faria, que passou a ser o seu Coordenador permanente. Logo no início dos trabalhos, percebeu-se ser necessário definir os seguintes pontos de ordem metodológica: significado e abrangência da palavra Aeronáutica, campos temáticos, continuidade do registro histórico, natureza da abordagem, periodização e simultaneidade. Pode-se perceber a imensidão dos campos temáticos a serem abordados, pelo próprio significado da palavra aeronáutica. Etimologicamente, este termo significa ciência da navegação aérea. Com a criação do Ministério da Aeronáutica, a palavra passou a ter, no Brasil, um sentido muito mais abrangente, envolvendo uma ampla gama de atividades ligadas, direta ou indiretamente, aos vôos na camada de ar (atmosfera) que circunda nosso planeta. No decorrer do tempo, o homem lançou-se para o espaço, ultrapassando os limites da atmosfera, mas não o âmbito da palavra aeronáutica, que passou a abranger em seu conceito também as arremetidas para além do espaço aéreo propriamente dito. Outro fator também concorreu para esta ampliação de significado. No contexto das atividades aéreas e espaciais, há um consenso generalizado em tomo do chamado "princípio da entidade", ou seja, o de que o relacionamento entre essas atividades é de tal modo interdependente, que sua eficiência só pode ser alcançada com a existência de um organismo administrativo autônomo, responsável pelo seu controle. No caso, o Ministério da Aeronáutica é esse organismo, pois a ele estão afetas todas as atividades aeroespaciais. 27


A partir destas considerações, fixaram-se os seguintes campos temáticos: conquista do ar e desenvolvimento inicial da Aeronáutica no Brasil, organização da Aeronáutica Brasileira nos setores civil e militar, consolidação da Aeronáutica, conquista do espaço e desenvolvimento aeroespacial: A própria relação destes campos temáticos deixa transparecer a preocupaçã'O com a continuidade do registro histórico. Eles começam com a conquista d'O ar e, numa pr'Ojeção para um futuro distante, terminam com o desenvolvimento aeroespacial, designação genérica que abrange as futuras e imprevisíveis investidas pelo espaço. Cuidou-se, também, de fixar uma sistemática para uma periódica atualização desse registro. Para tanto, a citada P'Ortaria prevê a ediçã'O anual de uma Revista de História da Aeronáutica, focalizand'O 'Os event'Os subseqüentes a'Os já registrad'Os n'O últim'O t'Om'O desta 'Obra. Daí para a frente, as revistas anuáis deverã'O f'Ornecer 'Os element'Os para esta atualizaçã'O, servind'O de f'Ontes para a ediçã'O d'Os futur'Os v'Olumes a serem ulteri'Ormente publicad'Os. N'O que diz respeit'O à "abordagem", c'Onsider'Ou-se inadequad'O tratar t'Od'Os 'Os fat'Os de maneira extremamente minuci'Osa, e que p'Oderia c'Ompr'Ometer o atrativ'O da leitura, t'Ornand'O-a pesada e enfad'Onha. Res'Olveu-se, p'Ois, que a História Geral c'Onstituiria uma 'Obra central, send'O ac'Ompanhada p'Or Urna série de livr'Os c'Omplementares, ab'Ordand'O, entã'O, de maneira mais específica, 'Os assunt'Os lá tratad'Os. Tais livr'Os seriam editad'Os pel'O própri'O Institut'O, 'Ou s'Ob 'Orientaçã'O sua, c'Onstituind'O a "Série História Setó, rial", Assim, ir-se-ia f'Ormand'O a "C'Oleçã'O Aer'Onáutica", Entretant'O, a abrangência d'O tema "Aeronáutica" lev'Ou à criaçã'O de 'Outras séries. Atualmente, quatro integram a C'Oleçã'O: História Geral da Aeronáutica Brasileira, História Setorial da Aeronáutica Brasileira, Arte Militar e Poder Aeroespacial, Cultura Geral e Temas de Interesse da Aeronáutica, Uma 'Outra dificuldade considerada diz'1'espeit'O a'O critério a ser ad'Otad'O para definir a pe.riodização. Sérgi'O Buarque de H'Olanda, que dirigiu a elab'Oraçã'O da n'Otável História Geral da Civilização Brasileira diz ser "evidente que não se pode, sem artifício ou vão desafio à unidade do processo histórico, querer insistir demasiado na fixação de marcos. Estes, efetivamente, resultam quase apenas de uma exigência de método", Deixa a entender dep'Ois que 'O preferível é se pr'Ocurar estabelecer, através da c'Onjugaçã'O de cert'Os fat'Os imp'Ortantes, as fases d'O pr'Ocess'O históric'O. Arn'Old T'Oynbee, n'O prefáci'O de sua fam'Osa história narrativa A Humanidade e a Mãe Terra, chama a atençã'O para a dificuldade que 'O hist'Oriad'Or tem ao narrar meia dúzia de fatos simultâneos. "Qualquer relato, seja lá do que for, é forçosamente seletivo, O intelecto humano não tem a capacidade de abrang.er o somatório de 28 .


coisas, numa umca Vlsao panorâmica", diz o notável historiador, para depois acrescentar: "Imitei o artifício do equilibrista, mantendo várias bolas no ar simulta.neamente." Evidentemente, não é tarefa fácil atingir esse equilíbrio a que Toynbee se refere. Entretanto, parece ser este o segredo das narrativas históricas agradáveis. Definidos tais pontos, passou-se ao esboço do livro.

2. Fases Na concepção da História Geral da Aeronáutica Brasileira, constatou-se que a quantidade da matéria forçosamente encaminharia a obra para uma insuportável massificação. Decidiu-se, portanto, dividi-la em volumes, cada qual correspondendo a uma fase bem caracterizada da evolução de nossa Aeronáutica. Esses volumes, por sua vez, subdividir-se-iam em partes, capítulos e subcapítulos, e, conforme o caso, poderiam compor-se de tomos. ""

l.a Fase

Corresponde ao Volume I, intitulado Dos Primórdios até 1920. Caracterização: Começa com os mais recuados sonhos do homem de movimentar-se pelos ares, como os pássaros. Passa pela mitologia grega; depois, por tudo que as civilizações primitivas nos legaram com relação ao desejo de voar. Chega ao mais leve que o ar: os balões, os dirigíveis. O mais pesado que o ar. O motor a gasolina. Os primórdios da Aviação que, de imediato, se caracterizam no Brasil pelo entusiasIp.oe pelas esperanças com que brasileiros participaram dos primeiros instantes dessa atividade · humana. O idealismo de Santos-Dumont, e de outros do seu tempo, irradiou-se-pelo nosso país com int~nsidade muito forte, impulsionando os primeiros passos da Aviação Brasileira. -Este período está, portanto, integrado à fase da Conquista do Ar pela humanidade e, aos poucos, vai dando lugar, nas vésperas da década de 20, a uma nova fase da Ae-ronáutica, que se consolida com as experiências da Primeira Guerra Mundial e o funcionamento pleno das escolas de aviação, civis e militares. 2. a Fase Será tratada no Volume 11, cujo título provisório é Consolida.ção da Conquista do Ar no Brasil, já em fase de elaboração. . Caracterização: 29


Na década de 20, a Aviação Brasileira começa a adquirir sua personalidade própria, desenvolvendo a formação de suas características fundamentais. Isto se dá em conseqüência, sobretudo, do grande surto nacionalista que irrompeu na inteligência brasileira dessa época. As preocupações com a imensidão do território nacional começaram a revelar, talvez por intuição, o importante papel que o avião poderia desempenhar na tão ansiosamente desejada integração nacional. Os ousados reides aéreos internacionais tiveram grande repercussão no Brasil, especialmente as travessias do Atlântico, que até então representavam poderoso entrave ao nosso maior desenvolvimento sócio-cultural e econômico. Por outro lado, a Primeira Grande Guerra mostrara as possibilidades do avião como nova arma. O desenvolvimento da Aviação Militar (Marinha e Exército) acelerou-se. A Aviação Comercial deu seus primeiros passos. A Desportiva incrementou-se. O Correio Aéreo Militar . expandiu-se. Desenvolveu"se a idéia do poder . pela independência industrial. Os exemplos de administração centralizada em outros países despertaram o Brasil para a necessidade da criação do Ministério da Aeronáutica. A participação na Segunda Grande Guerra consagrou a importância da aviação para a segurança do país. Logo depois do conflito, as conquistas tecnológicas e os conhecimentos amealhados consolidaram, em definitivo, o grande papel da Aviação nos destinos do Brasil. O motor a reação, o jato, com suas grandes possibilidades, veio marcar o início de uma nova fase na História da Aeronáutica Brasileira, () que ocorreu em meados da década de 50. 3.a Fase A ser abordada pelo Volume IH, denominado Desenvolvimento da A viação Brasileira. Tem início na década de 50, estendendo-se até os nossos dias. Após sua publicação, passárá a ser editada a Revista de História da Aeronáutica, cujos números constituirão a base dos futuros volumes que darão prosseguimento à Obra. Sendo neçessário, as primeiras revistas poderão abranger os acontecimentos referentes a mais de um ano, até que se chegue à publicação ideal de uma revista por ano; Caracterização: Com as novas perspectivas abertas com o emprego dos motores a jato, a aviação, de uma maneira geral, experimentou um gigantesco surto de progresso. Isto, naturalmente, refletiu-se no Brasil, país de dimensões continentais e carente de vias e meios de transporte. O avião começOtl a participar mais efetivamente do progresso bra30


sileiro. Tornou-se instrumento indispensável ao desenvolvimento e à segurança nacional. Campos de pouso foram abertos em todo o território do país. Empreendimentos em todas as regiões. Núcleos de povoamento passaram a surgir em locais antes inacessíveis, respaldados no apoio e na assistência da Aviação. Nossa independência tecnológica aflorou em toda a sua potencialidade. O modelo de desenvolvimento científico e técnico, criado no CTA (Centro Técnico Aeroespacial), . em São José dos Campos, injetou na Aeronáutica Brasileira um vigor considerável. Aviões e equipamentos, nascidos de mentes e mãos brasileiras, passaram a garantir uma sólida base para . nossa Aeronáutica. Ao final desta fase, as preocupações do homem já se haviam voltado para o espaço. A Lua já fora alcançada. As viagens interplanetárias deixaram de ser privilégio dos livros de ficção científica, tornando-se viáveis a curto prazo. Os satélites artificiais passaram a contribuir para o bem-estar e progresso da Humanidade. A inteligência da Aeronáutica Brasileira voltou-se também para essa direção. O CTA, um dos seus núcleos mais importantes, cria . o Instituto de Atividades Espaciais. Inicia-se o Projeto Sonda, cujo objetivo é levar a presença brasileira ao espaço. Em 1984, foi lançado o Sonda IV. A seguir, virá o VLS (Veículo Lançador de Satélites). Um novo milênio se aproxima. Uma nova fase da História da Aeronáutica Brasileira começa a acontecer. Narrá-la é tarefa para os que virão. E estes primeiros volumes dirão a eles como tudo começou. Rio de Janeiro, 1988.

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PARTE I O DESAFIO DO ESPAÇO AÉREO ATÉ BARTOLOMEU DE GUSMÃO



CAPITULO 1.

O CENARIO

1. Preliminares Fervilhem as águas de seres vivos e voem pássaros debaixo do firmamento. GENESIS 1,20

E

SANTOS-DUMONT, perante a Comissão de Aviação, às ·4h 4Smin da tarde de 23 de outubro de 1906, deixa a terra suavemente. Dias depois, bate os primeiros recordes mundiais da aviação. Na placa comemorativa do vôo do 14-B1S, a seis metros do sólo, no campo de Bagatelle, Paris,· acha-se a seguinte inscrição: •••

Em 12 de noyembro de 1906, sob o controle do Aéro Club de França, Santos-Dumont estabeleceu os primeiros recordes de aviação do mundo: duração: 21 segundos e 1/5; distância: 220 metros. Longo foi o caminho percorrido até que o homem conquistasse o ar. Assim que o conseguiu, no entanto, insatisfeito ainda, empreendeu, a seguir, as primeiras tentativas de conquista do espaço cósmico. 35


2. A Biosfera Desde a mais remota antigüidade, estimulado pelo vôo dos pássaros, atando ao corpo asas de penas ou de materiais leves, passando, sucessivamente, pelos meios que o saber científico foi alcançando, o homem veio aos poucos adquirindo. por simples observação ou por experimentação concreta, o conhecimento necessário para conseguir dominar a parte aérea da biosfera - a camada terrestre que abriga os seres vivos. Toynbee, ao caracterizar esta camada, assim se expressou:

"A característica mais significativa da biosfera é seu tamanho relativamente pequeno e a exigüidade dos recursos que oferece. Em termos terrestres, a biosfera é fantasticamente delgada. Seu limite superior pode ser comparado à altÚude máxima, na estratosfera, em que um avião pode permanecer no ar; seu limite inferior é a profundidade, abaixo da superfície s6lida~ até onde os engenheiros podem perfurar e abrir as minas . A espessura da biosfera, entre esses dois limites, é mínima, como uma película delicada, se comparada ao comprimento do raio do globo por ela coberto.'194 Mais adiante, após estabelecer comparação entre os elementos cósmicos, faz o seguinte comentário: " A ssim, comparadas às dimensões conhecidas do cosmos físico, as de nossa biosfera são infinitesimalmente mínimas."

Um dos componentes desse espaço de dimensões infinitesimalmente mínimas é a atmosfera, a camada de ar de cerca de cem quilômetros de espessura, que o homem sempre pretendeu conqu'istar, invejando o vôo dos pássaros. Segundo Karman, citado por Edmond Petit em Histoire Mondiale de l'Aviation , o envoltório extremo dessa camada "representa o limite teórico entre os dois domínios: a aeronáutica no interior e a astronáutica no exterior" . Nosso estudo limita-se a apresentar as idéias daqueles que, habitando a biosfera. lançaram-se com idealismo à conquista do espaço. 3. O Ecúmeno A parte da biosfera que diz respeito à superfície física do globo terrestre, onde se espraiou a civilização, chama-se ecúmeno. Esta expressão, de origem grega, que nos foi apresentada por Toynbee. significa literalmente O habitado, isto é, a parte povoada do mundo . O termo em si "tornou-se de uso corrente na Era Helênica, após o mundo grego haver-se expandido primeiro para O oeste e depois a leste de seu domínio original. Sua expansão para oeste levou-o para 36


as costas atlânticas da Europa e noroeste da Africa, e para a maior ilha marítima da Europa Ocidental, a Grã-Bretanha. Sua subseqüente expansão para o leste levou-o até a Asia Central e a lndia. O caminho oriental foi aberto pela conquista e derrubada do Primeiro Império Persa por Alexandre, o Grande.'>94 . Após a identificação das sociedades chamadas civilizadas, como então eram conhecidas, devem ser citadas as civilizações orientais e setentrionais, seguidas pelas civilizações da "Meso-América e da Cordilheira Andina .na América do Sul, desconhecidas do Velho Mundo até Colombo desembarcar, pela primeira vez, no lado americano do Atlântico".94 A extens~o ocupada pela civilização greco-romana correspondia a pequena parcela do ecúmeno, o qual, por sua vez, era muito menor que a biosfera, já que a "maior parte da superfície da biosfera é ocupada pelo mar, e a camada de ar que a envolve é responsável pela maior parte do volume desta".94 . Outro aspecto a considerar acerca do ecúmeno é a análise comparativa dos elementos que o compõem, isto é, o ar, o mar e a terra . . Dentre estes, o primeiro não é habitado por qualquer ser de qualquer espécie. Sobre isto, assim se expressa Toynbee: "No século XX, o homem também inventou_ a aviação, mas na adoção do ar o homem já havia sido precedido, há milênios, por insetos, pássaros e morc.egos. No entanto, nenhum morcego, pássaro ou ser humano pode viver no ar da maneira como os peixes e espécies marinhas de mamíferos podem viver na água. No ar, nenhuma espécie de ser vivo pode ser mais que um viandante. Uma espécie alada pode depender de estar no ar para viver, mas não pode dispensar- uma base de operações, terrestre ou aquática. Até mesmo as andorinhas pousam em fios telegráficos e constroem ninhos de barro para criar seus filhotes. . ((Todo o ecúmeno da humanidade está, pois, exclusivamente na superfície terrestre da biosfera, embora os homens consigam atravessar sua superfície aquática e, agora, também a aérea, viajando de uma parte para outra. '>94 Os passos que levaram os habitantes do ecúmeno a essa constante movimentação de uma parte para outra, a esse eterno viajar que culminou na travessia do elemento aéreo, é que iremos descortinar, remontando ao passado, reconstituindo as tentativas de vôo e os êxitos obtidos, entremeando-os com o desenvolvimento científicotecnológico e os fatos históricos marcantes de cada época. Este é, pois, nosso cenário: a parte aérea da biosfera. B aí que se deslócam as aeronaves, tanto as mais leves que o ar _ .balões e dirigíveis - quanto as mais pesadas: os planadores, os papagaios, 37


Fi,. 1 -

SIMAO, O MAGICO; decola,em. (Catedral d'A uJWl, cerca de 1100)

os aviões, os autogiros, os helicópteros e os ornitópteros. Além da biosfera, ou seja. no campo da astronáutica. deslocam-se as astronaves, as cosmonaves e as naves espaciais. Dadas essas conceituações, passaremos, a seguir, a desenvolver a Hist6ria da Aeronáutica, não esquecendo. no entanto, as palavras de Gabriel VOi sin, citadas por Edmond Petit na obra já referida: "E difícil escrever a história da aviação e é difícil definir o papel dos homens que se sucederam, hd milhares de anos, para conduzir esta bandeira. ,. 38


Fig. 2 -

SIMAO; O MAGICO; queda. (Catedral d'Autun, cerca de 11(0)

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CAP1TULO 2.

UM MERGULHO NA PRE-HISTORIA

1. As Civilizações Antigas

DMOND PETIT acena com a possibilidade de que, em passado bem remoto, tenham sido realizados vôos com máquinas mais aperfeiçoadas do que as atuais, quando pergunta se os terraços . de Baalbel não teriam servilo de bases de lançamento, e se os passageiros de motores a reação, representados sobre as placas de argila de San Salvador, seriam habitantes da Atlântida. A mesma possibilidade se evidencia quando este autor questiona a maneira como foram elaboradas as cartas de Piri Reis, e quando procura compreender como a mesma lenda sobre prisioneiros que conseguem se evadir. com o auxílio de asas pôde existir, simultaneamente, entre povos tão dife. rentes, como os cretenses, os do Extremo Norte e os incas. :e necessário, então, que mergulhemos na história longínqua, procurando desvendar os ' fatos passados, pela análise dos marcos e lendas que nos foram legados. Os caminhos a percorrer, a partir de agora, envolvem, portanto, o fato · histórico, a .lenda e a interpretação bíblica, que deverão ser delimitados em seus verdadeiros contornos, para se evitar a mutilação da verdade . . As lendas e os mitos, engendrados pela criatividade imaginativa do ser humano, surgiram algumas vezes para conformar a imagem-símbolo de uma conduta a servir de exemplo, ou de um procedimento a seguir, ou mesmo para interpretar um fato histórico. Assim; os aspectos lendários ou míticos não podem ser esquecidos,

E

40


Fig, J -

o

Mundo Grego, ampla 4rea de influência de um punhado de mestiços,

I - GrAda Continental e Ilhlu próximas; 2 - Dodec4polis e Rodes; 3 - Creta; 4 - Chipre; S - Dardanelos e B6sloro; 6 - Odessa, Apolônio: 7 - Tiros, HeracUia: 8 - Pltias. Fanagória; 9 - Sin ope, Trapézio; 10 - Magna GrAda; 11 e 12 - /t41ia Setentrional; 13 e 14 _ Região llfrica; 15 - Córsega; 16 - Sul da França; 17 - Espanha; 18 - Pent4polis; 19 - Egito ,

como, aliás, recomenda M. Rostoztzeff, em sua História da Grécia: «O mito e a lenda são inseparáveis da história; mesmo em nossa época, eles crescem em torno dos grandes acontecimentos históricos e, mais ainda, ao redor de grandes personagens históricos.,M Lendas, fatos, interpretações - tudo que mencione a realização de qualquer atividade aérea interessa à hist6ria da Aeronáutica. O mergulho no passado, que pretendemos realizar, tem o, exato objetivo de apurar a veracidade que porventura apresentem, não importando quão remotos sejam, ou qual possa ter sido o seu grau de significação. . Assim, examinaremos primeiro a Atlântida, descrita por Platão (427-347 a.C.) como tendo sido uma terra que atingiu um nível de civilização excepcionalmente elevado. Tentaremos analisar suas possíveis influências sobre outras civilizações, seu misticismo e suas 'lendas, procurando algum indício significativo da existência de um possível elemento aéreo. Não pudemos nos furtar a simbolismos como o que nos ' relata Curtis Masil em ATLANTIDA, Enigma dos Deuses, quando, reproduzindo Platão, descreve, em detalhes, um templo maravilhoso: "O templo inteiro era, no exterior, revestido de prata, exceto os acrotérios, revestidos de ouro no interior, ao passo que a abóbada era toda de marfim esmaltado a ouro, prata e oricalco, e ,todo o resto - muros, colunas e pavimentos - era guarnecido de oricalco." 41


,

Fig . 4 -

Possíveis localizaç6es, simaltâneas ou suces~ivas, de uma adiantada civili:ação pré·hislórica.

1 - Região Indo.Tibetana, proximidades de Mohenjo-Daro e Tarappa; 2 - Oriem e Médio, Monte Olimpo-Baalbelt , proximidades de Usar;1 e Laláltia, CreIa e Malla ; J Deserto de Gobi (amigo mIlr) e Ja pão (área próxima dos Ka ppos); 4 - Ilha de Heligoland; 5 - Saara (anligo mar); 6 - Proximidades de Z im M bwe; 7 - Ilhas Candrias; 8 - Região mexicana (civilizações pré·hisl6ricas dos deuses brancos); 9 Região andina; 10 - Antárlica (anles de se lormar a espessa camada atual de gelo); 11 - Alfdntida; 12 - Mu; 1J - Gondwana.

Nesse templo Utinham erguido estátuas de ouro, em particular a de um deus, de pé sobre um 'carro, conduzindo seus cavalos alados tão grandes que suas cabeças tocavam a abóbada" .S. Comenta ainda Curtis Masil na mesma obra, fazendo referência à origem do oricalco (bronze), liga que os antigos gregos consideravam um presente dado aos homens pelos deuses, ser preferível acreditar apenas em uma expçriência humana adquirida ao longo dos séculos, indo buscar seus alicerces na Atlântida, cujos habitantes, ao contrário de Elias, teriam descido dos céus em "carros de fogo", segundo a mesma expressão bíblica empregada no Velho Testamento . Platão, em seus diálogos narrados em Timeu e, particularmente, em Critias, ao descrever seus aspectos lendários, faz menção à "história da comunidade ideal da Atlântida" , cuja existência, conforme se lê na Enciclopédia Britânica, também era aceita pelos "escritores medievais, para quem os contos foram preservados por .geógrafos árabes, que acreditam-na real e fortificaram sua credulidade pelas numerosas tradições de ilhas situadas nos mares ocidentais, que apresentam vários pontos de semelhança com a Atlântida".96 42


De qualquer forma, é difícil defi nir se os contos são criações de Platão ou fatos verídicos, cuja tradição teria sido incorporada aos legados históricos. A nós não importa qual é a verdadeira explicação - o que nos interessa é conhecer as referências às tentativas da conquista do ar . Seja at ravés de lendas difundidas por lugares diversos, seja através da "evolução de uma realidade histórica" , o fato é que teses desenvolvidas por soviéticos, franceses, norte-americanos e alemães voltam-se para considerar "que os egípcios, maias e incas seriam os últimos sobreviventes de uma raça atlante que outrora viveu num vasto continente, no meio do Oceano Atlântico", Deduz-se, daí, que a Atlântida teria conseguido levar sua cultura aos mais distantes núcleos do mundo conhecido de então, propagando-a entre as civilizações contemporâneas e marcando-as com as características que lhe eram peculiares. A difusão dessa cultura seria comprovada pela presença das mesmas lendas, dos mesmos pensamentos religiosos, dos conhecimentos idênticos sobre a astronomia, do desenvolvimento arquitetônico, que foram encontrados entre as civi li zações mais antigas " dos egípcios, dos sumérios, dos tolleques, dos incas e dos maias", de acordo com as hipóteses do Coronel Braghine, que se vêm confirmando pelos trabalhos e pesquisas arqueológicas. Em suas especulações, lembra-nos Curtis Masil "que às marget1S do Nilo e nas planícies de l ucatã, onde surgiu e floresceu õ Império Maia, os arqueólogos das mais diferentes escolas de pensamento descobrem os mesmos sinais misteriosos, ou seja, arabescos, complicados desenhos, molduras retangulares"," os mesmos motivos nas pin turas murais e os mesmos ornamentos, Além disso, em ambos esses lugares, existem representações do mesmo animal sagrado: o escaravelho. Estudando as antigas civilizações, conseguimos detectar sinais de total semelhança em muitas de suas atividades, hábitos e conhecimentos, o que nos leva à suposição de que possam ter tido uma origem comum. Entre essas atividades, hábitos e conhecimentos comuns a tantªs civilizações, incluem-se: 1.0 - a arte da cerâmica e do trabalho com pedra, que, produzidos em lugares diferentes, apresentam as mesmas elaborações, não pelos materi ais usados, mas também pela sua representatividade, como o caso já citado do escaravelho;

2.° - a arquitetura, responsável pela construção das pirâmides, com suas estruturas baseadas em informação astronômica, suas dimensões, suas bases, sua orientação geográfica, sua altura e o· número de seus degraus; 43


3.° - a astronomia, com a precisa0 dos elementos em seus calendários, quer estabelecidos no Oriente. quer em terras das Amé~ ricas; 4 .° - o cálculo matemático, que em certas civilizações alcançou extremo desenvolvimento; 5.° - a religião, que incluía a adoração do Sol, como o atestam os monumentos monolíticos. Este mesmo conjunto de semel hanças e coi ncidências entre civilizações antigas tão distantes é ain da constatado por Serge Augustin ,56 quando nos procura mostrar o estreito parentesco existente

entre as civilizações egípcias e americanas pré.históricas: "Todos esses monumentos, quer se trate das edificações pré-históricas, quer dos monumentos egípcios, procuram impressionar o espectador por suas dimensões . Sente-se que os homens, que os edificaram, quiseram construir para a eternidade e tentaram atingir esse objetivo utilizWldo a forma piramidal, que sem dúvida julgavam mais resistente, ou, ainda, utilizando enormes mono/itos. As ruínas de Palenque, de Ocochingo, os palácios de Mitla, aS pirâmides de Xochicalco, de Teotihuacan e de Sihuatan, a decoração do templo do Sel, em Cuzco, o portal monolitico do templo ciclópico de T ihuanaeo, este último mais se parecendo com um observatório, e muitos outros monumentos esparsos aqui e acolá.! na América Central e do Sul."

Fig. 5 -

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A Pirâmide do Sol. na cidade de Teotihuacan, no México, é composta de degraus como a Pirâmide de Sakkara.


Outro ponto comum às civilizações de então são os trabalhos em pedra. O significado dos símbolos representados relacionava-se com valores astronômicos, como a duraçâo do ano, por exemplo. Não poderia ser considerada mera coincidência o fato de que, tanto em uma região do globo, como em outra tão distante, a pirâmide seja o elemento representativo dominante.

Fig. 6 - A Pirâmide de Degraus, em Sakkara (a mais antiga do Egito), apresenta muiltl$ :remeI/ranças com tl$ pirâmides do México .

No que se refere ao trabalho em pedra e sua correlação com a astronomia, não se pode deixar de mencionar o monumental conjunto de Stonehenge, em Salisb ury, Inglaterra. f .importante esclarecer que a pedra utili zada nes te monumento não existia na região, que seus blocos pesam toneladas, que seu ental he é de grande precisão e que a colocação geográfica dos seus elementos coincide com os dados astronômicos do nascer e pôr-da-sol; esses detalhes, coincid, ntemente, estão presentes nas pirâmides de Quéops, Quéfren e Miquerinos, no Egito; do Sol e da Lua no Peru. Também o monumento ao Deus'Sol, no Egito, se repete na Bolívia. 45


Fig. 7 - Monumento megalltiC(J de Stonehenge. nas planícies de SaUsbury. Inglaterra. Supõe.se que tenha sido um observatório rolar. devida a precisão matemática da localização dm enormes blocos de pedra .

Schliemann, atuando neste mesmo campo de co incidências, chega a interessante conclusão. e afirma que "tanto os vasos da América do Sul, como os de Tróia, tinham sido feitos com a mesma argila e que essa argila não era fenícia, muito menos americana, assim como os objetos de metal por ele encontrados.. que, diferentes de todos quantos ele já tinha visto, por certo vieram de um centro comum, e este, pela inscrição que nesses mesmos objetos havia, s6 podia ser a Atlântida". E diz mais: " Da Atlântida sairam as colônias que se estabeleceram no Egito e nas Américas Centràl e do Su/:.0S6 Como explicar. porem, a viagem até essas colônias, bem como a presença dos mesmos materiais em terras tão distantes daquelas de sua origem, num tempo tão remoto? Que meios de transporte possibilitaram essas locomoções? Povos tão antigos teri am consegui· do vencer a barrei ra do mar? Teriam utilizado o ar? Se Edmond Petit. com sua autoridade, levanta hipótese de que os terraços de Baalbek teri am servido de bases de lançamento. por· que não julgar que outras áreas das antigas civilizações não tenham sido também bases de lançamento, à vista de tantas coincidências e de tão expressivo e eloqüente desenvolvimento técni co·cultural ? Considerando a im aginação como uma das características dos atlantes, Curtis Masil cita que "logo se puseram a fabricar balões com pêlos de elefantes, servindo·se deles para transpor os obstáculos 46


que à sua frente existissem, transportando, assim, os pesados materiais de construção".Sb Mais ad iante, fal ando das cidades, Masil dá mais asas à sua ficção: "Para resolver o problema das comunicações~ que fizeram os atlantes, povo de alto tecnicismo?"Sb E O próprio autor arrisca uma resposta: " In ventaram o avião, construíram o submarino".Sb Para ele, portanto, as primeiras experíências aéreas teriam ocorrido no mais longínquo passado da humanidade.

2. As Possíveis Aeronaves Curtis Masil transcreve de As Campinas de Ouro (Al Massoudi, século X) uma síntese de lendas que falam sobre tesouros do Antigo Egito, nas quais há menções sobre uma possível capacidade humana de voar: " Pouco antes de sua morte, o chefe dos escribas convocou seu filho mais velho e lhe contou esta história à guisa de segredo:

Fig. 8 - No grande {dolo registraram·se dados astronômicos que cobrem imenso periodo de tempo.

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Fig . 9 _ O Faraó Ameno/ls IV adorando (J deus "Sol", Museu do Cairo - A deificação do Sol é mais um ponto de con/aro fntre as civilizações tslpeja, maia e inca ,

Meu filho, os meus dias estão contados . .. Mas não posso desaparecer sem lhe dizer onde se acha o im.enso tesouro do Deus· -Sol . . . Sua história retrocede a vários milhares de anos e sua pista longínqua se perde nas brumas da História. Conta mesmo velha fenda que ele foi levado ao Egito há muito tempo, por nossos Ancestrais Superiores que vinham de além·mar . . . Mas há também maravilhas da Alta Ciência herdadas de nossos antepassados, instrumentos prodigiosos, os quais multiplicam as dimensões e os poderes do homem, permitindo·lhe medir o tempo, prever o futuro, voar nos ares e avançar sob a água tão facilmente como sobre aterra. Como este, diversos outros documentos fazem referência a essa perdida capacidade do homem de locomove r·se pelos ares. Na realidade, ao procurarmos um a explicação para a forma e a razão por que tantos pontos coincidentes exjstiram simultaneamente, em regiões tão distantes umas das outras, já havíamos cogitado da possibilidade de terem ocorrido locomoções aéreas bem antigas . JJ

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Fig. 10 - A Poria do Sol, em Tiahuanaco, Bolivia, foi conslruída em um único bloco de pedra. r possível que lenha sido um lemplo de adoração 00 Solou um observat6riQ aSlronômico.

R. Fiebcaist, em Nem Deuses, Nem Astronautas, opina que "a universalidade de certos tipos de mitos exige a admissão de que o clã de excepcionais tenha adquirido locomoção por via aérea, fácil e eficiente". E, mais adiante, que "o chamado Templo de Baalbek (Líbano) foi, possivelmente, um dos sítios ocupados, durante certo tempo, pelo clã de excepcionais". Seriam estas as pessoas que efetuavam seus deslocamentos por via aérea, a partir da base de lançamento de Baalbek, conforme presume Edmond Petit. Ao procurarmos outros textos antigos que fazem referência a algum tipo de engenho voador. deparamo-nos com a Bíblia. Encaminhando nossa apreciação histórica pelos livros bíblicos, vamos verificar que, em várias de suas passagens, há referências .a tais veículos, o que, pelo menos, justifica o fato de nossa imaginação aceitar a sua possível existência. A identificação de que tipo de engenhos voadores seriam estes é, às vezes, difícil, principalmente em algumas dessas passagens. Contudo, também elas estimulam as nossas suspeitas sobre possíveis experiências de vôo realizadas em tempos distantes. O profeta Ezequiel (597 a.C.), por exemplo, é lembrado por Fernando C. N. Pereira em sua obra A Bíblia e os Discos Voadores - A Missão dos Astronautas Extraterrestres, que destaca a sua descrição de uma possível nave aérea com estas palavras: 49


Desenho esquemático simpliJicudo. pura objetivar o teoria de Hórbiger. Um corpo celeste, umelho/lte à Lua atual. mas allterior a ela, foi capturado pelo campo gravilaeional terrestre ao passar pelo pollto A. Aproximou·se cada ...e: mais da Terra. muito lentamente, num lIIo ...imento em espiral (elipsóide. não como se simpliJicou lia desenho). Quando chegou ao poli/o B (limite de Roche), Jro8melltou·se. Seus restos eufram na Te"a. em sua maior parte, ou se projetaram no espaço. Durante os &teulos em que essa Lua le ve 6rbilO$ pr6ximos do Terra (faixa C). provocou a maré em 0110 anel permanell/e, que inundou e arrasou o mUlldo ao ocorrer a IraBmentaçiIo lunar . Fi, . 11 -

"Ezequiel 1,4 - E vi, e eis que vinha da banda do Aquilão (do nort e) um vento torvelinho (impetuoso), e uma grande nuvem (envolta) em um logo (claridade e relâmpagos) que a envolvia, e à roda dela um resplendor (claridade e relâmpagos); e do meio dele, isto é, do meio do logo, aparecia uma como espécie de elelro (como se fosse ouro (incandescente); J,5 -' E no meio deste mesmo logo se via a semelhança de quatro animais (de quatro seres vivos), e este era O seu aspecto, havia entes à semelhança (figura) de um homem; 1,6, - cada um tinha quatro rostos (caras) e cada um quatro asas". '* Nos versículos que se seguem, são detalhados outros aspectos que levam à confirmação daquilo que poderia ser chamado de uma nave espacial, conforme descrita pelo profeta Ezequiel. • N. dos A. - As expressões entre parênteses fora m extraCdas da Bfblia Sovada (Editora Vozes - Petrópolis - 198J) .

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Fig. 12 - Concepção artlsll ca de Doré da visão do projeta Ezeqlliel, que descreveu, em virtulie da linguagem escassa e do pouco conhecimento da época, discos voadores como "carruagens" Gustave Dorl .

Para trazer ma is um testemunho, entre os !numeros existentes nos textos bíblicos, podemos ainda nos referir ao seguinte trecho de Fernando C. N. Pereira: "E a Bíblia registra sempre a presença de naves espaciais, pele· ;ando ao lado do povo de l srael. ,>f>j Muitas outras citações bíblicas poderiam ser aqui lembradas. 51


porque as referências a algum tipo de aparelho voador se repetem, tanto no Velho como no Novo Testamento. Mesmo na ficção de Masil há lugar para reflexão, quanto à presença, no passado, de algum objeto voador, conforme nos estimuM Iam suas palavras : "N6s não acreditamos na visita dos seres vindos de outros sóis, de outros mundos, en fim , a não ser no passado distante" (o destaque é nosso), "quando ao menos uma equipe deles chegou à terra para colonizáMla. Eram por certo os representantes de uma civilização altamente evoluída tecnologicamente, visto que do contrário esse pU M gifo de bravos não teria vindo de lá até aqui, fazendo uso de suas naves fantásticas. Mas de onde? Eis o que se pergunta até agora. Só sabemos que foram eles que destruiram Sodoma e Gomorra às vistas de Abraão, pois antes, dois daqueles enviados celestes o visjM taram, comunicando a triste decisão. De quem? Não adianta per· guntar. pois as páginas da Bíblia são poucas para nos contarem toda a verdade a respeito . Só sabemos hoje que a Bíblia é, antes de tudo, uma história de astronautas e de místicos." Além das lendas e dos livros bíblicos, existem outros textos e muitos documentos capazes de levar nossa curiosidade para [atos passados em tempos tão longínquos . Dentre eles, citamos um dos mais antigos papiros existentes no mundo, hoje no Museu de Leningrado, que foi escrito na Segunda Dinastia (457 a.C.). Este papiro contém uma descrição de "como o faraó Senedi enviara uma expedição para O oeste, em busca dos traços da terra Atlântida, de onde, 3.350 anos antes, os ancestrais dos egípcios chegaram carregando consigo toda a sabedoria de sua terra natal." Outros documentos foram localizados. No Palácio Topkapi, no início do séc. XVIll, como nos relata Erich von Dãniken em Eram os Deuses Astronautas?~ (oram encontrados mapas que haviam pertencido ao navegador turco Piri; dentre eles, dois atlas, atual· mente no Museu de Berlim, contêm reproduções exatas do Mar Me· diterrâneo e das regiões do Mar Morto, sendo que "é pacífica a opi. nião de que os mapas do almirante turco não constituem os originais do trabalho cartográfico: são apenas c6pias de c6pias de outras có· pias. ,,2-4 Os referidos mapas foram examinados e pesquisados no Bureau Hidrográfico da Marinha Americana por especialistas, os quais che· garam à sensacional descoberta de que os mapas eram rigorosamente exatos. Neles se encontravam não apenas o Mediterrâneo e o Mar Morto, mas também as costas das duas Américas e os contornos da Antártida . Prosseguindo essas pesquisas, chegaram os especialistas a con· clusões ainda mais extraordinárias: "Um confronto com fotografias 52


do globo terrestre, tiradas pelas câmeras instaladas para esse fim em vários satélites, mostrou que os modelos dos mapas de Piri devem ter sido fotografias tomadas à grande distância no espaço . Como se poderá explicar isso? Se uma astronave pairar bem alta sobre a cidade do Cairo e apontar a objetiva fotog ráfica perpendicularmente para baixo, as imagens serão as mesmas".l4 Outra comprovação de que elementos terrestres foram observados à distância, é o caso da Ilha Elefantina, assim denominada por apresen tar um contorno em tudo semelhante à silhueta de um elefante: os povos da An tigüidade s6 poderiam ter consciência dessa semelhança se pudessem avistá-la de privilegiado ponto de visão situado a grande altura . Pergunta-se, então: como seria possível atingir-se esse ponto, senão ... voando? Há de se destacar, por outro lado, que nas terras da América do Sul , particul armente em Nazca, no Peru, observam-se no solo imensas linhas traçadas geometricamente, as quais, se não representam reais áreas de pouso, permüem a Erich von Daniken, na obra citada , apreciá-Ias do seguinte ponto de vista : "Ainda não é possível afirmar que a Planície de Nazca teria sido um campo de pouso em qualquer época: . .. Mas nada há de errado em lembrar a possibilidade de que as linhas tenham sido traçadas para dizer aos deuses: - Pousai aqui! Tudo foi preparado como vós ordenastes!lI

Fig, IJ - Vista aérea da planlcie de Nazca, Peru ; mostra que as marcas do solo rochoso (estrada dos inCQJ de acordo com os arque610gos) não conduzem a parte alguma,

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Figo 14 -

As marcas no solo rochoso de Nazca, vistas do alto, com maior aproximaçiio.

fig. 15 -

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Outra das estranhas ftUlrcas no solo da planlde de Natca.


Fig. 16 - Mapa achado, na primeira metade do século XVIll, no palácio (museu) de Topkapi, Istambul, Turquia, entre os livros do navegador turco Piri (século XVI). Mostra a América e o oeste da Ajrica. A região Antártida, representada na parte inferior do mapa, corresponde quase perfeitamente à massa de terra que jaz há milEnios sob espessa camada de gelo, e que s6 recentemente foi revelada por meio de equipamentos especiais registradores de ondas sonorOli rejle/idas.

Mais um documento sobre as possíveis experiências de vôo dos antigos nos é dado a conhecer por Edmond Petit, na tentativa de definir qual foi o marco inicial da História da Aviação: "Qual é o primeiro monumento de aviação?" Ele mesmo responde. "Não havendo encontrado nada anterior, proporei essas pequenas placas de argila descobertas na Biblioteca de Assurbanípal, em Nínive, e que remontariam a cerca de 3.000 a. C. Conta a lenda de um certo Etana, rei ou pastor, que, sobre as asas de uma águia, teve ocasião de subir aos céus de Anu" . 6S Ao procurar entre tantas lendas, escritos e documentos antigos . alguma referência à possível existência ·de astronautas ou naves espaciais no passado longínquo, procuramos nos manter em posição abso-

lutamente imparcial. 55


Os testemunhos aqui apurados, com efeito, não possuem a consistência de fatos comprovadamente concretos. A pesquisa feita, porém, tem simples objetivo de estimular reflexões sobre a probabilidade de ter havido vôo naquela era, pois, já vimos, até mesmo a Bíblia Sagrada nos traz à mente a imagem de algo que se tenha deslocado pelo espaço. . De agora em diante, conduziremos o leitor pelo caminho que nos levou, das primeiras tentativas, ao vôo concreto dos dias de hoje.

,

Fig. 17 - Este imenso desenho. de 250 metros de altura. gravado em rocha sobrallceira na Bala do Pisco, apoma a direção em que se encontra a plallície de Nazca. Seria um ba/i;zamel1lo para (J$lronaves, ao invés de símbolo de significação religiosa?

Para caracterizar a força ' motivadora que impeliu o homem a essa conquista, nada melhor que a citação deste trecho, extraído da obra de Erich von Diiniken: "Contra advertências e resistências, o espírito humano trilhou sua senda. Contra velhíssimas afirmações dogmáticas, como: a água é o espaço vital do peixe, o ar é o elemento dos pássaros - o homem conquistou os espaços que, aparentemente, não l~e eram destinados. O homem voa contra todas as chamadas leis da natureza e, em submarinos atômicos, ele vive meses a fio, debaixo d'água. Com sua inteligência, criou para si asas e guelras, que o Criador não lhe dera". 24

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CAPITULO 3

AS TENTATIVAS INICIAIS

1. O Homem e o Céu

I

NÚMERAS foram as tentativas do homem para alçar-se ao espaço, utilizando fosse qual fosse o meio. Muitas delas, por sua antigüidade, perderam-se no tempo, deixando-nos apenas vagas notícias ou referências em contos lendários : aí não podermos analisá-las e chegar a conclusões exatas sobre o êxito ou não de tais empreendimentos. No entanto, como já tivemos oportunidade de ver, a presença das mesmas figuras, materiais e lendas em diferentes partes do globo transmitem a idéia de que o ,homem provavelmente conseguiu locomover-se pelo ar. Muitas gravuras provenientes da Mesopotâmia, China, {ndia e Egito, vários monumentos e diversos textos mostram homens usando asas artificiais para deslocar-se pelo espaço . Que outro modelo poderia haver, senão o dos animais alados, para orientar tais experiências? Com o correr do tempo, considerações filosóficas, estudos científicos e desenvolvimentos tecnológicos foram proporcionando a descoberta e a criação de elementos que visavam à conquista efetiva do espaço . Considerações de ordem filosófica eventualmente levaram o ho· mem a interromper as tentativas de imitar as aves. Haja vista a concepção de Aristóteles (384-322 a.C .), enunciada na Histoire Mon57


diale de l'Aviatíon, de Edmond Petit: para o sábio, "o vôo é nadar". Assim, visualizando somente o batimento das asas, e ignorando o vôo planado, ele decreta taxativamente que "o homem não poderá jamais voar". óS

Quanto aos estudos científicos e desenvolvimentos tecnológicos, com muita oportunidade, Edmond PetitóS lembra duas invenções imo portantes: o parafuso sem fim, de Arquimedes, como o passo inicial da hélice, e o primeiro motor a reação - a eolípila (do grego Aeolus - deus dos ventos + Pila - bola) , inventado por Héron de Alexandria. 2 . Estórias de Tentativas Entre as narrativas lendárias que descrevem as expenencias de vôo que o homem teria realizado com o auxílio de asas, imitando as aves, merece ser lembrada a de lcaro, pela sua indiscutível expressividade. 1caro era "filho de Dédalo, com quem fugiu do labirinto da Ilha de Creta, por meio de asas coladas com cera. Tendo-se aproximado demasiado do Sol, a cera derreteu'se, as asas caíram e o imprudente foi precipitado ao mar: 198 Dédalo era um "arquiteto grego, construtor do labirinto de Cre· ta, onde foi encerrado o Minotauro e onde o próprio Dédalo foi de-

/

-

'.

.......

DEDALO -

ICARQ -

PASSIFAE

Fig . 18 - o vôo frustrado de /caro é um desafio perene feito à inteligência . Na aviação e na arquitetura, o homem liberta·se do solo, numa luta incessante contra a lei da gra· vidade e a hostilidade da natureza: os limites do medo são vencidos pela razão e pelo esforço.

58


pois encerrado, por ordem de Minas, conseguindo, todavia, evadir-se por meio de asas feitas com penas unidas por cera." Pai e filho lançaram mão do mesmo artifício para fugir da Ilha de Creta: construíram asas e tentaram voar como os pássaros . Seu gesto é um símbolo do desejo de voar acalentado pelo homem. Encerra uma profunda trama de significados, à qual chegamos se analisarmos a forma como se passou, as atitudes que foram tomadas e os meios engendrados para atingir o objetivo final. A análise de Junito de Souza Brandão, em sua obra Mitologia Grega, nos esclarece que: "Dédalo é a engenhosidade, o talento, a gentileza. Construiu tanto o labirinto, onde a pessoa se perde, quanto as asas artificiais de Icaro, que lhe permitiram escapar e voar, mas que lhe causaram a ruína e a morte". 11 Talvez se possa concordar com Paulo Diel, pela possibilidade da comparação das atitudes do antigo com o moderno, quando diz que Dédalo, construtor do labirinto, símbolo do inconsciente, representaria "em estilo moderno, o tecnocrata abusivo, o intelecto pervertido, o pensamento afetivamente cego, o qual, ao perder sua lucidez, torna-se inconsciente".

Quanto a 1caro, ele é o próprio símbolo da hybris, da démesure, do ·descomedimento. Apesar da admoestação paterna para que guardasse um meio termo, "o centro", entre as ondas do mar e os. raios do Sol, o jovem, arrojada e imprudentemente, ultrapassou o metron (a medida), foi além de si mesmo e se destruiu. rcaro é o símbolo da temeridade, da volúpia "das alturas"; em síntese: a personificação da "megalomania". "Se, na verdade, as asas são o símbolo do deslocamento, da libertação, da desmaterialização, é preciso se ter em mente que asas não se colocam apenas, mas se adquinem ao preço da longa e não rara educação iniciática e catártica. O erro grave de Icaro foi a ultrapassagem, sem o necessario gnôthi s'auton, o indispensável conhece-te a ti mesmo."

Dédalo pousou na Itália, segundo Virgílio. Do simbolismo desta aventura com final feliz, inferim.os dois conceitos : para alçar-se aos ares, há que se ter consciência e prudência. Muitas outras conclusões podem ser tiradas para a melhor compreensão da vida, mesmo nos dias de hoje: a importância da direção a dar a nossos passos; a escolha dos caminhos a percorrer; a procura do êxito, que só poderá ser alcançado se respeitadas as exigências impostas pela sua própria consecução . U~a outra experiência de vôo, realizada com o auxílio de asas, é relatada por Edmond Petit ao relembrar a morte do rei Bladud, por volta de 850 a.C., quando ensaiou um vôo sobre Londres, com 59


asas artificiais . Dessa 1entativa nada nos foi deixado, a não ser um lacônico relato medieval. Recuando ainda mais no tempo, por volta de 1.200 a. C., há a história do rei persa que teria tido seu trono alçado ao espaço por quatro águias; há também a tentativa do mandarim Wan Tov que, ateando fogo a quarenta e sete foguetes amarrados ao seu trono, de· sapareceu nas nuvens de fumaça que se formaram .. .

-

- ~

...

KAl KAOUS

Fig. 19 -

60

(Minialura persa, cerca de 1700 A.C.) Folo Museu de Ciincia, Londres.

,


3. O Vôo dos Pássaros Da mesma obra de Edmond Petit. extrai-se o seguinte texto : "Por volta de 1.250, Roger Bacon admite que é possível se construírem máquinas de voar, nas quais -o homem, sentado ao centro, manobrará algumas manivelas que colocqrão asas em movimento, para bater o ar como fazem os pássaros" . Deixando de lado diversas tentativas de vôo de menor importância, deparamos por fim com a figura de Leonardo da · Vinci, quç merece um destaque especial. Da Vinci dedicou-se também a projetos relacionados com a aviação, com o mesmo empenho e entusiasmo que dispensou à produção de obras e trabalhos relativos à Pintura, Escultura, Arquitetura, Mú' sica, Geometria e História Natural. Em todos eles, demonstrou apurada técnica. Donald Culsons Peattric, no artigo Leonardo da Vinci, o Pri· meiro Moderno, afirma que "seus cadernos de notas provam que, em matéria de ciência militar, Da Vinci estava quase pronto para a Segunda Guerra Mundial. Era capaz de desenhar um canhão com 33 bocas, das quais. 11 poderiam abrir fogo ao mesmo tempo. Desenhava balas cônicas e granadas. Fabricara espoletas de retardamento e granadas de mão, tendo projeiado bombas a gás e máscaras contra gases. Colocou suas peças de artilharia sobre rodas. Inventou um canhão que podja ser carregado pela c.ulatra, destinado a substi· tu ir os de então, inconvenientemente carregados pela boca". Estes são apenas alguns exemplos, dentre tantos que atestam sua genialidade, já em plena efervescência, na época em que ocorreu o Descobrimento do Brasil. Escreve Edmond Petit, na obra citada: "Pela primeira vez, do· cumentos precisos, desenhos detalhados, mecanismos comentados, aparelhos certamente construídos, ensaiados possivelmente... Seus primeiros esboços de máquinas voadora!> datam de 1496. Consistiam de máquinas COm asas articuladas. Do ornitóptero ao helicóptero, passando peio pára·quedas, não elaborou menos de quatrocentos de· senhas, relativos a cerca de cento e cinqüenta diferentes aparelhos e não escreveu menos de 35.000 palavras. Ficamos maravilhados ao ler seus ca4ernos, ao examinar seus desenhos: não previu as princi· pais características do que se;ia o avião de hOje? Princípio da igualdade da ação e da reação, articulação das asas, cálculo da superfície por/ante, comando único para a direção e aprofundar - este sur· preendente arreio para cabeça - , planos de geometria variável, mo· nop/ano ou biplano, amortecedores, turbinas, motores a acumulação de energia, inclusive o trem escamoteável". Pode·se perguntar por que, após esses estudos, a aviação não foi descoberta mais cedo? Esta pergunta encontra plena explicação 61


no fato de que os manuscritos de Leonardo mantiveram-se escondidos até o século XIX. Mais adiante, Edmond Petit refere-se aos estudos anatômicos comparativos entre o homem e a ave, realizados por Leonardo, nos seguintes termos : ' 'Somos forçados a constatar também que o gênio do precursor se firmou sobre dois pontos: acreditava que as aves batiam as asas da frent e para trás; pensava que os músculos do homem eram suficientes, para elevar não somente o peso do corpo, mas também o da máquina~ ignorando que a comparação homem-ave, se fosse possível examinar sobre o plano anatômico, não era de todo válida quando se considera o aparelho respiratório _ E no fim de sua vida que teve a idéia dos vôos planados, após estudar aS rasas com seus batimentos, e se interessar pelo vôo dos pássaros". Da Vinci menciona () vôo dos pássaros quando enumera os diferentes tipos de vôo: com impulsão, com batimento rápido das asas, planado, vertical e horizontal . Edmond Petit tece vários comentários sobre a possibilidade de que Leonardo haja realizado algum ensaio com seus modelos, transcrevendo, de seus cadernos, as seguintes anotações : "A 2 de abril de 1496 - amanhã realizarei o ensaio; ( ... ) a 15 de abril de 1505: o famoso pdssaro tomará seu vôo _.. " Assim, com fcaro, tivemos o mito; com Leonardo da Vinci, a pesquisa, senão mesmo a experiência . Após estudar e equacionar vários problemas relativos à arte de voar, deixou o ensinamento que serviu a Clement Ader, segundo nos informa: Petit: " Disseca o mOrcego, estuda-o com atenção e, sobre este modelo, constrói a máquina . Ensaia O verdadeiro aparelho sobre a água) para que não te ocorra algum mal, em caso de queda." Sem embargo de tudo o que aqui já se disse a respeito de Leonardo da Vinci, não podemos deixar de reproduzir a seguinte citação, extraída da História Ilustrada da Ciência:7~ "Seu hoje famoso helicóptero, que pode ter sido realmente idéia sua, como pode ter sido derivado de histórias sobre as partes superior~s dos helicópteros chineses, ou libélulas de bambu, e vários aparelhos, para os quais ele fez esboços admiráveis, devem ser encarados sob o mesmo prisma. Por outro lado, seus estudos sob re os vôos dos pássaros, que faziam parte de uma inJ.-estigação sobre toda a questão do vôo.. não seriam suplantados antes de se passarem outros cinco séculos, e eram verdadeiramente originais". O século XVI contribuiu com poucas idéias e novidades relacionadas com a arte de voar, podendo-se apenas mencionar os papagaios imaginados pelo alemão Johan Schmidlap e pelo italiano Jean-Baptiste deUa Porta (1589), para transportar fogos de artifícios, e a idéia expressa pelo veneziano Fausto Veranzio, em Machinae Novae, 62


acerca da construção e funcionamento do pára-quedas, como nos lembra ainda Edmond Petit. O século XVII assistiu à descoberta e formulação, por Galileu Galilei, dos postulados fundamentais para a história da Astronáutica: as leis da queda dos corpos (1602), o princípio da inércia e a lei da composição das velocidades, A propósito do assunto, lê-se numa publicação popular O seguinte trecho: "'Um objeto - no espaço cósmico, por exemplo - continua sua trajetória imperturbável, desde que forças externas não atuem sobre ele (lei da inércia), Mais tarde isso significaria que uma nave espacial, recebendo impulso suficiente para deixar a terra, prosseguiria tranqüilamente seu movimento pelo céu",rI ~ nesse século que desponta a figura de Descartes, a quem se devem a criação da Geometria Analítica, a descoberta dos princípios da ótic~ geométrica e a autoria do Discurso do Método, de tão grande aplicação nos estudos militares, A aviação, ou mais simplesmente, o vôo, no entanto, permanecia constituindo um mero sonho para a humanidade. Apesar de tudo, não se pode deixar de considerar farta a contribuição desse século para as tentativas de conquista do espaço, seja pela criação literária, seja pela invenção de aparelhos. No cômputo geral, porém, o que se viu foram muitas palavras e poucas realizações. Não podemos perder de vista que, para a época, a imitação era o ponto central de todos os desenvolvimentos teóricos. Assim, em 1648, eis como Johan Wilkins (1614-1672), Bispo de Chester, resumiu as quatro possibilidades de voar, segundo seu ponto de vista: "Com o espirito dos anjos, com o auxílio das aves, com asas solidamente fixadas ao corpo e por meio de carros voadores", Ele questionava as três primeiras hipóteses, como nos informa a Enciclopédia Britânica, mas concluía, analisando a possibilidade da evolução do avião com asas fixas: "Se o pássaro consegue tão facilm ente mover-se para cima e para baixo, nada mais fazendo que bater suas asas . .. não é improvável que, quando todas as devidas proporções (um aparelho exeqüíFel) puderem ser obtidas, e quando os homens, por longa prática, tiverem chegado a alguma perícia e experiência, eles chegarão . ,. muito próximo à imitaf.âo da natureza" , Inumeras foram as tentativas de, no decorrer do século XVII, apresentar o memorial de um engenho voador com asas, ou mesmo construir protótipos toscos, geralmente mais propensos a espatifar-se no chão do que a conquistar ó espaço. Alguns modelos devem ser apontados por sua originalidade, ou, até mesmo, por indicar um caminho no sentido de levar o homem a alçar-se aos ares, Todos apresentam uma constante: mostram sempre o homem tentando imitar o pássaro, copiando o exemplo fornecido pela natureza. 63


Exemplo bem característico é â máquina do serralheiro Besnier, em Saledé, 1678, que Edmond Petit cita, fazendo referência ao comentário publicado em 12 de dezembro do mesmo ano, pelo / ournal des Savants, que consagra um longo estudo anunciando a constru· ção em série de asas, com as quais se teria alcançado êxito na reali· zação de alguns v60s planados. Segundo a gravura a seguir, vemos que essa máquina se constituía de dois bastões, tendo em suas extre· midades asas flexionáveis que, conforme o batimento dos pés e a flexão dos braços, com apoio sobre os ombros, proporcionava, alter· nadamente, a força para executar o v60 planado. C'

Fig. 20 - A m6qul"a de Be:Jl1iu . (Jornal daI SábiO!, 12 de dezembro de 1678) A - Asa direi/a dia"/eira. B - Asa esquerda /roseira. C - Asa esquerda dianteira. O - A direi/a /raseira. E - Cordao do pé esquerdo que loz baixar u asa B, quando .:.I mão direita faz baixar a asa A. . F - Cordão do pi direilo que faz baixar a asa O, quando a mão esquerda faz baixar a asa C.

l! importante levar em conta a determinação da inviabilidade do vôo com as asas, ou vôo remado, de acordo com a teoria de Gio· vanni Alfonso BareUi, em De Motu Animalium . Ele· afirma "que os músculos peitorais dos animais, representando um sexto de seu peso, poderiam fornecer uma força igual a dez mil vezes a sua massa"; donde concluir, como nos relata Edmond Petit, que "não se poderia es· perar o mesmo rendimento do homem". No artigo Hist6ria do Vôo (Flight History), resume·se, de forma bem expressiva, o resultado da tentativa de voar, pela imitação do vôo dos pássaros: "E um fato curioso, mas verdadeiro, que a dura· 64


doura observação do vôo dos pássaros, pelo ser humano, mazs 'l1npediu do que acelerou o desenvolvimento do vôo pelo homem. "'f,1!)das as tentativas para voar com asas conduziram somente à frustração ou ao desastre". E mais adiante: "Asas movediças (ornitópteros) pouco contribuíram para a história do vôo pelo homem . .. " No final desse século, Isaac Newton (1643-1727) descobre a lei da ~ravitação universal: "Na natureza tudo se passa como se a matéria atraísse a matéria na razão direta das massas e na razão if1.versa do quadrado da distância". Assim, vemos um extraordinário desen· voIvimento científico que, se não teve atuação direta no campo da aviação, sem dúvida iria trazer fundamentos básicos para a Astro· náutica. O século XVIII foi fecundo em avanços no campo da aeronáu· tica. Os aparelhos construídos, a observação dos elementos da natu· reza, as descobertas científicas ocorridas e a literatura produzida, induzem o homem a efetivamente alçar·se do solo, superando a barreira da gravidade. As inúmeras citações de resultados obtidos pela experiência aplicada vêm-nos indicar a seqüência de passos tentados pelo homem na esperança de rea lizar esse seu antigo anseio. Caracteriza-se esse século, no que diz respeito à conquista do espaço, pelo desenvolvimento dos balões, destacando·se neste particular os nomes do bra s ile~ro Bartolomeu Lourenço de Gusmão, o "Padre Voador", e dos irmãos Montgolfier, cujas realizações estão separadas por um longo hiato de 74 anos. A bibliografia internacional , inexplicavelmente, pouco se refere a Bartolomeu de Gusmão, dando um destaque acentuado às ascen· sões feitas pelos balões dos irmãos Montgolfier. A Enciclopédia Bri· tânica, por exemplo, em suas sucessivas edições, sequer menciona seu nome. Edmond Petit, em A História da Aviação, assim se refere ao pioneiro brasileiro: "Em 1709, um estranho personagem, Bartolomeu Lourenço de Gusmão, desenha os planos da Passarola, grande barca, para dez pessoas, sustentada por um velame, munida de foles, de asas, de ímãs para recolher os corpos metálicos da nacele, pedaços de âmbar para recolher pedaços de palhas da tapeçaria do interior do barco" . . O poder de convicção de Gusmão deveria ser bem grande e a tal ponto que os soberanos de Portugal lhe concederam um monopólio e que a confusão, a mais bizarra, apossou-se dos espíritos: Teria ele voado? Diante de' testemunhas? O mal-entendido, creio, surgiu do fato de que, ao lado da Passarola, Gusmão havia desen· volvido Qutros estudos, alguns dos quais teriam dado resultados po· sitivos. Teria ele feito voar um modelo em escala reduzida? Ou, na dia 8 de agosto de 1709, feito subir um pequeno balão cheio de ar quente, na presença de João V? Alguns afirmam que sim". Vejamos, a seguir, as razões de tantas dúvidas . 65


CAPITULO 4

BARTOLOMEU LOURENÇO DE GUSMÃO (1685-1724)

1. Considerações Gerais NTRE os estudiosos que se debruçam sobre a análise-histórica, há os que defendem a tese de que as descobertas e invenções são o resultado de uma evolução sem autores. Preferimos, em princípio, considerar a descoberta camo a revelação de algo oculto, conquanto existente . Já a invenção é fruto de elaboração intelectual criadora; portanto, sem existência anterior. A primeira tem, como condição essencial, a publicidade; a segunda. como premissa básica, a criação do inexistente. No entanto, apesar de tão radical diferença de conceitos, tanto a descoberta como a invenção se assemelham num ponto: ambas, no instante em que se revelam, individualizam-se no agente responsável pela revelação. E como se o criador e sua criação passassem a estar indissoluvelmente ligados. A descoberta da América, as teorias sabre a translação da Terra, a gravitação universal, a reprodução do som, a propagação das ondas eletromagnéticas, a descoberta do Pólo Sul, e a teoria da relatividade, por exemplo, individualizam-se em seus agentes criadores: respectivamente, Colombo, Galileu , Newton, Edson, Hertz, Amundsen e Einstein. Na hist6ria do domínio humano da terceira dimensão, eram brasileiros os agentes criadores dos balões, dos dirigíveis e dos aviões, e é por isso que seus nomes não podem ser omitidos, ou citados sem o devido destaque , quando se mencionam tais inventos. E embora a história ainda não lhes tenha prestado o justo reconhecimento, os

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estudos mostram que o ciclo de conquista do ar, aberto em 1709, com a ascensão do primeiro balão, e encerrado quase dois séculos depois, em 1906, com o vôo do mais pesado que o ar, caracterizou a fase nitidamente pioneira e consagrou o talento brasileiro, individualizado em Bartolomeu Lourenço de Gusmão, Júlio César Ribeiro de Souza, Augusto Severo de Albuquerque Maranhão e Alberto Santos-Dumont. O primeiro nome desta seqüência, Bartolomeu de Gusmão, pertence a uma figura singular, na qual o homem, o sacerdote e o bem-dotado se fundiam numa personalidade complexa, que enxergava muito à frente de seu tempo, sofrendo as naturais e inevitáveis conseqüências dessa excepcionalidade. Armou-se em torno de seu nome e de sua obra - sem favor nenhum, uma das grandes realizações do espírito humano - uma verdadeira conspiração do silêncio, surgida já em sua própria época,devido ao contraste entre sua genialidade e a mediocridade cultural da sociedade em que vivia, enciumada de seu talento e agastada com sua superioridade intelectual. A propósito, cabe transcrever pequeno trecho do Dicionário Universal Português Ilustrado, referente ao verbete balão, que nele ocupa cerca de trezentas páginas _ Por se tratar. de obra escrita no século passado manteve-se aqui a grafia constante ' do original: "Como é sabido, as reformas que os jesuítas introduziram na Universidade de Coimbra e em todo lo ensino público, tiveram em vista perseguir com toda a energia as sciencias naturaes, que foram excluidas e banidas das nossas escholas. O período do Ireinado de D. João V marca a maior intensidade do domínio jesuítico em Portugal, e do império da ignorância e do fanatismo. Apesar de lá fora o movimento intelleclual ser já poderoso, o nosso pais, subjugado pelo ensino jesuítico, permanecia indiferente! ( ... ) As sciencias phisicas p6de-se dizer que eram ignoradas entre nós. Além disso, o Santo Oficdo, as fogueiras, os carceres da Inquisição, a Censura e o Desembargo do Paço, eram outros obstáculos à publicação das obras. Por isso, restam dessa epocha muitos manuscriplos importantes que nunca viram a p.ublicidade. Poucos foram os trabalhos scientificos, quer políticos ou quer literários. Portanto, que admiração póde causar a falta de documentos escriptos desta epocha, ou a sua pouca abundança? O que é certo, é que estrangeiros pouco conscienciosos se vale.ram disso para ocultarem ao mundo os fatos passados no principio do século último com respeito à grande invenção do padre Bartholomeu Lourenço de Gusmão . .. " Vítima de intriga palaciana, ridicularizado na Corte e nas ruas, atingido até mesmo em sua reputação de sacerdote, Bartolomeu de Gusmão viu·se coagido a deixar Portugal. não sem antes destruir 67


seu próprio arquivo, o que dificultou sobremaneira o restabelecimento da verdade histórica. De seus planos restou apenas um documento, destinado a assegurar seus direitos de inventor: a concepção de uma absurda máquina voador~ denominada Passarola, que acabou por constit~ir o obstáculo maior ao reconhecimento de sua "prioridade aerostática" . Foi trágico o fim da vida deste grande inventor: reduzido à mais absoluta miséria, morreu longe de sua pátria, em Toledo, num hospital de indigentes. Em 1783, decorridos setenta e quatro anos do feito de Gusmão, os irmãos Montgolfier revelam ao mundo o seu invento: um balão que utilizava os mesmos princípios básicos ascensionais empregados no de seu antecessor. Foi então que Portugal lembrou-se de reivindicar a primazia nesse campo, esbarrando com a virtual inexistência de documentos comprobatórios da ascensão levada a cabo em 1709. Intensificaram-se as pesquisas nesse sentido a partir de 1818, com Francisco Freire de Carvalho, o primeiro a elaborar a série de documentos destinados a reabilitar o nosso pioneiro. Em 1833, ele concluiu sua Memória que tem por objeto reivindicar para a Nação Portuguesa a glória da invenção das machinas aerostaticas, publicada dez anos depois pela Academia Real de Ciências de Lisboa. Nesta altura, Augusto Comte (1798-1857), buscando selecionar as mais importantes conquistas do gênero humano que atuaram como propulsoras da civilização moderna, já havia catalogado a navegação aérea, ainda em estágio embrionário, como uma delas, fazendo-a preceder apenas pela imprensa, sem dúvida o grande motor do pro' gresso contemporâneo. O trabalho de Francisco Freire de Carvalho desencadeou o interesse de outros pesquisadores, que saíram à cata de documentos referentes às realizações do "Padre Voador". No Brasil, em 1838, José Feliciano Fernandes Pinheiro, Visconde de São Leopoldo, publicou o livro Da Vida e Feitos de Alexandre de Gusmão e de Bartolomeu Lourenço de Gusmão, que o Instituto Histórico e Geográfico do Brasil divulgou em separata. Em 1868, Augusto Felipe SiI;nões acrescentou às pesquisas anteriores importantes descobertas, narradas na Memória do Padre Bartholomeu Lourenço de Gusmão e Descripção e figura da admirável machina para se navegar pelo ar, que fez em Lisboa O padre Bartholomeu Lourenço, natural do Brasil, dada à estampa por um amigo do autor tirada de notícias particulares, que este lhe comunicou. Em 1898, foi a vez de Manuel Maria Rodrigues contribuir com novos dados colhidos na Biblioteca do Porto. Já no nosso século, o Marquês de Faria foi a figura catalisadora da luta pelo reconhecimento da primazia de Gusmão. Fundou em 68 .


Paris a Académie Aéronautique Bartholomeu de Gusmão, com a finalidade de incentivar as pesquisas que demonstrassem a prioridade de seu patrono, valendo-se de arquivos portugueses e estrangeiros. O resultado de suas próprias pesquisas e das de inúmeros colaboradores resultou na obra Académie Aéronautique Bartho[omeu de Gusmão - Son rôle et son action dans Les revendications émises en faveur de B. de Gusmão (1684-1724), inventeur des aérostats et précurseur des navigateurs, que veio a lume em Lausanne, no ano 4e 1913, e na qual se divulgavam os documentos encontrados nos a-rquivos do Vaticano. Em 1934, O Coronel Costa Veiga enriqueceu a participação portuguesa na pesquisa, imprimindo documento inédito de um contemporâneo de Gusmão, o acadêmico Soares da Silva. Em época mais recente, o historiador brasileiro Afonso de E. Taunay dedicou-se ao estudo da vida e da obra de Bartolomeu de Gusmão, praticamente esgotando as fontes, embora ele mesmo declare que "longe estão os arquivos capazes de dar a última palavra sobre a biografia do Voador.' ''' Esta afirmação efetivamente tem procedência, porque são numerosas as lacunas existentes com respeito à curiosa e atribulada vida deste grande inventor brasileiro . 2. O Homem O ano de 1685 assinala o nascimento de Bartolomeu Lourenço de Gusmão, em dia não determinado do mês de dezembro. Embora a data precisa até hoje permaneça desconhecida, a determinação do mês foi induzida pelo registro de batismo que ainda se encontra no Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo, com o seguinte teor: . "Certifico eu, padre Jacintho Lopes de Araújo, coadjutor da Igreja Parochial desta Vil/a (de Santos), que revendo o livro em que se costuma fazer assento dos baptisados, em virtude de despacho acima do Ddo vigário da Vara, achei o seguinte: BERTHOLAMEU, innocente, filho de Francisco Lourenço e de sua mulher Maria Alvares, baptisei e lhe puz os Santos aLeos. Paçlrinhos Luiz Peres de aporte e Ambrosia de Aguiar, aos dezenove de dezembro de seiscentos e oitenta e cinco annos . a padre Antonio Corrêa Peres; o qual o tirei bem e fielmente . .. (palavras destruídas pela traça) que duvida faça ao qual me reporto e vae jurados aos Santos Evangelhos. Santos, 6 de outubro de 1707 . O padre Jacintho Lopes de Araú;o". Lembra-nos Taunay que "havia naqueles tempos de profundlssima fé, o maior açodamento em batizar os recém-nascidos", daí o deduzir que a data de nascimento se situe em tomo da de batismo; portanto, no próprio mês de dezembro. .

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Se a data de nascimento foi controvertida, seu nome não o foi menos. Autorc~ do século XVIII, na França, consideravam distintos o padre <1iltsmão e o padre Bartolomeu Lourenço . A confusão, involuntária, aliAs, ficou por conta de David Bourgeois, que, ao publicar as Recherches sur l'art de valer depuis la plus haute antiquité jusque à cejour (1784), não levou em oonta a facilidade com que os portugueses alteravam seus nomes. Imperdoável, entretanto, foi o "'achado" do escritor baiano Alberto Rebelo, que, em 1916, deu à publicidade, em Salvador, um opúsculo intitulado O Seminário de Belém de Cachoeira e o Padre Bartolomeu de Lourenço, Erradamente Chamado de Gusmão (sic). Taunay esclareceu definitivamente o assunto, demonstrando que o nosso precursor adotou sucessivamente três nomes: o de batismo, Bertholameu Lourenço, com que ass ina os Autos de Greve et Morisus, até hoje conservados no Arquivo da -Cúria Metropolitana de São Pau lo; posteriormente, o de Sartholomeu Lourenço, com o qual subscreve a sua famosa Petição; mais tarde, provavelmente na última dé cada de sua existência, incorporou o nome de Gusmão, em significativa homenagem a seu educador, amigo e protetor Alexandre de Gusmão. Possuidor de profundas raízes brasileiras, conforme revela Pedro Taques, em sua Nobiliarchia Paulistana, descendia, por linha materna, de uma tetravó paulista, sendo também paulistas sua mãe, a av6, a bisavó e a trisav6. Quanto à linha paterna, não se alcançou ma is de duas geraçõcs radicadas no Brasil , o que, no entanto, é suficiente para definir uma provável tradição de brasilidade. Filho de Francisco Lourenço, cirurgião-mor do Presídio da Vila de Santos, e de sua mulher Maria Alvares, integrava Bartolomeu de Gusmão, com mais onze irmãos, uma típica família remediada, o que não constituiu empecilho para que inúmeros parentes tenham galgado os degraus da ascensão social em Santos, São Sebastião e outras localidades do litoral paulista . Deve-se ao Visconde de São Leopoldo, através de pesquisas rea· lizadas em 1838, a descoberta dos Autos de Inventário, onde consta a relação completa dos membros de sua familia : "A utos de In ventário a que se procedeu pelo Juízo de Orgãos da Vila de Santos, em 4 Ide janeiro de 1721) por falecimento de Francisco Lourenço, cirurgião-mor do Presidia desta Vila, dita Praça d'Arma s, em 9 de dezembro de 1720; neles declarou a viúva inventariante, D . Maria Alvares, que do falecido seu marido lhe ficavam doze filh os, a saber: - Domingas Gonçalves: · casada com Antonio de Seixas, nascida em 1680; 70


- padre Simão Alvares: professo do 4.° voto na Companhia de Jesus, nascido em 1682; - Maria Gomes: casada com Francisco \(icente, nascida .em 1683; padre Bartholomeu Lourenço: ' clérigo secular, nascido em 1685;

Joana Gomes: casada com Antonio Ferreira Gambôa, nascida em 1688;

-

frei Patrício de Santa Maria: religioso franciscano, nascido

em 1690; - Paula Maria: religiosa no Convento de Santa Clara da Vila de Santarém, nascida em 1692; - Archangela da Conceição: idem em Portugal, nascida, em 1693; - Alexandre: religioso da Ordem de Cristo, nascido em 1965; - Brigida Monteiro: nascida em 1698; - / gnacio Rodrigues: regular na Companhia de Jesus, nascido em 1700;

-

João de Santa Maria, religioso carmelita, nascido em 1703."

A relação nos revela que oito dos doze innãos optaram pela carreira eclesiástica, na qual alguns alcançaram grande projeção: os padres Simão Alvares e Inácio Rodrigues foram pregadores eméritos, venerados até pela primeira nobreza da Corte de D. João V; Frei Patrício de Santa Maria, da Ordem Seráfica, Coi proCessor conceituado e pregador. Desses oito, três adotaram o nome de Gusmão, em homenagem a Alexandre de Gusmão (1629, Lisboa - 1724, Belém/ BA), amigo da Camília, escritor virtuoso e clássico, Cundador do Seminário de Belém (Bahia): Bartolomeu Lourenço, Joana Gomes e Alexandre. Justamente estes três, na visão de Taunay, Coré!m os expoentes da Camília: de lado, dois vigorosos talentos, que prestaram Cecunda contribuição à ciência. à tecnologia e à diplomacia; de outro, uma mulher de extremada virtude, tendo alcançado Cama de santidade entre seus contemporâneos. 3. O Sacerdote A formação eclesiástica de Bartolomeu de Gusmâo não Coi tetalmente levantada,. havendo ainda pontos obscuros a serem pesquisados . Sabe-se que , em data não precisada, saindo de Santos, onde fez os estudos primários, seguiu para o Seminário de Belém (Bahia), a fim de completar o Curso de Humanidades. Filiou-se ali à Companhia de Jesus, sob a orientação do grande amigo de seu pai e fundador daquele Seminário, padre Alexandre de Gusmão . Mais tarde, porém, solicitou e obteve permissão para ordenar-se na condição de padre secular. 71


Esta opção pela secularidade eclesiástica constitui um dos diversos pontos obscuros de sua vida. Por que teria desistido de ser um jesuíta? Há duas versões para explicar este fato: a dos inimigos, proclamando a sua condição de expulso por indesejável; a dos amigos, defendendo a ..tese de que se teria afastado voluntariamente, libertando-se das normas severas e rígidas da Ordem, a fim de exercitar plenamente a sua capacidade criadora. Que pertenceu à Companhia de Jesus e que dela saiu noviço ainda, em 170 I, provam-no largamente as pesquisas do padre 8altazar Wilhelrn. Aliás, no próprio catálogo de 1705 da Ordem, consta: "Bartholomeus laurentius Nov. Sehol. ex oppide Sanetorum anrí'J 1701, dimissus." Que, mesmo deixando a Companhia, tenha mantido sua vocação para O sacerdócio, confirma-o também a petição enviada a Dom Frei Francisco de São Jerônimo, bispo do Rio de Janeiro. em 5 de maio de 1703, na qual expressava o grande desejo "de ser promovido a todas as ordens menores e sacras, para servir a Deus em estado mais perfeito". O longo processo de ordenação foi concluído no Brasil, em fins de 1708, ou princípios de 1709. Entre os muitos fatos que o comprovam, dois se destacam pela maior evidência: a assinatura de sua Petição a D. João V, apresentada em princípios de 1709, é claramente padre Bartholomeu Lourenço; num folheto do Núncio Apostólico em Lisboa, Cardeal Conti, ao Cardeal Secretário de Estado. datado de 19 de abril de 1709, lê-se que Gusmão, "sacerdote dei BrasUe", chegava a Lisboa "venuto com el ultime navi". O local de ordenação também deixa margem a dúvidas, podendo tanto ter sido sagrado no Rio, por Dom Frei Francisco de São Jerônimo, como em Salvador, por Dom Sebastião Monteiro da Vide. O fato indubitável é que ele chegou a Lisboa em 1709, já como presbítero . 4. O Bem-Dotado Bartolomeu de Gusmão, dotado de uma inteligência privilegiada, fez incursões criativas p~las áreas mais nobres do conhecimento humano de seu tempo: a Matemática, a Física, a Química, a Astronomia, a Filologia, isto sem falar no exercício da Diplomacia e da Criptografia, atendendo designação de D. João V. Certamente estava familiarizado com os trabalhos de Descartes (1595-1658), Leibnitz (1610-1716) e Newton (1642-1727) , e de seus contemporâneos Bernouilli (1667-1748), Maclaurin (1698-1746) e outros. Como estes, também ele deixou a sua contribuição à humanidade, não só através do invento que, no século da Enciclopédia, deflagrou a conquista da terceira dimensão, como também no próprio âmbito 72'


das ciências exatas, ao apresentar um sistema de resolução de equações exponenciais à Academia de Ciências de Berlim, recém-fundada por Frederico I. Enfim. desde cedo evidenciou talento invulgar, sólida cultura e prodigiosa memória . Aos dezesseis anos. em 1701, quando pela primeira vez foi a Portugal, causou formidável impressão nos meios culturais lusitanos, pela gama de seus conhecimentos e por sua personalidade, concisamente enfocada por Diogo Barbosa Machado, patri arca da bibliografia portuguesa : "Sendo tão douto em várias ciências, nunca se lhe descobriu o menor sinal de vanglória; antes, sem afetação, era tão modesto no semblante, como afável no gênio, parecendo muitas vezes a quem não o conhecia que não era depósito de tantos tesouros científicos. D. Antônio Caetano de Sousa, autor da História Genealógica da Casa Real Portuguesa, assim se exprime a seu respeito: "Desde os primeiros anos se mostrou singular quem haveria de ser universal e consumado em todo o gênero de erudição." Começava por onde os outros, "embora os mais doutos e eminentes, acabavam, ostentando tão antecipadamente grande assunto para o seu aplauso e larga matéria à nossa admiração. Ademais, era possuidor do que hoje se denomina "memária fotográfica", conforme se infere desta citação do padre João Baptista de Castro, extraída de um opúsculo de 1766, incorporado ao Códice - CXII/ 2-14, da Biblioteca de Evor.: "Abria-se um livro de folha que ele nunca tinha lido. Punha-se a ler duas ou quatro pdginas uma só vez e as tornava a repetir fielmente. " A marca do talento é a perenidade de sua manifestação, que as citações acima reconhecem, registrando opiniões coincidentes, emitidas em épocas distintas da vida de Gusmão. Outras opiniões também se manifestaram sobre os dotes do precursor, como esta de José Soares da Silva, da Academia Real de História Portuguesa, publicada nas páginas da Gazeta em forma de carta, fazendo a resenha dos principais fatos ocorridos no ano de 1701: "O Brasil, hoje e mais que nunca fértil de engenhos, nos mandou nesta frota o mais raro que já produziu, em hum moço natural de Santos~ mais pobre por prendas, que por Pais, em o qual se anteciparão as Ciências aos annos, pois de 15 para 16, dizem que sabe o que contem a memória infra-inscripta; o que parece excede a capacidade do tempo, ainda que fosse imprimindo-lhe fielmente na memoria tudo quanto lesse, sem lhe discrepar num apice, como dizem que ele faz, e lhe fica tudo quanto hua vez passou pelos olhos. Se assim continuar, ate os vinte annos, podera~ nessa idade competir, e renovar as celebres memorias de ]acob Critonio, que dos mes· JJ

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mos annos defendeu em Roma, e fez exame vago, Ires djas~ de lodas as ciencias, para que depois a destreza de algua lhe fosse causa para que o filho do Principe de Ferrara tam vil~ e traidoramente lhe tirasse a vida. Mas eu lhe dou~ de barato a conservação de sua memoria; assim lhe não saia cara a szJâ conservação na terra onde esta, e com talento que tem ou que dizem que tem," Em 1709, o mesmo acadêmico divulgava a notícia de que se encontrava de novo em Lisboa Uaque/le celebre estudante americano, que aqui esteve annos atraz, não já para declamar de c6r, de traz para diante e de diante para traz, as odes de Horácio e os livros da Ecriptura, mas para impetrar d'EI-Rey D , João V, um inesperado e singular privilégio de invenção", Também na Diplomacia patenteou-se a competência de Bartolomeu de Gusmão, em que pese a certos biógraros que lhe atribuíram completo fracasso em sua missão diplomática em Roma, dada a decisão de D, João V de mandar em seu auxílio o irmão Alexandre de Gusmão, Tratava-se de negociar em Roma, junto a Clemente Xl e depois Inocêncio XIII, que fora Núncio Apostólico em Lisboa, " duas bulas do serviço da Patriarchal e duas quartas partes dos bispados". Taunay esclarece o episódio, situando corretamente o papel desempenhado pelos dois irmãos: , "Assim, nos fica a convicção de que os serviços de Alexandre de Gusmão referentes à obtenção do decreto papal devem ter sido limitados e todo o trabalho feito e de que decorrera a vit6ria das pretensões portuguesas que se devera ao irmão, E de vez se desfaz a balela de que estas questões diplomáticas foram tratadas ineptamente por Bartolomeu de Gusmão, acusação das mais tenazes entre os maus bi6grafos do Voador é fruto provável da calúnia." Já no campo que poderíamos chamar da "espionagem internacional", dado o hábito corrente em todas as Cortes de sistemática violação de correspondência entre governos e seus representantes diplomáticos, o que redundou no uso intensivo de cifras, coube a Bartolomeu de Gusmão. por determinação de D, João V, estudar a transformação da linguagem codificada em ostensiva, Eis o nosso pioneiro, invadindo os ~omfnios da Criptografia. Tão bem se desincumbiu da nova missão que, enquanto viveu, não houve código que resistisse à sua capacidade decifradora,

5. Primeiras Manifestações de Inteligência Não há registros sobre a infância de Bartolomeu de Gusmão; não obstante. a julgar pelos seus desempenhos posteriores, ele deve 74


ter sido uma criança precoce e de inteligência bem acima da média - um verdadeiro menino-prodígio. Seu aproveitamento no seminár~o foi surpreendente, revelando bem cedo o inventor, que se afirmaria na cri atividade de inúmeras aplicações práticas das teorias científicas . Aos treze anos, seu primeirQ invento resolveu um problema de abastecimento de água, até então transportada por escravos, em barris, segundo um sistema moroso e deficiente . Em que pese àqueles que externaram dúvidas a respeito dessa invenção, tem-se o atestado do Pc. Alexandre de Gusmão, Reitor do Seminário, em documento existente no Arquivo Nacional, no qual dec1ara haver Bartolomeu de Gusmão, ex-seminarista de Belém, feito "subir água de um brejo do dito seminário, que fica sobre um monte, por um cano de 460 palmos de altura, obra de grande admiração e utilidade para o dito seminário, e a qual vira ele correr como todos do dito seminário, assim religiosos como seminaristas", Alguns autores vêem na solução gusmoniana a aplicação dos moinhos de vento, cujo movimento circular contínuo foi por ele transformado num outro retilíneo alternativo da haste do êmbolo da bomba, deste modo possibilitando sugar-se e elevar-se a água. Pouco tempo depois, novo invento, com a finalidade de faci· litar as travessias marítimas para a cidade de Salvador, .ainda com aproveitamento da energia eól.ica: dessa vez, procurando movimentar embarcações para um só homem, utilizando-se da atuação do vento $obre pás presas a uma roda , Antecipava-se assim ao engenheiro Kulls, que propôs, alguns anos mais tarde, solução idêntica, visando a movimentar embarcações de maior porte. 6, Invenção do Aeróstato Como já se disse, a invenção é fruto da elaboração intelectual criadora, Há, portanto, um instante de criação que explode do quase nada, como a fugaz aproximação de duas nuvens produzindo o relâmpago ou o inocente banho de Arquimedes sugerindo um a lei da hidrostática . O instante de criação é, assim, deflagrado por um momento de conveniência motivadora. Qual teria sido o quase-nada inspirador de Bartolomeu de Gusmão? Como teria germinado em seu cérebro privilegiado a idéia tão avançada de conceber e construir um balão? Na realidade ninguém o sabe, por falta de registros confiáveis, dele próprio ou de outrem, Querem alguns, como Taunay, que esse quase-nada tenha sido a observação fortuita dos movimentos de uma bolha de· sabão ascen· dendo bruscamente, ao passar, por acaso, sobre um foco de calor. O aproveitamento de forças ascensionais crescentes seria a chave 75


para anular a gravidade, permitindo a elevação de massas também crescentes . O sonho de fcaro começava a tornar-se realidade. Outros, como Domingos Barros, preferem que a inspiração tenha partido de observação da própria labareda, provocando a expansão dos gases em direção ao alto, com energia suficiente para proporcionar a ascensão de pequenas partículas sólidas desprendidas do elemento componente. Infelizmente, não dispomos de esclarecimentos do pr6prio Bartolomeu de Gusmão acerca deste assunto . Assim, não há como escapar do campo das hip6teses e especulações . Outro ponto que merece esclarecimento é o de saber se as primeiras ascensões do aer6stato de Gusmão se realizaram no Brasil ou em Portugal . Lysias Rodrigues e César Feliciano Xavier defendem a tese de que o problema da conquista do ar foi resolvido em nosso país, invocando para tanto as décimas mordazes de Tomás Pinto Brandão, encontradas no Códice CXII/I-18-d da Biblioteca Pública de Evora, Tomo IV, do Pecúlio do Padre João Batista de Castro: "Os seus vôos na Bahia, Algum princípio tiveram, Que por isso o não quiseram, Os Padres da Companhia. Suspeita alguma haveria, Do que se saberá cedo, E se em segredo de medo, Uns padres o expulsaram lá, Talvez que o recolham cá Outros padres em segredo." Admite César Feliciano Xavier, entretanto, que, embora convicto da tese, não dispõe de provas documentais que esclareçam a verdade histórica. Por outro lado, não abre mão da autenticidade das experiências realizadas em Lisboa. Estas sim, totalmente documentadas, embora também negadas por muito tempo. talvez por culpa do próprio precursor como adiante teremos oportunidade de mostrar. 7. A Passarola, Iconografia Infeliz Preocupado com a falta de garantias, à época, para os frutos do trabalho intelectual, manteve Bartolomeu de Gusmão total silêncio em relação a seu invento e suas experiências. Nenhuma memória do balão em si . Nenhuma narrativa das experiências realizadas . Pior ainda, fez divulgar uma iconografia infeliz e um memorial que chega às raias do inacreditável. 76


Fig. 21 - Estampa portuguesa do skulo XVIl1 pela primeira vez impressa, ao que parece, em 1784, por Simão Tadeu Ferreira e falsamente datada de 1774 .

A " Passarola" e seu memorial foram responsáveis por mais de doi s séculos de descrédito quanto ao inventor e seu aeróstato . E dizer-se que, em depoimento divulgado em 1720, o Marquês de Fontes e Abrantes, protetor de nosso pioneiro, relaciona seu filho Conde de Penaguião como co-au tor da estampa e do memorial, expediente usado durante o preparo das experiências, com o único fito de evitar o assédio dos curiosos . Foi impressionante a rapidez com que se propagaram, na Eu· ropa, as notícias das experiências que seriam conduzidas por Gusmão, muitas delas, lamentavelmente, adotando como ilustração a infeliz iconografia. Devemos ao Marquês de Faria a divulgação de um documento de 1709, cópia do Arquivo Vaticano (Fondo Bolognetti n.o 16, pág. 69-72), no qual aparece a estampa da Passarola. As pesquisas sobre as repercussões do invento de Gusmão nos países germânicos, devem.o-Ias ao Conde Karl von Klinckostroem, que, em 1911 , publicou excelente monografia, na qual procurava esclarecer a controvérsia sobre a prioridade do precursor brasileiro . Tais pesquisas, sérias e profundas, revelam fatos impressionantes, se nos reportamos à época em que as comunicações dependi am de transporte marítimo a vela e estafetas a cavalo . Encontrou Von Klinckostroem, na Biblioteca Imperial de Viena, exemplar único do número 609 do Wieneriche Diarium, correspondente ao período de 1.0 a 4 de junho de 1709, pouco mais de 77


um mês após a divulgação do requerimento a D. João V, a primeira notícia relativa ao projetado vôo . Embora sem a estampa anuncia· da no texto, conseguiu o Conde, no acervo iconográfico da Biblio· teca, uma imagem da Passarola, do mesmo formato da edição do jornal, proveniente da oficina tipográfica de João Batista Schõn· wettern, livreiro da Imperial Universidade Romana, o que o levou a declarar: "Deste documento partiram todas as outras notícias antigas acerca dos projetos de Gusmão. " Encontrou ainda o notável pesquisador outra publicação inti· tulada Notícia relativa à feliz ãportada do barco voador que, a 24 de junho, veio de Portugal a Viena com o seu inventor, novamente reproduzido do exemplar já impresso remetido à Feira de Naumburg - 1709 - 4.", 2 fi. Sçm dúvida; o título é apenas um engodo para incentivar as ven· das, já que a fantástica viagem jamais se realizou. Também é da lavra do incansável Conde uma cronologia da divulgação européia dos feitos de Gusmão. Foi surpreendente a divulgação, na Europa, das projetadas ex· periências de Gusmão, no mesmo anQ em que seriam levadas -a cabo: nove registros no Império Germânico e um na Inglaterra. Se a absurda e apócrifa estampa divulgada em Viena, em 1709, foi fator de descrédito para o "Voador", a sua primeira edição por· tuguesa de 1784, impressa por Simão Tadeu Ferreira e falsamente datada de 1774, acrescentou nova dose de descrédito no tocante aos seus feitos. O objetivo de antedatar a publicação foi urna tentativa de rei· vindicar a primazia de Gusmão, além de pretexto pará auferir lucros, uma vez que, em 1784, já o mundo tomava conhecimento das expe· riências dos irmãos Montgolfier. Tal reivindicação, entretanto, ja· mais poderia ter sido "postulada com base na iconografia infeliz. A burla da datação foi facilmente desmascarada, pois, em 1774, Simão Tadeu Ferreira ainda não era dono da tipografia; ademais, o texto explicativo no verso da estampa é de estilo visivelmente pos· terlor a 1709. Vale a pena conferir o texto de Simão T~deu Ferreira, con· forme divulgado por Augusto Fe~ipe Simões em sua obra A Inven· ção dos Aeróstatos Reivindicada: "O desenho, que se imprimiu, com a suposta data de 1774 e a tal "gravura traz a seguinte explicação: .a - Mostra o modo do velame, que servirá para fazer cOrtar os ares, levando sua derrota aqueIla parte d'onde fôr dirigida; b _ . mostra o modo que terá para se governar, pois sem leme seguiria sua vontade, e não a de seu artífice piloto; 78


c - apontam o corpo da barca que com o engraçado das conchas leva em cada vão um cano, que interiormente (com Jolles para isso jeitos) supprirão a Jalta de ventos; d - denota o feitio de umas azas que não servirão mais que de sustentarem para que não caia a banda; por que tocando o vento em si, de nenhuma maneira a derribará; e - apontam as figuras esphericas. em que está o seguro atraelivo; são Jeitas de metal: servem de cobertura para se não corromper a pedra de cevar. que por dentro do pé, que é oco, attrahirá a si continuamente a barca, cujo corpo é de madeira forrado de chapas de ferro, e pela parte inferior forrada de estreitas taboas feitas de palha

de centeio para a comodidade da gente, que levará até dez homens, e com O seu inventor, onze; f - mostra a coberta feita de arame, a modo de rede, em cujos fios se tem enfiado muita somma de alambres, que com muita atividade ajudem a sustentar a si as esteiras; g - mostra a agulha de marear; porque sem ella não se podem guiar:

Corrl!spomU ndff (lo NUllcio Apostulko IJ/IZ Porlllgut, (Cardeal COl/ti, IUlUro Papa Inocêncio X III). sobre as experiên. cias de Gusmão. (J9 ubril J7()9).

Fig. 22 -

n - mostra o artífice que com o astrolabio, ou balestilha compasso, e carta de marear toma a altura do Sol, para ver onde se acha; e i - fin almente mostram as roldanas, para por eilas se alargar mais ou menos a escola de qualquer parte que o vento laça feição." No verso da estampa vem esta nota: "Não obstante que o autor da machina diga, que dentro dos globos vae a magnete, cuja virtude fará subir a barca; contudo não é a sua elevação por força da virtude attractiva, mas sim pela força 79


do gaz, que os mesmos globos teem dentro, e a que o mesmo autor chama - segredo - que não quis declarar talvez por boas razões que para isso tivesse. O certo é que o autor era homem de talentos e de grande capacidade e que a tal machina foi experimentada, segundo o testemunho de alguns velhos de probidade, que ainda vivem em a nossa corte, apezar de haver alguem que o contradiga, talvez por malieia, ou por ignoraneia, etc." Não obstante a impossibilidade de vôo da Passarola, ela teve seus defensores até mesmo entre pessoas de inteligência e cultura. E o caso de D. Antonio Lobo Barbosa Ferreira Girão, Visconde de Vilarinho de São Romão, procurando defender a tese de que a estampa não fora bem interpretada pelos contemporâneos, sendo entretanto viável como engenho de vôo, já que Gusmão teria util izado o hidrogênio, fabricado nas esferas que nela aparecem (segundo Vilarinho, Bartolomeu já dominava o hidrogênio, embora Cavendish s6 o tenha isolado e revelado em 1766). Mais ainda, segundo ele, o balão a hidrogênio ficaria dentro da Passarola, sob o convés, provocando a ascensão pela pressão exercida sobre o mesmo. Sabendo-se que a força ascensional específica de um metro cúbico a 10°C é de 1.160 gramas, é fácil imaginar a cubagem do balão para ter capacidade de elevar onze tripulantes e, mais fácil ainda, deduzir o tamanho que deveria ter a Passarola para abrigar tal balão. Enfim, seria impossível a construção de tal artefato no Portugal de 1709. Mais dois defensores, provavelmente os últimos, admitiram a possibilidade de vôo da Passarola, ambos em 1909: os padres Manuel Rebimbas e Manuel Antônio Gomes. Dois anos mais tarde, Correia Neves encerrou definitivamente esse assunto, demonstrando a total inexeqüibilidade do invento. A pá'de-cal foi deitada por Taunay, que assim concluiu: "Em suma para, de vez, acabarmos com o caso da Passarola, queremos, a examinar o caso~ com toda a justiça e isenção de ânimo, declarar que, na famigerada estampa, encontramcs, contudo, um elemento de cuja verossimilhança ou, antes, de cuja legitimidade absolutamente não duvidamos, de forma alguma! A bandeira portuguesa que nela figura é verdadeira. Também é s6 o que lhe concedemos em matéria de autenticidade.'AII 8. Uma Descrição mais Verossímil No Capítulo XXII , da 2.a Parte do livro de Taunay, transcreve o autor a descoberta de um precioso documento pelo incansável pesquisador Augusto Felipe Simões, no qual se encontra "uma descrição razoável do aparelho de Gusmão, muito embora não da lavra do inventor". 80


Assim se expressa Simões: "A opinião dos que consideram apócrifo o desenho vulgarizado (a Passarola) dá agora nova e muito maior força a um documento que encontramos na Biblioteca da Universidade~ no Códice 342. E uma noticia da máquina que a representa como um verdadeiro aeróstato, conquanto seja muito anterior às experiências dos Montgolfier, e com toda a probabilidade do ano de 1709, pelas razões que apontamos quando nos referimos ao Códice a que pertence. Segue-se uma pormenori zada: "Descrição e figura da admirável machina para se navegar pelo ar~ que fez em Lisboa o Padre Bartholomeu Lourenço, natural do Brasil, dada à estampa por um amigo do autor, tirada de noticias particulares, que este lhe comunicou. ( ... )

A figura desta machina volante é uma pyramide triangular composta de matéria sólida com laminas de ferro ou cobre, tão bem unidas que prohibam evaporarem-se os espíritos magnéticos qJ;e neUa estiverem guardados. Esta pirâmide irá presa com fortes cordas a um pavimento de madeira, em que irão as pessoas, e coisas que se quiserem levar; terão os lados da base da pyramide seis pés rintlândicos, e os que vão terminar à ponta quinze; estas são as medidas necessárias para o peso de um homem. n E Simões comenta com toda a propriedade: "A importância dêste documento é manifesta. O desenho, impresso em 1774, representa um artifício grosseiro e complicado que não tem semelhança nenhuma com um aeróstato. Pelo contrário, na descrição que publicamos atribue-se à máquina volante um artifício tão simples como o dos balões e em tudo conforme aos princípios da hidroestática, pelos quais se regula a construção dêstes aoarêlhos." E a descúlpar as incongruências do documento, acrescenta: "O autor da noticia era amigo de Bartolomeu Lourenço e, segundo informações suas, a descreveu. Não sendo porém versado na Física, o que da mesma descrição se depreende, caiu em erros e inexatidões, confundindo e alterando provavelmente o que do autor da máquina ouvira. Assim, ignorando o principio de Arquimedes, atribuiu à força magnética do ar o sustentarem-se alguns corpos . neste fluído, e porque se destinasse a máquina volante a grandes viagens e tivesse de resistir à violência .das perturbações atmosféricas, entenderia coisa indispensável o ser composta de matéria sólida como lâminas de ferro ou cobre." Ao final, conclui judiciosamente: "Esta mesma notícia nos indica os meios de que Bartolomeu 81


Lourenço de Gusmão intentava servir-se para elevar a máquina volante . Como narra também uma memória biográfica, escrita no ano de 1724, ou pouco depois, na qual se lê que pusera por obra, não logo o' principal invento, mas uma amostra que era uma barcaça pequena do feitio de uma gamela coberta de lona, com umas luzes por baixo, etc., o que de algum modo confirma a descrição inédita da máquina C~ o ter errado o autor em dizer que era feita de lâminas metálicas , Isto mesmo se proy,a pelo apontamento acrescentado à cópia da petição da Biblioteca da Universidade em que se diz que o Padre Gusmão comprara vinte e quatro arrobas de arames sortidos e quantidade de papel, parecendo a quem tal escreveu que seria para algum

papagaio. Servindo-se do fogo. como vamos -demonstrar, Bartolomeu Lourenço, para elevar a máquina, a todos se patenteia o fim a que era destinado o papel em suas experiências" . Entregou-se Taunay à cubagem da pirâmide descrita no memorial, chegando à conclusão de que, com as dimensões aprest:ntadas, a cubagem seria de apenas 2 . 359m3 • dispondo de força ascencional mínima, sem condições, portanto, de suspender um pavimento de madeira e mais um aeronauta. Admite, assim, que o amigo de Gusmão forneceu dimensões incorretas do aparelho, quer de moto próprio (pouco provável), quer por tê-las assim recebido de Gusmão, à vista dos direitos que ele sempre invocou para proteger seus inventos , E conclui: "Seja como lar, a descoberta do documento de Simões tem a importância notável de ser valoroso documento contra a autenticidade da estampa consagrada na Passarola". 9, Introdução na Corte Portuguesa Em princípios de 1709 ou fins de 1708, Bartolomeu de Gusmão volta a Portugal. E introduzido na Corte Portuguesa por duas figuras de prestígio: o Duque de Cadaval c o Marquês de Fontes e Abrantes, em cujo palácio hospedou-se . Neste período, apresentou ao Rei a sua Petição _ A data, não determinada, foi seguramente anterior a 13 de -abril, já que nesta última, escrevendo de Lisboa ao Conde de Viana, o Diplomata José da Cunha Brochado a ela se referiu sarcasticamente. nos seguintes termos: " No mesmo tempo, em que temos tão , poucos homens, que saibam andar pello mar, e pela terra se achou hum que quer andar pelIo ar, e lazer 200 léguas por dia, e para este ef/eito deo petiçam a Sua Majestade em que propoz o arbitrio, e pedido privilegio~ para 82


que descuberto o tal arbitrio, e executado por elle lhe fizesse Sua Ma;estade alguas mercês. Esta petiçam se mandou ver no Dezembargo do ,Paço, e se con sultou a favor do homem, de que são protectores o Duque (de Cada vaI) e o Marquez de Fontes pellos grandes interesses que se conside ram neste estupe.ndo arbitrio porque em 8 dias se podem mandar avisos ao Brasil, e em poucos mais à lndia, em 3 dias a Roma' e em hua hora à fronteiras de reyno. Eu tomara ;á ver conseguido este superior invento para ter a honra de hir todas as tardes assistir meya hora na sala de V. Ex." Com estas belas imasinaçõens endoideceu docemente estes grandes snrs., propriedade que sempre se achou em Cortes i10vas de Principes moços. Eu crera tudo o que estes senhores afirmão sobre a quimera desta ridicula propoziçam em que este homem não foi o 1.° nem hade ser o ultimo saltimborque, e disseralhes, que o nosso reyno seria o 1.° pre;udicado, ou a 1." dupe deste vôo sobrenatural porque descuberta a maneira de voar, e feztio das azas amanheceriam como por arribaçam 40 mil moiros do Reyno do Algarve; mas podem-se responder que cada vassalo d'el Rey seria obrigado a ter hu par de azas de sobreçalente, e voar neste caso para o Brasil ( .. . )". Como se vê, a carta faz menção aos patrocinadores do inventor, em especial ao Marquês de Fontes, grande apreciador dos dotes de Gusmão. Foi ele quem despertou o interesse de D. João V pelo nosso pioneiro, levando Sua Majestade a confiar-lhe as relevantes missões de caráter cultural e diplomático há pouco referidas ". v

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l O. A Petição de Privilégio a D. João V Introduzido na Corte, Bartolomeu de Gusmão dirige a D. João V a sua famosa Petição de Privilégio, que, na feliz expressão de Domingos Barros, "pode ser considerqda a primeira e a mais bela página da Aeronáutica." Trata-se, com efeito, de um documento dotado, inclusive, de visão estratégica, na medida em que projeta as imensas possibilidades fut uras daquele invento: o acesso aos pólos, à época ainda uma hipótese remota; a correção cartográfica pela observação em altitu des; o intercâmbio cultural entre as nações; os trabalhos de resgate em regiões isoladas por cataclismas, ou sitiadas; o controle efetivo dos domínios distantes, pela redução do tempo de comunicação entre o poder central e as autoridades locais. Da Petição de Privilégio há mais de uma versão. Francisco Freire "de CarvalhQ, em sua obra de defesa dos direitos de primazia gustlloniana, transcreve a seguinte, copiada na Torre do Tombo,. de documentos da chancelaria d'EI-Rei D" João V; Ofícios e mercêsliv . 31, fi 202 v: v

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"Petição do Pe, Bartolomeu Lourenço sobre .o Instrumento que inventou para andar pelo ar, e suas utilidades_ Diz o Licenciado Bartholomeu Lourenço, que ele tem descoberto hum instrumento para andar pelo ar da mesma sorte, que pela terra, e pelo mar com muita brevidade; fazendo-se muitas vezes duzentas e mais léguas de caminho por dia, nos quaes instrumentos se poderão levar os avisos de mais importancia aos exercitas e terras mais remotas quasi na mesmo tempo, em que se resolveu: no que interessa a Vossa Majestade muito mais que todos os outros Principes, pela maior distancia dos seus domínios; evitando-se desta sorte os desgovernos das Conquistas, que provem em grande parte de chegar tarde a notícia deUes _ Além do que, poderá Vossa Majestade mandar vir todo o preciso deUas muito mais brevemente, e mais seguro: poderão os homens de Negocio passar Letras e Cabedaes a todas as Praças sitiadas, que poderão ser socorridas tanto de gente, como de víveres e munições a todo o tempo; e tirarem-se dellas as pessoas, que quiserem, sem que o inimigo o possa impedir_ Descobrir-se-ão as Regiões mais vizinhas aos Pólos do Fundo, sendo da Nação Portuguesa a gloria deste descobrimento _ Além das infinitas conveniências, que mostrará o tempo. E porque deste invento se podem seguir muitas desordens, commettendo-se com O seu uso muitos crimes, e facilitando-se muitos na confiança de se poderem passar a outro Reino, o que se evita estando reduzido o uso a huma s6 pessoa, a quem se mandem a todo o tempo as ordens con~enientes a respeito do dito transporte, e prohibindo-se a todas as mais sobre graves penas, e he bem se remunere ao Supp, e invento de tanta importanda . Pede a V . Majestade seja servido conceder ao Supp. o privilégio de que, pondo por obra o dito invento, nenhuma pessoa de qualquer qualidade, que for, possa usar deUe em nenhum tempo neste Reino, ou seus herdeiros, sob pena de perdimento de todos os bens, e as mais que a V. Majestade bem parecerem. E.R.M .ce" "Consultou-se no Dezembargo do Paço a EI-Rei com lodos os votos, e que o prêmio, que pedia, era mui limitado, e que se devia ampliar" . Saiu o despacho com a Resolução seguinte: "Como parece à Mesa: e além das penas, acrescento a de morte aos transgressores e para com mais vontade o supplicante se aplicar ao novo instrumento, obrando os elJeitos, que relata, lhe faço mercê da primeira Dignidade.. que vagar em minhas Collegiadas de Barcellos, ou Santarem, e de Lente de Prima de Mathematica na Minha Universidade de Coimbra, com seiscentos mil réis de renda, que crio de novo em vida do Supplicante somente _Lisboa, 17 de abril de 1709. Com rubrica de Sua Majestade". 84


A leitura do documento sugere duas observações: em primeiro lugar, causa estranheza o fato de não haver, na Petição, detalhes do instrumento, cujo monopólio Bartolomeu reivindica, o que é até compreensível como atitude sua, de caráter preventivo em relação à patente, mas incompreensível por parte da autoridade concedente; em segundo lugar, a particularidade da pronta concessão da mercê, sem memória descritiva do invento, induzindo Taunay a acreditar que o monarca tenha acompanhado os primeiros ensaios. 11. O Alvará de D. João V Dois dias depois da Resolução de D. João V, a chancelaria expedia o competente Alvará nos seguintes termos, segundo divulgação de Freire de Carvalho: "Eu, E/·Rei, laço saber, que o Pe. Bartolomeu Lourenço me representou por sua petição que elle tinha descoberto um instrumento para se andar pelo ar, da mesma sorte que pela terra e pelo mar, com muito mais brevidade, fazendo-se muitas vezes duzentas e mais leguas de caminho por dia; no qual instrumento se poderiam levar os avisos de mais importancia aos exercitos e a terra mui remotas, quasi no mesmo tempo em que se resolveriam, ao que interessava em mais que todos os outros principes, pela maior distancia dos meus domínios, evitando-se desta sorte os desgovernos das conquistas, que procediam.. em grande parte, de chegar mui tarde a mim a noticia del/es.

Alem do que poderia eu mandar vir todo o preciso deltas muito mais brevemente e mais seguros; e poderiam os homens de negocio passar letras e cabedaes com a mesma brevidade, e todãs as praças sitiadas poderiam ser socorridas, tanto de gente, cemo de munições e víveres a todo o tempo, e retirarem-se dellas as pessoas que quiserem, sem que o inimigo o pudesse impedir. E que se descobririam as regiões que ficam mais vizinhas aos p6/os do mundo, sendo da nação portuguesa a gloria deste descobrimento, que tantas vezes tinham tentado inutilmente as estrangeiras. Saber·se·iam as verdadeiras longitudes de todo o mundo, que por estarem erradas nos mappas causariam muitos nau/ragios; além de infinitas conveniências que mostraria o tempo, e outras que por si eram notarias, que todos mereciam a minha real atenção , E porque deste invento tão util se poderiam seguir muitas desordens, commettendo-se com o seu uso muitos crimes e facilitandose muitos mais na conliança de se poder passar logo aos outros reinos, O que se evitaria reduzido o dito uso a uma só pessoa, de quem se mandassem a todo o tempo as ordens que fossem convenientes a respeito do não transporte, prohibindo-se a todos os mais sobre (sic) graves penas; por ser justo que se remunerasse a elle suppli85


cante invento de tanta importlincia, me pedia lhe fizesse mercê conceder privilégio de que, pondo por obra .o dito invento, nenhuma pessoa, de qualidade que fôr, pudesse usar delle sem licença delle ~ upplicante ou de seus herdeiros~ sob pena e perdimento de todos os seus bens, a metade para elle supplicante, e a outra metade para quem os accusasse e sobre as mais penas que a Mim me parecessem as quaes todas teriam lugar tanto que constasse que alguém o fazia o sobredito instrumento, ainda que não tivesse usado delle, para que não ficassem frustradas as ditas penas, ausentando-se o que as tivesse incorrido. E visto o que allegou, hei por bem fazer-lhe mercê ao supplicante de lhe conceder o privilégio de que pondo por obra o invento de que trata, nenhuma pessoa, de qualidade que fôr possa usar delle em nenhum tempo neste reino e suas conquistas, com qualquer pretexto, sem licença do supplicante ou de seus herdeiros, sob pena de perdimento de todos 'os seus bens ametade para elle supplicante, e a outra ametade para quem os accusar: é só o supplicante poderá usar O dito invento, como pede na sua petição. E este alvará se cumprirá inteiramente, como nelle se contém; e valerá, posto que seu elfeito haja de durar mais de um anno, sem embargo da Ordenação do livro. 2, tit. 4, em contrário. E pagou de novos direitos quinhentos e quarenta réis, que se carregaram ao thesoureiro delles à fI 160 do lilnro 1.°, da sua receita; e se registrou o conhecimento em forma na livro 1,°, do registro geral à fi 149 . José de Maia e Faria o fez em Lisbea aos 19 de abril de 1709. Pl1gtJlu desta quatrocentos réis, Manoel de Castro Guimarães o fez escrever . Rei Conferido. Patricia Nunes e commigo loseph Corrêa de Moura." Estes documentos foram transcritos em sua íntegra, não só por uma questão de fidelidade histórica, como também por se tratar de uma curiosidade literária, evidenciando um estilo de redação oficial muito particular, em que os termos do suplicante quase integralmente se repetem no despacho final da autoridade concedente. Petição e Alvará, muito antes das experiências públicas, provocaram expectativas e conseqüências de toda ordem, o que era previsto por Gusmão, em vista do grande atraso científico reinante no Portugal daquela época, domjnado pelas crendices e superstições de um povo com baixo índice de instrução . Entre o Alvará de 19 de abril de 1709 e as experiências no primeiro decanato de agosto, estende-se um período aberto a uma gama imensa de conjecturas. Sem revelar as características principais da invenção, que eram segredo seu, sentiu Gusmão a necessidade de publicar alguma memória acessível ao grande público _ Esse documento só ve io a lume mais de um século após as experiências de 1709, tendo sido desco86


berto por Joaquim EHodoro da Cunha Rivara, bibliotecário da livraria de f.vora, que o comunicou a Freire de Carvalho. Este o fez publicar em 1849, como aditamento à sua "Mem6ria que tem por objecto reivindicar para a nação portuguesa a gloria da invenção das machinas aerostáticas . .. Felipe Simões, anos depois, encontrou outra via do documento, no Códice 32 da livraria da Universidade de Coimbra. Destinando-se a leigos, a memória evita propositalmente aprofundar-se em considerações de ordem científica, tendo em mira tão-somente demonstrar aos leitores a possibilidade de navegação no ar. Eis alguns trechos do documento : "Manifesto Summario Para Os Que Ignoram Poder-se Navegar Pelo Elemento Ar. Diz um autor moderno que entre os homens uns teem O entendimento nos olhos, e outros os olhos no entendimento: os que leem o entendimento nos olhos são aqueles que creem o que s6mente viram ou costumam ver; os que teem os olhos no entendimento, são os que, não vendo, dão credito áquillo, que se faz visível aos olhos do discurso.

I . .. )

Primeiramente, não ha, nem pode dar-se maior razão para serem navegados as aguas do que os ares; porque ambos são elementos fluidos, supposto que não igualmente corporeos, cuja diferença abaixo explicaremos . Dão todos credito á navegação dos mares s6 porque os vemos sulcados continuamente, que se tal se não via é certo se não crêra por ser invento tão difficultoso, que até Salomão depois de ver o admirou. ( . . . ) Tres coisas pois são necessarias á ave para vcar, convem a saber: azos e vida e ar para as sustentar; de sorte que faltando um d'estes Ires requisitos, ficam inuteis os dois; porque azas sem vida não podem ter movimento; vida sem azas não pode ter elevação; ar sem estes individuas não p6de ser sulcado: porém dando-se estas tres circunstancias de azas, vida e ar, conforme a necessaria proporção, é infallivel o vôo em qualquer artificio, como o estamos vendo na ,ave. Entra agora () nosso invento com as mesmas Ires circunstancias, em que infallivelmente deve dar-lhe o vôo por certo . O nosso invento tem azas, tem ar e tem vida. Tem azas porque lhas formamos á mesma imitação e proporção das da ave; tem ar porque esle as tras em toda a parte e tem vida nas pessoas, que o hão de animar para o movimento. ( . .. ) T eem as aguas os mesmos accidentes, que leem os ares: porque, assim como as aguas são mais grossas quanto mais distam da terra, assim os ares têm mais corpo quanto mais estão distantes do chão.

I .. ,)

Finalmente tem a agua com () ar tão conforme a qualidade, que ambos podem ter união mixta sem repugnanda violenta, como tam87


bem a agua a tem com a terra; que se assim não fôra não consentiriam os ares em si os vapores da agua, nem as humidades da terra, como contrarias se não podem unir conformes. ( ... ) Mas contudo entre todas estas semelhanças leem uma di/lerença, porque as aguas são mais solidas e graves, e os ares são mais raros e leves; porém, obstante esta razão, o mesmo corpo que se acha nas aguas para a sustentação das coisas no condensado, se acha tombem nos ares da extensão. Explico-me com este exemplo facU: qualquer lenho, por pequeno que seja, se sustenta laci/mente nas aguas, e este mesmo se não pode sustentar nos ares. A razão é que este é mais leve em quanto ás aguas, e mais grave, em quanto aos ares; porém dando-lhe a conservação n~cessaria e proporcionada em quanto á distancia, por tomar mais ar, tania se pode sustentar nas aguas o dito lenho, como nos ares ainda maior peso. Ponhamos, por I!xemplo. uma agulha em competencia de uma folha de papel; uma agulha é muito mais leve no que pesa do que uma 01l duas ou tres folhas de papel unidas, e estamos vendo que uma agulha nem se pode sustentar nas aguas sem logo ir ao fundo, nem menos nos ares sem logo buscar o centro; e as Ires folhas de papel pesando mais se sustentam nos ares com facilidade. A razão é porque a agulha, ainda que pese menos, é materia solida e grave, e as folhas de papel ainda que pesem mais são de materia leve, e então o que faz descer mais leve é a extensão do corpo com que tomam mais ar para se sustentarem ( . .. ) Temos mostrado por principias certos e paridade infalliveis como é factivel sustentar-se qualquer arti/icio no ar, como se sustenta qualquer ave, dando-Ihe a proporção acommodada á substancio do elemento. Agora resta mostrar como p6de fazer curso sem embaraço nem desassocego ou confusão, a respeito de que os ares não ieem conslancia no movimento, e que esta instabilidade há de servir de infalIivel precisão ás nOssas navetas. Ao que respondo, que no mar sucede o mesmo, porque tombem não tem constanda; ora se altera ou se abranda, e nem por isso deixa de se navegar, e não ha maior razão porque o tempero que uma tem no mar, não tenha qualquer navegação no ar; a nau no mar tem o governo no leme, o tempero nas velas; uma e outra coisa temos no nosso invento. Uma nau é combatida nos ventos da mesma sorte, com que o póde ser no nosso artificio; e contudo resiste ás tempestades ou tomando as velas necessarias ou deixando-se ir com os ventos. ( ... ) Temos apontado as razões e os exemplos, que bastam para a nossa fabrica etherea se poder suster no ar, e o possa navegar com socego semelhante ao de qualquer navegação no mar. ( ... ) 88


Contudo não seguro a total segurança das nossas barquetas sem correrem as mesmas variedades, que teem as embarcações no mar; que assim como a nau no mar tem bonanças, tempestades e naufra· gios, assim eIlas hão de experimentar no ar os mesmos accidentes. (

... )

Resta·nos agora advertir um absurdo, que entendeu- o vulgo, em dizer que estas navetas haviam de cursar mais de duzentas leguas por dia, o que se não deve entender da so rte~ com que materialmente se tomou, senão daqueIla com que formalmente se disse. A medição das legoas, que pela terra demarcamos por legoas, pelo ar teem diflerente distancia. Exemplo; de Lisboa a Coimbra contam trinta e quatro legoas pelos gyros e circunferencias, que f,.zemos no· curso, por respeito dos montes, que não podemos atalhar, e os caminhos asperos, que por linha paralle/a não podemos vencer . E pelo ar, como não ha estes obstaculos, são muito menos as /egoas, ao que as fazemos por terra: que altas fôra grande absur· do o entendido, porque a ave mais veloz, dando por caso que não parasse nunca, e fosse voando sempre não podia vencer por dia se· melhante distancia pelo ar, COmo se mede pela terra. ( . .. ) D'onde finalment e acabo o meu discurso com esta comparação, que por posto que pueril, é verdadeira; são enfim os inventos tão incriveis para os indiscursivos como são as ligeirezas das mãos.. Dizemos a um d'estes que lhe havemos de mostrar v.g. uma pelotilha, e que à sua vista d'esta lhes havemos fazer um pomo . O que vos responderá? Responde logo com velocidade, sem primeiro discursar se póde ser ou não ser, ou por que arte se poderá fazer a dita força que tal coisa se não póde fazer . Fazei-lhes a ligeireza, fica attonito o nosso leigo, e respondevos que aquillo não p6de ser senão por arte diabolica . Ensinaes-lhe a peça; entende o segredo, e põe·se a sorrir; e vendo tão facil o que tinha por impossivel rompe do seu assombro: quem tal dissera? Assim pois esperamos que se ha de dizer, vendo·se sulcar os ares o nosso invento, para confusão dos ignorantes, que o negam, e desempenho dos sabias que o aflirmam. " A leitura de partes do documento, cuja data de divulgação é desconhecida, mostra a preocupação de Gusmão em corrigir certas expectativas exageradas em relação ao desempenho do seu invento. Por outro lado, era necessário prevenir os espíritos para as experiências que se realizariam em futuro pr6ximo, especialmente no que se referia aos zelosos membros da Santa Inquisição, sempre prontos a considerar diabólicas - e, portanto, passíveis de conde· nação - quaisquer novidades que estivessem acima de seu entendimento e compreensão. 89


12. As Experiências com o Aeróstato Com a divulgação dos três documentos - Petição, Alvará e Manifesto - criou-se em Lisboa um clima de ansiedade em relação às experiências . Não se falava em outra coisa na Corte, e foram os comentários escritos sobre a expectativa geral, que iriam mais tarde constituir o acervo sobre o qual se apoiariam os pesquisadores para afirmar a prioridade de Gusmão. O Cônego Freire de Carvalho encontrou na coleção Papéis Originais deste tempo que existiam no Cartório do Sr. Manoel Coelho de Lima, digníssimo Oficial de Secretaria uma carta de 22 de abril de 1709, sem menção de remetente nem destinatário, escrita por um comensal do Paço a seu Senhor, nos seguintes termos: " Meu Senhor . A maior novidade que de presente SI! oflerece nesta cor/e, é a que lhe constara a V.S. da petição inclusa (segue-se o requerimento do Padre Bartolomeu: esta concedida a licença, pagos os direitos, passada a provisão pela Chancelaria, e se trabalha na machina. E, V. S. me tera sempre prompto . .. Deus guarde a V. S. muitos annos. Menor amigo e servidor de V. S. Lisboa, 22 de abril de 1709." Digna de nota nesta carta a expressão « , . ,e se trabalha na machina , .. ", sugerindo que Bartolomeu nela ainda trabalhava quando apresentou a sua Petição. As comunicações do Núncio Apostólico em Portugal, em 1709 (Cardeal Conti, futuro Papa Inocêncio XII I), antes, durante e após as experiências, constituem documentos que, até certo ponto, iêm caráter oficial, porque fa zem parte da correspondência entre: ele, no desempenho de sua função diplomática junto à corte de D. Joãe. V, e seu superior hierárquico, o Cardeal Secretário do Papa. A descoberta de tais docu mentos deve-se ao Dr. Giuseppe Heotzeu, que a comunicou ao Marquês de Faria, responsável pela sua divulgação em 1913, num dos volumes de sua Académie Aéronautique Bartholomeu de Gusmão. A 19 de abril de 1709, ex pediu o Núncio a seguinte correspondência, aqui transcrita em seu idioma original: "Questa ciltá trovasi divertira hei discorsi sopra una proposta falta ai Re da um sacerdote dei Brasile, ventIlo con le utime navi, il quale pretende di inventare una nUOva navigazione per andare alie Indie senza tocare la Tramontana, ma direttamente per levante e ponente; ed inoltre un ordegno per vaiare anche COn dieci persone dentro, e su di fuesto si sono sentite la pares; di molti ministri e maUematiei" . "A rchivo Vaticano, Nunziatura di Portogallo, tomo 67, Foglieto di Avvisi, Lisbonna, 19 Aprile 1709." 90


Na Gazeta de 30 de abril de 1709, José Soares da Silva, cujos manuscritos se acham na Biblioteca Nacional de Lisboa. faz comentários pitorescos sobre a petição, prevendo as dificuldades do inventor com o Santo Ofício. Diz ele: " Temos, tambem, de novo, o tornar, a esta terra, aquelle celebre estudante americano, que aqui esteve os annos atraz, promettendo o desempenho daquellas raras, e famosas conclusões que olferecia. E agera vem já com ordens, da camara do Brasil, e tornou a pousar em casa do Marquez de Fontes, de onde fez agora a El-Rey hua petição tão nova como inesperada O arbítrio que nella insinua e vem a ser que elle promette fazer hum engenho para voarem os homens, os animais, os navios e tudo o mais sensível, e insensível, que de sua natureza não he volatil, para se introduzirem socorros nas praças sem os poderem impedir os inimigos, e outras cousas seme· lhantes determinando a qualquer pessoa poder voar cada dia duzentas legoas. He valente andar, que lhe he o de que me espanto que de voar muito e na nossa terra não poderia tel/o, pois cada dia se verá nel/a semelhantes monstruosidades ainda vem a bom tempo o arbitrio, em anno tão caro para as gentes, e para as bestas, que poderão escuzarse muitas carruagens, mas tirarão o ganho aos recoveiros e as gOlei· ras e irestas n20 estariam seguras . Pede a El-Rey por este arbitrio, que s6 elle e sua familia, poderão uzar de habilitar as gentes para o tal ministério, (eu não hei de ser o primeiro nem tão pouco o segundo por onde se começa a pratica, e o exercicio dos taes bem azados) e não sei sequer também adiantados alguns dinheiros, para as disposições e fabricas de tal segredo, que se assi for cuido nelle, e tereis magoa de não ver lcaros e Dédalos no meu tempo, já que tenho lido, ou sonhado, que os houve no tempo de Maria Castanha, e que s6 devia de ver, assistisse às exequias e Ressurreições da Feniz, que também aqui pertence por que tambem voa. Com elfeito se mandou ver a tal petição no Dezembargo do Paço (que entendem disto como lagar de azeite e talvez menos) e ouvi consultarão muito a favor do supplicante, e eu já tomara ver o efleito deste efteito; porque por fim de contas lhe passou El-Rey A lvará para poder dar ordem ás fabricas do tal engenho, que elle fica muito occupado, e dando na verdade as azas, porque quer com toda brevidade, mostrar a sua habilidade ouço que a de sair do castello que he lugar alto, para que antes de chegar à terra quebre no ar as pernas, se já não he que tem quem lhas sustente por arte não divina , e sendo assim pertence mais que ao Dezembargo do Paço ao Santo Oflicio, que quanto a geometria não sei quem lhe saiba e os preceitos, salvo por quem tiver achado a pedra philosophal; enfim o que 91


lhe he certo que ha de ser muita gente a ver e que agora enquanto se falia nisto, se vay esquecendo da fome que já vai sentindo." Para os trabalhos de concretização de seu invento, D. João V colocara à disposição de Bartolomeu a quinta do Duque de Aveiro, da qual se transfer;u mais tarde para a do próprio monarca, em Alcântara. As despesas então realizadas e a transferência de local de trabalho provocaram as seguintes notas de Soares: "Elle emfim vay com sua teima ade/ante e EI-Rey lhe mandou dar as chaves da quinta do Duque de Aveiro aS. Sebastiam da Pedreira, para ne/la haver de dispor o .tal engenho, que só em arames ouço ter gasto 200 mil (réis?) tomara eu saber quem lhe fez me,cê delles, que o Marquez de Fontes e o sogro Exm.o .ainda que lha fazem de apoyar duvido que lhe queirão fazer para o contribuir". E a 15 de maio de 1709: "O Voador não quiz a quinta do Duque de Aveiro e foy para a dei Rey em Alcântara, que diz he mais acomodada para a fabrica do seu invento." Esta última citação mostra que o epíteto Voador, já conhecido em Santos, segundo os adeptos das experiências no Brasil, foi rapidamente transmudado para Portugal, onde se oonsolidou após a divulgação do requerimento e privilégio. Dele se serviram largamente tanto os entusiastas quanto os glosadores de sua obra . A primeira experiência de Gusmão, inicialmente marcada para 24 de junho de 1709, foi adiada em razão de uma enfermidade contraída por D. João V, para cujo tratamento e convalescença teve o monarca de manter-se em repouso durante os meses de junho e julho. Isso ainda mais aumentou a expectativa popular . Vale a pena conferir a carta escrita pela princesa Isabel Cristina, esposa de Carlos VIII, então em Barcelona, dirigida à sua mãe, Duquesa Cristina LuÍsa de Oettingen, da qual consta este comentário sobre o invento de Gusmão: "/e me souhaiterais seulement un seul jOUí' auxpres de V .A. que jórios de chose a uy dire! La Reyne de Portugal ma fail la proposition de venir la trouvé sitôt qu'un navire volant sera fait. étant a Lisbonne un homme qui se vante de pauvoir faire qui passe par rair. Si cette invention réussist ;e vienderois toute les semaines un jour trouver V . A. Ce seroit un charment moyen et tres agréable pour moi mais je daute Jort qu'il reussiva dans SOn entreprise". Esta carta, enviada a 2 de julho de 1709, revela·nos que, um mês antes da grande experiência oficial, esta já havia sido divulgada para além das fronteiras do Reino de Portugal. Até aqui, divulgamos uma série de documentos da maior importância, s6 que todos anteriores à experiência em si, reveladores, portanto, de expectativas, e não de realidades . Passemos agora aos documentos relativos ao evento. os quais nos permitirão demonstrar 92


a primazia científica de Bartolomeu de Gusmão na construção de um aeróstato que efetivamente se elevou na atmosfera, Para se ter idéia da grandiosidade do esforço dispendido na busca de tais papéis, basta lembrar que, entre o primeiro, divulgado em 1844, e o último, dado à publicidade em 1938, decorreu quase um século, tempo necessário Eara que Taunay pudesse completar seu conjunto de oito documentos, destinados a eliminar as dúvidas então remanescentes quanto à prioridade aeronáutica de Gusmão. Tais documentos atestam não só a construção da "máquina de voar", como - mais importante - o próprio curso das experiências então encetadas, Um manuscrito de Salvador Antônio Ferreira, contemporâneo do evento, existente na Biblioteca Pública do Porto, foi encontrado por Manuel Maria Rodrigues, que o revelou parcialmente nas páginas de O Ocidente, de 3 de novembro de 1898. A divulgação completa do manuscrito, também pela imprensa, devemo-Ia ao Dr. Artur de Magalhães Bastos, Chefe da Seção de Manuscritos da mesma Biblioteca: "Em 6 de mayo começou o Padre Bartholomeu Lourenço, filho do Brasil, em o lugar de Alcântara a fazer o instrumento do ar para voar como a seu tempo se dirá (jls 47 do ms) , A 3 de agosto de 1709 quiz fazer o Padre Bartholomeu L'ourenço exame ou experiência, do invento de voar - para isso foi a casa que fica debaixo das embaixadas - que não surtiu efleito, porque logo ao principio se queimou (fIs 52 v). A 5 do mesmo mez veio o dito padre com um meio globo de madeira delgado, e dentro trazia um globo de papel grosso, mettendo-lhe no fundo uma tijela com fogo material; o qual subiu mais de 20 palmos e como o fogo ia bem aceso,_começou a arder o papel subindo; e o meio globo de madeira ficou no chão sem subir, porque ficou frustrado o intento, E COmo o globo ia chegando ao teclo da casa acudiram com paus dois creados da casa real, para evitar o pegar algum desastre, assistindo a tudo Sua Majestade COm toda a Casa Real e várias pessoas. (fls. 520). Quinta-feira, 3 de outubro fez o Padre Bartholomeu de Quental, digo Bartholomeu Lourenço, outro exame no pateo da casa da India, com o instrumento de voar, que tendo já subido a bastante altura cahiu no chão sem effeito. (fls. 560)." Digno de ressaltar, no manuscrito acima, o formato do instrumento propulsor. Já nos referimos à correspondência oficial entre o Vaticano e seus representantes, Depois de dar notícias sobre a petição, em abril, 93


volta o Núncio a seu superior hierárquico com novo "Foglietto de Aviso", expedido em 16 de agosto do mesmo ano, nos seguintes ter· mos : "/l soggeto che. como si avisó tempo fá, pretendera di voler fabricare un ordegno per volare, ha in questi giorni due volte fatto l'esperienza in presenza dei Re. havendo formato un corpo sferico di poco peso; ma siccome la virtú impulsiva o attrativa para che· consista in spiriti, questi. pressero fuoco, e si boregi6 l'ordegno la prima volta senza moversi di terra, a la 2a. ancorché si elevasse due canne, parimente boregió; onde egli, impegnato di far vedere che non corre pericolo la sua in venzione, sta fabricando altro ordegno mag· giore" . Os doi s documentos têm em comum a referência à forma esfé· rica da máquina de Gusmão, ao material. empregado (papel grosso), a utilização de ar quente e à altura da ascensão, já que "vinte palmos" e "duas canas" (braças) referem·se a uma medida pouco supe· rior a 4 metros . Outro importante registro é o do " notável do reino" Francisco Leitão de Carvalho, que anotou o seguinte, à margem de seu relato em Ephemerides Historicas, sobre o deferimento da Petição de Bartolomeu de Gusmão:

Fig. 23 - A Primeira Experiência de Gusmão (8 de agosto de 1709) perante D. João V. a rainha D. Maria Anad e Habsburgo. o Núncio Cardeal Conti, o Infante D . Francisco de Por/ugar. o Marquês de Fonte, fidalgos e damas da Corte e outros personagens. (Bernardino de Souza Pereira - Estudo para um quadro). - Coleção do Mu~eu Paulista

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"Fez a experiência em 8 de agosto deste anno de 1709, no pateo da Casa da [ndia diante de Sua Majestade e muita fidalguia e gente com um globo, que subiu suavemente a altura da sala das embaixadas, e do mesmo modo desceu, elevado de certo material que ardia e a que applica O fo go no mesmo invento . Esta experiência se fez dentro da sala das embaixadas" . Sem embargo da confusão de locais e datas - a experiência de 5 de agosto realizou-se na Sala de Audiências, e a de 8 do mesmo mês, no pátio da Casa da lndia - o depoimento não deixa dúvidas quanto a tratar-se de um globo que ascendia pela ação do ar quente . José Soares da Silva, que, em 30 de abril de 1709, na Gazeta, fizera comentários irônicos sobre os planos de Gusmão, valeu-se novamente do sarcasmo para comentar as experiências realizadas na Corte, logo em seguida ao evento, escrevendo: "EI-Rey os dias passados tambem o apertou de sorte a falta de resp 'ração que lhe sobreveyo á sua queixa que a toda a pressa o sacramentaram de noite. Porém com a nova cura que fez logo, está com conhecida melhoria em hum ou outro achaque e já anda erguido composto; como assist ia a varias comedias que agora s~ fi zeram no Paço. E hum dia destes ao Voador, que, na sua prezença, na casa do Forte, debaixo da das embaixadas, foy fazer a primeira prova do seu engenho, levando para isto um globo de papel o qual dizia elle, que por si mesmo se havia de elevar aos ares, mettendolhe dentro hua vela acesa, e fazendo-a a primeira vez, voou elle com brevidade, porque lhe pegou o fogo, e ardeu inteiramente, e para isto ha mais de quatro mezes que anda trabalhando nas taes fabricas, .que pudera fazer em quatro horas, ao menos, ou ao mais em 24 como fez no segundo globo, que levou no segundo dia ao Paço, o qual se não ardeu como o primeiro, fez o que qualquer fizera, porque gastado pela luz o ar, que continha dentro o globo, o ar ambiente natural muito o arrebatou ao alto da casa, como não tinha outra matéria mais que papel, e assim tornou outra vez a descer como subira, sem fa zer mais nada que he o que basta, para andar as duzentas legoas por dia, e levar as quarenta arrobas de pezo. Se isto se não vira não se crêra"· Embora fosse intenção dQ comentarista desmoralizar o inventor e minimizar a importância do invento, suas palavras acabaram servindo para calar a boca dos detratores de Gusmão, confirmando tanto a realização de suas experiências, perante numerosas testemunhas, como o sucesso das mesmas, ainda que parcial . Para corroborar o aforismo de que "o homem acaba sempre revelando o homem, não importa por que meios", vale conferir o de95


poimento, de autor anônimo, do Códice 357, da Biblioteca da Universidade de Coimbra, dado ao Pllblico por Augusto Felipe Simões, em 1868: "Com efleito, poz (Bartholomeu de Gusmão) por obra, não logo o principal invento, mas uma amostra a qual era uma barcassa pequena de feitio de uma gamella coberta de lona, e com varias espiritos, quintas essenciais, e outros ingredientes, lhe metteu umas luzzes por baixo, e na sala das embaixadas, estando presente Sua Majestade e muitas mais pessoas, fez vqar a dieta bareassa, que a pouca altura deu pelas peredes, e depois em terra, e confundindo-se os materiais pegou fogo, e na queda em que se despenhou queimou uma cortina, e tudo o que encontrou foi fazendo o mesmo elleito" . Neste relato, duas observações merecem destaque: a hipótese da ascensão experimental de um modelo reduzido ("amostra"), bastante plausível face às dimensões do local da experiência, e, novamente, a fonte de calor como propulsão para a subida . Larousse, no Grand Dictionnaire Universel, diz: " . .. mas o que é fora de dúvida é ter Gusmão executado com sucesso uma ascensão em Lisboa, sob o reinado de D. João V de Portugal, que o encorajava em seus anseios". Meyers, na sua Grosser Konversation Lexikon, diz: "O estímulo à aplicação do princípio de Arquimedes apresentou seus primeiros frutos em Portugal, onde, na presença do rei D . João V, subiu Lourenço de Gusmão, num balão, em Lisboa, no anno de 1709" . Ressalvada a ascensão do próprio Gusmão, em que não cremos, face às dimensões dos balões ensaiados, sem cubagem para criar força ascensional capaz de elevar um homem, a menção ao princípio de Arquimedes é bastante correta. A leitura dos documentos acima nos conduz à síntese de que Bartolomeu de Gusmão construiu um aeróstato, que ascendia por meio do ar quente produzido pela combustão de vários materiais, e que este aeróstato realmente se elevou aos ares . Foram realizadas quatro experiências, três das quais foram comprovadamente assistidas por D. João V e sua Corte: 1.0 - em 3 de agosto de 1709, na Sala de Audiências, sem que o balão se elevasse; em 5 de agosto de 1709 1 na Sala das Embaixadas, quando o balão subiu 20 palmos, sendo destruído pelos criados da casa real, receosos da propagação de um incêndio; 3.° - em 8 de agosto de 1709, no Pátio da Casa da India. quando o balão subiu e desceu suavemente, caindo no Terreiro do Paço; e 4.9 - em 3 de outubro de 1709, quando o balão atingiu grande altura, descendo em seguida sem problemas .

2: -

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13. O Atraso Científico e as Reações dos Contemporâneos À época das experiências de Gusmão, as manifestações intelectuais na Península Ibérica, sobretudo em Portugal, voltavam-se quase que exclusivamente para as preocupações teológicas, em detrimento dos outros campos do saber, mormente no que concerne as ciências naturais. Estas foram assim relegadas a segundo plano, sufocadas por uma filosofia que perdera grande parte do brilho ostentado no século anterior. As dificuldades burocráticas impostas a qualquer impressão tornavam a comunicação bastante difícil. uma vez que, destarte, as idéias muitas vezes se propagavam apenas oralmente, ou por meio de manuscritos, cuja elaboração lenta e penosa multiplicação restringiam .consideravelmente seu alcance. Neste ambiente quase hostil a qualquer idéia nova, viveu· Bartolomeu de Gusmão, um inovador por excelência, que arrostaria, na sua obstinada postura de mudar ··0 mundo, as resistências dos que não 10gJ;"avam divisar os horizontes descortinados por sua tão fecunda imaginação. . Some-se a isto O fato de que a experiência realizada por Gusmão, embora espetacular, no verdadeiro sentido da palavra, deixou frustrada a assistência, dado o exagero da expectativa criada . Assim, não é de admirar que ele não encontrasse seguidores dispostos a desenvolver suas idéias, nem que seus contemporâneos apreendessem a importância e grandiosidade de seu feito, o qual, se if!litad~ e pros- . seguido, deveria por certo antecipar em algumas décadas a conquista definitiva do espaço aéreo. . A propósito, vale lembrar O comentário de Julio Dantas sobre o depoimento de Soares da Silva, a que já nos· referimos, e por ele divulgado ao público brasileiro, em dezembro de 1934: "Mal sabia o espirituoso amador da· Gazeta que nêsse dia de Agosto de 1709, o ilustre Bartolomeu de· Gusmão, incompreendido como todos os precursores, marcava para sempre o seu lugar na his. tório de uma das maiores conquistas da audácia e da inteligência humana". ( . .. ) Muitos outros críticos ferinos teve Bartolomeu de Gusmão, es~ pecialmente certos poetastros, que buscaram notoriedade tentando ridicularizá-lo, durante aquele que foi um período negro da poesia portuguesa. Felipe Simões, no Capítulo 11 do seu trabalho A Invenção dos Aeróstatos Reivindicado . .. , afirma com justeza: <lAs tentativas aeronáuticas de Bartholomeu de Gusmão, succederam na epoca da maior decadencia da poesia em Portugal. Haviam-s'! apagado os ultimos raios com que .a escola denominada hespanhola brilhara por entre os muitos e grandes deleitos de suas ridi~

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cuias exagerações. Enfraquecida pelo cortex do tempo, a influencia das tradições gloriosas do seculo XV I não dissimulava já os elleitos das causas que por largos annos tinham contribuido para perverter a literatura. Em 709. não se nos depara um s6 poeta, nós vemos versejadores sem conta. Não havia quem não se julgasse capaz de exercitar a arte privilegiada de CamêJes e de Quevedo; todos faziam versos e tudo se escrevia em verso; a Nação parecia um vasto Parnaso. São numerosas as poesias que temos colligido concernentes á machina volante. E quem sabe as que se perderam e quantas virão ainda a aparecer? Todas ellas ridicularisam mais cu menos pungentemente a Bartholomeu Lourenço, o Voador". Entre esses pretensos poetas, avulta a figura de Tomás Pinto Brandão, alcunhado o " Pinto Renascido", que, tendo vivido na Bahia, foi deportado para o Rio de Janeiro e mais tarde degredado para Angola, de onde regressou a Portugal. Em relação ao Brasil e sua gente, guardava ódio doentio, que destilou de fonna perversa contra Bartolomeu, não lhe poupando até mesmo insultos póstumos. Também neste caso, o feitiço voltou-se contra o feiticeiro, pois tais insultos não serviram senão para comprovar a veracidade das experências de Gusmão, preservando para a posteridade, dentre toda a versalhada produzida por esses poetas medíocres, apenas os poemas referentes ao Voador. São da lavra de Pinto Brandão as peças abaixo:

DECIMAS I.·

" Esta marcma escondida, Que abala toda a cidade, Esta mentira verdade, Ou esta dúvida criada Esta exalação nascida No Portuguez firmam ento: Este nunca visto invento Do Padre Bartholomeu, Assim fora santo eu, Como ella he coisa de vento. 2."

Esta féra passarola, Que leva, por mais que brame, Trezentos mil réis de arame Somente para a gaiola: 98


Esta urdida paviola, Ou este tecido enredo: Esta das mulheres medo E enfim dos homens espanto; Assim fôra eu cedo santo, Como se ha de acabar cedo"_ SONETOS

1.· AO PADRE BARTHOLOMEU. INVENTOR DA NAVEGAÇÃO DO AR

"Veio na frota, um duende brasileiro, Em trajo clerical, sotaina e c'roa, Fez crer que pelo ar navega e vôa Um barco sem piloto e sem remeiro, Vae-se ao marquez de Fontes mui ligeiro, Declara-lhe o segredo, este o apregoa: Sahe a consulta, pasma-se Lisboa E em tanto esquece a fome no Terreiro; Bem merece este duende assento Na ethérea região eu já lhe approvo A diabrura do sutil invento; Pois um milagre fez, que é mais que novo, Em manter tantas boccas só de vento Fazendo um camaleão de tanto povo" _ 2.·

UCom que invento queres, baixo idiota, Com que engenho te atréves, brasileiro, A voar no ar, sendo pateiro, Desejando aguia ser, sem ser gaivota? Melhor te fôra na região remota D'onde nasceste estar com sizo inteiro, Sem pretenderes ser tudo primeiro, Que faças uma cel.ebre derrota. 99


Mas bem obtas, que te achas em terra, Onde vemos subir a mór altura Sujeitos mui prezadps, por muy brutos, Não me admira não, pois ninguém erra Quando subido está logo procura Voar, que tantos voam por astutos.

E assim, de soneto em soneto, de décima em décima, de ofensa em ofensa, sem sequer perceberem, registraram os versejadores a obra pioneira de Gusmão. O afã de destruir, denegrir e diminuir a genialidade de um homem foi suplantado pelo registro histórico que legaram à posteridade, permitindo aos pesquisadores do futuro extraírem dados preciosos, reveladores daquela genialidade que em vão se tentou ofuscar. 14. Outros Inventos Já quando nos referíamos às primeiras manifestações de inteligência de Bartolomeu de Gusmão, mostrávamos que, em plena adolescência, ele revelou sua capacidade inventiva, ao suprir de água o Convento de Belém, onde estudava, captando-a bem abaixo da sede do seminário e ele"ando-a até o nível de utilização . Embora a maior realização de Gusmão seja a primazia aerostática, ele produziu, ao longo de uma vida extremamente fecunda, inúmeros outros inventos. Não se restringiu a sua curiosidade cientifica às experiências com o aeróstato. Pouco depois das experiências com o balão, Gusmão requer a D. João V privilégio para mais um produto de seu talento. A petição, reproduzida mais tarde num opúsculo impresso na Oficina Real Deslanderiana (documento hoje muito raro), intitulava-se Vários modos de esgotar sem gente as naus que fazem água, oflerecido ao muito alto e muito poderoso rei de Portugal e dos AIgarves D. João V Nosso Senhor. Tinha a questão a maior oportunidade, dado o perigo constante que representava para as viagens marítimas de longo curso o alaga· menta dos porões . Era impossível evitá-lo, pois os cavernames eram feitos de madeira, e o embate das ondas anulava qualquer esforço de calafetagem executada com a tecnologia da época. Gusmã'O teve, em síntese, a idéia de utilizaz: o próprio movimento do barco para pôr em movimento uma bomba que, por meio de um parafuso de Arquimedes, aspirava a água dos porões. Outros inventos foram revelados em documentos descobertos por Augusto Felipe Simões, na Biblioteca da Universidade de Coimbra . Dentre ele$, destacamos dois que receberam o mesmo tratamento crítico-ofensivo dispensado ao balão, mas que novamente serviram para evidenciar os dotes inegáveis do pioneiro: 100


"Entrou em segundo invento de Jazer carvão de lama e mato, e para este efeito alugou junto à Bica do Sapato umas casas, fingindo estarem em melhor situação pata a sua fábrica. Fez para ela um moinho de vento, em que gastou muito cabedal, e tudo à custa d'El-Rei, e pela mesma co.nta correram outras idéas, inventos e alvitres, que uns não tinham eleito e outros eram indignos". Não sabemos se, nesta pesquisa, tinha intenção de fazer carvão de terra tal qual o obtido da madeira, ou se pretendia obter o aglomerado que um século depois foi extraído da terra argilosa: "Não faltou quem dissesse, que alugara aquelas casas para maior liberdade, e que no paleo tinha um andador de madeira, no qual se metia, dizendo que queria observar os oUlros, e o dicto carro rodava com violencia, e não se tornava a sentir senão de madrugada, porque as noites dizem que as ia passar a Alcacer, donde vieram presas umas feiticeiras, pouco tempo antes de sua fuga." Quanto ao "andador de madeira", crêem alguns, como o Cmt. Xavier, que se tratava de um auto-móvel (máquina capaz de automaticamente transportar o homem sobre a terra); um autômato, um precursor industrial, no qual "o machina substitue o mais possível o homem, executando com maior facilidade, maior quantidade de trabalho, e este operando-se no sentido de augmentar o bem estar da Humanidade". Preferem outros, como Lysias Rodrigues, que fosse "simplesmente o seu observatório astronômico, com cúpula móvel, graças a um dispositivo mecânico qualquer por ele inventado", "E seu observatório astron6mico o Jazia passar por feiticeiro 11 ,. " ou bruxo ... São de sua concepção, ainda, o maquinismo para os moinhos de rodízio poderem moer muito mais com a mesma quantidade de água, e um motor hidráulico, cuja patente solicitara em 1724, sem, entretanto, anexar qualquer memória descritiva. Suros experiências e aplicações práticas voltaram-se para a substituição do trabalho, então quase todo manual, por outro de origem mais universal, a fim de reduzir a fadiga humana e aumentar a produtividade. Não foram estas as premissas que deflagraram, na Europa Ocidental, ainda no século XVIII, a Revolução Industrial? 15. O Prestígio na C'Orte Desde que foi introduzido na Corte de D. João V, em fins de 1708 ou princípios de 1709, Bartolomeu de Gusmão teve sucessivas · provas de apreço do monarca, que, reconhecendo nele um homem 101


de talento, não só lhe concedeu lionrarias, como também lhe confiou missões de alta responsabilidade. Antes mesmo da realização das experiências, e tão-somente à luz da petição que lhe foi apresentada, o soberano concedeu-lhe a nomeação real de professor, a título de recompensa. Pressionado pelas circunstâncias a interromper bruscamente suas experiências aerostáticas, nem por isso deixou o Rei de prestigiá·lo. Voltando-se para outras áreas de pesquisa, já em 1710, era lar· gamente subsidiado por D. João V em suas experiências para um nova invento: o aparelho de esgotar naus sem gente. Outra missão que lhe coube foi a de defender os interesses da Coroa, em 1717, no processo de confisco da casa dos duques de Aveiro. Dois anos depois, vemo-Io às voltas com o já mencionado controle da criptografia real, serviço que jamais seria entregue a quem não fosse da estrita confiança do monarca . Quando, a 8 de dezembro de 1720, D. João V instituiu a "Academia Real de História Portuguesa", um dos cinqüenta membros cui' dadosamente escolhidos entre os melhores nas ciências e letras do reino foi Bartolomeu de Gusmão, convidado para ocupar uma de suas cátedras vitalícias (Acadêmico do Número, uma honraria reservada aos doutos) . Coube-lhe escrever sobre o bispado do Porto, o que fez com rara ·competência . Como prova de apreço a Gusmão, D. João V. em 1721 concedeu ao pai do inventor, que falecera no ano anterior, o título de Fidalgo da Casa Real , honraria que por si s6 jamais teria feito por merecer quem em vida não passara de modesto cirurgião-mor do presídio da Vila de Santos. Neste mesmo ano, ofereceu Gusmão à rainha, de quem era capelão, o seu Sermão de Corpus Christi . Em 1722, foi nomeado Fidalgo Capelão da Casa Real. Final· mente, em 1724, o rei outorgou-lhe o privilégio de um novo invento: o dos moinhos-de-vento. Entre princípios de 1709 e meados de 1724, Bartolomeu de Gusmão desfrutou, portanto, de crescente prestígio junto à corte de D. João V . Brito Rebelo, escrevendo sobre o relacionamento entre o Rei e o inventor, em 1724, assim se expressa: "Estava Bartholomeu Lourenço no auge do valimento. Desfru· tava uma posição importante na Corte, a confiança do soberano era justo galardão dos seus trabalhos o convivio e o respeito dos sábios e eruditos, o verdadeiro prêmio dos seus talentos." l

102


16. Declínio e Desaparecimento Ninguém poderia prever que o grande prestígio desfrutado por Bartolomeu de Gusmão despencasse em queda vertiginosa no espaço de apenas dois meses, culminando no processo que o envolveu em setembro de 1724 . Por força de uma intriga palaciana, envolvendo fidalgos, 'religiosos e o próprio Rei, Bartolomeu de Gusmão foi vítima de uma tragédia que provocou sua derrocada na Corte, a fuga desnecessária que empreendeu, de Portugal para a Espanha, e a sua própria morte prematura, ocorrida na Espanha. D. João V, que impetrava para si o título de Fidelíssimo, não era um modelo de moralidade e, com isso, fazia propagar na Corte um clima de conivência com suas próprias atitudes. Nesse ambiente de baixo padrão moral em que conviviam, lado a lado, a fé religiosa e a crença em feitiçarias e bruxarias, nada mais natural que os segredos de relacionamen to entre os membros da Corte em breve se tomassem ostensivos. Numa destas típicas intrigas tão comuns no seio de meios restritos e corrompidos, chegou ao conhecimento da Inquisição que se intentava enfeitiçar o rei, a fim de conseguir a reaproximação de certas favoritas que haviam perdido seu antigo prestígio junto ao monarca . Presas as pessoas acusadas e iniciada a fase de interrogatório, surgiu no depoimento de uma das envolvidas a menção de que, quando fora encomendar a bruxaria; oulra indiciada lhe solicitou que "'sentindo-se apaixonada por um eclesiástico queria com ele encontrar-se a sós~ mas sem que ninguém pudesse saber de tais entrevistas". Respondeu-lhe, então, que trataria de arranjar receita capaz de provocar a invisibilidade do objeto de sua paixão. Quem seria o religioso? Vejamos alguns trechos da análise feita por Brito Rebelo nos autos do processo: "Segundo o nosso entender, explica, deviam os fatos ter-se passado da seguinte maneira: Bartolomeu Lourenço, imitando os exemplos da Corte e de mui· tos homens~ mais ou menos eminentes, e segundo os usos do tempo, entretinha relações amorosas, no convento de Sant'Ana, com D. Paula de Souza, e era a ele que esta se referia, quando pedira a D. Antônia lhe arranjasse meio de poder estar, quando quisesse, com certo reLigioso, sem que fossem vistos. Como o padre tinha fama de nigromante. ou de possuir engenho superior, é natural que as duas irmãs, que tanto se interessavam em querer renovar a harmonia e conc6rdia entre a amante e o rei. a amante do infante, e suas duas irmãs de Odivelas~ falassem nisso 103


alguma vez a Bartolomeu Lourenço, que apesar de saber muito bem que não havia poderes sobrenaturais que influíssem em tais assuntos, as não desenganaria de toda. Não só porque não tiraria resultado algum de querer dispersuadir de tal crendice, quem tanto do íntimo acreditava em feitiços e bruxarias, mas também porque COm isso. paderia perder a afeição. e relações da religiosa que lhe aprazia cultivar. Brito Rebelo assim explica o lado psicológico desta questão: "E na naite de 26 de setembro. que Bartolameu Lourenço. de Gusmão desaparece de Lisbaa, segundo dizem as seus biógrafas, e fage em direção. à Espanha, acompanhado por seu irmão mais moço, o Frei João Alvares de Santa Maria, frade carmelita. Por quê? Se em todos estes processos que compu/samos, apenas achamos aquelas perguntas que a ele se referiam, diretamente, e o pedido de uma freira que suponhamos também aludir a ele? Só se poderia explicar o receio de Bartolomeu Lourenço e a sua fuga, pelas diligências que supomos se deviam ter feito no Convento. de Sant'Ana, e das quais seria avisado pelos poderosos amigos que tinha em todas as altas classes da Corte, ou mesmo pelas religiosas com quem tinha relações." ( ... ) "Lamentando que um fato tão insignificante, haja determinado o fim de uma existência, chegada ao período de seu maior desenvolvimento e que prometia sazonar em frutos de glória e utilidade para a sua pátria, não podemos deixar de dizer que de tudo o que se contém nos pracessos referidos não havia elemento. algum, para poder intentar processo, quanto mais para ordenar a prisão de Bartolomeu Lourenço. Que esta se não havia ordenado vê-se da carta, ou ofício, de 27 de setembro de 1724, dirigido pelo conselho geral do Santo Oficio ao Desembargador Bacalhau, em que se lhe agradeceu o cuidado, exação, e acerto com que executou a diligência que lhe fai encarregada, donde se vê que mais nenhuma coisa lhe havia sido ordenada . Também não. existe, em nenfwm caderno do promotor, do referido tempo., nem em nenhum autro registro, peça alguma oficial que se refira a Bartolomeu Lourenço, nem processo começado; nada, enfim. que nos mostre que a Inquisição tratava de prender a padre . E pois quase certo que a sua fuga foi determinada pelas diligências que se deviam, extra-judicialmente ter feita na canvento de San/' Ana, e do resultado das quais Bartolo.meu Lourenço se arreceou, julgando iminente uma condenação do Santo Ofício. e o desagrado o.u desfavor d'el-rei." Não se dispõe do registro de seus últimos dias, o que deixa sem respostas várias dúvidas acerca do que lhe teria acontecido entre 24 de setembro e 18/ 19 de novembro de 1724 . JJ

104


S6 o que se sabe é que Bartolomeu Lourenço de Gusmão deixou Portugal em setembro de 1724, abandonando sua cadeira de Lente da Universidade e a da Academia, para ir morrer em completa miséria no Hospital de Misericórdia de Toledo, Espanha, a 18/ 19 de novembro de 1724, sendo enterrado na matriz de São Romão, à custa da irmandade dos eclesiásticos de São Pedro.

Fig. 24 _ Fachada do Hospital de Mi.seric6rdia onde faleceu Bartolomeu de Gusmão, em Toledo, Espanha.

Sua morte inspirou um dos mais belos sonetos de Olavo Bilac: A MORTE DO VOADOR

Em Toledo. lá fora a vida tumultua E canta. A multidão em festa se atropela E. o padre que o suor da agonia enregela Cuida o seu nome ouvir na aclamação da rua! lOS


Agoniza o Voador. Pi~dosamente a lua Vem velar-lhe a agonia através da janela . A Febre, o Sonho, a Gl6ria enchia a escura cela Entre névoas da morte uma visão flutua. Voar, varrer o céu com asas poderosas, Sobre nuvens! Correr o mar das nebulosas, Os continentes de ouro, O fogo da amplidão. E o pranto do luar cai sobre o catre imundo. E em farrapos, sozinho, arqueja moribundo Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão.

o atestado de óbito, além de encerrar a questão sobre o seu nome, revela o estado de penúria de seus últimos dias. Foi lavrado

Fig. 2S - Igreja de São Romão e Sanla Leoc4dia, em Tofedo, Espanha, em cuja /1Qve foi sepullado Bartolomeu de Gusmão. O descal1SO final, longe da Pdl,ia.

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• Fig. 26 -

Certidão de óbito de Bartolomeu de GusmãQ.

nos seguintes termos que, para maior fidelidade, preferimos conservar na língua e grafia originais: "PARTIDA DE DEFUNCION En diez y nuebe dias dei mes de noviembre de mil setecientes y veintre y quatro afios D. Bartholomé Lourenzo de Gusman, Doclor en canones en la Universidad de Coimbra, natural de la Vil/a de Santos en el Brasil, de edad de treinta y acho afios, residente en la ciudad de Lisboa, hijo de D. Francisco Lorenzo, D'/tunto y de Maria Alvarez, allandose el presente en el hospital de la Misericordia, Parroquia de San Rornan de esta Ciudad de To/edo , haviendose confesado y ricibido por V iatico el Santíssimo Sacramento de la Eucharistia y de la extrema Unci6n Jalleci6, no iso testamento por no lener de que dicerlo y fué sepultado en esta 19lesia. Jaz efl. Ia iglesia dei Senor San Roman, con /a asistencia de la Parroquia y Ia Hermandad de Sacerdotes dei Senor San Pedro, .y vestido COn ornamientos sacerdotales y dió á la fabrica de dicha 19lesia sessenta y seis Reales por hhos ornamientos y tretinta reales por la Sepultura la cual cautidad pag6 dicha Hermandad de Sacerdotes dei Senor San Pedro, y por ser verdad lo firmo como cura proprio de dha Ig/esia D. Franco Gomez Marisca/." 107


E assim desapareceu um verdadeiro talento brasileiro, que. no dizer de Taunay, foi o primeiro inventor americano", antecipandose a tantos outros na projeção do nosso Continente como berço de benfeitores da humanidade. Mesmo após a sua morte, os desafetos gratuitos foram implacáveis na deturpação de sua memória . A Academia Real Portuguesa, por exemplo, onde pontificou com o brilho de sua inteligência e cultura, reúne-se em sessão no dia 22 de dezembro de 1724 (trinta e três dias após o seu falecimento) e impiedosamente decide: uO Dr. Bartholomeu Lourenço de Gusmão linha-se ausentado desta Côrte sem permissão da Academia, e passado o tempo que marcam os Estatutos, parecendo aos censores que devia prover-se o lugar de Acadêmico do número que ele ocupava." Por iniciativa da Associação Hispano-Brasileira de Santos, e posterior interferência do ' Itamarati, foram localizados e trasladados para o Brasil, em 1966, os restos mortais do Padre Voador, que hoje se encontram no Museu de Aeronáutica da Fundação Santos-Dumont, localizado no Parque lbirapuera, em São Paulo . Assim, o grande pioneiro retomou à terra onde nascera, e de onde partira no início do século XVIII, em busca de horizontes mais largos - justa homenagem da pátria àquele que, antes de qualquer outro, ligou indissoluvelmente o nome do Brasil à história da conquista do espaço aéreo. U

17. A Primazia Inconteste Setenta e quatro anos ap6s as expeflencias de Gusmão, em 5 de junho de 1783, os irmãos Montgolfier. repetindo os mesmos princípios físicos de que se valeu o Voador, .fazem ascender um balão a ar quente. Pouco mais tarde, a 21 de novembro do mesmo ano, o primeiro aeronauta, Pilâtre de Rozier, oficial do exército francês, elevou-se e.m balão dos Montgolfier, fazendo-se acompanhar do Marquês d'Arlandes. Balão a ar quente, é bom que se registre . Ao invento dos irmãos franceses não faltou quem quisesse atribuir uma primazia que, de direito, só dois séculos depois a docu~ mentação reunida por dedicados pesquisadores pôde comprovar ser de Gusmão. Entre os próprios franceses, no entanto, houve quem contestasse essa primazia. Boscus, autor do verbete Gusmão, da Biographie Ancienne et Moderne de Michal)d, editado em Paris em 1811 , diz: 108


" quoique bien avant le 17 eme siecle, divers auteurs eussent propose dijferent moyens pour s'éléver dans les airs; il parait cependant certains que' I'on doit au P. Gusmão les premieres expériences des ballons aerostatiques, renouvellées avec un si grand succes soixante ans apriés sa mort." E MareeI Janneaud foi categórico: "La gloire française des Montgolfier et de Charles ne sera pas tenue par l'hommage que nous rendre au pauvre brésilien, qui fut vraisemblablement le premier aerostier des temps modernes." Também a Itália, na palavra do historiador e político Cesare Cantu, declara: "O arrojo humano parecia ter derribado todas as barreiras quando os irmãos Montgolfier, repetindo experiências já feitas em Lisboa por Bartolomeu de Gusmão em 1709, fizeram subir aos ares os seus balões (1783) cheios de ar rarefeito pelo fogo." Que os irmãos Montgolfier utilizaram balões cheios de ar aquecido pelo fogo, portanto a mesma tecnologia de Gusmão, não há a menor dúvida. A primazia de Bartolomeu Lourenço de Gusmão é, assim, inconteste. A este brasileiro bem dotado, e s6 a ele, deve o mundo o primeiro e gigantesco passo na caminhada do homem em direção ao domínio da terceira dimensão. VIDA E OBRA DE BARTOLOMEU LOURENÇO DE GUSMÃO CRONOLOGIA

1685

-

Ingresso no Seminário de Belém, na Bahia;

?

1701 1705

1706

Nascimento na Vila de Santos, no mês de dezembro, em dia não determinado, que as pesquisas apontam como próximo de 19. Filho de Francisco Lourenço e Maria Alvares; Primeira estada em Lisboa, Portugal;

-

Requerimento à Câmara da Bahia, solicitando pnvIlégio para o seu primeiro invento (maquinismo capaz de elevar água de um brejo ao seminário, situado a quase 100 metros acima da fonte); Concessão de privilégio pela Câmara, em 12 de dezembro; Solicitação ao governo para que o privilégio fosse válido para todo o estado do Brasil; 109


-

Parecer favorável do Conselho Ultramarino, em 18 de

novembro, encaminhado a EI-Rei; 1707

'-

1798/ 09 1709

-

Despacho d'EI-rei, concedendo a carta de privilégio em 23 de março; Regresso a Portugal, já presbítero; Notícia de sua chegada a Lisboa, publicada na Gazela

de José Soares da Silva, em 30 de abril; -

Petição de Privilégio a D. João V para o seu instrumento de andar pelo ar (aeróstato); Alvará de D . João V concedendo-lhe o privilégio, exa-

rado em 19 de abril;

-

1710

1.& experiência púbHca, na presença de D . João V, na Sala das Audiências, em 3 de agosto, quando o balão se queimou ainda no solo j 2 .. experiência pública, na Sala das Embaixadas, em 5 de agosto, quando o balão se elevou a vinte palmos e, ao chegar ao teto, foi destruído por criados da casa real, receosos de um incêndio;

-

3.a experiência pública, no Pátio da Casa da lndia, em 8 de agosto , tendo o balão subido suavemente e caído no Terreiro do Paço;

-

Concessão por D. João V, em 13 de agosto, de bolsa no valor de trezentos mil réis, para Gusmão estudar Matemática na Universidade de Coimbra;

-

Anulação da bolsa, em 1 de setembro, de acordo com

proposta da Junta dos Três Poderes, por falta de verba; -

Solicitação de Privilégio para novo invento, impresso em folheto sob o título Vários Modos de Esgotar sem Gente as Naus que Fazem Agua;

1713/ 16 -

Ausência de Portugal, com passagens pela Holanda, Inglaterra e França;

1716

-

Retomo a Portugal e à Universidade de Coimbra;

1716/ 17 -

Cursa o 2.° ano da Faculdade de Cânones;

1717/ 18 -

Cursa o 3.° ano;

1718/ 19 -

Cursa o 4.° ano;

1719/ 20 -

Cursa o 5,° ano;

1720

Doutoramento em 16 de junho;

!lO

-


Criação da Academia Real de História Eclesiástica Portuguesa, em 8 de dezembro; Inclusão de Gusmão no catálogo de acadêmicos, em 22 de dezembro;

1721

-

Aprovação dos Estatutos da Academia Real de História

-

Eclesiástica Por~uguesa. em 4 de janeiro; Contemplado com a tarefa de escrever. em português, a história do Bispado do Portoj

1722/ 23 -

Atividades como acadêmico. desenvolvendo a tarefa que lhe foi determinada;

1724

-

Fuga inesperada de Lisboa, em 24 de setembro; e Morte em Toledo, na Espanha, em 19 de novembro .

111



PARTE II DAS CONQUISTAS INICIAIS A AUGUSTO SEVERO



CAPITULO 1

AVANÇOS PELO ESPAÇO

1. Presença Brasileira

S

E é verdade que remontam a mais de vinte séculos as manifestações do homem no sentido de imitar os pássaros e voar, não resta dúvida de que 56 a partir do século XVIII este sonho se concretizou. Homens de todos os quadrantes esforçaram-se na perseguição deste objetivo, mas foi o talento de grandes brasileiros que contribuiu de maneira decisiva para a criação da tecnologia capaz de vencer a gravidade e elevar o homem acima da superfície terrestre. Assim, embora separados por um período de quase duzentos anos (1709-1906), foram dois brasileiros que tiveram o privilégio de abrir e fechar o ciclo pioneiro da conquista do ar, através da tríade de engenhos aéreos balão-dirigível-aeroplano. Seus nomes: Bartolomeu de Gusmão e Santos-Dumont. Aquele, em 1709, com o seu balão, e este. em 1906, com o 14-8is. definiram marcos incontestes da primazia brasileira na conquista do ar. Outros brasileiros, igualmente pioneiros, juntaram-se a quantos se propuseram tornar realidade o sonho de conquistar o espaço. Antecessores e contemporâneos de Santos-Dumont realizaram pesquisas e experiências intensivas, principalmente no campo da aerostação. 'E. digna de nota, por exemplo, a tenacidade com que Júlio César Ribeiro de Sousa perseguiu e, afinal, conseguiu a dirigibilidade dos balões em direção oblíqua ao horizonte, sem o auxílio de propuisores mecânicos; é também genial a presença de Augusto Severo, com a sua intenção de verdadeira navegabilidade aérea, criando o aer6stato semi-rígido. 115


A presença de tantos brasileiros na fase pioneira de domínio do ar suscita algumas perguntas: - Corresponderia a um atavismo de nossa gente, que, sempre ávida de liberdade, percebeu ser o vôo capaz de libertar temporariamente o homem de suas raízes terrestres, fazendo-o sentir-se de todo livre'! - Seria, talvez produto de um momento histórico que empurrou os homens para o domínio cada vez maior dos elementos? - Ou seria tão-somente produto de manifestações isoladas de brasileiros bem-dotados. exercitando sua capacidade criadora? Foi provavelmente o somatório destas três razões que levou os brasileiros a ocuparem posição de destaque na luta pelo domínio do ar. 2. Contribuição da Ciência . O desenV'Olvimento geral da Ciência muito contribuiu para o crescente sucesso das experiências de vôo. Da última metade do século XVII à primeira metade do século XVIII (1650-1750), descobertas e pensamentos espetaculares foram revelados. O mundo conheceu, então. com Isaac Newton, as leis da gravitação universal e da decomposição da luz; com Euler e O'A1embert, os esforços para a resolução geral das equações; com Bernouilli, a criação do cálculo exponencial; com Montesquieu, O Espírito das Leis, c com Voltaire, a moral natural. Por volta de 1715. a conciliação entre a fé e a Filosofia é abalada pelo progresso das ciências positivas e humanas, e também pelo encontro fecundo dos pensamentos francês (Descartes, Malebranche) , inglês (Newton, Locke), holandês (Spinoza, Huygens) e alemão (Leibnitz). Esse encontro teve efeitos que se multiplicaram pelos contatos entre academias, pelas viagens e pela ação dos refugiados . Os matemáticos enriqueceram o conhecimento humano com a geometria analítica e o cálculo infinitesimal . Na Física, a lei da atração revolucionou a Mecânica, a Astronomia, a ótica, enquanto evoluíram as teorias da acústica e da hidrostática . A Química apresentou as bases de seu futuro desenvolvimento. As ciências naturais e biológicas se renovaram com as descobertas referentes à circulação do sangue e à reprodução. Importantes inventos encarregaram-se, então, de trazer este intenso desenvolvimento teórico para o nível das soluções práticas. São desta época a máquina pneumática, a mannita de Papin e Newcomen - precursora da propulsão a vapor, as tábuas de mortalidade de HaIJey, o higrômetro e o tennômetro graduado ao zero absoluto de Montons. Dentro deste quadro de tão significativas conquistas no campo das ciências, foi natural o progresso experimentado pelas pesquisas e ensaios voltados para o objetivo de dominar os ares . tt6


3, Realizações No decorrer dos anos, ao longo dos séculos, muitos homens viveram fascinados pelo desafio do espaço. Encorajados pelo progresso das Ciências, empreenderam obstinadamente experiências e pesquisas que, se não alcançaram resultados imediatos, foram legadas ao exame de seus sucessores. Essas contribuições, tão diversas em qualidade e importância, mas tão intensamente vividas por seus idealizadores, abriram gradativamente Q caminho que levou à conquista definitiva do espaço aéreo . Assim . ainda no início do século XVIII, vamos encontrar Jean-François Boyvin de Bannetot, Marquês de Bacqueville, a construir uma máquina voadora que consistia em quatro grandes superfícies sustentadoras, fixadas a seus pés e suas mãos, com as quais, por movimentos alternativos, ele se lançaria ao espaço. Assim teria feito, em certo dia de 1742, lançando-se de seu hotel, no cais de Theátins (hoje VoItaire), diante de uma apreciável multidão. O apa· relha manteve·se no ar por cerca de 200 metros, indo por fim cho· ear-se contra uma embarcação ancorada no Rio Sena . Triste foi o fi m de Bacqueville que, ridicularizado pelo seu fracasso, tornou-se um misantropo, acabando por perecer vítima de um incêndio, no qual também se perderam todos os seus planos . Lembra·nos Edmond Petit a frase do Ministro do Exterior de Luiz XV: "Portanto os artilheiros aprenderão a atirar em vôo . Será necessário criar um novo cargo de Secretário de Estado para Força

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Fig . 27 -

o

Marquis de Bacqueville, 1742 .

117


Aérea", dita quando analisava uma maquete de um pequeno helic6p ~ tero, desenhado por Michel LOIDG.tlOSOV, da Rússia, em 1750 . No campo da literatura, as contribuições são várias: A Arte de Navegar pelos Ares, Recreio Físico e Geométrico, de autoria do Pa~ dre Gallieo (1755); O Filósofo sem Pretensão, de La Follie ( 1755); A Descoberta Austral por um Homem Voador, de Rustif de La Bretoooe (1 78 1), e O Cabriolé Voador, de Esteodoux . A época, no entanto, não se mostrava de todo receptiva a tantas inovações. A possibilidade de locomoção pelo espaço não era enca~ rada como uma possibilidade concreta. Edmond Petit revela que, nessa ocasião, Ha literatura crê no vôo e o acredita iminente". A Academia, não. Lalande declarou, em 1782, ser impossível "em todos os sentidos, que um homem possa se elevar ou mesmo se su~' tentar nos ares". Realizações, no entanto, continuam a aparecer. A máquina mais extraordinária, cita Edmond Petit, é o Veículo Celeste do alemão Melchior Bauer (1764), descrita com detalhes em oito páginas de jornal. Os irmãos MontgoJfier, Joseph e f. tienne, nascidos na França, respectivamente em 1740 e 1745, utilizando inicialmente o ar quen~ te, como o fizera Bartolomeu de Gusmão, realizaram suas primeiras experiências a 4 de junho de 1783. A 21 de novembro do mesmo ano, Pilâtre de Rozier e o Marquês de Arlandes alçaram-se ao espaço, 00 balão dos Montgolfier. Em 1781 , Henry Cavendish~ físico e químico inglês, descobriu o hidrogênio, um elemento mais leve que o ar, importante para o posterior desenvolvimento da aerostação, em substituição ao ar aquecido. Assim, enquanto Pilâtre de Rozier e D'Arlandes mantiveramse no espaço à custa de um grande esforço para manter o ar aquecido, S. A. C. Charles, acompanhado por Nicolas-Louis Robert, mantiveram-se, conforta.velmente, em vôo, provando a supremacia do hidrogênio, cuja utilização s6 foi abandonada em 1937 , depois do acidente com o Hindenburg, ex:n Lakehurst. Nova Jersey. O pára-quedas é idealizado em 1783 por Leuis Sebastiao Lenormando O primeiro heticóptero que realmente voou, apresentado à Aca· demia de Ciências em 28 de abril de 1784, foi construído com duas hélices nas extremidades de um eixo, as quais giravam em sentido contrário, sob a ação de um arco projetado em forma de baleia. Infelizmente, o projeto não teve seqüência, e o modelo destinado a transportar um homem nunca foi construído. Muitos, a partir dos Montgolfier, dedicaram-se ao estudo dos balões, o que veio certamente diminuir O ritmo de pesquisa para a construção do mais pesado que o ar. 118


Fig. 28 -

Experiência da nave voadora de 81auchard (1784).

119


De qualquer forma, tentativas como a da "embarcação voado· ra" de Blauchard deram oportunidade a que fossem realizados expe· riências com aparelhos · que empregassem hélices, as quais mostra· vam ser um çlemento essencial para a propulsão do mais pesado queoar .

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Fig. 29 -

Andrl-Iacques Gamerin (Gravura de 1198).


Ao fim do século XVIII, é de se destacar a primeira experiência de André-Jacques Garnerin, que, em 22 de outubro de 1792, no Parque Monceau, elevou-se COm um balão. No século XIX, o homem continua tentando desvendar os segredos do vôo, insistindo ainda em adaptar asas ao corpo humano . ~'tuitos. porém, já se empenham, na construção de aparelhos ou má' quinas que, convenientemente propulsados, pudessem alçar-se ao espaço. Tudo se faz para que se congreguem dois elementos: um de propulsão, outro de sustentação; todavia, faltava ainda, para a propulsão, o desenvolvimento de um motor adequado, donde a insistência de alguns no método de batimento das asas. Foi o caso do General Resnier de Goué, que ensaiou um aparelho com o qual se preocupara desde 1788: tratava-se de um colete ao qual estariam fixadas asas articuladas. Das alturas de Angoulême, ele se lançou e conseguiu atingir um ponto 60 metros adiante, onde pousou. Renovando a experiência mais tarde, quebrou uma perna. Outros atrevidos voadores continuaram suas experiências j dentres eles, destaca-se o· suíço Jacob Degen, que construiu um aparelho composto de duas asas, cada uma dotada de 3.500 válvulas, reforçado por cordoalha. Degen utilizava contrapesos ou balões para contrabalançarem seus esforços de "elevar-se no espaço. Em 5 de outubro de 1812, a multidão destruiu esse aparelho, porque apresentava dificuldades de funcionamento. Na mesma época, um alfaiate da cidade alemã de UIm, com asas semelhantes às do suíço, saltando das muralhas de sua cidade, fracassou em sua tentativa, terminando seu vôo nas águas do Da' núbio. Sir George Cayley, precursor da aviação da Inglaterra, "o inventor do aeroplano", no dizer dos ingleses, fez uma extraordinária descrição de um helicóptero, em 1809: "Asas em diedro, para assegurar o equilfbrio lateral; um governador-leme de profundidade, para permitir a condução no plano horizontal, e a presença necessária de órgãos de moto-propulsão movidos por hélice". Ao estudar o vôo do helicóptero descrito por Launay Bienvenn, Sir George Cayley interessou-se pelo vôo do mais pesado que o ar. Sem dúvida, sua participação nos estudos sobre aviação foi marcante. Sua contribuição mais original [oi compreender que a [orça do homem não seria jamais capaz de fazer decolar uma máquina voadora, nem de manter o vôo. Ao mesmo tempo, afirmou que a solução não deveria ser encontrada pelo caminho das asas com batimento. Vislumbrava ele a asa fixa e procurava um motor a vapor, uma máquina a gás, ou seja, um motor a explosão. Idealizou então, um veículo aéreo composto de quatro hélices sustentadoras, agrupat21


Fig. 30 -

O "veiculo aéreo" de Cayley ( /843).

das duas a duas; duas hélices propulsoras, situadas na parte traseira; um governador de profundidade na cauda e um governador de dire· ção superelevado. Para a decolagem, a rotação das quatro hélices propulsoras entrava em ação, enquanto que as pás sustentadoras se afastavam para constituir a superfície portante. Sua vida foi dedicada a pesquisas incessantes no campo da Ae· ronáutica, destacando--se não só por sua busca contínua de soluções teóricas, como também por suas realizações práticas, só lhe faltando um motor capaz de permitir o passo decisivo: voar . Aprofundou·se no estudo das questões de aerodinâmica, aplicadas ao mais pesado que o ar, chegando à essência da questão: estabelecer um plano su· perficial de um peso dado, animado por uma força capaz de vencer a resistência do ar. Deixando de lado a hélice, houve aqueles que imaginaram propelir seus aparelhos pela aplicação do princípio da reação, como um certo inventor alemão desconhecido, que teve a idéia de empregar o algodão--pólvora como elemento para obter o empuxo . A revista Leipziger Illustriert, de 30 de janeiro de 1847, apresenta a idéia. 122


A partir do momento em que o homem conseguiu deixar o solo, por meio de balões, ou descer suavemente, por meio de pára-quedas, nunca mais perdeu de vista a tentativa de se alçar na atmosfera_ Procurou, então, outro meio, que não o da imitação do vôo dos pássaros - procurou a leveza, o mais leve que o ar, buscando associar os planos horizontais, os equipamentos de direção e o elemento propulsar. As idéias convergiram, então, para a procura da aplicação continuada do gás, num balão de forma alongada, com vistas à sua possível dirigibilidade, a ser alcançada por meio do uso extensivo e intensivo da hélice . Já no início da segunda metade do século XIX, o engenheiro francês Henri Gifard propõe uma patente intitulada Aplicação do Vapor na Locomoção Aérea. Ele foi certamente o primeiro a construir um verdadeiro dirigível. Edmond Petit relata que: "ontem, sexta-feira, 24 de setembro de 1852, escreve Emile Girardin em La Presse: um homem partiu imperturbavelmente sentado no tênder de uma máquina a vapor, elevado por um balão tendo a forma de uma imensa baleia, navio aéreo, dotado de um mastro, servindo de quilha e de uma vela, tomando lugar de um grande len;ze" . Em 1852, foi fundada a Sociedade Aerostática e Meteorológica da França. Diz a Enciclopédia Britânica que "Felix Nadar deve ser apontado por dois eventos: 1 - fez a primeira fotografia aérea de bordo de um balão cativo em 1858 e, com sucesso, muitas fotografias a~­ reas (1863), a partir de um grande balão, O Le Géant, equipado com {Im completo laboratório fotográfico; 2 - organizou o BalIon Poste (Correio de Balão) que transportou passageiros e correio para fora de Paris. durante o sítio de 1870" . Durante a Guerra Civil Americ,!na, foram empregados balões de observação por ambos os participantes. Em certa ocasião, uma ccmunicação telegráfica foi estabelecida entre a Casa Branca e um balão. A experiência desta utilização de balões seria, a seguir, de utilidade para o Brasil, na Guerra do Paraguai .

123


CAPITULO 2

OS BALOES NA GUERRA DO PARAGUAI (1867)

I . Preliminares

Guerra do Paraguai, palco do primeiro emprego militar de balões de observação na América do Sul, é um referencial im· portante na vida de dois pioneiros brasileiros: Júlio César Ribeiro de Sousa e Augusto Severo de Albuquerque Maranhão . O primeiro participou da Guerra do Paraguai como voluntário, muito antes de se interessar pela aerostação; o último veio ao mundo no ano mesmo do início das hostilidades (1864). Ambos deixaram significativas contribuições à dirigibilidade dos balões, incorporando-lhes um grau de operacionalidade que certamente não possuíam por ocasião daquele conflito . Nem por isso, entretanto, deixavam aqueles aer6statos de representar a introdução de um componente aéreo, ainda que limitado à observação, num teatro de operações eminentemente terrestre e naval. Sem qualquer capacidade ofensiva, o emprego dos balõcs de observação na Guerra do Paraguai foi uma surpresa tecnológica quc redundou na ascensão dos primeiros militares brasileiros em missões aeronáuticas e representou o ponto de referência mais recuado e rudimentar da aviação de reconhecimento brasileira .

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2 . A Decisão A iniciativa de emprego dos balões Coi exigência da grande manobra estratégica de envolvimento concebida e depois executada por 124


Caxias, durante o período que vai de junho a setembro de 1867. Para levá-la a termo, necessitava ele de informações contínuas e atualizadas da ordem de batalha inimiga, durante os preparativos e o desenrolar dos combates. A manobra que planejara incluía amplo desdobramento de flanco por leste, através de região considerada inexpugnável pelos defensores. Daí a grande surpresa destes ao se verem envolvidos e fustigados também pela retaguarda, sem alternati va de res istência prolongada. Por que decidiu Caxias empregar balões de observação? Quando e em que cenário estratégico concretizou-se essa decisão? Teriam os balões de observação contribuído de alguma forma para o êxito das operações? Foi sempre preocupação dos chefes militares enriquecer o processo deci sório com o máximo de informações, reduzindo ao mínimo a influência de fatores imprevisíveis na tomada de decisões. Des te modo, na guerra de superfície, a busca de posições dominantes, quando assim o permite a topografia; as patrulhas avançadas de esclarecimento naval e reconhecimento terrestre, para determinação de posições inimigas; os espiões infiltrados nas hostes contrárias etc, são alguns dos artifícios secularmente utilizados para suprir de informações adequadas o encarregado do comando. Quando um avanço tecnológico como os aeróstatos pôs em mãos dos homens possibilidades de acesso à terceira dimensão, nada mais natural que a especulação sobre a multiplicidade de emprego do novo engenho. inclusive no campo militar, como já previra Bartolomeu de Gusmão. em sua petição de privilégio a D. João V . Natural, portanto, a intuição de Caxias. Na expectativa de planejar e executar uma ofensiva de grande porte, vislumbrou nos balões de observ~ção poderoso instrumento na busca de informações; assim sendo, não hes itou em tomar a decisão de empregá-los. Insistimos na intuição como elemento deflagrador da decisão, porque esta foi tomada diante de um quadro teórico do conflito. antes de Caxias ter tido contato com a reali dade do teatro de operações, antes mesmo de deixar o Rio de Janeiro, para seguir destino. Um cotejo de datas extraídas de documentos oficiais revela que Caxias realmente solicitou a aquisição de um balão de observação antes de deixar a capital . Assim, comparem-se: a nomeação do Marquês para .Comandante em Chefe das forças brasileiras ( 10 de ou t. de 1866); a ordem do Ministro da Guerra para a construção de um aeróstato no Arsenal de Guerra (21 de out. de 1866); a autorização da despesa para a empreitada (22 de ou!. de 1866) e a partida do Rio de Janeiro (29 de ou!. de 1866). Embora tomada em contexto teórico, a decisão revelo u-se correta na prática, diante do cenário estratégico da guerra que então se desenrolava. 125


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URUGUAI

TR(PLlCE ALIANÇA

Fig. 31 -

126

Ofensiva paraguaia (1864 -

1865).


A ofensiva paraguaia de 1864/ 1865, cruzando a fronteira e penetrando em território brasileiro e argentino, de há muito perdera seu ímpeto. No final de 1866, após sucessivos movimentos de retração, forçados pela pressão aliada, os paraguaios estavam novamente confinados em seu próprio território, tendo abandonado as terras invadidas. Já haviam então amargado as derrotas de Passo da Pátria, Estero Bellaco e Tuiuti (l•.a batalha). A ofensiva aliada prosseguiu na direção geral norte, pela margem direita do fio, até ser detida trinta quilômetros acima da confluência dos rios Paraguai e Paraná, ao se defrontar com as posições fortificadas de Curupaiti e Humaitá, estabilizando-se as frentes de combate. Caxias percebeu que a retomada da ofensiva exigiria completa reorganização das forças terrestres, o que implicaria na introdução de comunicações elétricas e na utilização de balões que facilitassem o exercício de comando. Só então poderia concentrar-se no cumprimento da missão fundamental das forças aliadas: conquistar Humaitá, abrindo o acesso das forças terrestres e navais ao interior do Paraguai, para em seguida destruir o poder militar inimigo. A manobra consistia em ultrapassar a posição defensiva paraguaia por leste e, em Tuiú-Cuê (onde a observação aérea foi de grande ajuda), aguardar o resultado dos reconhecimentos. A 22 de julho de 1867, Caxias inicia a marcha de flanco pelo sul de Estero Bellaco, atravessando o Estero Rojas em Tio Dolmingos, rumo a Tuiú-Cuê. Após 10 dias de marcha, tendo percorrido 40 quilômetros, através de esteras e pântanos, estava concluída a primei ra parte do movimento. Duas semanas depois, a 15 de agosto, a esquadra forçou a passagem de Curupaiti, ultrapassando-a para fundear em frente a Humaitá, entre os fogos desta fortaleza e os de Curupaiti, que lhe ficava atrás. A 20 de setembro, Caxias atinge Pilar e, a 2 de novembro, apossa-se de Tayi, barrando a navegação do rio Paraguai ao norte de Humaitá, entre esta fortaleza e Assunção, concluindo a 2. a fase do movimento. Este foi o quadro de progressão das forças de superfície durante o período de emprego dos balões de observação, cogitados para solucionar um dos problemas pendentes em frente estabilizada de defesa paraguaia. A topografia plana da região, com vegetação relativamente densa, capaz de ocultar fortificações e movimentos de tro· pas, além da existência de trechos pantanosos, constituía um trunfo para os paraguaios e um quebra·cabeças para os brasileiros, no que dizia respeito à obtenção de posições necessárias à elaboração dos planos de comando. Como resolver o problema? Caxias intuiu no emprego do balão a possibiÜdade de dispor de um posto privilegiado de observação, bem mais elevado que o topo dos toscos "mangrulhos" de 10 ou 15 metros de altura, tão utilizados por brasileiros e paraguaios. 127


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MM Fig. 32 - Operaçõcs em lorno de Humait6 (setembro de 1866 até iulho de 1 ~68) Emprego Operacional de Balões (24 de ;unho a 25 de setembro de 1867)

3 . A Aquisição dos Balões Tomada a decisão c feita a solicitação aos escalões superiores,

um primeiro balão foi encomendado e construído sob a orientação de Louis Desiré Doyen . Sua chegada ao teatro de operações deu-se em dezembro de 1866, mas ele nunca entrou em serviço, por erro do próprio aeronauta: deixando para realizar em Tuiuti a operação de envemizamento, sem levar em conta as condições de um idade

reinantes na região . Doyen acabou mandando dobrar e guardar o 128


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balão em local não ventilado durante dois dias, antes que o verniz tivesse secado completamente, o que redund ou na impossibilidade de sua utilização operacional . A decepção de Caxias foi grande, e a importância que dava ao em prego militar dos aeróstatos fica patente em trechos da carta que enviou ao Ministro da Guerra, Conselheiro João Lustosa da Cunha Paranaguá, comunicando o episódio . Em termos convincentes, trans129


critos pelo Brigadeiro Wanderley em artigo na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,Sl o grande estrategista alerta o Governo Imperial quanto à necessidade de dotar o exército brasileiro daquele engenho operacional . Ei-Ios, extraídos da carta datada de 28 de dezembro de 1866; uA presso-me em participar V. Exa. que o balão destinado aO reconhecimento das fortificações inimigas, quando estava quase pronto, e eu muito esperançado nas vantagens que teria com esse meio à minha disposição. .. ( .. . ) ( .. . ) por quanto reconheço o serviço importante que nos prestaria um tal auxílio para reconhecimento de terrenos cobertos de matas e lagoas fora do alcantte de observadores colocados em situações inteiramente planas." Diante do relato de Caxias e convencido das reais vantagens de utilizar uma surpresa tecnológica para desestabilizar uma frente estacionária, procurou o Ministério da Guerra o meio mais rápido de suprir o exército brasileiro com um balão de observação. Dado o recente emprego militar de balõcs durante a Guerra de Secessão, o Ministro dirigiu-se ao cônsul brasileiro em Nova Iorque, em despacho confidencial de 25 de janeiro de 1867, dando-lhe instruções para, com a maior urgência possível, mandar fabricar um balão de observação para emprego em campanha . Em conseqüência dessa decisão e de desdobramentos posteriores, além do Arquivo Nacional, do Arquivo Histórico do Ministério das Relações Exteriores e do Arquivo do Exército Brasileiro, também o Arquivo da Biblioteca do Congresso Americano passou a armazenar dados precisos sobre o empre' go de balões na Guerra do Paraguai. Isto porque a decisão de compra desencadeou uma série de atos que, além da aquisição de material em si, culminaram com a contratação de aeronautas americanos para operar o novo engenho e treinar tripulações brasileiras de observação . Recebida a missão, o cônsul Henrique Cavalcanti de Albuquerque procurou um dos aeronautas de maior renome nos Estados Unidos. o professor T . S . C. Lowe, Aeronauta-Chefe do Exército do Potomac na Guerra de Secess&o. Em seu artigo já mencionado (52), o Brigadeiro Wanderley publica a correspondência entre o professor Lowe e ex-auxiliares seus, propàndo-Ihes condições de trabalho a serviço do Exército Brasileiro"; publica também a correspondência entre o professor e o cônsul Cavalcanti de Albuquerque, dando-lhe conta dos contatos feitos e das respostas, já que pessoalmente não tinha condições de assumir os encargos propostos pelo diplomata brasileiro_ Ambas as cartas, traduzidas pelo autor, constam da coleção "Lowe's Papers", arquivada na Biblioteca do Congresso - Divisão de Aeronáutica. em Washington, e são abaixo transcritas: 130


"Nova York, 4 de Março de 1867, D. S. A/len, Esq. Caro Senhor:

Agora que fechei o meu estabelecimento de balões e me dediquei a outro ramo de negócio, o qual me impede de voltar à prática da aerostação, apresenta-se uma das melhores oportunidades que ;amais tive, para obter dinheiro, posição e reputação. Não podendo aceitar nenhuma proposta nesse ramo, escrevo-lhe para oferecer-lhe o que considero uma grande oportunidade. O Governo Brasileiro adotou, no seu exército, o meu sistema de aerostação e me oferece uma patente no seu exército regular, na arma de engenharia, $ 180 dólares em ouro por mês, com as despesas pagas, com possibilidade de promoção e, caso obtenha sucesso, uma remuneração - quantia a ser decidida pe!o Congresso; a mesma oferta é válida para qualquer aerona.uta que eu recom~ndar. Além disso, haverá, provavelmente, outras oportunidades de ganhar dinheiro e, se a família for levada, uma boa concessio de terras pode ser feita . No coniunto, considero uma excelente oportunidade, e se você deseiar desenvolver a parte de fotografia, tomando um assistente, poderá fazer, uma fortuna. Estou fornecendo algum equipamento, mas muito mais do que eles encomendaram será necessário e, daqui . para diante, você terá oportunidade de ganhar dinheiro no fornecimento, porque os meus neg6cios me impedem de fazer novos fornecimentos. O vapor parte para o Rio de Janeiro, c,apital do Brasil, no dia 22 do corrente mês; nele, o aeronauta e todo o equipamento poderão embarcar, com antecedência de alguns dias. Estando com pressa, escrevi a vários dos meus ex-auxiliares, mas esperarei um prazo razoável, antes de firmar com qualquer outro, O contrato será feito aqui e será assinado pelo ministro brasileiro que está para isso credenciado pelo seu Govemo, Se você resolver aceitar essa proposta, será necessário vir imediatamente para cá, telegrafando-me ao receber esta carta. Tenho um outro 'encontro marcado com as autoridades brasileiras, no meu apartamento, no 5th Avenue Hotel, na pr6xima sexta-feira (8 de março de 1867), a fim de decidir sobre o 131


assunto. Ao escrever ou tel'egrafar, mande o endereço de modo que uma resposta possa encontrá-lo. Sinceramente seu T. S. C. Lowe 5th Avenue Hotel New York

New York, 9 de março de 1867, Cavaleiro Cavalcanti de Albuquerque Encarregado de Negócios do Brasil Tendo investigado e considerado, de modo completo, o assunto do fornecimento dQs balões e material aero.náutico para O seu Governo, acho-me em condições de fazer a seguinte declaração: Lamentando não poder, devido a outros compromissos, aproveitar a oportunidade de, pessoalmente, introduzir o meu sistema de aerostação no Exército Brasileiro, considero que os abaixe recomendados, pela sua experiência de vários anos, sob a minha direção, no nosso Exército, terão competência para prestar bons serviços ao seu Governo. Sendo costume e absolutamente necessário ter cada aeronauta um assistente, para a manutenção em bom estado da maquinaria, recomendo o Sr. !ames Allen como aeronauta-chefe c o seu irm?ío Sr. E. S . Alien, como assistente. Como um desses senhores é um bom aeronauta e, no caso de acontecer alguma ceisa a um deles, o outro estaria disponível. Esses senhores sempre estiveram juntos e não se separarão. O primeiro deles aceitará o pagamento de capitão de engenharia, e o outro aceitará cem dólares ($ 100) por mês e despesas, enquanto os seus serviços forem necessários, Com relação ao equipamento, a situação é a seguinte: Tenho 'um balão novo, recém-completado, com todos os últimos melhoramentos necessários à sua operação, capaz de levar 10 pessoas, o qual pode ser entregue n.a próxima 2.(J-feira, pelo preço de $5.500. Um aparelho gerador completo pode ser obtido, para gerar o gás para encher o mesmo, por $2.500, o qual pode ser embalado e entregue no dia 18 ou 20 deste mês. A fim de garantir o sucesso, fora de dúvida, e de modo que o aeronauta possa operar sempre, havendo tempo favorável, con~idero absolutamente necessário haver um segundo balão, visto que um balão não pode ser operado continuamente, e que justamente na ocasião em que uma observação for mais desejada, o 132


balãc pode não estar disponível, a menos que o aeronauta possa acionar um segW1do. Mantive comigo, continuamente, quarro balões de tamanhos diferentes no exército do Potomac, e considerei essa uma solução econôm ica. Visto, porém, que o Sr. está autorizado a comprar somente úm balão, a fim de evitar qualquer atraso pela falta de um segundo balão, enviarei um balão extra, completo, com todas . as suas partes, de acordo com as condições mencionadas a seguir. Eu deveria ter acrescentado, antes, que ambos os senhores acima mencionados estão engajados em negócios e, se aceitarem a comissão na base por mim m encionada, serão obrigados asa· crificar os mesmos e O prazo que lhes é concedido é tão curto que eles não terão tempo para prover adequadamente suas fa· mUias, a menos que lhes seja dado um adiantamento de apro· ximadamente $ 1.000; considerando isso, declaro que, se ore· ferido adiantamento for feito, por exemplo S 500 para cada ae· ronaula, enviarei ao seu Governo, pelo mesmo valor, o segundo balão que poderá ser mantido como garantia colateral pelo pagamento do dinheiro adiantado e, no caso de seu Governo dese· jar ficar COm o segundo balão, poderá tornar·"Se proprietário do mesmo, mediante O pagamento de $ 2.000 adicionais. O adiantamento, contudo, não necessitará ser feito senão ap6s o embarque do balão e dos aeronautas; caso o Sr. desejar enviar tudo pelo próximo vapor, será necessária uma aceitação rápida do acima exposto; no caso de o Sr. declinar da proposta, seria grandemente apreciada uma resposta rápida. Respeitosamente T. S. C, Lowe Ex-Aeronauta-Che'e do Exército Norte·Americano".

Aceitas as condições propostas pelo professor T _ S. C. Lowe, concluíram-se rapidamente as negociações e, no dia 22 de março de 1867, a bordo do navio Merrimac, balões, equipamentos e aeronautas - os irmãos James e Ezra AlIen - partiram de Nova York com destino ao Rio de Janeiro, decorridos portanto menos de dois meses entre a ordem do Ministro da Guerra e a concretização de seus efeitos. Mas o que seria uma viagem tranqüila na origem, redundou em alguns problemas no destino final. Feito o transbordo no Rio de Janeiro para o navio Leopoldina, a fim de completar a viagem até Montevidéu e daí entrar pelo estuário do Prata e subir o rio Paraguai para atingir o teatro de operações, ocorreram a bordo casos de cólera, sen· do o navio desviado para a Ilha de Homos, onde permanece~ em qua· rentena, a partir de 11 de maio de 1867. t33


Para contornar este fato inesperado, intervieram autoridades brasileiras de apoio ao exército na capital uruguaia; foi fretado pela marinha brasileira o navio Oriental Cerro, que completou a terceira etapa da viagem entre Hornos e Tuiuti, onde chegaram, a 31 de maio de 1867.1 aeronautas, balõcs e equipamentos. A ansiedade de Caxias para empregar o novo meio posto à sua disposição revelou-se na carta enviada ao Ministro da Guerra, em 1 de junho de 1867, um dia ap6s a chegada dos balões, onde declara: " . .. quero ver se, nestes três dias, faço com esse auxílio um reconhecimento sobre as fortificações do inimigo, que estão ocultas entre as matas que bordam o rio Paraguai." 4 . A Operacionalidade dos Balões Como todo .equipamento de emprego, a operacionalidade dos balões era condicionada a três fatores básicos: pessoal qualificado, suprimento e manutenção adequados . Pessoal com qualificação só havia os aeronautas contratados, com pleno conhecimento das possibilidades e limitações do equipamenta. Mas, para concretizar uma ascensão, havia necessidade de todo um suporte no solo, envolvendo de trinta a cinqüenta homens, responsáveis pela sustentação das cordas de amarração, pelas manobras de subida e descida do balão e pelo deslocamento do mesmo, seja no plano vertical. durante a ascensão, seja no horizontal , durante as mudanças de posição para pontos mais convenientes de observação. Estes homens precisavam ser treinados, como realmente o foram, adiando o primeiro emprego dos balões para muito além dos três dias após a chegada, como queria Caxias. Na realidade, a causa maior de terem decorrido mais de vinte dias entre a chegada dos balões e a primeira ascensão não pode ser imputada simplesmente à familiarização do pessoal com o novo equipamento, e sim a sérias falhas no apoio logístico, principalmente quanto ao suprimento de hidrogênio. Este gás, cujo fluxo de suprimento deveria ser contínuo, foi o grande entrave à plena operacionalidade dos balões, pelas seguintes razões: - falta, em níveis adequados, de ·insumos para fabricação (ácido sulfúrico e limalha de ferro, decorrente de usinagem de peças virgens), que deveriam ter sido embarcados no Rio de Janeiro, junto com os balões; - utilização de insumos alternativos e de pior qualidade, no caso de limalha (sucata de ferro, pregos e peças com alto índice de oxidação, etc). dificultando a reação química e o ritmo de produção; - níveis de estoque insuficientes para assegurar o ressuprimenta. já que o balão ou lentamente se esvaziava pela própria per· meabilidade do invólucro, ou era propositadamente esvaziado por imposições meteorológicas (ventos fortes, provocando arrebentamen134


to das cordas de sustentação e danos irreparáveis no invólucro) a fim de evitar a sua perda. Para se ter iqéia .das dificuldades acima, basta citar que os irmãos Allen, para a primeira ascensão, ainda utilizaram ácido e sucata (não limalha) de ferro, deixados pelo francês Doyen em Passo da Pátria. A insuficiência de suprimento foi constante ao longo de todo o período de emprego, condicionando, assim, a utilização apenas do balão de menor cubagem. Caxias empenhava-se pessoalmente no sentido de melhorar o fluxo de suprimento, e o conseguiu durante certo tempo, por meio de insistentes apelos dirigidos ao Ministro da Guerra, como este abaixo transcrito: "Depois de ter escrito a V . Exa. a 10 do corrente, chegaram o faguaribe e o Leopoldina, conduzindo tropa, e alguns objetos de fardamento para o Exército; mas o general Aguiar ou o Arsenal de Guerra da Corte, esqueceu-se de me mandar a limalha de ferro, que é indispensável para a ascensão dos balões,' e o americam;, fames Allen, que deles veio encarregado, diz serem-lhes precisas nada menos que dez mil libras da dita limalha, para preparar o gás necessário. Veja V. Exa. como hei-de eu poder nestas alturas e em vésperas de marcha, satisfazer esta exigência! O pior é ver-me em tal aspecto, quando justamente me poderiam os balões ser mais úteIs; para os freqüentes reconhecimentos, que são indispensáveis, do terreno por onde vou marchar, que muito se presta a ocultar qualquer força, que possa o inimigo fazer passar para retaguarda da minha, quando com ela eu tomar a direção de S . Solano." (Arquivo Nacional Coleção Caxias).

Pouco tempo depois, entretanto, a situação se agravou e medidas de emergência foram tomadas, utilizando-se outr9s insumos, como o zinco, por exemplo, com todos os inconvenientes de uma reação com presença de arsênico, que a~acava o invólucro. Em vista da dificuldade de se obterem os insumos, até os aros velhos de ferro que envolviam os blocos de feno da cavalhada foram utilizados. A servidão logística impôs naturalmente restrições operacionais. impedindo b enchimento do balão maior de 3.700 pés cúbicos e 12 metros de diâmetro, e restringindo a pr6pria operação do menor, de 1 . 700 pés cúbicos e 8.5 metros de diâmetro. 5. As Ascensões e Suas Repercussões Apesar de todos esses problemas, vinte ascensões foram reali· zadas. doze das quais na fase prep~at6ria da ofensiva concebida 135


por Caxias, com grande aporte de informações sobre as fortificações inimigas e as condições do terreno na direção de marcha. Ademais, inúmeros .oficiais brasileiros foram engajados nas sucessivas missões, transformando-se nos primeiros militares a cumprirem missões aeronáuticas, como observadores. A missão, si-, consistia em se adaptar à posição elevada de um posto de observação, orientando os operadores no sentido de deslocar o balão, nos dois planos, para posições mais favoráveis de observ~ção . Como plataforma, o balão necessitava de um certo grau de estabilidade, assegurada por três grossas cordas de amarração, cujo papel era diminuir 8S oscilações causadas pelo vento. Com isto, o balão poderia elevar-se a uma altitude pouco superior a 300 metros . Por meio de mensagens lastradas, por seináfora e até por telegrafia com fio (esta sem registro oficial de emprego), os aeronautas se comunicavam com o pessoal de terra. A primeira ~sccnsão só se concretiwu em 24 de junho de 1867, e a última em 25 de setembro do mesmo ano, de acordo com o principal documento de referêncitl, o relatório enviado ao Ministro da Gu::rra pelo aeronauta James AUen . Datado de 31 de dezembro de 1867, 8 partir da 15.- ascensão, o registro deixa dúvidas quanto ao número exato de missões cumpridas, já que no mesmo dia refere-se a "ascensões", sem especificar quantas . Nos três meses de operacionalidade, O balão foi empregado antes e durante o desenrolar da manobra de flanco. No dia 22 de julho de 1867, ao ténnino da primeira jornada da ofensiva, o balão cumpria as suas 13.- e 14.- ascensões. Durante a progressão, cumpriu mais seis missões, com períodos de desativação, seja por falta de insumos para fabricação do hidrogênio, seja por problemas de manutenção, ou ainda por condicionamentos meteorológicos e riscos de explosão por in~luência de fatores externos (queimadas, por exemplo). As ascensões levadas a efeito em Tuiú-Cuê foram de grande importância, porque revelaram as fortificações e posições inimigas . A vigésima e última concretizou-se no flanco direito das posições aliadas, a 5 quilômetros de Tuiú-Cuê e próximo às posições fortificadas de Humaitá . . Embora vários militares brasileiros tivessem participado das ascensões, somente os abaixo relacionados tiveram participação devidamente comprovada em registros oficiais: Major de Estado-Maior Francisco César da Silva Amaral, 1.° Tenente Manuel Peixoto Cursino do Amarante, Capitno de Engenheiros Conrado Jacob de Niemeyer e Capitão Antônio de Sena Madureira. Coube ao Major Francisco César da Silva Amaral ser o primeiro oficial brasilei ro·a desempenhar atividades aeronáuticas e, ao mesmo tempo, registrar o maior número de ascensões, participando de 10 missões .

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A ascensão de 25 de setembro de 1867 encerrou o ciclo operacional dos balões de observação na Guerra do Paraguai, os quais foram desativados definitivamente e conduzidos para o acampamento de Tuiuti. No dia 7 de setembro de 1867, os irmãos AlIen recebem ordens de deixar o teatro de operações e, juntamente com os balõ~s, embarcam no vapor Alice. COm destino ao Rio de Janeiro. Contribuíram os balões de observação para o êxito das operações? Diríamos que sim. na sua tríplice condição de surpresa tecnológica, que se impõe como fator de inibição do inimigo, pelo menos enquanto não se encontra a defesa adequada; de plataforma privilegiada de observação, que levou para os planos de combate informações muito mais rápidas e precisas do que as conseguidas nos contatos e superfície; de instrumento de modernização da estratégia, com a introdução de um componente agindo na terceira dimensão, ainda que de forma rudimentar, mas com reflexos na futura formação de recursos humanos e na previsão de novos equipamentos militares, 6. Documentos Os principais documentos relacionados à utilização dos balões de observação na Guerra do Paraguai são: 1 - Carta do Sr. Amaral ao Diretor do Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro, contendo a ordem do Ministro da Guerra para a construção de aeróstato Doyen - 21 de outubro de 1866 . (Arquivo do Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro) . 2 - Carta do Ministro da Guerra autorizando a despesa de seis contos de réis para serem aplicados na construção do balão aerostático - 22" de ·outubro de 1866 . (Arquivo do Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro) . 3 - Carta do Comando Militar do Pessoal e Material do Brasil, em Montevidéu, comunicando a passagem por lá do francês Desiré Doyen, fabricante do aeróstato - 30 de novembfQ de 1866. (Arquivo Nacional - Documentos sobre a Guerra do Paraguai - Volume 10 - 1865 - folha 187). 4 - Carta do aeronauta Doyen ao Marquês de Caxias, em Tuiuti, comunicando que o seu balão tinha ficado inutilizado, antes de ser usado - 26 de dezembro de 1866. (Arquivo Nacional - Documentos sobre a Guerra do Paraguai - Volume 10 - 1866 - folhas 217 e 218). 5 - Relatório apresentado ao Marquês de Caxias pelo 1,° Tenente Antônio José Maria Pêgo Júnior. sobre o ocorrido com o balão do francês Doyen - 27 de dezembro de 1866 . (Arquivo Na,cional - Documentos sobre a Guerra do Paraguai - Volume 10 - 1866 - folhas 215 e 216). 6 - Relatório apresentado ao Marquês de Caxias pelo Major137


Engenheiro Gabriel Militão de Villanova Machado, sobre o ocorrido com o balão do francês Doyen - 27 de dezembro de 1866 . (Arquivo Nacional - Documentos sobre a Guerra do Paraguai - Volume lO - folhas 213 e 214) . 7 - Comunicação do ocorrido com O balão Doyen, feita pelo Marquês de Caxias ~ao Ministro da Guerra, Conselheiro João Luslosa da Cunba Paranaguá - 28 de dezembro de 1866. (A rquivo Nacional - Documentos sobre a Guerra do Paraguai - Volume lO - folha 212). 8 - Carta do Marquês de Caxias ao Ministro da Guerra, na qual é cogitada a possibilidade da construção de outros balões pelo mesmo francês Doyen - 13 de fevereiro de 1867. (Arquivo Nacional - "Coleção Caxias"). 9 - Carta do Professor T. S. Low.e, de Nova York, aos irmãos aeronautas James e Ezra AlIen, convidando-os para trabalhar junto ao Exército Brasileiro, na Guerra do Paraguai - 4 de março de 1867 - uLowc's Papers". (Biblioteca do Congresso Norte-Americano - Divisão de Aeronáutica - Washington D. C.). 10 - Carta do Professor Lowe ao Encarregado de Negócios do Brasil em Nova York, Cônsul Henrique Cavalcanti de Albuquerque, recusando a oferta de ser contratado pelo Governo Imperial do Br a~ sil, indicando os aeronautas James c Ezra AUen para irem para a Guerra do Paraguai e propondo a compra de balões de sua propriedade - 9 de março de 1867 - "Lowe:s Papers". (Biblioteca do Congresso Norte-Americano - Divisão de Aeronáutica - Washington D . C.) . 11 - Relat6rio Confidencial n.o 1. do Cônsul Henrique Cavalcanti de Albuquerque, sobre a transação financeira da compra, em Nova York, do balão de observação - 15 de março de 1867. (Arquivo Histótico - Ministério das Relações Exteriores) . 12 - Relat6rio Confidencial n.o 2, do Cônsul Henrique Cavalpanti de Albuquerque, sobre as providências relacionadas com a compra do balão de observação e a contratação dos aeronautas - 21 de março de 1867. (Arquivo Hist6rico - Ministério das Relações Exteriores). 13 - Carta do Marquês de Caxias ao Ministro da Guerra, expondo a sua idéia de manobra para a Marcha de Flanco e dizendo que tinha tomado conhecimento da próxima vinda dos balões adquiri dos em Nova York - 10 de abril de 1867. (Arquivo Nacional - "Coleção Caxias"). 14 - Carta ao Ministro da Guerra, do Brigadeiro Antônio Nunes de Aguiar, Comandante Militar do Pessoal e Material do Exército do Bras il , em Montevidéu, acusando a chegada dos dois balões naquela cidade. pelo vapor Leopoldina, a 11 de maio de 1867, e o 138


seu transbordo para o vapor Oriental Cerro, que subiu os rios da Prata e Paraguai. cQm destino ao teatro de operações - 14 de maio de 1867. (Arquivo Nacional - Documentos sobre a Guerra do Paraguai - Volume 11 - página 216). 15 - Carta do Marquês de Caxias ao Ministro da Guerra, acusando a chegada dos dois aeronautas James e Ezra Allen e dos dois balões, em Tuiuti, a 31 de maio de 1867 - 1 de junho de 1867 . (Arquivo Nacional - " Coleção Caxias") . 16 - Carta do Marquês ce Caxias ao Ministro da Guerra, comunicando que o General Aguiar, em Montevidéu, ou O Arsenal de Guerra na Corte, tinha deixado de mandar a limalha de ferro indispensável à fabricação de hidrogênio para enchimento dos balões, e fazendo ver a falta que faziam os reconhecimentos aéreos por meio do balão - 28 de junho de 1867. (Arquivo Nacional - " Coleção Caxias"). 17 - Relato do jornalista Manuel A. de Matos, sobre os baIões de observação e os aeronautas AlIen, publicado no jornal La Esperanza, da cidade argentina de Corrientes - 14 de julho de 1867 - " James Allen's Scrapbook", (Biblioteca do Congresso Norte-Americano - Divisão de Aero· náutica - Washington D. C.). 18 - Carta do aeronauta Ezra AlIen ao Professor T . S. Lowe, escrita do teatro de operações, relatando as dificuldades materiais para a fabricação do hidrogênio para os balões - 14 de julho de 1867 - "Lowe's Papers" . ( Biblio ~eca do Congresso Norte-Americano Di visão de Aeronáutica - Washington D. C.). 19 - Relatório dos Aeronautas AlIen, durante a sua estada no Exército aliado, copiado dos seus assentamentos diários - 31 de dezembro de 1867. (Arquivo Nacional - Documentos sobre a Gúerra do Paraguai - Volume 12 - 1867 - folhas 13 e 20). 20 - Memorial apresentado pelo Aeronauta James AUen ao Ministro da Guerra - 7 de janeiro de 1868. (A rquivo Nacional - Documentos sobre a Guerra do Paraguai - Volume 12 - [olhas \O a 12). 21 - Carta do Marquês de Caxias ao Ministro da Guerra, sobre a questão da gratificação em dinheiro, solicitada pelos aeronautas AlIen, antes do regresso para o seu país - 16 de janeiro de 1868 e 14 de fevereiro de 1868 . (Arquivo Nacional - "Coleção Caxias"). 22 - Diário do Exército em operações sob o comando do Marquês de Caxias . 139


(Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro - Tomo 91 - Volume 145 - 1922). 23 - "Documents relating to the first military baIloon corps organized in Soulh Amcrica: The Aeronautical Corps of the Brazilian Army, 1867-186.8 " . (The Hispanic American Historical Review - VaI 19 - setembro de 1939 - Duke University Press - Durham, North Carolina, USA). 24 - Artigo publicado sobre a família de aeronautas AUen, em 2 1 de outubro de 1951, no Providence Sunday Joumal, intitulado: "From the oneman balloon to the 'Glory of the Sk.ies' " por Rober! L. Wheeler . 25 - "James Allen" - The National Cyc10pedia of American Biography - New York - 1907 - Vol. IV . 7 " Cronologia SEQO~NCIA

DAS DATAS. RELACIONADAS COM OS BALOES DE OBSERVAÇÃO

10 de outubro de 1866 - Decreto do Governo, nomeando O Marquês de Caxias Comandante-em-Chefe das forças brasileiras, na Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai " 21 de outubro de 1866 - Ordem do Ministro da Guerra para fabricar o balão do francês Doyen, no Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro" 22 de outubro de 1866 - Abertura do crédito de seis contos de réis, para a fabricação do balão Doyen. 29 de outubro de 1866 - Partida do Marquês de Caxias do Rio de Janeiro, no Vapor Arinos, com destino ao teatro de operações " 19 de novembro de 1866 - O Marquês de Caxias assume, em Tuiuti, o Comando das Forças Brasileiras" 30 de novembro de 1866 - Passagem do aeronauta" Doyen, por Montevidéu, rumo ao teatro de operações" 23 de dezembro de 1866 - Fica inutilizado o baião de Doyen, antes de ser experimentado" 25 de janeiro de 1867 - Despacho Confidencial do Ministro da Guerra ao Encarregado dos Negócios do Brasil em Nova York, contendo a ordem de encomendar, com urgência, a fabricação de um balão" 4 de março de 1867 - O Professor T. S. Lowe, de Nova York, escreve aos innãos aeronautas James e Ezra AlIen, convidando-os para irem trabalhar junto ao Exército Brasileiro, na Guerra do Paraguai " 140


9 de março de 1867 -

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O Professor Lowe escreve ao Encarrega. do dos Negócios do Brasil em Nova York, indicando os aero· nautas James e Ezra AlIen para irem para a Guerra do Pa· raguai e propondo a venda de balões de sua propriedade, de março de 1867 - Partida de Nova York no vapor Merrimac, conduzindo para o Rio de laneiro dois balões e os aeronau· tas James e Ezra AlIen . de maio de 1867 - Chegada a Montevidéu do vapor Leopoldina, conduzindo os balões e os aeronautas norte·americanos, de maio de 1867 - Chegada a Tuiuti dos balões de observação e dos aeronautas James e Ezra AlIen, de junho de 1867 - Primeira ascensão do balão, na frente esta· bilizada dos aliados. de julho de 1867 - Esvaziamento temporário do balão, devido às fortes ventanias de inverno. de julho de 1867 - 2.::' e 3,::' ascensões do balão de observação. a 11 de julho de 1867 - O balão não pôde ser utilizado devido a fortes ventanias e ao mau tempo, de julho de 1867 - 4.", 5.', 6.' e 7." ascensões do balão de ob· servação, em diversos pontos do "front". de julho de 1867 - 8.' e 9." ascensões do balão de observação. a 19 de julho de 1867 - Fortes ventanias impediram a utili· zação do balão . . de julho de 1867 - 10.- e 11,- ascensões do balão de observa· ção. de julho de 1867 - 12,- ascensão, realizada na véspera do iní· cio da "Marcha de Flanco", de julho de 1867 - 13.- a 14.- ascensões, ambas realizadas no fim de jornada do primeiro dia da "Marcha de Flanco", na região da vanguarda , de julho de 1867 - O balão teve de ser esvaziado, devido ao risco de incêndio e explosão, decorrente das queimadas em áreas vizinhas. de julho de 1867 - Devido à falta de ácido e limalha de ferro, foi dada ordem para o balão se recolher a Tuiuti. de agosto .de 1867 - Chegada a Tuiuti de ácido sulfúrico e grande quantidade de. zinco. de agosto de 1867 - Ordem para que o balão fosse deslocado para Tuiú·Cuê, onde se achava o Quartel·General de Caxias, de agosto de 1867 - Deslocamento do balão, cheio, de Tuiuti para Tuiú·Cuê, numa distância de mais de vinte quilômetros, de agosto de. 1867 - 15.- ascensão, na região de Tuiú·Cuê . de agosto de 1867 - 16 .. e 17.a ascensões do balão de observaçã'o em Tuiú·Cuê. 141


17 de agosto de 1867 -

18,a e 19,- ascensões do balão, a oeste de

Tuiú-Cuê. 21 de agosto de 1867 - O balão de observação é esvaziado e levado para Tuiuti, por ter perdido muito gás e força ascensional. 16 de setembro de )867 - Ordem para encher o balão de observação. 24 de setembro de 1867 - Deslocamento do balão para Tuiú-Cuê, 25 de setembro de 1867 - 20 .. e última ascensão, no flanco direito das posições aliadas, em frente a Humaitá; depois dessa, o baIão, tendo dado mostras de esvaziamento foi pela última vez, conduzido para Tuiuti , 7 de dezembro de 1867 - Ordem para os aeronautas norte-americanos, juntamente com os balões, embarcarem no vapor Alice, de regresso ao Rio de Janeiro.

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CAPITULO 3

'ÚLlO CESAR RIBEIRO DE SOUSA (1843-1887)

1. Preliminares OM o brasileiro Bartolomeu Lourenço de Gusmão abriu-se o ciclo pioneiro da efetiva conquista do ar. Em balões semelhantes ao de sua concepção, o homem passou a voar com segurança crescente a partir de 1783 , não cessando de fazê-lo mesmo depois que Santos-Dumont introduziu a tecnologia de vôo ck> mais pesado que

C

o ar . E verdade que, a princípio, de 1783 a 1880, o vôo em balões era extremamente precário, já que lhes faltava a condição básica para navegar: a diri gibilidade. Isto era decorrência das próprias formas aerodinâmicas predominantes até então: gota d'água invertida (17831850) - com exceção dos balões alongados do Duque de Chartres

(1783) e do Conde de Lennox (1834) - ou a forma fusiforme simétrica (1850-1880), Mesmo os balões providos de hélice e motor a vapor (disponível a partir de 1850) não logravam alcançar a tão almejada dirigibilidade, embora a segunda forma tenha chegado mais próximo de alcançar esse objetivo . Henri Giffard construiu um dirigível com propulsão a vapor, sob a forma de um charuto de gás (aeróstato fusiforme simétrico), medindo 144 pés de comprimento e 8 .800 pés cúbicos . Partiu do

Hipód romo de Paris, no dia 24 de setembro de 1852, e voou sob controle até Elancourt. Contudo, não conseguiu voar contra o vento, e assim não pôde regressar ao ponto de partida . A data , no entanto, marca o aparecimento do termo dirigivel, imposto pelos construto· res , embora a sua dirigibilidade fosse ainda parcial, com movimentos em zigue-zague, que eles próprios não sabiam a que atribuir. 143


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Fig. 34 -

Dirigivef GifJard (1852).

Experiências semelhantes aconteceram na Alemanha e nos Estados Unidos, com resultados idênticos aos alcançados por Giffard. Gasta0 e Albert Tissandier, inspirados pela Exposição de Eletricidade de 1881 , em Paris, construíram um pequeno dirigível alongado. equipado com um motor elétrico, e dotado de uma grande bancada para transl'ortar as baterias. Tentou-se um vôo experimental em 8 de outubro de 1883, mas o peso das baterias e a fraca potência do motor deixaram o engenho sem comando, mesmo quando se tratava de enfrentar a brisa mais fraca.

Fig. J5 -

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Dirigivel dos irmãos Tissandier (1884). fusi/orme , simétrico.


B de se destacar a tentativa da grande aventura dos século XIX, quando Auguste André e dois companheiros, Strindburg e Fraenbel, partiram em 11 de julho de 1897, da Ilha de Epitzberg, em um balão livre, para tentar descobrir o Pólo Norte. Fracassaram, e seus corpos foram encontrados 33 anos ap6s, em 1930, por exploradores noruegueses. . Se o dirigível seria o segundo elo da corrente evolutiva da conquista do ar, deve-se a outro brasileiro, o paraense Júlio César Ribeiro de Sousa, mais um passo no sentido da sua dirigibilidade, em 1880. B. de sua autoria o sistema de direção baseado na concepção aerodinâmica do balão fu siforme dissimétrico, que, à época, foi de encontro a todos os princípios técnicos até então aceitos, mas que com efeito, ajuda em parte a solu'ção do problema da dirigibilidade . Assim como Bartolomeu de Gusmão, também Júlio César foi esquecido, e grande parte da literatura internacional sobre aeronáutica exalta os franceses Charles Renard e Arthur Krebs como sendo os primeiros a conceberem um balão fusiforme dissimétrico - o La France. Passados 104 anos do vôo desses franceses, apenas três contestações foram interpostas em foros internacionais, reivindicando a procedência para Júlio César. A primeira, em 1887, dada a público pelo Encyclopedia das EncycIopedias - Diccionario Universal Portuguez Ilustrado, na palavra de seu comentarista aeronáutico. A segunda, em 1889, de autoria do Barão de Tefê, na condição de delegado bras ileiro junto ao Congresso Internacional de Aeronáutica, realizado em Paris . A terceira, em 1892, na voz da Assembléia Legislativa do Pará, autorizando o governador a mandar publicar as teorias de Júlio Césa r, para posterior distribuição na Grande Exposição Mundial de Chicago (1894). A estas três reivindicações agregaram-se publicações em livros, revistas e jornais de depoimentos de José Feliciano' de Oliveira, Lysias Rodrigues, Edgard de Cerqueira, Pinto de Aguiar, Sergio Adiodato e outros, em favor de nosso pioneiro . Hoje, quase um século após a última contestação ser depositada em foro internacional, uma nova comprovação da primazia dos estudos de Júlio César se com:retiza: o Dr. Fernando Medina do Amaral , médico, conterrâneo de Júlio César, incansável pesquisador de sua vida e sua obra, condensou e publicou o resultado de suas pesqui sas em três livros intitulados Do Vôo dos Pássaros à Dirigibilidade da Navegação Aérea, publicado pelo Governo 'do Pará; O Primeiro Roubo A eronáutico do Mundo, traduzido inicialmente para O alemão, o inglês e o francês; para ser editado na Europa e nos Estados Unidos; O Verdadeiro Arquiteto da Aeronáutica, ainda em manuscrito . t45


A publicação destes livros dá prosseguimento, perante a comunidade internacional. à campanha de reivindicação dos direitos de Júlio César, ao mesmo tempo que dá a conhecer a nossos próprios patrícios a fecunda obra deste grande precursor brasileiro, sobre quem se tem feito injusto silêncio . 2. O Homem Apesar de uma existência relativamente curta, deixou Júlio César Ribeiro de Sousa, em seus 44 anos de vida, um acervo de realizações inestimáveis, em diversos ramos da manifestação da inteligência. Apesar do muito que produziu, foi no campo da aerostação que concentrou a sua grande contribuição ao desenvolvimento da humanidade. Paradoxalmente, neste mesmo campo. foi vítima de um procesm de plágio no exterior, que glorificou os plagiadores em detrimento dele, Júlio César, verdadeiro autor da inovação tecnol6.gica. Diga-se de . passagem que, em sua própria terra, continua na galeria dos ilustres desconhecidos, a não ser em círculos restritos da Região Norte. que lhe serviu de berço. Nasceu na pequena vila de São José do Acará, interior da então província do Grão·Pará, no dia 13 de junho de 1843, filho de José Ribeiro de Sousa e Ana da Silva Ribeiro de Sousa. Naquela época, recém-saída da Cabanagem. luta fratricida que se alongou de 1835 a 1840, sofrera a província um processo de empoorecimento que envolveu toda a sua população, C; do qual começava a recuperar-se. Aos quatro anos, perdeu seu pai, o que não impediu que sua própria família cuidasse de ministrar-lhe as primeiras letras. A revelação de sua inteligência privilegiada extravazou do âmbito familiar para o círculo de amigos mais próximos, que recorreram ao bispo do Pará, Dom Antônio de Macedo Costa, no sentido de que lhe fossem dadas condições de prosseguimento dos estudos. Oportunidade concedida, ingressou Júlio César no Seminário Menor de Belém, terminando com brilhantismo o Curso de Preparatórios, em 1860. Sem oportunidades de trabalho na província, decidiu buscar novos caminhos, trilhando-os em mão dupl a ao longo de sua vida, saindo da terra natal e a ela sempre regressando, numa caminhada que incluiu regiões longínquas de seu próprio p~ís. da América do Sul e da Europa. Nesta peregrinação, efetuada durante uma existência curta de anos, longa de sacrifícios e decepções, mas rica de legados para o futuro, sua inesgotável potencialidade manifestou-se no militar, no poeta, no professor, no jornalista e, sobretudo, no inventor que ele tão perfeitamente encarnou. Concluídos os estudos preparatórios em Belém, seguiu em 1862 para o Rio de Janeiro. a fim de matricular-se na Escola Militar, 146


cujos cursos freqüentou até 1866, quando se apresentou para inte~ grar as Unidades de Voluntários que iriam participar da Guerra do Paraguai . Tomou parte nas operações até o final, regressando ao Rio de Janeiro, em 1869 . No ano seguinte, pediu baixa e dirigiu-se ao Pará, na sua primeira volta às origens. F. neste intervalo de quase oito anos, entre a partida e o pri~ meiro regresso à terra natal, que naquele homem se revelou o poeta, cujos versos eram impregnados da saudade que o assaltava por tão prolongada ausência de sua amada terra natal. Vale a pena conferir os versos de sua primeira lavra :" Saudades do Pará

Quem me dera das florestas Da terra dos meus amores Respirar as lindas flores E escutar o sabiá! ... Quem me dera cuvir das brisas A s suspirosas endechas. E as brandas, chorosas queixas Das aves do meu Pará!

1: bem gentil minha terra Com seus rios caudalosos, Com seus bosques tão frondosos, Com seu céu puro de anil! E fresca rosa entreaberta, 1: virgem bela encantada, A primeira recatada Do grande. rico Brasil.

o rei dos rios do mundo, Dos altos Andes nascido. Ficou de amores perdido Ao vê-la tão bela assim. E o louco, feliz amante Fez de seu colo seu leito, Pousou a fron.te em seu peito E jurou-lhe amer sem fim.

o mar imenso, indomável, De seus amores cioso, Como senhor orgulhoso. Seus gozos quis partilhar; Porém o rio gigante 147


Lhe disse: "No seio dela, Da minha amada tão bela, Nunca ousarás repousar" . "Tens por armas as borrascas, As terríveis tempestades, E julgas, todo vaidades; Me encontrar imbele, a s6s; Mas tenho filhos potentes, ' avaris, Tefés, Xingus, Trombetas, Negros, Purus, Madeiras e Tapaj6s. u "Podes vir, que às fúrias tuas, Que aos covardes causam medo, En.sinarei o segredo Que faz o forte fugir: Hei de viver no seu colo, Sempre e sempre descuidoso, Em doce abraço amoroso, Ledo e risonho a dormir" . " Porque, embora os outros todos Curvem·se a ti como escravos, Meus filhos fortes e bravos, Não me verão lutar s6. E sempre acharás alerta Em perpétuas sentinelas, As minhas filhas mais belas: Caviana e Maraj6" "Digam covardes que és forte; Chamem·te embora de Atlante; Que importa O seres gigante, Se eu também gigante sou? . . Seja embora eterna a luta, Que eu tenha de ter contigo, Tu não gozarás comigo Deste regaço em que estou! . .. " Estes e outros poemas foram reunidos em volume titulado Pi· raustas, publicado no ano mesmo de seu regresso a Belém (1870), logo que sua vida se estabilizou com o exercício do magistério e do jornalismo . A 10 de agosto de 1870, casou·se com Vitória Filomena do Valle, de cujo casamento teve três filhos e duas filhas. 148


o professor e o jornalista conviveram intensamente, em Júlio César, durante pelo menos o período de 1870 a 1875. Se o magistér io lhe dava oportunidade de lutar pela pr!paração de gerações mai s capazes para o futuro, O jornali smo proporcionava-lhe poder de crítica para modificar est ruturas em busca deste mesmo futuro. A verdade é que a simbiose prof~sso r /j orna li sta ofereceu a Júlio César anos de franca criatividade nos dois campos. Grande conhecedor de línguas greco-romanas, elaborou uma Gramática Portuguesa para as Escolas Primárias, que submeteu ao Conselho de Instrução Pública do Governo da Província, conqui stando o prêmio então instituído para a melhoria do ensino. No jornalismo, foi redato r sucessivamente de O Liberal do Pará, O Diário de Belém, O Tiradentes, A Constituição e A Província do Pará, tendo sido diretor dos doi s últimos, no período 1874/1876, e tornando-se expoente da imprensa paraense, dado o tirocínio com que exerceu ambos os cargos. 3. O Estudo da Aerostação: A Primeira Memória e o Parecer do Instituto Politécnico Se foram tão marcantes as potencialidades do homem extravasadas no mi li:ar, no poeta, no professor e no jornalista, o que dizer do inventor? No desafio de sua invenção, houve dois momentos di sti ntos no tempo e no espaço: primeiro, o da concentração e interesse pelo vôo; segundo, o da liberação da criatividade para alcançar se u objetivo. Ao longo destes dois períodos de tempo, que somam 7 anos (18751882), delineia-se um perfil psicol6gico, desnudando diversas facetas da perso nalidade do nosso precursor. Até chegar ao seu eureca da dirigibilidade e anunciá-lo ao mundo, Júlio César foi sucessivamente o observador paciente do vôo dos pássaros, o pesqui sador persis· tente das leis aerodinâmicas presentes nesse vôo, o es tu dioso de sua aplicabilidade ao vôo do homem, o te6rico convicto das suas teorias sobre dirigibilidade, o esp írito empreendedor e ávido de resultados. Foi isso que o levou a procurar centros mais desenvolvidos, em busca de recursos e tecnologia que lhe permitissem aplicação prática dos es:udos teóricos. Al ém disto, mostrou sempre ser home m de cará· ter firme honestidad e de 'Propósitos, revelados primeiramente no protesto que fez di vulga r em Belém e Paris, verdadeira reação ao plágio de que foi vítima, e depois no debate que propôs aos plagiadores, a fim de provar a sua prioridade, o qual não fo i aceito, por motivos óbvios. Tinha, por outro lado, personalidad e impulsiva, preocupando-se muito com os fins, mas nem tanto com o control e dos meios, o que o levou a sucessivos momentos de situação financeira precá ria , não só em relação aos recursos recebidos do seu país,

e

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que, embora parcos, nunca faltaram, como declara na sessão do ]nstituto Politécnico, em 3 _9.85, por ele próprio solicitada, como também no que tange ao seu patrimônio privado, ambos consumidos na ptrseguição de seu ideal. Neste ponto, cabe uma pergunta: como e quando começou a sua maratona aeronáutica? Foi a partir de 1875, já então com 32 anos, que Júlio César passou a interessar-se pelo vôo dos pássaros, após uma dura experiência de guerra que o levou ao Uruguai e ao Paraguai (1865-1869). e depois do exercício do magistério e do jornalismo. além de suas incursões nos domínios da poesia (1870-1875). Estudou paciente e sistematicamente, durante 5 anos, o vôo das inúmeras espécies de aves então existentes em Belém, especialmente o dos urubus. buscando captar os movimentos por elas desenvolvidos nas diferentes situações eólicas proporcionadas pela atmosfera. Para sedimentar suas observações. passou a construir modelos ornitofórmicos que ensaiava, lançando-os de pontos elevados e modificando-lhes a forma aerodinâmica nas sucessivas tentativas de mclhorar o seu desempenho . Lys ias Rodrigues transcreve em seu livrou o depoimento de uma testemunha ocular destes testes. Uchoa Viegas, que assim se expressou:

UErn 1880, sendo ainda criança, conheci a Júlio César, que residia com sua famitia à Travessa da Barroca (hoje Rua Gurupã), bem pr6xima à Rua dos Cavallleiros (hoje Dr. Malcher); todas as tardes, trepado no peitoril da janela de sua casa, ele soltava no espaço pequenos pássaros feitos de talas de ;upati, com asas de papel, que eu e outros meninos da vizinhança corríamos a apanhar . Divertíamo-nos imenso, vendo os pássaros de Júlio César voarem, caindo uns longe, outros perto, conforme o impulso que lhes era dado, a feição do vento, ou ainda a estrutura de seu corpo e asas; nós os devolvíamos ao nosso glorioso conterrâneo, para que ele os atirasse de novo. Depois cada dia modificando a forma dos pássaros, eles iam cair cada vez mais distantes. E todas as tardes durante algumas semanas, passamos horas de encantador entretenimento, sem compreendermos que aquele passatempo cheio de atrativos para nós crianças, eram provas práticas dos estudos cientificos que ele fazia aperfeiçoando o seu invento, que viria cobrir-lhe de g16rias o nome, e de glórias encher o Pará e o Brasil'" l

À medida que progrediam, as experiências comprovavam na prática as formulações teóricas que Júlio César fizera sobre o vôo dos pássaros. Todas elas. porém, haviam sido orientadas no senti-


do de resolver o problema da fase final do vôo: descida e pouso. Faltava estudar e experimentar a fase inicial de elevação do solo para a atmosrera, ou seja, a decolagem. Para tanto, imaginou ele uma maneira engenhosa de prosseguir em seus testes sobre a forma aerodinâmica ideal para imprimir dirigibilidade aos balões. . Vejamos como esta experiência nos foi apresentada pelo Dr. Fernando Medina do Amaral: u

"Concebeu então Jazer uma experiência com um modelo em madeira da Piteira que é extraordinariamente leve e mergu~ [há-lo fundo em um igarapé até tocar a areia, por meio de uma forquilha de cabo longo e removendo esta rapidamente. veri/ic.:u que em vez de subir este verticalmente, como s6i acontecer a todos os corpos mais leves que o meio líquido. este modelo deslizava por baixo d'água, seguindo uma direção oblíqua à superfície, emergindo no outro extremo do igarapé. Entendeu então que a lorça ascensional da madeira tenderia a trazê·lo à supqrfície em sentido vertical de baixo para cima; mas que a pressão da água sobre as asas e caudã, de cima para baixo, neutralizando em parte essa força ascensional mas não a sobrepujando de todo, fazia o modelo deslizar na oblíqua, até atingir a superfície da água. Analisando esses achados, percebeu que para () homem fazer qualquer engenho movimentar-se no meio aéreo, o processo teria que ser inverso do que havia sido feito na água, isto é, o modelo teria que estar invertido, a fim de que a força ascensional, de baixo para cima, do modelo, sofresse a pressão do ar de cima para baixo, sem contudo neutralizar de todo essa força ascensional, forçando com isto o modelo a subir obliquamente em direç~o à linha do horizonte. Para isso acontecer, o corpo do engenho deveria ter o formato do corpo de um pássaro (corpo dos aviões de hoje e dos dirigíveis de ontem), isto é, ser mais volumoso em sua porção anterior e mais adelgaçado em sua porção posterior e ser provido de asas para dar planos de sustentação e de uma cauda n70 só de sustentação mas que servisse de leme direcional. Tudo isso que acabamos de ver, concebido em 1880, corresponde ao avião de hoje, s6 que este modelo teria que voar invertido, isto é, COm O dorso para o chão; o que na ave fosse superior, no modelo seria inferior e vice-versa." Passando da teoria à prática, Júlio César construiu e experimentou dois balões fusiformes dissimétricos com asas e cauda: um . de 2 metros de comprimento, com resultados aquém de sua expectativa, e Qutro de 6 metros, cujo êxito foi completo. 151


Meticuloso nas observações pacientemente conduzidas durante tantos anos, elaborou um apreciável acervo de dados, que analisava à luz de seus próprios e limitados conhecimentos científicos, ampliados pelas informações colhidas na leitura dos mais rudes textos especializados em aerQnáutica . Com estes dados, construiu a sua teoria da dirigibilidade dos balões. Reunidos em duas memórias sobre navegação aérea e vários artigos, divulgados em 1880, 1881 e 1882, estes documentos repre· sentam um estorço de pesquisa extraordinário, principalmente se levarmos em conta que, à época, a comunidade científica do Pará não tinha condições de lhe dar suporte, a não ser em pontos muito limitados do seu projeto. A Memória sobre navegação aérea (1880) concentra-se especificamente no vôo dos pássaros, e é um prólogo do documento seguinte, de 188 1. A copia que hoj e se encontra no INCAElt foi uma contribuição do Dr. Fernando Medina do Amaral, durante o u Seminário de Históri a Aeronáutica, realizado em outubro de 1987. E oportuno que a transcrevamos neste instan te em ortografia atualizada, a fim de que se possa bem aquilatar a importância desse primeiro ciclo de experiências, que levou Júlio César à certeza de sua concepção: "ESTUDO SOBRE O vOO 00. , ASSAROS DA MODIFICAÇÃO 00 VOO NATURAL - 00 PONTO DE APOIO - 00 CENTRO DE GRAVIDADE - DA O IREÇÃO DOS VENTOS

Pelo paraense Júlio César Ribeiro de Sousa Belém do Pará - Brasil - 1880 I

Pode·se definir a Aeronáutica - A ARTE DE VOAR . Por força desta definição~ que não pode ser mais rigorosamente exata, o homem tem uma necessidade fatal de conhecer o mais exatamente possível, pelo menos na sua mais importaule modificação, o processo empregado pela natureza no vôo natural. S6 por esse meio, o homem, que tudo imita e nada cria. poderá dar corpo e vida a essa visão fascinadora, para a qual, desde remotíssima antigüidade, volve os olhares cobiçosos, como para a deslumbrante meta das suas mais terrenas ambições. Devendo em breve publicar todo o desenvolvimento que lhe puder dar, a minha MEMORIA, e não tendo e,ta publica· ção outro fim além do de tornar notória a minha nava teoria e t 52


o meu nOvo sistema de navegação aérea. no presente resumo me limitarei à exposição da modificação do vôo natural. que me parece suficiente para a compreensão da teoria e sistema aqui eXFoslos. Assim, só tratarei, neste trabalho, da mais simples, e por isso mais importante MODIFICAÇÃO DO vOO NATURAL, isto é, daquela que se efetua no vôo das grandes aves a que os franceses chamam OISEAUX PLANEURS ou VO ILlERS, aves cujo movimento no ar é quase exclusivamente devido ao próprio peso delas. Esta modificação do vÔO natural, sendo a mais simples e a mais fácil de compreender, é por isso mesmo a mais fácil de imitar. O vOO NATURAL é, como todos sabem, o MOVIMENTO DOS CORPOS VIVOS NO AR . Por isto deve produzir-se e é sempre produzido de perfeito acerdo com as leis que regulam os movimentos de todos os corpos. Todo e qualquer MOVIMENTO é fundado no princípio mecânico da ação da reação; PONTO DE APOIO dos cor· pos, sempre indispensável ao movimento, nada mais é do que o efeito dessas duas forças coexistentes com a Matéria. Com efeito, um corpo qualquer, não se podendo mover, sem ter um ponto de apoio em ou sobre o meio em que o seu movimento deve efetuar-se, .não pode ter esse ponto de apoio senão quando reúne três condições essenciais inseparáveis. Assim, para que um corpo se apóie, é-lhe indispensável PRIMEIRO UMA FORÇA RESIDENTE NELE MESMO, que mova em sentido contrário à RESISTENCIA DO MEIO, força sempre proporcional a esta resistência e à GRANDEZA DA SUPERFlcIE APOIADORA. E-lhe também indispensável uma SUPERFICIE ou SUPERFIC/ES APOIADORAS, proporcionais ao mesmo tempo à força que reside no corpo e à resistência do MEI O. E-lhe ainda indispensável esta resistência relativa à força viva do corpo e à dimensão da superfície apoiadora dele . Só se diz que um corpo está apoiado ou tem ponto de apoio, quando reúne estas três condições. Efetivamente, se J,Un só destes elementos vier a faltar, ou se as suas íntimas relações forem alteradas. o apoio de um corpo é completamente impossível. Assim, uma pirâmide, sem enterrar-se, não poderá nunca apoiar-se com o vértice sobre o solo, como um pássaro nunca se apoiará no ar com as asas fechadas, ou mesmo conservandoas abertas, se a superfície delas não guardar uma certa proporção com o peso que suportam e com a resistência do ar.

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E. pois verdade que uma POTF.NCl A, uma RESl STF.NCl A e uma SUPERFlclE ou SUPERFlclES são elementos SI NE QUA NON do apoio de um corpo e conseguintemente de seu

movimento arbitrário ou livre. A mesma potência que produz o apoio, é sempre o fator principal do movimento, todo o esforço natural ou mecânico não tendo outro fim senão tornar aquela potência a principal concorrente do movimento, resultado sempre obtido nos corpos pesados por uma deslocação do centro de gravidade para a parte anterior do corpo. Quanto ao passo ou à carreira do homem, esta, como aquele, se efetua sempre do seguinte modo: tendo levantado por uma contração muscular um,pé, se não faz" um esforço para equi-

librar-se sobre o oulro, o seu peso impele-o para diante. Para não cair, o homem pousa sobre o solo, mas sempre para diante, o pé que havia levantado. Levantando o outro pé, ele nada mais faz do que recomeçar a mesma operação, que vai reproduzindo a cada passo, quer ande, quer corra. O que acontece com o homem, acontece exatamente com as aves, que também têm dois pés, e com todos os quadrúpedes, sendo mais complicado o movimento destes, por causa do comprimento dos corpos no sentido horizontal, que por causa do equilíbrio exige para eles mais de dois pontos de apoio . Assim, pode-s~ dizer, sem erro, que o passo ou a carreira do homem, como dos animais, nada mais é do que a queda deles convenientemente modificada pela ação dos músculos, sendo o seu peso a potência que produz seus movimentos, o esforço muscular se limitando pura e simplesmente a combinar o peso com a resistência do meio no qual ou sobre o qual se movem · Nos navios, como nOs veículos de toda espécie, se dá o mesmo fato; o esforço animal ou mecânico não tem outro fim a preencher, além do de deslocar o centro de gravidade para a parte anterior e de converter o peso do móvel em potência propulsora, modificando convenientemente sua direção. Assim é que, se se lançar um projétil comprido, te.ndo a parte anterior muito mais leve do que a posterior. ver-se-há que esta volta-se logo na direção do movimento. O fenômeno que a c.:iênda denomina FORÇA CENTRJFUGA e CENTRIPETA não são forças estranhas que advêm pelo movimento curvilíneo de um corpo. Esse fenômeno é simples e unicamente a transformação do movimento devido ao peso do corpo e do esforço que modifica O peso, e não existe somente no movimento curvilíneo, mas em fodo movimento, variando apenas na direção que toma, pelas 154


diferentes direções dos movimentos que o produzem, isto é, não sendo outra coisa senão o mesmo fenômeno que a ciência cha· ma de VELOCID ADE ADQUIRIDA, e que toma no movimento rotatório a direção tangencial ou do raio da curvatura pela na· turai tendência de toda a força à direção da linha reta. Todo o movimento, pois, na n.atureza como na arte, nada mais é do que a modificação dessa força materiai suprema, que com O nome de GRAVITAÇÃO UNIVERSAL mantém os inúmeros milhões de esferas celestes nas suas incomensuráveis órbitas, e com o nome de GRAVIDADE prende à terra todos os elementos que a constituem e todos os seres que a povoam. Se, entretanto, a ação direta da gravidade é evidente em todos os movimentos naturais ou mecânicos, no vê-o, e muito particularmente no vôo das grandes aves, que em falta de termo próprio chamarei VELEIR AS, particularmente no vôo destas aves, a evidência da ação da gravidade é esmagadora. Não há com efeito animal algum cujo movimento seja tão simples e tão natural e em que o esforço muscular possa ser tão desprezado como no das AVES VELE IRAS. Parece uma irrisão. entretanto. que o homem, tão orgulhoso de sua inteligência, só ao cabo de seis mil anos, em pr.esença do espetáculo cotidiano do vôo de incalculáveis milhões de aves e de insetos; s6 depois de uma luta e uma observação secularmente pertinazes, chegasse a compreender e a poder imi· tar o mais simples de todos os movimentos da natureza; ele, que a todo o instante se proclama senhor absoluto dos seus segredos. Como é verdadeira esta dolorosamente bela interrogação do grande escritor português: "ORGULHO HUMANO, QUAL ES TU MAIS, FEROZ, ESTOPIDO OU RIDICULO'"

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o apoio dos voadores, como de todos os corpos, se efetua sempre de acordo com a lei física da resistência dos meios. E assim que o pássaro, devendo por seu peso cair verticalmente, é disposto de modo a aumentar com as asas e cauda a sua projeção no plano horizontal, que é perpendicular ao movimento vertical que o peso imprime. O apoio dos voadores é obtido, de acordo com O que ficou dito a respeito do ponto de apoio em geral: o peso do pássaro calca suas asas e cauda de cima para baixo contra a resistência do ar de baixo para cima. ' 155


Há, pois, no vôo do pássáro uma força que faz pressão, um meio que resiste e superfícies que compõem estas duas forças. Os pássaros REMADORES, isto é, os que só voam remando com as asas, pelas pequenas dimensões das superfícies destas , precisam do esforço muscular para se apoiarem e moverem. O mesmo não se dá com as A VES VELE I RAS, que s6 batem as asas na falta de vento e muito raras vezes nos ventos fortes. Estas apóiam-se, havendo vento, sem outro esforço muscular além do que lhes é preciso para conservarem as asas e a cauda abertas. Apoiado /la ar, o pASSARa VELE IRO, para avançar, se aproveita do seu próprio peso, isto é, da mesma força contrária à ascensão. Para este fim o corpo do pássaro toma, durante o vôo, uma posição inteiramente diferente daquela que tem quando anda. Assim se vê que o pASSARO VELE IRO, que conserva sempre a cabeça levan tada e a cauda abaixada quando anda, quando vôa abaixa a cabeça estendendo o pescoço e levan ta ao mesmo tempo a cauda e por baixo desta os pés estendidos. Assim fazendo, o pássaro desloca o seu centro de gravidade para a parte anterior do corpo. Esta deslocação faria o pássaro cair de cabeça para baixo se não fossem as asas. Tendo asas que impedem a queda vertical sem anular a ação do peso, o pássaro é impelido para a frente, isto é, no sentido da posição do centro da gravidade. O vôo dessas aves é, pois, uma queda modificada horizontal ou obliquamente, segundo a amplitude dos ângulos formados pelas asas e cauda, com a direção dada ao peso pela resistência que estas encontram no ar. Este resultado é completamente mecânico. Nada mais é do que a composição de duas forças: o peso e a resistência do ar contra as asas e a cauda, estas duas forças se modificando reciprocamente e produzindo uma resultante mais ou menos horizoiJta(. de perfeito acordo com a lei mecânica do paralelograma das forças. Entretanto, esse movimento dos pASSARaS VELE IROS produzido pelo peso e a resistência do ar contra as asas e a cauda é mais constante quando o pássaro voa contra o vento do que quando segue a direção do vento, sendo este "forte. Com efeito, durante 6 anos de observações constantes nesta província do Pará - Brasil onde se vêem a todas as horas do dia milhares de pássaros veleiros (os urubus) - Coracyps 156


atractum foetes (Lich) - cortarem a atmosfera em todos os sentidos, certifiquei-me deste fato incontestável: que os pássaros veleiros (os nossos urubus são os melhores voadores que tenho visto) batem mais facilmen te o ar quando seguem a direção de um vento forte do que quando voam contra o mesmo vento. Procurando sempre a razão dos diferentes movimentos dos pássaros no ar, porque ninguém poderá imitar bem o que não houver bem compreendido, convenci-me de que semelhante fato, por mais contraditório que possa parecer, não é, ent retanto, senão perfeitamente mecânico, como se vai ver . Com efeito, estando o ar calmo, a resistência que este opõe às asas e à cauda do pássaro, apesar da maior inclinação que as asas possam tomar e apesar também da posição do centro de gravidade na parte anterior do corpo, aquela resistência do ar não pode ser senão inclinada de baixo para cima e de diante para trás, porque ela obra então naturalmente na direção vertical de baixo para cima contra a ação natural do peso, sempre vertical de cima para baixo. A resultante destas duas fo rças sendo então necessariamente inclinada de cima para baixo e de trás para diante, se o pássaro não bater o ar com as asas, descerá fatalmente menos ou mais obliquamente, segundo seu peso for maior ou menor em relação às superfícies das suas asas e da cauda. Do meSmo modo, quando o vôo se efetua na direção de um vento forte, as asas sendo convexas e inclinadas para trás e de cima para baixo contra o vento, a pressão deste sendo então muito grande por de trás sobre as asas e cauda, o páss.aro tende necessariamente a subir ou a descer e a perder sempre o equilíbrio, quer conserve, quer altere a inclinação natural das asas e da cauda. Nestas condições o pASSARO VELEIRO, não podendo manter as asas e a cauda perfeitamente horizontais por causa da conformação delas, recorre ao esforço não para aumentar sua velocidade, que é então excessiva, mas para manter a estabilidade e algumas vezes mesmo para diminuir a velocidade do vento; sendo este sempre proximamente horizontal, a resistência do ar toma então uma direção mais acomodada e uma resultante mais ou menos horizontal. Neste caso, se o pássaro aumenta a inclinação das suas asas e cauda, sobe sem nenhum esforço, avançanqo contra o vento, porque a resistência sendo então maior que a potência, a resultante toma uma direção mais aproximada da maior força, isto é. inclinada para cima. Se o pássaro veleiro quer descer ou avançar horizontalmente contra um vento forte, basta-lhe encolher um pouco as asas 157


e diminuir a inclinação destas e da cauda, c%cando-as o mais horizontalmente possível. Assim fazendo, ele diminui a resistência do ar, e como a potência, isto é, o peso, que se conserva sempre o mesmo, é então maior do que a resistência, o pássaro avança horjzontal~ mente ou desce obliquamente contra o vento, sua velocidade e obliqüidade aumentando tanto mais quanto mais ele contrai ou encolhe as asas e diminui a inclinação delas e da cauda . Como se vê, todos estes resultados são pura e simplesmente mecânicos. Tem aqui lugar uma pequena digressão. Encontrei ;á um homem, aliás de muita nomeada científica, que opôs às demonstrações que acabo de fazer a ob;eção de que a DIREÇÃO DOS VENTOS NÃO E HORIZON-

TAL como eu afirmo e sim VERTICAL, por serem os ventos o efeito da dilatação da atmosfera pela ação do calor. Não vem ao caso dizer quem me opôs semelhante ob;eção, como, porém, pode haver mais atgum homem de CIENCIA que a reproduza, dou em seguida as razões com que a combati naquela ocasião . Uma tal ob;eção não encontra na verdadeira ciência uma só ;ustificativa, pois mil fatos invariáveis em todos os tempos e em todos os lugares atestam que a direção sensível dos ventos é horizontal ou muito proximamente horizontal. Assim, a rOsa ou rumo dos ventos que serve de base à navegação no alto mar designa o con;unto dos 32 raios em que se divide a circunferência do horizonte, a fim de calcular no mar, pela direção dos ventos, o rumo do s nall'Íos . Se O vento não fosse horizontal, a expressão rosa-dos-ventos seria simplesmente disparatada. Com efeito, como conciliar um vento norte, isto é do norte para o sul, um vento sul, isto é, do sul para o norte, etc. com a direção vertical dos ventos de baixo para cima? Se o .vento fosse vertical, de baixo para cima, a navegação à vela não poderia efetuar-se senão com velas horizontais; entretanto, desde remotíssima antiguidade ela se efetua com velas verticais (sobre as quais nenhuma pressão poderiam exercer os ventos verticais por lhes serem paralelos) sem que uma s6 vez, salva a hipótese raríssima das trombas, houvesse vento que atuasse nas velas dos incalculáveis milhões de embarcações que têm sulcado as águas dos mares, dos lagos e dos rios, de outro modo que não horizontalmente assim . . As bandeiras, os moinhos de vento, os ventiladores, as árvores, tudo atesta que a direção natural dos ventos é horizontal. 158


A cJencia, que explica a formação dos ventos pelas diferenças de temperatura, sabe que sendo o ar pesado, quando tiver de ocupar os lugares em que a sua densidade é menor, só pode fazê-lo deslizando-se pela face da terra, iá pelo movimento que lhe imprime o seu peso, já pela rotação do Planeta; tanto assim que os ventos allsios ou correntes gerais seguem sempre a direção do Equador, ao passo que os ventos das regiões polares dirigem-se do norte na direção de nordeste para oeste e os do sul na de sudeste também para oeste, isto é, ambos com.;ergem inversamente para O mesmo centro . O que ocasiona os ventos é com efeito a dilatação da atmosfera, mas o que o impele de um para outro ponto do globo é principalmente o seu peso. Assim sendo, a não ser um furação que, por sua enorme velocidade, procura naturalmente a tangente e isto s6 na superfície da terra, a não ser um furacão, todos os ventos têm sempre e invariavelmente a direção horizontal, uma ou outra vez ligeiramente alterada pelos acidentes do solo, pois o vento também nada mais é do que uma queda modificada pela resistência da superfície do globo. Ainda mais, sendo o vento ocasionado pela elevação da temperatura em um lugar da terra, o ar que viesse ocupar o lugar desocupado só poderia ser vertical se viesse de dentro da terra, e a cujo movimento se dá o nome de vento, só pode mover-se conternando a superfície da terra, isto é, horizontalmente. No lugar em que se dá a dilatação, o movimento ascensional do ar é insensível, e é por isso que a não ser sobre uma fogueira, num redemoinho, no declive de uma montanha, numa tromba ou outro caso excepcionalissimo como estes, ninguém sentiu jamais o vento atuar verticalmente de baixo para cima." Assim, mostrava-se Júlio César absolutamente certo de sua teo' ria, porém não chegou a realizar, como pretendia, experiências públicas em Belém. O jornal Província do Pará, do dia L' de setembro de 1880, noticiou uma experiência como tendo sido realizada em 30 de agosto, com público restrito na casa do Coronel Bentes, na Travessa dos Ferreiros. Uma segunda tentativa foi anunciada pelo mesmo jornal, em duas chamadas, 24 de setembro e 3 de outubro, prometida para o dia 4, mas dela não se conhecem nem detalhes nem noticiário. I! curioso notar como a história às vezes se repete em circunstâncias praticamente análogas . Cento e setenta e um anos depois de Bartolomeu de Gusmão, o jovem Júlio César encontra pela frente , 159


em sua própria terra, uma campanha de descrédito nos moldes da que foi desencadeada contra o nosso primeiro precursor, pelo poeta Tomás Pinto Brandão. O Diário do Grão Pará, de 14 .8.1880, convoca os seus leitores a exercitarem a veia artística, compondo versos com base no seguinte mote:

Balão não subirá! Passarinho voard! O Júlio será poeta Da Vila do Acará! Será que esse tipo de campanha desmoralizadora teria levado o inventor a recear as conseqüências de um possível fracasso, dei· xando para realizar suas experiências em segredo, longe dos nume· rosas desafetos que angariara pela vida a fora? Assim ~nsa o Barão de '{efé, que atribui o elevado número de inimigos e detratores de Júlio C-ésar à sua condição de jornalista desassombrado e de poeta eventualmente satírico. O testemunho pessoal do próprio Júlio César, entretanto, vai de encontro a essa OptnlaO, inculpando unicamente a casualidade por sua decisão de adiar as experiências programadas. Eis como ele se expressou: I

"Continuar a luta aqui é simplesmente uma loucura. Te· nho a mais inabalável convicção de que o único meio possível de navegar no ar é de minha invenção, porque de todas as teorias até hoje conhecidas, s6 a minha tem legítimo fundamen. to na ciência . .. Tendo esta convicção, não devo nem posso desanimar. Não queria sair da terra em que me orgulho de ter nas· cido. sem Jazer uma experiência pública de minha invenção desde porém que o Todo·Poderoso não foi servido permitir.me, conformar·me·ei humildemente com a Sua Santíssima Vontade e vou ~/gures procurar o que aqui não pude obter. Para este fim pretendo embarcar brevemente para o Rio de Janeiro." Realmente, em princípios de 1881, deslocava-se para a capital, não só na esperança de encontrar em centro mais desenvolvido o respaldo científico para a sua teoria, como também na certeza de que só com este aval poderia avançar na concretização de suas con· cepções teóricas. Como argumento, levava a Mem6ria completa dos estudos e observações conduzidos no período 1875/ 1880, as expe· riências sumárias dos balões de 2 e 6 metros e, ainda, a experiência da grande oportunidade de fazer a defesa oral de sua tese. De fato, a 15 de março de 1881 , em sessão extraordinária do 160


Instituto Politécnico Brasileiro, defendia Júlio César seus pontos de vista sobre a dirigibilidade dos balões. Vale a pena registrar seus passos até esse momento. Conta o Barão de Tefé'2 que .se encontrava em seu gabinete de trabalho, na Repartição de Hidrografia, quando, certa manhã de fevereiro, foi surpreendido pela visita inesperada do Senador · Cândido Mendes de Almeida, acompanhado de um cavalheiro. O Senador apresentou-o, dizendo tratar-se de Júlio César Ribeiro de Sousa, procedente do Pará, a ele recomendado pelo amigo Conselheiro MacDowell, como inventor de teoria que iria agitar o mundo científico, a qual desejava submeter à apreciação dos doutos da capital. Pel[ fim, solicitou-lhe o Senador qu"e fosse o patrocinador de sua descoberta no círculo de matemáticos do Instituto Politécnico. Com a mente voltada para um relatório urgente que estava a preparar, e supondo tratar-se de algum trabalho sem qualquer valor científico, escusou-se o Barão de Tefé de ouvir a leitura naquele momento, prometendo que o leria à noite, caso lhe fosse confiada a guarda do documento. Aceita a sugestão, foram-se embora os visitantes, e já retomava o Barão de Tefé o seu relatório, quando entra em sua sala André Rebouças. seu amigo desde os bancos escolares. Assim que percebeu sobre a mesa o volumoso rolo de papel, perguntou de que se tratava, e, diante da explicação recebida e da intimidade que tinha com seu interlocutor, arremessou'o longe, não antes de dirigir impropérios ao desconhecido que viera perturbar a paz e O trabalho de seu amigo. Prossegue, porém, textualmente, o Barão de Tefé: "Por desencargo de consciência dei começo na mesma noite à leitura da tal memória, e, coisa rara, à medida que voltava as folhas ia se desfazendo a minha prevenção - essa espécie de «parJi-pris" que desde essa manhã me pusera de mau humor s6 à idéia da leitura das 89 grandes páginas do medonho aut6grafo.

Efetivamente, confesso-o agora, essa tarefa que eu guardara para a noite, fora encetada nas piores disposições d'espírito; entretanto, contra a minha expectativa, a leitura tornavase deveras tão interessante, que s6 alta noite a interrompi para recomeçar na manhã seguinte. Assim pois, após a leitura aten· ta da sua memória, compenetrei-me da justeza das proposições que avançava, e convidei-o a discutir em conferência privada certos pontos em que sua linguagem me parecera obscura; mas, resolvidas as dúvidas, um dever não menos sério passava sobre a minha consciência de juiz; investigar meticulosamente se ha· veria plágio, ou se a idéia era original. 161


Para conseguir essa certeza entreguei-me a um trabalho deveras exaustivo, qual de compulsar quantas obras sobre aerostática existiam na Biblioteca Nacional, na Biblioteca Fluminense, na do Gabinete Português de Leitura, na do Instituto Histórico, e afinal, nas nossas principais livrarias. Gastei mais de um mês nesse ininterrupto labor, porém deste modo pude confrontar a forma dissi'!1étrica proposta por Júlio César para o seu dirigível com os modelos dos aparelhos aerostáticos aM entâo conhecidos, convencendo-me da indubitável originalidade do invento. Foi estribado nesses estudos e conscienciosas pesquisas que tomei a deliberação de apresentar inventor ao In stituto Politécnico e de auxiliá-lo a conseguir uma sessâo extraordinária, a fim de submeter ao severo juízo de um tribunal competente, o sistema que ideara como único capaz de converter em realidade o sonho até então considerado irrealizável pelo gênero humano: - a dirigibilidade dos aer6statos."

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A verdade é que o Barão de Tefé transformou-se no principal patrocinador de Júlio César, e também em seu grande amigo. Personalidade de relevo nos meios científicos e técnicos da capital imperial, não foram poucos os momentos em que lançou mão do peso de seu prestigio em favor do pioneiro paraense, convencido que estava da completa exação da tese por ele defendida. Foi assim na introdução do inventor no Instituto Politécnico Brasileiro; no parecer favorável às suas idéias centrais, lavrado em março de 1881 e aprovado por unanimidade, fundamental para que a Assembléia Prt> vincial do Pará lhe concedesse o primeiro auxílio que recebeu; na concessão do segundo auxílio pelo Parlamento; na confirmação do parecer em junho de 1882, por maioria expressiva, mesmo depois do malogro das experiências mal encaminhadas pelo próprio inven· tor, tanto com o balão Vict6ria quanto com o Santa Maria de Belém . ~ evidente que o patrocínio do Barão de Tefé tinha por fulcro o seu próprio convencimento da justeza da tese apresentada por Júlio César em sua segunda Memória. O Parecer do Instituto Politécnico foi elaborado pela Comissão da .Seção de Ciências Físicas, composta pelo Almirante Barão de Tefé, Dr. Álvaro Joaquim de Oliveira e Dr. Fábio Hostmo de Morais. lido na sessão de 3 de maio de 1881 e entregue à Diretoria para discussão . Voltou à pauta na reunião de 17 de maio e, por proposta de alguns sócios, foi adiada a discussão para a sessão seguinte . Na reunião de 6 de julho de 188 1, o Parecer foi finalmente aprovado por unanimidade. Transcrevem·se abaixo a conclusão e o parecer da Comissão: 162


"CONCLUSÃO~

A teoria do nosso compatriota é indubitavelmente original no modo de aplicar os princípios defendidos pelas duas escolas.. Na verdade, se aos balonistas ainda não ocorreu ate (os nossos dias um meio de achar para os seus balões a resistênciia Ino próprio ar em que flutuam (condição indispensável ao movimento) o que quer dizer - o ponto de apoio - que lhes falta para serem dirigíveis; por outro lado aos aviadores falecem completamente os recursos imprescindíveis à demorada manutenção no ar dos seus pesados aparelhos, Não é ocioso relembrar que o Sr. Júlio César~ considerando a sua maquina de voar como uma grande ave invertida, substituiu força da gravidade que solicita o corpo do pássaro para baixo no sentido da vertical (em virtude do seu peso), pela força ascensional do aerostato que o impele para cima, isto é, no sentido oposto. Recapitulando: A resistência que as asas estendidas da ave oferece a coluna de ar que vai sendo comprimida durante a sua descida, pela ação do peso do corpo, constitui o procurado ponto de apoio necessário ao movimento quase horizoJ1lal que' ela, ave, obtém sem esforços, in" clinando ligeiramente as asas e deslocando mais para a frente o centro de gravidade pela posição que dá ao pescoço. Este fato sugeriu ao inventor a idéia de dotar o aeróstato pela parte inferior (inversa do pássaro) de asas ou pLanos laterais móveis, os quais estendidos e ligeiramente inclinados para a frente oporão, durante a ascensão, resistência tanto mais considerável às camadas superiores do ar quanto maior for a força ascensional. Dai, repito, resulta a decomposição da força que atua no sentido vertical em outra, que será a resultante das duas antagônicas (força e resistência) e por conseguinte numa direção mais ou menos oblíqua ao horizonte, porém, sempre no sentido ou rumo para onde estiver voltada a proa do aeróstato. O resultado imediato a esperar do que fica dito pode ser defi" nido nas seguintes palavras: "Em condições favoráveis de tempo e sob as mãos de hábil manobrista, prático no manejo do leme e dos planos laterais, o aparelho do Sr. Júlio César poderá mover-se em uma direção oblíqua ao horizonte independentemente de q.ualquer propulsor." Assim pois a comissão do Instituto Politécnico é de "Parecer"

1: -

Que o aparelho destinado à viação aérea, descrito pelo Sr. Júlio César Ribeiro de Sousa, na memória e desenhos submetidos à apreciação "do Instituto Politécnico, não é cópia ou imitação 163


de qualquer outro dos mencionados pelos escritores que mais deta· lhadamente têm tratado da matéria; pertencendo-1he, portanto, o in· contestável direito ao título de inventor . 2.' - Que, entretanto, dependendo das experiências, a última palavra sobre a exeqüibilidade e vantagens reais da nova teoria imaginada pelo Sr. Júlio César, teoria que, se na prática for coroada de bom êxito, fará reverter sobre o país as glórias conquistadas pelo inventor, compete ao Instituto Politécnico manifestar ao Governo Im· perial a conveniência de auxiliar este nosso compatriota com os recursos pecuniários indispensáveis a realizar em grande escala as ditas experiências . Rio de Janeiro, 3 de maio de 1881. (Assinado) Barão de Tejé (relator) Alvaro Joaquim de Oliveira Fábio HOSlílio de Morais Rego."

A aprovação do Parecer teve como conseqüência a obtenção para o inventor de um abono de 20 contos de réis, concedido pela Assembléia Provincial do Pará, a fim de auxiliá-lo na construção de um modelo experimental, passível de demonstrar a viabilidade e as vantagens do seu sistema. 4. As Experiências do Balão Fusiforme-Dissimétrico em Paris Graças ao primeiro auxílio recebido, que lhe veio de sua pro.. pria terra natal, Júlio César partiu imediatamente para Paris, em busca da demonstração prática dos princípios teóricos que idealizara sobre a dirigibilidade. Seu destino' natural, na capital francesa, foi a Maison Lacham' bre, do experimentado e conhecido fabricante de balões Hilaire La· chambre, contratado para construir o balão-modelo, medindo 10 me·

Fil. J6 -

164

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Balão " Vicloria" no porqutl da Oliána lAchambrtl.


tros de comprimento, por 2 metros de diâmetro na seção maior. Deu· lhe o nome de Victória, em homenagem à esposa, que assim se cha· mava. e pelo evidente significado da palavra, antecipando o sucesso que vinha perseguindo tenazmente. e em relação ao qual não guar· dava a menor dúvida. Prova dessa sua certeza foi o fato de requerer patente do invento em vários países. Na França, foi registrada no Conservatoire National des Arts et Métiers, na classe 6, com o número 145512, para <tun sysleme de navigation aérienne au moyen de ballons planeurs", garantida por 15 anos. Registrou-a também na Inglaterra, na Rússia, na Itália, na Bélgica, nos Estados Unidos, em Portugal, na Espanha, na Alemanha e na Áustria, segundo as leis próprias de cada país . Tomadas estas providências iniciais, e enquanto se processava a construção do balão, solicitou Júlio César à Societé Française de Navigation Aérienne uma sessão especial para leitura de sua Mem~ ria sobre navegação aérea, a qual se realizou em 27 de outubro de 1881.

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Fig. 37 - o balão "Victória" fusiforme dissimétrico. de linhas aeradinâmicas, inventado pelo paraense Jú.lio César Ribeiro de Souza, em 1880 e construIdo em Paris em 1881, obedecendo planos originais do inventor.

Pronto o balão, no dia 7 de novembro de 1881, marcou Júlio César a experiência para O dia seguinte, no qual iria ser recebido como membro daquela Sociedade. Efetivamente, a 8 de novembro de 188 1, realizou-se a primeira demonstração do Viclória, em presença de várias testemunhas, entre as quais o representante da Societé Française de Navigation Aérienne, Charles Renard, figura de destaque nos meios aeronáuticos franceses. O êxito foi completo, merecendo até um certificado divulgado pela imprensa local em jornais e revistas técnicas, lavrado nos seguintes termos: 71 · 165


"Procés Verbal Les soussignés declarent avoir vu dans les expériences du Mardi 8 Novembre 1881, /e bal/on dirigeable le Vicloria (de dix metres de longueur) avancer contre le vent sans aucun elfort et sans le sécours d'aucun propu/seur. En foi de quoi nous avons signé te présent procês verbal. Ch. Deck N. Vieillard (100, Rue des Verennes) A . Raynaud E. Goudron A. Roul/el H. Lachambre, constructeur à Paris . P.S. - Cet aérostat a é/é construi! sur les plans de M. Julio Cesar de Souza, inventeur Brésilien. Paris, 8 Novembre 1881." Entusiasmado com os resultados obtidos, Júlio César telegrafa ao Instituto Politécnico dando ciência dos mesmos, e resolve promover nova ascensão, marcada para o dia 12 de novembro de 1881. Na presença, entre outros, do encarregado de neg6cios do Brasil na França, de representantes da Societé Française de Navigation Aérienne e de grande contingente popular, o Victória mais uma vez confirmou a justeza de sua concepção, tendo avançado " por vezes contra o vento que soprava com uma velocidade superior a 8 metros por segundo". Oito dias depois desta experiência, alegando haver-se esgotado a subvenção recebida, deixou Júlio César a França, seguindo diretamente para Belém, convencido de que, diante dos sucessos no estrangeiro, fácil lhe seria conseguir auxílio de maior monta, a fim de construir um modelo aperfeiçoado de seu balão dirigível. Nesse regresso, decidido a reduzir suas despesas, não trouxe o balão completo, deixando em Paris os ingredientes necessários à fabricação de gás e alguns acess6rios básicos de sua concepção, como os planos laterais e o leme . 5. Temporada Brasileira: As Experiências e o Protesto Recebido carinhosamente pela população de seu Estado, empenhou'se Júlio César lias preparativos para a experiência que anunciou para o dia de Natal de 1881 , quando realmente a realizou. As experiências no Brasil não repetiram os êxitos alcançados em Paris, pag ~m do Júlio César alto preço pela insistência em conduzi-las com um Victória incompleto, sem os elementos básicos que lhe asseguravam a dirigibilidade. Deste modo, os resultados obtidos fi166


caram muito aquém da expectativa criada, redundando os testes em verdadeira decepção para os assistentes. Em Belém, no dia 25 de dezembro de 1881, e depois no Rio de Janeiro, em 29 de março de 1882. diante do próprio Imperador, a frustração foi geral. A imprensa paraense soube bem realçar o caráter apenas aparente do malogro da experiência. Assim, O Liberal do Pará, de 27 de dezembro de 1881, noticiou que "pela muita chuva que houve sábado, o balão não pôde ficar bem cheio, o que impediu fosse a e-xperiência satisfatória, porque logo que o balão avançava 15 a 20 .mE!tros contra o vento, o gás se deslocava para a parte posterior. E, assim, sendo o gás e a resistência do ar de cima para baixo nas asas e no leme as únicas -componentes da velocidade, logo que se produzia aquela deslocação de gás, o movimento para a frente cessava, como aliás devia cessar fatalmente, porque a mesma força, que antes levava o balão para diante, levava-o outra vez para trás." Mais adiante, concluía o jornal que "o que ficou verificado, foi que o balão do Sr. Júlio César, mesmo sem auxílio de propulsor algum, isto é, sem remos, sem rodas, sem hélices, sem o menor impulso estranho, venceu um vento bem regular, quando nenhum outro balão de outro sistema pôde, até hoje, nem mesmo ficar estacionário cont ra o vento mais fraco, apesar de grandes propulsores que têm sido empregados, alguns deles movidos por poderosas máquinas a vapor". Mesmo diante desta experiência que nem de longe repetiu o êxito da realizada em Paris, Júlio César partiu para o Rio de Janeiro, onde publicou uma série de artigos na Gazeta de Notícias, nos dias 2 e 3 de fevereiro, e 12,13,15,16 e 17 de março de 1882, sob o título Navegação Aérea - estado desta importante questão em 1882. A respeito da experiência no Rio de Janeiro, realizada no pátio da Escola Militar da Praia Vermelha, diante do Imperador, dos membros do Instituto Politécnico, de autoridades e de grande público, o Barão de Tefé dá os seguintes detalhes: 1l

"No dia aprazado para a experiência compareci, antes da chegada do Imperador, ao local escolhido, e tive assim ensejo de examinar o aparelho, no qual faltavam os indispensáveis planos laterais e a cauda, ou leme articulado! O meu espanto foi tal que me dirigindo bruscamente ao inventor - por quem aliás nutria sincera simpatia - interpelei-o em tom s3rio, a respeito desta falta incompreensivel, recebendo como escusa as razões da falta de meio! Falta de dinheiro! . .. " E, a uma interpelação do Imperador, esclarece Tefé: 167


"Senhor, respondi friamente - o que estamos vendo aí é deve· ras um brinquedo de crianças. O aeróstato que estudei, e a respeito do qual dei parecer, é munido de planos laterais e leme horizontal, como uma grande ave, uma águia invertida, Arranque-se, porém, da águia as asas e a cauda quando estiver planando nas alturas, que a força da gravidade a precipitará na linha vertical, sobre a superfície da terra!"

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diálogo prossegue nos seguintes termos:

UMas então por que convidaram-me para assistir a uma tal experiência?" "Perdoe-me, V. Ma jestade, não cabe a mim responder; sou também um convidado, e somente há poucos minutos, soube por confissão do pr6prio Sr . Júlio César que sua penúria foi tal em Paris, depois de esgotados os 20 contos doados pelo Pará, que teve de abandonar nas usinas Lachambre todos os acess6rios do dirigível, trazendo aper.as o invólucro do balão! .. ," uE de lastimar que mais esta tentativa tenha fracassado . .. " "Por minha parte, não desanimei; a idéia é genial e farei quanto em mim couber para que seja construído um verdadeiro aer6stato fusiforme de grandes dimensões, e dotado de todos os requisitos propostos no projeto autêntico imaginado por este nosso inteligente compatriota . . . li

Assim declarou, assim cumpriu, numa demonstração inequívoca de absoluta confiança na teoria que defendera no parecer que subscrevera. Tanto que, após o fracasso da demonstração, Júlio César a ele novamente recorre e. mais uma vez, dele recebe o necessário apoio moral e financeiro, conforme relata o próprio Tefé: 71

"Depois da má impre,ssão causada no público que assistira ao fiasco da Praia Vermelha. forçoso se tornara para mim concor· rer para sua reabilitação. mas como fazê-lo senão obtendo, no Parlamento um auxílio pecuniário 'avultado, no mínimo o duplo da doação que lhe fizera sua província natal? Ora esta segunda telha caía justamente no momento psicológico em que eu me debatia pela imprensa contra a má vontade dos lideres da oposição do Parlamento, os quais em termos virulentos se opunham a que o Brasil se fizesse representar 110 certame cientifico que preocupava nessa ocasião os astrônomos do mun· do inteiro - a observação da passagem de Vênus pelo disco solar - fenômeno raríssimo que se dando em 6 de dezembro não mais se reproduzirá antes do ano 2004/ . , ." 168


Em poslçao extremamente difícil. já que presidia a Comissão relacionada com aquele evento astronômico, para a qual estava sendo solicitada ao Parlamento, pelo então Ministro da Marinha Bento de Sousa Paula, uma verba de 30 contos, mesmo assim conseguiu o Barão de Tefé._ com a ajuda dos Conselheiros Martim Francisco e Moreira Barros, prioridade para a subvenção de 40 contos a Júlio César, "quantia por ele julgada suficiente" e que, uma vez recebida, possibilitou seu novo regresso a Paris . Durante sua ausência do Brasil, o Instituto Politécnico é sacudido por feroz polêmica, encetada pelo Dr . Antíoco dos Santos Freire, catedrático das Escolas Politécnica e Militar, que se opunha ao sistema imaginado por Júlio César. Em sessões de 17,24 e 31 de maio de 1882, comentando o parecer emitido pelo Instituto e aprovado por un animidade, a ele se con trªpõe fron talmente, provocando longos e acalorados debates em que se envolveram, pela defesa, além do Barão de Tefé, três ilustres engenheiros: Drs . Pereira Reis, Galdino Pimen tel e Paulo de Frontin, concluindo este sua brilhante intervenção com uma advertência: " Para concluir, direi que seria muito para sentir que no In stituto Politécnico Brasileiro, no século X IX, se repetisse o erro cometido pela Academia de Ciências de França, trancando suas portas a Fulton o inventor da navegação a vapor, deixando o Instituto de, com O seu auxílio poderoso, conCOrrer para a realização do sistema Júlio César, realização que, a ser bem sucedida, a maior g16ria lançará sobre o Brasil" J

Em sessão de 21 de junho de 1882, propôs Frontin a seguinte moção de apoio ao inventor, aprovada por unanimidade na reuni ão seguinte, a 23 de junho de 1882: 7l

"Moção O Instituto Politécnico Brasileiro, confirmando seu voto já dado sobre o sistema Júlio César, manifesta-se pela exeqüibilidade teórica do mesmo sistema, e julga que somente a experiência poderá indicar as vantagens ou inconvenientes que este sistema de navegação aérea possa oferece, . Rio. 21 de junho de 1882 (assinado) Barão de reW Manoel Pereira Reis C. Galdino Pimenlel A. G. Paulo de Frontin Paula Freitas 169


o regresso a Paris foi precedido de passagem por Belém, onde o inventor foi rever a família e ultimar os planos do novo balão que, em homenagem à sua terra natal, batizaria com o nome de San· ta Maria de Belém. Em Paris, novamente enca:r:rega a Maison Lachambre de construir o seu balão definitivo, o qual ficou pronto em maio de 1884, segundo publicação dos jornais de Belém, do dia 16 daquele mês. Prestes a alcançar o sucesso, Júlio César volta a defrontar-se com problemas de falta de dinheiro. Vendo negada sua solicitação ao Maire da Comuna de Paris para realizar sua ascensão experimental em praça pública, desespera-se e regressa ao Brasil. Todavia, ao invés de dirigir-se diretamente ao Rio de Janeiro, prefere desembarcar em Belém, movido por razões sentimentais, onde chega em junho de 1884. A passagem por Belém é até compreensível. O inventor pretendia conferir à capital de sua província o privilégio de tornar-se a primeira cidade do mundo a assistir às evoluções do seu dirigível, conquanto ali não dispusesse de infra-estrutura que lhe permitisse produzir o hidrogênio necessário ao bom desenvolvimento de sua experiência . Mesmo assim, a 12 de julho de 1884, foi tentada a primeira ascensão do Santa Maria de Belém, que resultou em fracasso, devido à explosão de um dos elementos do gasômetro improvisado que construíra para fabricar hidrogênio, epis6dio que seu genro e ajudante narra nos seguintes termos: 7l "Quando o balão Santa Maria de Belém já se achava a mais de meio cheio, explodiu a bateria do centro e por isso houve deficiência de gás para completar o enchimento do balão e por essa razão malogrou-se a experiência, e nesse desastre ficou o seu auxiliar quase envenenado pelo hidrogênio, pois estava iunto do barril que explodiu. Não sendo mais possível fazer-se no Pará as experiências, deliberou Júlio César ir fa zê-las no Rio de Janeiro, porque lá obteria os recursos precisos para tal fim , recursos de que já não dispunha. Mas infelizmente nada ccnseguiu . .. " Nesse ínterim, os capitães franceses Charles Renard e Arthur C . Krebs, a 9 de agosto de 1884, apresentam em Paris o balão La France com forma aerodinâmica inédita, segundo asseveram: a fusiforme dissimétrica, cuja concepção reivindicam para si. E fora de dúvida que ambos não s6 haviam assistido à conferência de Júlio César na Societé Française de Navigation Aérienne, como também haviam tomado conhecimento de seu sistema. pela publicação no L'Aéronaute e pelo acompanhamento, nas oficinas Lachambre, da oonstfllção do Victória e do Santa Maria de Belém. 170


o La France não passava de um plágio completo, conforme pôde Júlio César imediatamente comprovar, tão logo examinou as gravuras estampadas em jornais e revistas francesas chegados a Belém.

Fig. 38 - Balão "Lo. France" dos Capitães Renard e Krebs. experimentado pela primeira vez em 9 de agosto de 1884 .

Como primeira providência contra a fraude, dirigiu-se ao Instituto Politécnico, solicitando que o mesmo atestasse a prioridade de seu sistema. A entidade s6 quase um ano depois deu solução ao requerimento de Júlio César, divulgando o seguinte parecer: 1J

"A Comissão abaixo-assinada, nomeada por este Instituto para dar parecer sobre o requerimento junto~ a ele dirigido pelo Sr. Júlio César Ribeiro de Sousa, é de opinião que: I.' - A forma adotada pelo Sr. Júlio César para os balões não nos consta que antes desse Sr. tivesse sido aplicada a nenhum aeróstato, parece.ndo-nos assim, que a ele cabe a prioridade dessa idéia. A Comissão com isso regozija-se porquanto essa forma foi não s6 seguida pelos Srs. Renard e Krebs nas experiências de Meudon, mas ainda constitui a forma geralmente aceita hoje, como se vê nos balões Wolf e Wells, estampados na "Illustriert Zeitung" de Leipzig, n. 2187, de 30 de maio do corrente ano. 2.' - Atendendo ao conjunto - forma do balão e adaptação dos planos laterais - a comissão é de parecer: que essa idéia não tendo sido até hoje apresentada, dá direito de prioridade ao Snr. Júlio César Ribeiro de Souza. Sala das Sessões do Instituto Politécnico Brasileiro~ em 8 de julho de 1885. (assinado) Luiz Schreiner' Francisco Calheiros da Graça Paulo de Prontin" \7\


Como segunda medida, redige um veemente Protesto, reivindicando para si a primazia de fato e de direito, e o faz publicar em Belém (A Província do Pará, edições de 23, 24 e 25 de outubro, 1.0 e 9 de novembro de 1884) e nos principais jornais parisienses (7 de dezembro de 1884). Em linguagem direta, faz um retrospecto da evolução dos balões e de toda a construção de sua teoria da dirigibilidade, através de um novo perfil aerodinâmico para os aeróstatos, até então não utili~ zado por projetistas ou construtores em qualquer parte do mundo. Mostra; ponto por ponto, os plágios feitos por Renard e Krebs, encerrando com um candente apelo de reconhecimento do sistema como de sua autoria. A repercussão no mundo científico foi grande, culminando com a suspensão das experiências com o balão de Renard e Krebs. Pela sua importância histórica, transcrevemos a seguir partes do notável Protesto;7l

"PROTESTO que jaz o brasileiro Júlio César Ribeiro de Sousa, único inventor dos Balões Planadores, contra o plágio de seu sistema jeito pelos capitães Renard e Krebs no balão que eles ensaiaram em Paris - Meudon, a 9 de agosto último. Por um singular desvio de espírito de todos aqueles que pretenderam inventar sistemas para a direção dos balões, todos estes pretensos sistemas tinham um caráter que lhes era comum. Eles eram, sem exceção, igualmente incapazes do movimento do qual eles não eram, verdadeiramente falando, senão frívolas, mas muito frívolas aberrações. Viam-se remos, hélices, rodas, propulsores, em uma palavra, pôr em movimento os veículos de mar e terra, e como todos esses inventores atribuiam o movimento desses . veículos exclusivamente à potência propulsiva de tais instr.umentos, eles voltavam - os sábios como os ignorantes - toda a sua atenção para os propulsores e motores que deviam acioná-los, não se preocupando nunca de desconfiar que o movimento do balão poderia ser achado por outro meio. ( ... ) Os Srs. Giffard em 1852, Dupuy de Lôme em 1872, Debayem em 1881, Tissandier em 1883, e tantos outros que se propuseram dar a solução completa dos problemas com balões alongados, puseram sempre suas esperanças de sucesso na potência dos motores e propulsores. A forma alongada ou oblonga, diziam eles, devendo produzir urna diminuição importante da resistência do ar, o balão deve naturalmente se mover como os outros veículos acionados por propulsores. ( . . .) 172


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que realmente era novo no aparelho de Giflard, era o emprego de um motcr a vapor, mas esta aplicação não constituía um sistema. Não havia nisso senão uma simples questão de natureza da força motriz. O resultado foi absolutamente nulo, como devia ser, porque o Sr. Giflard, assim como todos seus predecessores e sucessores, pensou em tudo menos em tornar o seu balão capaz de ser posto em movimento . ( ... ) Depois do Sr. Gi/fard, vém os Srs. Dupuy de Lôme e Tissandier com seus balões de uma forma absolutamente análoga à empregada pelo Sr. Gi/fard, toda diferença desses pretensos sistemas consistindo, fora a dos pequenos detalhes, na natureza dos motores e nas dimensões dos balões e das superfícies dos propulsores. Eu não falo especialmente desses três sistemas senão porque são os que fizeram mais barulho e porque todos os Qutros compartilham igualmente o absurdo, motivo pelo qual não há um só dentre eles que não traga o característico comum da absoluta inaptidão para o movimento. Ousaram escrever que os balões dos Srs . Dupuy de Lôme e Tissandier tinham uma velocidade própria de cerca de 2 a 3 metros por segundo. Mas, então, o problema estaria resolvido, porque nada mais fácil que aumentar a potência dos moteres e as dimensões das superfícies de propulsão, até ao ponto de produzir um aumento de velocidfide suficiente, pelo mimos para vencer os ventos ordinários. No entanto, a solução do problema continuou a ser procurada pelos mesmos meios, os resultados não sendo sempre senão negativos. E pois manifesto que entre todos os pretensos sistemas de balões alongados, excluídas as pequenas diferenças de detalhe, não havia nenhum que fosse fundamental em relação ao fim comum e exclusivo de todos os inventores, isto é, em relação ao movimento dos balões contra os ventos. É preciso então concluir do que acaba de ser dito, ou que o problema foi resolvido desde o dia em que se empregou o primeiro propulsor porque propulsor supõe motor, ou que se deve reconhecer que se os instrumentos de movimento devem produzir no ar os resultados que lhes são próprios na água e sob re a terra, os balões foram sempre inaptos para se os utilizar. Não podendo aceitar contra os fatos a primeira conclusão, a segunda se impôs à minha razão quando examinando o estado da questão, eu me perguntei se o homem, senhor da natureza, seria sempre impotente para abrir um caminho no ar, no enlan173


to~ foi sempre um tão cômodo meio para a locomoção das maio~ Tes aves tanto quanto para os menores insetos alados. ( . . . ) Mas, porque os balões não obedeciam aos instrumentos de movimentos? Para achar uma resposta a esta pergunta, eu cri dever estudar o movimento no próprio movimento. Eis aqui O resultado de minhas observações: 1." - O movimento dos animais e dos veículos não se veri~ fica senão quando eles se apóiam no ou sobre seus próprios meios. Mas, para que eles se apóiem, é preciso o concurso de três elementos reciprocamente necessários. Esses três elementos de apoio são: A) uma força que comprime os corpos contra a resistência do meio; B) esta resistência; C) as superfícies por meio das quais o corpo acha apoio con~ tra a resisténcia do meio; a força que comprime o corpo contra essa resistência, sendo sempre, além do peso próprio, a gravj~

dade. As dimensões dessas superfícies crescem inversamente à resistência dos meios, e o pássaro é um exemplo frisante: seus pequeninos pés bastam para apoiá~lo sobre o solo; para se apoiar sobre a água este tem necessidade de toda a superfície inferior de seu corpo, e para se apoiar sobre o ar, das enormes s uper~ fícies de suas asas e de sua cauda. ( ... ) 3." - A velocidade do movimento das superfícies motoras de~ cresce inversamente às dimensões dessas superfícies. ( ... ) 4." - Todo movimento é antes uma queda, isto é, todo movi~ mento é antes efeito da gravidade que do esforço muscular ou mecânico, este esforço se limitando 8empre a romper o equilí~ brio, ou melhor, a afastar e manter afastada da direção vertical no sentido do movimento que se constata no movimento ascen~ dente do pêndulo, ou no de um copo cheio d'água caindo verticalmente ou horizo1)talmente. 5." - Durante o movimento de um corpo qualquer, seu centro de gravidade se desloca no sentido desse movimento, ou por outra forma, todo o movimento se efetua no sentido do deslo~ camento do centro de gravidade, porque ele é sempre o efeito desse deslocamento . Esta afirmação paradoxal é, contudo, evi~ dente no movimento da locomotiva, do pêndulo, do patinador e do pássaro planador, o qual se efetua sem nenhuma impul~ são propulsiva. 6." - O centro de gravidade dos animais está sempre colocado mais próximo da extremidade anterior que de sua extremidade posterior, e a velocidade de um animal é tanto maior quanto a

2." -

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posLçao do seu centro de gravidade menos for aproximada do seu centro de alongamento. 7.0 - A velocidade não depende da potência dos motores senão indiretamente, e é por isso que o acréscimo dessa potência determina um maior afastamento da direção vertical na resultante das ações da gravidade, e por conseguinte, um maior caminho percorrido no sentido, e conseqüentemente pelo corpo, o que explica a aceleração. 8.' - A conformação dos pés do homem e dos outros animais tem evidentemente o fim de evitar as rotações, isto é, as quedas que, sem esta conformação, se verificariam para a frente, em virtude da posição natural do centro de gravidade que se acha situado na parte anterior do corpo do homem e dos animais, mesmo durante o repouso, 9.' - A diferença entre a velocidade do homem e do avestruz e de muitos quadrúpedes não é devida senão à impossibilidade em que o homem se acha, pela sua conformação vertical, de deslocar seu centro de gravidade tanto quanto esses animais, cujo alongamento horizontal do corpo e a extensão longitudinal da base de sustentação lhes 'permite ampliar facilmente no sentido longitudinal o deslocamento do centro de gravidade, 10. 0 - A forma alongada dos animais e dos veículos é determinada pela necessidade de regularizar o movimento, tornando fácil o deslocamento do centro de gravidade, ou se se quer, forçando a resultante das ações da gravidade a se dirigir naturalmente antes no sentido do ' alongamento que em outro quando ela se afasta da direção vertical, a diminuição da resistência dos meios não chegando senão como corolário. . 0 11. Os fenômenos chamados velocidade adquirida, 10lça viva, força centrífuga, não são manifestações diferentes do afastamento da resultante das ações da gravidade da sua direção vertical, durante o movimento e no sentido dele. ( ... ) 12. 0 - A velocidade da locomotiva não é superior à dos animais senão porque o centro de gravidade destes oscila longitudinalmente e lateralmente, quando os pés encontram o solo e se afastam, enquanto que na locomotiva o centro de gravidade não sofre oscilações senão de uma maneira bem menos sensível. 13,0 O inseto e o pássaro remador batem o ar antes para subir ou manter a uma altura con veniente, que para avançar, sua progressão resultando quase inteiramente da composição de seu peso com a resistência do ar, por meio das inclinações das asas e da cauda . 14,0 _ Certos pássaros remadores tornam-se planadores, à medida que aumenta a intensidade do vent.o, e os melhores velei175


ros ou planadores tornam-se em pouco remadores, à medida que esta intensidade diminui . A resistência do ar sendo maior quando ele se move que quando ele está em repouso, e seu movimento durante o vento tendo uma direção mais ou menos horizontal, o pássaro necessita menos esforço para se manter e para avançar,' e porque o seu apoio é então maior, e porque a componente da resistência do ar, que é vertical durante a calma, tornando-se mais ou menos horizontal durante o vento, a resultante torna-se mais facilmente ho-' rizontal, se o pássaro não inclina demasiado suas asas, caso no qual ele sobe mais ou menos obliquamente. N6s devemos atribuir isto, não somente ao acréscimo da intensidade da resistência do ar durante o vento, mas ainda a que essa resistência se aproxima da direção horizontal, O que aumenta por sua vez o ponto de apoio para o pássaro e lhe facilita, por meio de inclinação das asas e da cauda, a direção mais ou menos horizontal da resultante de peso e da resistência do ar. 15. 0 - O vôo planado ou vôo a vela não é nunca obtido por nenhum voador desprovido de cauda, nem por aqueles que têm caudas rudimentares, qualquer que seja o tamanho das asas. 16. 0 - Esta espécie de vôo, isto é, o vôo planado, se efetua ou pode se efetuar sempre sem impulsão prévia, da maneira seguinte: O pássaro abandonado no ar pelo seu peso, cairia fatalmente, se ele não abrisse suas asas e sua cauda; abrindo-as ele não pode cair verticalmente, mas, não achando no ar senão um apoio mu:to m6vel ele não pode também ficar em repouso. Seu peso continua a fazê-lo cair, somente sua queda modificada pela resistência do ar contra a superfície das asas e da cauda, convenientemente inclinadas, não podendo mais se efetuar na direção vertical, torna-se movimento progressivo, sua aproximação da horizontalidade dependendo igualmente da posição do seu centro de gravidade, da inclinação de suas asas e de sua cauda, e da existência de um vento não muito fraco, qualquer que seja a direção dele em relação à do pássaro que, contudo, se aproxima com vantagem do vôo horizontal. quando ele se dirige contra o vento. Com o fim de obter o vôo planado, o pássaro desloca seu centro de gravidade para a parte anterior do corpo, dando a este uma posição completamente diferente da que ele toma quando ele marcha sobre o solo. Com efeito, vê-se que neste último caso ele tem sempre a cabeça levantada, enquanto que para voar ele a baixa conservando O pescoço bem distendido, ao mesmo tempo que levanta os pés por baixo da cauda. Assim fazendo. seu centro de gravi176


dade se desloca para a frente~ isto é, o fa z cair mais ou menos horizontalmente segundo a amplitude dos ângulos formados pelas asas e cauda. Esta queda horizontal, corno se vê, não tem necessidade alguma de urna impulsão prévia, todo O esforço do pássaro planador consistindo em manter suas asas e sua cauda abertas, em incliná-las e contraí-las de acordo com a necessidade, e em evitar as oscilações longitudinais e laterais de seu centro de gravidade. 17.0 A mudança de direção do pássaro é ainda obtida pelo deslocameneo do centro de gravidade sobre o lado para o qual ele quer se dirigir, deslocamento que ele obtém sempre abaixando a asa desse lado e levantando a outra. Tendo compreendido o movimento em geral e particularmente o dos pássaros planadores, como acaba de ser dito, o balão me pareceu em seguida o que ele sempre foi antes da aparição do meu sistema, isto é, ele me pareceu a mais flagrante contradição das leis do movimento . ( ... ) Com efeito, a força ascensional não teve nunca outro fim senão o de produzir a elevação, nenhum inventor tendo nunca tido a idé:a de obter efeitos dinâmicos da gravidade, e isto por esta razão: que nenhum entre eles nunca tendo desconfiado do pap31 essencial e necessário que a gravidade exerce em todos os movimentos, ipso facto nenhum deles poderia pensar em assimilar um balão leve e um corpo pesado, isto é, em reproduzir os efeitos dinâmicos da força vertical, dita peso, além da gravidade, por meio da força inversamente vertical, dita força ascensional dos balões. ( ... ) Os que se dizem inventores não tendo pedido nunca ter a idéia de assimilar os balões aos corpos graves, isto é, não tendo podido nunca pensar em lhes dar uma força capaz de lhes servir de ponto de apoio e de os fazer avançar, idêntica ao peso que apóia e faz marchar os corpos graves; muito naturalmente eles também não pensaram nunca em munir O balão de superfícies resistentes à ascensão, sem as quais, quando o balão tivesse a grande força ascensional capaz de produzir sua progressão, isto é, proporcional ao peso dos corpos graves, ele .subirá para as altas regiões da atmosfera, da mesma forma que um grão de chumbo ou de ferro desce às profundezas do mar, O apoio do balão livre e conseqüentemente sua progressão, tornando-se então absolutamente impossível . Como para pôr o cúmulo à inaptidão dos balões para o movimento~ como para bem caracterizar todos esses sistemas lhes dando mesmo um característico, que deveria tornar para sempre que, por diferentes que o cressem, por pueris modificações de detalhe, eles foram sempre uma s6 e mesma aberração das 171


leis do movimento; como, em uma palavra, para evitar toda confusão no futuro, punha-se o maior cuidado do mundo para que a forma alongada ou oblonga fosse a mais simétrica possível, e todo o mundo estando persuadido que a estabilidade longitudinal dependia, absolutamente de uma tal simetria, então todos os balões alongados, qualquer que fosse a sua forma, tinham ou deveriam ter o centro da força ascensional - falsamente chamado centro de gravidade - exatamente, mas bem exatamente no CENTRO do alongamento. Contudo, agindo assim, não se esforçavam senão para tornar o balão incapaz de movimento, isto é, do objeto mesmo de todas as pesquisas. Desse modo esses inventores dedicavam-se, sem pensar, em tornar impossível o que eles se esforçavam para descobrir - a direção dos balões! Houve, é verdade, um inventor do qual não me lembro o nome, que fez exceção à regra geral, mas não foi senão para aumentar o absurdo comum: ele pôs o centro da força ascensional na parte posterior do balão! ( ... ) As coisas estavam nesse pé, quando nc começo de 1880, toda a imprensa do Brasil anunciou que EU tinha inventado um sistema para a direção dos balões. No começo do ano seguinte, em 1881, o In stituto Poiitécnico Brasileiro do Rio de Janeiro adotava, por UNANIMIDADE, um Parecer bastante desenvolvido da Seção de Ciências Físicas. ( ...) O SISTEMA SOBRE O QUAL O INSTITUTO POLlTEcNICO BRASILEIRO, DEPOIS DE UM EXAME TÀO SERlO QUANTO DETALHADO DE SUA SEÇÀO DE CIENCIAS FlSICAS, DEU UM VEREDICTO TÀO PRECISO, E JUSTAMENTE AQUELE CUJA COPIA FOI ENSAIADA EM PARIS - MEUDON PELOS CAPITÀES RENARD E KREBS, ISTO E, E O MEU SISTEMA, APESAR DOS RIDlCULOS DISFARCES QUE LHE FIZERAM . Para pôr em evidência (liante do supremo tribunal da História e em face da Consciência Universal, onde eu venho demandar meus direitos de inventor, para demonstrar a verdade de minha afirmação, e em seguida a justiça da minha causa, me é preciso não somente mostrar a identidade dos dois sistemas, segundo a identidade dos princípios que os constituem, mas também tornar o mais manifesto possível a originaljade do meu, e sua grande notoriedade ANTERIOR DE TREs ANOS (3 anos) mais ou menos, à; aparição repentina e inesperada do pretenso sistema RENARD-KREBS. Meu sistema não é senão a aplicação à direção dos balões dos 178


prinCIpIaS acima indicados do movimento em geral, mais particularmente do v60, dito v60 a vela Ou v60 planado. Meu aeróstato é, por assim dizer, um pássaro tomado em sentido invertido, isto é, eu inverti o pássaro planador e, admitindo que ele é mais leve que o ar, eu lhe dou superficies de resistência que sejam para a leveza ou força ascensional do sistema, o que as asas e a cauda do pássaro são para o seu peso. Da mesma forma que no pássaro é sempre proporcional às dimensões das superfícies do ponto de apoio e que tanto estas, como o peso, são proporcionais à mobilidade do ar, assim a força ascensional e as dimensões das superfícies de resistência do balão do meu sistema são proporcionais entre si e proporcionais à mobilidade do ar. Isto quer dizer que a força ascensional não pode ser mais de alguns quilogramas, como sempre foi, mas que deve ser tal que, comprimindo e apoiando de baixo para cima os plpnos ou superfícies resistentes do balão contra a pressão do ar de cima para baixo, isto é, inversamente ao peso do pássaro, não somente ela apóia o balão contra o ar, mas o impele também para a frente apesar dos ventos ordinários, como o peso -manifestamente impele o pássaro, quando ele plana; o patinador, quando ele desliza; o pêndulo, quando ele oscila; a água, quando se torna corrente ou jacto; o ar, quando na sua queda ele se torna vento leve, brisa, furacão, ciclone _ . O alongamento dos corpos que devem se mover por si próprios, sendo, como foi dito há pouco, indispensál.;el à uniformidade da direção da resultante das ações da gravidade, quando ela se afasta da vertical, segue-se que o balão deve ser ele também alongado, mas por esse motivo essencial e não, como sempre fizeram, para dominar a resistência do ar à sua progressão, esta diminuição saltando como um corolário do alongamento. Mas a Inteligência Absoluta, que assitrt predispõe os corpos para o movimento, não parou aí. Se o centro de gravidade dos animais fosse atrás, se fosse, duo rante o repouso, bem exatamente no centro do alongamento, poderia ocasionar quedas ascensionais, isto é, o movimento se reproduziria tão bem para a retaguarda como para a frente, a marcha ordinária tornando-se tanto mais penosa quanto mais à retaguarda estivesse o centro de gravidade _ Eis porque o centro de gravidade foi colocado na parte anterior dos animais, sua velocidade sendo sempre tanto maior quanto mais o centro de gravidade estiver menos aproximado do (:entro de seu alongamento. Daí, a necessidade de fixar o centro de força ascensional na 179


parte anterior do balão, afastando-o tanto quanto possível do centro de alongamento. Para esse ~feito, o balão deve necessariamente ter uma maior capacidade na sua parte anterior, seu maior diâmetro como o mostra o presente desenho, estando muito perto da proa, da qual ele não está afastado senão de Um quinto de comprimento do balão, este grande diâmetro sendo também de um quinto, no máximo, deste comprimento. Eis aí a marca essencial do meu sistema; eis aí o traço que, ao primeiro golpe de vista, o torna perfeitamente típico, perfeitamente paradoxal e distinto de todos os sistemas que o precederam; eis aí, em uma palavra, o magnum signum que faz antecipadamente uma exceção manifesta do absurdo e rotina gerais. Com efeito, seu alongamento e seus planos têm razão de ser, e por conseguinte aplicações absolutamente novas,' contudo, já se havia visto balões alongados; contudo, já se havia visto planos aplicados a alguns balões, e conquanto a forma alongada tanto quanto os planos tivessem sempre sido aplicados irracionalmente, contudo poder-se-ia crer, sem compreender o meu sistema, que seu alongamento e seus planos eram mais ou menos semelhantes àqueles que já se havia visto. Aquilo que, em tempo algum, tinha sido visto ainda, era a maior capacidade na parte anterior de um balão, uma tal conformação tendo sido sempre cuidadosamente evitada, porque ela foi sempre acusada de ser não somente absolutamente oposta à estabilidade, mas também absolutamente nociva à velocidade. (... ) No meu sistema esta forma é aproveitada, porque as pressões de rec.uo do ar se exercem obliquamente contra os quatro quintos do comprimento do balão de trás para diante, e - fora os casos de desvios que possam ser ocasionados por qualquer irregularidade de forma - Sua resultante tomando naturalmente a direção do grande eixo do balão, se ela não compensa exatamente; ela diminui certamente de muito o retardo produzido pela resistência direta do ar à progressão, resistência que opera na proa e que não age senão sobre a pequena face do C]uinto de alongamento, enquanto que o recuo do ar produzido à retaguarda, age sobre a enorme superfície dos outros quatro quintos. Assim a forma do meu balão torna-se ainda, se possível, mais original e extraorçlinária, por esta propriedade, que lhe é também exclusiva como todas as outras, de fazer do próprio ar um elemento constante da velocidade do aparelho . Além desses motivos de preferência pela forma que eu inventei sobre a cilíndrica, há ainda um outro muito sério, pelo menos enquanto os balões forem flexíveis, isto é, enquanto não se admitir um sistema de balões sólidos, e ei-lo aqui: quando um balão 180


cilindrico levantasse sua popa, ou quando não estando bem cheio, o vento deformaria sua proa tornando-a côncava, o centro de força ascensional se deslocaria para a popa e seu movimento se produziria em seguida para a retaguarda. Para resumir tanto quanto possível a exposição do meu sistema eu direi: que ele deve ter pelo menos duas asas e uma cauda colocada sob o balão, para que o equilíbrio seja estável; que as asas, não sendo duas, não devem nunca ser separadas de mais de dois metros do balão; que elas devem ter inclinações laterais e longitudinais; que estas inclinações se efetuam sobre a base de cada asa; que a cauda deve agir como um braço de a!avanca e produzir com as asas a direção nO sentido vertical; que a direção lateral deve ser obtida pelo deslocamento do centro de força ascensional para o lado para o qual se queira dirigir, este deslocamento sendo obtido pela inclinação oposta das asas, inversamente ao que já foi dito sobre a mudança de direção lateral do pássaro; que o balão sobe como o pássaro desce e vice-versa, sem haver para isso necessidade de perder gás nem lastro; que as superficies das asas e da cauda devem, a exemplo das do pássaro, poder se contrair ou se distender, de acordo com as necessidades, segundo as diferentes intensidades dos ventos; que a progressão ou marcha do balão contra os ventos sobrevirá, mesmo independentemente de motores, enquanto a força ascensional do balão, que o deve levantar, seja superior à resistência dos ventos à progressão; que os balões em' tela não devem servir senão para constatar a dirigibilidade dos navios aÉreos; que para a navegação regular, por paradoxal que seja esta proposição. os balões devem ser sóli~os, em aço. por exemplo; que eles não devem ser cheios com hidrogênio nem outro gás, mas que se deve extrair o ar por meio de bombas pneumáticas, o que permitindo as mais longas explorações e a Luta com os ventos for tes, e afastando as dificuldades e os perigos inerentes aos balões a gás, tornará esse gênero de navegação econ{mico, e por isso universal.' que no meu sistema, o motor deve ser simples auxiliar; que a preferência de tal motor sobre tal outro se toma uma questão de economia; e, enfim, que este sistema figura um pássaro de asas triangulares, mais longas que largas, que planaria horizontalmente, ou pouco mais ou menos, tendo o dorso voltado para a terra. Eis aí, ainda que muito resumido, meu sistema de balões dirigíveis, chamado de balões planadores. Vê-se que não pode ser mais original, seja considerando cada um dos seus elementos constitutivos, seja no conjunto desses mesmos elementos. Absolutamente empírico e absolutamente racional, ele foi o 181


jacto de luz na noite tenebrosa, em que a rotina tateava, sem desconfiar de que lado, como, nem quando o dia da Verdade deveria apontar . Podia ser que esse sistema não tivesse sido conhecido dos Srs. Renard e Krebs, antes dos ensaios que eles fizeram em Paris a 9 de agosto último? (1884). Podia ser que esses Srs. - por uma simples coincidência tivessem reunidos em seu sistema todos os princípios que eu descobri, todos os elementos que eu deduzi desses princípios, e que constituem o meu? Absolutamente! Depois de ter evidenciado a originalidade absoluta do meu sistema, eu vou também pôr em evidência sua grande notoriedade e o conhecimento que, pelo menos, o primeiro desses inventores, o Sr. Renard, tem desde o mês de outubro de 1881 . A "27 de outubro de 1881, eu fiz em Paris a leitura de minha MEMÓRIA, sobre a navegação aérea, diante da Société Française de Navigation Aérienne, como se pode ver no "L'Aéronaute", boletim mensal desta Sociedade, da qual o Sr. Renard foi presidente até o mis de junho de 1881, e da qual ele e o Sr. Krebs são membros, e da qual eu mesmo fui nomeado Membre associé na sessão de 8 de novembro desse ano. Por um muito singular contraste, a Sociedade me honrando com esse título, seu órgão - "L'Aéronaute" - não fez senão uma simples menção de minha conferência, no processo verbal da sessão em que ela teve lugar . Contudo "Le Brésil", jornal brasileiro publicado em Paris, na sua edição de 5 de novembro, a primeira que seguiu à sessão em que fiz minha conferência, dava a noticia nesses termos: "Le 27 Octobre, Mr. Julio Cesar Ribeiro de Souza, qui vient d'obtenir en France un Brevet pour un systeme de Ballons Planeurs, a fait une conférence sur sa nouvelle théorie. Dans un language clair et précis, il a montré l'inanité des systêmes de navigation aérienne, tentés jusqu'à ce jour, et a développé le systême, qu'il se propose d'inaugurer bientôt par des demonstrations practiques. Notre compatriote a eu un grand succés. Dans l'assistancc" nous avons remarqué un grand nornbre .de Brésiliens" .

A 8 de novembro eu ensaiava nas oficinas do Sr. Lachambre, 24, Passage des Favorites, Paris, um Balão do meu sistema medindo 10 metros de comprimento e dois de diâmetro, e nos dias seguintes a imprensa de Paris publicou o processo verbal que se segue: 182


"Os abaixo-assinados declaram ter visto nas experiências de terça·feira,8 de novembro de 1881 , o balão dirigível VICTÚRIA (de dez metros de comprimento) avançar contra o vento SEM NEN HUM ESFORÇO E SEM AuxILIO DE NENHUM PRO· PULSaR. A fé do que nós assinamos o presente processo verbal - Ch. Deck, N. Vieillard (100, Rue des Verennes), A. Rey· naud, E. Gourdon, A. Roul1et, H. Lachambre, construtor em Paris . P. S. - Este aeróstato foi construído de acordo com os planos do Sr . Júlio César Ribeiro de Sousa, inventor brasileiro." Não conhecendo os outros signatários do processo verbal que eu não me lembro ter visto senão nesse dia, seu testemunho pode não ser aceito, se quiserem, mas o mesmo não pode ser feito com o Sr . Lachambre, aeronauta distingu ido, e sem dúvida alguma o primeiro construtor ou fabricante de balões do mundo inteiro, o qual n20 somente assinou, mas escreveu ele pr6prio o processo verbal, fazendo-o assinar pelas pessoas por acaso presentes nesta ocasião, e que eram, eu creio, de seu conhecimento, entre outros um dos Maires de Paris. A 12 de novemb ro, eu fiz novas experiências com o VICTORIA: fui em pessoa con'd dar todos os membros da Société Française de Navigation A érienne para assist i-las. Durante três horas mais ou menos, o Vict6ria avançou em todas as direçees, marchando contra o vento, que tinha então uma velocidade superior a 8 metros por segundo, todas as vezes que se larga va, tendo a proa contra o vento . Essas experiências foram assistidas por numerosas testemunhas: Sr . Araújo, encarregado dos negócios do Brasil, em França, Sr. Cel. Barão de Friedericks, ajudante de campo de S.ua Majestade o Imperador da Rússia, adido militar à Embaixada Russa em Paris, aí se achando presentes. Eu aí não reconheci senão dois membros da Société Française de Navigation Aérienne,' os Srs. Du H auvel e Joubert, sem contar o Sr. Lachambre, que aí se achava também. Os Srs. Joubert e Du Hauvel, o primeiro na sessão de 8 de dezembro, isto é, 18 dias depois de minha partida para o Brasil, e o segundo na de 24 de novembro, fizeram à sua moda, a critica dos ensaios de 12 de novembro, mas conquanto não fosse isto senão uma crítica ligeira, e tendo O fim evidente de desacreditar o meu sistema, eles não fizeram senão atestar de maneira menos suspeita sua manifesta superioridade sobre todos esse formidáveis brinquedos de criança que chamam enfaticamente: Sistemas de Navegação Aérea . 183


Assim, o Sr. Du Hauvel, depois de ter descrito a forma do balão e os elementos constituídos do meu sistema, querendo diminuir os resultados das experiências confessou que ale ballon marchait le nez au vent". O Sr. ]oubert ' apresenta a idéia de pôr "une armature ou chémise en jorme de parapluie à la proue du balion, pour les poches (cavités ou bosses) que la résistence du vent pourrait y produire p2ndant que te ballon AVANCAIT (dane il avancai!!) retardant ainsi la marche en avan! du balion". Falando assim, esses Srs. se constituíram as testemunhas menos s '.Jspei~as de um acontecimento sem igual na História a marcha de um balão contra o vento, este balão não tendo nenhum motor nem propulsor! Um tal jato é tanto mais surpreendente e curioso porque não foi produzido por nenhum instrumento de movimento, tal como motor ou propulsor, então segundo a crença geral indispensáveis a qualquer movimento e à marcha do balão não se tinha obtido por outros meios. aL'Aéronaute" de janeiro de 1882 publica as palavras dos Srs.

Du Hauve/ e Joubert . Já que a ocasião se apresenta eu devo dizer que a idéia, contudo bastante secundária, de pôr uma armadura ou camisa rígida na proa do balão, idéia que o Sr. Joubert apresentou tão ingenuamente como sendo dele, não lhe pertence. O Sr. Joubert devia construir todos os aparelhos do meu sistema, menos o balão, e, entre outros conselhos que ele pretendeu me dar, ele condenou várias vezes a camisa que era um desses aparelhos. Um dia, em presença do Sr. Lachambre e de dois compatriotas meus, ele jez parada de toda sua ciência com O fim de me convencer do absurdo da minha idéia de pôr uma armadura ou camisa à proa do meu balão. Muito bem! depois dos meus ensaios e minha partida, a opinião do Sr. ]oubert sofreu uma tal metamorfose que não somente ele aceita, mas não teme mesmo apresentar a idéia que ele condenou algum tempo antes, como uma idéia dele! . . . Voltemos às experiências. O jornal "Le Ballon", depois de haver reproduzido uma notícia publicada pelo aLe Telegraphe", acrescenta que os ensaios "provaram que o VICTÓRIA avançava contra o vento, sem nenhum esforço e sem o auxílio de nenhum propulsor", (Ver "Le Ballon" de janeiromarço de 1882. página 34). Sete jornais do Pará e os mais importantes do Rio de Janeiro disseram a mesma coisa dos ensaios do VICTÓRIA que se realizaram no Pará a 25 de dezembro de 1881. e no Rio de Janeiro a 29 de março de 1882. 184


Eu pedi os brevês de invenção na França, Inglaterra, Rússia, Itália, Estados Unidos da América, Bélgica, Portugal, Espanha, Alemanha e Austria . Exceto esses dois últimos países, de onde me pediram explicações a respeito do motor, porque não haviam compreendido o meu sistema, todos os outros me deram as patentes pedidas, meu país tendo ;á me concedido uma anteriormente. Assim, a exposição do meu sistema se acha desde 1881, nos arquivos de onze (11) países diferentes, em alguns dos quais ela foi publicada com os desenhos pelos Governos de acordo com as leis respectivas. Os jornais, eles também, aumentaram a notoriedade do meu sistema, a um tal ponto que o Sr. Dieuaide, secretário da Société Française de Navigation Aérienne, que foi quem pediu todas as minhas patentes, menos a brasileira, me escrevia no ano passado, "que não era mais possível para mim obter as patentes nas possessões inglesas nas Indias e Oceânia, por causa da grande publicidade dada ao meu sistema, particularmente pelos ;ornais ingleses." Além da conferência, os ensaios, as publicações relativas ao meu sistema das quais ;á falei e que foram feitas em Paris, eu aí fiz publicar, pelo uLe Brésil", e em francês, minha "Memória sobre a Navegação Aérea", não substa,ncialmente, mas de uma maneira bem mais detalhada_ Alguém tendo provocado em 1882 uma discussão no Rio de Janeiro a propósito da minha invenção, os professores de mais nomeada dessa Capital defenderam o meu sistema por artigos importantes na imprensa, e no Instituto, por discursos, tão numersos quànto luminosos, cuia maior parte foi publicada; essa discussão" que durou cerca de dois meses no In stituto, terminou aí pela aprovação por unanimidade de uma moção confirmando as conclusões do relatório que ele havia adotado em 1881. Depois de tudo o que foi dito, como acreditar que os Srs. Renard (este nome em fran cês significa a raposa!), Krebs (nome alemão que quer dizer siri ou carangue;o), não tivessem tido nenhum conhecimento do meu sistema, quando eles são membros da Société Française de Navigation Aérienne, da qual o Sr. Renard loi presidente até o mês de ;unho de 1881 , quando eles devem ler "L'Aeronaute" no qual o Sr. Renard publicou de março a setembro de 1881, uma série de longos artigos sobre a "pésanteur re/ative des ballons" e sobre os "Aérostats à volume maximum variable", quando eles devem ler "Le Ballon", tanto quanto "L'Aéronaute", para estar ao corrente de tudo o que concerne à Aeronáutica, COmo O acreditar, quan· do esses Srs. têm a seu cargo um estabelecimento militar de aeronáu ~ tica. onde desde 1877 o Governo Francês dispendeu milhões de fran ~ 185


cos? (Ver n. 10 do jornal "L'Astronomie" de outubro último, página 369). As considerações precedentes bastam para que o bom senso possa concluir o conhecimento pleno que os Srs. Renard e Krebs têm do meu. sistema desde o mês de outubro de 1881, mas, além do conhecimento que eles devem ter pela notoriedade do meu sistema, eles têm, ainda, ou pelo menos o Sr. Renard tem conhecimento de vista, porque ele viu o VICTOR IA l1a casa Lachambre, porque um Capitão, pertencente ao Parc d'Aérostation Militaire de Chalais - Meudon, do qual não guardei o nome, mas que com certeza não é oulro senão o Sr. Renard, exclamou um dia diante do Sr. Lachambre a propósito do meu sistema: "Quelle belle idée! et combien c'est à plaindre qu'elle ne soit p!utôt venue à l'esprit d'un français!" Ora, de acordo com a exposição feita acima e de cada elemento do meu sistema e do conjunto de elementos que o constituem, comparando os desenhos publicados com este PROTESTO de meus direitos, vê-se, logo. pela forma do balão Renard-Krebs, isto é, pela sua maior capacidade na parte anterior - o que constitui o característico, o magnum signum do meu sistema - que o citado balão não é outra coisa senão uma c6pia servil do meu (suas primeiras experiências datam de 1884, e as minhas tiveram lugar desde 1881). Uma tal forma tendo sido sempre acusada de ser contrária à estabilidade e à velocidade, se ela não foi aplicada senão por um simples capricho e sem um fim determinado, ela o deve ter sido com o fim de satisfazer aos princípios que eu pousei há pouco. e que a determinam em meu sistema. Assim o balão deve ter uma força ascensional em função efetiva, que seja para ele o que o peso é para o pássaro, isto é, uma força ascensional extraordinária, e bastante intensa para poder apoiar O balão e a fazer avançar contra o vento. Parece, ao primeiro aspecto, impossível de constatar se a intensidade da força ascensional no balão Renard-Krebs é análoga à do meu sistema. Nada mais fácil, no entanto . Com efeito, uma semelhante intensidade supondo uma resistên· cia indispensável ao apoio, exige necessariamente uma ou várias su· perficies resistentes, colocadas inferiormente ao balão, isto é, que o aparelho deve reunir todos os elementos essenciais constitutivos do meu sistema. Ora, as descrições que foram publicadas por testemunhas oculares dos ensaios do balão Renard·Krebs, dizem que a barquinha traz um p.'ano de 30 metros de comprimento sobre 3 metros de largura (30x3), donde se segue que o balão tem uma (? .. ç superfície resis186


tente de cerca de 100 metros quadrados (100 m'); superfície que eviden temente exige uma força ascensional absoluta Jora do comum. f, pois, evidente que o sistema Renard-Krehs é inteiramente baseado sobre os princípios do meu sistema, do qual ele reúne todos os elementos essenciais. Pode-se dizer que os Srs. Pettin. Ma ngin e alguns outros inventores live;am a idéia de empregar planos resistentes. Mas esses planos no sistema Mangin devem ser retangulares e colocados bem no

centro do alongamento do balão, sobre '0 prolongamento lateral do seu maior plano horizontal, os eixos desses planos sendo eqüidistantes de suas extremidades longitudinais, de modo que a força ascensional não podia nunca ser decomposta horizontalmente. ( ... ) Para o sistema Pettin, havia com efeito, oito planos inclinados podendo fazer uma revolução completa em torno dos eixos postos paralelamente sobre os lados maiores de um retângulo, suspenso a trés balões mais ou menos esféricos, devendo produzir ascensões e descidas inclinadas, à medida que se tornasse o aparelho mais leve ou mais pesado que O volume de ar deslocado. o Sr. Pettin se limitando a pretender navegar modestamente COm ventos favoráveis ou em uma atmosfera calma (Ver a "Notice explicative du systeme Pettin", par M. de Chabannes. Paris. Imprimerie Paul Dupont, 185 1 . - e ''L'Encyc/opédie'' de Bouasse - Lebel). Assim, nenhuma analogia entre os planos do meu sistema e os dos sistemas Pettin e Mangin. uma vez que esses últimos deviam obter subidas ou descidas oblíquas, além disso absolutamente impossíveis de obter por meio dos seus planos, enquanto que os planos do meu sistema devem produzir e produziram já a progressão horizontal, os ventos contrários de uma certa intensidade sendo para a mio nha invenção preferíveis às calmas, independentemente de qualquer motor e propulsor. Enfim, meu sistema é a inversão do pássaro planador, e nem o Sr. Mangin, nem o Sr. Pettin, nem absolutamente ninguém apresentou nunca antes de mim a idéia de uma semelhante inversão, o que torna absolutamente sui generis, radicalmente ORIGI NAL e diferente de todos os pretensos sistemas que o precederam. Portanto, é igualmente impossível aos Srs. R enard e Kreb s não terem tido conhecimento do meu sistema, e de o terem imitado por acaso e de terem imitado um outro antes que o meu, tão essencialmente semelhante ao deles quanto diferente de todos os outros. Ora, pelo histórico do balão Renard-Krebs que o 5r. B. de Gri/leau acaba de publicar no UFigaro" (ve r o n. de 29 de agosto, não foi senão em 1882, isto é, não foi senão alguns meses depois dos ensaios do "Viclória" e depois da notoriedade e publicidade imensas do meu sistema em Paris e no mundo inteiro, não foi senão então que os Srs. Renard e Krebs fizeram e ensaiaram os primeiros mode· 187


los dos seus balões dirigíveis, um dos quais media 11 metros de comprimento e o outro 16 metros . Ora, segundÇJ esse mesmo documento, sabe-se ainda que o primeiro projeto do Sr. Renard, antes da experiência do "Victória n , era o de um balão alongado atravessado em todo o seu comprimento por .um tubo, isto é, aberto lubularmente de ponta a ponta, devendo a hélice fun cionar no interior desse tubo e bem no centro do balão; sabe-se, enfim, que esse balão "était loin de ressembler a celui qui fut éxécuté en 1883 ". Enfim, minha patente francesa traz a data de 25 de outubro de 1881, e se esses Srs. tiveram a idéia de seu balão antes de ter conhecido o meu, eles devem ter uma patente com data anterior a essa e portanto um número inferior a 145.512, que é o da minha patente francesa; o que eu não temo e os desafio a provar o contrário, tanto o fato contrário é saliente e manifesto, tanto a verdade é clara e evidente. Em uma palavra, essa prova decisiva não a farão, eu estou certo. No entanto, no relatório de suas experiências de 9 de agosto, publicado na "Révue Scientifique" de 23 desse mesmo mês, os Srs. Renard e Krebs dizem "qu'ils ont été guidés dons leurs travaux par les études de Mr. Dupuy de Lôme rélatives à la construction de son aérostat de 1870-1872". Ora, o balão do Sr. Dupuy de Lôme tinha um comprimento de 36m,12 por 14m,84, isto é, o comprimento não era nem duas vezes e meia o diâmetro. Meu balão "Victória" que o Sr. Renard viu em Paris em 188 1, tinha um comprimento de cinco vezes o diâmetro. A ssim, o balão Renard tendo um comprimento de seis vezes o diâmetro, é claro como o dia que em relação ao alongamento, se o Sr. Renard foi guiado por estudos anteriores, foi antes pelos meus que pelos do Sr. Dupu)' de Lôme. Esta conclusão se toma peremptória, se se considera que a posição do maior diâmetro no balão Dupuy de Lôme é bem no centro do alongamento, e que esta posi· ção se acha à proa do balão no meu sistema, da mesma forma que no do Sr. Renard. Para tornar manifesta a semelhança no balão Renard com o meu balão " ViCiaria", e sua diferença do balão Dupuy de Lôme, eu publico, também, Um desenho deste, que pertence não ao tipo dos aeróstatos cilíndricos, mas ao tipo comum dos balões alongados. ( ... ) Mas felizmente, apesar do cuidado extraordinário, empregado com o fim de dissimular e disfarçar a verdade, a cópia é manifesta, mas felizmente toda cópia sendo sempre de muito inferior ao seu original.. o sistema Renard-Krebs, - como eu havia dito e escrito antes da noticia do fracasso que estes inventores sofreram, há dias em um segundo ensaio com vento, - este sistema não tem chance 188


de navegar contra um vento qualquer a menos que ele se aproxime mais e mais do seu original; mas, felizmente ainda, nós não estamos mais no século em que, sem meios de publicidade, América Vespúcio dava seu nome ao continente descoberto por Cristóvão Colombo. Eu dirigirei este protesto ao mundo inteiro; eu o espalharei por todas as sociedades científicas; eu o endereçarei a todos os Governos dos paises civilizados e a todos os jornais de que eu possa ter conhe· cimento. Minha patente francesa está anulada, como quase todas as ou· tras; meu sistema pode hoje ser ensaiado e explorado por quem o queira não somente na França mas também nos outros países onde eu fui patenteado. EU ME SENTIRIA FELlClsSIMO EM VER MINHA INVENÇAO TORNAR-SE OTlL A HUMANIDADE, COM A CONDIÇAO, CONTUDO, QUE SE RECONHEÇA QUE O INVENTOR SOU EU.

Meu principal objetivo, pedindo tantas patentes da invenção, não foi outro senão garantir perante a História a prioridade da minha invenção, e esse objetivo foi plenamente atingido para o futuro . O que eu não posso tolerar, o que me faz protestar com todas as minhas forças diante da Consciência Universal, é este disfarce, é esta cópia, é essa expatriação do meu sistema exclusivamente brasi· leiro, porque ele não foi absolutamente copiado de nenhum modelo imaginado em outra parte, mas somente dos modelos naturais que o CRIADOR pôs ao meu alcance na imensa multidão dos grandes pássaros planadores, que, da manhã à tarde, juntam o encanto do movimento e da vida ao ofuscante e incomparável espetáculo do céu do meu Pais. Pará, 25 de outubro de 1884. fOLIO CESAR RIBEIRO DE SOUSA."

Após tomar conhecimento de que a Comissão designada para elaborar parecer sobre a sua prioridade já o ,havia apresentado em plenário, a 8 de julho de 1885, para discussão e futura aprovação, Júlio César seguiu novamente para o Rio de Janeiro, onde chega em fins de agosto deste mesmo ano, solicitando imediatamente permissão ao Instituto para realizar uma conferência pública. Na sessão de 2 de setembro de 1885, foi aprovado o parecer, já transcrito em página anterior, e foi também marcada a reunião pública para o dia seguinte. Contou esta com a presença do Impe· rador, do Conde d'Eu, da maioria dos sócios e grande público. Vale a pena transcrever alguns trechos da ata dessa reunião, os quais expressam com clareza o pensamento do expositor:

"Estando estabelecido o plágio dr: minha invenção, tão in~ dubitavelmente, tão claramente discutida e julgada pelo [nsti· 189


luto Politécnico, como foi dito e é notório, e como não se pode esperar uma reparação espontânea da Academia Francesa para com o 1WSSO país, somente pelo meu "Protesto", eu venho pedir à douta corporação do Instituto para interpor sua autoridade e seu prestígio científico a fim de reivindicar a tempo para o Império Brasileiro a invenção que só a ele pertence, de modo que não se reproduza no fim do século XIX, em relação à direção dos balões, com ciência e consciência desta sábia e patriótica assembléia, o mesmo crime de lesa-história e de lesa-justiça pela qual - singular coincidência! - é geralmente atribuída a dois franceses a invenção dos balões, realizada 74

anos antes pelo padre brasileiro Bartolomeu Lourenço de

) - I" ( . ... Gusmao. "Declarou o orador, que a "causa de não ter podido até hoje executar experiências decisivas não é devida à falta de auxílio de seu país, nem à culpa própria, tendo o insucesso da expe· riêncía do Pará provindo somente da ausência de pessoal idô-

neo para os aparelhos de fabricação de hidrogénio, pessoal que não se pôde obter, nem pelos salários Os mais exagerados . A esta experiência sucedeu uma frieza geral e teria o orador de· sanimado se não estivesse disposto a morrer na luta. As dificuldades com que teve de lutar foram: 1. "O cansaço inerente a todas as grandes inve.nções desde que o sucesso não é imediato." 2. "Desconfiança para com o inventor". Sobre este ponto Q

Q

mostrou o orador que as despesas feitas montaram a 102 contos de réis (500.000 francos), tendo vendido

parie de seu patrimônio para as experiências no Pará, enquanto os capitães Renard e Krebs tiveram 2.000.000 3.' -

francos. "Despreocupação (do seu país) quanto à solução do pro-

blema de navegação aérea. "Concluindo, disse o orador que fallavam apenas alguns contos de réis para levar ao fim o seu invento; está cansado, mas não desanimado, e ousa ainda apelar, apesar de sua indi· ferença, para o seu país. Não pede comiseração; invoca o patriotismo de seus compatriotas a fim de conseguir para o Brasil a glória da descoberta da direção dos balões!" ( ... ). "Sua Majestade lembrou ao Instituto Politécnico a conveniência de tomar a' si a obtenção dos meios para a realização da experiência definitiva com o balão do Sr. Júlio César e que se acha atualmente na Corte." H

(

••• )

Diante da manifestação do Imperador e atendendo à sua suges· tão no encerramento da conferência, o Instituto designou uma co· missão especial denominada "Comissão do Balão de Júlio César", 190


encarregada de cuidar dos assuntos . relativos às experiências em questão. 6. Uma Grande Vida, um Triste Ocaso Os trabalhos da Comissão foram intensos e deles se ocupou a entidade em sucessivas sessões, nos dias 16 de setembro, 14 de outubro, 23 de outubro e 1.0 de novembro de 1885, debatendo as quatro alternativas propostas em parecer final, sendo aprovada a se· guinte: 7l "JO alvitre: Declarar nas listas para assinaturas o "quanfum " preciso para despesas com tais experiências. Nenhum inconveniente haveria em declarar-se ao público qual a soma que o Instituto Politécnico orça as despesas imprescindíveis, soma que segundo um ligeiro cálculo pode ser orçada em 30:000$000

distribuída do seguinte modo: Um galpão de madeira com dimensões para abrigar o aeróstato cheio ... . .............. . ...... . Envernizamento do balão .... . .......... , .. . Enchimento com hidrogênio . . . . , . . .. • . _... , . Eventuais .. , . . .... ,., . . ............ • .... .

10:000$000 4:000$000 12:000$000 4:000$000 30:000$000

Cumpre, porém, à Comissão observar que neste orçamento não está compreendido o motor e respectivo propulsor, o qual embora não seja reputado indispensável pelo inventor, tanto que se propõe a realizar a primeira viagem aét:ea sem tal concurso, contudo é imprescindível na opinião dos abaixo assinados. Esta verba aumentará em muito a quantia acima fixada, e por isso conviria não determiná-la senão aproximadamente." Com os adendos abaixo: "Que fica a Comissão especial do balão Júlio César, com todos os poderes para iniciar, pelo modo que julgar mais acer· tado, a subscrição popular, e fazer proceder às primeiras experiências preliminares, logo que o balão esteja preparado para esse fim, prestando-se o Sr. Barão de Tefé a fazer uma conferência na sexta-feira, 23 do corrente, sobre o histórico do balão Júl io César. Sua Alteza declara igualmente, que, à vista do que se expendeu na mesma discussão, é a comissão incumbida de indagar se haverá meio de montar-se o balão em algum galpão das oficinas da Estrada de Ferro Pedro lI, conforme foi sugerido pelo Sr. Dr. Fronlin, e, no caso afirmativo, propor COm urgência, na próxima sessão, as providências que forem necessárias para esse fim, nomeando o mesmo Sr. Dr. Fronlin para fazer parte da comissão, e convidando a esta a propor a nomeação de outros 191


sócios, que julgar de necessidade para auxiliá-lo na realização pronta da sua incumbência." Analisando-se as atitudes do Instituto Politécnico, não s6 ao longo de todo o processo de discussão do sistema Júlio César, como, principalmente, nesta nova etapa em que se procurava reivindicar a sua prioridade inconteste diante da idêntica alegação dos franceses Renard e Krebs, é justo ressaltar os seguintes pontos: 1) a entidade foi sempre coerente com o parecer aprovado na sessão de 6 de julho de 1881; 2) esta coerência decorreu da convicção de que o sistema era cientificamente correto e original, cabendo a Júlio César a primazia de sua concepção; 3) o sucessivo engajamento dos membros do Instituto, alguns de forma veemente, mesmo diante dos fracassos das ascensões em Belém e no Rio de Janeiro e das relações de alguns sócios, demonstra a determinação da entidade em proporcionar ao Sr. Júlio César as condições para transformar o projeto teórico em tecnologia disponível e comprovada na prática; 4) os dois auxílios que obteve no Rio de Janeiro, de 40 contos concedidos pelo Parlamento e de 30 contos recolhidos em subscrição pública, foram conseguidos graças ao ostensivo patrocínio do Instituto Politécnico e à grande respeitabilidade de que gozava no seio da sociedade brasileira; 5) a participação do Imperado r e do Conde d'Eu, ambos elevando a contribuição pessoal para 500$000 (quinhentos mil réis;); a cooperação espontânea de empresários envolvidos na armazenazem e transporte do balão; a ajuda do Ministro da Marinha, no transporte marítimo de todos os equipamentos - tudo isto é prova evidente do verdadeiro mutirão que se ergueu, à sombra do Instituto Politécnico, em suporte de uma grande causa. Até a ajuda de 500$000 (quinhentos mil réis) para retornar a Belém, a fim de conseguir novos subsídios, foi proporcionada a ele pela entidade; em contrapartida, Júlio César comprometeu-se com o Barão de Tefé a regressar ao Rio de Janei ro , tão logo conseguisse aqueles subsídios, e estivesse, assim, capacitado a ultimar a completa recuperação do Santa Maria de Belém, colocando-o em condições de vôo. Foi em novembro de 1885 que ele partiu para Belém (quinta volta às origens), conseguindo da Assembléia Provincial mais um subsídio de 25 contos de réis para investir em seu projeto. Este novo auxílio do poder público paraense deve-o rúlio César à grande credibilidade de seus conterrâneos na exatidão da tese por ele defend ida, e também ao grande clamor criado na capital do Impér io em seu favor, mesmo depois de suas frustradas experiências. Tomado por verdadeira obsessão de reafirmar ao mundo o pioneirismo brasileiro nos estudos sobre a dirigibilidade dos balões, não t92


resistiu à tentação de voltar à mesma arena em que fora usurpado de seus direitos, preparando-se para uma nova luta - dessa vez, a derradeira e definitiva, segundo imaginava. De posse do subsídio paraense, Júlio César esqueceu os compromissos assumidos na Corte, envolvendo homens da maior respeitabilidade; esqueceu o Instituto Politécnico e a subscrição popular por ele patrocinada; esqueceu o Santa Maria de Belém; esqueceu até as Agruras financeiras por que passara quatro anos antes (1881) , e que fatalmente se repetiriam nesta nova investida (l885), pois o montante de recursos disponíveis era apenas 25 % maior do que o conseguido anteriormente, na fase do balão Vict6ria. E assim foi que, sem dirigir qualquer notificação a entidad~s e pessoas que tanto o ajudaram na capital, seguiu diretamente de Belém para Paris. Lá ordenou a construção de seu terceiro balão, denominado Cruzeiro, cujas experiências foram publicadas no jornal francês Nouveau Monde, fonte através da qual o Instituto Politécnico tomou conhecimento de suas atividades na França. Diante de tal fato, absolutamente inesperado para a entidade, a Comissão Especial decide desvincular o Instituto do projeto Júlio César e suspender a campanha de donativos, sendo o Barão- de Tefé encarregado de . comunicar-lhe tal resolução, o que ele faz nos seguin. tes termos:'l "Rio de Janeiro, 6 de agosto de 1886 Ilm. o Snr. Júlio César Ribeiro de Sousa Com bastante pesar cumpro hoje O dever de comunicar a V. S. que o In stituto Politécnico em sua última sessão, depois de uma discussão relativa à notícia de achar-se V. S. em Paris, procedendo a experiência com um novo balão sem que tal viagem houvesse cientificado à comissão encarregada pelo Instituto de acompanhar as ditas experiências, que, além de tudo, não podiam ser feitas senão na Corte; resolveu retirar seu apoio a V. S., e declarar na ata dessa sessão que nenhuma responsabilidade lhe caberá por qualquer experiência que V. S. queira realizar dora em diante. ( ... ) E o que me cabe comunicar a V. S. de quem sou venerador e

Barão de Tefé."

A reação de Júlio César foi autorizar a venda do Santa Maria de Belém par'a saldo de seus débitos na capital . De nada lhe valeu o gesto extremo, porque, abertos os volumes, verificou-se o mau estado em que .se encontrava o material, sem qualquer possibilidade de aproveitamento . Das experiências com o balão Cruzeiro, a não ser a breve nctícia de que foram realizadas, nada de Concreto se sabe sobre os resultados, nem tampouco o destino dado a esse aeróstato . 193


Em fins de 1886, regressou Júlio César a Belém, na sua última e definitiva volta às origens, agora sem condições de pleitear qualquer tipo de ajuda ao seu projeto. Aí permaneceu em modesto cargo público, colaborando também nas colunas de A Província do Pard, sempre sobre a mesma temática que o empolgou durante tantos anos. Vítima de grave enfermidade, veio a falecer em 14 de outubro de- 1887, deixando a família em completa penúria. Morreu na terra que tanto amava, pela qual , já o di ssemos, s.entia uma atração verdadeiramente atávica . Ao longo dos anos dedicados à produção no campo aeronáutico, nela buscou abrigo seis vezes, sempre em momentos decisivos de sua vida, como se aí pudesse encontrar a "poção mágica" indispensável à renovação de suas energias para prosseguir na luta. Júlio César Coi, sem dúvida, um inovador no campo da aerodinâmica. Sem ser um cientista , mas possuindo sólidos conhecimentos matemáticos, realizou estudos prolongados sobre o vôo dos pássaros, conseguindo, assim, chegar a conclusões precisas e objeti vas sobre a dinâmica do vôo, válidas ainda nos dias de hoj e. O ponto de apoio no ar, a concepção fusiCorme di ssimétrica dos balões, a fo rma e a posição da cauda dos dirigíveis, a decomposição de forças para a sustentação constituem exemplos dos estudos que realizou. Se somarmos a isso os atributos de idealismo e altruísmo que também o caracterizaram, teremos formado o perfil de um homem que, como tantos outros, sacrificou sua existência a serviço do progresso da humanidade. Também como tantos outros, a despeito das atitudes inesperadas e desconcertantes que eventualmente tomou para chegar aos fins que tinha em mente, Júlio César não poupou esforços, dinhei ro e saúde na busca incansável de seu ideal perseguido durante doze anos consecutivos. Viveu-o com tal ardor, que se esqueceu dos entes queridos e até de si próprio, entregando-se completamente ao afã de colher para seu país a glória de mais uma importante contribuição para o domínio da terceira dimensão. VIDA E OBRA DE JÚLIO CESAR Cronologia 1843 1862 1866 1859 1870

194

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Nascimento a 13 de junho, na Vila de São José do Aca· rá , Província do Grão-Pará. Ingresso na Escola Militar, no Rio de Janeiro. Apresentação como voluntário para a Guerra do Paraguai, seguindo para a frente uruguaia. Regresso ao Rio de Janeiro com o seu batalhão. Baixa do serviço, a pedido, e regresso ao Pará; Casamento com D . Vitória Filomena do Vale, a 10 de agosto .


1871 / 4 1874/6 1874/ 5 1880

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Atividades no magistério e no jornalismo . Diretor de A Constituição e a Província do Grão-Pará. Início de seus .estudos sobre aeronáutica. Construção do primeiro balão, de 2 metros de comprimento (resultados parcos); - .- construção do segundo balão, de 6 metros de compri· menta (resultados positivos do seu sistema); - Publicação de seu trabalho Memória sobre o Vôo dos Pássaros, em Belém. 1881 - Apresentação, no Instituto Politécnico do Rio ;ôe !Janeiro, de sua teoria aeronáutica, condensada em 'Memória sobre Navegação Aérea, no dia 15 de março; - Parecer favorável do Instituto Politécnico, aprovado em sessão de 6 de julho; Aprovação pela Assembléia Provincial. em 25 de julho. de um auxíl io no valor de 20 contos de réis, para cons· trução de um balão e realização de experiências; - Chegada a Paris. no mês de agosto; Construção do balão Viclória, segundo seus planos, pela Casa Lachambre; Registros de patentes solicitadas em vários países; - Concessão do registro pela França, em 25 de outubro; - Conferên"cia realizada na Societé Française de Navigatio" Aérienne. em 27 de. outubro; - Concessão do registro pela Alemanha, em 29 de outubro; - Concessão do registro por Portugal, em 6 de novembro; - Concessão do registro pela Inglaterra, em 8 de novembro; Prirndra experiência com O Victaria em Paris, no dia 8 de novembro; Segunda experiência, também em Paris, em 12 de novembro; Concessão do registro pela Bélgica, em 15 de novembro; Concessão do registro pela Espanha, em 1.° de dezembro; Concessão do registro pela Itália, em 7 de" dezembro (desconhecidas as datas de registro na Áustria e União Soviética) ; Regresso ao Pará; Primeira experiência do Viclória em Belém, no dia 25 de dezembro . 1882 · Partida para o Rio de Janeiro; Primeira experiência do Viclória no Rio de' Janeiro, em 29 de março; Publicação de nova obra Navegação Aérea - Estado desta Importante Questão; 195


Aprovação pelo Parlamento de um auxílio no valor de 40 contos, para construção de um modelo capaz de realizar experiências definitivas sobre a exação da teoria do invento; Partida para Paris, onde encomenda o balão Santa Maria de Belém .

1883 1884

1885

1886

1887

196

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Concessão do registro de patente pelos Estados Unidos, a 10 de julho. - " Imprensa de Belém noticia que o balão Santa Maria de Belém estava pronto (16 de maio); - Regresso a Belém, em começos de junho; - Primeira experiência do novo balão em Belém, a 12 de julho; - Divulgação em Paris das experiências dos capitães Renard e K.rebs com o aeróstato La Pranee, plágio da forma dissimétrica idealizada por Júlio César; -' - Requerimento ao Instituto Politécnico, reivindicando a prioridade do "Sistema' Júlio César" (fusiforme dissimétrico); - Publicação do famoso Protesto, em Belém, a 24 de outubro; - Publicação do mesmo documento na imprensa parisiense, a 7 de dezembro; - Publicação do Parecer do Instituto Politécnico scbre o requerimento de Júlio César, a 8 de julho; Partida para o Rio de Janeiro, em fins de agosto; Conferência pronunciada no Instituto Politécnico, em 3 de setembro; Concordância do Instituto com as teses de Júlio César e estimativa dos gastos necessários para colocar o Santa Maria de Belém em condições de realizar experiências no Rio de Janeiro; . - concessão de auxílio a Júlio César pelo Instituto, a fim de seguir para ~elém e lá conseguir novos subsídios; - Partida para Belém, em novembro; - Concessão de subsídio pela Assembléia Provincial, no valor de 25 contos de réis; - Partida para Paris, em fins de dezembro. - Construção do aeróstato Cruzeiro, em Paris sem que fosse notificado o Instituto Politécnico; - Conhecimento pelo Instituto, através da imprensa, das experiências do Cruzeiro em Paris, em julho; - Regresso a Belém, em fins desse ano. - Morte de Júlio César, em 14 de outubro.


CAP1TULO 4

AUGUSTO SEVERO DE ALBUQUERQUE MARANHÃO (1864-1902)

1. Preliminar,es contribuição brasileira ao desenvolvimento aeronáutico, durante mais de dois séculos de pioneirismo, foi altamente criativa. Se decorreram 171 anos entre as experiências de Bartolomeu Lourenço de Gusmão (1709) e Júlio César Ribeiro de Sousa (1880), apenas 14 se passaram entre as deste e as de um novo pioneiro: Augusto Severo de Albuquerque Maranhão (1894) . Bartolomeu de Gusmão teve o mérito de dar a partida no processo de conquista da terceira dimensão, ao demonstrar, na prática, s possibilidade de ascensão do primeiro artifício aerostático. Outros brasileiros seguiram seu exemplo, participando ativamente da fase evolutiva. Quase dois séculos mais tarde, foi a vez de Júlio César, que, introduzindo um fator qualitativo no processo, através de inusitada concepção aerodinâmica para os aparelhos mais leves que o ar, buscou dar-lhes dirigibilidade, sem o emprego de quaisquer propulsores mecânicos. Decorridos mais quatorze anos, o talento aeronáutico brasileiro tem novo protagon ista - Augusto Severo - e nova proposta aerodinâmica para os balões, agora de estrutura semi-rígida, com o centro de tração situado o mais próximo possível do centro de resistência, tendendo ambos para a coincidência (posição ideal). A concepção estrutural visava a integrar as diversas partes do aeróstato num todo solidário, a fim de permitir o vôo em altitudes

A

t97


mais elevadas, acima das turbulências tão comuns na baixa atmosfera. Ou, como diz Domingos Barros, a idéia era construir o "navio de alto ar, capa;, de manter sua linha de marcha entre os Cirrus e

os

Stratus~':.

Quem fór esse pioneiro que se apresentou no cenário aeronáutico nacional e internacional com idéias I tão renovadoras? Como e por que se interessou pela aerostação?

2. O Homem

o talento aeronáutico dos brasileiros manifestou-se em pessoas provenientes de quase todos os quadrantes geográficos do país. Explodiu em Santos, SP, com Bartolomeu Lourenço de Gusmão (1685); quase dois séculos depois, ecoou em S. José do Acará, PA, com Júlio César Ribeiro de Sousa (1843); vinte e um anos mais tarde, reapareceu em Macaíba, RN, quando veio à luz Augusto .Severo de Albuquerque Maranhão, precisamente a 11 de janeiro de 1864. Foi um dos doze irmãos nascidos do consórcio de Amaro Barreto de Albuquerque, comerciante pernambucano, e Feliciana Maria da Silva Pedroso. No próprio local de ' nascimento, a dezoito quilômetros de Natal, cumpriu seus estudos primários. Os secundários realizou-os parte na capital de seu Estado e parte em Salvador, concluindo-os no renomado colégio fundado :pelo Barão de Macaúbas. Decidido a estudar Engenharia, matriculou-se em 1880 na Escola Politécnica do Rio de Janeiro. tendo de interromper os estudos ao longo do terceiro ' ano, quando regressou à terra natal. Não estão bem esclarecidos os motivos dessa decisão: seriam problemas de saúde, como presume Lysias Rodrigues,H ou envolvimentos sentimentais no âmbito familiar , corno prefere sua biógrafa e sobrinha MabeJ Tavares?91 Em Natal. ainda em 1882 , passa a integrar o corpo docente do Ginásio Norte-Rio-Grandense, lecionando matemática e exercendo cumulativamente o cargo de vice-diretor do estabelecimento. Com O fechamento temporário do .Ginásio, em 1883, numa cidade então de recursos muito limitados, estreitaram-se as opções Ide trabalho, restando-lhe aceitar o modesto cargo de guarda-livros da empresa Guararapes, atividade que, positivamente, estava longe de ser a dos seus sonhos. No final da década de 80, casou-se com Maria Amélia Teixeira de Araújo, que lhe deu cinco filhos. Apaixonado pelos estudos, nunca se descurou de seu aperfeiçoamento cultural logo se projetando corno valor moral e intelectual no meio potiguar. Aliem-se a isto a sua determinação de progredir, o caráter reto e a inteli gência viva, o fato de seus irmãos Augusto e Pedro Velho exercerem militância política ativa, o otimismo e a 198


alegria constantes na face iluminada e no porte físico invejável, e teremos alguns dos ingredientes que conformaram o perfil do profissional da . política. atividade à qual se integraria plenamente Augusto Severo. 3. O Político Seu envolvimento com temas políticos foi. a princípio. restrito aos de natureza local e regional, ampliando-se para os de caráter na· cional a partir de 1887. quando as campanhas da Abolição e da República empolgaram a sociedade brasileira, culminando um processo iniciado em 1758 pelo padre 'Manuel Ribeiro da Rocha, em favor dos escravos. Abolicionista convicto, não hesitou em participar ·de comícios antiescravagistas . Republicano histórico, escreveu artigos candentes contra a monarquia, nas páginas de !A República, jornal fundado por Pedro Velho. Vitoriosas as campanhas em 1888 e 1889. nas quais, a -nível local, foi elemento catalisador das novas idéias. delas emergiu Au· gusto Severo com grande prestígio na sociedade potiguar, Em 1890, o Ginásio Norte-Rio-Grandense voltou a funcionar, e Augusto Severo, a convite do governador Xavier da Silveira, reassumiu a cátedra de Matemática, o que lhe proporcionaria novo contato direto com a juventude de sua terra . Dois anos depois, no entanto, deixou definitivamente para trás suas atividades como profissional do comércio e do magistério, cedendo espaço à plena afirmação do político e ao surgimento do inventor _ . Sua primeira investidura política aconteceu em 1892, quando foi eleito deputado à Constituinte Estadual. Um ano depois, ascendeu à Câmara Federal, em vaga aberta por seu irmão Pedro Velho, que dela se afastou para assumir o governo do Estado. Como congressista, sua atuação foi bastante fecunda, associando seu nome a importantes projetos relativos a saneamento público, assistência à infância, proteção aos operários dos arsenais e às finanças, na condição de membro da Comissão de Orçamento, Daí as reeleições para sucessivas legislaturas, s6 deixando a Câmara em 1901, quando seguiu para Paris a fim de concre!izar o seu projeto aeronáutioo. Das grandes intervenções em plenário, por força mesmo de sua vinculação com o pioneirismo aeronáutico brasileiro, cabe aqui transcrever o discurso-protesto pronunciado na sessão de 17 de julho de 190 I , que teve forte repercussão na imprensa nacional e internacional. Este discurso foi proferido quando da homenagem prestada pela Câmara Federal a Santos-Dumont, cinco dias depois do completo êxito obtido em experiências não-oficiais de dirigibilidade dos balões, e quatro dias após sua tentativa malograd a de contornar a Torre Eiffel, em disputa oficial, homenagem esta proposta pelo deputado mineiro Bueno de Paiva, nos seguintes termos: 199


'"1 .0 voto de louvor; 2." - declaração de que assim procedia o Parlamento, por ter sido encentrada a solução do secular problema." A seguir fala Severo que inicia dizendo: "O preço deste discurso pode ser mesmo a impopularida· de, que não temo, porque estou cumprindo um dever." Eis, como consta dos Anais do Congresso Nacional, alguns trechos do seu discurso, transcritos da obra de Augusto Fernandes.~ "Augusto Severo - Sr. Presidente, devo começar agradecendo aos honrados colegas a sua presença em hora tão adiantada da sessão, lamentado que, em vez de terem a fortuna de ouvir orador que pudesse pagar-lhes com a frase a gentileza~ tenham de suportar o desalinhava e imperfeito da frase do l"lumilde orador que guarda a tribuna. ("não apoiados") O assunto é muito alto e a minha posição no momento é muiJo cheia de responsabilidade - é a navegação aérea, é a conquista dos ares, o primeiro; a segunda - a minha posiçãoé um protesto. Protesto não aos aplausos, ao louvor, não ao entusiasmo que deve encher todo o coração brasileiro pelos belíssimos resultados obtidos na célebre experiência de 13 do corrente, em Paris, com O seu aer6stato dirigível, o nosso eminente patrício Santos·Dumont. Protesto a isso, não: porque enlro de alma e coração no coro que ora se entoa - também sou brasileiro, tanto como quem mais o fôr . Quem, nascido nesta grande terra da Santa Cruz, poderá ser indiferente à notícia de que o pavilhão brasileiro - bandeira da Ordem e do Progresso - flutuou em cima de outra pátria empenhada na conquista dos ares - na gra.nde campanha do Bem? Não, não alio à minha incompetência (não apoiados) a feia mancha da maldade. ( ... ) Já me declarei solidário com as manifestações todas, o entusiasmo e encorajamento, que foram levadas ao nosso patrício; com a moção, mesma, que estamos discutindo, se ela não encerrasse a frase a que aludi; tanto que lhe ofereço o seguinte substitutivo, para não ser voto discrepante no seio do Congresso . Como está, porém, não lhe dou o meu voto, porque não quero assumir, embora com um acompanhamento que me honra, a responsabilidade da declaração que ela contém. O meu substitutivo é concebido nos seguintes termos: (lê) Propomos que a Câmara dos Deputados faça inserir na ata de seus trabalhos um voto de louvor ao brasileiro Alberto Santos-Dumont, e que a Mesa telegrafe ao ilustre aeronauta, feU200


citando-o pelo resultado obtido na experiência feita com o seu balão dirigivel na tarde do dia 13 do corrente. em Paris. Sala das Sessões, 17 de julho de 1901 - Augusto Severo, Carlos Cavalcanti ( .. .). O Sr. Viriato Mascarenhas - Sentimos nas palavras do nobre colega certo travo de injustiça. O Sr. Augusto Severo - que competência tem o Congresso para declarar resolvido o problema da navegação aérea? Quem, dentre os meus colegas quer assumir a responsabilidade desta declaração? O Sr. Bueno de Paiva - V. Excia. conhece o balão? O Sr. Augusto Severo - Conheço. sim. A sua descrição, devida ao Sr. Emanuel Aimé, está em um dos últimos números do Aérophile . O protesto que fiz não foi filho de nenhum sentimento menos digno, mas sim de lealdade que devemos à verdade científica. Não é digno também nestes assuntos dizer-se alguém convencido daquilo de que não está. O Sr. Brício Filho - V. Excia. diz que o problema (da dirigibilidade) não foi resohido. O Sr. Augusto Severo - Digo sim, pelo conhecimento do aeróstato que foi experimentado . Pela segunda vez, no mundo, um aer6stato alongado, com barca alongada, suspensa, de hélice e leme, com motor elétrico ou a petróleo, sobe, governa-se e volta ao ponto de partida, fazendo itinerário, previamente determinado, ambos sobre a cidQde de Paris. O primeiro em 1884, com velocidade de 23 quilômetros e meio; o segundo em 1901, com velocidade de 22 quilômetros (dizem os telegramas para a imprensa). O primeiro dos balões, a que me refiro. foi o La France, balão militar francês, construído pelos então capitães Renard e Krebs, à custa do Estado. ( .. .) Voltemos ao assunto - ao dirigível de hoje . Por ar calmo, um balão alongado, de hélice e leme em uma barca suspensa e alongada é sempre dirigível, desde que não seja tão poderosa a sua máquina motora que as rotações pertubadoras se tornem obstáculo insuperável. Dumont, o ousado e corajoso aeronauta brasileiro, fez um balão alongado, suspendeu a este uma barca alongada também, com um motor e uma hélice, armou um leme na popa do balão condutor, e em um ar calmo fez marchar o seu aerostato governando-o. Nem podia deixar de fazê-lo. O movimento de tangage (osc ilação vertical alternada da proa com a popa), porém, foi grande, tanto que ocasionou o acidente de que dão notícias os telegramas. Nos balões muito alongados. a menos que não tenham barcaça rija e gás dividido este fen6meno há 201


de dar-se sempre por ocasião das grandes inclinações do balão condutor. S6 a justaposição dos centros de tração e resistência poderá fazer desaparecer esses inconvenientes, e esta justaposição não existe no balão de Santos-Dumont. ( ... ) Dar como resolvido o problema pelos balões de Dumon! ou de Renard e Krebs é O mesmo que pretender-se um submarino navegando com a hélice colocada abaixo da quilha. O que me parece prático, já que Dumont obteve resultados animadores com o seu último dirigível, é que a nação de que é filho vá ao seu encontro e lhe facilite os meios para levar a efeito experiência mais completa com um aer6stato de maior capacidade, para melhor armá-lo dos meios de vencer as correntes aéreas. Assim pensando, eu terei ocasião ainda hoje de apresentar um pro;eto concedendo-lhe la auxílio de 100:000$000, quantia que julgo necessária para ser levada a efeito uma experiência em ponto maior. Não batamos já as palmas da vit6ria; votemos o auxílio e' encoragemo-Io . Que um telegrama do Presidente da Câmara lhe diga isto Imesmo, que é justo e patri6tico. Os meus dignos colegas, fazendo-me justiça, hão de ver que não lhes quero esfriar o entusiasmo; quando muito, a mEnha pretensão seria ' de guiá-los. Que o nosso patrício confesse, em nome da ciência, que pode passear o pavilhão auriverde por sobre os países da terra, e eu não quero que ninguém me exceda no aplauso. Quem, Sr. Presidente, poderá ficar indiferente diante da conquista dos ares, diante do invento que dará ao homem O poder de arrancar ao céu ·os seus segredos? Oh! O balão dirigível! Como é grande, Srs. Deputados. Poder-se andar neSSe mar~ que não tem as traições dos baixios e dos canais! Poder-se marchar por sobre as tormentas e as tempestades, livres delas! Fotografar a terra e ter a sua fisionomia perfeita, corrigindo os mapas! Dar solução justa às contendas de fronteiras internacionais! Poder dizer o que são as tristíssimas paragens polares, desvendando-lhes os frios segredos! ("muito bem", "aplausos"). E ,mais do que tudo isto - poder garantir a paz, porque o balão dirigível é arma tão grande, tão poderosa, que pode carregar consigo o incêndio às matas, aos campos cultivados, às pastagens e às cidades, e contra o incêndio s6 a capitulação. ("muito bem"). 202


Há de garantir a paz~ sim, porque pode chegar sobre o inimigo, guardado por uma nuvem que lhe servirá de manto, sem ser pressentido, e derramar com o incêndio a miséria sobre um país inteiro . E diante de tal expectativa, a sabedoria humana, a garantia da vida, o instinto da conservação do indivíduo e das nações s6 têm um remédio, uma salda: o acordo fraternal . ("aplausos e muito bem"). Então, o Brasil, ampliando a fórmula de Monroe: H A América para os americanos dará a terra para a humanidade! " ("aplausos e muito bem"). Ora, Sr. Presidente, quem não se entusiasma, quem não se entusiasmará sonhando essas grandezas todas! Quem terá travar em suas palavras, pensando que o resultado amanhã anunciado será o inicio de tantos e tão grandes benefícios para a humanidade; será a reforma racional do regime tributário, porque o imposto aduaneiro passará a ser mentira, será o tributo direto de acordo Icom a profissão, com a renda, com a produção, pagando a miséria e a pobreza na razão da miséria e da pobreza! ("muito bem" ). Será a considerável redução nos orçamentos militares, que na Europa já Ivão sendo a causa da miséria das nações! Será a paz - as nações garantidas pelo receio igual de todas, Não valem "alfândegas nem fortalezas .("muito bem"). Sr. Presidente, pensando assim, como pode o meu ilustre e injusto colega ver travo de injustiça em minhas palavras? Na minha alma, pela honra o juro, nem a mais poderosa lente poderá descobrir o mais leve vestígio de travar O meu honrado colega certamente está arrependido da injustiça que me fez . A experiência de Dumont no dia 13 anima e justifica a intervenção do Estado - auxiliando-o. Que ele construa um balão maior e que o experimente apresentando-nos. e ao mundo, o valor do encantado "X". ( .. . ) Sr. Presidente, já vou cansando a paciência de meus ilustres colegas ("não apoiados"), por isto não entrarei na questão científica, que não interessa, agora; é muito árida - uma mistura de Física e de Mecânica, uma parte da qual não está nos livros; precisa-se adivinhar. E tão difícil arrancar da natureza a confissão do menor de seus segredos, eles são tantos e tão grandes ainda! Vou terminar, Sr. Presidente, pedindo aos ilustres repre· sen/antes da Nação, aos representantes desta Pátrid. que é também a de Bartolomeu Lourenço de Gusmão e de Alberto Santos Dumont, que aceitem a minha proposta substitutiva e o meu projeto concedendo a Dumont·o auxílio de cem contos de réis . 203


Ele há de sentir a sinceridade destas manifestações, que lhe hão de valer por um grito de encorajamento . Que trabalhe e que vença, dando o balão dirigIvel, a que chamarei, valendo-me do belo verso ,de Rostand: u •• • le pacifique ennemi de la guerre." (timuito bem"). O meu projeto é o seguinte: PROJETO

o

Congresso Nacional decreta:

Art. 1.° - Fica o Governo autorizado a abrir o crédito de 100:0001000 ao Ministério da Viação com o fim de ser esta quantia entregue ao Sr . Alberto Santos-Dumon!, como prêmio, pelo resultado de sua experiência de um balão dirigível, feita em Paris a 1J do corrente. Sala das sessões, 17 de julho de 190/ . Augusto Severo Carlos Cavalcanti Tenho concluído ("muito bem. muito bem". O orador é abraçado pelos Deputados presentes)." A intervenção de Augusto Severo teve adeptos e opositores. Entre os primeiros, Augusto Fernandes» encampa a interpretação de Alberto Maranhão em Quatro discursos históricos, quando diz que o pronunciamento foi " lição de bondade e de saber, que repôs a glória de Santos·Dumont na ;usta medida da verdade cientffica, li· vrando a Câmara de uma garre que a diminuiria perante a inteligência contemporânea". Entre os segundos, Lysias Rodrigues» é veemente na crítica e, sem meias palavras, declara: "E, profundamente dolo' rosa, mas não podemos deixar de registrar aqui, a "atitude despeitada e antipatri6tica de "Augusto Severo. tentando privar Santos-Dumont da glória de ter conquistado a dirigibi/idade dos balões, para querer dá·la a dois franceses plagiários." A leitura da peça de Augusto Severo merece algumas reflexões. De início, é justo consignar que a sua objeção se referia apenas ao segundo item da proposta apresentada pelo deputado Bueno de Paiva, argumentando: 1.0 - que aos congressistas " falece competência científica para declarar resolvido o problema da navegação aérea, em que há séculos está empenhada a humanidade"; 2.° que nenhuma autoridade na matéria se manifestou ainda a respeito. nenhuma declarou o que declara a proposta". Assim, sem se negar a aplaudir o voto de louvor a Santos-Dumont, preferia ser cauteloso quanto a uma declaração ainda não referendada por entidade oficial. H

204


Uma análise final na intervenção de Severo leva a se perceber que a discussão é acadêmica, a partir de uma interpretação semân~ tica: enquanto os Deputados viam a dirigibilidade total caracteri~ zada no fato de Santos~Dumont ter conseguido alçar~se, voar 'e retor~ nar ao ponto de partida, Augusto Severo via nessa dirigibilidade apenas um primeiro passo no alcance da total navegação aérea, que, a seu ver, incluía não só a manobrabilidade, mas ainda o per~ feito controle pelo piloto de todos os efeitos que se verificassem nos veículos em vôo, advindos de causas internas ou externas tanto que invocou o fenômeno da "tangage", para corroborar sua tese de que isso era tambem problema de dirigibilidade, o qual, até então, não fora solucionado. Durante o período em que foi parlamentar no Rio de Janeiro, granjeou Severo um largo círculo de amizades em todas as camadas sociais. A sociabilidade extravasa~lhe de maneira abundante e irre~ sistível na maneira de ser e de revelar sua encantadora personalidade. Por uma particularidade da própria vida de Severo, um entre os muitos amigos que fez merece ser citado: José Joaquim da Costa Medeiros de Albuquerque,. poeta, escritor, crítico literário e mem~ bro da Academia Brasileira de Letras. Entre ambos cria ram~se vín~ cuias profundos de amizade, com toques de admiração e respeito recíprocos, por conta mesmo da comunhão de idéias em relação a muitos pontos do eterno questionamento homem/vida. No exercício da crítica, entre os muitos temas trazidos a debate~ fustigava Medeiros de Albuquerque a sociedade brasileira, convidando-a a mobilizar-se em busca de transforInações extremamente avançadas para a época: era divorcista convicto, ' por exemplo, posiç~o também compartilhada por Augusto Severo, apesar de seu excelente relacionamento familiar. Pois bem: com a morte prematura da esposa, e desf?jando re· compor sua família para os embates da vida, Severo conhece Natália, casada, e com processo de div6rcio em andamento na Itália. A ela se uniu antes mesmo da sentença judicial, nascendo dessa união dois filhos: Otávio Severo e Augusto Natal. Foi Natália que o acompanhou a Paris, que o assistiu durante todas as fases de preparativos para a ascensão do Pax, que presenciou a catástrofe deste' balão e que comunicou a tragédia a Pedro Velho, Entre ambos, o grau de entendimento tocou tanto as profundezas de cada um, a ponto de, no regresso ao Brasil, não resistindo à ausência do companheiro. Natália ter-se suicidado. Por ironia dos fatos, logo ap6s as experiências do Pax, era, pensamento de Severo acelerar o processo de divórcio de Natália, sendo perfeitamente plausível acreditar-se que se dispusesse a encetar uma camp!lnha em favor do divórcio, incorporando esta medida jl,lrídica ao~Direito brasileiro, o que s6 se con· 205


cretizaria quase três quartos de século após sua morte. Cabe lembrar, a propósito de seu profundo relacionamento com Natália, as palavras de Augusto Femandes:l.l "Estamos, hoje, na metade do século XX. No Rio de Janeiro, existem, como uma evocação ao passado, no centro da cidade~ à praça Paris, a um dos lados, a A venida Augusto Severo; lá distante, (, Pax Hotel e, ao meio, o Edifício Natália . .. " Paris - cenário de tragédia; Augusto Severo - o homem,' Pax - a sua obra; Natália - a fiel companheira. Estão juntos, unidos, como que desafiando a melanc6lica expressão: - tudo passa . . . "

4. O I m:entor

Seguindo a mesma trilha de quantos se preocuparam com o vôo humano, o inventor aflorou muito cedo em Severo, através da simples observação do vôo dos pássaros. Dai até a concretização de ;seu sonho, anos de amadurecimento se escoaram. Nesse meio tempo, desenvolve-se sua preferência pela matemática, pela solução de problemas mecânicos e pela aeronavegação, principalmente depois de tomar conhecimento das experiências desenvolvidas por Júlio César Ribeiro de Sousa. . . Um dos estágios desse amadurecimento pode ser percebido durante o período em que exerceu o magistério. Inovador como era, programava sempre excursões com seus alunos, a fim de lhes transmitir ensinamentos práticos, quebrando assim a rispidez de uma postura predominantemente teórica no processo de aprendizagem . Num desses passeios às dunas costeiras, em que sugeriu aos alunos que se munissem de "papagaios" para com eles se diverti rem, apresentou um modelo totalmente diferente do tradicional, porquanto desprovido de cauda, com formato semelhante ao dos aviões de hoje . Diante do espanto geral, explicou aos alunos: "Ele subirá porque tem asas. No futuro, cortará os céus em todas as direções, e ' o motor substituirá O trabalho do barbante. Terá hélice, será dirigido, levantará vôo acionado por um motor de pouco peso e alta potência. ull

Palavras proféticas que mais tarde se concretizariam ... Jogado ao ar, o "Albatroz", nome que dera ao papagaio, preso numa das extremidades' pelo cordão que Augusto Severo manejava, singrou galhardamente os ares, como os seus congêneres convencionais . 206


A menção ao motor é evidência de dois tipos de preocupação: com o motor em si, um motor·contínuo cuja idéia logo abandonou; com o mais pesado que o ar, projeto que mais tarde deixou de lado, preferindo voltar sua atenção para o mais leve que o ar, na espe· rança de aperfeiçoar a estabilidade e a dirigibilidade dos balões. Quando de sua permanência em Recife, segundo informa Mabel Tavares,9L realiza experiências com um balão cativo, ao qual deu o seu próprio nome. Mas é realmente com o potiguarânia que se expressa a sua pri· meira concepção aeronáutica. Restrito ao plano conceptual, já que nenhum protótipo chegou a ser construído, os desenhos rústicos já antecipam alguns dos pontos capitais de seu projeto aeronáutico, servindo contudo de base para a idealização e construção dv seu primeiro dirigível, o Bartolomeu de Gusmão. Com este, cumpre-se mais um estágio de aperfeiçoamento do inventor, que atingiria o seu clímax na concepção e construção do Pax.

r / ,-

Fig. 39 - "Aer6stato Potyguarânia" - desen1wdo por Severo aos vinte e cinco anos de idade. Foi sua primeira concepção aeronáutica. Nela temos uma idéia nítida do que seria o "PAX"

As cogitações de Severo, entretanto, não se confinaram às fronteiras aeronáuticas. Expandiram-se em numerosas outras iniciativas, como nos conta Augusto Fernandes :33 "Não se limitou somente à aeronavegação seu gênio inventiva, pois criou também o tubo-motor de reação, de especial importlincia para as máquinas destinadas a produzir velocidade 207


de marcha . Consta que posteriormente o tubo-motor foi utilizado na Marinha Inglesa, onde a torpedeira <A Turbina ' chegou a desenvolv~r 37 milhas . E ainda invento de Severo o sistema de hélice introduzida no interior de um tubo, que atravessa o navio segundo o grande eixo, permitindo-lhe marchar avante e a ré, invertendo apenas o movimento do· tubo-motor .Imaginou também um fantástico 'canhão industrial' para ser utilizado nos campos e navios. Infelizmente não contamos com maiores esclarecimentos sobre estes inventos de Augusto Severo . Nenhum documento, nenhuma fotografia . . . .. 5 . A Concepção do Semi-Rígido Augusto Severo teve o mérito indiscutível de uma concepção original. Observador atento de todos os balões em operação até a sua época, não se conformava com falta de estabilidade, que redundava em evidente prejuízo para a navegabilidade. Segundo suas pesquisas, localizou o problema na própria estrutura até então adotada para os balões, que consistia basicamente de duas partes bem distintas: o invólucro ou recipiente de gás e a barquinha, situada bem abaixo, ligada a ele por treliças e amarras para suportar o peso dos motores, tripulantes e lastro. Em outras palavras, para ele a instabilidade decorria de causas concorrentes que provocavam movimento de tangage: a colocação do eixo de propulsão muito abaixo do depósito de gás, e o afastamento e independência entre invólucro e barquinha, concentrando no primeiro a ação de resistência do meio e, na segunda, o esforço propulsor em sentido contrário. Mais ainda, preocupava-o diminuir a resistência das correntes aéreas menos densas de ar e deslocar-se acima das perturbações meteorológicas da baixa atmosfera, criando o que chamaria de navio de alto ar. Fazendo analogia entre os movimentos de corpos mergulhados nos fluídos ar e água, inspirou-se no peixe para desenvolver a sua teoria. A propósito, escreve Domingos Barros: 9 "Assim como as partes sólidas do peixe estão apoiadas e presas a uma espinha central, rígida, servindo de centro firme de resistência, o arquiteto brasileiro da aeronave resolveu consolidar o conjunto aeroslático por uma s6 viga sólida central, para que a ela pudesse prender-se, firmemente, em um conjunto robusto e unificado, 10Ms.as partes diversas do enorme navio do ar. Graças a essa providência, reduziu ao mínimo, ao absolutamente indispensável, a superestrutura densa e passiva do levíssimo flutuador aéreo, sobrecarregando o menOs possível o peso eflpecífico do delica.do aparelho, onde reside todo o seu poder ·ascensional, em relação ao peso específico do meio onde imerge. 208


Augusto Severo considerou essa leveza específica como o fundamento básico dos corpos flutuantes, e muito especialmente daqueles que têm de subsistir em meio de tão adelgaçada densidade, como o ar. E a alma, a vida do aeróstato. Isto posto, tomou como a primeira condição a preencher comprometer o mínimo possível a densidade do aeróstato evitando, assim, com o máximo rigor, toda sobrecarga indispensável."

Assim nasceu o balão semi-rígido. Para tornar realidade a concepção do navegador-voador, idealizou uma estrutura sólida em forma de trapézio invertido, cuja base maior atravessava o invólucro do balão longitudinalmente, como uma espinha vertebral, enquanto a menor, em posição :inferior, era a própria barquinha, sustentando ainda motores, comandos, aeronautas e lastro. Além disso, fez coincidir, pela primeira vez em balões, o eixo de tração das hélices propulsores com o eixo de resistência ao avanço, o que significava aplicar ' a Corça propulsora segundo o próprio eixo longitudinal do balão. e não segundo um eixo paralelo, quando a propulsão partia de fontes situadas na barquinha. Com isso assegurava maior estabilidade longitudinal. A barquinha, de forma especial, penetrava até o centro do aeróstato e fazia corpo com ele, assegurando rigidez perfeita ao sistema. Com esta concepção, ~ con struiu seus dois balões. O projeto do primeiro, que, em homenagem ao verdadeiro precursor da aerostação mundial, denominou Bartolomeu de Gusmão, foi submetido ao Clube de Engenharia do Rio 'de Janeiro. Relatou-o o Dr. Manuel Pereira Reis, professor de Astronomia na Escola Politécnica, e, em seu parecer favorável, teve oportunidade de expender conceitos precisos sob re estabilidade, como os reproduzidos abaixo!]; "Se a direção da impulsão contínua (força propulsora) que

o corpo receber, não coincidir com a da força resultante das resistências desenvolvidas, produzir-se-á necessariamente uma rotação que prejudicará o movimento assim como qualquer manobra que se pretenda executar." ( . . . ) "Todos os balões aos quais se tem aplicado uma força impulsora apresentam o inconveniente de ficar esta força muito afastada da resultante das resistências."

o projeto de Severo eliminava exatamente os inconvenientes acima relatados. Com a revolta da Esquadra em 1893, Floriano Peixoto entrevê a possibilidade do emprego militar de balões contra os revoltosos. Baseado no parecer do ·Dr. Manuel Pereira Reis, financia a constru209


ção do Bartolomeu de Gusmão, em Paris, cabendo à Casa Lachambre construí-lo sob a supervisão de Severo. Tratava-se de um projeto ambicioso, pois o balão media 60 mctros de cO'mprimento na dimensão maior do invólucro e 52 metros na da barquinha . Ficou pronto em 1894, sendo transportado para o Brasil e aqui montado em galpão cedido pelo Ministério da Guerra, no campo de tiro do Realengo, onde também se. fez o preparo do gás de hidrogênio. Com O término da montagem, tomava-se realidade o primeiro balão semi-rígido do mundo . Quanto às experiências, Domingos Barros . declara que o Bartolomeu de Gusmão realizou várias ascensões como ' balão cativo, com perfeito equilíbrio do sistema e a horizontalidade exata de seu eixo de tração . O Capitão-Tenente Jorge Moller contesta , dizendo que as experiências foram sem resultado . Augusto Fernandes, refe· rindo-se à substituição da liga de alumínio, prevista no projeto de Severo, .por bambu, por conta de não ex istir a liga em depósitos do Ministério da Guerra, ' informa: a fragilidade do material não permitiu que fosse bem sucedida a experiência de fevereiro de 1894, Lysias Rodrigues e Lavenere-Wanderley citam a quebra da barquinha e a impossibilidade de sua recuperação no Brasil, como causas imediatas da suspensão das experiências. Paralelamente, com o arrefecimento da pressão dos revoltosos diante da esquadra do Almirante Gonçalves, o Governo se des interessa do BartoLomeu de Gusmão. Para Umberto Peregrino. este desinteresse teve também um componente financeiro:

"Desgraçadamente, por.ém, as dificuldades do seu Governo (de FLoriano Peixoto) se avolumaram esmagadoramente. de modo que todas as energias e recursos tiveram de ser mobilizados para a debelação da crise interna, e assim vieram a faltar os meios indispensáveis ao prosseguimento das 'experiências com o primeiro balão de Augusto ' Severo."til O esquecimento a que foi relegado o Bartolomeu de Gusmão em nada abalou o ânimo de seu idealizador, que, partindo desta experiência, continuou seus estudos, introduzindo modificações e aperfeiçoamento, até finalmente concluir o projeto do seu segundo dirigível - o Pax . Oito anos depois do Bartolomeu de Gusmão, o Pax obedecia à mesma concepção origin al de Severo: o balão semi-rígido, que se antecipou em quatro anos ao rígido, do Conde Zeppelin. Severo c Zeppelin p.artiram de uma base comum - a consolidação do conjunto aéreo; porém, cada qual tomou a Sua direção, dando aos respecti vos projetos peculiaridades próprias . 210


Fig. 40 -

O "Bartolomeu de Gusmão", em Realengo, Rio.

Zeppelin, para proteger as paredes dos depósitos de hidrogênio das fortes pressões de ar criadas pelo deslocamento, partiu para O invólucro rígido, com grande aumento da densidade do balão e conseqüente impossibilidade de atingir altitudes elevadas. Por seu turno, Severo preferiu manter a baixa densidade do ae róstato, conservando-o semi-rígido '. Com isso, manteve ·a sua concepção inicial de um " navio de alto ar", capaz portanto de atingir alt itudes que li vrassem a navegação das perturbações da baixa atmosfe ra. Mas de modo algum se descuidou das fortes pressões criadas pelo deslocamento de ar. Só que, em vez da proteção estática com uma estrutura rígida, preferiu a proteção dinâmica com a semi-rígida. Imaginou consegui-l a através da instalação de uma .hélice na proa, cuj o trabalho aerodinâmico, em composição com a pressão gerada pelo deslocamento, aliviaria e disciplinaria o fluxo nessa última, protegendo o invólucro armazenador do hidrogênio. Pronto o projeto Pax, Severo pediu licença à Câmara e, sem qua lquer auxílio oficial, mas tão-somente com suas próprias economias e auxílios voluntários de parentes e amigos, partiu para Paris, onde chegou a 9 de outubro de 1901 . O nome do dirigível, escolheu-o Severo por acreditar que esse artefato iria constitui r-se numa arma tão poderosa no futuro, que seu poder de di ssuasão acabaria por evitar a eclosão de guerras· entre as nações. Ao chegar a Paris, Augusto Severo, por seu próprio temperamento expansivo, não teve dificuldades de relacionamento . Ao contrário, falando fluentemente o francês e sendo membro do Parlamen211


to Brasileiro, logo estabeleceu contato com os meios aeronáuticos locais, com a imprensa que o popularizou e com intelectuais do porte de Emile Zola e Paul Rousseau. Das inúmeras publicações divulgadas pela imprensa parisiense, destacaremos aqui dois artigos de George Caye, colaborador de La Revue~ que acompanhou Severo de perto, durante toda a sua estada em Paris. Trata-se d~ artigos publicados em datas e em periódicos diferentes: o primeiro, antes de sua morte, em La Revue; o segundo, logo após o acidente fatal em que perdeu a vida, no Le Monde Illustré. Neles, George Caye faz a apresentação de Severo e suas atividades aeronáuticas, detalhando específica e completamente a concepção do dirigível Pax. Eis o primeiro desses artigos:

"O novo balão dirigível 'de Severo O Brasil parece decidido a conquistar a atmosfera . Mal Santos Dumont acaba de receber o prêmio Deutsch, eis que outro brasileiro, Augusto Severo, acaba de cruzar o Atlântico para construir em Paris um novo balão dirigíllel de sua invenção, cujas experiências serão realizadas nos primeiros dias de dezembro. . O aeróstato é em forma de charuto curto; tem 12 metros de diâmetro máximo e 30 metros de comprimento; seu volume é aproximadamente de 2.000 metros cúbicos. F. portanto bem mais volumoso que o de Santos-Dumont, que, apenas como lembrança, tinha 34 metros de comprimento, 6 metros de diâmetro máximo e seu volume de 605 metros cúbicos. Comparando-se estes números vê-se que, proporcionalmente, o balão de Severo é duas vezes maior que o de Santos-Dumont . Mas não reside nisso a única diferença, pois a própria concepção de funcionamento é completamente nova. Em um balão dirigível duas forças interagem: a resistência ao avanço aplicada no eixo do balão; a força propulsiva que, nos dirigíveis experimentados até hoje, tem sido aplicada em um ponto da barquinha onde se instalam as hélices propu/sivas. Como a barquinha é sempre suspensa a uma certa distância abaixo do balão, as duas força s, potência e resistência, são aplicadas em pontos muito disú:mtes um do outro . Em conseqüéncia, durante O deslocamento, inclinações acentuadas do sistema provocam efeitos de :tangage' que, entre outros inconvenientes, podem prejudicar a lubrificação de peças em movimento e até ao próprio motor, acarretando perda de potência do mesmo. O balão de Severo apresenta a particularidade de a barquinha integrar um conjunto rígido. sendo parte de uma estrutura qúadrangular em que a viga maior é sensivelmente do mesmo comprimento do aeróstato, penetrando no invólucro do ba212


lão até o seu grande eixo. Cada uma das extremidades da viga tem dispositivo especial que permite a instalação da hélice motriz não mais abaixo do balão, mas, precisamente, na extremidade de seu grande eixo. Com isso os centros de resistência e de propulsão ficam bastante aproximados, eliminando os inconvenientes assinalados acima ou atenuando-os consideravelmente. Portanto, a característica do dirigível de Severo é a disposição da hélice propulsiva na popa do balão, o que parece ser extremamente yan tajoso. O sistema comporta mais quatro hélices: uma na proa, cuja finalidade é aliviar a pressão provocada pela resistência ao avanço, gerando uma corrente de ar que entra em composição com a mesma, segundo uma curva que facilita o deslocamento. Na parte de trás da barquinha, uma segunda hélice, dita de compensação, destina-se a corrigir as inclinações que possam ocorrer e também a equilibrar o aeróstato na atmosfera. Por fim, o leme, até agora empregado para assegurar a direção, é substituído por hélices rotativas dispostas em tubos perpendiculares ao grande eixo do sistema, um na parte da frente e outro na de trás da barquinha . Segundo se acione uma ou outra hélice, o balão se orientará num ou noutro sentido. Para conseguir grandes mudanças de direção, basta acioná-los em sentido contrário. A força motriz, por ocasião dos primeiros ensaios, será produzida por dois motores a petróleo tipo Buchet, um de 24 cavalos, acionando as três hélices traseiras, e outro de 16 cavalos, comandando as duas dianteiras· A tripulação prevista é de três pessoas. Estas são as informações que nos foram prestadas por Augusto Severo. ( ... ) Mas voltemos às experiências anteriores de Severo . Em 1894 ele mandou construir um grande dirigível, 'Bartolomeu de Gusmão', que media 60 melros de comprimento. Já então a idéia de colocar a hélice propulsiva na proa do balão e um leme na popa. As primeiras experiências foram positivas e quando foi tentada a prova decisiva, em virtude de um vício de construção, a barquinha de 52 metros quebrou-se. Entretanto, ficou para o inventor a convicção de que seriam necessárias algumas modificaçQes de pró;eto. Foi então que começou os estudos sabre o novo dirigível que' mandou construir na França e cujos ensaios serão conduzidos proximamente . Detalhe curioso, é a Casa Lachambre que ·construirá o dirigível concebido por Severo, a mesma que também construiu todos os balões de Santos Dumont. Ao contrário deste, entretanto, Severo não é possuidor de grande fortuna, e seu modesto patrimônio foi todo empregado na realização do seu ideal. A ele desejamos o êxito que seu interessante trabalho merece . 213


Augusto Severo é casado e pai de sete filhos. E um homem grande e forte (pesa 102 quilos, o dobro de Santos~Dumont). Desde 1891, é deputado e presidente da Comissão de Orçamen~ to do Parlamento no Rio de Janeiro; é personalidade importante no mundo político brasileiro. Orador eloqüente, é um dos maio~ res defensores do Partido Republicano . Adepto do princípio de arbitragem internacional, é defensor da paz universal e cam~ peão do pacifismo, que sempre defendeu nas páginas do jornal A República, do qu.al foi diretor por longos anos. 1sto expLica o batismo do seu dirigível com o nome Pax,"

fig. 41 -

"PAX" -

o dirigí)lel de

Augusto Se)lero.

6. A Catástroje

Concluída a construção 'do Pax, prepara-se Severo para as pri. meiras experiências, ante grande expectativa nos meios aeronáuti~ cos da época, em face das inovações introduzidas no balão, amplamente divulgadas pela imprensa, ehtre as quais a rigidez da barquinha e do conjunto e posição das hélices, com funções diversas e específicas, inclusive as colocadas na proa e na popa. O sucesso das experiências consagraria, como realmente consagrou, uma concepção aeronáutica absolutamente original e antecedente a todos os projetos baseados nos mesmos princípios. como foi o caso do rígido de Zeppelin . 214


o primeiro ensaio realizou-se a 4 de maio de 1902, utilizando corda mole, tendo o balão respondido corretamente aos testes a que foi submetido. Nova experiência, a 7 de maio, confirmou todos os prognósticos provocando entusiasmo generali zado , do fabricante Sr. Lachambre, do inventor e, sobretudo, do mecânico Sachet que, durante lodo desenvolvimento do projeto manteve crença inabalável no êxito do novo dirigível, tornando-se grande admirador de Severo, Animado com os resultados, solicitou Severo autorização para evolui r sobre o exército francês acampado em Issy-Ies-Moulineaux, a qual foi concedida e comunicada ao inventor no dia 11 de maio, véspera do que seria um evento memorável, Chega o dia t 2 e com ele a prova decisiva, Como tripulantes "(três, na concepção do inventor) deveriam subir Severo, Sachet e Álvaro Reis, Este último, para aliviar o peso e permitir melhores cond ições de ascensão, desce da barquinha e escapa à morte, Severo ocupou-se do motor de vento, controlando as duas hélices dianteiras, e Sachet do de ré, acionando as traseiras, entre as quais a propulsora " Às Sh 30 min , ai nda madrugada, Severo comanda o cláss ico " Larga!", O Pax começa a subir suavemente, e já os amigos e admiradores preparam-se para acompanhar o vôo de automóvel. até Issy-les-Moulineaux, At inge 400 metros", Projetadas no céu, são visíveis as silhuetas movediças dos tripulantes na faina da operação, Quinze minutos já se passavam, quando ocorre violenta explosão, e o Pax, contorcido, vem cair na Avénue du Maj,:ze, trazendo com ele os corpos dos doi s tripulantes. , Natá lia, a fiel companheira , a tudo assistiu, De suas mãos partiu o telegrama comunicando a Pedro Velho a tragédia, que pouco depois teria prosseguimento com o seu suicídio, Como sempre ocorre nos meios aeronáuticos, as causas do acidente mereceram inúmeras versões , Segundo Buchet, construtor dos 'motores, tudo se deveria à extrema proximid"ade do tubo de escapamento do motor de ré do balão; o calor solar. aquecendo o balão, faz o gás dilatar-se ; este escapa pelo apêndice, e daí a explosão. Já seu companheiro Ál va ro Pereira dos Reis atribui a causa ao mau fun cionamento dos motores daquela época (processo " barbotage"), dond.e a explosão no ca rburador, comuni cando-se ao depósito de essência e provocando nova ex plosão, que atingiu o aeróstato . A imprensa francesa ocupou-se fartamente do trágico acontecimenta " Um dos artigos que maior repercussão obteve foi o de George Caye, publicado no número de 1.. de julho de 1902 de La Revue, so o título Le drame du Pax et Ies mérites de Severo, Eis os trechos mais importantes desse artigo~ :

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"Uma terrível catástrofe interrompeu as experiências do palão dirigível 'Pax', no momento mesmo em que era tentada a prova decisiva . Em vez de registrar um sucesso~ só nos resta deplorar a morte do engenheiro-inventor e de seu infortunado mecânico . Severo, logo após sua chegada a Paris, veio expor a La Revue seus projetos, e loi nela que, pela primeira vez, se relFelaram os princípios novos que ele contava aplicar. ( ... ) Severo havia imaginado, para produzir -a força motriz, motores elétricos e pilhas muit~ potentes; mas, não podendo demorar-se em Paris (seu mandato de deputado chamava-o ao Parlamento Brasileiro, aconselharam-lhe, dando como exemplo o que fizera Santos Dumont, que substituísse esses motores, cuja construção seria demorada e muito onerosa, por motores a petróleo Buchet . Levado' pela carência de tempo, o malogrado aeronauta deixou-se por fim convencer. A liás, por ocasião das experiências dos motores, estes haviam funcionado maravilhosamente. Todavia, Severo tinha certo receio e, cinco dias antes da experiência que lhe custaria a vida, dizia à sua esposa e a alguns am.igos: u . . . se eu dispusesse ainda de dinheiro e tempo, não hesitaria um só instante em mandar construir meus motores elétricos. E verdade que os motores de Buchet são perfeitos, e considero excelentes os motores a petróleo mas vejo com pavor esse fogo embaixo do meu balão". Suas apreensões eram, infelizmente, justificadas, dada a pequena distância que separava os motores do aeróstato. Com o emprego de motores elétricos não teria havido esse risco e a catástrofe não se teria manifestado. Por isso, surpreendeu-nos ver aqueles mesmos que o haviam convencido a servir-se de motores a petróleo criticarem com a maior severidade, no dia imediato ao desastre, o emprego desses motores. Por outro lado, a barquinha devia, conforme o projeto do inventor, ser construída inteiramente de alumínio - Foi ainda a falta de dinheiro que o forçou a recorrer ao bambu, que, a um -tempo, era mais pesado e menos resistente. Essa modificação obrigou-o a suprimir os balonetes por ele previstos no intuito de assegurarem a forma permanente do dirigível. evitando assim, o risco de explosão. A falta de força ascensional compelira-o a renunciar a esses balonetes, utilizando o volume respectivo para armazenar maior quantidade de hidrogênio. Assim, os 1900 metros c6bicos previstos foram elevados a cerca de 2500. Desde fin s de abril começou o enchimento do balão, ficando este em poucos dias pronto para as experiências. Não sl?J1do favorável o tempo, foi preciso adiar antes da primeira saída. 216


Por esse motivo, só a 4 de maio pela madrugada foi possível ensaiá'Io pela primeira vez, a corda. Corresponderam os resultados plenamente à expectativa do inventor. O balão equilibrava-se perfeitamente e prometia uma completa estabilidade. Os motores funcionavam muito bem e as transmissões de movimento efetuavam-se facilmente. A hélice de proa foi a primeira experimentada, atingindo uma velocidade de mais de 120 rotações por minuto. Foi tal a deslocação de ar que ela determinava que, só com sua ação sem que a hélice de propulsão fosse posta em movimento, o Pax avançava com tal força contra o vento, que 15 homens não conseguiram detê-lo. Tornou-se necessário parar rapidamente a transmissão, para evitar que os obstáculos fossem lançados de encontro ao muro que cerca o parque aerostático. Foi mais concludente ainda a experiência da hélice propulsora situada à popa do balão. Finalmente, as hélices dirigentes funcionavam perfeitamen. te, mostrando poder garantir uma direção fácil ao sistema. Interromperam-se as experiências porque o tempo foi escurecendo, caindo a chuva esperada. Na quarta-feira, 7 de maio, realizou-se nova experiência. Esta, conquanto menos demorada, não foi menos interessante. O Conde de La Vaulx~ nosso distinto colaborador, achava-se presente bem COmo vários representantes do Aéro Clube . O Conde~ que, a princípio, confiava muito pouco na obra de Severo, mudou de opinião após as experiências que verificou, e no dia seguinte foi o primeiro a chegar ao hangar, antes de 4 horas da manhã, supondo que era o momento da saída. Con· tinuou, porém, o tempo a não ser favorável a Severo. Só cinco dias depois, a 12 de maio, puderam ser começados os ensa.ios defi.nitivos. Havia 15 dias que nós chegávamos todas as manhãs às 4 horas, porque queríamos assistir à prova decisiva do PAX, a fim de transmitir aos leitores de 'La Revue', conforme o desejo manifestado por seu diretor, informações exatas e precisas. Foi graças à nossa perseverança que fomos O único representante de toda a Imprensa que se achou presente no Parque de Vaugirad no dia da catástrofe. Isso custou-nos uma emoção terrível, mas, em compensação, nos permitiu relatar o que se desenrolou à nossa vista, podendo dizer, com todo O conhecimento de causa, como se iniciara essa ascensão que deveria terminar tão tragicamente. E o que nos impede de seguir o exemplo de alguns críticos desastrados, que sem ver e conhecer o aparelho, julgam justo e digno denegrir a memória de quem, agora, só lhes pode opor o silêncio do túmulo! 217


As 5 horas e 15 saía o balão do hangar. Como medida de prupência e a fim de dispor de maior quantidade de lastro, Se· vero decidiu partir s6 com seu mecânico Sachet, deixando em terra o Sr. Alvaro Reis que devia subir em sua companhia. ·Este indignou·se com a resolução. Quem diria, então, que, não que· rendo levá·lo, Severo lhe estava salvando a vida? Eram precisamente, 5 horas e 25 da manhã, quando O PAX largou do solo . Imediatamente, estando ainda o balão retido por cordas, experimentaram*se os motores e as hélices, que fun· cionavam perfeitamente, como toda a assistência pôde verificar, Em seguida, prendeu*se o 'guide rape' e Severo, tendo dito um último adeus a seus amigos e mandado o derradeiro beijo à es* posa e ao filho mais velho que se achavam presentes, lançou de novo O PAX a caminho do espaço. Quando o balão atingiu a extremidade da corda, o homem que a segurava reteve*a por momento. Severo, sentindo·se detido, cuidou que fosse insuficiente a força ascensional e, por isso, lançou dois sacos de lastro, o que fez o balão elevar*se subitamente. Pôs, então, em movimento suas hélices de direção, para ver se poderia contar inteiramentte com elas. Pudemos ver o baLão descrevendo sobre nossas cabeças, anéis cada vez mais estrei* tos, depois "8" cada vez mais apertados, ora num sentido, ora noutro, coma o mostra o documento que possuímos - .- uma fotografia em que apanhamos o aeróstato em três posições sucessivas sem mudar a chapa. No ponto de ·vista d~ direção, Severo esta· va absolutamente senhor de seu balão. E verdade que Santos Dumont pretendeu contrariar esta asserção, praticando um equívoco, talvez por nunca ter visto o aer6stato de seu compatriota. Para n6s, é certo que com um simples leme, nenhuma hélice de propulsão estando a funcionar, não se poderia obter esse resultado. Aliás o Sr. Santos Dumont estava em condições de reconhecer os inconvenientes desse frágil órgão de direção e dever;,! lembrar*se de suas quedas do Trocadero e de Mônaco. As pequenas hélices jaziam evoluir maravilhosamente o aeróstato. Severo, feliz com semelhante resultado, repetiu a ex· periência durante 10 minutos. Como suas hélices de propulsão não estavam em marcha, o balão foi arrastado pelo vento. Tudo corria, pois, muito bem. Reinava a maior alegria nos poucos espectadores que haviam arrostado aquela hora matinal, e, ten· do sido dado por Severo o sinal convencionado, todos correram para tomar os automóveis, a jim de se dirigir ao campo de ma* nobras de Issy·les·Moalineaux. Su'bitamente, soltaram todos um grito pungente. O balão eslava envolto em chamas . Um clarão sinistro, partido da popa 218


da barquinha, erguia-se para o aeróstato, que rapidamente se inflamou . Era ouvida por nós uma terrivel detonação, enquanto o PAX e seus aeronautas se abismavam através do espaço, com uma vertiginosa velocidade, tombando de uma altura de mais 'de 400 metros vindo a cair sobre a <Avenue du Maine'. Ser-me-ia impossível descrever a dor que invadiu todos os ass:stentes desse espetáculo tremendo, horrível e mais triste para nós que cercávamos a esposa e o filho do desventurado Severo, para nós que acabávamos de apertar as mãos da s duas vitimas dessa catástrofe, para nós que passávamos tão subitamente do júbilo do sucesso ao horror da morte! . .. Mas como explicar essa catástrofe? Quantas versões não têm sido apresentadas! ( .. . ) Só uma explicação se nos afigura plausível - a que demos desde o primeiro momento, e que parece reunir o maior número de opiniões. As válvulas de escapamento estavam situadas na parte inferior e na popa do aeróstato . A da esquerda funcionava muito bem e abria-se tão facilmente, que, tornando-se impossivel o enchimento do balão, foi preciso fixá-la no mastique. A da direita, pelo contrário, era um tanto dura e, como medida de precaução, Severo munira-se de uma corda, que permitia abri-la da barquinha . Além disso, essa. válvula era levemente inclinada sobre a horizontal. Ora, o balão enchera-se dentr.o do hangar muito cedo, quando a temperatura ainda era muito baixa . Uma vez fora, sob a ação do sol produziu-se a primeira dilatação do gás, e foi aumentando, consideravelmente, quando o PAX atingiu 400 metros. Em dado momento, deve ter-se aberto a válvula (po r si mesma ou da barquinho). Fortemente comprimido, foi o hidrogênio projetado sobre a chapelela móvel da válvula, e, mudando de direção, naturalmente lançou-se sobre o motor vizinho e inflamou-se, ao ter contato com as partes quentes, circunstância esta que deve ter determinado a explosão. Assim se explicaria o fato de ter sido horrivelmente queimado o infeliz Sachet que tinha a seu cargo o motor da popa, porque explodira o resenatório de essência situado a seu lado, ao passo que Severo, estando na proa da barquinha, não sofreu nenhuma queimadura, ficemdo intato o outro reservatório de essência, próximo dele. Todavia, esta explicação, por mais plausível que pareça, não é absolutamente certa, levando as duas vítimas para o túmulo O segredo da causa real da catástrofe que lhes custou a vida . 219


Conclui-se, pois, que o terrível acidente em nada subordinava-se aos principias aplicados por Severo. Seus matares achavam-se localizados, é verdade, muito perto do balão, mas não esqueçamos que, no pensamento do inventor, eles deviam ser motores elétricos, incapazes de produzir a inflamação do gás. Por outro lado, se a barquinha fosse mais leve, Severo conservaria seus balonetes de ar e o hidrogênio poderia, assim, aumentar de volume, sem perigo. Enfim, as válvulas deveriam funcionar normalmente . Não é justo, pois, esse açodamento em condenar, como se verificou, os prinçipios novos aplicados por Severo. O malogrado aeronauta foi, certamente, demasiado confiante e temerário,' mas tudo faz crer que, se ele tivesse podido executar totalmente os planos de seu dirigível tais como os concebera, sem os conselhos' de especialistas mal avisados, em vez de uma catástrofe registraríamos um grande e glorioso sucesso. Por isso, compreendemos bem o sentimento de sua dedicada companheira, a qual tendo acompanhado os trabalhos do inventor. tinha uma idéia fixa: voltar ao Brasil, a fim de, sendo possível, conseguir os fundos necessários para recomeçar as experiências de um nOvo PAX, limitar-se-ia a executar os planos primitivos. neles introduzindo, algumas modificações apenas de detalhes que, sem nada interferir na concepção do sistema, diminuiria os riscos de acidentes. O seu maior desejo era, como nos declarou, subir na barquinho, a fim de provar ao mundo que a idéia aplicada por aquele a quem pranteia, não era fantasia conforme quiseram insinuar . Esta reabilitação do inventor, que, antes de morrer, não teve oportunidade de realizar uma ascensão completa, será proporcionada à sua viú va pelo Governo brasileiro . Se se pode dar crédito a um despD;cho chegado do Rio de Janeiro. uma comissão de engenheiros será enviada proximamente à Europa para reconstruir O PAX e continuar a obra de Severo. No momento, entretanto, a viúva está só com sete filhos para educar e na mais profunda miséria, pois todos os recursos de seu marido foram consumidos na realização do PAX. Comovidos pela triste situação em que Severo deixara a família, o Aéro-Clube e Auto-Velo de Paris abriram uma subscrição também destinada à família de seu mecânico. Já se pode contar com uma dezena de mil francos, esperando-se soma superior. Devemos não esquecer que Severo foi não s6 um grande espírito, como também um coração generoso. O Conde de La Vaulx recordou isso no belo discurso que proferiu por ocasião as exéquias . Nestes últimos dias - dizia - eu o via com () semblante resplandecente de alegria, só ao pensar que seu sonho ia final-

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mente realizar-se. E, em sua suprema bondade, ele, que se ha· via arruinado pelo triunfo de seus projetos científicos, calculava a renda que poderia conseguir, com a visita do público ao PAX, destinando a total às vítimas da Martinica. Não foi ele, também, quem, magnanimamente, conseguiu do Parlamento Brasileiro a lei concedendo 125.000 francos ao seu concorrenteSantos-Dumant? ( ... )

Fig. 42 -

Queda do "PAX" , em Paris -

França.

E justo esperar que esta catástrofe não paralise os movimentos em busca da conquista do ar. Os inventores não se desencorajarão: talvez se tornem mais prudentes. O Major Renard, célebre aeronauta de Meudon, informa-nos que para ele e seu irmão, o coronel, é tarefa urgente dirigir à Academia de Ciências um memorial com instruções precisas para os futuros aeronautas. Ele afirmou em declarações ao 'Temps' que tendo pr~­ visto os perigos que corria O 'Pax', absteve-se de dizê-lo a Severo por estar persuadido de que não seria ouvido. Tal fato dá-nos o direito de concluir, de duas uma: ou a declaração toi inconseqüente, o que não fica bem em homens de caráter, ou, o que é pior, Renard realmente previu o perigo e se omitiu. Neste último caso, carregará em sua consciência O peso de haver cometido assassinato involuntário! Severo talvez tivesse seguido o cemselho do eminente especialista e sua grande infelicidade poderia ter sido evitada. De qualquer forma, os aeronautas do futuro dificilmente esquecerão a estranha atitude de 221


Renard, e as instruções precisas a que se referiu correm o risco de não serem tomadas a sério . Bem mais louvável parece ser a idéia de 'Henri Deutsch' (de la !y1eurtFze): criar uma comissão composta de especialistas (oficiais ou não) em aerostação e mecânica. O generoso Mecenas da ciência aeros/ática, a quem devemos a instituição do prêmio de 100.000 francos, parece desta vez mais feliz em sua idéia. Porque se a soma de 100.000 francos foi parar nas mãos de Santos-Dumont, cujo brinquedo n.O 7 parece definitivamente destruído, a nova instituição que Deutsch pretende criar poderia, verdadeiramente, prestar serviços reais . Basicamen.te, a Comissão seria encarregada de examinar todos os projetos que lhe fossem submetidos, fornecendo sobre os mesmos um relatório escrito e circunstanciado. E evidente que ao inventor caberia aceitar ou não os conselhos e críticas, mas, pelo menos, ele seria prevenido em tempo útil. E se nova catástrofe viesse a ocorr.er, todos teriam a consciência do dever cumprido. Esperemos, pois, que esta idéia possa concretizar-se e que a morte de Severo nos proporcione pelo menos esta instituição de previdência para os ousados pioneiros da conquista do ar." Igualmente séria e fundamentada é a versão do professor Carlos Sampaio, apresentada em sessão do Instituto Politécnico Brasileiro, DO bojo do tema Os balões de Santos-Dumont e Severo, e que extraímos da obra de Augusto Fernandes»:

"Acredito que as causas até hoje apresentadas para explicar o fracasso da experiência de Augusto Severo não são as verdadeiras. ( .. . ) Mais racional e perfeitamente aceitável é que a causa da explosão fosse, não o motor, mas o hidrogênio do balão, gás que teria entrado em contato com a chama existente no motor, pois como é sabido, nos motores a explosão, é necessário uma chama para dar-se o movimento. ( .. . ) Acredito antes, que o contato se desse em conseqüência de uma Ilexão. De 1010, no talão iam duas pessoas: Augusto Severo e o maquinista Sachet, cada um deles junto a um dos motores. Não sei qual era o peso de Sachet, mas o do nosso pranteado compatriota era bastante considerável, talvez uns 90 quilos, porque era homem reiorçado. Ora, se o balão apresentava a circunstância de ter suas peças colocadas nas extremidades, acrescidas ainda pelo peso dos maquinistas, nada mais natural do que ocorrer a flexão do sistema; e, dando-se esta• .a possível rutura do bambu que constituia a aresta da barquinho, sendo assim ferido o corpo do ba222


lão, resultando ficarem os motores como que colocados no seio da massa gasosa, de modo a provocar a explosão. Poderia ainda surgir outra circunstância: O movimento das máquinas, situadas no fundo da barquj· quinha, era transmitido aos propulsores colocados no balão por meio de eixos verticais e rodas dentadas. Uma vez ocorrida a flexão, muito possível seria que essas engrenagens~ ainda em movimento, entrassem em contato com o invólucro do balão, rasgassem·no e fizessem com que toda a massa gasosa, escapan· do-se, alcançasse a chama do motor. Ainda por outra causa, é explicável o desastre, e essa me ocorre por uma conversa que uma vez tive com Santos-Dumont. Perguntando-me em que consistia o balão Severo, e tendo eu feito uma descrição, disse-me ele: - 'Eu feria receio de ir em tal balão.' - Por que? - perguntei eu. 'Porque esse balão, pelo fato de ter balão e barquinha em um só sistema, oferece, por isso mesmo, um perigo sério. Tenho tido muitas vezes ocasião, quando me acho no ar, de receber, de repente, um golpe de vento. Nestas condições, quando se der o virar do balão a barquinha constituindo com ele um sistema único, acompanhá-lo-á em tal movimento, ao passo que se o balão e a barquinha formarem sistemas diversos, apenas ligados pur uma interme· diária flexível de suspensão, o golpe de vento, virando o baLão, que é superfície muito maior, nem por isso impedirá que a gravidade conserve a barquinha em· sua posição verticaL' Assim, é muito possível que um golpe de vento houvesse produzido o reviramento, se deste modo me posso exprimir, dando lugar à explosão. O fato, porém, é que o desastre se deu; a fatalidade nos fez perder um dos nossos mais distintos compatriotas, e, infe· lizmente, jamais será possível conhecer a verdadeira causa de tal desastre". Após analisar as explicações de George Caye e de Carlos Sam· paio, conclui Augusto Fernandes:

"Quando me perguntaram qual foi a causa do acidente com o PAX, eu, que durante doze anos assisti a inúmeros desastres de aviação, quase todos trágicos, antes de dar a minha opinião, narro as que conheço e concluo admitindo a de Georges Caye, apesar de não ignorar que o hidrogênio não se poderia furtar à regra que se estende a todos os gases; mais leve que o ar, jamais po. deria descer, e sim subir. Todavia, sendo a distância entre o corpo do balão e a barquinha igual a dois metros, o hidrogênio FORTEMENTE COMPRIMIDO poderia muito bem, antes de 223


submeter-se à lei, ter atingido o motor e, inflamando-se, ocasionar a explosão. A opinião de Santos-Dumont, citada pelo professor Carlos Sampaio, demonstra, mais uma vez, que o sistema do Pai da Aviação, aplicada aos balões dirigíveis, era impraticável para a navegação aérea. Dumont poderia ter receio de ir no balão de Severo. Mas não poderia negar que Severo, com o seu siso tema, estava no rumo certo. Cientificamente, balão dirigível que não seja construído em sistema único, solidário, não poderá ser útil à Navegação Aérea. Quando muito servirá, em ar calmo, para divertimento, para esporte . . . H.

Por determinação do Presidente Campos Sales, o corpo de Augusto Severo foi embalsamado e transportado no vapor Brasil para o Rio de Janeiro, onde as exéquias foram acompanhadas de honras oficiais e homenagens particulares do povo. No Rio, uma rua surgida da modernização do bairro da Glória recebeu o seu nome. Em louvor ao seu fiel mecânico, também uma rua do centro, a antiga Rua Nova do Ouvidor, conhecida como Rua do Padre Duarte e das Flores, recebeu o nome de Travessa Sachet. Em Natal, berço do inventor, as homenagens se repetiram: Severo empresta seu nome a uma das principais praças da cidade, onde se ergueu um monumento à sua memória, e Sachet é o nome de urna das ruas da cidade. Justas homenagens a dois grandes homens que se imolaram no ideal de conquista dos ares. 7. A Contribuição Valiosa Com o acidente do Pax, durante muitos anos foi relegada a segundo plano a sua concepção inovadora, e o protótipo avançado que Severo construíra jamais foi reproduzido. Um acidente, cujas causas poderiam ser removidas seqt nenhuma modificação substancial do sistema imaginado, sepultou de vez a engenhos idade do inventor. Entretanto, não há como negar que a concepção de Augusto Severo era absolutamente correta, tanto no plano teórico quanto no prático; infelizmente, porém, o inventor não teve a ventura de comprovar a viabilidade de seu sistema, já que não mais existia quando outros o adotaram com absoluto sucesso. No plano teórico, o sistema semi-rígido de Augusto Severo teve o aval de ilustres representantes da competência nacional no campo das ciências .físicas, químicas, matemáticas e aerostáticas. A propó~ sito, vale conferir o que diz o engenheiro Dr. Carlos Sampaio, estudioso de problemas aeronáuticos : 224


"Um sistema teórico de navegação aérea, um sistema que se proponha a resolver o problema do modo mais perfeito deve ser aquele em que o centro de propulsão coincida com o de resis· lência.' ( ... )

Efetivamente, de todos os sistemas que têm sido propostos para solução do problema, é este o único em que se procurou. realmente, efetuar a coincidência do centro de tração e do centro de resistência, e é este o único em que se realizou essa condição. Augusto Severo, procurando realizar a condição de coincidên· cia do centro de pressão e do centro de propulsão, realizou do mesmo modo a condição das duas partes, balão e barquinha, constituírem um só sistema; Augusto Severo, portanto, quais· quer que sejam os defeitos de seu balão, pôs em prática duas medidas da maior importância, tais, que por si só são suficien· tes para lhe dar o maior galardão. ( .. . ) O balão de Severo é de forma assimétrica, mais grosso em um extremo que no outro, e assemelha·se a um melão do qual se houvesse retirado uma talhada da parte de baixo, sendo introduzida no vácuo deixado por esse corte, uma barquinha, que, em seção transversal, é um verdadeiro triângulo, tendo como vértice a projeção do eixo do balão, e como base a largura da barquinha; e que, em seção longitudinal é um trapézio, cuja base é o comprimento da mesma barquinha, sendo o lado para· leIo à base constituído pelo próprio eixo do balão, pelo próprio eixo de rotação dos propulsore.s . A altura deste trapézio é de 8 metros, isto é, maior que o raio do balão, que é igual a 6 metros, de modo que, entre a barquinha e o corpo do balão existe uma distância de 2 metros, na parte mais baixa deste, sendo muito maior a distância nos ou· tros pontos". No plano prático, a queda do Pax frustrou e adiou a consagra· ção de uma teoria que a plena realização do vôo iria comprovar. Adiou por mais de um quarto de século uma resposta tecnológica positiva, até que ela por fim fosse aceita, de forma surpreendente e caprichosa, unindo vidas separadas por mais de dois séculos . A previsão do brasileiro Bartolomeu de Gusmão, em sua famosa Petição de Privilégios redigida em 1709, duzent-os e dezenove anos depois iria confi rmar-se inteiramente, auxiliada pela participação indireta de outro brasileiro - Augusto Severo. Naquela petição a D. João V, referindo-se ao seu invento va· tÍcÍnava Gusmão:

I<Vescobrir-se·âo as Regiões mais vizinhas aos Pólos do Mundo, sendo da Nação Portuguesa a glória desse descobrimento" . 225


Em 1928, as honras não foram de Portugal, mas da Noruega e da Itália, com a famosa expedição aérea ao Pólo Norte, de Nobile-Amundsen. O meio utilizado para o transporte foi o dirigível Norge - um semi-rígido, segundo a concepção de Severo . Um estudo comparativo dos dirigíveis Pax e Norge evidencia mais uma ocorrência de plágio envolvendo pioneiros brasileiros. Foss~ vivo Severo, e certamen te, como Júli o César, lançaria o seu protesto, reivindicando a prioridade da concepção. Morto, entretanto, não deixou de ter amigos e admiradores. Um dos mais queridos. o Dr . Domingos Barros, censurando Nobile pela omissão da referência a um invento já conhecido, provou em seguida que o Norge, vinte e seis anos depois, era um Pax aperfeiçoado, construído dentro da mesma concepção de Severo. Ouçamo-lo9 : " Foi um acontecimento sensacional. O dirigível~ de 10:500 quilos, mostrou-se um êmulo digno de Zeppelin. Embora de dimensões muito reduzidas, a aeronave portou-se bem, desenvolvendo velocidade média de 110 quilômetros por hora e provando ser navio tão consolidado e eficiente como o Zeppelin. A aeronave afrontou as blizzards do Pólo, e, pairando sobre o eixo de rotação da terra, o transpôs, passando para o hemisférie? americano, onde foi aterrissar em ponto con venien te escolhido, no Alasca. Nenhuma outra aeronave havia realizado semelhante façanha. Ora, bem examinada, a aeronave equ ipada por Nobile, naquilo que ela tem de essencial, distinto e característico, é o aeróstato semi-rígido de Augusto Severo, conforme veremos a seguir. Como no Pax, seu eixo de construção, a base de sua superestrutura, é constituído por uma viga metálica, armada em treliça, correndo pela linha mediana, de uma a outra extremidade, e formando ponto de apoio a toda .a construção, tanto ao volume ascensional, que a ela se prende, diretam.ente, como à câmara de comando, cabine de passageiros, etc. Não há partes pendentes . Tudo é for temente preso à viga de enrijecimento, formando um só todo solidário, um verdadeiro navio aéreo. A carcaça rígida é, porém, uma pequena porção do volume total, por ser, apenas, uma viga central, de forma triangular, oferecendo o máximo de resistência à flexão e deformação, no mínimo de peso. A viga empregada por Nobile não penetra o corpo aerostático. E exterior e segue pela parte inferior à sua curvatura. Mas, essencialmente, é a mesma espinha central ideada por Augusto Severo, indo da proa até a popa da aeronave, para direta· mente prender a ela todo o corpo flutuante'. ( ... ) 226


Vinte e poucos anos após, um italiano talentoso e arguto, o General Novile, considera atentamente o semi~rígido brasileiro, medita sobre a notável concepção, pressente-lhe o subido valor e, desde 10goJ convence-se que era aquele, e não outro, -o método racional de construir um aeróstato. Desde o momento em que se convenceu desta verdade, meteu mão à obra e obteve sua aeronave, robusta e unificada, sem sobrecarregá-la de pesada superestrutura, portanto sem lhe comprometer gravemente a densidade. Assim, constrói um famoso aeróstato, apresentando-o como inteiramente original, o que foi aceito, com facilidade, pela ignorância da criação de Augusto Severo. Seria grave injustiça deixar de reconhecer no balão de Nobile o semi-rígido brasileiro. Conforme vimos, tem ele, como centro de construção, uma única viga armada, correndo de uma a outra extremidade e formando ponto de apoio sólido, centro de consolidação efetivo, de unificação de todo o sistema. Ê o majestoso "Pax", a que se adaptou todo o progresso de construção e de detalhe de um quarto de século de uma célebre evolução. Experimentado, revela todas as vantagens essenciais da consolidação do colosso alemão, mas sob um peso muito menor e um volume enormemente reduzido. O semi-rígido mostra-se ágil, forte, possante e, com facilidade, desenvolve 110 quilômetros por hora, tanto ou quase tanto quanto o Zeppelin. Impressionado COm sua eficiência, Amundsen, que já tinha, em 1912, descoberto o Pólo Sul, arrebatando, vigorosamente, a glória a Scot, resolve também visitar o Pólo Norte, e vê no semi-rígido construido por Nobile, isto é, na nova edição do semi-rígido de Severo, O instrumento adequado a essa empresa excepcf.cmal. E assim contratou a famosa expedição Nobile-Amundsen, que, a bordo do Norge, subindo, vitoriosamente, às maiores latitudes, foi até conseguir pairar, um momento, nas alturas, a 900, sobre o eixo de rotação do Planeta Humano, e aí projetou e fincou na g.eleira o pavilhão nacional italiano e a cruz e'lOrme, oferecida pelo Papa . Em seguida, sem retornar sobre o caminho percorrido. tocou à frente, mudou de hemisfério, passou da Europa ártica para as altas regiões boreais da América, e, sem acidente, foi pousar em Tel/er, perto de Nome, pequena aldeia do Território de Alasca. Estava realizada, assim, magnificamente, a experiência definitiva do semi-rígido de Augusto Severo, embora por outrem, e posta em grande evidência a excelência do invento brasileiro." 227


Justificando o acerto do sistema de Severo em sua demonstração prática, prossegue Barros:

"Outra constatação espontânea da alevantada concepção de Augusto Severo; a façanha magnífica de Codos, o grande ás da "Air France", vencendo, em 50 horas de vôo, a distância enorme que separa Paris de Santiago do Chile, e realizando uma das mais brilhantes demonstrações dos últimos tempos_ Transpondo o Atlântico, em sua maior largura, e atravessando o Continente americano, para vencer os altaneiros Andes, no fim da jornada, realizou Codos, a um tempo, o maior feito de aviação, bem como a mais brilhante confirmação da justeza e do acordo da concepção aeronáutica de Augusto Severo. ( ... ) Codos não fez mais que realizar, corajosamente, a navegação de alto ar, prevista e aconselhada por Severo, com uma grande clarividência e certeza matemática. Foi mais uma grande prova, exaustiva e perfeita. A opinião do notável aviador, considerando a marcha nessas condições como a mais vantajosa e a mais segura, justifica, eloqüentemente, o lema do grande precursor brasileiro, afirmando que a verdadeira navegação só pode ser a de alto ar. Ouvi-o proferir este conceito, pela primeira vez, no ano de 1893, quando elaborava o seu primeiro navio aéreo, O belo Bartolomeu de Gusmão . Falando a jornalistas, declarou-lhes Codos que sua experiência trouxe grandes ensinamentos, pois acreditava que o vôo a grande altura é muito mais satisfatório, porque os motores trabalham muito melhor, permitindo, em tais condições, proporcionar aOs passag.eiros mais conforto e segu rança maior. Sendo essas manifestações espontâneas de alto valor, para ela chamamos a atenção dos brasileiros, porque essa singela declaração veio confirmar a justeza da concepção aeronáutica de Augusto Severo, que o conduziu à construção de seus semirígidos. E tempo de considerar-se nosso glorioso patrício por seu justo valor, científico e técnico, e não apenas como um mártir, vitima de sua temeridade e imprudência. Agora, após tão brilhantes demonstrações e realizações, poderão os competentes considerá-lo o espírito mais lúcido e fec.undo dos precursores da navegação aérea". A constelação de pioneiros brasileiros tem em Augusto Severo uma das estrelas de primeira grandeza. Imolou-se por um ideal que perseguiu durante vários lustros, com férrea persistência, na ânsia 228


de unir a humanidade num amplexo fraterno de compreensão e en' tendimento. No produto de sua cerebração, viu muito mais que o simples avanço tecnológico. Por um lado, percebeu nele um fator de entendimento uni versal, na medida em que aceleraria o intercâmbio de homens, idéias, bens e serviços, aproximando nações em busca do bem comum. Por outro lado, vislumbrou em seu invento poderoso instrumento de consolidação da paz, através de seu enorme potencial de dissuasão. Com tal característica, aDontaria às nações o caminho civilizado da cooperação, eliminando controvérsias muito mais pelos contatos diplomáticos do que pelos confrontos militares. São suas as palavras abaixo :

"Pode e há de garantir a paz, sim, porque pode chegar sobre o inimigo, guardado por uma nuvem que lhe servirá de manto, sem ser pressentido, e derramar, com o incêndio, a miséria sobre um pais inteiro. E, diante de tal expectativa, a sabedoria humana.. a garantia da vida, o instinto de conservação do indivíduo e das nações só tem um remédio, uma saída: o acordo fraternal e a paz unhersal."

o fato de em duas guerras posteriores à sua morte terem os engenhos aéreos semeado a destruição, em escala nunca antes vista, não elimina a sua tese. O impasse nuclear aí está, e, embora estejamos longe do ideal de Severo, já (óram empreendidos os primeiros tímidos passos em sua direção. Que outros ousados lhes sigam . Augusto Severo deixou aos seus pósteros valiosa contribuição no campo aeronáutico. Uma contribuição absolutamente original, fruto de seus estudos e lucubrações, que o consumiu por inteiro, tirando-lhe inclusive a própria vida. VIDA E OBRA DE AUGUSTO SEVERO Cronologia 1864 1870/ 80 -

1880 -

Nascimento em 11 de ianeiro, na vila de Macaíba, Rio Grande cio Nórle. Conclusão do curso primário na terra natal, e do se· cundário no colégio fundado pelo Barão de Macaúbas, em Salvador, depois de tê-lo iniciado no Ginásio Norte-Rio-Grandense, em Natal. Ingresso na Escola Politécnica do Rio de Janeiro. 229


1882/ 3 -

1883 1887 t 887/ 8 J888/ 9 -

1890 I892

1893

-

1894

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Interrupção do curso no Rio de Janeiro e regresso a Natal. Professor de matemática e vice-diretor do Ginásio Norte-Rio-G randense, propriedade de seu irmão Pedro Velho. Primeira experiência aeronáutica, utilizando um "papagaio" sem cauda, em excursão com seus alunos às dunas de Natal . Preocupação com o mais pesado que O ar e o motocontínuo. Fechamento provisório do Ginásio Norte-Rio-Grandense e início de suas ativ idades comerciais. Pa!ticipação poJitica em campanhas abolicionistas. Casamento com Maria Amélia Teixeira de Araújo. Participação política em campanhas republicanas, inclusive pelas páginas do jornal A República. Preocupação com o mais leve que o ar . Experiências em Recife com o pequeno balão cativo Augusto Severo . Projeto do primeiro balão Potiguartinia. que não che· gou a ser concretizado. Reabertura do Ginásio Norte·Rio--Grandense. Encerramento das at ividades comerciais e dedicação exclusiva à política e à aerostação. Deputado Estadual no Rio Grande do Norte. Deputado Federal pelo Rio Grande do Norte, em vaga aberta por Pedro Velho, que assumiu o governo do Estado . Projeto do balão Bartolomeu de ·Gusmão. Interesse de Floriano Peixoto pela utilização militar de balões contra os revoltosos da Armada . Financiamento da ida de Severo à França, a fim de supervisionar a construção do Bartolomeu de Gusmão na Casa Lachambre, segundo concepção inteiramente nova, de .estrutura semi·rígida. Primeira experiência do Bartolomeu de Gusmão, no campo de tiro de Realengo, em 14 de fevereiro, sem sucesso. Encerramento da Revolta da Armada e desinteresse ofi· cial pelo desenvolvimento do balão.


1894/ 1900

-

1901 -

1902 -

-

Falecimento da esposa, de origem italiana. Nova uni ão, com Natália, de origem italiana. Prosseguimento dos seus planos aeronáuticos. Prosseguimento das ativ idades políticas no Congresso Nacional. Elaboração do projeto de um novo dirigível - o Pax, dentro da mesma concepção do Bartolom eu de Gusmão. Obtenção do prêmio Deutsch por Santos-Dumoot, em Paris. Discurso polêmico de Severo na Câmara e apresentação de projeto concedendo prêmio de cem contos de réis a Santos-Dumoot. Conclusão dos planos do Pax. Solicitação e obtenção de licença do Congresso para ausentar-se do país, às suas expensas. Chegada a Paris, em 5 de outubro de 1901. Encomenda do Pax à Casa Lachambre e dos motores a Buchet. . Primei ra experiência do Pax, a 4 de maio, com ótimos resultados. Segunda expe riência, a 7 de maio, repetindo-se o êxito do teste anterior. Licença do Ministério da Guerra francês, em 11 de maio, para sobrevôo das tropas estacionadas em Issy-les-Moulineaux, no dia seguinte. Experiência decisiva a 12 de maio, ocorrendo a explosão do balão e conseqüente morte de Severo e Sachet. Chegada do corpo embalsamado de Severo ao Rio de Janeiro, em 15 de junho, seguindo para o Arsenal de Marinha e depois para a igreja da Candelária, onde ficou exposto. Exéquias em 18 de junho.

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PARTE III SANTOS-DUMONT, SEU TEMPO E SUAS VITÓRIAS



CAPITULO 1

A VOCAÇÃO .

1. Preliminares História se escreve com homens, fatos, arquivos e monumentos. Alguns homens de talento, cada qual em seu tempo, catalisam a força coletiva e impulsionadora da humanidade, gerando um ou mais fatos históricos, que os arquivos registram e os monumentos individualizam. Quéops, Miquerinos, Jesus, Maomé, responsáveis pela criação de fatos históricos marcantes, que os hieróglifos, a Bíblia e o Alcorão registraram, são até hoje imortalizados na perenidade de seus monumentos: pirâmides. igrejas e mesquitas. Foi assim na Antigüidade e continua a sê-lo em nosso tempo. No limiar do século XX, quase duzentos anos após as experiências gusmonianas .de 1709, o talento brasileiro agrega mais um elo ao ciclo pioneiro da conquista do ar, dando nova dimensão à caminha~ da do ser humano pelo espaço. Um momento decisivo, ungido de criatividade tecnológica, que a História assim registrou: - o homem, personificado em Alberto .Santos~Dumont; - o fato histórico, revelado no primerio vôo autônomo do maispesado-que-o-ar, em 1906; - os arquivos, públicos e privados, exaustivamente abastecidos de registros espontâneos, por força da transparência do processo de criação; - os monumentos, erigidos em Paris-Saint Cloud (1913), Curitiba (1935), Rio de Janeiro (1942) e São Paulo (1974), todos individualizando o homem.

A

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o fio de Ariadne, mais uma vez em mãos brasileiras, finalmente liberta o homem do labirinto bidimensional em que sempre viveu, alçando-o a um novo meio, no qual, em apenas três quartos de século, realizou conquistas surpreendentes e ampliou consideravelmente as fronteiras do nosso conhecimento. Até alcançar-se O clímax de 1906, as etapas tecnológicas que possibilitaram o domínio do ar pelo homem foram vencidas em ritmo de lenta progressão. De 1906 aos nossos dias, de tal forma acelerou-se o processo de inovação científica e tecnológica, que o homem já conseguiu tocar o solo de nosso satélite e enviar sondas de pesquisa aos limites do sistema solar, com vistas à futura penetração em zonas intergalácticas . O fato de hoje, fruto da inteligência privilegiada do homem, não ofusca, mas antes engrandece o de ontem - o do primeiro passo, quando o talento · e a tenacidade de um brasileiro concretizaram a possibilidade do vêo autônomo no mais-pesado-que-o ·ar, cuja primazia a Históri a registrou em arquivos e individualizou em monumen(os. Para chegar a tanto, a caminhada foi longa, cheia de imprevistos e dificuldades, ultrapassados todos pela firme determinação de um gênio desprovido de ambições outras que não a de participar do projeto maior da humanidade - O Bem Comum .. Um gênio cuja vida vale relembrar, passo a passo, do nascer do homem à origem da obra; dos primeiros direcionamentos vocacionais às engenhosas concepções de ergonomia, no esforço pioneiro de fazer a interação homem/má quina, preocupação primeira dos desenhistas industriais de hoje; no afã pennanente de conciliar a minitnização do trabalho físico do ser humano com ""a maxi mização da produtividade da máquina " Que Santos-Dumont pensou em tudo isso, e que, com raro senso de oportunidade, transformou sempre pensamento em ação, provam-no sobejamente as inúmeras modificações introduzidas em seus projetos, e até a encomenda a Jaeger do primeiro relógio de pulso; tudo, enfim, com o objetivo claro de integrar homem e" má quina em um conjunto de alta eficiência. 8

2 . O Homem

.E: importante situar o homem no conjunto multifacetado das manifestações de sua inteligência, para não se correr o risco de exaltar a criação em detrimento do criador, como se ambos fossem dissociáveis" Não são poucos os induzidos a este tipo de deformação" Nos numerosos trabalhos sobre Santos-Dumont, por exemplo, a espetaculosidade de suas inovações tecnológicas concorreu para que inúmeros autores elevassem a primeiro plano o inventor, sem grandes preocupações com a personalidade do homem que produziu a invenção. No entanto, o agente maior foi o homem, cujas qualidades intrínsecas deram à luz o inventor e suas realizações" E quem foi este homem? 236


Alberto Santos-Dumont veio ao mundo nos recôncavos da Mantiqueira, aos 20 de julho de 1873, no sítio Cabangu como ele próprio informa, em O que Eu Vi, o que Nós Veremos: "foi em uma casita situada na garganta de João Aires que eu nasci". À época, João Aires se situava no distrito de João Gomes, então pertencente ao município mineiro de Barbacena, posteriormente emancipado com o nome de Palmira, hoje Santos-Dumont, em homenagem ao insigne brasileiro. De seus pais, Henrique Dumont e Francisca Santos-Dumont, herdou os atributos morais e genéticos que nele se combinaram magistralmente. Henrique Dumont nasceu em Diamantina, Minas Gerais, em 20 de julho de 1832, descendendo em linha direta de secular família de joalheiros de Paris, categorizados artesãos, com habilidade nata para trabalhos de requinte e precisão. Orfão de pai muito cedo, teve em sua mãe o esteio para uma boa educação, proporcionada, indusive, na pátria dos ancestrais. Aos quinze anos, instalava-se na casa de uma tia, Mme. Coeuré, em Sevres, nos arredores de Paris. Dotado de grande determinação, destacou-se nos estudos da Matemática e Mecânica, completando sua educaçãc geral no Curso de Engenharia da Ecole Centrale des Arts et Métiers, onde se graduou com distinção. De regresso ao Brasil, iniciou sua carreira de engenheiro civil no Departamento de Obras Públicas, da cidade de Ouro Preto, onde conheceu Francisca dos Santos, com quem se casou em 1856 . Para concretizar seu matrimônio, teve de enfrentar e superar renhida oposição por parte da família da noi va, descendente de tradicional tronco português. O pai dela, o médico e cirurgião Joaquim José dos Santos, formado em Portugal, com carta-patente de 1800, transladara-se para o Brasil com a corte de D. João VI e seus filhos tornaram-se figuras de prestígio na então capital de Minas, não vendo com bons olhos as pretensões matrimoniais daquele modesto funcionário estadual. de obscura ascendência francesa. Com ' o tempo, porém, o jovem engenheiro conseguiu evidenciar dotes de caráter e competência, acabando por conquistar os Santos e alcançar a permissão para o seu casamento. Por sugestão do sogro, associou-se a ele na aquisição da fazenda Jaraguá, na qual se supunha a existência de jazidas minerais, em boas perspectivas para a mineração. Os progn6sticos, 'entretanto, revelaram-se falsos, e ·a empreitada fracassou. Conseguindo salvar sua parte na venda da Jaraguá, já com três filhos, passou a desenvolver intensa atividade, investindo os frutos da transação em projeto arrojado de navegação fluvial no Rio das VelhaS, interiorizando as comunicações. Graças a seu talento e determinação, o empreendimento prosperou, permitindo-lhe até 237


investir em atividades paralelas, como o fornecimento e transporte de madeira para construção de cimbres das galerias de Morro Velho. Paralelamente, exercia atividades profissionais, onde a habilidade e competência do engenheiro se explicitavam, tendo contratado obras de engenharia de vulto, como a famosa ponte de Sabará. Firmando-se, a cada passo, como homem de caráter e profissional competente, pôde habilitar-se à concorrência aberta pela Estrada de Ferro D. Pedro lI , para construção de um trecho tecnicamente difícil nas imediações de Barbacena (ligação Rio de Janeiro-Belo Horizonte). Vencedor da licitação, transferiu-se com a família para as proximidades da garganta de João Aires, onde nasceu-lhe o sexto filho, Alberto, por coincidência na mesma data de seu próprio nascimento, o que certamente estabeleceu um dos elos da estreita ligação entre ambos. Após a conclusão do contrato da ferrovia, nova proposta do sogro foi por Henrique Dumont aceita, no momento em que já acumulava apreciável acervo de conhecimentos: a administração da empresa agrícola comprada pelo Comendador com vistas ao plantio de café em Casal, perto de Valença, no Estado do Rio de Janeiro, local onde seria batizado o filho Alberto. Aí, durante cinco anos, dedicou-se a um novo ramo de conhecimentos e, bem-dotado e trabalhador como era, logo percebeu a necessidade de revolucionar os métodos primitivos da cafeicultura, com vistas à melhor rentabilidade das lavouras. Aí, também, decidiu o seu futuro, conciliando-se com uma atividade 'que o fascinou profissionalmente - a "de produtor de café. Essa atividade o emanciparia economicamente, levando-o a desligar-se de forma definitiva da associação com o sogro" Reunindo todos os recursos amealhados durante anos de esforço, conseguiu adquirir, em 1879, a fazenda Andreúva, mais tarde a modelar fazenda Dumont, na região de Ribeirão Preto. Em dez anos, com toda a produção racionalizada pela introdução de técnica agrícola adequada, tornou-se o Rei do Café. Mais ainda, foi um dos pioneiros na contratação de colonos europeus, mandando buscá-los às suas custas, para aprimorar a mão-de-obra agrícola. Também, para escoar a crescente produção, em decisão de autêntica audácia empresarial, fez construir uma estrada de ferro com trinta quilômetros de linhas, ligando os cafezais entre si e à estação de embarque de Ri~ beirão Preto. Assim, nesse ambiente de trabalho, iniciativa, harmonia e mútuo respeito, foi sendo forjado O caráter de Santos-Dumont . Herdou do pai, por quem nutria grande admiração, não s6 "a habilidade e precisão dos ancestrais relojoeiros, tantas vezes demonstradas nos detalhes de fabricação dos seus modelos, como também a tenacidade com que sempre suplantou sucessivos desafios. 238


Da mãe, herdou a aguda sensibilidade, que o levaria a gestos de grandeza e desprendimento . As circunstâncias do ambiente em que vivia fizeram revelar-se nele, desde cedo, uma verdadeira fascinação pelas máquinas. Aos sete anos, extasiava-se diante das grandes máquinas a vapor, importadas da Inglaterra, usadas para rebocar os carros de grãos . Como não lhe bastasse a observação, conseguiu persuadir o supervisor a deixá-lo -dirigir uma delas. E fácil imaginar a emoção de um menino de sete anos, dominando toneladas de ferro e aço . Aos dez, empolgado pela leitura dos livros de Júlio Verne, impressionava-o a concepção das máquinas propostas pelo autor, nas quais via ". .. a mecânica e a ciência dos tempos do porvir . . . ,,'79 Aos doze, foi-lhe confiada uma locomotiva 8aldwin, e ei-Io conduzindo comboios ao longo das linhas de recolhimento das colheitas. Nova e fascinante experiência da infância! E evidente que, para justificar uma malha ferroviária em seus limites, ,a fazenda Dumont deveria dispor de um complexo mecanizado capaz de processar a preparação do café para exportação e consumo, em ritmo proporcional ao afluxo de grãos transportados pela ferrovia. E, realmente, di spunha de uma verdadeira linha de mon° tagem, em que a matéria-prima passava por sucessivas máquinas, correspondentes às diferentes etapas de preparo dos grãos, sem qualquer interferência do esforço humano: tanques de lavagem, despolpadores, secadores, descascadores e separadores. Este conjunto de máquinas atraía continuamente sua atenção, especialmente durante as fases de reparo, quando tinha a oportunidade de examiná-las detalhadamente, aguçando assim sua capacidade de diagnosticar e sanar defeitos. Este aprendizado de infância ser-lhe-ia extremamente útil no futuro, como bem assinala Peter Wykeham :102 "Alberto raciocinava que a maquinaria de vaivém era inerentemente má . As máquinas deviam girar; ou, pelo menos, moverem-se mC!ciamente. Desde então, ele desconfiou de todos os artifícios mecânicos que envolviam agitação, evitando, portanto, o erro cometido por muitos inventores antes dele, ao projetar aparelhos que copiavam mecanicamente a natureza . Veículos que se moviam sobre pernas navios impelidos por imitações de cauda de peixes, e, tinalmente, máquinas voadoras que reproduziam o movimento das asas dos pássaros, tudo isso já havia colocado boas cabeças no caminho errado . Tais desvios não desencaminhariam o jovem Santos-Du· mont" . Aos quinze, viu pela primeira vez um balão . Embora estivesse a par dos últimos desenvolvimentos sobre aerostação, através da leirura do noticiário internacional e de publicações técnicas, que sempre atraíram a sua curiosidade, aquela visão estratificou-se em sua 239


memória e dela não mais se apagou. O momento fortuito da observação de um fenômeno cristalizou nele uma vocação, que ele próprio assim registrou:"

"Eu queria, por minha vez construir balões. Durante compri~ das tardes ensolaradas do Brasil, minado pelo zumbido dos insetos e pelo grito distante de algum pássaro, deitado à sombra da varanda, eu me detinha "'horas e horas a contemplar o céu brasileiro e a admirar a facilidade com que as aves, com suas longas asas abertas, atingiam as grandes alturas. E ao ver as nuvens que flutuavam alegremente à luz pura do dia, sentia~me apaixonado pelo espaço livre. Assim meditando sobre a exploração do grande oceano celeste, por minha vez eu criava aeronaves e inventava máquinas. Tais devaneios eu os guardava comigo. Nessa época, e no Brasil, falar em inventar uma máquina voadora, um balão dirigível, seria querer passar por desequilibrado ou visionário. Os aeronautas, que subiam em balões esféricos, eram considerados como profissionais habilís~ simos, quase semelhantes aos acrobatas de circo. Se o filho de um fazendeiro de café sonhasse em se transformar em um êmulo deles, cometeria um verdadeiro pecado social" . Realmente, genuíno integrante da aristocracia rural dominante, outros deveriam ser os seus caminhos, não fora a visão do pai. Ao invés do clássico anel de grau, mero homologador de status, o pai, que lhe conhecia a educação formal - elementar, .com a irmã Vir~ gínia; primária e média, nos Institutos Culto à Ciência, Kopke e Colégio Norton - e a infonnal, fruto . de persistente autodidatismo, abriu~lhe as portas da vida, sem tolher um s6 de seus impulsos. Santo s~Dumont tinha, então, dezoito anos incompletos _ Visi· tando, em companhia do pai, uma exposição de máquinas, em Paris, deteve-se diante de um motor a combustão interna em funcionamento, completa novidade para ele. Impress io navam~lhe, sobremodo, a compacidade, a baixa relação peso/potência, a limpeza - em co m~ paração com a dos motores a vapor - e a suavidade de funciona~ menta . Hipnotizado diante da descoberta, abstraiu~se de tudo o que o ce rcava~ até mesmo do próprio pai, co ncen t rando~se numa 56 idéia: a de tornar realidade as fantasias de Júlio Verne . Sobre o episódio, . são suas as palavras abaixo:1!O

"Parei diante dele como que pregado pelo destino. Estava com~ pletamente fascinado. Meu pai, distraído, continuava a andar até que, depois de alguns passos, dando ' pela minha falta, voltou, per~ guntando-me o que havia. Contei~lhe a minha admiração de ver funcionar aquele motor, e ele me respondeu: por hoje basta. Aproveitando~me dessas palavras pedi-lhe licença para fazer meus estudos em Paris" . 240


Diante do ocorrido, Henrique Dumont tomaria duas decisões da maior importância em relação ao filho. A primeira, ainda em Paris, quando solicitou aos parentes, durante o jantar, assistência a Santos-Dumont .em seu regresso à Cidade-Luz, um ano mais tarde, quando voltaria para completar seus estudos. A segunda, já no Brasil, envolvendo toda a percepção do pai relativamente às potencialidades do filho, no qual vislumbrava muito mais um incansável e precariamente equilibrado gên io mecânico em desenvolvimento do que o clássico universitário sem vocação. Daí a sua advertência ao filho, depois de emancipá-lo em cartório aos dezoito anos e entregar-lhe o capital que lhe correspondia na partilha dos bens de familia:

"l á lhe dei hoje a liberdade; aqui está mais este capital. Tenho ainda alguns anos de vida; quero ver como você se porta. V á para Paris, o lugar mais perigoso para um rapaz. Vamos ver se você se faz um homem. Prefiro que não se faça doutor. Em Paris, com o auxílio de nossos primos, você procurará especialista em Física, Química, Mecânica, Eletricidade etc. Estude essas matérias, e não se esqueça de que o futuro do mundo está na Mecânica. Você não precisa pensar em gat;har a vida; eu lhe deixarei o necessário para viver".IOl A emancipação prematura em nada prejudicou o desenvolvimento do homem. Ao contrário, senhor de seus próprios atos, viu a medida paterna como um voto de confiança em seu futuro. Pautou, então, sua conduta segundo padrões que jamais desmerecessem aquela expectativa. E o conseguiu! O momento de emancipação foi um marco, a partir do qual deu asas às manifestações de seu espírito inquieto e inovador . Cada passo na vida foi um exercício de V'Ontade, em que os objetivos foram perseguidos e conquistados, um a um, cada conquista revelando facetas distintas da personalidade do homem, entre as quais é justo ressaltar a da perseverança. 3. O Obstinado A perseverança foi um traço dominante do caráter de Santos-Dumont . Nela se apoiou durante a sua escalada para a glória, esgrimindo-a contra as dificuldades e óbices que se interpunham em seu caminho. E, diga-se de passagem, não foram poucos os momentos de tensão que enfrentou e suplantou. Mas a personalidade de um homem é muito mais abrangente e não se esgota na perseverança. A ela associam-se outros atributos vetoriais igualmente importantes na composição da resultante final. Santos-Dumant, diferentemente dos teóricos puros, tinha sensibilidade para perceber quando era possível lançar a ponte entre O pensamento e a ação, a fim de que o brilhantismo das idéias resul241


tasse em exeqüibilidade prática. A propósito, conta-nos seu sobrinho, Henrique Dumont Villares: un "Com uma precisão rara, distinguia sem hesitação a praticabilidade de qualquer idéia, que surgisse à sua imaginação de inventor. Como se costuma dizer, as grandes idéias são geralmente muito simples; mas o que importa para o progresso é a concretização da idéia em algo de real e prático, de útil e eficiente . Dizia ele que () inventor que apenas traça planos e projetos sobre o papel, por melhor estribado que esteja nas hipóteses de uma teoria, não é um verdadeiro inventor: é um sonhador que se deixa embalar pelos próprios devaneios. Não é positiva nem útil a descoberta, que a demonstração concreta da experiência não comprova e confirma. Os próprios resultados da experiência têm que ser meticulosamente analisados, medidos, interpretados, sob a luz de uma dúvida metódica, e construtiva. Desses principias gerais, seguidos sempre por aqueles que nos mais variados campos da Ciência - como Ampere ou Pasteur, por exemplo - contribuíram para o progresso e maior intensidade de vida da. humanidade, nunca se afastou Santos-Dumont. Só depois de repetidas experiências, sob os mais variados aspectos, levadas a efeito com escrupulosa minúcia, considerava confirmadas as suas concepções" .

Embora tivesse plena consciência de suas potencialidades, era um homem naturalmente simples, sem qualquer laivo de egolatria. Ao contrário, evitava falar de si próprio e do tributo que devotava à causa da humanidade, com suas importantes realizações. Delas, aliás, nunca usufruiu vantagens materiais; todas foram sempre de domínio público, sem qualquer reserva de patentes ou marcas, muito de acordo com outra faceta de sua personalidade - a do idealismo desinteressado, que vê no dinheiro um meio, nunca um fim em si mesmo. Gestos como a devolução da casa de Cabangu ao Governo Federal, de quem a recebera como doação, evidenciam seu desprendimento em relação aos bens materiais e acentuam seu lado idealista. Entretanto, outros traços de sua personalidade interagiam no homem, conduzindo-o a uma resultante de comportamento que o impeliu para tão longe. Idealista na intenção, foi sempre pragmático na ·açãó. Exigente no trabalho, que considerava um importante bem social, nunca assumiu a postura de mero mandante, em relação aos que com ele colaborav.am: sabia o que queria, não hesitava em tomar decisões e, mais do que isso, era capaz çle realizar as tarefas passadas aos seus operários, com a invulgar habilidade manual que possuía. A propósito, seu particular amigo, o caricaturista Sem, que tantas vezes o tomou por modelo, escreve: KX1 242


"Eu passava as minhas tardes vendo-o trabalhar, auxiliado pelo seu fiel mecânico Chapet. numa modesta oficina de tábuas, contígua ao hangar ondi! se encontrava guardado seu balão . Aí forjava ele, com suas mãos, sobre uma pequena bigorna, peças de metal para a fuselagem, limava-as e ajustava-as. Eu admirava o engenho, a paciência invencível, a vontade pertinaz, de meu amigo Santôs". - -- - - - - - - .... V'II

u_ .. te- .,.oicwI~ ... Fig. 4J -

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A' .

--

* SlU.

A fu"ção social da imprensa; uma caricatura,

um registro his/6rico .

Eis O caricaturista, observador arguto da natureza humana, admirando o amigo peja capacidade de ocupar, com a mesma desenvoltura, os dois pólos da criatividade humana : concepção e realização. Entretanto, esta capacidade não era gratuita, mas fruto de muita persistência. Para bem conceber, informava-se cuidadosamente dos últimos progressos da Ciência e da Tecnologia; consultava cientistas, engenheiros e professores; correspondia-se com especialistas de outros países, e lia, aviçlamente. publicações especializadas. Para executar com segurança e perfeição, interrogava chefes de oficina e operários sobre todos os detalhes de trabalho. Admirava as máquinas e tinha profundo respeito pelos que as manejavam com eficiência. Quando enveredou pelos caminhos da conquista do espaço, Santos-Dumont passou a enfrentar tensões contínuas. logo percebendo 243


que a caminhada seria longa, e que exigiria dele, para chegar a termo, a mobilização de todas as suas forças físicas e intelectuais, senão mesmo as morais. Foi quando o homem se revelou por inteiro, explicitando traços marcantes de sua personalidade, na medida em que sobrepujava os sucessivos desafios. E estes não foram poucos, dado que se tratava de construir máquinas para se deslocarem no espaço, e de provar que elas seriam capazes' de tal feito . Máquinas comandadas por homens, inteiramente à mercê de um desempenho aprovado em teoria, o qual, se não se comprovasse na prática, redundaria em alto risco de vida para o condutor das experiências . Diante desse quadro e, mais ainda, quando inventor e condutor se fundem na mesma pessoa, como era o caso de Santos-Dumont, o comportamento humano responde aos diferentes estímulos, de forma até curiosa. Por exemplo, a inovação tecnológica do avião, sem precedentes, exigiu dele formar sua própria escola de pilotagem, 'na qual era simultaneamente o único aluno e o único professor". Quem o diz é Hen rique Dumont Villares/::r. que em seguida acrescenta:

"Sem precursores, não dispunha de experiência prévia, em que se apoiasse; tudo tinha que aprender por si; a única ex periência com que podia contar, era a sua própria, adquirida através de perigos e acidentes, um contínuo arriscar da própria vida, sob sua exclusiva

responsabilidade". Na mesma obra, transcreve o autor a seguinte apreciação do Capitão Ferber sobre Santos-Dumont, retirada de L'Avia/ion:

"Era preciso ser, ao mesmo tempo, engenheiro, financiador, operário e condutor de aparelhos. ( ... ) Os fran ceses não conseguiram sobrepujar o brasileiro, porque somente este possuía ao mesmo tempo, aqueles quatro predicados". Um homem que, durante mais de doi s lustros, foi um dos palarizadores de popularidade na capital cultural do mundo; . que escolheu um projeto de vida e o viveu; que nunca se abateu diante de imprevistos na caminhada para o êxi to; que sempre se revigorou na adversidade, acumulando forças para vencer o próximo desafio ; que conferiu a seus projetos e realizações o status de patrimônio da humanidade, investindo neles a herança paterna; que à ociosidade elegante preferiu contrapor uma vida de trabalho duro e produtivo, causa, talvez, do prematuro desgaste de suas energias e do gesto trágico que marcou o seu fim; que, enfim, se inclui entre os grandes construtores do progresso humano - este homem, para chegar ao seu feito maior, o vôo autônomo do ma i s -pesado-qu e~o-a r, evidenciou perseverança, capacidade de concentração, firmeza de propósitos, coragem, autoconfiança, audácia e desprendimento . Foi, em síntese, um obstinado! 244


4. A Motivação Aeronáutica Foi de gestação relativamente rápida o pIocesso que despertou em Santos-Dumont a motivação aeronáutica. Das leituras de Júlio Verne, quando. ainda bem criança, amarrou-se na figura de Hector Servadoc, o comandante do Veleiro das Nuvens, até a primeira visão concreta de um balão e o contato inesperado com o motor de combustão i.nterna, decorreram apenas dois lustros. Foram três momentos importantes, aparentemente sem relação de causa e efeito, ocorridos em fases distintas de seu amadurecimento: o primeiro, na idade da fantasia, quando a imaginação não respeita limites; o segundo, na pré-adolescência, quando a fantasia cedeu lugar à visão de uma realidade nos céus de São Paulo; o terceiro, já quase adulto, mais vivido e mais preparado, quando os três momentos se integraram num projeto que entreviu para o futuro, o de navegar no espaço. Uma circunstância aleatória quase levou Santos-Dumont a abandonar seu projeto ainda no nascedouro . Antes de revelá-lo a quem quer que fosse, recém-chegado a Paris, impregnado ainda das referências à Cidade-Luz hauridas em suas leituras, e sob o impacto direto de sua grandiosidade, imaginou que lhe seria fácil realizar uma ascensão e?Cperimental, a fim de testar sua própria reação durante o vôo. Talvez pensasse nas " lições de abismo" recomendadas por Júlio Verne. Qual não foi sua decepção ao constatar o estágio em que ainda se encontrava a aerostação, praticamente o mesmo em que o deixara Charles em 1783 - balões esféricos, sem dirigibilidade. Os balões livres haviam se transformado tão-somente em veículos de lazer, dominados por ricos aeronautas amadores, ou por calejados profissionais, interessados apenas em demonstrações por dinheiro, sem quaisquer compromissos com a evolução tecnológica. Ele mesmo narra a fustração que sentiu ao tentar realizar seu sonho, no livro Os Meus Balões:79 "Consultei um anuário da cidade de Paris, e dele tirei o endereço de um aeronauta profissional, ao qual fui comunicar os meus planos. - O senhor quer subir em balão? perguntou-me o homem em tom grave . Hum! Hum!. " Acha que terá coragem? Isso não é nenhuma brincadeira, e o senhor me parece muito jovem . Garanti a firmeza de minha resolução e de .minha coragem. POIlCO a pouco meus argumentos o abalaram~ tanto que, por fim , concordou em me proporcionar uma curta ascensão de duas horas, no máximo, numa tarde que estivesse bem calma. - Minha remuneração, acrescentou ele, será de 1.200 francos . Além disto, o senhor assinará um contrato declarando que se responsabiliza por qualquer acidente na sua pessoa e na minha, em benefício de terceiros, bem como por qualquer dano que suceder ao balão e seus acessórios. O senhor ficará também com o encargo 245


de pagar nossas passagens de volta e o transporte do balão com sua barquinha na estrada de ferro, do lugar em que aterrarmos até Paris. Pus-me a refletir. Para um rapaz de dezoito anos, 1 200 francos era uma grande quantia. Como iustificar-me de tal despesa perante os meus? E fjz o raciocínio seguinte: - Se arriscar 1.200 francos pelo prazer de uma tarde, posso gostar, ou não gostar. No primeiro caso, empregaria o meu dinheiro em pura perda,' no segundo, ficarei com vontade de repetir o divertimento e não disporei de meios." Com este raciocínio e sabedor de que o aeronauta, certa vez, derrubara a chaminé de uma usina, e, de outra, caíra sobre a resi-

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fig. 44 - "Henrique Dumont, cujos conselhos dirigiram (€u Jilho ·Alberto no sentido de buscar soIuç6es não c.rtodoxas para os dilJersos problemas de meclinico",

246


dência de um lavrador, provocando incêndio do balão e da casa, Santos-Dumont decidiu abandonar a idéia e se dedicar a outro empreendimento. Ao decidir a partilha de seus bens, sabia Henrique Dumont que seu filho Alberto aplicaria os recursos a ele destinados de forma totalmente atípica. Ficaria surpreso se soubesse, antecipadamente. sua intenção de utilizar parte deles em passeios de balões. Mas surpreso também ficou com a decisão alternativa. ~ que o jovem, desistindo temporariamente de seus sonhos aeronáuticos, resolvera voltar-se para outro alvo em que pudesse exercitar as aplicações da mecânica, centrando-se no automobilismo. Inovação tecnológica ainda incipiente, a verdade é que as montadoras de automóveis funcionavam em precárias instalações, visitadas pQr pequeno círculo de adeptos do novo meio de locomoção. Com faro mecânico e persistência, não foi difícil a Santos-Dumont localizar o barracão empoeilado em Valentigney, sede da fábrica Peugeot. Lá, depois de demoradas conversações, em que exigiu dos fabricantes informações pormenorizadas sobre a construção, montagem e funcionamento do veículo, comprou um dos dois únicos modelos fabricados em 1891, equipado com motor Daimler-Benz, de três cavalos e meio, importado da Alemanha . A explicação recebida na fábrica, a intimidade com problemas mecânicos e a inexistência de formalidades de licenciamento, permitiram a Santos-Dumont deixar o barracão da fábrica já no comando do automóvel, para espanto de seu pai, quando o viu chegar. A curiosidade causada pela inovação, mesmo em Paris, acarretando aglomeração de pessoas em ruas já apinhadas de carruagens com tração animal , associada ao difícil controle do veículo, acabou por induzir as autoridades francesas a proibir-lhe o estacionamento em ruas centrais, para evitar acidentes. Entusiasmado com o automobilismo, conseguiu convencer o pai a autorizar o transporte do Peugeot para o Brasil. Não perdeu também a oportunidade de dissecar todo o funcionamento do veículo, particularmente o do motor a explosão, cuja intimidade penetrou, desvendando-lhe os segredos que lhe seriam de grande utilidade na fase aeronáutica. Desde que chegou a São Paulo, o estado de saúde de Henrique Dumont entrou em progressivo declínio, a ponto de, no verão de 1892, a família mais uma vez regressa r a Paris para novas consultas médicas. Ao desembarcar no Porto, porém, ele sentiu~se sem condições de prosseguir viagem, ordenando que o filho seguisse na frente, a fim de iniciar a sua temporada de estudos. Com o agravamento da doença, Henrique Dumont manifestou desejo de regressar ao Brasil , embarcando no primeiro navio, mas não chegou a atingir São Paulo, morrendo a 30 de agosto, no Rio de Janeiro. 247


A morte do pai repercutiu fundo nos sentimentos de SantosDumont. A orfandade aos dezoito anos deu-lhe, contudo, oportunidade de refletir sobre um relacionamento do qual se beneficiaria durante roda a vida. Os conselhos dados no momento da emancipação gravaram-se com muita nitidez em sua mente, em particular os relativos à sua formação cultural, tanto que foi o únicQ dos innãos a não se formar em Engenharia, seguindo à risca a recomendação paterna. Com o auxílio dos primos, procurou e entrevistou vários professores, buscando encontrar aquele que lhe pudesse ser útil no tocante a suas ambições no campo da aeronáutica. Fixou-se afinal em um francês de ascendência espanhola, o Sr. Garcia, que preenchia os requisitos recomendados pelo pai. O relacionamento com o mestre, versado em Física, Química, Mecânica e Eletricidade, foi longo e benéfico. A propósito, dec1arou':1IO

uNão podia ter sido mais feliz; descobrimos o Sr. Garcia, respeitável preceptor, de origem espanhola, que sabia tudo. Com ele estudei por muitos anos". Decidido a adquirir sólida base teórica para seu projeto, Santos-Dumont submeteu-se a um rígido esquema de estudo. Em contato diário com o mestre, seja para aulas formais, seja para discussões dirigidas sobre temas apresentados nas incontáveis conferências técnicas proporcionadas pelo ambiente cultural de Paris, foi agregando conhecimentos que, mais tarde, explicitaria em seus audaciosos projetos. A verdade é que, embora voltado para o aprimoramento intelectual , permanecia latente em sua memória a idéia da ascensão. Entretanto, paradoxalmente, a tentativa de realizá-la frustrava-se a cada nova investida. Nessa intenção, consultou até o anuário Boitin, com o fim não só de obter nomes e endereços de todos os balonistas de Paris, como tabém de entrevistá-los, na esperança de afinal con· cretizar o tão esperado sonho de flutuar no espaço. O resultado das entrevistas foi decepcionante: uns já haviam abandonado a profissão, outros apresentavam a aerostação como atividade cercada de perigos iminentes; quase todos pareciam membros de um sindicato de extorsão, tais as somas pretendidas pelos seus serviços. A propósito, escreveu Santos-Dumont: 80 uAinda, não obstante os altos preços que pediam, não mostravam interesse em que eu lhes aceitasse as propostas. Evidentemente estavam decididos a guardar a aerostação só para eles, como um segredo de Estado. E a conseqüência foi que me limitei a comprar um novo automóvel. n Mais uma vez o derivativo substituía, temporariamente, as preocupações com o fundamental . Com o novo carro, participou de várias competições esportivas, até que sua atenção se voltou para outro tipo de veículo, enquanto hibernava o sonhado mergulho no espaço. 248


fig. 45 -

"O refugio temporário".

Empresas francesas haviam lançado no mercado triciclos equipados com pequenos motores a gasolina, resfriados a ar, diretamente ligados às rodas traseiras _ O clássico selim de bicicleta servia de assento ao motorista, enquanto um guidão simples movimentava a roda dianteira, assegurando as mudanças de direção. Bem mais leves que as carruagens e os primeiros modelos de automóveis, desenvolviam o dobro da velocidade destes_ O novo veículo rapidamente se popularizou, encontrando em Santos-Dumont um grande entusiasta, a tal ponto que imaginou a realização de uma corrida autentica, em ambiente onde os concorrentes não sofressem a interferência de outros veículos ainda em circulação, especialmente as lentas carroças de tração animal. O local imaginado, o velódromo do Pare des Prinees, só foi conseguido à custa das insistentes manobras de persuasão que empreendeu, e por conta da alta soma paga aos diretores . Quando a notícia se propagou, as mais sombrias previsões anteciparam o empreendimento. Argumentavam uns que a incompatibilidade entre pista e veículos seria responsável por acidentes -de grandes proporções, inclusive com possibilidade de ocorrerem mortes. Outros, baseados em considerações técnicas, duvidaram do funcionamento correto dos 249


motores, prevendo sua parada brusca na posição inclinada das cur· vas, com sérios riscos para os condutores. Alheio a tudo, Santos·Dumont organizou a corrida, estipulou os prêmios com seus próprios recursos e, diante da proibição de se reo· lizá-la no domingo à tarde (manob ra de última hora dos concessionários), antecipou·a para sábado . O sucesso foi total. De 1892 a 1896, Santos-Dumont permaneceu a maior parte do tempo em Paris, visitando o Brasil apenas durante os períodos de férias . Em 1894, passou curta temporada na Inglaterra, freqüentando cursos intensivos sobre assuntos técnicos e científicos, na Universidade de Bristol . Em 1897, regressa ao Brasil, onde permanece algum tempo, retornando em seguida a Paris . Retomando seus planos de voar, não encontrou em nosso país o ambiente propício ao desenvolvimento desse seu objetivo. como ele próprio dec1ara:19 " Quando novamente voltei ao Brasil, lastimei amargamente não ter perseverado no meu projeto de ascensão. Longe de todas as pos· sibilidades, as excessivas pretensões dos aeronautas pareciam-me de pequena monta':

Mais uma vez, a vocação hibernada aflorava à sua mente. No retorno a Paris, aproveitou os dias de viagem para a leitura de uma obra adquirida 00 Rio de Janeiro, de autoria de Henri Lachambre e Alexis Machuron, intitulada Andrée - Ao P610 Norte em Balão. Os autores eram experientes engenheiros e tradicionais construtores de balões, responsáveis, por exemplo, pela construção do diri.givel Vict6ria , de Júlio César, e do balão polar do sueco Salomon August Andrée, sua obra·prima. A leitura absorveu Santos-Dumont, a ponto de deixá-lo extasia" do , repetindo em seu íntimo a mesma sensação experimentada no encontro com o primeiro motor a explosão de combustão interna . Aliás, são suas as palavras abaixo:19 "Consagrei os Jazeres da travessia à leitura desse livro, que foi para mim uma revelação . Acabei decorando-o como se fo ra manual escolar. Detalhes de construção e preços abriram-me os olhos . Enfim. eu chegava a ver claro! O enorme balão de Andrée - do qual a capa trazia uma reprodução fotográfica, mostrando os flancos e o dpice escalados, como uma montanhá, pelos operários encarregados de envernizamento - esse enorme balão, dizia eu, não havia custado, construção e equipamento inclusive, senão 40 .000 mil fran cos" . 250


Ao término da viagem, desembarca em Paris um novo homem, decidido a exorcizar os obstáculos que se in terpusessem à sua tão sonhada ascensão . A motivação aeronáutica revelou-se, então, em toda a sua plenitude, definitiva , marcante, permitindo-lhe promover um sério trabalho científico-tecnológico e legar à humanidade um impressionante acervo de realizações, que iria consagrá-lo como um dos grandes cidadãos do mundo .

Fig. 46 -

"Santos Dumont em uma de suas primeiras fotos em Paris".

251


5. A Primeira Ascensão Mal desembarcou na Gare d'Orleans, sua preocupação primeira foi acomodar a bagagem e procurar imediatamente as oficinas de Lachambre e Machuron. Sem dificuldade, localizou-as e, ao primeiro contato com os proprietários, percebeu que se dirigia a homens sérios, objetivos, com larga experiência de construção e manejo de balões. Houve reciprocidade dos sentimentos de Lachambre em relação ao seu interlocutor. Ao abordar, objetivamente, a finalidade de sua visita, surpreendeu-se Santos-Dumont com a resposta de Lachambre, de que, com o balão de que disponha no momento, uma ascensão durante três ou quatro horas, com todas as despesas incluídas (até mesmo a volta de balão por estrada dI! ferro), custaria 250 francos. A surpresa foi tanta, que solicitou do construtor confirmação do preço e. mais ainda, se nele estavam incluídas as eventuais avarias. Diante da serena e firme resposta de Lachambre, garantindo que não iria haver avarias, Santos-Dumont fechou imediatamente o negócio, marcando a ascensão para o dia seguinte. Numa calma manhã de maio, dirigiu-se ao Pare d'Aerostation para o encontro que iria marcar sua vida. Precavendo-se contra quaisquer contratempos, evitou seguir em veículo motorizado, preferindo a segurança de uma carruagem puxada a cavalos . .. A sensação desse encontro, tantas vezes adiado, ninguém melhor do que ele poderia descrevê-la, refletindo em suas palavras, repassadas de emoção, toda a magia de uma realidade que sempre perseguiu - voar! Ei-Ias: "Guardo uma recordação indelével das deliciosas sensações de minha primeira tentativa aérea. Cheguei cedo ao parque de aerostação de Vaugirard a fim de não perder nenhum dos preparativos. O balão, de uma capacidade de 250 metros cúbicos, jazia estendido sobre a grama. A uma ordem do Sr. Lachambre, os homens começaram a enchê-lo de gás. E em pouco a massa informe começou a se transformar numa vasta esfera. As 11 horas tudo está terminado. Uma brisa fresca acariciav(. a 'barquinha, que se balançava suavemente sob o balão. A um do~ cantos dela, com um saco de lastro na mão, eu aguardava com impa· ciência o momento da partida. Do outro~ o Sr. Machuron gritou: - Larguem tudo! No mesmo instante, o vento deixou de soprar. Era como se ( ar em volta de nós se tivesse imobilizado, E que havíamos partido e a corrente de ar que atravessávamos nos comunicava sua pr6pri, velocidade. Eis o primeiro grande fato que se observa quando SE sobe num balão esférico . 252


Esse movimento imperceptível- de marcha, possui um sabor infinitamente agradável. A ilusão é absoluta. Acreditar-se-ia, não que é o balão que se move, mas que é a terra que foge dele e se abaixa. No fundo do abismo que se cavava sob nós, aI. 500 metros, a terra, em lugar de parecer redonda como uma bola, apresentava a forma côncava de uma tigela, por efeito de um "fenômeno de refração que faz o círculo do horizonte elevar-se continuamente aos olhos do aeronauta. Aldeias e bosques, prados e castelos desfilavam como quadros movediços, em cima dos quais os apitos das locomotilias desferiam notas agudas e longinquas. Com os latidos dos cães, eram os únicos sons que chegavam ao alto . A voz humana não vai a essas solidões sem limites . As pessoas apresentavam o aspecto de formigas caminhando sobre linhas brancas, as estradas; as filas de casas assemelhavam-se a brinquedos de crianças. Meu olhar sentia ainda a fascinação do espetáculo quando uma nuvem passou diante do sol. A sombra assim produzida provocou um esfriamento do gás do balão, que, murchando, começou a descer, a princípio lentamente, depois com velocidade cada vez maior. Para reagir, deitamos lastro fora . E eis a segunda grande observação: alguns quilos de areia bastam para restituir ao indivíduo O domínio da altitude!

Readquirimos o equilíbrio acima de uma camada de nuvens. Aí planando a cerca de 3.000 metros, deslumbramos a vista com um panorama maravilhoso. Sobre esse fundo de alvura imaculada, o sol projetava a sombra do balão; e nossos perfis, fantasticamente aumentados, desenhavam-se no centro de um triplo arco-íris. Pelo fato de não vermos a terra, toda noção de movimento deixava de existir para n6s. Poderíamos avançar com a velocidade de um furacão sem nos apercebermos. Nenhum meio de conhecer o rumo tomado, senão descer e determinar nossa posição. O som de um alegre carrilhão chegou aos nossos ouvidos. Os sinos tocavam o Angelus do meio-dia. Havíamos levado uma refeição substancial: ovos duros, vitela e frango frios, queijo, gelo, frulOS, doces, champanhe, café e licor. Nada mais delicioso do que semelhante repasto acima das nuvens. Que salão de refeições ofereceria mais maravilhosa decoração? O calor do sol pondo as nuvens em ebulição, fazia-qs lançar em derredor de nossa mesa jatos irisados de vapor gelado, comparáveis a grand~s feixes de fogos de artifício. A neve, como por obra de um milagre, espargia-se em todos os sentidos, em lindas e minúsculas palhetas brancas. Por instantes os flocos formavam-se, espontâneos, sob os nossos olhos, mesmo nos nossos copos! Acabava eu de beber um cálice de licor quando uma cortina desceu subitamente sobre esse admirável cenário de sol, nuvens e 253


céu azul. O barômetro subiu rapidamente 5 milímetros, indicando uma brusca rutura do equilíb rio e uma descida precipitada. O balão devia ter se sobrecarregado de muitos quilos de neve; caía com uma nuvem. A neblina nos envolveu em uma obscuridade quase completa. Distinguíamos ainda a barquinha, nossos instrumentos, as partes mais próximas do cordame. Mas a rede "que nos prendia ao balão não era mais visível senão até certa altura,' e O balão, ele próprio desaparecera. Experimentamos assim, e por um instante, a singular sensação de estarmos suspensos no vácuo, sem nenhuma sustentação, como se houvéssemos perdido nossa última grama de gravidade e nos achássemos prisioneiros do nada opaco. Após alguns minutos de uma queda que amortecemos soltando lastro, vimo-nos abaixo das nuvens, a uma distância de cerca de 300 metros do solo. Uma aldeia fugia abaixo de nós. Localizamos O ponto e comparamos nossa carta com a imensa carfa natural que a vista lobrigava. Foi-nos fácil identificar as estradas, os caminhos de ferro, as aldeias, os bosques. Tudo isso arançava para o horizonte com a rapidez do vento. A nuvem que provocara a nossa descida era prenúncio de uma mudança de tempo. Pequenas rajadas começavam a impelir o balão da direita para a esquerda e de cima para baixo. De espaço a espaço o guide-rope - uma grande corda de uns 100 metros de comprido, que flutuava fora da barquinha, - tocava no chão. A barquinho não tardou por sua vez a roçar as copas das án'ores. O que se denomina fazer o guide-rope apresentou-se-me assim em condições particularmente instrutivas. Tínhamos ao alcance da mão um saco de lastro: se um obstáculo qualquer se apresentasse no caminho soltál/amos alguns punhados de areia: o balão subiria um pouco e a dificuldade seria vencida. Mais de 50 metros do cabo arrastavam-se já pelo chão. Não era preciso tanto para nos mantermos em equilíbrio a uma altitude inferior a 100 metros, pois havíamos decidido não exceder disso até o fim da viagem. Esta primeira ascensão permitiu-me apreciar devidamente a uti· lidade do guide-rope, modesto acessório sem o qual a aterrissagem de um balão esférico apresentaria graves dificuldades na maior parte dos casos. Quando, por uma raz&> ou por outra - acúmulo de umidade sobre a superfície do balão, golpe de vento de cima para baixo, perda acidental do gás, ou mais comumente ainda, passagem de uma nuvem diante do sol - o balão baixa com velocidade inquietadora, o guide-rope arrastando em parte peJo solo, deslastra todo o sistema de uma parte do seu peso e impede, ou pelo menos, modera a queda. Na hip6tese contrária, se o balão manifesta uma de254


masiada rápida tendência ascensional, esta poderá ser contrabalan· çada pelo levantamento do cabo, o que ajunta um pouco mais de seu peso ao que pesava, antes da manobra, o sistema flutu ante. Como todos os inventos humanos, o guide-rape, se tem vanta· gens, tem também seus inconvenientes. Pelo fato de se arrastar sobre superfícies desiguais, sob re campos e sob re prados, sob re colinas e sobre fios telegráficos, imprime ao balão violentas sacudidelas . Acontece que após ter se enrolado, ele se desembaraça inslantanea· mente; ou que venha a prender·se a qualquer aspereza do solo, ou enganchar ao tronco ou aos galhos de uma árvore. Não faltava senão um incidente deste gênero para completar minha aprendizagem. Quando franqueávamos um pequeno maciço de árvores, um ba· lanço mais forte do que os outros atirou·me para trás na barquinha. Imobilizado de súbito, o balão estremecia açoitado pelas lufadas de vento, na extremidade do seu guide-rope enrolado nas franças de um carvalho. Durante .(Jm quarto de hora fomos sacudidos como um cesto de legumes e s6 nos libertamos aliviando um pouco de lastro. O balão, deu então um pulo terrível e foi como uma bala furar as nuvens . Estávamos ameaçados de atingir alturas que depois nos po· diam ser perigosas para a descida, dada a pequena provisão de lastro de que já dispúnhamos. Era tempo de recorrer a meios mais efica· zes: abrir a válvula de manobra para que o gás escapasse. Foi obra dum minuto. O balão retomou a descida e o guide· rape tocou de novo o solo . Não nos restava senão dar por encerrada ai a excursão; a areia estava quase toda esgotada. Quem quer que aspire navegar em aeronave deve, preliminar· mente, exercitar·se em algumas aterrissagens em balão esférico, por pouco que ligue a aterrisar sem tudo espatifar a um tempo: balão, quilha, motor, leme, propulsor, cilindros d'água servindo de lastro (waterballast), latas de essência. Quando tivemos de executar esta última manobra, o vento, que era muito forte, constrangeu·nos a procurar um local abrigado. Do -extremo da planície avançava ao nosso encontro um recanto da fIo· resta de Fontainebleau. Em alguns instantes, à custa do nosso último punhado de lastro, contornamos a extremidade do bosque. As árvores agora nos protegiam contra o vento _ Atiramos a âncora, ao mes· mo tempo que abríamos eompletamente a válvula para dar escapamento completo ao gás. A dupla manobra colocou·nos em terra sem o menor abalo . Saltamos e assistimos,o balão murchar. Alongado no chão, ele esvaziava-se do restante do gás em estremecimentos convulsivos, como um grande pássaro batendo as asas ao morrer. . Tiramos alguns instantâneos fotográficos da cena; depOis dobramos o balão e o arrumamos na barquinho, juntamente com a rede. O sítio que havíamos escolhido para aterrissar pertencia ao parque 255


do castelo de La Ferriere, propriedade do Sr. Alphonse de Rothschild. Alguns trabalhadores dum campo vizinho foram buscar uma carruagem na aldeia. Meia hora mais tarde chegava um break. Colocamos nele a nossa bagagem e partimos para a estação da estrada de ferro, distante uns quatro quilômetros, onde tivemos um grande trabalho para fazer descer nossa cesta com o seu conteúdo, pois pesava 200 quilos. As seis e meia estávamos novamente em Paris. Havíamos efetuado um percurso de 100 quilômetros e passado quase duas horas nos ares. Este mergulho no espaço, no apagar dos anos oitocentos, foi o marco inicial da revolução científico-tecnol6gica de maior impacto no século XX que, em menos de sete décadas, permitiu ao homem arrojar-se na travessia entre nosso planeta e seu satélite. H

Fig. 47 -

256

"Alberto Sanlos-Dumont a bordo de um de seus balões".


CAPITULO 2

O MAIS·LEVE·QUE·O·AR

1. A Experiência Progressiva tão esperada ascensão excedeu de muito as expectativas de Santos-Dumont. Nas entrelinhas de seus comentários, por vezes líricos, sobre o que seriam apenas momentos de lazer, percebem-se argutas observações com relação ao comportamento do aeróstato reagindo, simultaneamente, às forças do meio fluído em que se deslocava e ao comandamento do homem . Durante as quase duas horas nos ares, vem à tona toda a potencialidade acumulada desde os momentos em que há dez, oito e dois anos, respectivamente, vira o primeiro balão, nos céus de São Paulo; contemplara extasiado o motor a petróleo de combustão interna, em Paris, e concluíra um ciclo de estudos dirigidos especificamente à Mecânica, à Física, à Química e à Eletricidade. Na verdade, naquela primeira ascensão subiu o aspirante a aeronauta; desceram , completamente integrados, o· quase aeronauta e o já inventor. Foi este que, na manhã seguinte, comparecia às oficinas do Sr. Lachambre para concretizar a encomenda de um balão. Os fabricantes logo perceberam que dialogavam com um cliente muito especial . Tendo·lhe sugerido a construção de um balão com os mesmos parâmetros dos então em uso, isto é, esférico, de capacidade entre 500 a 2 . 000 metros cúbicos, com cesto e amarração convencionais, ele logo recusou a proposta, preferindo um aeróstato de apenas 100 metros cúbicos . Os sócios levaram as mãos à cabeça, .declarando que, com tão pouco poder ascensional, o ccn-

A

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junto jamais poderia erguer tripulação e aparelhagem. Retrucou-lhes o inventor que seu balão seria para um só tripulante de pouco peso (ele próprio), devendo possuir envoltório, amarração, cesto e acessórios bem mais leves, feitos de novos materiais cuidadosamente se· ledonados. Não convictos das explicações, os fabricantes arrastaram Santos-Dumont até as oficinas, esperando que os operários especializados conseguissem convencer o jovem dos riscos e erros de suas idéias. Dois pontos geraram controvérsias: a estabilidade do aeróstato e a resistência do invólucro. Quanto à estabilidade, Lachambre e Machuron eram de opinião que ela guardava relação com o peso, sendo os pequenos balões muito mais sensíveis aos deslocamentos do centro de gravidade causados pela natural rryovimentação do aeronauta na barquinha, durante a execução das manobras. O próprio Santos-Dumont expõe seus argumentos, no livro Os Meus Balões:79 "Com um grande balão, o centro de gra1iidade para o aeronauta é como na figura 1. a. Se o aeronauta se colocar, por exemplo, à direita da barquinha (fig. 1, bj, o centro de gravidade de todo o sistema não sofrerá deslocamento apreciável. Com um balão muito pequeno, o centro de gravidade (fg. 2, a) não é garantido senão quando o aeronauta se mantém firme no centro da barquinha. Deslocando·se para a direita (fig. 2, b), esse ponto mudará de posição e, deixando de corresponder ao eixo do balão, fá-/o-á oscilar no mesmo sentido". Eis a solução que ele encontrou e apresentou aos construtores: " - Aumentaremos o comprimento das cordas de suspensão" . Mais tarde, escreveria : "Foi o que se fez. E o Brasil demonstrou uma estabilidade notável" . Quanto à resistência do envoltório, os fabricantes insistiam em consegui-la com base em tecidos já largamente provados, de pesada seda tratada ou tafetá, julgando a seda japonesa, sugerida por Santos-Dumont, muito fraca para o tipo de trabalho a que seria submetida. Propôs-lhes então o inventor sujeitar aquele tecido à prova do dinamômetro. Proposta aceita, capitularam Lachambre e Machuron diante dos 700 quilos por metro linear de tensão suportados pela seda japonesa, com a vantagem adicional de pesar apenas 30 gramas por metro quadrado. Por fim, esgotados seus argumentos, não tiveram outra alternativa senão a de dotar o balão das especificações técnicas exigidas por Santos-Dumont. Seria o menor balão tripulado até então construído. O envoltório completo pesaria apenas três quilos e meio, embora a aplicação de verniz viesse mais tarde aumentar-lhe o peso para 14 quilos . A rede, 1800 gramas, contra até 50 quilos usuais; a barquinha, 6 quilos, contra os 30 258


convencionais; o guide-rope, embora mantendo 100 metros de com"primento, apenas oito quilos; a âncora, substituída por pequeno arpão de ferro, três quilos. Todo o conjunto não pesaria mais de trinta e dois quilos e oitocentos gramas, algo totalmente inédito em termos de construção de balões . Impostos, afinal, os planos do inv entor~ sentiu Santos-Dumont que faltava o aprimoramento do aeronauta, já que ele próprio seria o piloto de provas dos produtos de sua concepção, Na verdade, ansiava por adquirir experiência progressiva no manejo de aeróstatos, e logo imaginou um modo prático de consegui-lo sem grandes custos. Os interesses convergentes, seus e dos fabricantes, permitiram uma composição vantajosa para ambas as partes" Lachambre e Machuron, como os aeronautas da época, promoviam eventos paralelos durante feiras e exposições, cobrando pelos serviços prestados, Propôs-lhes Sa ntos- D~ont, numa primeira etapa, participar das ascensões na condição de tripulante em treinamento, mediante contribuição previamente acertada; numa segunda, quando mais adaptado ao controle operacional, substituir os empresários, indenizando-os "( , , ,) de todas as despesas e incômodos ( . .. )", Aceitos os termos, realizou Santos-Dumoot mais de vinte e cinco ascensões, incorporando experiência que intencionalmente procurava para aplicar em seu balão, quando terminasse a sua construção. Essa incorporação, entretanto, não se deu sem percalços e receias, Em uma das ascensões contratadas pelo Sr. Lachambre. em Péronne, norte da França, que Santos-Dumont insistiu em realizar, apesar do dia tempestuoso, do horário avançado (ao cair da tarde) e dos protestos de muitos, por sabê-lo ainda amador, ele viveu momentos de grande tensão, Jogado por correntes ascendentes para o interior de pesadas nuvens, sentiu a enervante proximidade dos relâmpagos e os ensurdecedores estrondos dos trovões, hoje inaudíveis nos aviões, abafados que são pelos ruídos dos motores. O recurso foi alijar lastro e subir, o que o levou ao topo das nuvens, onde passou a navegar em vôo sereno acima da camada tempestuosa. O deslocamento livrou·o pau· co a pouco da tormenta e, ao alvorecer, numa tranqüila manhã, pousou suavemente na Bélgica" Sobre o episódio, assim se manifestou: 1l "Não atendendo a njnguém~ parti, conforme havia deliberado. Em breve lastimei-me da minha temeridade , Achava-me só, perdido nas nuvens, entre relâmpagos e ruídos de trovões, e a noite se fechava em torno de mim, Eu ia, ia, nas trevas. Sabia que avançava a grande velocidade, mas não sentia nenhum movimento" Ouvia e recebia a procela, e era só. Tinha consciência de "um grande perigo, mas este não era tangível , Uma espéde de alegria selvagem 259


dominava vê-lo? Lá rasgavam, integrante

os meus nervOS. Como explicar isto? Como descreno alto, na solidão negra, entre os relâmpagos que a entre o ruído dos raios, eu me sentia como parte da própria tempestade. ti

Dignos de registro a coragem diante de uma situação totalmente adversa e sua feliz observação de que o sistema . homem/ balão torna-se parte da atmosfera, caminhando em seu bojo ao sabor dos elementos. Esta realidade, aliás, causava-lhe angústia, donde a obsessão com que perseguiu a dirigibilidade, a fim de que os caminhos dos céus fossem opções dos homens e não regidos pelas contingências da natureza. A preocupação com o treinamento foi constante em Santos-Dumoot. O prazer de cada vôo desembocava no registro frio de observações durante a permanência no ar. Com isso incorporava experiência e deduzia alternativas de comportamento para otimizar seu desempenho, Dos vôos solitários, evoluiu para os acompanhados. Em junho de 1898, pela primeira vez, transportou passageiros, ilustres por sinal: o Barão de Beville e Mlle. De Forest. O balão de 1.000 metros cúbicos partiu do Parque de Aerostação de Vaugirard, em Paris, descendo quatro horas depois em Vincennes. Esta ascensão encerrou um ciclo, a partir do qual os vôos seriam realizados, predominantemente, em seus próprios balões, os quais iria conduzir com desenvoltura, valendo-se da prática que adquirira intensivamente.

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Fig. 48 -

"A Paris de Sanlos-Dumom -

HOl/re et Gare SI. !Azare"

260

La rue de


Quando alcançou esse estágio, 'já se concretizava sua completa integração com o novo meio em que se deslocava. Ele e o ar viviam a intimidade dos amantes, sensores ligados a cada ação, induzindo a r~ação conveniente. As mudanças meteorológicas, o comportamento <las massas de ar, os efeitos nelas introduzidos pelos tipos diferentes de terreno e água, as correntes ascendentes e descendentes; enfim, as ações resultantes da diIiâmica ambiental, passaram a ser pressentidas de imediato, sempre a tempo de transmitir à máquina as re~ções adequadas ao prosseguimento do vôo. 2. Os Balões de Santos-Dumont Enquanto progredia a construção do Brasil nas oficinas de Lachambre, sob supervisão direta de Santos-Dumont, delineavam-se alguns traços marcantes de sua concepção aeronáutica já neste primeiro modelo. Os operários eram insistentemente orientados no sentido de empregar materiais que harmonizassem a resistência com a leveza inerente, requisitos não muito explícitos nos projetos de seus predecessores, porém sempre presentes nos seus.

Fig. 49 -

A evocação da pá/ria no primeiro proic/o: Brasil .

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Afinal, três meses depois da primeira ascensão de sua vida, estava pronto O Brasil: diâmetro de 6 metros; pequeno, gracioso. com 11 3 metros cúbicos de hidrogênio aprisionados em aproximadamente 113 metros quadrados de seda; a cordoalha inusitadamente longa. em benefício da estabilidade; pendente dela, a flâmula verde e ama· rela . Diante da criação, objeto visível de sua ternura, a emoção do cri ador ficou patenteada na legenda que ele mais tarde após a uma fo tografia: "O meu primeiro balão, O menor, O mais lindol O único que teve um nome: Brasil." No dia 4 de julho ·de 1898, levado a Vaugirard e inflado, surpreendeu pelas dimensões, requerendo apenas um sétimo da quan· tidade de gás necessária aos balões em uso corrente. Considerando-se O preço relativamente alto do hidrogênio e a necessidade de reabas· tecimento total a cada duas ascensões, o custo operacional do novo modelo era bastante reduzido, em relação ao dos então em uso. A ascensão foi perfeita, confirmando os prognósticos de Santos·Du· mont de que as chaves do sucesso estavam na leveza e na simplici· dadc . Numerosas ascensões se sucederam, a maioria sobre Paris e a lIe·de·France, e o comportamento do aeróstato evidenciou tratar·se de um engenho prático, fácil de inflar e de controlar - dentro das limitações de um balão livre - e sem os inconvenientes que os outros balões apresentavam na hora de serem recolhidos, dobrados e levados para casa. Para Santos·Dumont, o Brasil fo i um símbolo de 1iberdade. A partir dele, desenvolveu sucessivos projetos, todos denotando a marca da inovação e da criatividade, numa clara postura de vanguarda. Reprimida, mas não descartada. permanecia latente em seu espírito a idéia da diri gibilidade, tentada no passado por Giffard (1852) e julgada inatingível no presente. Por muito tempo ecoaram em seus ouvidos as palavras do ex· periente Machuron, ouvidas durante a primeira ascensão, quando o guide-rope se prendeu na superfície . Tão marcantes foram, que mais tarde assim as registraria:" Observe a treita e o humor vingativo desse vento, gritava·me ele no meio dos balanços . Estamos presos à árvore, e veja com que força ele procura arrastar·nos! (Nesse momento fui atirado ao fundo da barquinha). Que propulsor a hélice seria capaz de vencê·lo? Qu.e balão alongado não se dobraria em dois?" H _

262


De tão veementes, essas palavras chegaram mesmo a abalar as convicções de Santos-Dumont. Mas, como os registros dos neurônios, diferentemente das memórias dos computadores, não se apagam com a simples pressão de uma tecla, aquela idéia da dirigibilidade apenas ficou recolhida por algum tempo nos recônditos de seu cérebro, à espera do impulso de energia que de novo a reanimasse. Certa noite, de regresso à casa, seus pensamentos concentraramse no pequeno motor De Dion do seu triciclo. Este instante de reflexão foi a centelha que energizou a idéia adormecida, o fiai lux da dirigibilidade. Ali, ao seu alcance, achava-se um motor leve (sempre a leveza !) , comparativamente potente, a verdadeira chave do sucesso. Por que não utilizá-lo? Do pensamento à ação foi um curto lapso. Tratava-se, inicialmente, de realizar algum tipo de teste que lhe desse parâmetros de comparação com as tentativas anteriores de Giffard (motor a vapor) e Tissandier (motor elétrico). Se na relação peso/potência não havia como negar as vantagens do motor a petróleo, faltavam-lhe outros indicativos de funcionamento que deveriam ser levantados antes da decisão final. Com a engenhosidade que lhe. era peculiar, Santos-Dumont resolveu o problema. E assim nos conta: 80 "Comprei um dia um triciclo a petróleo. Levei-o ao Bois de Boulogne e, por três cordas, pendurei-o num galho horizontal de uma grande árvore, suspendendo-o a alguns centímetros do chão. E difícil explicar o meu contentamento ao verificar que, ao contrário do que se dava em terra, o motor do meu triciclo, suspenso, vibrava tão agradavelmente ql!e quase parecia parado,"

Duas observações sobre o episódio: 1) Santos-Dumont não foi o único a ter a idéia da dirigibilidade, mas foi o primeiro. a agir no caminho certo, e o primeiro, também, a ter êxito, como ele mesmo reconhece quando escreve, monologando: "- Utilizar-me-ei deste motor leve e potente, disse eu. Giffard não teve um tal auxiliar."

2) Embora dificilmente se possa aceitar que o motor suspenso "vibrava tão agradavelmente que quase parecia parado" , na realidade o seu funcionamento era muito mais suave do que na estrada. Convicto da viabilidade de empregar um motor a petróleo em aeróstatos, partiu Santos-Dumont para a série de projetos dos suces263


sores do Brasil, todos motorizados, os quais, ao invés de terem no· mes, passariam a ser identificados numericamente. segundo a ordem crescente de seu surgimento. A meta da dirigibilidade fervilhava em sua mente e aguçava a sua vontade, uma e outra mobilizadas para a criatividade de uma solução. O motor a petróleo, que aos dezoito anos o extasiara, por ele próprio modificado e adaptado às exigências aero-náuticas, seria o agente concretizador de sua opção genial para se alcançar a procurada dirigibilidade. Lentamente cncerrava·se o ciclo dos balões e tinha início o dos dirigíveis, graças à sua iniciativa de desmitificar o perigo da presença simultânea nos ares do hidrogênio e do petróleo, da máquina de explosão colocada sob um perigoso ver lume de gás combustível. 3. O "Santos·Dumont N.o 1" O seu primeiro projeto visava a construir o que o jargão téc· Dico chama hoje de protótipo, isto é, um modelo destinado a sofrer as modificações indicadas por seu desempenho . Ao concebê-lo, introduziu tais inovações, que os construtores se recusaram, de início, a dele participar . A primeira novidade era a opção pelo motor a petróleo, base do projeto. como ele próprio explica:"

"Por essa razão é que preferi construir um balão alongado, com o volume apenas necessário para suportar, além dos meus cincoenta quilos de peso, o da barquinha e seu equipamento, o motor, o combustivel, e o lastro estritamente indispensável. Na realidade, uma aeronave, expressamente para o meu pequeno motor de triciclo. n A segunda foi a de que não se tratava de motor normalmente disponível nas oficinas, mas sim de uma adaptação, com cilindros superpostos, utilizando um s6 carter, o pistão superior ligado ao in· ferior por uma biela rígida. alimentação do conjunto por um único carburador (sempre a leveza!). A terceira foi a de abandonar a forma esférica e introduzir a alongada, com válvulas de alívio, na popa, a fim de que o hidrogênio escoasse para trás, sem qualquer possibilidade de contato com o motor. O plano do invólucro foi assim descrito por ele:"

"Era o dum balão cilíndrico~ terminado em cone na frente e atrás, com 25 metros de comprimeno e 3,50 de diâmetro, para uma capacidade de 180 metros cúbicos de gás. Meus cálculos não me deixavam dispor senão de 30 quilos para pêso do balão, inclusilJe verniz. Renunciei pois á rede ordinária e á camisa ou 264


envólucro exterior, por ter considerado que este segundo envólucro era não somente supérfluo mas ainda incômodo, senão perigoso . Em iugar dele fiz as cordas · de suspensão da barquinha serem fixas diretamente ao env6lucro único por meio de pequenas hastes de madeira introduzidas em longas ourelas horizontais costuradas dos dois lados do estofo, em uma grande parte do comprimento do balão . Para não exceder com o verniz, o limite de peso calculado, recorri forçosamente á minha seda japonesa que tanta solidez havia provado no Brasil:"

Fig. .50 -

o v60 cOl1firma o acerto das il1ovações. dirigível

11.-

O

1 em plel10 v60.

A quarta foi um sistema de contrapesos, suspensos por cordas ao invólucro e controlados da barquinha, imaginado para modificar o centro de gravidade do conjunto, imprimindo-lhe direção no plano vertical e liberando o uso de lastro, a não ser o necessário ao balanceamento original do aparelho no inicio do vôo. Planos e especificações apresentados, a reação de Lachambre oscilou entre o trágico ("Não vou participar do projeto!") e o patético ("Associar gás e gasolina é uma loucura! Não quero ter o sangue do amigo na consciência'''). 265


Diante da argumentação de que a mesma perplexidade ocorrera na apresentação de suas idéias sobre o Brasil, concordou Lachambre em construir o invólucro, a cordoalha e as longarinas, enquanto Santos-Dumont cuidaria do motor, da hélice e da barquinha. Uma tarefa pesada, que levou o inventor a procurar oficina e mecânicos capazes de desenvolver sua concepção de motor aeronáutico, asso· d ando dois motores de automóvel. Por indicação de amigos, en· controu-os na Rue Colisée, onde a equipe de Albert Chapin, habilidoso membro da novíssima categoria dos mecânicos de motores a explosão, seria encarregada de executar os planos de modificação. Entre Santos-Dumont e Chapin, trabalhando juntos em suces· sivos projetos, criar-se-iam profundos vínculos de amizade e respeito mútuo, um relacionamento íntimo e integrado entre o inventor e seu mecânico-chefe. Quando já em fase adiantada de desenvolvimento, Santos-Dumoot aproveitou uma das corridas de automóveis, tão em moda na Europa, para ensaio terrestre de seu motor aeronáutico. O desempenho foi além da expectativa; contudo, receando que o piso irregular das estradas danificasse o seu motor, abandonou a corrida, reservando-o para uso em caminhos mais suaves do espaço. O conjunto cesto-matar-hélice foi testado na própria oficina, suspenso nas traves da estrutura . Acionado o motor, a força de tração da hélice foi medida, acusando 11 quilos e meio, potência sufi· ciente, a 1.200 rotações por minuto, para imprimir ao dirigível velocidade próxima de 8 metros por segundo. Do início da primavera ao final do verão de 1898, Santos-Dumont participou de cada detalhe de construção do N.o 1, na expectativa de afinal navegar, escolher as direções de vôo, sentir o vento fustigar·lhe a face, e não apenas deixar-se levar ao sabor das correntes aéreas . Marcou a primeira experiência para o dia 18 de setembro de J898. Sentindo as diferenças de características entre o balão esférico livre, que já conhecia, e o dirigível alongado, que iria conhecer, imaginou comportamento distinto para as manobras de largada. A c1ássica partida dos esféricos, na direção das correntes aéreas, às quais se integram logo após a ascensão, não seria adequada para os dirigíveis. Isto porque, com a velocidade adicional, proporcionada pelo motor, a distância disponível para manobra seria percorrida em menor tempo, com sérios riscos de não se atingir a altura necessária para transpor os obstáculos circundantes . Embora absolutamente certo em seu raciocínio, Santos-Dumont não conseguiu convencer os aeronautas profissionais que acorreram ao Jardim da Aclimação para vê·lo partir. Pior ainda, concordou com as sugestões apresentadas, e o resultado adverso não se fez esperar. Soltas as amarras e acelerado o motor, o N. o 1 deslocou·se 266


rapidamente, sem conseguir ganhar altura suficiente para ultrapassar as árvores, contra as quais se chocou, felizmente sem maiores problemas para o condutor, nem grandes avarias para o dirigível. Do acidente recolheu dois ensinamentos: não mais abdicar de seu próprio julgamento e persistir no desenvolvimento do motor e do propulsor, cuja eficiência ficou patente já nessa primeira tentativa. Graças ao trabalho intenso e harmônico de Machuron, Lachambre e Chapin, dois dias depois N.o 1 retornava ao mesmo local, pronto para novo teste. Escolhido o ponto de partida, os preparativos progrediram céleres e, quando o motor já estava funcionando normalmente, Santos-Dumont comandou a largada. A resultante das forças do motor e da corrente aérea fez o N.o 1 deslocar-se lentamente e subir gradativamentc, ultrapassando os limites da área com altura suficiente para trans'por o topo das árvores. Sua primeira tese sobre a ascensão dos dirigíveis confirmava-se por inteiro. Como piloto de prcr vas, iria agora submetê-lo a outros tipos de manobra, analisando as reações, com vistas a futuras correções. Compensados os lastros e nivelado o balão, tratou de experimentar a ação do leme. Puxando um dos cabos, percebeu resposta adequada, com a mudança de direção. Todavia, o esforço de buscar novos rumos acarretava ligeiras dobras no invólucro e vibração da cordoalha . O N.o 1 não era nem mesmo um semi-rígido, dependendo, portanto, da pressão do gás para manter a rigidez do conjunto. Isto não impediu que reali zasse com sucesso evoluções a baixa altura nos três planos , a ponto de entusiasmá-lo o bastante para cometer imprudências, quando elevou o balão a 400 metros de altura; não tanto qua,ndo subia, pois o excesso de press~o interna era compensado por uma válvula de escape, liberando gás para aliviá-la, mas na descida. Para manter a pressão dentro do invólucro, sob quaisquer condições, o dirigível dispunha de uma bomba ligada ao motor, que supria de ar o envoltório, compensando o gás perdido durante a ascensão. Mal dimensionado, o compressor foi insuficiente para manter a rigidez; em conseqüência, o cilindro acabou por dobrar-se, desequi librando as tensões na cordoalha, dificultando a manobra dos contrapesos e precipitando uma descida veloz e descontrolada. Foram minutos de grande perigo, assim rememorados pelo pr6prio protagonista da aventura: 19

°

"A descida transformava-se em queda. Por felicidade, eu caía nas vizinhanças da pelouse de Bagatelle, onde um grupo de meninos brincava com papagaios , Uma súbita idéia atravessou-me o esp1.rito: Gritei-lhes que agarrassem o meu guide-rope, que já tocava o solo, e corressem com toda a força contra o vento , 267


Eram garotos inteligentes, pegaram no instante propzctO a idéia e a corda . E o resultado deste auxílio in extremis foi imediato, e tal qual eu esperava. A manobra amorteceu a vio~ lência da queda e evitou~me, pelo menos um choque perigoso. Estava eu salvo pela primeira vez!"

o final feliz, depois de instantes de tensão, proporcionou a Santos-Dumont dupla alegria: a de sair incólume do primeiro acidente sério e a de regozijar-se com os passos ousados que dera no campo aeronáutico. "Eu havia navegado no ar", escreveria mais tarde, completando em seguida: «o acidente em si não era devido a nenhuma causa prevista pelos aeronautas profissionais". Com o N.o 1, O primeiro motor a petróleo flutua no espaço, e delineia-se no horizonte a meta da dirigibilidade, símbolo, a um só tempo, de domínio do homem sobre os elementos e a liberdade de movimento também na terceira dimensão. Firma-se também em Santos-Dumont a convicção de que seus princípios básicos sobre dirigibilidade estavam absolutamente corretos. Com a obstinação que lhe era peculiar, não desanimou nunca diante dos acidentes de percurso, e teve de enfrentar mais de um, na caminhada que mais tarde iria consagrá-lo. 4. Sucessão de Projetos Na aeronáutica moderna, durante os vôos de teste, os pilotos de prova registram em gravadores e, simultaneamente, transmitem para as estações de terra todas as reações dos protótipos, decorrentes dos esforços aerodinâmicos a que são submetidos. Há casos mesmo em que, perdendo o controle da aeronave diante de falhas mecânicas irreversíveis, dedicam os últimos momentos de lucidez à revelação de soluções destinadas a evitar que se repitam as mesmas condições de descontrole. Só após exaustivos ensaios com os protótipos, tem início então a produção em série. Apesar de todos estes cuidados, com a continuidade do uso, muitas falhas ainda podem ocorrer posteriormente, já nas mãos de usuários espalhados por todo o globo. Para saná-las a nível mundial, as indústrias mantêm um sistema de comunicação com os clientes, que lhes permite, mediante acordo tácito de interesse mútuo, detectar falhas onde ocorrerem, analisar as. causas e imediatamente emitir recomendações aos usuários sobre procedimentos adequados de manutenção preventiva. A realidade de hoje nos remete à verdadeira dimensão dos pioneiros de ontem. Santos-Dumont, por exemplo, foi a um só tempo projetista, construtor, piloto de provas e usuário, com a particulari· , dade de voar predominantemente em protótipos. O N.o 1 foi um modelo de esperança, transição e afirmação da aeronáutica. Sua própria numeração, que fugiu à iniciativa do in268


ventor, refletia a imaginação do homem comum de Paris, aderindo ao ardor e à coragem do pequeno brasileiro, e vendo em seu projeto o princípio e não o fim de um processo de desenvolvimento. Por outro lado, a sua presença nos céus foi o anúncio promissor de que o vôo controlado estava muito próximo de ser descoberto. Finalmente, foi o estopim de lançamento do Aeroclube da França. Galvanizados pelos sucessos de Santos-Dumont, ainda que modestos em comparação com os que ele iria mais tarde colher, os aeronautas profissionais, talvez para conjugar seus esforços numa concorrência organizada ao jovem brasileiro, decidiram juntar-se numa agremiação que logo iria colocar a França na vanguarda do progresso aeronáutico mundial. A esse respeito . o próprio inventor se expressou :ll "Minhas experiências no ar foram grandemente interessantes, não pelo resultado obtido, mas pela surpresa de se ver, pela primeira yez, Um motor roncando nos ares. Creio mesmo que foram estas experiências que deram lugar à fundação do Aeroclube de França. As experiências com meu modelo deram o resultado desejado . Eu tinha .sido audacioso demais fabricando um. balão demasiado alongado para os meios de que então dispunha."

o fato é que, cinco dias depois da segunda experiência do N.o 1, fundou-se o Aeroclube da França. Esgotadas as possibilidades .do N." 1, partiu Santos-Dumont para o projeto do N.O 2, que começou a tomar fonna em abril de 1899, nas mãos da mesma equipe, agora acrescida de um novo mecânico, Gasteau, e de um especialista em cordoalha, Dozon. O inventor teve duas grandes preocupações durante a construção: uma de ordem técnica e outra de natureza financeira. Em primeiro lugar, cogitou da garantia dos dispositivos que deveriam manter o dirigível tenso, para o que [oram duplicados os compressores de ar e projetado um balonete interno destinado a receber o ar bombeado e conservar a rigidez do envoltório. Munido de válvulas reguladas para serem abertas a uma pressão menor do que as suportadas pelas de controle de gás, se o aumento da pressão interna do conjunto invólucro/balonete se elevasse com a subida, a válvula de ar eliminaria o excesso, sem o inconveniente da perd.a de hidrogênio. Em segundo lugar, preOCUDou-se com o controle dos investimentos, o que levou o inventor a ;xecutar, pessoalmente, grande quantidade de trabalho físico - era o construtor em ação, exercitando com simplicidade um princípio básico de liderança: quem bem faz, bem manda fazer. Na primavera de 1899, estava pronto 9 novo dirigível. Tinha o mesmo comprimento e a mesma forma do N. o 1; seu maior diâme· 269


tro, entretanto, permitiu elevar-se o volume para 200 m3 , aumentando-lhe de 20 quilos a potência de ascensão. Dois motores conjugados Dion-Bouton, com potência total de 4,5 cavalos, deram-lhe também maior força de deslocamento. Um ventilador de alumínio inflava o balonete de compensação, tipo Dupuy de Lôme. Corrigidas as deficiências apresentadas pelo N.o 1, a primeira prova foi marcada para 11 de maio de 1899 _

Fig. 51 -

o

dirigível no· 2, p<lusado,

No dia aprazado, os preparativos foram lentos, devido a sucessivos incidentes, todos sanados um após outro, porém com grande perda de tempo. Quando, finalmente , tudo foi resolvido, começou a chover. e a prudência recomendava a suspensão do vôo, inclusive pela condição do invólucro, bastante molhado e com seu peso acrescido. ' Três fatos, entretanto, induziram Santos-Dumont a insistir na experiência: primeiro, a presença dos espectadores, desde cedo aguardando o grande momento, apesar da chuva que caía; segundo, o prejuízo financeiro com a perda do hidrogênio, caso o vôo fosse abortado e transferido; terceiro, a natural ânsia de testar aquele dirigível, após tão longo período de preparação. O resultado foi desastroso. Logo após a ascensão, a rápida contração do gás eliminou qualquer possibilida'de de compensação com o balonete. Em conseqüência, o balão dobrou-se e foi lançado contra as árvores. De forma melancólica, o N,o 2 encerrava

°

270


primeiro e único vôo. E Santos-Dumont fez mea-culpa quando escreveu: 71 "De toda a minha carreira, foi a lembrança mais abominável que guardei. Enquanto o balão caía, eu pensava se os cabos que suspendiam a nacele não iriam arrebentar! A queda durou alguns minutos, durante os quais eu tive tempo de preparar-me para morrer. J?

Seus críticos não perderam a oportunidade de mais uma vez condenar a utilização de motor a petróleo, embora não houvesse a menor relação de causa e efeito entre a rigidez· de um balão e os perigos de tal motor. Sobre todas as críticas, prevalece a obstinação da dirigibilidade, e a resposta de Santos-Dumont vem rápida, com a encomenda de novo dirigível. O N.o 3 obedeceu a outros critérios de construção, voltados, especificamente, para evitar de forma definitiva o dobramento do invólucro e, além disso, proporcionar maior força ascensional e o uso alternativo de hidrogênio ou gás de iluminação, eliminando o balonete e as bombas de ar, qu~ por duas vezes o deixaram em situação crítica. A forma foi obtida pela revolução de um arco de círculo de 80° em torno de sua corda de 20 metros, resultando num volume de 500 m3 e diâmetro de 7,5 metros na seção central. Uma haste de bambu, de 10 metros de comprimento, sustentava a barquinha, o motor de 4,5 cavalos e os pesos deslocáveis. Entre a quilha de bambu e o invólucro, um leme triangular de 7 m2•

Fig. 52 -

Novo projeto -

Introdução da viga.

271


o

uso alternativo do gás de iluminação, embora reduzisse pela metade a força ascensional, tinha como vantagem menor preço, em relação ao hidrogênio, e maior número de opções de . pontos de partida, eliminando a obrigatória largada no Jardim da Aclimação, A primeira experiência realizou-se a 13 de novembro de 1899, partindo Santos-Dumont de Vaugirard e rumando diretamente para o Campo de Marte, área livre, onde pôde manobrar à vontade, testando comandos, controles e as reações aerodinâmicas do balão durante subidas, descidas e vôos em círculo. Atraído pelo símbolo maior da Cidade-Luz, contornou várias vezes a Torre Eiffel . Dali tomou O rumo do Pare des Prinees, outra área livre onde pretendia descer, mas não o ' fez, atraído que foi para Bagatelle. Aí finalmente aterrou sem problemas, no mesmo local em que, há um ano, os meninos fizeram de seu balão uma pipa, sU.8vizando a queda que se anunciava catastrófica. No relato desse vôo, Santos-Dumont não esconde a satisfação que então havia sentido: 711 "Foi a ascensão mais feliz que até à data realizei. ( ... ) Foi a minha mais bela vitória. Já me havia sido demonstrado que a verdade essencial da aerostação dirigível, deve ser sempre: Descer sem sacrificar o gás, subir sem sacrificar o lastro." Esta máxima, aliás inteiramente comprovada durante o vôo do N. D 3, levou-o a pensar numa construção para abrigar o dirigível durante os intervalos das ascensões. Com isso livrar-se-ia da obrigatoriedade de esvaziá-lo a cada regresso, mantendo-o, ao contrário, pronto para nova ascensão . E assim foi construído, às suas expensas, em terrenos do Aeroclube, o primeiro hangar do mundo (30mx7mxl1m), contra a expectativa dos que julgavam impossível manobrar portas de tão grandes dimensões, o que provocou imediata reação de Santos-Dumont: 7~ "Sigam as minhas indicações e não se ocupem de saber se as portas são ou não são práticas." A idéia do hangar representava o primeiro passo no sentido da concretização de um plano bem mais ambicioso, que ele há algum tempo acalentava: a construção de um complexo de apoio ao vôo, incluindo o gerador de hidrogênio, as oficinas mecânicas, os prédios de depósitos etc. Ao conjunto, ele próprio chamou de aeródromo, vocábulo que se finnou internacionalmente para designar o campo de aviação, com todas as suas construções, hangares e facilidades. Em sua evolução natural, os aeródromos que incorporaram terminais de passageiros e de carga receberam a designação de aeroportos. 272


Durante a construção do hat'lgar, Santos·Dumont realizou mui· (as ascensões com O N." 3, que acabou se tornando parte do cen.á· rio celeste de Paris, projetando o nome do seu idealizador e piloto a nível nacional e internacional. Com tais vôos, ultrapassou de muito as proezas de Renard e Krebs. Em uma das partidas, perdeu o leme de direção, aterrando sem problema em lvry . Este incidente decretou o fim do N." 3, de· dicando-se Santos·Dumont ao desenvolvimento de um novo modelo. Esse novo projeto recebeu apoio e impulso decisivos de um singular personagem que então catalisava as atenções da sociedade parisiense: Henri Deutsch de la Meurthe. Na transição dos séculos X IX/ XX, o Aeroclube da França acumulava o seu segundo ano de existência, e Paris se preparava para a Grande Exposição de 1900, proj ~a da para eclipsar o brilho das de 1878 e 1889. Entre os eventos programados, incluíam·se um Congresso Internacional Aeronáutico 'e uma exposição de avia· ção, reflexo das próprias realizações do Aeroclube em sua curta e já fecunda existência, bem como dos progressos registrados no cam· po da aeronáutica, fartamente noticiados por toda a imprensa mun· diat. Paralelamente aos da Grande Exposição, outros atos seriam programados, resultantes da iniciativa de entidades ou pessoas isoladas. Foi o que ocorreu, por exemplo, em relação a um evento que terminou por consagrar Santos-Dumont. Henri Deutseh de la Meurthe era um homem de recursos, vinculado à indústria de refino de óleo. além de consumado desporti sta e excelente atirador. Entusiasta dos motores de explosão, já em 1887 havia patrocinado a construção de um deles . Comparecendo a uma das assembléias do Aeroclube, ao qual se associara em seus primórdios, fez uma proclamação, oferecendo um prêmio de 100.000 francos ao realizador de um feito aeronáutico, cujos detalhes estudaria com a Comissão Científica do Clube. A iniciativa visava a comemorar o início do novo século e renovar a esperança de melhores dias para a humanidade, fruto do trabalho persistente do homem nos diferentes campos do saber. Após reunião daquela Comissão, foi oficialmente anunciado que "o prêmio seria conferido àquele que, pela primeira vez, empregando um balão dirigível ou nave aérea, entre as datas de 1. 0 de maio e 1. 0 de outubro de 1900, 1901, 1902, 1903 e 1904, se elevasse do Pare d'Aérostation do Aeroclube em SI. Cloud, e, sem tocar o solo e lançando mão exclusivamente de seus próprios recursos a bordo, descrevesse ·uma curva de tal maneira fechada que o eixo da Torre Eiffel ficasse no interior do circuito; e voltasse ao ponto de partida no tempo máximo de meia hora ...102 Informava-se, ainda, que, no fim de cada ano, caso não fosse ganho o prêmio, seriam distribuídos os juros do dinheiro entre os que melhores resultados tivessem obtido nas tentativas.80 273


A instituição do premlO causou sensação em Paris, despertando geral interesse entre os aeronautas, especialmente em Santos-Du· moot, como se depreende de suas palavras:: 80 "Era sentir geral que cinco anos se passariam sem que o prêmio fosse ganho. A direção do balão, naquele tempo, era um desejo sem promessa. (. .. ) No dia seguinte à instituição do prêmio Deutsch, iniciei a construção do meu N.o 4 e de um hangar em SI. Cloud,"

o desafio derivara das próprias condições do circuito. Para cobrir tal percurso em menos de 30 minutos, a velocidade mínima deveria ser de 23 quilômetros por hora. O estímulo nascia da vontade de competir e da conclusão de que o N.o 3 nem de longe teria condições de concluir o trajeto no tempo prescrito no edital. O N.o 4 era de forma cilindro-cônica, simétrica, com 29 metros de comprimento, diâmetro maior de 5,10 metros e volume de 420 metros cúbicos. Nesse modelo, voltou Santos-Dumont a utilizar o halonete de compensação e o hidrogênio para maior força ascensional. O motor, um Clément de dois cilindros e 7 cavalos, com ignição elétrica e refrigerado a ar, girava a 1.500 rotações por minuto e acionava um ventilador de alumínio a 3.000 rotações por minuto, para inflar o balonete. A hélice, também acoplada ao motor, atingia 100 rotações por minuto e situava-se à frente do motor. Particularidades: a barquinha foi substituída por um selim de bicicleta, sendo os pés apoiados em pedais, que eram acionados durante a partida do motor; um carro destacável, dotado de rodas de bicicleta, assegurava o deslocamento no solo; por fim, seriam utilizados lastros de água. e não de areia. O N.o 4 representou para Santos-Dumont a largada para a conquista do prêmio Deutsch. Ficou pronto em agosto de 1900, e seu primeiro vôo foi um sucesso. Durante os meses de agosto e setembro, realizou inúmeras ascensões, causando entusiasmo aos visitantes da Exposição e aos parisienses, já acostumados às suas incursões aéreas. O Congresso Internacional de Aeronáutica teve início em setembro, reunindo aficionados de diferentes origens, tendo em co· mum o interesse pelo desenvolvimento da aviação. Na agenda dos intensos trabalhos, um dia foi dedicado ao conhecimento dos pro· gressos alcançados por Santos-Dumont. Por coincidência, um dia não muito próprio para o vôo, dada a ocorrência de ventos fortes e de rajadas, que obrigaram o inventor a manter o dirigível preso aos cabos de amarração. Entretanto, enquanto experimentava o mo· tor, uma lufada de vento girou o balão de encontro a um cabo, 274


arrancando·lhe o leme, o que não impediu que os membros do Con· gresso percebessem a eficácia de um propulsor, acionado por motor a petróleo, opondo-se a vento relativamente intenso. Ainda que não tenha permitido urna ascensão livre, o dia 19 de setembro de 1900 foi um marco na história da dirigibilidade.

Fig. S3 -

Um verdadeiro trabalho de engenharia. utilizando os terminais de força do homem.

Fig. S4 -

O v60 confirma o projeto. O n." 4.

275


Entre os presentes, um americano ilustre, o matemático, astrônomo e chefe da Smithsonian lnstitution, Samuel Pierpont Langley, ficou empolgado com o que teve ocasião de ver, a ponto de solicitar uma visita em separado ao inventor. De fato, três dias depois, voltou a St. Cloud, observou um pequeno vôo de prova e passou a tarde discutindo aviação. Que o diálogo foi positivo, no-lo diz o próprio Santos-Dumont, referindo-se ao encontro: "Uma das personalidades do Congresso, O professor Langley, fez questão de assistir, alguns dias mais tarde, a um dos meus ensaios ordinários; e dele recebi o mais cordial encorajamento." Os vôos do N.o 4 tiveram prosseguimento, mostrando o nosso pioneiro visível a olho nu, aparentemente passeando de bicicleta, enquanto transmitia aos que o contemplavam um misto de tensão, pela expectativa de queda iminente do condutor, face à inexistência de equipamentos de segurança pessoal incorporados ao protótipo, e de admiração, pela coragem e sangue-frio que ele evidenciava na faina das alturas. Na verdade, eram vôos de teste, destinados a medir o desempenho da máquina para atingir o objetivo maior - a dirigibilidade. agora simbolizada na conquista de um prêmio que referendaria a prevalência da vontade do homem sobre a força dos elementos. Convencido de que o N.o 4 poderia levá-lo àquela conquista, mas dentro de margens de sucesso muito estreitas, concluiu pela necessidade de outra aeronave, esperando tê-la pronta antes de encerrada a Exposição. Daí partiu para modificações decorrentes da contingência de equipar o dirigível com um novo motor, de quatro cilindros, desenhado por ele mesmo e construído por Buchet em prazo muito curto. Potência e peso maiores do motor exigiam maior volume de gás para a ascensão. A solução veio rápida: cortou o balão ao meio e inseriu nova seção, passando o volume para 550 metros cúbicos e o comprimento para 33 metros, o que o obrigou a aumentar o hangar em 4 metros, prevendo necessidades futuras. O propulsor, agora girando a 140 rotações por minuto, aumentou o esforço de tração de 30 para 55 quilos. Em quinze dias de intenso trabalho, todas as· modificações foram concluídas, com a Exposição ainda aberta. Um fato inesperado, entretanto, ocorreu. Realizando sucessivos ensaios com o novo propulsor, foi imprudente em relação a si próprio. Exposto ao impacto do deslocamento de ar, acabou contraindo pneumonia. Naquela época, sem os modernos recursos dos antibióticos de hoje, trntava-se de doença grave e que inspirava sérios cuidados. Recuperando-se inicialmente em casa assistido por uma enfermeira 276


contratada, quando melhorou teve recomendação médica de procurar clima mais ameno. Foi convalescer em Nice, sem contudo adotar a postura padrão de descanso sedentário, mas mantendo-se ativo na concepção e na ação. E. que a meta da dirigibilidade ocupava-lhe os sentidos por inteiro, relegando a segundo plano as rígidas regras médicas de repouso absoluto. Sua natureza agitada era incompatível com o ócio. A verdade é que a atividade mental acelerou o processo de recuperação física, numa salutar relação de causa e efeito. Pensava no prêmio Deutsch e, conseqüentemente, no aperfeiçoamento do aparelho capaz de conquistá-lo. Para tanto, decidiu trazer de volta a barquinha, recolocar a hélice na popa e substituir todo o conjunto de cordas, traves e vimes por uma verdadeira quilha. Procurou uma oficina de carpinteiro, deixando atônito o profissional, pois, ao mesmo tempo em que lhe expôs os planos, meteu mãos à obra pessoalmente (seu forte atributo de liderança), trabalhando na construção de uma estrutura triangular de pinho, reforçada com cordas de piano para maior rigidez. O conjunto resultou numa quilha medindo 18 metros de comprimento e pesando 41 quilos, uma adequada espinha dorsal para potência e velocidade, acrescida ao novo modelo. Fixado na sua seção posterior ficava o motor Buche, de 4 cilindros e 16 cavalos. A hélice, de madeira e aço, recoberta de seda, com 4 metros de diâmetro, girava a 200 rotações por minuto e era acoplada ao motor por uma embreagem que permitia desligá-Ia, quando necessário. Na extremidade da quilha ficavam os tanques de água para lastro. Na seção anterior, a barquinha, com todos os comandos ao alcance das mãos. Concluídos os preparativos, o conjunto foi desmontado, empacotado e despachado para Paris. Havia àquela época um serviço especial de triagem e taxação de alguns produtos oriundos das províncias. Durante uma semana, a bagagem de Santos-Dumont ficou retida nos armazéns à espera de enquadramento na legislação, sendo taxada com imposto máximo, por se tratar de "trabalho de fina marcenaria". Era assim o nosso gênio: imprevisível, versátil, dinâmico e persistente. Deixara Paris enfermo, vítima do excesso de zelo pelo desempenho do N.o 4. Regressara curado, trazendo na bagagem tantas modificações a serem introduzidas naquele protótipo, que o transformaram em outra aeronave. Nascia o N." 5. De volta ao lar, surpreendeu-se ao encontrar correspondência do Aero-Club de France notificando'o de que, por decisão unânime da Comissão Científica, fora-lhe atribuído o Prêmio de Estímulo, em reconhec~mento aos trabalhos desenvolvidos no campo da aeronáutica durante o ano de 1900. 277


No início do novo século houve uma certa estagnação no desenvolvimento aeronáutico da Europa, contrastando com o que se verificara na última década dos anos oitocentos. O brasileiro era a exceção . Foi o dono absoluto das iniciativas ocorridas durante o ano de 1900, sem qualquer concorrente à altura de seus feitos. Modesto e despretensioso, trabalhou para reverter este quadro . Desejando ver retomadas as iniciativas de participação nas pesquisas, instituiu o Prêmio Santos-Dumont, no valor dos 4,000 (rancos que lhe (oram outorgados, relativos aos juros dos 100,000 (rancos depositados por Deutsch de la Meurthe. As condições impostas aos participantes eliminavam a maior dificuldade encontrada pelos aeronautas nas tentativas para ganhar o Prêmio Deutsch: o limite de tempo de 30 minutos. Foram assim estipuladas:79

ao Prêmio San tos-Dumont será outorgado ao aeronauta, membro do Aero-Club de Paris - excluído o fundador do prêmio - que, entre 1.° de maio e 1. 0 de outubro de 190 1, partindo do parque de aerostação de Saint Cloud, DOntornar a T orre Eiffel e voltar ao ponto de partida, em não importa que espaço de tempo, sem haver tocado a terra, e, apenas pelos meios de que dispuser, a bordo . Se o prêmio não for ganho em 1901, o concurso continuará aberto no ano seguinte, sempre de 1. 0 de maio a 1.0 de outubro, e assim sucessivamente até que haja um ganhador."

Fig. 5S -

278

Perseverança; a caminhada conlinua! O n: 5.


o Aerocluhe associou·se a esta iniciativa, instituindo medalha de ouro ao vencedor. Prêmio e medalha jamais foram concedidos. A não ser que tenha havido modificações radicais dos estatutos, ainda hoje estão disponíveis para serem disputados pelos interes· sados, Durante a construção do N,o 5, Santos·Dumont perdeu um gran· de amigo, Machuron, o homem que o elevou aos céus pela pri· meira vez, O seu instrutor, o mesmo que negava a viabilidade do dirigível. Morto prematuramente aos 29 anos, vítima de grave en· fermidade, ainda viveu o suficiente para ver seu aluno provar·lhe que estava enganado. Mas embora tenha perdido um grande amigo, colaborador e in· centivador, outros dele se aproximaram, estreitando novos laços, e com ele caminharam durante os anos mais fecundos de sua vida, em fraternal amizade e ligados pelo interesse que todos tinham em comum: a aviação . I:.ouis Blériot, Henri Farman, Maurice Farman e Emmanuel Aimé foram responsáveis por momentos de alegria e descontração de Santos·Dumont, pausas de que realmente necessitava para compensar horas intensas de dedicação ao trabalho. O primeiro realizou o histórico vôo de 1909 sobre a Mancha, O segundo tornar-se-ia um dos mais destacados projetistas europeus, e o último foi Secretário-Geral do Aeroclube de França e editor de L'Aérophile. Todos, portanto, deixaram seus nomes ligados aos primórdios da aeronáutica. Dentre as várias ascensões realizadas por Santos-Dumont com o N,o 5, destacaram-se, particularmente, quatro ensaios e duas tentativas oficiais de conquista do Prémio Deutsch . O primeiro ocorreu em 11 de julho de 1901. Antes do tradicional "Larga", seu olhar se fixou nos fiéis companheiros. Lachambre, Aimé, Goursat, Chapin e o restante da equipe lá estavam, ansiosos como sempre, diante da expectativa de comportamento de um protótipo. Machuron, que seus olhos não mais viam, estava presente em suas lembranças e no meticuloso trabalho incorporado ao dirigível, de cuja fabricação chegara a participar. O vÔO foi curto, apenas meia hora, e tudo correu conforme o planejado, desde a perfeita largada na direção de Vincennes até a suave aterrissagem no regresso. No dia seguinte, mais um ensaio, desta vez com o propósito de realizar o circuito previsto na regulamentação do prêmio que instituíra . As quatro e meia da manhã, transportara o N.o 5 do parque do Aeroc1ube para o prado de corridas de Longchamps, a fim de realizar testes em área aberta e segura; embora sem consulta prévia, nem por isso deixara a entidade de, quatro dias depois, conceder permissão para sobrevoar o espaço aéreo que lhe era sobrejacente. Ali circulou dez vezes sobre a pista de corridas, perfazendo 279


um total de 35 quilômetros, durante os quais submeteu a aeronave a sucessivas experiências de comando e controle. Satisfeito com os resultados, rumou na direção de Puteaux, retornando a Longchamps. Daí, vasculhando o horizonte, tentou divisar a silhueta esguia que representava o grande desafio aos cavaleiros do espaço: a Torre Eiffel . Oculta pela neblina, sequer se entrevia sua imagem. Mesmo assim, Santos-Dumont decidiu prosseguir em sua direção, conhecedor que era de sua exata posição em relação a Longchamps. A duzentos metros do Campo de Marte, quando já se divisava o seu contorno, partiu-se uma das cordas de manobra do leme . Obrigado a descer, alterou a posição do centro de gravidade e pousou tranqüilamente nos jardins do Trocadero. De todas as direções, acorreram operários oferecendo-lhe ajuda, prontamente aceita, aliás, e que o aeronauta limitou à necessidade de uma escada. Num pisca r de olhos, O precioso instrumento estava disponivel. Sustentada por dois dos colaboradores, permitiu-se Santos-Dumont executar os reparos, reiniciar o vôo, contornar a Torre e retomar a Longchamps no tempo cronometrado de uma hora e seis minutos. Instantes depois, retomou o voô para Saint Cloud, recolhendo a aeronave em perfeitas condições para nova ascensão. O sucesso foi de tal ordem, que O problema da dirigibilidade chegou a ser anunciado como resolvido. Congratulações chegaram de todas as partes, inclusive uma que muito o sensibilizou - a fotografia do célebre inventor Thomas Edison, com essa significativa dedicatória:

"A Santos-Dumont, o Bandeirante dos Ares, homenagem de Edison ." À tarde desse mesmo dia , Santos-Dumont convocou a Comissão Científica do Aeroclube de França, comuni cando-lhe a intenção de disputar no dia seguinte o Prêmio Deutsch e solicitando verificação oficial da prova. Após dois ensaios de sucesso, preparou-se o inventor para a primeira tentativa de conquista do prêmio. O dia marcado foi 13 de julho. Às seis horas e trinta minutos, reuniu-se a Comissão Científica, com a presença de Deutsch de la Meurthe, do conde de La Varelx, do príncipe Roland de Bonaparte, de Cai Uetet e Bouquete de la Grye . Às seis horas e quarenta e um minutos, os cronômetros registraram a partida. O N.o 5 ganhou altura e rumou para a Torre Eiffel. contornada no décimo minuto. Bom desempenho na ida e mau prenúncio para a volta, já que fatalmente enfrentaria ventos contrários, retardando-lhe a marcha . Realmente, s6 retornou ao ponto inicial no quadragésimo minuto, a uma altitude de 200 metros. Prepa280


rava-se para descer, quando uma pane no motor obrigou-o a procedimentos de emergência, que culminaram com a queda do dirigível de encontro ao mais alto castanheiro do parque de Edmond Rothschild. Felizmente, não houve danos pessoais para o aeronauta, e as perdas materiais foram surpreendentemente reduzidas . Vizinha dos Rothschild, informada dos acontecimentos e da intenção de Santos-Dumont de só abandonar o local depois de desprender a aeronave, a Princesa Isabel, Condessa d'Eu, enviou-lhe um lanche e um convite para visitá-la. Terminada a faina, foi agradecer à ilustre dama o gesto de simpatia, dela ouvindo palavras de encorajamento: 19 "Suas evoluções aéreas fazem-me recordar o vôo dos nossos ·grandes pássaros do Brasil. Oxalá possa o senhor tirar do seu propulsor o partido que aqueles tiram das p róprias asas, e triunfar, para glória da nossa querida pátria!"

Dias mais tarde, uma carta chegava às suas mãos: 19 "Senhor Santos-Dumont Envio-lhe uma 'medalha de São Benedito que protege contra acidentes. Aceite-a e use-a na corrente de seu re16gio, na sua carteira ou no seu pescoço. Ofereço-lhe pensando na sua boa mãe e pedindo a Deus que lhe socorra sempre e lhe ajude a trabalhar para a g/6ria da nossa pátria . Isabel. condessa d'Eu". A medalha, ele a fixou a uma pulseira de ouro, e os jornais de Paris passaram a incluir este ornamento nas referências ao aeronauta e a seus requintes de elegância. Diferentemente dos jornais de outros países, o acidente em si foi tratado sem alarde pela imprensa francesa, onde a maioria dos jornalistas encarava com muita seriedade os esforços de conquista do ar, fruto da própria consciência da sociedade a esse respeito . Uma testemunha visual. por exemplo, declarou ao ser entrevistada: J02 "Esta façanha está acima de elogio ou de crítica! E um fato novo em nossas vidas !"

Quinze dias depois, a aeronave estava totalmente recuperada . Dois ensaios precederam a segunda tentativa de conquista do prêmio. Um no dia 29 de julho, com duração de 15 minutos, sobre Longchamps, qu ando se procurou determil'!ar a velocidade de deslocamento em ar calmo. Para tanto, contou o inventor com a coope281


ração de Maurice Farman, guiando seu automóvel em torno da pista de corridas e acompanhando o rastejante cabo guia. Também sem velocímetro, Farman notou que conseguia manter o aco~panhamen­ to com O carro em segunda; conhecedor da rotação do motor, da relação de engrenagens e do diâmetro das rodas motrizes, determinou a velocidade em torno de 27 quilômetros por hora, podendo subi r para 30 a 35 sem a resistência de arrasto do cabo. Com duração de oito minutos, no dia 4 de agosto, o segundo ensaio encerrou os preparativos do N.O5 para a nova tentativa. No dia 8 de agosto, novamente diante da Comissão Científica, partiu Santos-Dumoot às seis horas e trinta minutos. Em nove minutos já contornava a Torre Eiffel. embora antes mesmo de alcançá-la tivesse notado escapamento de gás decorrente do mau funcionamento de uma válvula. Os momentos seguintes foram de expectati... ~s sombrias, felizmente culminadas com um final feliz, e ninguém melhor do que o próprio participante para no-los revela r:19 "O balão contraia-se viSivelmente,' a tal ponto que ao alcançar as fortificações de Paris, perto de La Meurthe, as cordas de suspensão arqueavam-se tanto que as mais vizinhas do propulsor engancharam-se na hélice em marcha . Vi o propulsor cortá-las e arrancá-las. Parei o motor. O vento que soprava com força, levou instantaneamente o aparelho para o

lado da Torre Eiffel. ( .. . ) Teria podido atirar fora muiio lastro e amortecer sensivelmente a queda, mas assim o vento teria tempo de me jogar contra os ferros do grande monumento. O que mais eu temia era que a tensão desigual das cordas de suspensão as fizesse rebentar uma a uma e que eu fosse precipitado ao solo. ( ... ) Eu caía . E o vento me levava para a Torre Eiffel. Já me havia jogado tão longe que eu esperava aterrar abaixo do Trocadero, sobre o terraço do Sena. Minha barquinha e toda a quilha haviam passado os edifícios do Trocadero. Se meu balão fosse esférico, tê-los-ia superado também. Mas nesse momento decisivo, a extremidade do meu balão alongado~ que conservava ainda todo o seu gás, foi bater contra um telhado mesmo no momento de franqueá-lo . O balão estourou, com um grande barulho, exatamente igual ao dum saco de papel que se encheu de ar e que se arrebenta. Foi a terrível explosão de que falaram os jornais.

( . . . ) Ao em vez de ter ido cair sobre o terraço do Sena, encontrava-me suspenso, na minha barquinha de vime, por cima do pateo dos edifícios do Trocadero. A quilha da aeronave, que me sustentava, inclinava-se a 45 graus entre o muro alto do pateo e o teto duma construção mais baixa. E mau grado o meu peso, o peso do motor 282


e da maqumarza, mau grado o choque que havia recebido, resistiu maravilhosamente. A travessa de pinho e as cordas de piano, de Nice, haviam-me salvo a vida! Após uma espera que não me pareceu nada divertida, chegou-me uma corda lançada do telhado mais alto. Amarrei-me a ela e fu i içado. Constatei então que meus salvadores eram os bravos bombeiros de Paris".

o final feliz encerrava um incidente de origem particularmente simples - o enfraquecimento de uma válvula, peça insignificante no conjunto do projeto, mas de conseqüências complexas para o protagonista principal, já que o risco de vida foi iminente. O escapamento de gás e a perda progressiva da rigidez; a hélice dilacerando os fios de amarração; o pesadelo da torre à sua retaguarda, aproximando-se ameaçadoramente; o longo petcurso até chocar-se contra o telhado; finalmente, a incômoda posição sobre um abismo, na qual teve de se manter até ser içado: cada fase em si mesma havia sido de grande tensão e risco. Não obstante, sequer chegaram a dissuadi-lo de prosseguir a caminhada. Nesse mesmo di a expediu ordens para a construção de nova aeronave e, à noite, ao acercar-se de sua mesa do Maxim's, impecavelmente trajado, foi aplaudido de pé . 5 . O Sucesso do N.O 6 O N. o 6 foi construído no tempo recorde de 22 dias. Concentrou-se Santos-Dumont na correção do defeito que por três vezes o colocara em situação crítica: a deflação do envoltório. Como causa do último acidente, se bem que não a única, suspeitou de não haver secado adequadamente o verniz do balonete interior, o que o tornara aderente ao envoltório, sem condições de uso quando plenamente inflado. Cuidou para que esta falha não se repetisse . O novo protótipo tinha a forma de um elipsóide alongado, terminado por dois cones; comprimento de 33 metros e diâmetro centrai de 6; volume de 630 metros cúbicos; balonete de compensação de 60 metros cúbicos; motor e quilha idênticos ao do N. o 5; leme inicial de forma triangular e 5 metros quadrados de área, posteriormente modificado para semicircular, fazendo charneira em torno do diâmetro; hélice propulsora de 4 metros de di âmetro; cabo de 100 metros e lastro de 110 quilos. O N.o 6 culminaria um ciclo do inventor Santos-Dumont - o domínio da dirigibilidade do mais-Ieve-que~-ar, meta sonhada diante da primeira visão de um motor a petróleo, perseguida durante dez anos com tenaz persistência e, afinal, concretizada no fato histórico de 19 de outubro de 1901, que os arquivos. registraram e os monumentos individualizaram . 283


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Fig. 56 - O no· 6, que ganhou o pri mio Deulsch, saindo do aer6dromo de SI . Cloud.

Entrementes, à sombra 'Cios preparativos para o grande dia, um acesso de xenofobia parece haver tomado conta dos esportistas locais, que não se conformavam em ver fugir de mãos francesas uma glória que pressentiam próxima. Paradoxalmente, o fracasso do N. 5 e a obstinação de Santos-Dumont de prosseguir suas experiências eram indícios dessa proximidade. provocando alarme entre os mais exaltados e repercussões no Aeroclube e na própria Comissão Científica a ponto de se tentar introduzir modificações no regulamentQ da prova, dificultandcr3. O objetivo era claro: criar condições de retardamento para manter o prêmio em mãos européias. A França era o lar das experiências e do progresso; um fran cês instituíra o prêmio; no momento, porém, nenhuma nação européia dispunha de aeronautas em condições de disputá-lo. A Inglaterra, em termos de aerostação, ainda dormia. A Alemanha, pelas mãos do Conde Zeppelin, desenvolvia o projeto de dirigíveis rígidos, mas sem resultados práticos. Como enfrentar o brasileiro? S6 mesmo através de campanhas ardilmente preparadas . Renard, o mesmo que na construção do dirigível France plagiou integralmente o fusiforme-dissimétrico do também brasileiro Júlio César, insistia em que as regras do Prêmio Deutsch eram muito fáceis. Chegou a declarar que, se não fosse impedido de entrar em competições particulares, por sua condição de fun cionário público, poderia facilmente ganhá-lo com o France, em sua versão de 1884. Declaração presunçosa, s6 explicável pela frustração diante da competência de dois gênios da aerostação, ambos brasileiros. Q

284


A pressão nacionalista provocou a introdução de modificações no regulamento. A reação de Santos-Dumont foi imediata. Em carta ao Presidente do Aeroclube de França, protestou energicamente, declarando que, para ele, continuariam prevalecendo as condições fixadas de início. Para se contrapor à absurda exigência dos trint{1 minutos, contados desde o instante em que fosse solto o cabo, ponto de partida, até aquele em que fosse novamente recolhido, argumentou que as corridas de cavalos não começavam quando o jóquei recebia as rédeas, e nem tenninavam quando a montaria era recolhida. Preparando-se cuidadosamente para arrebatar o prêmio, realizou seis ascensões prévias com o N.o 6, nos dias 6, 18 e 19 de setembro, elO, 11 e 14 de outubro . Pequenos incidentes tiveram suas causas prontamente sanadas, inclusive a modificação do leme, há pouco citada. Durante um dos melhores testes, o do dia 10 de outubro, voando a pequena altura, propôs aos curiosos tomar um aperitivo no Café Cascade e lá desceu, para espanto dos que o acompanhavam por terra. O recebimento, no dia 18, de urna promissora previsão de tempo para o dia seguinte, 19, levou Santos-Dumont a convocar a Comissão para esse dia. Devido à pennanência de condições desfavoráveis na parte da manhã, dos vinte e cinco membros só cinco compareceram: o próprio Deutsch, Dion, Fonvielle, Besançon e o fiel Aimé, o quorum mínimo exigido para se legalizar o veredicto. Às duas horas da tarde, os cinco lá continuavam, na expectativa da partida, quando o posto meteorológico da Torre Eiffel reportou vento sudeste de 6 metros por segundo. A satisfação de Santos'Dumont foi grande, pois o n,o 6 tinha velocidade suficiente para se opor a tal intensidade, Às duas horas e quarenta e dois minutos, o cronômetro de Dion registrou a partida oficial. Ouçamos mais uma vez o pioneiro, na descrição dos minutos então vividos: 1SI "Eram 2 horas e 51 minutos. Em 9 minutos eu havia vencido um percurso de 5 quilômetros e meio e efetuado a manobra para voltar. A volta foi demorada. O vento era contrário. O motor, que até então havia se comportado bem, assim que deixou a Torre para trás uns 500 metros, ameaçou parar. Tive um instante de grave indecisão. Era preciso tomar uma medida rápida. Com o risco de desviar o rumo, abandonei por um momento o leme a fim de concentrar a atenção na maneta do carburador e na alavanca de comando da faísca elétrica. O motor, que havia quase parado, retomou o seu ritmo. Eu acabava de atingir o Bosque. 285


( ... ) E por desagradável coincidência. o motor voltou a moderar a velocidade. De tal sorte que a aeronave descia ao mesmo tempo que a força motriz tornava-se menor . ( ... i Eu havia chegado à pista do campo de corridas d'Auteuil O aparelho passava por cima do público, com a proa levantada muito alto, e eu ouvia os aplausos da enorme multidão, quando. repentinamente, meu caprichoso motOr readquiriu sua plena velocidade. Subitamente acelerado, o propulsor, que se encontrava quase sob a aeronave, tão em pinada ia esta, exagerou ainda mais a inclinação. As ovações sucederam-se gritos de alarma. Para mim, nenhum receio: dominava as árvores do Bosque, e todos sabem que elas sempre me tranqüilizaram com sua copa de verdura . Tudo isto se havia passado muito depressa, antes que me tivesse sido possível, pelo jogo dos pesos e do guide-rope, readquirir a posição horiwntal. Achavame a uma altitude de 150 metros. Bem entendido. podia interromper essa subida diagonal moderando o motor. Mas o tempo da prova estava contado. Deixei o motor à sua velocidade. ( ... ) Foi por conseguinte a uma altitude de 150 metros e com o propulsor a toda força. que passei sobre Lo.ngchamps. franqueei o rio e continuei velozmente por cima dos juízes e dos espectadores reunidos nos terrenos do Aero-Club . Eram. nesse momento. 3 horas. 11 minutos e 30 segundos, o que dava um tempo exato de 29 minutos e 30 segundos. Levada pelo seu impulso. a aeronave passou como passa um cavalo diante do poste de chegada.. como passa um yacht diante da linha, como um automóvel que continua correndo depois que o juiz registrou o seu tempo . A seguir, talo jockey dum cavalo de corrida. fiz meia volta e regressei ao aeródromo . Meu guide-rope apanhado. aterrei às 3 horas, 12 minutos e 40 segundos, isto é, 30 minutos e 30 segundos depois da partida . Não sabia qual o tempo exato . Gritei: - Ganhei? Foi a multidão que me respondeu:

- Sim'" Se a multidão foi enfática na aprovação, já a Comissão, pela voz de seu credenciado cronometrista, o Marquês de Dion, sentenciou: «Meu amigo, você perdeu o prêmio por quarenta segundos"

No ato da sentença, a reação popular foi imediata, de absoluta discordância com o veredicto. Os jornais de Paris, no dia seguinte, explodiram de indignação. 286


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fig. 57 -

A caminhada vitorioSQ. Conquista do prim io Henri DeU/seI! de La Meu rt/le.

287


Durante duas semanas, de um lado, o silêncio da Comissão tal· vez testando a reação popular antes de um pronunciamento final; de· outro, O clamor da opinião pública e a vitória moral de SantosDumont, .atendendo inteiramente aos padrões do primeiro regulamento. Afinal, no dia 4 de novembro, em sessão plenária do Aéro· Club, foi ratificada a decisão secreta da Comissão Cientüica, declarando Santos-Dumont vencedor do Prêmio Deutsch , num total de 129.000 francos, incluindo 4.000 francos de juros. Daquele total, 79.000 foram entregues ao chefe de Polícia para distri buir entre os pobres de Paris, e o restante foi entregue à sua equipe. No Brasil, o fato repercutiu de forma consagradora, e as homenagens iniciais concretizaram-se na outorga de um prêmio especial de cem contos, nada menos do que cento e vinte e cinco mil francos , e também de uma medalha de ouro alusiva ao acontecimento. O notável feito trouxe para Santos-Dumont uma aura de popularidade que, por extensão, envolvia o seu valente N.() 6. Sua presença passou a ser disputada com a freqüência e intensidade que normalmente cercam as celebridades. Não houve relutância de sua parte. Ao contrário, o final de ou tono interrompia temporariamente as atividades aeronáuticas, deixando-o livre para entrar no torvelinho das comemorações. Um convite inesperado chegou da. Inglaterra e foi imediatamente aceito. Pela primeira vez, o Aeroclube do Reino Unido, fundado há pouco mais de um mês, conferia o título de sócio honorário a um aeronauta e convidava Santos-Dumont para recebê.lo pessoalmente. Às homenagens da entidade anfitriã, seguiram-se as do Embaixador do Brasil, Joaquim Nabuco, e as da sociedade inglesa pelos seus segmentos mais representativos, durante os quinze dias de permanência em Londres. As intensas manifestações terminaram por despertar, ao cabo de algum tempo, uma sensação de anticlímax, um sentimento de saudade em relação ao contato com a brisa dos ares. Se a estação era desfavorável em Paris, tal não acontecia nas costas mais ensolaradas do Mediterrâneo, onde estivera no inverno anterior. Cogitara, assim, de lá voltar, quando recebeu amável e singular convite do Príncipe de Mônaco. Propunha o monarca mandar construir, em seus domínios, um hangar e uma usina produtora de hidrogênio, de acordo com as especificações do aeronauta, caso este aquiescesse em para lá se transferir, a fim de prosseguir suas experiências. Reconhecendo as vantagens que esta oferta lhe proporcionava, aceitou de imediato o convite, chegando a Mônaco no dia 2 de janeiro de 1902. levando consigo o n.o 6. Aí realizou cinco ascensões, nos dias 29 de janeiro (duas, 10, 12 e 14 de fevereiro. Na terceira, desfraldou 288


uma comprida flâmula amarrada ao balão com as iniciais de seu lema: PMNDN (Por mares nunca dantes navegados) . Na última, caiu ao mar, mas: piloto e aeronave foram salvos e recolhidos por embarcações. Durante a permanência em Mônaco, preocupou-se' em fazer observações acerca do vôo sobre o mar, e a experiência colhida permitiu-lhe mais tarde escrever: 79 "Quando sobre o solo, não se encontram senão superfícies unidas, estradas, ou mesmo ruas . . . o guide-rope é um auxiliar tão precioso para a aeronave como para o balão esférico. Para mim é bem mais que isso: é o mais essencial dos meus pesos deslocáveis. Sobre a extensão ilimitada do mar, por ocasião da minha primeira ascensão em Mônaoo, ele fez sua verdadeira prova como estabilizador . Sua muito fraca resistência do arrastar na água está fora de qualquer proporção com' o peso da sua extremidade flutuante. Segundo sua maior ou menor imersão, lastro ou deslastra a aeronave. Pelo seu peso, sustém O balão a um nível fixo acima das ondas, sem perigo de contato COm estas".

A queda na baía de Mônaco encerrou praticamente a brilhante carreira do N.O 6. Embora recuperado em Paris, circunstâncias fortuitas impediram seus vôos não só na França, como também na Inglaterra, para onde foi transportado mas não pôde realizar vôos de demonstração, por ter sido seu invólucro maldosamente rasgado não se sabe por quem . 6. Outros Modelos Após a conquista do Prêmio Deutsch, Santos-Dumont construiu outros modelos de dirigíveis. O N.o 7 foi inspirado na necessidade de satisfazer condições de desempenho que lhe permitissem participar de uma corrida aérea na Exposição de St. Louis, nos Estados Unidos da América. Diante desse condicionamento, imaginou um dirigível alongado, de 50 metros de comprimento, 7 de diâmetro na seção maior, volume de 1.250 metros cúbicos e motor de 60 cavalos com quatro cilindros. Com tais parâmetros, era de manutenção cara, o que levou Santos-Dumont a reservá-lo para provas específicas. Transportado para os Estados Unidos, na véspera da corrida foi destruído por um temporal, salvando-se apenas o poderoso motor . O oi tavo da série foi o N.o 9, por força de superstição do inventor em relação. ao número 8 . Desenhou um balão menor, de fácil manejo. que acabou igualando-se em popularidade ao N.o 6. Tinha a forma ovóide, comprimento de 12 metros, diâmetro central de 5 289


metros e volume de 220 metros cúbicos, elevado posteriormente para 261 , com alongamento para 15 metros; motor Clément de 3 cavalos e 2 cilindros. Foi popularizado pela expressão Baladeuse Aérienne. De fácil manobrabilidade, tornou·se um verdadeiro automóvel aéreo para Santos-Dumont, que o utilizava em seus percursos através de ruas e avenidas, chegando até mesmo a estacionar sobre elas.

fig. 58 -

o

JKimeiro tóxi-iJéret) .

........ ...... ~

l fig . S9 -

290

De porta a portQ.


Nesse dirigível foi realizado o primeiro vôo-solo feminino em aparelho provido de motor a petr6leo. No dia 29 de junho de 1903, a cubana Aida Dacosta pilotou sozinha o N.o 9, do Parque Neuil1y ao Campo de Bagatelle, sendo assistida pelo seu instrutor que, de automóvel, a acompanhava no mesmo percurso terrestre . A concepção do N.o 10 voltava-se para a aplicação do dirigível como instrumento de transporte aéreo de massa, numa antevisão dos jumbos da atualidade. Coincidentemente, chamou-o de ônibus aéreo, designação posteriormente adotada na Europa para os grandes aviões de passageiros (em inglês, AIRBUS) . Com tal objetivo, o volume do N.o 10 atingia 2.010 m3 • Este foi, certamente, o maior dirigível construído pelo inventor.

FiS. 60 -

A primeira cO/l cepçuo de um "AIR HUS"

Estamos agora em 1904 . O dirigível seguinte foi o N.o 13, já que os n.os 11 e 12 foram usados para designar os projetos de um monoplano bimotor e um helicóptero, respectivamente. Tratava-se de um balão semi-rígido, do qual pouca coisa se sabe . Dizem uns que apenas cumpriu provas estáticas, e outros, que foi destruído no solo durante as experiências. Tinha um volume de 2 . 000 metros cúbicos, com emprego de hidrogênio e ar quente. Na base do balão havia um calorífero que alterava a densidade do hidrogênio. O ar aquecido dilatava o hidrogênio que, em conseqüência, aumentava a força ascensional. A maior ou menor intensidade da chama do calorífero variava a força 291


ascensional, permitindo manobras de subida e descida. O motor tinha potência de 12 cavalos, e o volume de ar quente podia chegar a 750 metros cúbicos . O modelo seguinte foi o N.o 14, um balão de 186 metros cúbi· cos, com uma hélice na proa. Notabilizar·se·ia · pela destinação que lhe dera Santos-Dumont de ser a plataforma de testes aerodinâmicos para o seu mais-pcsado--que-o--ar, com o qual viria a realizar, mais tarde, a façanha inigualável do vôo autônomo. Acoplado ao dirigí· vel N .o 14, seu aeroplano foi por ele batizado de 14-Bis.

°

Fig. 61 -

Um hibridismo precursor .

Ainda na categoria de dirigíveis, já depois dos vôos no mais-pesado-que-o-ar, Santos-Dumont projetou um modelo híbrido, o N.o 16. Com um comprimento de 21 metros e diâmetro de apenas 3, esse dirigível trazia a inovação de dois grandes planos de tela na sua parte inferior: um, inteiro, móvel, com 3 metros de comprimento e ·meio de largura; outro, traseiro, fixo, com 4 metros de comprimento e 1,20 metros de largura.21 Apesar de pouco conhecido, sabe-se que, em uma das experiências a que foi submetido, uma falsa manobra ocasionou o choque da estrutura com o terreno, danificando-o. 292


293


7 . Os Dirigíveis e a Guerra Os avanços científicos e tecnológicos consignados pela humani· dade espraiam·se por uma gama diversificada de aplicações práticas, nas mais variadas áreas de manifestação da vontade do homem . A energia nuclear, por exemplo, aprisionada nos laboratórios dos cientistas, tem sido liberada para produzir efeitos díspares e até antagônicos, servindo ora para salvar, ora para destruir vidas. O balão, já o vimos, não fugiu a esta dicotomia de empregos . No século XVIII, Bartolomeu de Gusmão, em sua famosa petição ao rei D . João V, já abria a perspectiva de emprego militar dos balões, como projeção do poder lusitano sobre seus então vastíssimos domínios . Na Guerra do Paraguai, o Brasil, os empregou pela primeira vez no continente sul·americano, com resul tados compensadores para as manobras de fianco planejadas por Caxias. O dirigível também não fugiria à condição de instrumento da estratégia militar, e o próprio consolidador da dirigibilidade apontllria os principais aspectos e vantagens de seu emprego . No dia 11 de junho de 1903, com seu dirigível N. o 9 estacionado em frente ao restaurante Cascade, quando instado por oficiais superiores do exército francês a participar do desfile de 14 de julho, Santos·Dumont não s6 aquiesceu, como desenvolveu conceitos sobre emprego estratégico dos dirigíveis. Vale a pena transcrever de seu livro Os Meus Balões alguns trechos significativos:

"Como todos sabem, o restaurante da Cascade é próximo de Longchamps . Enquanto almoçávamos, oficiais superiores do Exército Francês, ocupados em marcar a colocação das tropas para a grande revista de 14 de julho, avistaram a aeronave e aproximando-se, puseram-se a examiná·la . - O senhor vai trazê·la à revista? perguntaram-me eles. Já no ano precedente haviam pensado numa demonstração de aeronaves em presença do exército . Eu hesitava, por motivos fáceis de compreender. Após a visita do rei da Inglaterra quiseram saber por que minha aeronave não havia desfilado em honra dele. E procuravam saber quais eram os meus planos para a visita do rei da Itália, anunciada para esse 14 de julho . Respondi aos oficiais que não podia assumir compromisso, pois ignorava a maneira pela qual seria recebida essa minha manifestação. Aleguei, sobretudo que o n.o 9 - única aeronave da minha flotilha realmente em atividade - não sendo apropriada para lutar contra os grandes ventos: eu não tinha nenhuma certeza de poder sustentar uma promessa. 294


Os oficiais insistiram. Pediram que, de qualquer modo, eu escolhesse um lugar para a aterragem, o qual, desde logo, ficaria reservado. E como eu continuasse invocando a improbabilidade de poder corresponder ao amável convite, eles próprios escolheram e marcaram uma área~ defronte da que devia ocupar o presidente da República, a fim de que o Sr. Loubel e sua comitiva pudessem acompanhar perfeitamente as evoluções da aeronave. - O senhor virá, caso seja possível, ajustaram os militares. No receie assumir um compromisso condicional. O senhor já fez as suas provas. Espero que ninguém discordará do sentido das minhas palavras se eu disser que esses oficiais prestaram nessa manhã um grande serviço ao seu exército e ao seu país. Para tudo é preciso um começo. Eu não me teria arriscado à revista, se o convite não houvesse sido tão insistente . E comparecendo, dei motivo a uma série de preciosas conseqüências. Muito cedo, a 14 de julho de 1903, o n. o 9 foi pesado e equilibrado. Eu estava nervoso, como se qualquer acidente estivesse para aCOntecer. Isto sucede a muitos, nas grandes circunstâncias. E não me iludia, que era uma excepcional circunstância essa da apresentação pela primeira vez duma aeronave a um exército. ( ... ) Eram oito horas e meia quando gritei: - Larguem tudo! Tomei a horizontal a uma altura de 100 metros. Durante alguns momentos descrevi círculos e numobrei por cima dos corpos de Irapas mais próximos. Depois, passei por sobre Longchamps, e quando cheguei defronte do presidente da República, disparei para o ar vinte e um tiros de revólver. Não fui tomar o lugar que me fora reservado. Receando perturbar a boa ordem da revista pelo prolongamento dum espetáculo insólito, não gastei mais qu~ uns dez minutos para executar todas as minhas evoluções diante das tropas. Logo em seguida, rumei para os terrenos do Pala, onde recebi os cumprimentos de um grande número de amigos. Destes cumprimentos encontrei o eco no dia seguinte na imprensa, com todas as espécies de hipóteses a respeito do emprego das aeronaves em campanha. Os oficiais superiores que, na manhã de que falei tinham vindo ver-me à Cascade. haviam-me dito: - Sua aeronave é um instrumento prático, que é preciso considerar em tempo de guerra. E eu tinha lhes respondido: - Estou inteiramente às ordens dos senhores. 295


Sob a influência dos fatos, sentei-me à minha mesa de trabalho e, em carta ao Ministro da Guerra, pus à disposição do governo da República, em caso de hostilidade com um pais qualquer que não fosse das duas Américas, a minha floti lha aérea. Assim agindo, eu não fazia mais que dar uma fórmula escrita ao que eu considerava um dever, se as circunstâncias previstas pela minha carta se produzissem durante a minha estadia na França. E na França que encontrei todos os encorajamentos; é na França, e com material francês, que realizei todas as minhas experiências; e a maior parte dos meus amigos são franc~ses . Excetuei as duas Américas, porque sou americano . Ajuntei que no caso impossível duma guerra entre a França e o Brasil, eu me julgava obrigado a oferecer os meus serviços ao país que me viu nascer e do qual sou cidadão . Alguns dias mais tarde, recebi a carta seguinte:

"Ministério da Guerra, Gabinete do Ministro, Paris, 18 de julho de 1903 Senhor Durante a revista de 14 de julho, verifiquei e admirei a segu· rança com que evoluía o balão por vós dirigido . Seria impossível não constatar os progressos de que dotastes a navegação aérea. Pa· rece que, graças a vós, ela deve prestar-se de hoje em diante a apli. cações práticas, sobretudo no ponto de vista militar . Acredito que a este respeito ela pode prestar importantes ser· viços em tempo de guerra. E sinto-me muito feliz em aceitar o vosso oferecimento de, em caso de necessidade, pôr vosa flotilha aérea à disposição do governo da República, e, em seu nome, agradeço vosso generoso gesto, que testemunha vossa viva simpatia pela França. Designei o chefe de batalhão Hirschauer, comandante do batalhão aerostático do 1.° regimento de engenharia militar para examinar, de acordo convosco, as disposições a tomar para pôr em execução as intenções que me manifestastes. O Tenente-Coronel Bourdeaux, subchefe do meu gabinete, reunir-se-á a este oficial superior, a fim de me trazer pessoalmente ao corrente dos resultados da vossa colaboração . Recebei. senhor, os protestos da minha mais alta consideração. General André Ao Sr . Alberto Santos-Dumont". Na sexta-feira 31 de julho de 1903, o comandante Hirschauer e o Tenente-Coronel Bourdeaux vieram passar a tarde em minha companhia na estação de Neuilly-Saint-James, onde eu tinha. inlei296


ramente aprestados para lhes serem exibidos, os meus três mais re~ centes modelos, c n,07, de corrida, o n,o 10 (o Omnibus) e o n,o 9, de passeio, Posso dizer, em resumo, que a opinião dos delegados do Ministro foi favorável sem reservas, a tal ponto que resolvemos levar a efeito uma experiência prática, de nevo caráter. Se a aero~ nave a executasse cabalmente, estaria atestado de forma conc1uden~ te O seu valor militar. Aqui, deixo porém de estar num domínio pessoalmente meu; e sobre a experiência projetada nada direi mais do que já é sabido pelo noticicirio da imprensa francesa. Consistirá, prcvavelmente, em alcançar uma das cidades da fronteira francesa, Nancy ou Belfort, por exemplo, no mesmo dia em que deixar Paris. Bem entendido, nada obriga a que todo o trajeto seja efetuado por via aérea, Um vagão dum trem militar poderá ser encarregado de transportar a aero~ nave, com seu balão vazio, os tubos de hidrogênio, a maquinária e as ferramentas necessárias . Numa estação pouco distante da cidade vi~ sada, o vagão será desligado do trem; soldados que acompanharão os oficiais, e que serão em número bastante grande, descarregarão a aeronave e seu material, e conduzirão tudo até o mais próximo lugar que ofereça um espaço livre, .onde começarão imediatamente o enchimento do balão. Duas horas depois de haver df3sembarcado, o aparelho deverá achar~se em condições de tomar o vôo com destino à cidade teoricamente sitiada. Tais são as grandes linhas de um programa que .os acontecimentos de 1870~71 recomendam imperiosamente à atenção dos aeronautas franceses. Todo o devotamento e toda a ciência dos irmãos Tissandier aí desarvoraram . (, , ,) Para manter~se fora do alcance das balas, a aer.onave não precisará senão raramente de dar esses saltos verticais tão perigosos. Mesmo a uma altura moderada o navegador aéreo desfrutará duma visão dilatada sobre o terreno cicunjacente. Enxergará o perigo de longe e poderá tomar suas providências, Se bem que não transporte mais que 60 quilos de lastro, meu pequeno n,O 9 é, graças aos seus pesos deslocáveis, suficientemente capaz de se elevar a grandes alturas, Se nunca lhe exigi Uma demonstração, é porque, viajando para recrear~me, não via nisso utilidade prática, Só faria juntar o perigo a experiências das quais justamente eu queria excluir todo perigo, Riscos destas categorias não devem ser aceitos senão quando uma boa razão os justifica, As experiências de que acabo de falar não interessam senão à guerra terrestre. Não posso, todavia, abandonar o assunto sem fazer alusão a uma vantagem marítima única da aeronave, Quero referir~ me à faculdade que possui o navegador aéreo de perceber os corpos em movimento sob a superfície das águas, 297


Cruzando o mar, equilibrado à extremidade do guide-rope. à ai· tura que lhe parecer conveniente, a aeronave passeia em todos os sentidos o navegador, permitindo a este, descobrir na sua corrida furo tiva, o submarino, que, não obstante, é absolutamente invisível do passadiço do navio de guerra. 11 um fato de observação, conseqüência de certas leis da ótica. Dessa forma, caso verdadeiramente curioso, a aeronave do sé· cuia XX pode tornar-se na sua estréia, o grande inimigo dessa outra maravilha do século XX, o submarino! Porque enquanto este é impotente contra a aeronave, esta, animada duma velocidade dupla, pode cruzar à sua procura, seguir-lhe todos os movimentos, assinalá·los aos navios que ele ameaça. Nada impede enfim a aeronave de des· truir o submarino, dirigindo-lhe longos projetis carregados com dinamite e capazes de penetrarem na água à profundidade que a arti· lharia não pode atingir de bordo dum couraçado."

298


CAPITULO 3

O MAIS-PESADO-QUE-O-AR -

ANTECEDENTES

I . Os Aeromodelos ara chegarmos aos êxitos alcançados no fim do século XIX e atinginnos o ápice, com o vôo de Santos·Dumont nos primórdios do século XX, foi necessário percorrer caminhos que, passo a passo, leva riam o homem, em suas tentativas, a alçar-se ao~ ares . Nessa fase, procuravam-se resultados positivos pelo emprego de modelos em escala reduzida ou utilizando planadores. Para os modelos, intensos estudos foram conduzidos, procurando, em primeiro lugar. definir o conceito da asa, rígida ou flexível. dando- se preferência a estas pela comparação com as asas dos pássaros. Se a asa proporcionava o elemento de sustentação, faltava o elemento propulsor, a hélice, e, para girá-Ia. a força motriz, empregando-se comumentc. dadas as circunstâncias da época. o elástico. Os primeiros estudos sobre a hélice, tendo em vista sua patêncialidade ascensional. foram realizados par A . J. Pancton. Este autor. no seu tratado sobre a Teoria do Parafuso de Arquimedes, descreve um aparelho provido de duas hélices, a que ele chama de "pteróforo " . Posteriormente, expôs a idéia de um curioso aproveitamento da hélice, pela construção de um di spositivo con,sistindo de duas rolhas, ligadas por uma haste. nas quais se fixavam quatro penas de aves . O movimento de rotação cra transmitido por um conjunto para força motriz, constituído de uma barbatana de baleia, para tensionar O elás· tico e transmitir um movimento de rotação às hélices . Estas, giran·

P

299


do em sentido contrário, faziam com que o conjunto se elevasse no espaço . Cayley, antes de ·descrever a construção de seu pequeno apa· relho voador, comenta: "Pode ser um divertimento para algum de seus leitores ver uma máquina subir no ar por meios mecânicos. Concluirei esta comunicação, descrevendcro, de tal forma que cada um possa construí·lo às expensas de dez minutos de trabalho." (Enc. Brit. - 191(}'1911.)

Fig . 63 -

Aparelho voador de Cayley96

o princípio da hélice vertical foi empregado sucessivamente por '. Degen (1816) e Ottoris Sarti (1823). Posteriormente, novos impulsos foram dados à idéia, com as experiências de Ponton d'Amercourt. G . de la Landelle e A . Nadar, os quais empregaram em seus modelos a corda de relógio para acionar as hélices, modelos que subiram de dez a doze pés, em vôos que duravam apenas alguns segundos. De la Landelle construiu um aparelho voador, com dois conjuntos de hélices verticais, em cujas extremidad es dos eixos havia colocado um pára-quedas. O ap.arelho foi construído com motor, lemes e um amplo plano para sustentação. D'Amercourt construiu, 300


Fig. 64 - O aparelho voador de De la lAndelle . M, N, O. P, Q, R, S, T. $Õo hélices montadas em um eixo vertical para atuor como uma força vertical. Os eixos verticais são suo perpostos por dois pára-quedas, e o corpo da máquina ~ equipado com um motor, hélice, lemes e um amplo plano. 96

por sua vez, um modelo a vapor, apresentado durante uma exibição da Sociedade Aeronáutica da Grã·Bretanha, em 1868, no Palácio Cristal, em Londres. Novamente em cena a discussão sobre a rigidez ou a flexibili· dacle das asas. Penaud, em 1872, descarta a asa rígida e constrói o que chamou de " helicóptero". em que os planos são do tipo flexível. AO mesmo tempo, substitui o elástico pela barbatana ou por corda de relógio, para os modelos pequenos, sugerindo utilizar-se a máquina a vapor, para os modelos maiores. A seguir, Penaud dedica-se a dois modelos. Surgiram dificuldades quanto a sua estabilidade, e ele não consegue senão um êxito relativo, acrescentando o que chamou de leme (no caso, estabili zador) automático, o qual consistia de um pequeno elemento de asa, colocado atrás do plano principal. Entre 1847 e 1857, vários inventores surgiram, dentre eles Joho Stringfellow e Fetix du Temple. Seus modelos voaram, embora de maneira imperfeita, dada a dificuldade de se obter estabilidade horizontal e iateraL A potência era obtida por elástico contorcido, e a propulsão por uma hélice. Na fig. 66 pode-se ver um desses inventos. 301


a

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Fig. 6S - o modelo consiste de duas hélices elásticas, superpostas (aa, bb); Q superior é lixada em uma estrutura vertical c, que, por /lua vez, se fixa na par/e central d da hélice in/erior. Do centro da hélice inferior, h6 um eixo provido de um gancho, que desempenha o fX3pel de uma manivela, e, projetando o coniunto para cima. Em f vi-se o

elástico no estado de torção.-

Fi, . 66 - Modelo de aeroplano com leme automático . aa - Plano elástico; bb leme automático; cc - hélice aérea, com centro em f; d - estrutura suportando o plano, o leme e a hllice; e _ elástico, em torção lixado ao gancho em f. Segu. rando o plano aa e gjrando o hélice cc a polineia neceswria é obtida por torção.

302


Penaud constrói um pássaro voador artificial, como se vê na figo 67. Em razão do movimento alternado das asas, o aparelho não podia decolar por seus próprios meios, tendo de ser solto de uma certa altura, o que lhe permitia voar por uma extensão de cerca de 50 pés, ou pouco mais.

Fig. 67 - Pássaro Artificial de Penaud. abcda'b'c'd' - Asas elásticas que se torcem e retorcem, quando postas a vibr(Jr. aba'b' - partes anteriores das asas. cdc'd' - p€lrtes posteriores das asas. cc' - parte interior d(Js asas jix(Jdas ao eixo cmtr(JI do modelo por fita elás· tica em e. f - elástico, em estado de torção, o qU(Jl provê a potência necessária, fazendo os torniquetes, situados entre os suportes da asa vertical g, girarem; enquanto os torniquetes giram, as asas são postas a vibrar, por meio de dois tirantes. que se estendem entre o torniquete e as raízes das asas. h - cauda do pássaro artijicial.'i16

Como se pode ver, o aeromodelismo precedeu a aviação. 2. Os Avanços Muitos outros engenhos voadores surgiram nessa ocaSlao, dentre os quais podem-se citar os de Samuel Henson, John Stringfellow, Thomas Moy e os modelos de Samuel Langley. Henson construiu o seu aeróstato em 1843, preferindo voltar sua atenção para os aparelhos de grande porte . O seu modelo consistia de um carro contendo local para bagagens, passageiros, motores, combustível, etc, como foi descrito pelo editor do Jornal de Artes e Ciências de Newton. A esse carro era fixada uma estrutura 303


de bambu ou madeira, recoberta de seda embebida em óleo. Estendendo-se de um lado ao outro do aparelho, essa estrutura fazia lembrar as asas de um grande pássaro, sendo fixa atrás das asas. Duas hélices verticais imprimiriam a propulsão necessária ao aparelho. Assemelhavam-se às hélices de uma embarcação. atuando como as pás de um moinho . O motor podia ser a vapor ou a qualquer outro meio disponível . A fig . 68 mostra esse aparelho.

Fig.

68 -

o

aeróSlalO de H enson.96

F. H. Wenham, na intenção de aperfeiçoar as idéias de Henson, inventou em 1866 o que chamou de aeroplano, como é citado no artigo Locomoção Aérea, publicado na · revista Aeronautical Society's Report, em 1867. Seu modelo era delgado, leve, longo, compondo-se de três planos delgados superpostos . A idéia era obter-se grande área de sustentação num espaço relativamente pequeno, a fim de lhe conferir facilidade de controle. O modelo de Stringfellow. também apresentado no Palácio Cristal, em 1868, não se afastava da idéia básica de Wenham, complementando-a com o uso de hélices. Notavelmente compacto. elegante e leve, era equipado com um motor de um terço de cavalo-vapor. O peso total do modelo era de cerca de doze libras - menos de 6 kg . Levando-se em conta que a sua superfície de sustentação total se situava em torno de 36 pés quadrados, isto representa a média de 3 pés qUádrados por libra de peso. 304


Fig. 69 -

Máquina voadora de StrinJellow. a,b.c superpostos; d - cauda; e,f - hélice. 96

planos

o

modelo a seguir (Fig. 70), de autoria de Thomas Moy, proje~ tado em 1874, consistia de uma estrutura leve, forte, apoiada sobre três rodas . Dotado de um novo tipo de motor, que substituía os antigos e pesados motores a vapor, empregava urna nova idéia, a de obter uma velocidade inicial pelo seu deslocamento pelo chão, transferindo para os planos uma sustentação inicial, mantida em seguida pela rotação da hélice. Não deu certo.

Fig. 70 -

o vapor aéreo de

Thomas Moy .

305


Duas notáveis tentativas de vôo artificial se devem ao Prol. Langley e a Sir Hiram S. Maxim, que iniciaram suas experiências praticamente na mesma ocasião (1889-1890). Por volta de 18931894, ambos deram corpo aos seus modelos de grandes dimensões . Langley ocupava a posição de Secretário da Smithsonian In stitution, em WashiJigton (De), e, ajudado por uma notável equipe de técnicos, desenvolveu vários modelos de aeroplanos, uns menores e outros de maiores proporções, que chamou de A erodrome (Figs. 71 e 72) . A idéia primordial era forçar os planos para frente. sob a forma de planadores, por meio de hélices. que desenvolveriam grande força de propulsão. O modelo da Fig. 71 não tinha a pretensão de levar passageiros. Seu formato era o de um peixe - a cavala. Os motores. de 1 HP. eram localizados à altura da sua cabeça. O aparelho possuía quatro caldeiras de folha ,fina de cobre, pesando sete libras cada . Como combustível. usava gasolina refinada, que era transportada na parte posterior da fuselagem . Suas duas hélices giravam a 1.700 rpm. Foi construído com quatro asas, tendo as duas da frente 40 pés de envergadura e 42 polegadas de largura . Todas as partes eram fixadas por dois tubos verticais. e esticadas por dois cabos fixados no nariz e na cauda do corpo da fuselagem. A máquina não tinha impulsão própria, tendo de ser. lançada de um ponto alto ou impelida por uma catapulta. Na experiência mais positiva que realizou, percorreu a distância de meia milha.

Fig. 7J - Máquina voadora de Langley. a _ Planos de maior dimensão; b - planO$ menores; c - hélices propulsoras. (Enc. Brit.)

306


o maior modelo apresentado na Fig . 72 foi construído com O propósito de transportar passageiros e para emprego em operações militares. Para sua construção, foi destinada a Langley a importância de 50 mil dólares, pelo Governo americano. Foi construído com planos côncavo'convexos, estreitos, muito alongados, e extremidades quadradas, sendo movido por duas hélices de grandes dimensões, colocadas a meio da nave . Em 7 de outubro de 1903 foi tentado um lançamento, sem sucesso .

Fig. 72 -

o

aer6dromo de lAIIgley em v60.111i

Hiram S. Maxim, da Inglaterra, com uma equipe de técnicos altamente qualificados, desenvolveu outra concepção de modelo, consistindo de uma platafonna, na qual repousava uma c::aldeira a vapor . Vários planos côncavo-convexos er.aro dispostos em renque, como prateleiras, cada qual com um pequeno ângulo acima do horizonte. Dominando o conjunto, como uma gigantesca cobertura, ficava o enorme plano principal, côncavo-convexo, projetado com duas grandes hélices fixadas na parte posterior e acionadas pelo motor a vapor . O modelo dispunha de tanques para água e nafta. A caldeira era extraordinariamente bem desenvolvida . O combustível era gasolina ou nafta. Houve uma tentativa de vôo em 1894, em Bexley, Kent, sem sucesso. (Criador do vocábulo avião.) Em 1897, Clement Ader construiu seu modelo 0.° 3, com recursos fornecidos pelo Governo francês. A estrutura procurava imitar um pássaro, com a diferença de ser equipado com duas hélices. Seu motor a vapor pesava 7 libras por cavalo-vapor, mas o equ ilíbrio do aparelho era defeituoso e a tentativa foi um insucesso. 307


Fig. 73 -

A máquina voadora de Hiram S. Maxim .

3. Os Planadores Se no fim do século XIX foram feitas varias tentativas com máquinas voadoras, dotadas de motores, hélices e planos, outras também foram feitas com simples planadores, destinadas a es tudar o problema do equilíbrio durante o vôo. Destacaram-se nessas experiências, entre outros, Otto Lilienthal , Percy Pilcher, Octave Chanute e Jean-Marie Le Bris. Dependiam os pilotos principalmente das correntes de ar, procurando com o balanço do corpo equilíbrio de seu planador. Lançavam-se de montes, de despenhadeiros ou de armações elevadas, arriscando suas vidas na esperança de tirar conclusões sobre o comportamento dos planos, suas formas, dimensões e áreas de sustentação. Ao alemão Lilienlhal devemos a constatação da superioridade das superfícies arqueadas sobre as superfícies planas. Suas repetidas experiências fizeram com que o vôo planado se transformasse numa prática regular. Seus planadores possuíam asas idênticas às dos morcegos, sendo ora simples, ora formando superfícies superpostas . O planador de Percy Pilcher era de forma mais simples e executou seus vôos em 1899. Um passo à frente na evolução dos planadores deve-se ao americano Chanute, que, ao invés de fazer o corpo do homem mover-se, orientou-se no sentido da produção da estabilidade automática, criando as superfícies móveis. Chanute desenvolveu vários tipos de planadores, inclusive um com cinco planos superpostos . 308


Fig. 74 -

O planador de Lilienthal.'JO

A Enciclopédia Britânica, edição de 1911 , portanto em cima dos acontecimentos, fazendo uma síntese sobre o desenvolvimento levado a efeito no campo dos planadores, traz: "Experiências semelhantes foram, ao mesmo tempo, desenvolvidas pelos irmãos Wilbur e Orvil/e Wrigh/, de Dayton, Ohio, em cujas mãos um planador se desenvolveu numa máquina voadora. Esses investigadores começaram suas atividades em 1900; em um estágio inicial introduziram duas características essenciais: um leme horizontal, na frente, para manutenção do plano vertical, e G flexão ou a inclinação dos planos de apoio principais, como um meio de manter a estrutura em equilíbrio adequado. Sua máquina era, a princípio, simplesmente um planador, o operador ocupando uma posição horizontal, mas em 1903 foi adicionado um metor a petr6leo e, cataFultado, executou um vôo de 59 segundos. Em 1905, fizeram 45 vôos, todos ca/apultados, sendo que o mais longo permaneceu em vôo por 30 minutos e percorreu uma distância de 24,50 milhas."

"O máximo segredo, no entanto, foi mantido com relação às suas experiências e, em conseqüéncia, seus êxitos foram considerados sob suspeita e postos em dúvidCi. Foi muito difícil acreditar que seu sucesso pudesse atingir os resultados atingidos posteriormente." 309


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Fig . 7S _ O biplano dos Wright. 96

Seja como for, os registros da época nos mostram que, ainda em 1908, os irmãos Wright, nas suas primeiras apresentações ao público de Paris, França, eram lançados ao ar por uma catapulta. Esta servidão, da qual. segundo os registros, só se livrariam a partir do final de 1909, não permite considerar sua máquina voadora cata· puhada corno avião, no seu conceito básico de vôo autônomo - sem dependência de meios externos. Com efeito, o primeiro vôo efeti· vamente autônomo, realizado com um aparelho mais pesado que o ar, foi o do 14-Bis, idealizado e pilotado por Alberto Santos-Dumont.

310


CAPITULO 4

O MAIS-PESADO-QUE-O-AR -

REALIDADE

1. O Vôo Autônomo

realidade plena do mais-pesado-que-o-ar passa necessariamente pelo conceito de vôo autônomo, já que só este traduz, de maneira inequívoca, b domínii do homem sobre o meio gasoso que o envolve. Só ele repete, integralmente, as mesmas etapas seguidas pelos pássaros entre os dois momentos de repouso que balizam

A

o segmento temporal de um deslocamento aéreo. A alusão aos pássaros tem cabimento, por razões de ordem estrutural e circunstancial. Foram eles, ao longo dos séculos, os modelos naturais mais observados pelo ser humano, em sua ânsia de trilhar os caminhos da terceira dimensão. Foram eles também, em sua autonomia instintiva, os criadores de certos parâmetros de comportamento que o homem procurou imi tar, introduzindo nas máquinas voadoras artifícios aerodinâmicos geradores de efeitos semelhantes aos produzidos pelos corpos vivos em vôo natural . Circunstancialmente, três de nossos grandes pioneiros foram atentos observadores do vôo dos pássaros: Júlio César, que sobre o assunto escreveu extensa memória; Augusto Severo, que se valeu de pacientes observações para a ·concepção de seu semi-rígido, e Santos-Dumant, que a prop6sito da expectativa de vôo do mais-pesado-que-o-ar, futura conquista sua dois anos depois, escreveu, em 1904:19 UOlho para o futuro com esperança . No momento, fui ao seu encontro mais longe que qualquer outro. Minhas aeronaves 311


- que receberam a este propósito tantas críticas - são um tanto ou um pouco mais pesadas que o ar. Mas há um ponto a respeito do qual minha convicção está perfeitamente definida: é saber que no dia em que for produ-

zida a invenção vitoriosa, ela não será constituída nem por asas que batam, nem por qualquer cousa de análogo que se agite." Nos pássaros, o ciclo completo de vôo resulta de três fatores concorrentes: o esforço muscular, necessário ao rompimento do repouso e à atuação das asas e cauda na busca da forma aerodinâmica mais adequada às condições de vôo num instante determinado; o peso, condição inerente a todos os voadores; a resistência do ar, atributo do meio em que se deslocam. A propulsão, decorrente da interação dos três fatores, é a força resultante da composição do peso (para baixo) e da resistência do ar (para cima), ambos modificáveis em função do esforço muscular dosado e dirigido, no sentido de provocar maior ou menor amplitu· de e inclinação das asas e da cauda.

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~~-~-~-" I Fig . 76 -

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V& da gaivota registrado em três projeções. Marey .

Fig. 77 -

Projeção horizontal de gaivota em vôo. Marey, 1890.

Na realização in.stintiva do vôo natural, portanto, os pássaros partem de uma posição de repouso; utilizam a própria força dos músculos para quebrar a inércia, desligar·se da superfície da terra e ascender; deslocam-se entre dois pontos; retomam o contato com aquela superfície e voltam à nova posição de repouso. E assim completam, de forma absolutamente autônoma, um ciclo completo de vôo. O homem, anatomicamente incapaz de voar, logo percebeu que s6 poderia singrar os ares na medida em que fosse parte de um conjunto que interagisse de forma sistêmica - conjunto homem/ máquina. 312


o vôo desse conjunto resulta de interação daquelas três forças guardadas naturalmente as diferenças entre os organismos vivos· e seus imitadores mecânicos: naqueles, os músculos; nestes, os motores, realizam O mesmo tipo de trabalho - a modificação do equilíbrio peso/ resistência do ar, Na realização não mais instintiva, porém deliberada do vôo mecânico, o sistema homem/ máquina repete ou não as mesmas etapas do vôo natural, na medida em que o rompimento da inércia se processe pela ação de meios intrínsecos do sistema, ou pela de meios exógenos auxiliares. No primeiro caso, caracteriza-se a analogia perfeita entre o pássaro e o sistema, ambos com autonomia própria para realizar, sem interferências externas, um ciclo completo de vôo. Vôo autônomo é, assim, a capacidade de que dispõe um sistema homem/ máquina de repetir integralmente o vôo natural, isto é: com meios próprios do sistema e a ele permanentemente agregados, partir de uma posição de repouso, quebrar a inércia, buscar pela aceleração o equilíbrio das forças do peso e da resistência do ar, modificar esse equilíbrio para desligar-se da superfície e ascender, realizar um deslocamento aéreo, introduzir nova modificação no equilíbrio para descer, retomar o contato com a superfície e voltar à situação de repouso. A otimização do desempenho homem/ máquina é assunto para a modernamente chamada Ergonomia, "o conjunto de conhecimentos cientificas relativos ao homem e necessário à concepção de instrumentos, máquinas e dispositivos que possam ser utilizados com o máximo de conforto, segurança e eficiência", segundo a definição de Wisher,l2 Em outras palavras, procura minimizar as limitações anátomopsico-fisiológicas do homem em sua interação com a máquina atuan· do a nível de solução .de problemas na interface de relacionamento entre os dois elementos do binômio. Embora s6 recentemente se tenha constituído em preocupação dominante para o projetista industrial, a ergonomia teve seus precursores empíricos - Santos-Dumont foi um deles. Na sucessão de projetos que desenvolveu para o mais-Ieve-que-o-ar (peso e formato da barquinha; quilha: selim de bicicleta; sistema de comando do motor e superfícies móveis, etc.); na dos que também desenvolveria para o mais-pesado (disposição da barquinha no conjunto do projeto; utilização de movimentos do corpo acionando cabos de aço presos a um "T" de madeira, costurado ao seu paletó. completando o sistema de comando, parte do qual retido em suas mãos, etc.); e até mesmo em detalhes como a concepção do relógio de pulso, sua meta era conferir ao homem a possibilidade de compor com a máquina um sistema de rendimento máximo. Nessa busca, ele intuitivamente realizava exercícios de ergonomia. E de lU


tanto realizá-los, com a perseverança e habilidade que lhe eram inerentes, acabou chegando ao vôo autônomo. O primeiro vôo autônomo de engenho mais-pesado-que-o-ar rt!gistrado pela humanidade foi obra do genial brasileiro quando o sistema Santos-Dumont/ 14-Bis cumpriu todas as etapas de um vôo natural, no dia 23 de outubro de 1906. 2 . A Caminhada do Gênio Os caminhos do gênio não são, necessariamente, os do sábio. Embora sirvam·se ambos de alguns atributos comuns para atingir resultados concretos, pelo menes um, a intuição, é mais encontradiço no gênio do que no sábio. Há os que negam qualquer traço de genialidade a Santos-Dumont, preferindo considerar seus feitos como resultantes unicamente de sua perseverança. Se bem que componente ponderável do êxito, a perseverança, por si s6, é impotente para levar alguém tão longe quanto ele foi. Gondim da Fonseca, em sua biografia,96 captou de forma extremamente feliz o perfil de nosso inventor, quando assim se expressou, primeiro no prefácio e depois no contexto, ao tecer comentários sobre um artigo publicado em Paris, de autoria de SantosDumont:

"Que foi homem de gênio, não resta dúvida alguma. Um dos raríssimos que o Brasil produziu. ( . . . ) No artigo do Je sais tout, as modificações mecânicas em que Santos-Dumont cogita são claramente de amador. May ele tivera o cuidado de se colocar, muito antes, ao abrigo de todas as críticas, declarando-se sportman de aeroestação e não técnico. Não queria mesmo discussões com técnicos. A rigor, foi essa sua atitude de franc-tireur que o levou a inventar. Desconhecendo quais os principios considerados dogmas pelas academias, improvisava intuitivamente soluções que outros reputavam insignes disparates, mas que provaram, muitas vezes, ser oportunas e certas . Aí é que o gênio, e só o gênio o guiava." A verdade é que, de solução em solução, a caminhada do gênio prosseguia. Vencida a fase do mais-Ieve-que-o-ar, o novo século se abria sem que as inúmeras tentativas de vôo com o mais-pesado-que-o-ar lograssem êxito. As máquinas aplicadas nos sucessivos ensaios (a vapor, a eletricidade ou a ar comprimido) foram incapazes de solucionar o problema. Faltava um toque de genialidade aos projetos - aquele que explodiu em Santos-Dumont. Se no passado a luz da intuição, que lhe permitiu chegar à dirigibilidade dos balões, acendeu diante da primeira visão de um motor de combustão interna, 314


da segunda vez foi ainda um motor a petróleo o detonador intuitivo de novo proce~ s o de criatividade. No ano de 1905, Santos-Dumont já se preocupava com o mais-pesado-que-o-ar. O seu projeeo n. 11 era o de um avião monoplano, bimotor, com 22 rol de superfície, que não chegou a voar.ll Q

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Fig . 78 -

D~ proi~to

em pro;eto o ginio chega ao n,- /l . (Ano de 190.5) .

O de número 12 foi o de um helicóptero com duas hélices girando em sentidos contrários. Este também não voou, embora tenha sido fonte de ensinamentos para projetos futuros. ll

Fig , 79 - A invenção que tomou o número "12"; projeto de um helicóptero. com duas hélices. Fotograjia ,irada no interior do hangar, aparecendo SanIQ.S·Dumonl ao lado do "N.- 12" .

Foi ainda em 1905, durante uma temporada de verão na Côte d'Azur,. que lhe veio nova inspiração. Comparecendo a uma corrida de lanchas, notou o desempenho espetacular de uma delas, equipada com motor Antoinette. Vislumbrou neste, imediatamente, a possibilidade de emprego aeronáutico com alto rendimento . 315


Da intuição à ação, bem no seu estilo, foi um passo. Procurando o fabricante Léon Levavasseur, encomendou-lhe um motor, sem revelar a ·finalidade na qual pretendia utilizá-lo. Por essa época, ecoavam em Paris, centro mais avançado da aeronáutica mundial, os progressos aerodinâmicos d,os planadores, engenhos mais pesados que o ar, que podiam ser controlados em pleno vôo pela composição das forças da gravidade (peso). da resistência do ar e do jogo do corpo (esforço muscular), utilizado para preservar o equilÍbrio . Trabalhos anteriores, como os do australiano Lawrence Hargrave sobre a aetOdinâmica dos papagaios em forma de caixas, foram retomados. Os esforços se concentravam na motorização dos planadores, a fim de dar-lhes condições de comportamento semelhantes às de um papagaio em que a tração do fio fosse substituída pela força mecânica do propulsor . E quanto a Santos-Dumont? Bem, esse trabalhava em silêncio! 3. O Novo Engenho No início de 1906, o vôo autônomo do mais-pesado-que-o-ar continuava um desafio. Estávamos ainda sob o signo dos planadores de Chanute. Voisin, Blériot e Tatin, mas também sob o impacto dos princípios de aerodinâmica formulados por Langley. os quais haviam aberto as portas de uma fase menos empírica da evolução aeronáutica. A magnitude do desafio, que se julgava sem resposta a curto prazo, pode ser medida pela generosidade dos dois prêmios então instituidos, para cumprimento de marcas relativamente modestas. Um fora oferecido por Ernest Archdeacon. balonista amador e pioneiro do automobilismo, dotado de invejável fortuna e entusiasta de aviação. Nos anos de 1904 e 1905. em trabalho conjunto com Gabriel VOisin, desenvolveu e construiu um planador, usando o princípio da pandorga de Hargrave. A meta era equipá-lo com motor de combustão interna. mas as experiências não lograram êxito, e o projeto foi desa tivado. Em julho de 1906, exercendo a presidência da Comissão da Aviação do Aeroclube da França. instituiu um prêmio de caráter pessoal. no valor de 3.000 francos, ao primeiro aeroplano' que, levantando-se por si s6, voasse através de um percurso de 25 metros, com um ângulo de queda máximo de 25 %. O segundo prêmio foi estabelecido pelo próprio Aeroclube. no valor de .1.500 francos, para o primeiro aeroplano que, nas mesmas condições, voasse 100 metros, com desnível máximo de 10 %. Amplamente divulgados a instituição dos prêmios e os parâmetros das provas, a grande surpresa correu por conta da atitude de Santos-Dumont, inscrevendo-se para concorrer a ambos. E, sur· presa maior. mais uma vez seria o vencedor! 316


Estigmatizado como o " homem dos balões". com os quais continuava emoldurando os céus parisienses, poucos se deram conta do redirecionamento de suas preocupações aeronáuticas agora voltadas para o mais-pesado-que-o-ar . E que, sem alarde. havia desenvolvido um projeto de aeroplano, cujas asas, com uma superfície total de 80 metros quadrados, eram formadas por 6 células-de-Hargrave dispostas em diedro acentuado, para permitir a estabilidade lateral. O controle de vôo era assegurado por mais uma célula-de-Hargrave, situada na extremidade anterior da fuselagem e a 8 metros da nacele, com movimentos nos planos horizontal e vertical, concentrando as funções hoje desempenhadas pelos lemes de direção e profundidade . O motor Anto;nette, instalado entre as asas, era o que havia encomendado a Levavasseur, semelhante aos empregados nas lanchas de corrida. Inicialmente com 24 cavalos. teve, a partir de agosto de 1906, sua potência aumentada para 50 C'.avalos. Acionava uma hélice de alumínio de duas pás, com 2,5 metros de diâmetro, girando a 900 rotações por minuto com potência inicial, e a 1.500, com a máxima. Os cabos de comando eram de aço, e o trem de pouso compunha-se de três rodas de bicicleta, sendo as duas dianteiras separadas 70 centímetros entre si. A propósito da configuração conhecida como canard, "pato" (leme e profundor instalados à frente do plano principal), mais tarde totalmente abandonada, Peter Wykeham dá a seguinte versão: IOl " Houve duas razões que levaram Alberto e os Wrights, bem, como outros entre os pioneiros, a decidir-se por este sistema de aspecto tão impr6prio. A primeira foi, sem sombra de dúvida, a morte de Lilienthal, universalmente reverenciado pelos primeiros aviadores. Seu planador havia mergulhado para o chão após estolar. Sua empenagem estava atrás, e o raciocínio generalizado foi de que se o profundor estivesse na frente, ele teria podido erguer positivamente o nariz do planador. fazendo-o evitar o choque e planar em frente . Todos os pilotos de planadores e aeronautas temiam profundamente o mergulho descontrolado. A segunda razão, e mais s6lida. era a noção de que quando os profundores estão instalados a ré, e o aeroplano governa como um barco, impõe-se uma carga para baixo na cauda, de modo a . erguer o nariz e Jazer o aparelho subir. Isto se opõe ao acréscimo de sustentação obtido nas asas, e, naquela época em que mal se esperava que os aeroplanos fossem sequer capazes de deixar o chão, julgava-se que esta carga aerodinâmica adicional (se bem que transitória) poderia destruir o tênue equilíbrio entre tração e arresto, e devolver o avião ao solo." 317


Já Santos-Dumont alinha-se apenas com a segunda razão,

quando justifica o abandono de tal configuração: w

"Lutei a princípio com as maiores dificuldades para conseguir a completa obediência do aeroplano; neste meu primeiro aparelho pus o leme à frente, pois, era crença geral nessa época, a necessidade de assim fazer. A razão que se dava era que, colocando atrás, seria preciso forçar para baixo a popa do aparelho, a fim de que ele pudesse subir; não deixava de haver alguma verdade nisso, mas as dificuldades de direção foram tão grandes que tivemos de abandonar essa disposição .do leme."

Embora dominasse totalmente o comando dos balões, o novo projeto exigiria de Santos-Dumont um trabalho persistente e minu. cioso de adaptação a um tipo de engenho, cujas verdadeiras reações só iria conhecer ao longo das experiências práticas . Anteeipando-se a possíveis surpresas, imaginou uma série progressiva de testes, através dos quais pudesse deduzir o comportamento aerodinâmico do novo aparelho quando submetido às forças peculiares ao meio natural em que seria empregado, Guardadas as devidas proporções, nosso inventor procurava simular, ainda que de forma empírica, O mesmo tipo de trabalho hoje afeto aos modernos túneis aerodinâmicos, para avaliação de desempenho dos protótipos. Dai os recursos engenhosos: primeiro o de fazer rebocar por uma lancha-automóvel, deslizando pelo Sena nas horas de menor tráfego, um planador celular devidamente montado sobre flutuadores, a fim de verificar as reações do leme de direção; depois, o de erigir dois altos postes ligados por um cabo de aço esticado, ao qual pendurou o aparelho pronto, utilizando até um burrico à guisa de tração, tudo para determinação do equilíbrio e do centro de gravidade; finalmente, o de produzir um híbrido, acoplando o seu aeroplano ao balão n,O 14, e dessa forma fazer testes de estabilidade. A designação de 14-Bis para o seu mais-pesado-que-o-ar derivou desse tipo ·de recurso. A sucessão de experiências determinou contínuas modificações, não só na estrutura como no grupo propulsor e no sistema de comandes, causando admiração a extraodi nária destreza com que Santos-Du mont dominava O controle simultâneo do balão e do aeroplano. Adquirida a experiência julgada suficiente, desfez-se o complexo híbrido e, a. partir da separação, concentravam-se os testes no conhecimento mais aprofundado do avião. Foi um verdadeiro aprendizado de pilotagem, ainda que no solo, taxiando em diferentes velocidades para sentir a reação da aeronave às diversas dosagens de comando, Ao cabo de exaustivos trei· 318


Fig. 80 -

O teste de estabilidade e a inspiração criadora.

namentos, percebeu que estava cada vez mais próximo de uma nova realidade. Foi quando confidenciou a um amigo: 71 "Sinto que resolvi o problema do mais pesado-que-o-ar; dentro em pouco voarei com os meus próprios recursos!" 4. O Vôo de 60 Metros

Durante toda a primeira metade de 1906, Santos-Dumant dedicou-se inteiramente ao seu projeto, afastando-se até das atividades sociais, tão do seu agrado. Mais uma vez predominava em seus atos o componente obstinação, trunfo que lhe permitia caminhar sempre à frente dos competidores, agindo ora certo, ora errado, mas sempre agindo, enquanto os outros perdiam precioso tempo em intermináveis análises teóricas do problema. Que o 14-8i5 foi solução provisória, ninguém o contesta, nem mesmo o próprio inventor, cujos projetos desenvolvidos posteriormente deixaram de lado vários princípios adotados naquele modelo. Em contrapartida, não é também passível de contestação o fato de que esta solução provisória tenha sido a expressão de uma nova realidade no campo aeronáutico. Realidade que a obstinação de um homem foi revelando gradativamente, passo a passo, numa sucessão de eventos programados, cada qual revelando avanço em relação ao anterior, sempre no rumo certo da meta final. Depois do absoluto controle do aparelho no solo, iniciaram-se os testes de vôo. A 7 de setembro de 1906, a primeira ruptura de contato com a terra, ainda que por um segundo, evidenciou a Sano tos-Dumont a necessidade de maior potência para vôos mais longos. Foi quando substituiu o motor de 24 cavalos por um outro Antoinette 319


de 50, desta vez com 8 cilindros em V, fruto de análises e estudos em conjunto com seu mecânico Anzani.l6 Menos de uma semana depois, a 13 de setembro, nova tentati· va, na presença de Archdeacon, dos irmãos Voisin, de uma delegação do Aeroclube, de seus jovens sobrinhos que haviam cursado o Kelly College e de uma grande multidão que se deslocara cedo para Baga· telle, já que, em relação aos mais-pesados, adotou-se o mesmo critério seguido para os balões de experiências matutinas, com ar ainda calmo. Às 7h50min., uma primeira corrida de decolagem foi logo abortada, por não ter o motor atingido a potência máxima. Às 8h40min., o' primeiro sucesso parcial . Ao atingir cerca de 40 km/ h, a comando do piloto, as rodas principais perdem o contato com O solo e giram livremente em seus eixos, refazendo o contato 8 metros depois, em conseqüência de resposta lenta do profundor, que acabou provocando um estai e o colapso do trem de pouso. Apesar do incidente o entusiasmo tomou conta dos presentes, e não faltaram os abraços efusivos de Archdeacon e Voisin . Esse primeiro sucesso parcial, transcrito em ata do Aeroclube, chega a ser considerado por muitos biógrafos como o primeiro vôo . Quanto a Santos-Dumont, este s6 se preocupou com o essencial: levando Chapin para um lado, instruiu-o no sentido de regular o profundor para respostas mais rápidas ao comando do piloto. Em 22 de outubro, infonnou oficialmente ao Aeroclube que tentaria voar 25 metros no dia seguinte. Às 8 horas do dia 23, lá estavam seus fiéis seguidores, além de fotógrafos, jornalistas e uma multidão respeitável. Às 8h45min. foi dada a partida no motor e iniciaram-se as corridas de teste para verificação da resposta aos controles, durante as quais houve pequenos incidentes que obrigaram a transferência do vôo para a tarde. Às 16 horas recomeça a experiência, agora assistida por multidão superior a mil pessoas . Com a aceleração do motor, avança rapidamente o 14-Bis e, após percorrer duzentos metros, as rodas deixam o 5010, elevando-se a uma altura entre 2 e 3 metros, e todos vêem a conhecida silhueta em pleno vôo; depois começa a descer, até tocar o solo a 60 metros do ponto de decolagem, sofrendo pequenas avarias no trem de pouso. Um momento de eufori a tomou conta dos presentes, e a multidão entusiasmada carregou SantosDumont em triunfo, mal dando tempo a que ele se dirigisse a Archdeacon, repetindo, coincidentemente, a mesma pergunta de 1901 relativa ao prêmio Deutsh: trGanhei, Ganhei O prlmio?" Archdeon, empolgado pela façanha que presenciara. exclamou: trEm minha opinião não resta a menor dúvida!" E acrescentou: "Mas por que você parou tão cedo?" A resposta foi franca: "Perdi a direção e caí." 320


o Aeroc1ube anunciou imediatamente a concessão do Prêmio Archdeacon a Santos-Dumont. enquanto a imprensa registrava o fato em expressivas manchetes dos principais jornais da época: "O Homem Conquistou o Ar"; "Um Minuto Memorável na História da Navegação Aérea" , Até mesmo nos Estados Unidos, o Herald registraria o feito como "o primeiro vôo mecânico do homem",16

Fig. 81 -

Fig . 82 -

o

primeiro \160 autônomo rtalizado pelo homem .

O reconhecimento oficial e o testemunho popular .

321


Vale a pena transcrever alguns excertos dos principais comentários então divulgados. O Temps, órgjio oficioso da República Francesa, assim se refere ao vôo no dia segúinte ao da sua realização:M "A data de 23 de outubro de 1906 permanecerá 110S anais da aeronáutica. É a primeira vez que se verifica um vôo desse gênero, no mundo inteiro. Esta ex periência de agora deixa mui· to distanciadas todas as tentativas feitas com aeroplanos lançados de certa altura, caindo ao solo em ângulo incalculável. Semtos-Dumont pôde elevar-se ao ar pelo simples esforço de sua poderosa hélice e pelos seus próprios meios. Se possuísse me· Lhor a direção do aparelho, que,. todavia, é muito estável, poderia prolongar o vôo. li

O Almanaque Garnier de 1908 transcreve as OplnlOeS de vá· 'rios jornais parisienses do dia imediato. Eis uma delas : ~

" As experiências de Santos-Dumon! nos últimos meses de 1906 deram ao mundo a demonstração de que dentro em pouco tempo a questão da navegação aérea estará resolvida. Na experiência de 13 de setembro ele conseguiu, com O mais-pesado-que-a-ar, elevar-se a um metro num percurso de oito; e na de 23 de outubro, o aeroplano, instalado na pelouse de Bagatelle, ao movimento do genial aeronauta, elevou-se três metros e percorreu sessenta, quando a taça Archdeacon era prometida como prêmio a um vôo de 25 metros apenas. Como com essas experiências se verifica ainda ser desejável maior estabilidade, é natural que em breve prazo a questão esteja resolvida por completo." O jornal L'lllustration publicou a manchete mais sugestiva, encimando a fotografia do 14-8 is em pleno vôo: "Um Minuto Memorável na História da Navegação A érea". Transcrevemos abaixo os comentsrios do mais importante periódico da Europa em 1906:[0

L'ILLUSTRATION Samedi 27 ac/obre, 1906 " M. Santos-Dumont, déjà vainqueur du prix Deutsch, de 100.000 fcs. grâce à son dirigeable. vient de remporter aussi, mardi dernier, la Coupe Archdeacon, réservée aux appareils d'aviation . Monté sur cet appareil original, M . Santos-Dumont a parcouru, l'aulre matin, d'un beau vol, une distance de 60 metres. La photographie que nous donnons ici est, croyonsnaus, la seule qui ail été authentiquement prise au cours de cette 322


passionnante experzence; elle montre que l'aéroplane ne s'est pas élevé à une 'bien grande hauteur audessus du sol: 2 metres environ. Lã, d'ailleurs, n'étail peiS la question, et le grand i.ntérêt de l'experience était de démontrer que l'on peut, sans le concours d'un suport plue léger que l'air, réaliser le vol plané. Cette démonstration est aujourd'hui faite." .

Se o momento era de glórias para Santos-Dumont, alguns dos rivais, julgando-se engenheiros mais capazes e mais versados em aerodinâmica, sentiam-se verdadeiramente frustrados. Criticavam, sobretudo, o perfil do 14-8is e, numa alusão à excelência do motor Antoinette, justa por sinal, houve declarações de que, com tal potência, "até um piano de cauda poderia ser impulsionado através do ar por uma distância de 60 metros". Em contrapartida, o Capitão Ferber escreveu com justiça :10l "O inventor brasileiro provou que a máquina de voar podia mesmo voar ( .. .) As 16h45min. do dia 23 de outubro, com a presença do Comitê de A viação, seu aeroplano deixou o chão suavemente e sem trancos. A multidão a tudo assistiu, como se estivesse em transe, e como se estivesse testemunhando um milagre. Todos permaneceram mudos de pasmo; mas imediatamente após, no momento de descida. houve aclamação e entusiasmo geral, e o aviador foi carregado em triunfo nos ombros dos assistentes."

E mais ainda: "Ele montou a sua hélice para ação direta ( ... ) Deste modo, perdeu em potência, mas ganhou em tempo de construção, pois é sempre complicado o arranjo de engrenagens de transmissão. Blériot e eu perdemos todo o ano de 1906 procurando descobrir como fazê-lo."

Os gênios são imprevisíveis. A verdade é que, enquanto seus concorrentes pensavam e calculavam, Santos-Dumont surpreendeuos, voando. E assim concretizou-se o primeiro vôo autônomo que a história da humanidade registrou, de um engenho mais pesado que o ar. 5. O Vôo de 220 Metros

Certo de que, para ganhar o prêmio instituído pejo Aeroclube, deveria melhorar o controle lateral do 14-Bis, responsável pela perda de direção e interrupção do vôo de 60 metros. Santos-Dumoot estudou com Voisin as modificações a serem feitas no aparelho. Opta323


ram pela adoção de duas superfícies poligonais verticais nas asas, para controlar o vôo no sentido longitudinal. Com isso, introduzi· ram na aerodinâmica de vôo os até hoje usados ailerons, passando bem à frente de seus principais concorrentes, já que nem mesmo os Wrights haviam pensado nisto . S6 que essa providência criou o problema de ergonomia já por n6s citado, e habilmente resolvido com o T de madeira costurado ao seu paletó. . No dia 10 de novembro, o Aeroclube ofereceu a Santos·Du· mont um banquete pela conquista do Prêmio Archdeacon, ao qual compareceram representantes de vários segmentos sociais . Entre os vinculados à aeronáutica, lá estavam o proprio instituidor do prê· mio. Silrcouf, Caillelet, que o saudou, Depasse, Voisin, Crenot, Blé· riot: Faure e Renard. A representação brasileira alinhava as figuras dos sen hores Conde de ·Araguaia, Barão de São Joaquim, Afonso Arinos, A. de Avelar Lengrüber, João Gomes, Souza Bandeira, Venceslau Guimarães e João Belmiro Leoni, cônsul geral do Brasil. Na oportunidade, Ernest . Archdeacon, presidente da Comissão de Aviação, pronunciou palavras da mais ·alta importância, proféticas mesmo, na medida em que se anteciparam às contestações da primazia, mais tarde apresentadas, não s6 pelos Wrights como até por partidários do francês Ader. Disse ele: J6

"Se algum dia eu pudesse pecar por inveja, pecaria hoje invejando o meu amigo Santos-Dumont. que conseguiu conquistar uma das glórias mais belas que o homem pode ambicionar neste mundo. Acaba de realizar, não em segredo nem diante de testemunhas hipotl ticas e complacentes, mas à plena luz do sol e perante uma multidão, um soberbo vôo de 60 metros, a 3 metros de distância do solo, o que constitui u.m lato decisjoo na hist6ria da aviação." Santos-Dumont respondeu de fonna breve e cortês, não s6 por conta de sua natural modéstia, como porque naquele instante seus pensamentos já estavam sintonizados com a expectativa de eventos que seriam vividos 48 horas depois. ~ que tinha prontos os seus planos para outro vôo em Bagatelle no dia 12 de novembro, com o qual pretendia ultrapassar os parâmetros fixados para a conquista do prêmio instituído pelo Aeroclube. Desta vez não seria o único concorrente, o que, de certa forma, valorizava sobremodo a conten· da. Louis Blériot apresentou-se com um biplano desenvolvido em cooperação com Voisin e também equipado com motor Antoinette . Instado gentilmente por Santos-Dumant a iniciar a prova, Blé· riot realizou algumas corridas sem êxito, acabando por chocar·se · contra um obstáculo. As avarias não lhe ' permitiram continuar a disputa. 324


fig. 83 -

t.

preciso prosseguir . 12 rtov 1906, v60 de 220 metros.

Foi a vez de nosso pioneiro . Só no último ensaio, de um a série de quatro, conseguiu ultrapassar as marcas para atingi menta de suas metas . No primeiro, às 10 horas, voou 40 metros em 5 segundos. No segundo, às 1Oh25min., danifica-se o eixo do trem de pouso. No terceiro, às 16 horas, bate o seu próprio recorde de 23 de outubro ao voar 50 metros, num sentido e 82 no oposto, em 7 segundos e 1/5, com velocidade de 41,3 km / h. finalmente, na quarta e última tentativa, voa 220 metros, a 6 metros de altura, em 21 segundos e 1/5, na mesma velocidade de 41 ,3 km/ h. Forçado a pousar sem espaço, já que a multidão entusiasmada invadira parte substancial da área reservada para as manobras, danifica o trem de pouso. Nem por isso empana-se a magnitude de seu feito, e mais um prêmio se incorpora a seu acervo de vitórias, prêmio cujo valor em dinheiro distribui entre seus mecânicos, numa repetição de gestos magnânimos tão proprios de sua personalidade. Se em relação ao vôo de 23 de outubro as críticas dos rivais, concentradas no perfil do 14-8;5, eram uma forma velada de exaltar o motor Antoinette, omitindo intencionalmente o autor das modificações nele introduzidas, na conquisfa do Prêmio Aeroclube houve quem atribuísse somente a ele o desempenho de Santos-Dumont . A propósito, Gondim da Fonseca transcreve uma observação do artigo de L'Illustration, referindo-se aos dois motores do aeroplano de Blé325


riot e Voisin: " fabriqués par M. Levasseur (sic) et analogues ou moteur de M. Santos-Dumont".l6 Continuando, Gondin da Fonseca, baseado ainda no artigo daquela revista francesa e no "Times", de Londres, de 13 de novembro de 1906, diz que "esse aeroplano de Blériot e Voisin não ccnseguiu alçar vôo, quebrando-se completamentc".36 E acrescenta:

"A transcrição que acabo de faz er é importantíssima, pois destrói de modo fulminante e absoluto o livro de Robert Gastambide L'envol, escrito com a intenção única de demonstrar que o triunfo de Santos-Dumont em Bagatelle foi devido, s6 e s6, à colaboração de Levavasseur, __ a quem nosso patrício e L'lllustration chamavam Levasseur. Se ao motor' Antoinette, construído por Léon Levavasseur, se há de atribuir o êxito do 14-Bis de Santos-Dumont, - por que motivo não subiu o aeroplano de Blériot e Voisin equipado também como ele? Se Levavasseur se dedicava apenas ao aeroplano de Santos-Dumont~ - por que motivo fabricou um motor análogo para Blériot e Voisin? O triunfo sempre teve de/ratores. Caso Santos-Dumont falhasse e os seus dois concorrentes saíssem rencedores, LevaJlasseur proclamar-se-ia logo dono da vit6ria dos outros porque fabricara o motor Antoinette ( ... ) Mas quem planeou esse motor? Quem? Santos-Dumant. Ele e seu mecânico Anzani: 036 Com a conquista dos Prêmios Archdeacon e Acroclube, no interregno de 20 dias, Santos-Dumont atingiu o auge da consagração a que pode aspirar um cidadão do mundo, e sua reação natural era a de um homem transbordante de felicidade, não tanto pelos aplausos que recebia, mas, sobretudo, pela satisfação última de perceber o alcance de sua contribuição à inexorável transformação da sacie· dade. Transformação que a grande revolução das comunicações no século XX viria confirmar, e que ele claramente anteviu, quando escreveu:"

"O transporte de passageiros entre Nova York e os mais longínquos pontos da América do Sul não é impossível. ( ... ) Intimamente creio que a navegação aérea será utilizada no transporte de correspondência e passageiros entre os dois continentes. ( ... ) As revistas especiais que recebo falam constantemente do problema da travessia do Atlântico. Podemos pois dizer que a idéia está no Ar; é pois uma questão talvez de meses e, então, saberemos que um aeroplano partido do Novo Mundo 326


foi ter ao V elho em talvez um dia! Colombo para fazer a viagem em sentido inverso levou 70."

Se o primeiro vôo, de 23 de outubro, suscitou comentários da imprensa francesa e internacional, o segundo, de 12 de novembro, ampliou a divulgação dos feitos, atingindo os grandes centros europeus e mesmo os Estados Unidos. Aí também desenvolviam-se experiências aeronáuticas, e os irmãos Wright não foram insensíveis à publicação do Herald sobre os acontecimentos no outro lado do Atlântico, tanto que se dirigiram ao Capo Ferber, nos seguintes termos: "Caro Capitão Ferber: Meu irmão e eu tomamos conhecimento, por uma correspondência de Paris publicada no New York Herald, que o público francês apreciou grandemente um vôo de 220 metros em linha reta de Santos-Dumont, num aeroplano de sua construção. Ficaríamos muito satisfeitos de conhecer notícias exatas sobre essas experiências de Bagatelle, e estamos certos de que fareis para nós um relatório fiel dos ensaios e uma descrição da máquina voadora, acompanhada de um esquema. Já tivemos a oportunidade de ver, numa gravura do New York Herald , que o aeroplano repousa na terra sobre três rodas, deduzimos então que necessário se faz, a Santos-Dumont, uma corrida prévia para decolagem, isto realizado sobre um campo extenso e uniforme. Com a catapulta de lançamento que empregamos, Orville e eu saltamos diretamente no ar, com a velocidade ade· quada, de uma forma mais prática. Desde que os franceses julgam sensacional performance um vôo em linha reta de apenas 220 metros, estamos certos de encontrar excelente ambiente se chegarmos a fazer exibições na França. Entretanto, a viagem e o transporte da máquina e da catapulta, obrigarão a despesas elevadas para dois pobres mecânicos de Dayton. Por isso, caro Capitão Ferber, se técnicos franceses, escolhidos por vós, desejarem vir a Dayton, para eles faríamos a exibição da máquina no campo vizinho, com um · vôo de cinco minutos, em circuito completamente fechado, cedendo-lhes opção para a performance e venda da máquina, mediante o pagamento de 50.000 dollarscash. "

Um ponto que- merece destaque nesta carta é a surpresa que causou aos Wrights a existência de um trem de pouso no 14-Bis. Chegaram até a insinuar que o seu sistema era mais prático, o que foi duplamente desmentido; primeiro por eles próprios, quando tam327


bém evoluíram para o uso de rodas; depoi s pelos avanços tecnoló· gicos da engenharia aeronáut ica, incorporando definitivamente o trem de pouso nos projetos dos aviões de todos os tempos, inclusive nos dos orbitais. Outro detalhe importante é fato de omitirem qualquer referência a vôos anteriores com o mais-pesado--que.-o-ar. Admitindo-se até que o tenham feito, a verdade é que a imprensa norte-americana ignorava tal fato . O Sr. Gordon Benneu, proprietário da famosa cadeia Herald, presente à demonstração de Santos-Dumont, cumprimentou-o sem qualquer alusão aos vôos de seus patrícios, c a capa do semanário Collie,'s, de 23 de fevereiro de 1907 , estampa um 14-6i, com a chamada para o artigo: " Wh en Shall We FLy?"

°

IN THIS NUMBER - "WHEN SHALL WE FLY?" SEE PAGE J7

Fig o 84 - Em 1907 ti pergunta ainda es/6 no ar: "Quando voaremos". "When ShaIl We fi)'?" Co/lier's caver, february, 23, 1907 .

328


6. Os Sucessos do 14-Bis Os suces~os de 1906 não provocaram em Santos-Dumont a ilusão do permanente, mas a certeza do efêmero. Conquanto houvesse alcançado com o 14-8is sucessos memoráveis, muito mais por suas qualidades intrínsecas de destreza e perseverança do que pela excelência do projeto, cedo percebeu suas limitações, depois de praticamente esgotado o leque de opções para otimizar o seu desempenho. Wykeham diz, com muita propriedade: <tE bem provável que nenhum outro aeroplano pioneiro lenha ficado devendo tanto ao seu piloto (, . ,)"

Certo de que urgia evoluir, rompeu o ano de 1907 com um novo projeto, O N ,o 15, que, de certa forma, representou uma evolução em relação ao anterior, embora ainda preso às células-de-Hargrave, tanto no perfil das asas quanto no da empenagem. Com envergadura de 11 metros e comprimento de 6, a superfície total das asas, de madeira compensada, era apenas de 14 metros quadrados, contra os 80 do 14-8is. O motor Antoinette de 8 cilindros e 50 cavalos, instalado acima do piloto e das asas, acionava urna hélice de alumínio de 2,05 metros de diâmetro, não mais propulsora. porém tratora. A partir deste modelo Santos-Dumont adotou a posição sentada para o piloto, até hoje definitivamente consagrada. A solução de uma única roda para o trem de pouso não foi prática, dificultando a estabilidade lateral na decolagem. A primeira experiência foi no dia 27 de março, em St. Cyr; porém, já na corrida de decolagem, ao tocar o terreno com uma das asas, o avião desgovernou-se, ficando seriamente avariado. O fracasso do N .o 15 fez com que Santos-Dumont por algum tempo, regredindo a novo projeto híbrido, crito por um biógrafo como "um dirigível-aeroplano cado com dois motores e duas hélices". Na realidade, ção de aeroplano com dirigível, um envoltório de gás fuselagem completa, com asas e cauda.

o abandonasse o N.o 16, desmisto, modifiuma combinaerguendo uma

Tal como o seu antecessor, o N.o 16 não realizou nenhum vôo, acidentando-se na primeira tentativa. O ano de 1907 corria célere, e Santos-Dumont não parava de elaborar projetos. Durante o verão trabalhou simultaneamente em dois deles, os de n.o,; 17 e 18. O primeiro, nos diz Fernando Hi-pólito da Costa21 que "nada mais era do que o avião n.O 15, biplano, com modificações", mas não se tem notícias de que realmente tenha sido construído . Já o N .o 18 foi construído, segundo alguns biógra329


Fig . 85 -

A terceira grande

concepção-pr~liminares .

fos, como o primeiro passo para o futuro hidroavião . Tratava-se de uma estrutura formada por três peças em forma de charuto, de alumínio e madeira, recoberta de tela - um deslizador - e equi pada com motor Antoinette de 100 cavalos, que não evoluiu além dessa condição.

Fig. 86 -

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Uma visilo do futuro .


Até então ninguém conseguira ultrapassar o recorde de vôo estabelecido em novembro do ano anterior por Santos·Dumont, mas seus competidores prosseguiam na elaboração de projetos voltados especificamente para o mais·pesado·que·o·ar. Voisin desenvolveu um projeto de avião, com o qual Henry Farman teve sucesso parcial em setembro. E, finalmente, no dia 26 de outubro de 1907, quase um ano depois de Santos-Dumont, conseguindo voar 770 metros em 52 segundos, Farman assume a liderança da aviação mundial. A imprensa francesa e européia ocupava-se largamente dos aviadores de vanguarda. Sobre os Wrights, nem uma palavra. As manchetes só mencionavam Santos-Dumont, Voisin, Blériot, Farman, Vuia, Esnault-Pelterie, Delagrange e Pischoft, todos com vôos em mais-pesados-que·o-ar. Diante de tantos concorrentes categorizados, todos atingindo posições de destaque em resposta ao grande estímulo, que inegavelmente foi seu, Santos-Dumont recebe de volta, qual bumerangue, a excitação que ele mesmo irradiava. E o papel quadriculado que sem· pre usava recebe os traços de sua imaginação criadora. O sucesso dos que lhe seguiram os passos, e o Grand Prix d'Aviation , instituído por Deutsch e Archdeacon - os mesmos patrocinadores dos prêmios aos primeiros que, em dirigíveis e aeroplanos, cumprissem determinadas etapas de vôo - foram elementos catalisadores a impulsionar Santos·Dumont no desenvolvimento de um novo projeto. Voltando à idéia de aliar leveza e simplicidade aos modelos, sua grande contribuição à aviação na fase dos balões, projetou e construiu a série Demoiselle, segundo um perfil dominante durante décadas : monoplano, asa e motor à frente, cauda com lemes de direção e profundidade à ré, três rodas, piloto sentado imediatamente abaixo do centro de sustentação, ailerons, asas em diedro. Com o primeiro da série, o projeto N,o 19, Santos-Dumont imaginava ser pioneiro na realização do vôo de um quilômetro em circuito fechado, prêmio, ainda sem ganhadores. Assim, um ano depois de sua maior glória, apresentava ele ao mundo o seu terceiro avião, um modelo inteiramente dentro do estilo que sempre preconizara, como ele próprio descreve:&a "Nessa época, os aparelhos eram grandes, enormes, com pequenos motores, voavam devagar uns 60 quilômetros por hora ou pouco mais. Mandei, então, construir um motor especial de minha invenção, desenhado especialmente para um aeroplano minúsculo. 331


Este motor possuía dois cilindros opostos, o que traz a inconveniência da dificuldade de lubrificação, mas, também, as vantagens consideráveis de um peso pequeno e um perfeito equilíbrio, não ultrapassado por qualquer outro motor. Pesava 40 kgs. e desenvolvia 35 HP. "

Fig . 87 A terceira grtlllde concepçiJo-realidade.

As primeiras experiências com o Demoiselle (n" 19), também conhecido como libélula, foram realizadas a 15, 16 e 17 de novembro de 1907. Os resultados satisfatórios induziram-no a inscrever-se para a disputa do Prêmio Deutsch-Archdeacon . No ensaio de 21 do mesmo mês, no campo Bue, o avião, depois de um vôo de 150 metros, acidentou-se durante o pouso, sofrendo avarias na hélice e no trem de pouso. Afastado temporariamente da competição Santos-Dumont vê esgotar-se o ano de 1907, sem que nenhum dos naturais aspirantes ao prêmio conseguisse atingir as marcas impostas. Finalmente, em 13 de janeiro de 1908, Farman arrebata o Grand Prix d'Aviaticn, pilotando um aeroplano Voisin e realizando um vôo de 1 quilômetro em circuito fech3do, em 1 minuto e 28 segundos. O novo ano seria para Santos-Dumont de trabalho e reflexão . Nem os vôos de Wilbur Wright, no final de 1908, suscitando o que erradamente se convencionou chamar de Controvérsia Irmãos Wright -Santos-Dumont, conseguiam perturbar o seu esforço de concentração no projeto do N. O 20, desenvolvimento natural do N. O 19 . Aliás, nem por um momento Santos-Dumont deixou-se envolver em qualquer tipo de polêmica, certo estava das verdadeiras dimensões do seu trabalho no campo aeronáutico. 332


A nova máquina, se bem que mantendo as linhas gerais da an· terior, trazia inovações: o motor, agora mais potente, era um Darraq de 35 cavalos, criação de Santos·Dumont; as asas eram cobertas de seda japonesa;' o trem recebeu amortecedores de sua concepção; a fuselagem era construída com longarinas de bambu, com juntas de metal. A propósito do motor, entregue à fábrica de automóveis Darraq para usinagem final e montagem, houve um episódio desagradável . Santos·Dumont nunca patenteou os seus inventos, assim também pro· cedendo em relação àquele motor, Com o sucesso do Demoiselle, muitas fábricas demonstravam interesse em produzi·lo comercial· mente, encontrando, da parte do inventor, plena liberdade para tal. Surpreendentemente, ele descobriu mais tarde que a empresa Darraq, alegando ter sido a construtora do motor, estava tentando registrar patente do mesmo, Recorrendo à justiça, obteve ganho de causa, e o motor, como aliás todas as suas invenções, retornou à condição de domínio público. Os ensaios iniciais com o projeto Demoiselle n.o 20 ocorreram em abril de 1909, e os resultados foram realmente auspiciosos. F. d·e se notar que este projeto fora de sua total responsabilidade. sem qualquer tipo de cooperação dé Voisin, por exemplo, que participara, ainda que modestamente, do projeto 14-Bis. O Demoiselle viria repetir, em escala ampliada, toda a popularidade do N.O 9. Pequeno, ágil, versátil, era um táxi aéreo de uso quase metropolitano. De abril a agosto, Santos-Dumont nele voava quase diariamente. Beneficiando-se do seu desempenho aerodinâmi· co, pousando e decolando em distâncias inferiores a 100 metros, com ele visitava amigos nos arredores de Paris, utilizando os gramados tão comuns nas casas de campo daquela época. A familiaridade de sua presença nos céus parisienses repetia-se, não mais com um balão, mas com o Demoiselle, a ponto de um caricaturista criar, certa vez, uma situação original e apresentá-lo invadindo uma janela em vôo. A legenda era maliciosa. Diante do espanto da solteirona, cujo quarto acabava de ser devassado, o piloto a t.ranqüilizava: - "Não se aflija, minha senhora, eu venho com a minha Demoiselle.}J

Por causa de um desses seus freqüentes vôos, talvez tenha sido desencadeada a primeira missão de busca e salvamento aéreo da história aeronáutica. Decolando de St. Cyr em dia chuvoso, sem declarar o destino, acabou deixando apreensivos os amigos, quando, duas horas depois, ainda não havia retornado. A propósito, vale transcrever a narração de um jornalista do Le Matin, destacado para localizar Santos-Duo mont:IO! 333


UQue deveríamos pensar? Em que poderíamos acreditar? Nós telefonamos para toda parte, em todas as direções. Ele não estava em SI. Cyr, nem em Versailles. Telefonemas para sua casa; ele não havia regressado. A uma e meia da madru· gada Chapin recebeu, afinal, uma informação de que o aero· plano fizera um vôo de dezoito quilômetros em dezesseis mi· nulos, e descera nos jardins do Castelo d'Aion~ propriedade do Conde de Galard. A aterrissagem fora normal, sem qualquer acidente, e quando a informação fora recebida, Santos-Dumont dormia o sono dos justos em um dos quartos do Château, oomo hóspede do Conde de Galard. Bem, tivemos sensações suficientes." Santos-Oumont trabalhou o projeto básico do Demoiselle, lançando ainda dois novos modelos, de n.OS 21 e 22. As principais modificações introduzidas foram: no primeiro. um novo motor Darraq; no segundo, um motor Bayard mais potente, resfriado a água, que possibilitou o incremento da velocidade para níveis acima dos padrões da época. Como inovação comum aos dois, nos diz Fernando Hippolvto da Costa que "a quilha foi transformada numa fuselagem triangular mais forte e conseqüentemente o peso que era de 110 qujlos (incluindo o peso de Santos-Dumont) elevou-se para 118 quilos . O artífice da pequena aerona ve sentava-se numa estreita faixa de tela encerada, localizada entre as rodas do trem de pouso"_

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UI1U1 produção


Com sua política de não regístrar patentes, e em vista do sucesso do projeto, a construção do Demoiselle ficou livre de restrições, e um número relativamente grande de reproduções, várias dezenas, passou a freqüentar os céus do mundo . Na França, era comum a visão dos Demoiselles nos céus . O primeiro projeto alemão de aeroplano inspirou-se nele, e há notícias de que até na Argentina foi construído um . 7 . O Astronauta Completo : Novos Recordes e Último Vôo O ótimo desempenho do Demoiselle permitiu a Santos-Dumont estabelecer dois novos recordes: velocidade e decolagem curta. No dia 13 de setembro, decolou de St. Cyr, subiu a 60 metros de altura e voou até Buc pela rota de Rambouillet e Bievre, percorrendo 8.000 metros em 5 minutos, o que correspondeu a uma velocidade de 96 quilômetros por hora. No dia seguinte, voando no mesmo trecho, porém aumentando o percurso para completar a manobra de pouso, em virtude de fortes ventos contrários, Santos-Dume nt perce rreu 9.000 metros em 7 minutos e 3 segundos, atingindo assim a velocidade de 77 quilômetros por hora. Embora os resultados acima não tivessem sido homologados ofi cialmente, foram superiores aos até então registrados. Daí o comentário da imprensa a propósito: S9 "Foi com este minúsculo aeroplano, equipado com motor de 30 cavalos, que o Sr. Santos·Dumont bateu (oficiosamente) todos os recordes anteriores de velocidade." Em 15 de setembro, propôs-se a reduzir drasticamente a distância de decolagem. O norte-americano Curtiss detinha o recorde de 80 metros para aquela manobra. Santos-Dumont, na sexta tentativa, conseguiu baixar o índice para 70 metros, incorporando mais um recorde em sua carreira. O domínio da máquina, cuja estabilidade exaltava, levou-o a algumas declarações audaciosas, como a de que seria capaz de realizar um vôo a baixa altura com os braços abertos . E realmente o conseguiu, chegando ao requinte de levar um lenço em cada mão, soltando-os sobre os observadores que entusiasmados o aplaudiram . Repartidos em pedaços, estes foram disputados e guardados como uma preciosa relíquia, por seus amigos, seus mecânicos e seus admiradares. Até a Princesa Isabel fez questão de possuir um desses souvenirs. Em outubro, durante o Salão de Aeronáutica no Grand Palais, ao lado dos aparelhos Farman, Voisin, Blériot e Wright, o Demoiselle 335


ainda foi sensação, e Santos-Dumont polarizou a atenção de visitantes e aviadores em potencial, muitos destes interessados em construir o seu modelo, cujos planos sempre foram de domínio público. O ano de 1909 fora, assim, rico de acontecimentos aeronáuticos: em julho, Blériot atravessa o Canal da Mancha; em 18 de outubro, o Conde de Lambert ci rcunda pela primeira vez a Torre Eiffel, com um mais-pesado; em novembro, Farman cobre 216 quilômetros em vôo de uma só etapa. Por outro lado, a ' aviação faz as suas primeiras vítimas: Lefêbvre, num Wright. e Ferber, num Voisin. Mas é também em novembro desse mesmo ano que SantosDumoot voa pela última vez e, surpreendentemente, encerra a sua carreira de aeronauta. Não é muito esclarecedora a sua explicação quanto aos moti vos que o levaram a essa decisão. Entretanto, a privacidade em que sempre se escudou, traço marcante de seu caráter, não deixou para a posteridade outros regi stros pessoais a propósito da abrupta decisão, nem confidentes com crédito bastante para apresentar uma versão convincente das razões desse gesto. O fato é que a decisão fo i tomada, sendo revelada a público por seu fiel amigo Antônio Prado. Ele próprio registrá-Ia-ia discretamente em seu li vro, após tecer algu ns comentários sobre o Demoiselle e a sua própria qualificação como piloto. Enfim, um conjunto de conceitos pendulares entre o êxito profissional e o declínio pessoal. Ei-los: Q 'Este foi, de todos os meus aparelhos, o mais fácil de conduzir, e o que conseguiu maior popularidade. Com ele obtive a Carta de piloto de monoplanos. Fiquei, pois, possuidor de todas as cartas da Federação Aeronáutica Internacional: - Piloto de balão livre, piloto de dirigí vel, piloto de bíplano e piloto de monoplano. Durante muitos anos, somente eu possuía todas estas carlas, c não sei mesmo se há já alguém que as possua . Fui pois O único homem a ter verdadeiramente Jireito ao lítulo de Aeronauta, pois conduzia todos os aparelhos aéreos. Para conseguir este resultado me foi necessário não só in ~ ventar, mas também experimentar, e nestas experiências tinha, durante dez anos, recebido cs choques mais terríveis; sentiame com os nervos cansados. Anunciei a meus amigos a intenção de pôr fim à minha carreira de aeronauta, - tive a aprovação de todos." O comunicado caUSO!l espanto em Paris, e não faltaram especulações sobre o anunciado afastamento definitivo, ainda em tempos de glória . Já houvera paralisações anteriores, que sempre deixavam apreensivos aqueles que o conheciam mais de perto . Lenta e gradualmente, o inventor vai-se recolhendo dentro de si mesmo, embora aqui e acolá alguns episódios ainda tenham conseguido tonifi336


car o seu ego como outrora; episódios que ele foi vivendo no interregno das remissões, por vezes longas, de um insidioso processo de esclerose múltipla, causa provável de sua inesperada e abrupta decisão. Em princípios de 1910, a mudança de comportamento foi tão flagrante, que é justo admitir-se a hipótese de que II estopim detonador dessa atitude tenha sido de fato sua constatação da precariedade de sua saúde mental, seja por dedução própria, seja revelada por seus médicos. A sintomatologia de tal enfermidade é aleatória, alternando períodos de crise com outros da mais absoluta normalidade. Daí podennos assinalar os últimos vinte anos de sua vida dentro deste quadro oscilante de comportamento; em que as fases de crises vão sendo, pouco a pouco, mais prolongadas e freqüentes. 8. O Declínio de Uma Vida Após sua inesperada decisão, Santos-Dumont absteve-se efetivamente das lides aeronáuticas, seja como piloto, seja como construtor. Mesmo como passageiro.. só voou mais duas vezes. Todavia, não ficou indiferente aos progressos da aeronáutica; ao contrário, sobre eles se manifestou a cada novo lance, como revelam seus es· critos: (80)

"Entramos na época de vulgarização da al.'laçao e, nessa empresa, brilha sobre todos o nome de Garros. Esse rapaz personificou a Audácia; até então s6 se voava em dias calmos, sem vento. Garras foi o primeiro a voar em plena tempestade. Logo depois, atravessou o Mediterrâneo. , O estado atual da aeronáutica todos n6s o conhecemos, basta abrir os olhos e ler o que ela faz na Europa; e é com enternecido contentamento que eu acompanho o domínio dos ares pelo homem: É meu sonho que se realiza". Mas é inegável que seu ego estava ferido diante, da percepção de uma vida em declínio - e ele era suficientemente esclarecido para chegar a tal conclusão. Isso ' não impediu que, na alternância dos altos e baixos da enfermidade. ainda vivesse momentos que toca· vam a sua sensibilidade, na medida em que evocavam seus feitos inigualáveis. O Aeroclube da França, que em 1906 registrava em ata, de forma inequívoca, a prioridade do vôo autônomo de Santos-Dumont, em sessão realizada em dezembro de 1910. reitera aquela declaração, votando pela ereção de um marco em granito no campo de Bagatelle, com a inscrição consagradora: 337


"ICI LE 12 NOVEMBRE 1906 SOUS LE CONTROLE DE L:i!ERO-CLUBE DE FRANCE SANTOS-DUMONT A ETABLI LES PREMIERS RECORDS D'AVI ATION DU MONDE DUREE 21. 1/ 5 DISTANCE 220 m"

A homenagem acima e outras que se lhe seguiram eram ilhas de. alegria, resgatando o homem das malh as de um esquecimento que seu ego repudiava, como o comprovam as palavras abaixo, publicadas após sua morte e encontradas em uma gaveta fechada entre vários jornais da época :S9 "Foi - posso dizê-lo hoje - uma prova um tanto dolorosa para mim, assistir, ap6s os meus trabalhos sobre os dirigíveis e o mais pesado que o ar, a ingratidão daqueles que me

cobriam de louvores alguns anos antes". Assim, para comparecer às homenagens e para o reencontro social com um meio que não mais o tinha em primeiro plano, pode-se imaginar a têmpera de um homem já enfermo, mas ainda capaz de mobilizar forças íntimas, coragem e tenacidade, tantas vezes evidentes nos momentos mais críticos de suas experiências em vôo, apenas para ser espectador. Nessas condições, era um homem machucado por den tro .dian te da impossibilidade física e mental de retomar a caminhada que havia encetado , e durante a qual soubera transpor com audácia e dignidade os obstáculos encontrados. Entretanto, muitos momentos de reconciliação com a existência e o mundo ainda iriam ocorrer . Em 1913, nova homenagem promovida pelo Aeroclube da França, confirmando o seu pioneirismo, iria causar-lhe dupl a satisfação. Por in iciativa da entidade, um importante monumento alusivo aos feitos de 1901 e 1906 foi erigido em St. Cloud, ao mesmo tempo em que lhe seria conferido o título de Comendador da Legião de Honra da França . O monumento, obra do escultor Colin, teve em fearo a sua inspiração. Na base do bronze lia-se a inscrição: 59

"Este monumento foi elevado para comemorar as experiências de Santos-Dumont, pioneiro da locomoção aérea" . A propósito da alegoria, L'Illustration, de 25 de outubro de 1913, publicou a seguinte opinião: Kl2 338


"Este ente soberbo, de formas atléticas e perfil grave, de cujos poderosos braços se estendem como escudos duas gr.andes asas, simboliza nobremente o grande trabalho de Santos-Dumont" .

o

ano de 1913 chegava ao fim, quando Santos-Dumoot subitamente decidiu visitar o Brasil, e aqui desembarcou em 2 de janeiro de 1914, permanecendo sete meses em sua terra. O segredo que procurou manter a propósito desta viagem foi naturalmente quebrado e, à chegada do Blucher, navio em que viajou, teve uma acolhida ca· lorosa, multiplicando-se as homenagens de seus patrícios. De janeiro a julho, viajou pelo Brasil, visitando Petrópolis, São Paulo, Ribeirão Preto e Minas Gerais, onde foi rever a casa de Cabangu, em que nascera, deixando transparecer a intenção de adquiri-la, ainda que se tratasse de propriedade do Governo. S6 mais tarde seria satisfeito este desejo, aliás de forma singular . Regressando a Paris, aí chega em fins de julho e, a 4 de agosto, com a invasão da Bélgica pela Alemanha, tem início a Primeira Guerra Mundial . . O impacto do emprego militar de artefatos aéreos, tanto dirigíveis como aviões, causa-lhe traumas profundos, despertando um sentim ento de culpa exacerbado, só explicável por um dos movimentos pendula res de sua doença nervosa, então passando por uma fase extremamente negativa, mas que em breve daria lugar a novo período de normalidade. De fato, em princípios de 1915, recebe convite do Aeroclube da América, para tomar parte no Segundo Congresso Científico Panamericano, cujo objetivo era fundar a Federação Aeronáutica Pana~ mericana e eleger Santos-Dumont seu primeiro presidente. Um con vite no melhor estilo americano de organização, já que formulado em janeiro para um conclave que se abriria em dezembro. A deferência fez-lhe bem, e citações como a abaixo transcrita, do Boletim da União Panamericana, foram responsáveis por um período de tranqüilidade de sua vida atribulada:" " From 1900 to 1906 he demonslraled lo Europe lhe possibility of conquering the air with dirigible baloon as well as with lhe aeroplane" .

Aberto em 28 de dezembro de 1915, o Congresso Científico encerrou-se no dia 8 de janeiro de 19 16 . Durante este encontro, Santos-Dumont pronunciou discursos e conferências, analisando o emprego militar que tão cedo previra, e enfatizando a grande meta de emprego civil que, a seu ver, seria valioso instrumento de fraternidade entre os povos, principalmente os das Américas, isentos do 339


grau de antagonismo então reinante entre os da Europa. Seus anseios de paz e a sensatez de suas palavras valeram-lhe a indicação do Aeroclube da América para representá-lo como delegado na Con ferência Panamericana de Aeron f4utica, a realizar-se no Chile em março de 1916. Abertos os trabalhos em 9 de março de 1916, Santos-Dumont foi eleito Presidente Honorário. Suas intervenções durante o Congresso foram equilibradas e tranqüilas, denotando um período de trégua de sua enfermidade. Do Chile seguiu para a Argentina, onde as homenagens de praxe se repetiram, e onde também, .por seu turno, homenageou os aviadores argentinos Brad ley e Zuloaga, por Sua recente façanha do cruzamento dos Andes. De Buenos Aires subiu o Rio da Prata e o Paraná, desembar· cando em Foz do Iguaçu (lado argentino). Sabedores de sua presença, os brasileiros foram em caravana convencê-lo a passa r para o lado brasileiro e hospedar-se no Hotel Bras il. Elfrida Engels Rios, ainda residente em Foz do Iguaçu, filha do proprietário, então com 16 anos e hoje com 88, guarda o livro de registro com a assinatura do nosso pioneiro, lembrando-se com orgulho' de tê-lo acompanhado em uma excursão às cataratas (a viagem era longa e exigia pernoite) e de ali ter preparado o seu jantar. Ainda em 1916, visita Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro e Ribeirão Preto, voltando mais uma vez a Cabangu . Em 1918. o Governo brasileiro toca a sua sensibilidade, fazendo-lhe presente da casa onde nascera. Sua gratidão materializou-se na placa de bronze que fez apor à rústica morada, com as seguintes palavras nela gravadas: "Esta casa, onde nasci, me foi oferecida pelo Congresso Nacional como prêmio dos meus trabalhos. Santos-Dumont (agradecido)"

Também neste ano .publicou o livro O que Eu Vi - ó que N6s Veremos, uma síntese do Dans ['A ir de 1904 e dos seus pensamentos sobre a ciência aeronáutica e sua evolução a partir do vôo de 1906. Um livro controvertido, em razão dos enganos que registra em relação a fatos por ele vividos, dos quais se aproveitaram alguns biógrafos para dizer, injustamente, como O fez Wykeham: l<!!: <tE um livro curto e triste, inapelavelmente tumultuado e confuso. ( .. . ) Faríamos muito bem em lembrar-nos de que a obra foi escrita por um homem doente, padecendo de molést ia fatal. Para seu próprio bem, e em prol de sua esplêndida mem6ria, é de se desejar que jamais tivesse sido impressa". 340


Injustamente, repetimos, porque os lapsos e falhas .que a obra conrém, são facilmente percebidos e compreendidos, não deixando ela, por isso, de representar subsídio valioso à história da aeronáutica mundial, nem contribuindo em nenhum momento para denegrir a memória do autor. Os anos que se seguiram, ele os reparte entre o Brasil e a Europa, percorrendo cidades e buscando refúgio para uma inquietação progressiva que não mais o abandonaria. O móvel deste estado emocional voltava a ser o complexo de culpa em relação ao emprego de meios aéreos na guerra. Foi sob o impacto desse período depressivo que escreveu uma carta ao representante brasileiro na Liga das Nações, solicitando a proibição do uso das máquinas de voar para finalidades bélicas, da qual extraímos os trechos abaixo: s9

"Dentro em breve realizar-se-á uma conferência internacional, tendo por fim a limitação dos armamentos em todos os países civilizados. Li em diversos jornais que se pretende limitar a ação dos submarinos, proibindo-lhes tomar parte ativa em guerras futuras, mas, que eu saiba, não se pensou em Aeronáutica. Conhece-se, no entanto, do que são capazes as máquinas aéreas; suas proezas, no decurso da última, nos permitem entrever, COm horror, o grau de destruição a que elas poderão, de futuro, atingir, como dispersadoras da morte, não s6 entre as forças combaten· tes, mas também, e infelizmente, entre as pessoas inofensivas da zona da retaguarda. Aqueles que, COmo eu, foram os humildes pioneiros da conquista do ar, pensavam mais em criar novos meios de expansão pacífica dos povos, do que em lhes fornecer novas armas de combate. ( ... ) Estou disposto a oferecer, em concurso, entre pessoas de qualquer profissão, um prêmio de 10.000 francos para o melhor ·trabalho sobre a interdição das máquinas aéreas, como arma de combate e bombardeio". Em fins de 1926, recolheu-se a uma clínica de repouso em Valmont-sur-Teiritet, na Suíça, c lá ainda se encontrava ém maio de 1927, quando o Aeruclube da França o convida para presidi.r o banquete em homenagem a CharIes Lindbergh, pelo seu vôo solitário através do Atlântico Norte. Seu precário estado de saúde obrigou-o a declinar do convite. O ano de 1928 assinala nova viagem ao Brasil, onde os seus compatriotas lhe preparam uma carinhosa recepção. Infelizmente, o que · seria uma significativa homenagem transmuda-se numa catástrofe que lhe provoca enorme consternação. O avião da Condor, 341


com diversos membros do Partido Democrático a bordo, que iria sobrevoar O transatlântico Cap Arcona para saudá-lo, cai ao mar sem deixar sobreviventes. Este acidente precipita seu· regresso à Europa, no início de 1929. Mais uma crise, mais uma fuga no ciclo de uma enfermidade cruel. No final do ano, surpreende-se com nova promoção na Legião de Honra, quando foi alçadó ao grau de Grande Oficial. Emociona-se profundamente na cerimônia de condecoração e retoma um período de quase normalidade. Em outubro de 1930, outro desastre aéreo, desta vez com o dirigível inglês R-l0l, em Beauvais, !na França, provoca-lhe nova recaída e internação na casa de saúde de Preville, em Orthez, ,nos Baixos Pirineus. As crises sucedem-se a intervalos progressivamente menores. Em 1931, regressa ao Brasil e, sabedor de que se cogitava de sua eleição para a Academia Brasileira de Letras, ainda de bordo, através de telegrama enviado àquela entidade, solicita que sua candidatura seja sustada, por força de seu precário estado de saúde. De nada valeu o apelo, porque já es tava eleito; contudo, jamais teria ocasião de tomar posse. Chegando ao Rio, imediatamente parte para São Paulo e depois para Guarujá, sempre na companhia do sobrinho Jorge Dumont Villares, que esteve a seu lado nos últimos anos. O ritmo de progressão da enfermidade era assustador, exigindo dos que o cercavam, es pecialmente de Jorge, vigilância cerrada para evitar o desfecho trágico daquela brilhante existência, cujo vôo se aproximava da reta final para o pouso . Que este fosse tranqüilo, era o que todos desejavam; entretanto, um leve descuido do seu fiel co-piloto resultou na fatalidade de um pouso forçado. Com o rompimento da Revolução Constitucionalista de 1932 e o conseqüente emprego .militar de aviões na lu ta entre irmãos, atinge-o de forma irreversível a última cri se de angústia , à qual ele não resis te, imolando-se no dia 23 de julho do ano de 1932 . Apagava-se, melancolicamente, a luz resplandescente de um brilhante bem-dotado, ;de um obsti~ ado cid·adão do munJo que, como tantos outros igualmente perseverantes, teve o dom de transformar sonhos em realidades, introduzindo modificações profundas no comportamento da sociedade mundial como um todo. 9. A Primazia Jnconteste Quando nos debruçamos sobre a vida dos grandes homens, infalivelmente nos deparamos com reações e contestações quanto à grandeza de seus feitos. Com Santos-Dumont não foi diferente. A síndrome da contestação sistemática ao pioneirismo de brasileiros na conquista do ar também O atingiu de [arma inexorável . Antes dele, ninguém se apre342


sentara ao mundo como detentor do primeiro recorde de vôo com o mais-pesado-que-o-ar . Enquanto publicamente desenvolvia sua máquina e realizava sucessivos ensaios de desempenho, também não . Bastou, entretanto, que o sucesso também publicamente se consumasse, para que duas reivindicações fossem levantadas: a de Clément Adcr, francês, dizendo-se o realizador do primeiro vôo humano; a dos irmãos Wright, americanos, no mesmo sentido, 56 que estranhamente dada à publicidade em 1908, dois anos depois do vôo de BagatelJe, quando realizavam seus vôos em Paris. A alegação de Ader, alimentada por Le Malin, caiu por terra fragorosamente . Escrevendo um livro a propósito do alegado vôo quem no-lo conta é Miranda Bastos - , ele protestou "contra a atitude inqualificável do Ministro da Guerra, que se negara a continuar ajudando-o, apesar do êxito indiscutível da experiência oficial de 14 de outubro de 1897". Após a façanha de Santos-Dumont, a declaração do octogenário General Mcnsier, que exercera em 1897 a presidência da comissão julgadora do projeto Ader, movimentou a opinião pública francesa. Disse ele, como recorda Miranda Bastos, que o Avion voa ra naquele ano, e que o "vira nitidamente deixar o solo", e depois "seguir assim. a pista durante cerca de 200 metros". Im prensado por essas declarações, o Ministro da Guerra encerrou de uma só vez a contestação revelando ao público O relatório oficial da prova, assinado pelo próprio General Mensier. pelo qual se concl ui que o Avion de maneira alguma chegara a alçar vôo . Estava, como diz Miranda Bastos, totalmente liquidada a ques tão. Quanto aos Wright, os biógrafos latino-americanos e brasileiros, em sua esmagadora maioria, além de vários comentaristas espe cializados franceses, ingleses e até americanos, contestam-lhes a prioridade, apresentando sólidos argumentos em defesa desse ponto de vista. Contrapondo-se a essa argumentação, os defensores dos Wri ght, principalmente americanos, procuram destruí-la com teses que estão longe de ser convincentes. Wykeham, por exemplo, ao comentar a primazia do vôo com o mais-pesado-que-o-ar, escreve:1Ol l

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Referindo·se aos acontecimentos em 1907: "Aparentemente~ Alberto ainda era o primeiro e único homem a ter voado . ( ... ) Os irmãos Wright, sem serem rivais em qualquer sentido verdadeiro, já haviam voado várias centenas de quilômetros durante muitas provas". (o grifo é nosso) ( ... ) No realidade, esses veteranos já haviam parado seus vôos desde 1905, para se concentrarem na melhoria de seus projetos" . 1)

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2) Referindo-se à chamada controvérsia, quando em 1908 os americanos reivindicaram a primazia, diz: "Em 8 de agosto, Wilbur fez seu primeiro vôo em Le Mans, diante de vasta multidão onde se incluía o próprio Archdeacon. Ele decolou com facilidade, e embora o vôo n'ão durasse mais que dois minutos (o grifo é nosso), WiLbur mostrou taL tranqüilo e absoluto domínio sobre os controles que os observadores licaram pasmos". Sobre as declarações acima, cabem duas observações : a primei~ ra, sobre a facilidade de decolagem, desmentida pelo uso da catapulta, só abandonada pelos Wright em 1909; a segunda, sobre a duração 'do ' vôo de apenas dois minutos em 1908, mostrando a pouca evolução do projeto, já que, antes de 1905, eles "haviam voado centenas de qui lômetros durante muitas provas". Referindo-se aos que consagram Santos-Dumont, diz: 101 "O mundo latino-americano respondeu a essas questões (o vôo dos Wright) de modo firme, e aparentemente em definitivo, num sentido favorável ao seu campeão. De todos os fatos que examinamos, chega-se. à conclusão de que, de um lado há prova irretorquível, luminosa, ofuscante; do outro lado há indicações, dúvidas, incredulidade e a presunção de que tenham realmente ocorrido os fatos alegados em 1903 pelos irmãos Wright, cinco anos após o vôo de KiUy Hawk, acerca do qual tanto se disse, e três anos d.;epois que eles abandonaram suas experiênCias com aeroplanos (. .. ) Tendo de escolher entre os vôos alega~ gados e o vôo de Bagatelle, nós preferimos este." (A . Napoleão). "E ainda mais: Por que não se inscreveram os irmãos Wright na competição?" (Archdeacon) . "E por que, tomando mais tarde conhecimento através de comentários mundiais, dos feitos aeronáuticos de Santos-Dumon! e das vitórias alcançadas por nosso patrício, não apresentaram eles uma reivindicação, ou não registraram um protesto contra a concessão do referido prêmio a Santos-Dumont, chamando a si próprios a prioridade do vôo, quando a imprensa a conferia a Santos-Dumant? (A. Napoleão)". Comentando a seguir que o ponto de vista brasileiro baseia-se também na conduta obscuramente estranha dos americanos e no comportamento lacônico dos Wright. conclui de forma nada convincente:!1n "Todos esses argumentos são bons, com exceção talvez do último. Acontece que os Wright eram assim mesmo (o grifo é nosso)" . 344


Mas não é propósito central desta obra dissecar a chamada controvérsia, que na realidade não existe, e sim defender, de forma absolutamente honesta, o papel dos pioneiros brasileiros na longa evolução da história aeronáutica. Esta, não há como relatá-la sem dar-se O devido destaque a Santos-Dumont e sua obra. De uma análise isenta, verifica-se que, até o ano 1906, nenhum ser humano conseguiu voar saindo do solo com meios integrados no próprio avião. Daí salienta-se ao final, como fato incontestável, a verdade histórica que constitui o galardão de uma brilhante existência. O PRIMEIRO vOa AUTONOMO DO HOMEM FOI REALIZADO PELO BRASILEIRO ALBERTO SANTOS-DUMONT. VTDA E OBRA DE ALBERTO SANTOS-DUMONT CRONOLOGlA~

1873 -

20 de julho - nascimento de Alberto Santos-Dumon!, em Cabangu, próximo à Garganta de João Aires, distrito de João Gomes (posteriormente denominado Palmira, hoje Santos-Dumoot), Estado de Minas Gerais. 1877 - 20 de fevereiro - batizado de Alberto Santos-Dumont, na Paróquia de Santa Teresa, cidade de Valença, no Estado do Rio de Janeiro. 1879 - Mudança da família de Henrique Dumont para a região de Ribeirão Preto, no Estado de São Paulo, a fim de explorar uma grande fazenda de plantação de café . 1883/ 85 - Primeiros estudos de Alberto Santos-Dumon!, no colégio "Culto à Ciência", em Campinas, SP. 1888 - Surgimento de seu interesse pela aerostação, após avistar um balão aerostático, numa feira promovida na capital paulista. 1891 - Abril - primeira ida à Europa, com a família . - Novembro - interesse despertado pelo motor a petróleo, ao avistar um modelo em exposição, 00 Palácio da Indústria, em Paris. Novembro - regresso da família Dumoot ao Brasil, passando a residir na cidade de São Paulo. 1892 12 de fevereiro - emancipação de Alberto Santos-Dumont, mandada lavrar em cartório por seu pai, na cidade de São Paulo. Maio - mudança da família Dumoot para a Europa. Setembro - fixação de residência em Paris (Rue d'Edimbourg 26). - 20 de novembro - vinda ao Brasil, em férias. 345


1893 1894 1897

1898

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1899

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1900 346

Janeiro - regresso a Paris. Junho/ julho - curta permanência em Londres. Estudos realizados na Inglaterra, na Universidade de Bristol. Curta visita ao Brasil, regressando logo a Paris, onde mantinha residência. Adaptação de um motor a explosão de dois cilindros, que ele próprio havia construído, a um triciclo. 23 de março - primeira ascensão aerostática de Alberto Santos-Dumont. 30 de maio - ascensão aerostática noturna, durante a qual o balão de Santos-Dumont foi envolvido por uma tempestade. Junho - quinta ascensão em balão livre, a primeira em que levou passageiros: o Barão d~ Beville e Mademoiselle de Forest. 4 de julho - primeira ascensão de Santos-Dumont com o seu balão livre Brasil. 18 de setembro - primeira experiência com o seu balão dirigível N." 1 . 20 ue setembro - segunda experiência com o N." 1 . 25 de outubro - ascensão de Santos-Dumoot realizada em balão livre . 12 de fevereiro - inscrição na "Taça dos Aeronautas", uma competição de balões livres. 15 de março - notícia sobre a inscrição de Santos-Dumont numa corrida de automóveis, a ser realizada, no dia 21 de março, cem o percurso Nice-Castelanos-Nice. 24 de março - obtenção do 3.0 lugar na corrida de automóveis Nice-La Turbie . 11 de maio - primeira experiência de Santos-Dumoot com o seu balão dirigível N." 2. 12 de junho - obtenção do 4." lugar na competição denominada "Taça dos Aeronautas", para balões livres . 25 de junho - a$censão de Santos-Dumont no balão livre Aero Club. 13 de novembro - primeira experiência com o seu balão dirigível N." 3. 20 de novembro - nova ascensão com o N." 3. 22 de março - início da construção do balão dirigível N.' 4. 24 de março - criação do Prêmio Deutsch de La Meurthe. 29 de março - ascensão de Santos-Dumoot no balão livre Centauro.


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Junho - término da construção do hangar de Santos-Dumont em Saint Cloud, no Parque de Aerostação do Aeroclube de França. 1.0 de agosto - término da. construção do balão dirigível N." 4. 19 de setembro - experiência com o N .o 4, em Saint Cloud. Dezembro - ida a Nice, para tratamento de saúde (pneumonia adquirida com as experiências do balão dirigível N." 4).

1901 -

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12 de julho - experiência com o balão dirigível N.o 5, durante a qual circulou em torno da Torre Eiffel. 26 de julho - recebimento do voto de "admiração, louvor e aplauso" do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro por seus "feli zes trabalhos a bem da navegação aérea dirigível". 1 de agosto - a Princesa Isabel do Brasil deu a SantosDumont uma medalha de São Benedito. 8 de agosto - destruição do balão dirigível N.o 5, ao se chocar contra os telhados do Hotel Trocadero . 8 de agosto - encomenda da construção do balão dirigível No" 6. 27 de agosto - recebimento de intimação judicial, determinando o pagamento de 150 francos pelos prejuízos causados numa casa sobre a qual ele havia caído no dia 8 de agosto. 30 de agosto - término da construção do balão dirigível N.O6. 6 de setembro - primeira experiência com o N.o 6 _ 19 de outubro - Concorrendo ao Prêmio Deutsch de La Meurthe, com o balão dirigível N.o 6, faz, em menos de 30 minutos, o itinerário preestabelecido, que incluía o contorno aéreo da Torre Eiffel. 23 de outubro - banquete oferecido a Santos-Dumont, em Paris, pelo Barão de São Joaquim; o banquete foi presidido pela Princesa Isabel. 24 de outubro - aprovação, na Câmara dos Deputados do Brasil, do projeto concedendo um prêmio de 100 contos de réis a Alberto Santos-Dumont. 4 de novembro - o Aeroclube de França ratifica a decisão secreta da Comissão Científica, declarando-o vencedor do Prêmio Deutsch _ 11 de novembro - banquete oferecido a Santos-Dumont, no Palace Hotel, em Paris, pelos seus admiradores_ 347


1902 -

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1903 -

348

13 de novembro - convite do Aeroclube do Reino Unido para participar de um banquete em sua homenagem, em Londres. 16 de novembro - entrega da escultura em bronze "La Gloire", de Injalbert, pelos representantes da colônia brasileira em Paris. 22 a 28 de novembro - pennanência de Santos-Dumont em Londres. 28 de novembro - regresso a Paris. 18 de janeiro - término da construção do hangar destinado a abrigar o balão dirigível N.o 6, em Nice . 24 de janeiro - visita da Imperatriz Eugênia, viúva de Napoleão 111, ao hangar de Santos-Dumont, em Nice. 14 de fevereiro - quinta e última experiência sobre a Baía de Mônaco, tendo o balão dirigível N.o 6 caído ao mar. 24 de março - nova visita a Londres. 4 de abril - embarque no vapor Deutschland, com destino a Nova Iorque. 13 de abril - visita aos laboratórios do inventor Thomas Edison, na localidade de West Orange, N. Y . 16 de abril - recepção na Casa Branca, pelo Presidente Theodore Roosevelt . 1,° de maio - regresso à Europa. 18 de maio - chegada de Santos-Dumont em Londres. 27 de maio - desistência da realização de testes cprn o N.o 6, cujo inv6lucro aparecera maldosamente rasgado no " Crysta} Palacc". Primavera -' - término da construção do novo hangar de Santos-Dumoot, em Neuilly, Paris, próximo à "Porte de Bagatelle". 8 de maio - primeiros ensaios no Campo de Bagatelle, em Paris,. do balão dirigível N.O 9. 24 de junho - primeira ascensão noturna do N.o 9, no Campo de Bagatelle. 29 de junho - vôo solitário da cubana Aida Dacosta, no balão dirigível N.' 9, indo de Neuilly ao Campo de Bagatele . 14 de julho - vôo de Santos-Dumont, com o balão dirigível N.O 9, sobre a formatura militar, em Longchamps. 20 de agosto - partida de Paris para o Rio de Janeiro. 7 de setembro - chegada ao Rio de Janeiro, a bordo do vapor "Atlantique" .


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1904

1905 -

1906 -

10 de setembro - visita à cidade de São Paulo . 12 de setembro - visita à Escola Militar e ao Colégio Militar, no Rio de Janeiro; à noite, Santos-Dumoot foi home· nageado com um banquete de 250 talheres. 21 de setembro - banquete oferecido a Santos-Dumoot no Grande Hotel, em Belo Horizonte. 23 de setembro, às 7:45 da manhã - exame do balão de José do Patrocínio, que estava sendo construído num galo pão na Estrada de Inhaúma; à tard~. visita ao Presidente da República e tomada de posse no Instituto H istórico e Geográfico Brasileiro, onde pronunciou breve agradecimento, cujas palavras deixou registradas em documento autografado. Em seguida, embarque no vapor " Atlantique". com destino à Europa. 25 de setembro - homenagens em Salvador, a caminho da Europa. 28 de setembro - homenagens em Recife . 28 de março - regresso de Santos~Dumont a Paris •. depois de uma viagem aos Estados Unidos. onde fora tratar da corrida de balões dirigíveis que seria realizada na Exposi~ ção de Saint Louis . 3 de abril - publicação do " L'Qfnciel" do decreto nomeando Santos~Dumont Cavaleiro da Legião de Honra. 12 de junho - embarque para os Estados Unidos da Am é~ rica, levando o seu balão dirigível N .o 7 desmontado e en~ caixotado em 6 volumes. Noite de 27 para 28 de junho - ação criminosa de sabotadores, penetrando no hangar onde estava o balão dirigível N.o 7, em Saint Louis, e inutilizando seu invólucro . 14 de julho - chegada de Santos-Dumont a Paris, de regresso dos Estados Unidos da América. 31 de dezembro - destruição, por um golpe de vento, do balão dirigível N .o 13. 24 de agosto - experiências de Santos-Dumont com o baIão dirigível N. o 14, em Trouville. na costa do Canal da Mancha . 18 de julho - inscrição no AerocIube de França. para disputar duas provas de aviação: a Taça Ernesto Archdea· con, para o primeiro vôo controlado de 25 metros de di s~ tincia, de um aparelho mais pesado que o ar, e o prêmio de 1.500 francos, para o primeiro vôo de mais de 100 metros de distância . 31 de setembro - experiência de Santos-Dumont com o aeroplano 14-Bis, no Campo de BagatelJe, tendo voado apenas 8 metros de distância. 349


23 de outubro - vôo realizado, com o aeroplano 14-Bis, no Campo de Bagatelle, em Paris, cobrindo mais de 50 metros de distância, perante a Comissão Fiscalizadora de Aeroclube de França, com o qual obteve a Taça Archdea· con, tendo decolado com os próprios recUJ;sos e sem auxí· lia exterior. - 10 de novembro - banquete oferecido no Café Paris pelo Aeroclube de França, em homenagem pela conquista do Prêmio Archdeacon. - 12 de novembro - vôo realizado com o aeroplano 14-Bis, no Campo de Bagatelle em Paris, cobrindo 220 metros em 22 segundos e 1/ 2, a 6 metros de altura, com o qual fez jus ao prêmio de 1 .500 franoos estabelecido pelo Aeroclube de França. Pela primeira vez, nesse vôo, foram usa· dos "ailerons". 1907 - ' 27 de março - primeira experiência - sem sucesso com o aeroplano N .o 15, no Campo de Manobras da Escola Militar, em Saint Cyr . 18 de junho - experiências de Santos-Dumont com o baIão dirigível N,o 16, no Campo de SagateI1e~ 10 de agosto - ascensão de Santos-Dumont no balão livre Lutece, levando como passageiros o casal Antônio Prado Junior e o Sr. Edgard Prado. 25 de setembro - principal experiência feita com o Santos-Dumont n.018, um deslizador aquático equipado com motor Antoinette. 16 de novembro inscrição no Aeroclube de França para a disputa do Prêmio Deutsch - Archdeaoon, de 50.000 francos, destinado ao aviador que, com um aparelho mais pesado que o ar, voasse uma distância de I quilômetro, em circuito fechado (o prêmio só seria conquistado em 13 de janeiro de 1908, pelo aviador francês Henri Farman, com um avião Voisin). - 15 a 17 de novembro - primeiras experiências com o modelo primitivo do aeroplano Demoiselle. - 21 de novembro - acidente ocorrido em Suc com o primeiro modelo do Santos-Dumont n.o 19 ("Demoiselle"). 24 a 30 de dezembro - Exposição Aeronáutica, no Grand 1908 Palais de Paris, na qual ficou em exposição um exemplar do Demoiselle. 1909 Janeiro - obtenção do primeiro brevê de aviador, fornecido pelo Aero Clube de França (foi a primeira vez em que se expediram tais brevês, tendo sido contemplados, além de Santos-Dumoot, mais outros sete aviadores). 350


1910 -

1911 1913

1914 1915

1916 -

1917

1918

6 de abril - primeiras experiências oom um novo modelo, o n,o 20, do seu avião Demoiselle. 13 de setembro - estabelecimento do recorde de velocidade de 96 km/ h, voando num avião Demoiselle . 17 de setembro - vôo de 18 km, Dum avião Demoiselle, indo aterrar em Wideville, no Chateau d'Aion. Inauguração de um marco de granito no Bois de Boutogne, em Paris, assinalando os primeiros recordes de aviação do mundo, estabelecidos por Santos-Dumont, no dia 12 de novembro de 1906. 14 de outubro - fundação do Aeroclube do Brasil, sendo Santos-Dumont aclamado seu Presidente de Honra. 19 de outubro - inauguração d.o monumento a SantosDumont, em Saint Cloud, Paris. 24 de outubro - promoção de Santos-Dumont ao Grau de Comendador da Legião' de Honra da França. 2 de janeiro - chegada ao Rio de Janeiro, onde teve uma recepção triunfal. Janeiro - convite do Aeroclube da América, para participar do Segundo Congresso Cientifico Panamericano. 7 de outubro - chegada aos Estados Unidos da América. 28 de dezembro - inauguração, em Washington, do Segundo Congresso Científico Panamericano, o qual se prolongou até 8 de janeiro de 1916. Santos-Dumont dele participou, proferindo uma conferência intitulada Como o Aeroplano Pode Facilitar as Relações entre as Américas. 5 de fevereiro - embarque em Nova Iorque com destino ao Chile. 9 de março - início, em Santiago do Chile, do Congresso Panamericano de Aeronáutica, do qual participou SantosDumont, representando, inclusive, o Aeroclube da América. Nessa ocaião, foi eleito Presidente Honorário do Congresso. 25 de maio - cerimônia realizada em sua homenagem na Associação dos Empregados do Comércio, no Rio de Janeiro, quando foi saudado pelo escritor Coelho Neto. Janeiro - visita à Escola de Aviação Naval, na Ilha das Enxadas, na Baía da Guanabara. 16 de novembro - carta endereçada ao Presidente da República do Brasil, tecendo considerações sobre o desenvolvimento da Aviação Militar e da Aviação Naval no país. 18 de abril- publicação de seu livro O que Eu Vi - o que Nós Veremos, escrito na sua casa" A Encantada", em Pçtrópolis . 351


1919 1920 -

1921 -

1923 -

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t 925

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352

Doação pelo Governo Brasileiro da casa onde nasceu o inventor, em Cabangu, mediante emenda apresentada no orçamento da República para 1919 : 4 e 5 de dezembro - aquisição dos terrenos adjacentes a Cabangu, p~ra ampliação da área que lhe. foi doada. 20 de outubro - inscrição do nome de Alberto Santos~ Dumont no registro de "Lavradores, Criadores e Profissionais de Indústrias Conexas", do Ministério de Agricultura, Indústria e Comércio . 10 de março - indicação de Santos-Dumont como Membro de Honra do Aeroclube de França . Abril - visita à Argentina. 9 de maio - chegada em Paris para nova estada na Europa. 14 de maio - última ascensão aerostática de Santos-Dumont, em Paris, na companhia do Conde de La Vaulx, no balão Jivre La Cigogne. 29 de julho - partida da Europa para o Brasil, com a finalidade de assistir aos festejos do Centenário da Independência do Brasil. Novembro - visita à Argentina e ao Chile. J3 de novembro - Santos-Dumont foi agraciado com a condecoração chilena "AI Mérito". 22 de fevereiro - entrega da comenda da " Ordem de São Tiago ~a Espada", de Portugal . 23 de agosto - início da construção, no Cemitério de São João Batista, no Rio de Janeiro, do túmulo para os pais de Santos-Dumont, no qual ele mandou colocar a estátua de fcaro, réplica do monumento em sua homen agem, existente em Saint Cloud . 6 de abril - embarque no Rio de Janeiro para nova temporada na Europa . 23 de setembro - carta escrita em Paris, remetida ao Sr. Antônio Carvalho, em Palmira, MO , concord ando com que fossem v.endidos os pastos C: o gado da Fazenda Cabangu, exceto o pasto em frente da casa, a mata e umas poucas cabeças de "gado, das mais bonitas . 6 de novembro - condecoração, na qualidade de Grande Oficial, da "Ordem de Leopoldo 11", da Bélgica . Março - estação de águas em Caldas, tendo ficado a maior parte do tempo de cama, com os nervos abalados . Julho - nova viagem à Europa. 18 de julho - viagem de Paris para a Suíça, com destino à clínica de repouso Valmont, em Glion-sur-Montreux. onde deveria permanecer por cerca de dois anos.


1926 -

1927 1928 -

1929 1930 -

1931

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14 de janeiro - carta de Santos-Dumont ao Embaixador do Brasil na Sociedade das Nações, oferecendo um prêmio de 10.000 francos para a melhor obra escrita ' sobre o problema da interdição dos engenhos aéreos como arma de combate é de bombardeio. 11 de outubro - carta de Santos-Dumont ao Dr. Antônio Prado Junior, reconhecendo que há dois anos se achava doente dos nervos. Maio - convite do Aeroclube de França para presidir o banquete em homenagem a Charles Lindbergh, do qual declinou Santos-Dumont, alegando motivos de saúde. Agosto - temporada em Biarritz, onde alugou uma casa do seu amigo o Marquês de Soriano (" La Casucha "). Ali realizou estudos visando a construir um aparelho para vôo individual, e um dispositivo destinado a reduzir o esforço físico dos alpinistas. 3 de dezembro - chegada ao Rio de Janeiro, a bordo do vapor "Cap Arcona". Deu-se nessa ocasião o acidente com o avião Junker trimotor Santos-Dumont. 17 de dezembro - visita de ' Santos-Dumont à Escola de Aviação Militar no Campo dos Afonsos. 27 de dezembro - demonstração do aparelho de sua invenção, denominado Marciano (serviria aos esquiadores para impulsioná-los nas subidas até o cume dos montes). JalJ.eiro - regresso à Europa. 11 de dezembro - promoção de Santos-Dumont ao grau de Grande Oficial da Legião de Honra da França. 10 de junho - cerimônia de entrega da condecoração de Grande Oficial da Legião de Honra da França, num banquete organizado pelo Aeroc1ube de França. Janeiro e fevereiro - tratamento na Casa de Saúde de Préville, em Ortez, nos Baixos Pirineus, tendo entrado em convalescença no dia 5 de fevereiro de 1931. 15 de abril - primeiro testamento de Santos-Dumont, redigido em Orthez, na França. 28 de maio - embarque no vapor "Lutetia", no seu último retorno ao Brasil. 4 de junho - eleição de Santos-Dumont para a Academia, Brasileira de Letras, cadeira 0.° 38, cujo Patrono é Tobias Barreto. 7 de setembro - data de seu segundo testamento. 21 de novembro - partida de São Paulo para Araxá. a fim de fazer uma estação de cura e repouso. 353


1932 -

354

Maio - mudança para Guarujá. 9 de julho - início da Revolução Constit~cionalista de São Paulo. 14 de julho - mensagem dirigida aos brasileiros, deplorando a luta fratricida que há pouco tivera início. 23 de julho - falecimento de Santos-Dumont no "Hotel de la Plage", em Guarujá - Santos, no Estado de São Paulo, com a idade de 59 anos. 31 de julho - pelo Decreto n.o 10.447, do Estado de Minas Gerais , o município de Palmira tem sua denominação mudada para Santos-Dumont, em homenagem ao seu filho mais ilustre.


PARTE IV

A AVIAÇÃO

NO BRASIL



CAPITULO 1

ASPECTOS DO INICIO DO SECULO XX

1. Consolidação da República S primórdios da Aviação no Brasil coincidem com o início do século xx. Para se compreenderem os primeiros passos, é preciso ter-se uma idéia da situação geral e dos condicionamentos da sociedade daquele tempo, quando se deu o despertar das idéias motrizes que deflagraram e direcionaram os primeiros movimentos da aviação nacional. O advento da República, em 1889, e sua consolidação provocaram reações de toda ordem, gerando um clima de instabilidade que se estendeu até os primeiros anos do nosso século. O confronto de idéias que antecepeu a República, e o acirramento deste choque, em face das reações vividas na consolidação do novo regime, acabaram por exacerbar os sentimentos nacionalistas, dando origem a um jacobinismo extremado. A Monarquia passou a ser encarada como um perigo para os interesses nacionais, servindo de cabeça-de-ponte para assegurar a permanência do domínio estrangeiro no Brasil. Esse jacobinismo alimentava-se também numa justa preocupação dos militares, que exerceram papel preponderante nas decisões políticas dos primeiros anos da República. Rompidos os últimos laços que nos ligavam a Portugal, inequivocamente expressos com o exílio imposto ao Imperador Dom Pedro 11 e toda a família real. os militares sentiram o peso da responsabilidade maior que passaram

O

357


a ter, com relação à segurança de uma nação de dimensões continentais . Superada a rase de implantação da República, representada pelos governos dos marechais Deodoro e Floriano, e do civil Prudente de Morais, assume a Presidência Manuel Ferraz de Campos Sales, eleito para o período de 1898 a 1902 . A passagem do século encontra o Brasil às voltas com enormes problemas de ordem política, econômica e social . Entre 1900 e 1901, séria crise econômica provoca uma recessão que dá origem a considerável desemprego . A oposição se agita. Há manifestações de revolta, pcorrendo as principais no Estado de Mato Grosso, em 1899 e 1901 . Seguiu-se o governo do Presidente Francisco de Paula Rodrigues Alves (1902-1906) . A situação econômica melhora. Importantes obras públicas são iniciadas. Abre-se a luta contra as doenças endêmicas. Remodela-se a cidade do Rio de Janeiro. Derrubam-se velhos prédios. Há deslocamentos de comunidades. Os aluguéis aumentam. O custo de vida sobe. A oposição se acirra. O jacobinismo, naturalmente, está presente . No levante contra a vacina obrigatória, instituída pelo Governo face ao surto de varíola, que no início de 1904 causara a morte de quatro mil cariocas, surgiu a figura de Hermes da Fonseca. Comandante da Escola de Tática do Realengo, ali conseguiu abortar o levante, o mesmo não tendo acontecido na Escola Militar da Praia Vermelha, cuj o comandante fora incapaz de conter o movimento de sedição que ali tivera lugar. No quatriênio seguinte, de Afonso Pena (1906- 1910), assumiu o Ministério da Guerra o Marechal Hermes, que impõe ao Exército uma administração renovadora. Em 19 10, é eleito Presidente da República (1910-1914), perseverando em sua intenção de modernizar as Forças Armadas. Ao assumir o governo do país, o novo Presidente defrontou-se de imediato com a chamada Revolta dos Marinheiros e, a seguir, com a sublevação do Ceará, na qual sobressaiu a figura do Padre Cícero. Simu1taneamente, inidou-se, entre Paraná e Santa Catarina, um movimento sedicioso de características místicas, que have ria de se prolongar até 1915. O fato teve lugar no " Contestado", região de litígio terri torial entre os dois Estados, correspondendo à área que fora definitivamente incorporada ao território nacional, em conseqüência de arbitramento internacional solicitado para solucionar a "Questão das Missões". Nos dois últimos movimentos eclodiram idéias favoráveis ao restabelecimento da Monarquia, o que, naturalmente, acirrava os sentimentos nacionalistas e jacobinistas. 2. Preocupações da Epoca Nesse quadro de tantos confrontos e paixões, ameaçando a República, justificavam-se as preocupações com as Forças Armadas, 358


as quais eram também lembradas pela moviplentação diplomática que marcou a passagem do século e deiJÇou marcas profundas na meI1talidade do povo brasileiro. A obra do Barão do Rio Branco na consolidação de nossas fron· teiras teve seus pontos culminantes nesse período. A Questão das Missões, decidida em 1895, provocou, na sua fase de discussões, grandes polêmicas entre argentinos e brasileiros . O radicalismo das posições assumidas por ambas as partes, bem como a precariedade e morosidade das comunicações, concorriam para afastar qualquer possibilidade de entendimento . Criou·se um clima de desconfiança que seria alimentado durante muitos anos por toda sorte de interesses, políticos ou não . O Barão do Rio Branco assumiu, em 1902, o Ministério das Re· lações Exteriores, permanecendo neste cargo até seu falecimento, em 1912. Vinha cercado da glória que conquistara como defensor do ·Brasil, tanto na questão das Missões, quanto na do Amapá, ga· nhas por arbitramento - a primeira, decidida pelo Presidente dos EUA; a segunda, pelo Presidente da Suíça. Logo de início, porém, tem de enfrentar o problema do Acre, que resolve em 1903, pelo Tratado de Petrópolis. Em 1904, formaliza entendimentos com o Equador. Em 1906, com a Guiana Holandesa. Em 1907, com a Colômbia. Em 1909, com o Peru. Ao mesmo tempo firma convenções com a Argentina e o Uruguai, consolidando definitivamente nossas fronteiras ao Sul. Nessa trajetória de êxitos diplomáticos, apenas perde no caso da Guiana Inglesa, arbitrado pelo Rei da Itália . Nem todos {)s problemas se resolveram tranqüilamente. Amea· ças e riscos envolveram muitos entendimentos. l! natural que as discussões decorrentes exacerbassem os sentimentos nacionalistas e trouxessem à tona as preocupações com a segurança nacional. Além do mais, o grande Chanceler brasileiro conhecia perfeitamente o valor da força no jogo diplomático. Igualmente não desconhecia as condições de nossas organizações militares . De certa feita, declarou: "Quanto ao nosso estado de defesa é o ·mais lastimável possível. Há dias verificou-se que nossa fraquíssima Esquadra está sem munições para o combate. Telegrafou-se, pedindo à Inglaterra, com urgência, esse elemento indispensável para alguma honrosa, ainda que inútil resistência." E a seguir: "Por terra não estamos em menos deploráveis condições . Por mais que eu peça aos ministros militares que guardem reserva sobre os melhorar1J.entos empreendidos, tudo é logo dado ao público pelos repórteres que passam o dia nessas repartições.,RI 359


Essas constatações de Rio Branco deram origem a uma consciência .da necessidade de revitalização .das Forças Armadas . As providências decorrentes - construção de encouraçados e melhoramentos no Exército - acirraram as desconfianças de sempre. Um exemplo desse clima de prevenções ocorreu em 1908. quando explodiu o caso do "telegrama n. 9". Estanislau Zeballos, o grande competidor de Rio Branco e notável jornalista, deixara o Ministério das Relações Exteriores da Argentina há pouco. Um dia proclama pela imprensa que o Chanceceler brasileiro transmitira às nossas Embaixadas na América do Sul suas preocupações com a intenção da Argentina em reviver o Reinado do Prata. Rio Branco protesta contra a fal sidade da notícia. Zeballos desafia o contendor a divulgar o telegrama n.O 9, de 17 de junho de 1908, dirigido aos embaixadores do Brasil na América do Sul. Rio Branco não hesita: publica o telegrama, sua cifra e o seu código em uso. A famosa mensagem apenas lembrava a conveniência de se estabelecer maior entrelaçamento político entre o Brasil, Chile e a Argentina. O caso estava morto, mas naturalmente deixou suas marcas no espírito popular . Os problemas diplomáticos, o nacionalismo estimulado pela República, o jacobinismo alimentado pelas paixões e a consciência de nossos pontos fracos criaram um clima de preocupação com a segurança nacional, tomando-se freqüentes as aberturas de subscrições populares destinadas a prover o reequipamento das Forças Armadas. Em 1908 é criado o Serviço Militar Obriga tório. Há dificulda· des iniciais, até que surge o grande poeta e patriota Olavo Bilac, cuja capacidade de comuni cação faz despertar o sentimento cívico nacional, facilitando a sua implantação. Ao mesmo tempo, vários outros intelectuais também contribuíam para engrossar essa onda de conscientização quanto aos problemas nacionaisI dentre os quais o da integração salientava-se como um dos mais importantes. Em 1902, Euclides da Cunha des taca-se ao lançar Os Sertões. Este clássico da literatura brasileira cai como uma bomba na consciência de todos. O grande escritor arranca das sombras do esquecimento e da ignorância a tragédia da nossa raça. Seu livro é, antes de tudo. um vigoroso grito de alerta, fazendo convergir as atenções de toda a nação para com o problema político do desnivelamento social do Brasil. Este grito se fez ouvir com redobrada intensidade durante toda a fase inicial deste século. A República 'havia deparado com a existência de dois Brasis; o litorâneo e o o interior. No final da Monarquia, alguns trechos .de estrada de ferro já se projetavam acanhadamente para o interior, e as linhas telegráficas mal chegavam até Uberaba, em Minas . No início do século, essa interiorização da civilização litorânea fez-se sentir com maior vigor. As estradas de ferro se alongaram e, no O

°

360


campo das comunicações telegráficas, surgiu a figura extraordinária do Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon. Em 1900, é nomeado Chefe da Comissão Telegráfica de Goiás. Ao fim de seis anos, as cidades de Cuiabá, Corumbá, Bela Vista, Porto Murtinho, Forte Coimbra e Cáceres já se achavam interligadas ao restante do país. Foram estendidos 1.746 quilômetros de fio, e realizado um percurso de reconhecimento de 4.100 quilômetros, boa parte dos quais através de regiões até então ínvias e desabitadas. 3. O Avião -

Portador de Esperanças

Nesta mesma época, no exterior, certos fatos vinham despertando a atenção dos brasileiros para a aviação. Em 1901 , a 12 de julho, Santos-Dumont ganhara o prêmio Deutsch-de-La-Meurthe, ao contornar a Torre Eiffel com o seu balão n.o 6, dentro dos limites de tempo estabelecidos entre partida e chegada. O ufanismo dos brasileiros explode com as notícias da projeção do nome deste patrício. Mais tarde, em 1906, ao realizar, a 23 de outubro, o primeiro vôo do homem no mais-pesado-que-o-ar, com seus próprios meios, Santos-Dumont conquista a taça Archdeacon e, com isto, projeta definitivamente seu nome na História da Aviação e da própria Humanidade. As notícias destes acontecimentos chegam ao Brasil numa hora de exaltação patriótica. E elas não tardam em refletir-se numa expectativa das grandes possibilidades do avião como instrumento das aspirações e esperanças dos brasileiros, orientadas no sentido da integração e da segurança nacional. A vastidão do território agravava o problema da integração nacional, condicionando a idéia de se considerar 'Ü avião como O instrumento ideal para a sua solução mais rápida e racional. A intuição do brasileiro já lhe fizera perceber a possibilidade de transpor pelos ares as barreiras que se interpunham entre os nossos vários núcleos de ocupação, isolando--os uns dos outros. Em 1892, o Visconde de Taunay, ao escrever suas memórias, lembra-se das amarguras por que passara, por ocasião da trágica odisséia vivida na Retirada da Laguna. Segundo-Tenente, e com uma reduzida escolta, era portador das tristes notícias para seu amigo, o Imperador. No Pouso de Dois Irmãos, próximo a Aquidauana, informaram·no de que a distância até Santos era, aproximadamente, de 1.800 quilômetros. Avalia a situação. Com bom rendimento de marcha, levaria mais de trinta dias. E o grande historiador traduz sua aflição daquele instante com as seguintes palavras: .

"Na ânsia que sentia de chegar o mais depressa possível, quisera ter asas para poder voar sobre a imensidade do vastíssimo Brasil.,>9) 361


Em 1911, no norte da Africa, o avião demonstrava pela primeira vez suas possibilidades no campo das operações militares . Foi por ocasião da guerra entre Itália e Turquia, em Trípoli, então sob domínio dos turcos. Em 1910, a Itália comprara da França aviões do tipo Blériot, nome de seu fabricante, Louis Blériot, que se tor~ nara famoso, um ano antes, ao atravessar, pelos ares e pela primeira vez, o Canal da Mancha.ll Após relutância de uns e insistência de outros, entre estes Douhet, o grande precursor do poder aéreo, al~ guns daqueles aviões ficaram estacionados em Trípoli . Dali partiram as primeiras missões de guerra da Aviação Militar. A 23 de outubro de 1911, é realizada a primeira missão de reconhe~ cimento aéreo, cumprida pelo Capitão Carla Piazza, que decolou às 6h e 30min de Trípoli, a fim de observar a estrada para Azilia. Ao regressar, às 7h e 20min , trazia preciosas informações sobre a posi. ção das forças inimigas. Pouco depois, a 1.° de novembro, teve lugar o primeiro bom· bardeio aéreo . A bomba consistia de um . pacote de mais ou menos dois quilos de explosivos e, inserida nele, uma granada de mão . O piloto, com os dentes, tirava a trava da granada e, incontinenti, lançava o artefato. Quatro deles foram utiJizados nesse dia sobre as forças turcas. No início de 1912, o mesmo Capitão Piazza tirou fotografias da área sobrev-oada, dando início ao Reconhecimento Aerofoto . Nessas escaramuças, até mesmo operações anti-aéreas foram inauguradas, quand o alguns soldados conseguiram abater um avião italiano.~1 Tais notícias chegavam ao Brasil com grande alarde, deixa ndo entrever o surgimento de um poderoso recurso a ser utilizado com vistas à defesa e segurança do território nacional. O avião, que recentemente despertara o ufanismo dos brasileiros, em virtude das proezas realizadas por Santos-Dumont, anuncia· va·se como um mensageiro de esperanças para quantos não se conformavam com ver o Brasil enfraquecido no seu poder militar e asfixiado na compartimentação de suas áreas ocupadas, lembrando um grande arquipélago desprovidc de um sistema de ligações por onde pudesse correr o fluxo contínuo dos seus recursos. Natural, portanto, que logo se cogitasse da implantação de um sistema de comunicações aéreas, convergindo para essa idéia os sentimentos de nacionalismo, ufanismo e patriotismo que caracterizaram o Brasil nos primeiros anos do século XX.

362


CAPITULO 2

CHEGADA DA AVIAÇÃO AO BRASIL

1. O Vôo Toma-se Moda revista Careta - periódico de grande divulgação na socie· dade carioca da época - chamou a atenção de seus leitores para O que seria o primeiro vôo em avião importado no Brasil. O ano, 1910. "O intrépido jovem que ainda ha poucos dias bateu o reeord de velocidade automobilística no circuito de São Gonçalo, Gastão de Almeida, typo de sportrnan nato, prepara-se para a conquista e novos louros, mas desta vez no ar . Publicamos ao lado gravuras que representam Gastão e o seu biplano typo Voisin, por elle trazido da Europa e com o qual pretende navegar pelos nunca d'antes navegados ares do Brasil. A aviação na velha Europa está na ordem do dia, e entre os seus propugnadares o nosso Santos-Dumont. Nas "fitas cinematographicas já temos assistido aos bellos vôos de Curtiss, Lefevre, Blériot, Farman, Wright, Paulham e outros. Mas isso é no cinemato-

A

gapho.

Pois bem, essas emoções que as fitas nos despertam quer Gastão de Almeida que as tenhamos de verdade, vendo-o pairar por sobre as águas da soberba Guanabara, viajando entre o Pão d' Assucar e o Corcovado, com escalas pelo Bico do Papagaio e o Dedo de Deus passando por sobre a A venida Beira Mar, rasando os altos edifícios da Avenida Central até as Obras do Porto, assombrando as apavoradas gentes do Catumhy e Morro do Pinto, grimpado no seu jantastico passara mecanico . .. 363


Pois vamos lá! Que diabo, se isso aqui é uma terra civili· soda, não é demais que Gastão de Almeida com o seu aeroplano faça o que nunca fez o celebre balão Santos·Dumont da Exposi· ção de Hygiene~ isto é, subir. Mas o que aqui juramos e rejurainos é que nem amarra· dos lhe faremos companhia. Nada, que cá em- baixo é sempre mais seguro!"

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Com as formas do 14-Bis, o Voisin seria o primeiro avião a voar no Brasil.

Desta tentativa do carioca Gastão de Almeida, realizada em 24 de janeiro de 1910, não se tem notícias do resultado; sabe-se. porém, que o Voisin foi vendido a um outro entusiasta da aviação, Pedro Avignon (neste mesmo mês, ele já não havia logrado voar em um 364


aparelho por ele mesmo engendrado), que o deu a seu filho, Juven· tino Avignon. Juventino destruiu o aparelho, em São Paulo, quando tentava fazê·lo voar. Esses insucessos, porém, não fo.ram os primeiros, nem os úni· coso Houve inclusive um pitoresco evento, em 1908, com o primeiro Voisin que havia sido imporlado da França pelo filho de um dos ricos fazendeiros de café, em São Paulo, Armando Álvares Penteado. O aeroplano chegara encaixotado. tendo de ser montado aqui no Brasil. Ainda não havendo,_ naquela época, pessoas entendidas no assunto, a incumbência foi dada ao motorista particular do Sr. Pen· teado. Parecia que tudo ia dar certo. No entanto, ao ligarem o molar para as primeiras experiências, dentro da oficina de montagem, o que voou foi uma enxurrada de detritos, latas e ferramentas, tudo para cima do pobre VOisjn, danificando irrecuperavelmente sua cobertura de tecido envernizado - é que o aprendiz de mecânico de avião havia posto a hélice em posição invertida!7I Mas voltemos ao artigo da Careta. Além de registrar o im· portante acontecimento, o artigo deixa sentir a febre de entusiasmo que vinha aquecendo os brasileiros, contaminados pela glória dos feitos aeronáuticos de Santos-Dumont, na França. Voar passara a constituir a nova moda esportiva da época. Moda cara, dispendiosa; mesmo assim, não era pequeno o número dos que decidiram adotá·la, numa época em que o cultivo e comércio do café ofereciam oportunidades de excelentes negócios, princi· palmente em São Paulo . Os esportes mais em voga eram o automobilismo, o hipismo e o ciclismo, praticados em grandes praças. No Rio, havia o Derby Club, onde hoje e. tá construído o Estádio do Maracanã; o Campo de São Cristóvão, que ainda hoje conserva o nome, e onde está localizado um grande pavilhão para exposições; e o Jockey Club, ante· riormente denominado Prado Fluminense, próximo ao bairro de Ben~ fica, onde se acham quart'éis do Exército. na Rua Dr. Garnier. São Paulo contava com três: o Prado ou Hipódromo da Mooca, o Velódromo Paulista e o Parque Antárctica . No Prado da Mooca, próximo ao Rio Tietê, além de corridas de cavalos, também se realizavam velozes disputas entre ases do auto· mobilismo, com carros que já alcançavam 40 a 45 km/ h. A primeira corrida foi realizada em 1903 . O Velódromo Paulista, no cent'ro da cidade (Rua Nestor Pestana) , bem menor que o Prado, foi construído pelos ricos fa ze n~ deiros de café, para agradáveis passeios em bicicletas e equitação. Com pista elíptica circundando um gramado, era ainda utilizado para futebol e atletismo. O terceiro local, proporcionado pela Companhia Antárctica Paulista, em 1891 - Parque Antárctica - destinava-se a ciclismo, 365


patinação, futebol e cinema. Com o Prado da Mooca, constituíam os melhores campos, com pistas planas e retas que se estendiam de 100 a 200 metros - as mais longas da cidade. 2. Primeiros Vôos

fig. 90 -

o 1! vôo

na América do Sul (07 ian 1910) foi no Brasil, com aviãO aqui fobricado .

Apesar da e~istência desses locais, que passaram a ser também utilizados como campos para demonstrações de curtos vôos, deco-" lagens e aterragens dos minúsculos e leves aparelhos de então, de· monstrações essas que constituíam reais espetáculos de arrojo e co-ragem, inclusive com entrada para a elas se assistirem arquibancadas, apesar disso, repetimos, não foi a cidade do Rio nem a de São Paulo que viu o primeiro aeroplano brasileiro elevando--se do chão. 366


Aconteceu num simples fundo de quintal, na então pequenina Osasco, próxima à capital do estado paulista. Um industrial francês, fabrican te de encanamentos de barro, e um torneiro-mecânico brasile iro foram os protagonistas do feito. Eram eles Demetrie Sensaud de Lavaud e Lourenço de Pellegati, os quais, em 7 de janeiro de 1910, chegaram à altura de 4m, voando 103m, em 6,18 seg, num monoplano por eles totalmente projetado e construído, que denominaram São Paulo. Esse primeiro vôo com avião no Brasil, aqui todo construído e só com material nacional, se bem que de curta duração e extensão, e a pouco mais que a rés do solo, constituiu fato marcante, porque colocou o Brasil em total primazia na América do Sul, onde Argentina e Chile igualmente já se destacavam em aviação . Além disso, a vitória de Sensaud e Pellegati serviu para aumentar ainda mais o entusiasmo pelo vôo. A posterior exposição do monoplano São Paulo, no cine Polytheama. em pleno centro da capital paulista , era visão que emocionava . Nem mesmo o acidente fatal que, em seguida, vitimou um corajoso comprador do aeroplano, arrefeceu o entusiasmo da população pela importância desse feito. Durante 1910. na França, aperfeiçoava-se a incipiente indústria aeronáutica, fa bricando principalmente aeroplanos Voisin e Blériot (projetado em ci ma do desenho do Demoiselle de Santos-Dumont) , e ofereciam-se cursos gratuitos de pilotagem a seus compradores, ao mesmo tempo em que se iam tornando famosas a Ecole d'Aviation Farman na cidade de Etampcs, ao norte da França (Oise). e a de Blériot, em Pau, ao sul (Sensaud de Lavaud havia iniciado lá as suas atividades de vôo).

, Fig . 91 _

Em 1910, o FarlTUln era apelidado de "engradado de galinha" .

367


A esse tempo, também se desenvolvia a aviação na Itália, in· clusive com o já mencionado emprego de aeroplanos fabricados por Blériot, na guerra contra a Turquia. A colônia italiana radicada em São Paulo não perde a oportunidade de mostrar a habilidade de seus compatriotas pilotos, proporcionando a vinda ao Brasil de dois grandes ases: Germano Ruggerone e Giulio Piccollo. Ruggerone, apelidado de Eros, escolheu o grande Hipódromo da Mooca para as demonstrações no seu aeroplano tipo Farman, enquanto Piccolo ficou no estádio menor, o Velódromo, com seu pequeno Blériot, motor de 50 HP. E foi aí, na pista de 100m, destinada a passeios de bicicletas, que ele veio a se acidentar, numa decolagem experimental, na véspera do Natal de 1910 . Triste marco: Piccollo jaz como a primeira vítima estrangeira de acidente mortal em avião no Brasil. Ruggerone, no dia seguinte, Natal de 1910, tentou por várias vezes fazer um belo vôo, a fim de presentear as expectativas da assistência que ocupava as arquibancadas e as tribunas do Prado da Mooca, e que pagara de 2 a 5 mil réis o ingresso. Talvez porque ainda estivesse perturbado com o choque da morte do companheiro, talvez porque as fortes lufada·s de vento vespertino . dificultassem o comando do aparelho. o fato é que o Farman apenas conseguiu elevar-se a poucos metros do chão. Uma semana. depois, no dia de Ano Novo de 1911, Ruggeron~ volta ao Prado, na tentativa de ganhar o Prêmio Santas-Dumant, oferecido pelo Aeroclube de São Paulo. Outra vez o vento lhe foi adverso, prejudicando sua ascensão e, o que foi pior. causando ruidosa manifestação de vaia e apupos pela platéia, inconformada com aquelas fracas exibições de vôos de 30 ou 40 m de altura. Houve até interferência da Polícia, para evitar 368


Fig. 93 - Germano "Eros" Ruggerone, primeiro estrangeiro a voar no Brasil (25 dez 1910), inspirava confiança a/é nas da· damas, como a Srta. Renala Crespi.

a invasão da pista. Mesmo assim, Ruggerone fez jus ao Prêmio, prometendo realizar melhores apresentações ... De fato, em vôos posteriores, a real perícia desse piloto italiano pôde ser constatada, revelando sua imagem de hábil aviador e inspirando a confiança de quantos assistiram às suas manobras aéreas. Tanto assim, que muitos foram os que atenderam aos anúncios do Correio Paulistano: "Na casa dos Srs. Marcello & Cia. , à Tua Brigadeiro Tobias n.O76~ foram abertas hontem as inscrições para as pessoas que desejarem subir, com o aviador Ruggerone no seu biplano, typo Farman. Já se inscreveram alguns cavalheiros." 3

Foi Germano Ruggerone que inclusive levou aos ares a primeira mulher que voou no Brasil - Renata Crespi - , em 8 de janeiro de 1911 .26 De tal fonua foi o sucesso na Capital Paulista causado pelos vôos do Farman, neste início de 1911 , que o italiano Eros Ruggerone é, por vezes, ainda hoje, mencionado como o primeiro piloto a voar no Brasil, relegando-se a injusto esquecimentp o feito do esforçado francês Demetrie Sensaud de Lavaud, com seu monoplano brasileiro São Paulo, em 1910, na cidade de Osasco. 369


Depois de sua aclamação em São Paulo, Ruggerone passa a voar no Rio de Janeiro, no Jockey Club, quando notícias da imprensa carioca já registravam as tentativas de vôo feitas no Derby por Gui~ lherme Antônio Magalhães Costa e Franz Rode, no monoplano Gra~ de, e de Henrique Oleirich, que, então, já sonhavam alcançar Niterói, atravessando o mar por sobre a Baía de Guanabara, num verdadeiro e audacioso reide aéreo pioneiro. Também no Rio os vôos de Gennano Ruggerone, iniciados em 29 de janeiro, alcançaram sucesso, não sendo poucos os que com O famoso piloto quiseram aventurar-se num passeio aéreo, pagando o alto preço cobrado por certa Empresa Brasileira de Aviação (que de aviação só tinha o vôo do dinheiro, do bolso dos espectadores para o caixa de suas bilheterias no Jockey Club). Até mesmo uma senhorita, Dolores Silva, candidatou-se, tornando-se a primeira mu~ lher a voar no Rio, em 12 de fevereiro de 1911.26 A cada dia o interesse pelo avião e o desafio à coragem para voar faziam da aeronáutica uma nova forma de lazer e aventura, e aviadores autodidatas apareciam; nem sempre bem preparados, faziam aumentar o número de acidentes, como o caso do jovem paulista Alaor Teles de Queiroz, primeira vítima fatal brasileira, morto em 3 de junho, em conseqüência da queda com o Blériot que pilotava sobre as pistas do Prado da Mooca. Este Blériot era o recuperado aeroplano que também já conduzira Piccollo para a morte.78 Voltemos a Gennano Eros Ruggerone. Sua estréia em céus cariocas tinha sido um verdadeiro aconte~ cimento, presenciado inclusive pelo Presidente da República, Mar.echal Hermes Rodrigues da Fonseca, também entusiasta da aviação e que nela deposi.tava crédito para emprego militar. 3. Interesse Militar Foi Hermes da Fonseca, Quando anteriormente Ministro da Guerra, quem primeiro tomou a -iniciativa de dotar o Exército com pessoal e equipamento de aerostação, enviando à França o Tenente de Cavalaria Juventino Fernandes da Fonseca, para que lá fizesse curso de navegação aérea, em balões. Esta iniciativa, porém, não trouxe as conseqüências desejadas. Embora já tivesse feito várias ascensões na Europa, logo na primeira tentativa, quando de seu regresso, para demonstrações ao Ministro. o Ten. Juventino sofre acidente, vindo a perder a vida. Aconteceu na Serra do Barata, no dia 20 de maio de 1908, em Realengo, subúrbio carioca onde estavam instaladas a EscoJa Preparatória de Tática e a Fábrica de Cartuchos e Artefactos de Guerra, do Exército. Tinham antecedido a Juventino, no início do século, os aeronautas portugueses Guilherme Magalhães Costa, que, em 7 de maio de 1905, no Rio de Janeiro, fizera com sucesso uma ascensão aeros· 370


Fig. 94 -

Marechal Hermes, primeiro incentivador da aviação militar no Brasil.

Fig. 95 -

A fatal ascensão do ren. luventino malogrou a Aeros/ação Exército Brasileiro (20 mai 1908).

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tática no seu balão livre Portugal, em companhia do fotógrafo da Gazeta de Notícias Paulino Botelho, partindo da Praça da República e descendo em Cachambi, Méier, após uma hora e quarenta minutos; Antônio da Costa Bernardes, conhecido jocosamente como Ferramenta, que, também em maio, dia 28, subira com O balão Nacional, no Rio; Alfredo Gomes de Figueiredo, que comprara o Nacional do Ferramenta e tinha feito uma ascensão em Belém do Pará, a 14 de dezembro deste ano de 1905. Em 1906, no dia 24 de janeiro, também o brasileiro Alaor de Queirós, que fizera uma ascensão, a primeira realizada em São Paulo, por um brasileiro, e viria a repetir o feito em Santos. Ainda neste ano, há notícias de que José Pereira da Luz (o cearense Zé da Luz) teria construído vários balões de papel grosso impermeabilizado, mas com os quais não logrou sucesso em ascensões. No entanto, com um outro, importado da França, ao qual chamou de Brasil, chegou a subir por duas vezes. Na sua segunda experiência, porém, alguém lhe furou o balão em plena largada, causando uma queda repentina, danos em alguns telhados e fraturas no balonista . .. Il Em 1907, Manoel Bento de Andrade, auxiliado por Alaor, ascendeu no balão Bartholomeu de Gusmão, em lO de março. Alfredo Gomes de Figueiredo voltaria a fazer outras ascensões no Brasil, com um novo balão livre, o D. Manuel, 1,1Uma das quais acidentar-se-ia mortalmente. isto já a 18 de junho de 1909. em Niterói.50 No Paraná, até uma mulher aeronauta, a francesa Maria Aída, tentara ascender em balão livre, mas tinha ficado presa no pára-raios da torre da Catedral de Curitiba, em 21 de abril de 1909.M O episódio de Juventino Fernandes da fonseca. embora infeliz, evidencia a preocupação brasileira com as vantagens do emprego bélico de aparelhos aéreos, já demonstrada durante a Guerra do Paraguai . O próprio Santos-Dumont já se prontificara a colaborar com as forças armadas francesas, em caso de hostilidade com um país qualquer que não fosse das duas Américas - a carta dirigida ao Ministro da Guerra francês foi transcrita na Parte II I deste livro. 4. Reide Praça Mauá-Ilha do Governador Ainda neste ano de 1911, aparece no Rio de Janeiro um novo jornal, o vespertino A Noite, sob a direção de Irineu Marinho. Desde logo A Noite se mostra disposta ao incentivo da aviação no país. Uma de suas primeiras iniciativas a esse respeito foi fazer retornar à Capital Federal um bom piloto francês. com curso da Escola Blériot, em Pau, e brevetado pelo Aeroclube de França - Edmond Plauchut, que se havia retirado do Rio para voar em Santos (SP), onde chegou a ganhar um prêmio municipal denominado "Bartolomeu de Gusmão", 372


Fig. 96 - lrineu Marinho - grande incentivador da aviação no Brasil.

Fig . 97 -

Plauchut realizou o I.· reide do Bra.si/: Pça. Maud Governador (22 OUl 1911).

Ilha do

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Plauchut, que já vivia no Brasil há muitos anos, sendo, inclusive, casado com uma brasileira, vem a estabelecer-se no Rio, construindo um hangar no longíquo subúrbio carioca de Santa Cruz. Sob o patrocínio de A Noite, é oferecido um prêmio vultoso ao piloto que completasse o reide Praça Mauá-llha do Governador, num percurso de 48 quilômetros .sobre a Baía da Guanabara . Plauchut concorreu sozinho, já que seu possível oponente, Magalhães Costa, como apontado pela imprensa, não chegou a tempo de trazer o monoplano Grade, do seu companheiro alemão Franz Rode, com o qual se vinha exercitando na cidade fluminense de Campos. Para' cumprir o trajeto, o aviador teria de acompanhar todo o 1itor~l da cidade, a caminho da Ilha das Cobras, dando aí uma volta pela Ilha Fiscal, em direção ao ancoradouro dos navios de guerra; daí, voltar. aproximando-se sempre do litoral, com destino ao ponto de partida, até que, chegando à altura da Praia do Caju, seguiria rumo à Ilha do Governador, onde aterraria na Praia do Zumbi. O regulamento previa, como ponto de partida ao terreno n.o 316, da Praia do Caju, cedido gentilmente para esse fim pela firma Belmiro Rodrigues & Cia. IIM Mas, "devido' à reverberação de luz que se espelha na superfície da água e que se reflete para o alto, sendo um sério embaraço para o aviador",. conforme explicou A Noite , Plauchut fez a decolagem do seu Blériot em plena pista da Avenida Central (hoje Avenida Rio Branco), próximo à Praça Mauá, na manhã de um domingo chuvoso, 22 de outubro, para o vitorioso e milionário percurso, que lhe valeu a quantia de 10 contps de réis (nessa época, um automóvel importado não chegava ao preço de 1 conto de réis).

Fig. 98 -

374

Plouchut transformou a Av . Central em pista de decolagem!


5. Criação do Aeroclube do Brasil A maior realização de A Noite em favor favor da aeronáutica brasileira veio por intermédio do redator Victorino de Oliveira, ao idealizar o A ero-Club Brasileiro (hoje com 'nome de Aeroclube do Brasil), com o decidido apoio de lrineu Marinho .

( \

.

Fig. 99 - Viclorino de Oliveira dealizador do Aero-Clu b Brasileiro.

Fig . 100 - O Almle. José Carlos de Carvalh o formou, com Alberto Santos·Dumon/, a primeira presidência do Aero-Club Brasilei~o

Desde o início da primeira década do século XX, vinha-se avolumando o anseio de se criar a aviação brasileira de guerra, capaz de engrandecer nossas forças armadas e conferir maior segurança à soberania nacional. As bases desses anseios brasileiros, que traduziam um real espírito nacionalista, assentavam-se em quatro fatos principais: 375


- o desenvolvimento da aeronáutica de nossos vizinhos, tanto da América do Norte, como da América do Sul, onde Argentina e Chile já sobressaíam; - o sucesso do emprego bélico de aviões pelos italianos, na guerra contra os turcos, pela posse da Líbia;' - a crescente segurança dos vôos, revelada pela habilidade dos pilotos que se. dedicavam ã exibições acrobáticas, e comprovada com o sucesso do grande reide que foi a travessia do Canal da Mancha por Blériot, em 25 de julho de 1909. - o crescimento da indústria aeronáutica e a proliferação dos cursos de pilotos. principalmente na França. Isso era constantemente veiculado por toda a imprensa da época, aumentandÇ> as expectativas dos brasileiros quanto à criação da arma aérea. Foi, portanto, a partir dessas aspirações, que o Aero-Club Brasileiro surgiu, em 14 de outubro de 1911, desde logo recebendo adesão de inúmeros entusiastas civis e militares. Como seu Presidente-Honorário, foi escolhido Santos-Dumont, sendo eleito Presidente efetivo o Almirante José Carlos de Carvalho. Na ata da primeira reunião, já constam nomes como os dos Marechais José Bernardino Bormano e Alfredo Müller de Campos; aviadores Magalhães Costa, Franz Rode e Edmond Plauchut; do jornalista Victorino de Oliveira, do Dr. Ennes de Souza, do Comendador Gregório Garcia Seabra e do deputado Correia de Freitas, entre outros.

"Para permitir a fundação de uma escola de aviação e dotar O nosso Exército e nossa Marinha com aparelhos de voar os mais modernos", o Aero-Club planeja, de imediato, campanha para levantamento de fundos, mediante subscrição pública em todo o país, sob o lema Dêem Asas ao Brasil. As importantes adesões às idéias e iniciativas de A Noite vieram confinnar que era irrevogável e decisivo o ingresso dos brasileiros nas atividades aeronáuticas, marcando "o início de uma era de prosperidade para a arte difícil de voar entre nós", como se lê num dos editoriais do vespertino. De fato, tornou-se cada· vez mais intensa a atividade aviatória nesse final de ano e princípio de 1912. Ernesto Darioli, piloto italiano, passa a voar no Rio, conduzindo um Blériot, nos campos do Derby e de São Cristóvão; Porto Alegre (RS) vê por primeira vez o vôo de um avião, partindo da praça do Portão, pilotado por Bartholome Cattaneo (que, infelizmente, cai no Morro do Menino Deus); Darioli alarga seu vôo e alcança a cidade de Petrópolis; uma empresa de demonstrações aéreas, a Queen Aviation Company Limited, chega ao Rio, vinda de Nova York. 376


Figo 101 -

Darioli e seu Blériot voam oté Petr6polis.

Essa companhia mantinha sob contrato grandes ases da pilota· gem francesa da época, como René Bairier, Edmond Audemars, Cbar· les Voisin e Roland Garros, e possuía seis monoplanos Blériots, um Nieuport e um DemoiselIe, c6pia do que Santos-Dumont construíra em 1907. Logo, esses pilotos passar~m a fazer vôos sobre a cidade, a partir do prado do Jockey Club, preparando-se para uma grande pa· rada aviat6ria, a primeira a se realizar no Brasil: a Semana de Avia· ção, organizada pelo Major Paiva Meira, do Exército,66 com a Queen e seus /caros Modernos (como a Revista da Semana qualificou os aviadores). Seu início foi programado para 17 de janeiro de 1912. Durante o evento, foram executados reides a Santa Cruz, Niterói, Petrópolis e Teres6polis, além de vôos "de fantasia e altitude", como se dizia na época, e passeios com passageiros, entre os quais voou 377


o Tenente do Exército, Adjunto do Major Meira, Ricardo Kirk.M Roland Garras, além de ser detentor do primeiro recorde de altura, em França, subindo a 3.910 m com um Blériot de 50 HP, em Cancale," foi o que mais se destacou pelo arrojo e perícia, tendo recebido um enorme prêmio de 50 contos de réis. dado pelo Governo J;\rasileiro.

o inter/UJCjonaJmente conhecido aviador Rofand Gorros,

Fig , 102 -

6. Reide São Paulo-Santos-São Paulo

Todas essas demonstrações da Queen, no Rio de Janeiro, foram vivamente acompanhadas, em' São Paulo, por um piloto brasileiro, formado pela Escola de Blériot. em 28 de julho de 1911 - o segundo civil brasileiro brevetado em França (Brevê 559 da FAI - Federation Aeronautique Internationa/e). O primeiro fora Santos-Dumoot. Era o paulista Eduardo Pacheco Chaves, conhecido como Edu Chaves. que, com dois Blériots, mantinha uma escola de vôo na Fazenda de Guapira, perto do centro da Capital Paulista, entre os bairros Santana e Guarulhos. Ele já conseguira fama na Europa, ao se tomar o primeiro aviador a fazer vôos noturnos, entre Paris 378


e Orleans, e ao conquistar o Prix des Escales, destinado ao pilo.to que, num percurso ·de mil quilômetros, fize"sse o maior número de escalas - Edu fez 27, com perfeitos pousos e decolagens."

Fig . 103 -

Edu Chave$, que ganha,ia a amizade de Garras .

fi

a gratidão

o Governo de São Paulo havia of~recido um prêmio tentador de 30 contos de réis a quem vencesse -a difícil transposição aérea da Serra do Mar, num vôo desafiante de ida e volta a Santos, em rota de constantes nev:oeiros, sobre a mata serrana e com o açoite de fortes turbulências. Edu não podia deixar de tentar vencer aquela prova; não pelo dinheiro, pois era de família ricà, mas pelo desafio ao seu conhecido arrojo e perícia. Porém, ele não seria o único candidato. O famoso Rolam! Galfos, da Queen Aviation Co. Ltde., ~ambém iria tentar o reide. Essa competição viria ainda a ser mais notabilizada pelos fatos que envolveu. Ambos os pilotos voariam com tipo idêntico de aviões, o conhecido Blériot, sendo que o de Edu era novo, importado com o 379


propósito único da disputa, estando recém-chegado, todo desmontado, ainda no porto de Santos, enquanto que Garros já preparara o seu, no campo do Parque Antárctica, em São Paulo mesmo. A partida fora marcada para a manhã de 8 de março de 1912. No entanto, ambos enfrentaram problemas: Garros, na Capital, com defeitos de moror; Edu, por falta de tempo hábil para montar seu novo aparelho, sair de Sanios e chegar a São Paulo à hora do início do reide. Tomando conhecimento das dificuldades de Garros, para quem a importação de peças da Europa levaria semanas, Edu toma uma incrível decisão: retira dos seus outros aviões as partes necessárias ao seu competidor e as envia para ele, permitindo ao francês decolar com destino a Santos e cumprir; sozinho, a primeira etapa do concurso. Quanto a Edu, voluntariamente já alijado da competição, foi cordialmente aguardar, em vôo, sobre as praias santistas, aquele que, de oponente, passou a ser seu verdadeiro admirador. No regresso a São Paulo, que ambos fizeram no dia seguinte, 9 de março, em vôo conjunto, outra vez Edu ajuda seu ex·competi· dor, orientando·lhe a rota com aux11io de bússola, de que Garras estava desprovido. Esses fatos foram posteriormente relatados e elogiados pelo próprio Garros, em carta dirigida ao amigo Jacques Mortane, que a publicou em seu livro lA Chevauchée des Mers: L do qual nos permi· timos ora traduzir o trecho contendo as referências sobre Edu:

fig. 104 -

380

No clu da! praim de !ilm'os. Edu aSJlarda Garros. vencedor do reide São Paulo - Santos (08 mar 1912) .


"Buenos Aires, 28 de março de 1912 ( ... ) Tive em São Paulo todos os aborrecimentos possí~ veis: meu velho Gnome do recorde de altura, que ainda funciona há quase nQve meses, acabou falhando, por causa de duas válvulas se/eloras desgastadas. li claro que não tinha estas peças indispensáveis e fiquei três semanas parado, às vésperas de um prêmio de 30 mil francos, para ir de São Paulo a Santos e voltar. Desmontei e montei o motor ql«ltro vezes, para ver se dava um jeito, sem encontrar solução. Por fim, tive de recorrer ao material cedido pelo amigo Chaves, o aviador brasileiro que ganhou, há alguns meses, o Prêmio das Escalas, em Orleans . Eu lhe fiquei devendo um grande favor e quero que você também fique sabendo do gesto elegante e raro deste colega - agora um amigo - emprestando-me as peças~ das. quais ele poderia precisar no dia seguinte~ e que me permitiram ganhar o prêmio que ele viria a ganhar sem concorrência . O percurso era de quarenta quilômetros~ em direção a formidáveis montanhas cobertas de florestas virgens~ absoltamente impenetráveis. Na ida gastei quarenta e cinco minutos e~ no regresso, cinqüenta. A ida foi perfeita~ mas o retorno, no dia seguinte, foi bastante dificultado por densas e abundantes nuvens~ sobre as serras. Eu não tinha bússola - justamente nessa ocasião - e seria preciso passar entre as nuvens e os çumes, sofrendo maus momentos, que me faziam pensar na queda de Frey, na rota Roma-Turim.

Fig. 105 -

o

Blériot uniu Edu e Garras.

381


Chaves, que teve a gentileza de me acompanhar neste retorno, pôde, graças a sua bússola, voar por cima da montanha e acima das nuvens . Em pouco tempo tudo acabou, felizmente."

Um outro fato ligado a Edu Chaves dar-lhe-ia o privilégio de ter sido um precursor do correio aéreo: no seu vôo a São Paulo, acompanhando Garras, foi portador de uma carta da firma de café Antunes dos Santos & Cia., endereçada ao Sr. George Corbusier: 71 "Temos a satisfação de cumprimentar V. S./I por intermédio do nosso amigo Eduardo Chaves, arrojado aviador, que causou assombro à população de Santos, nas suas ascensões, assim como notável Sr. Garros. Certos da feliz travessia Santos-São Paulo, nos regozijamos por tão ousada iniciativa." (Transcrito do jornal Cidade de Santos, pág. 21, de 20.09.81.)

°

Fjg . 106 -

Com um 8Mriot i~ual a este, Edu quase inaugurou a Ponte Aérea São Paulo - Rio .

Após O grande reide pioneiro São Paulo-Santos-São Paulo, em 8/9 de março de 1912, Roland· Garros despede·se do Brasil e conti· nua sua tournée de vôos de demonstrações pelo mundo afora. Edu Chaves vem a tentar um reide novo, voando de São Paulo ao Rio de Janeiro, em 28 de abril, s6 não conseguindo completá-lo 382


por ter caído perto de Praia Alta, Itacuruçá, Município do Rio de Janeiro . Volta, então, para as atividades dt:! instrução aérea em São Paulo, na sua fazenda de Guapira . . 7. Primeiro Aviador do Exército No Rio, ainda em 1912, Ernesto Darioli também passa a se dedicar à instrução de pilotagem, "cobrando 50 mil réis por duas lições" (compare-se com o preço de um jornal da época: 100 réis). ut ilizando..se de um hangar em Santa Cruz, possivelmente aquele construído por Edmond Plauchut, que, nesse tempo, j á havia abandonado a av iação, a pedido da família, e se estabelecido como comereia'nte, em São Paulo.26 Foi com Darioli que um Tenente de Infantaria do Exército, Rica rdo João Kirk, tomou as primeiras aulas de aeronáutica, lá em Santa Cruz (seu primeiro vôo, como vimos, fora com Roland Garras). Kirk, entusiasta de aviação e um dos primeiros sócios do recém-fundado Aero-Club Brasileiro, foi logo indicado, pela direção daquela nova entidade, para compor, ainda com Plauehut e mais o General Henrique Martins, a comissão que deveria escolher terreno adequado para um campo de instrução aérea. Isto porque, lembra-

Fig . 107 -

Kirk - Primeiro Aviador do Exércj,o .

383


mos, uma das principais metas do Ae'ro-Club era a organização de uma escola de aviação; assim, iria prestar " valioso concurso à A viação Mmtar se o Governo quiser instituir o aeroplano como arma de guerra como, mais tarde ou mais cedo, há de instituir, a não ser que o nosso Exército e a nossa Marinha fiqu em num verdadeiro retrocesso de meios de ação" - pelo menos, era essa a visão de A Noite, em 26 de julho de 1912. Com efeito, a idéia de dotar o Exército com a arma qe aviação já vinha efetivamente desbordando há algum tempo; só para citar um exemplo: em sua edição de 12 de maio de 1912. A Noite publica uma carta polêmica, talvez mesmo irreverente, de um aluno da Escola de Guerra, que o vespertino endossou com a afirmação ué preciso fazer-se alguma coisa no Brasil em favor do aeroplano". Conheçamos a opinião do aluno Aliathar Martins: "Escola de Guerra, maio de 1912. Sr. redactor. - Peço acolhimento para a minha idéa, que, estou certo~ merecerá approvação de todos os verdadeiros patriotas . Agita-se no mundo inteiro, a questão da Aviação Militar; inutil seria fallar sobre as já tão conhecidas van tagens do aeroplano como arma de guerra e a melhor prova da utilidade do apparelho voador é a sua adopção nos melhores exercitos do mundo, tendo a França e a Allemanha consagrado, cada uma, cerca de 20 milhões de francos a construcções das suas Irotas aereas. No nosso paiz ainda se acha em esboço a questão da Aviação Militar, mas adivinha-se para breve um grande movimento no nosso meio em prol da já celebre quinta arma. Com el/eito, o nosso patriotico Aero-Club já muito tem con· seguido e em breve o nosso publico poderá ver aviadores brasileiros e aqui educados, vogarem sobre nossas cabeças. Mas não basta essa iniciativa particular; é preciso que o povo se interesse na questão e concorra também para a grandiosa obra . Ora, muito dinheiro já foi subscripto para a acquisição do novo Riachuelo, perfeitamente dispensavel e inutil no momento actual, porque já temos tres grandes couraçados que juntos, exigem de tripolação 2.700 homens e quem sabe si poderiamos tripolar um apenas! Vindo o outro ficará sem guarnição, nem para a conservação, pois a nossa marinha não tem marinheiros. 384


Seria mais racional que os tres ou quatro mil contos de réis subscriptos para o couraçado, fossem empregaoos na acquisição de aeroplanos e contracto de aviadores habeis que viessem instruir os nossos ofliciaes do Exercito. Lucraria muito mais o Brasil, em ter 50 aeroplanos guarnecidos que um grande couraçado se estragando na nossa bahia. De V. etc. -

Aliathar Martins, alumno."

Pouco tempo depois, como que respondendo aos anseios de seus comandados, o General Vespasiano Gonçalves de Albuquerque e Silva, Ministro da Guerra, decidiu mandar um militar à França, a fim de receber adequada instrução de vôo; e o indicado não foi outro, se não o Ten. Ricardo João Kirk, por suas qualificações: iniciado em pilotagem, por DarioU, e ligado a assuntos aviatórios, em função de suas atividades no Aero-Club.

Fig . 108 -

General Vespasiano propiciou a primeira escolCl de aviação no Brasil .

385


8 . O Aero-Clube se Engrandece Em 2.1 de julho de 1912, o Ten. Kirk parte para a Europa, não antes de ter dado novo impulso à campanha do Aero-Club Dêem Asas ao Brasil, espalhando listas de subscrição em todo o país . Como Diretor·Secretário, completou a revisão dos estatutos da entidade e deixou cumprida também sua parte no grupo que escolheria o local destinado ao campo de .aviação da almejada escola civil. Em face de wlicitação do Aero-Club, feita logo após sua fundação em fios de t 9 J I , o Presidente da 'República, Marechal Hermes; havia concordado em ceder o terreno que fosse indicado pela comissão, que, afinal escolheu uma área de alguns quilômetros quadrados, na antiga Fazenda dos Ajansos, agora de propriedade do Governo, situada na zona suburbana carioca, "por detrás da Vila Militar de Deo· doro". Nessa sua viagem, Kirk trataria também da filiação do Aero· ·Club à Federação Aeronáutica Internacional (FAI), com sede na França, sem o quê os brevês que viesse a conceder não teriam vali· dade reconhecida . Enquanto Kirk se afastava do Brasil, chegava ao Rio, em agosto de 1912, o aviador italiano Gian Felice Gino, brevetado por 'nova escola, a de Caproni, em Milão, e que já se havia exibido no Norte e Sul do país, tendo até mesmo se acidentado em Belém, onde fizera apresentações assistidas inclusive pelo Presidente do Estado. A convite do Aero·Club, Gino realiza vôos no Campo de São Cristóvão, com um Blériot de 50 HP, ' em benefício da campanha Dêem Asas ao Brasil. Vendo nessa campanha uma oportunidade de realizações finan· ceiras, o aviador italiano aliou sua habilidade em pilotagem ao espí· rito comercial, juntando·se aos compatriotas Vitório Bucelli. Eduino Orione e Arturo Jona, para criar a firma Gino. Bucelli & Cia., logo oferecendo ao Aero·Club Brasileiro os serviços da Empresa, para ar· ganizar a tão almejada Escola de Aviação. No entanto, o ofereci· mento. foi recusado, Aero·Club argumentando que, face à Campanha ser em âmbito nacional, assumira compromisso com todo o povo brasileiro, "não podendo, portanto, aceitar que se crie um monopólio em mãos de estrangeiros", conforme consta em sua ata de 4 de outubro de 1912 . Frustrados em seus propósitos junto ao Aero-Club, Gino, Bucelli & Cia. vão propor a prestação dos mesmos serviços ao Ministério da Guerra, dirigindo·se diretamente ao General Vespasiano, titular daquela pasta .

°

386


CAPITULO 3

PRIMEIRAS ESCOLAS DE AVIAÇÃO

1. A Escola Brasileira de Aviação: Origens

is o teor da proposta apresentada por Gino, Buccelli & eia.

E

ao Ministro da Guerra, nofinal de1912: "Pela firma de . Gino: - criação, à custa própria, de uma escola de aviação, denominada Escola Brasileira de Aviação, nos moldes das melhores l da Europa;

- aquisição de uma flotilha de 11 aeroplanos. de diversos tipos e potências, adequada à instrução; - biplano FARMAN, de 50 HP, para escola e passageiros - :2; - monoplano BLERIOT, "de 50 HP, para concursos, reides, etc. -1; - monoplano BLERIOT, de 25 HP, par.. escola - 4; - monoplano DEPERDUSSIN, de 100 HP, para passageiros - 1; - monoplano NIEUPORT, de 100 HP, para passageiros - 1; - hidroplano, para passageiros _ 1;&4

-

construção -de hangares e oficinas;

- cessão ao governo de todos os aparelhos, equipamentos e pessoal, em caso de guerra, manobras militares ou quando ne-

cessário; - cumprimento · do contrato por 5 anos, quando, então, a Escola passará à posse do Governo, bem como todos os aviões. 387


Pelo Governo Brasileiro: - permissão para uso do campo na Fazenda dos Afonsos; - garantia de matricula de, pelo menos, 50 militares (Exército e Marinha), mediante pagamento de 2 contos de réis por aluno (possivelmente para 'os 3 primeiros anos); - pagamento de 50 contos de réis, logo ap6s a matrícula dos 25 primeiros alunos, no dia seguint.e ao de inauguração ou no início do funcionam ento da Escola; - 50 contos restantes, 3 meses depois, havendo iá oficiais brevetados e na ocasião das matrículas dos outros alunos; - cessão de 10 homens do Exército: '3 carpinteiros, 3 mecânicos, 4 ajudantes; - custeio mensal das despesas com recuperação de danos causados aos aparelhos pelos alunos; - designação de um Oficial Superior do Exército para fiscalizar as atividades da Escola.'151 • 14

Esta foi a proposta final aceita pelo Ministro da Guerra, Gen. Vespasiaoo, ap6s estudos e análises. Um ajuste definitivo é assinado, em 18 de janeiro de 1913, sendo solicitado à Marinha o Tenente Jorge Henrique Moller (então o primeiro e único militar brasileiro já brevetado, em 29 de abril de 1911, pela escola francesa de Farmao, para exercer as funções de Fiscal do Governo.

Fig. 109 -

388

Molfer -

Primeiro Aviador d4 MarinhD .


Este acordo estabelecido entre o Exérçito e a finna Gino, Bu~ celli & Cia" não bem conhecido da imprensa, foi por A 'Noite bas· tante criticado, sob acusação de que, além de não ter sido apreciado pelo Estado~Maior do Exército (que, segundo asseverava o vesper~ tino, certamente o teria recusado), constituía mera transação comercial, em que as vantagens maiores pendiam para Gino e Buce~li , enquanto que ao Exército eram atribuídos gastos inúteis e grandes, sem que deles se auferissem benefícios efetivamente correspondentes e adequados, em termos militares, Entretanto, o próprio vespertino, confessando que "estranhamos'duramente a assinatura de tal contrato", voltou ao assunto para esclarecer o público, verificand-o que a nota de A Noite fora recebida com desagrado por aquela corporação, por ter sido menos justa'\ e, em sua edição de 20 de agosto de 1913, numa entrevista com o Ten. Kirk, se fica sabendo: ('a.dministrador experiente", segundo o entrevistado, por medida de cautela, o Ministro da Guerra, General Vespasiano, não firmara contrato com Gino & Cia., tendo apenas estabelecido um ajuste, Acrescentou ainda que o Ministro achou por. bem não se valer do concurso do Aero-Club, uma vez que esta instituição ainda não tinha efetivamente uma escola organizada; que o Aero·Club não propôs auxílio ao Exército, na organização de uma escola de aviação, mas sim que lhe fosse entregue a importância dos 150'contos de réis que o Congresso cedera ao Exército para o serviço de aviação militar. Finalmente, cOJ;1c1uiu o Ten. Kirk, segundo o jornal, que "o General agradeceu o desinteressado auxílio que lhe oferecia o Marechal Bormann e, .o que é pior, preveniu-se contra -o Aero-Club Brasileiro". 2. Conseqüências para o Aero-Club Por esse final' da entrevista é que se pode depreender o quanto de dificuldade tivera o Aero-Club para receber o terreno escolhido na Fazenda dos Afonsos, confonne registrado em diversas atas de reuniões semanais (a cessão do local só fora acontecer em novembro de 1912, após transcorridos cinco meses de efetivada a escolha pela Comissão, e mesmo assim a título precário, após inúmeras interferências de pessoas influentes, junto aos Ministros da Guerra e da Justiça). Contudo, o Aero-Club continuava suas atividades com o propósito de fundar sua escola de aviação, de âmbito nacional e para candidatos civis e militares' Quando o Ten. Ricardo Kirk regt:essa de França, em abril de 1913, onde se brevetara em 22 de outubro do ano anterior, passa o acupar o cargo de Diretor da Escola de Aviação do Aero-Club e já encontra a pista em construção nos Afonsos, na fase de terraplenagem. Esse ano de' 1913 foi marcado por intensa atividade aérea no Brasil. aumentando a freqüência das exibições proporcionadas por 389


pilotos estrangeiros. Em janeiro voaram, no Rio e em São Paulo, os irmãos Rappini , italianos: Michele, Napoleone e Elena, sendo ela a primeira aviadora a visitar a América do Sul. Em fevereiro, desta· caram·se os americanos David H. McCulloch e Wildman, trazendo um hidroplano Curtiss em 'missão de divulgação comercial. Após vários insucessos, o aerobote consegue voar, McCulloch, no dia 15 de abril, leva o Presidente Hermes da Fonseca e o Almirante Batista Franco, Ministro da Marinha, para passeios aéreos.26 Hermes da Fonseca foi, por isso, O primeiro presidente brasileiro a voar no Bra· sil. No entanto, este não fora o seu primeiro vôo: em 8 de ' julho de 1910, ele já havia voado num Farman, em Mourmelon, França, pilotado pelo Ten , Albert Fequant,13 Em maio, um aviador paraguaio, Pettirossi, realiza vôos acrobáticos sobre o prado do Jockey Club, no Rio, Em junho, dia 8, nosso brasileiro Edu Chaves realiza reide de São Paulo a Guarujá, Em julho e agosto, O francês Lucien Denn eau fa z arri scadas demonstrações aéreas, realizando a acrobacia de passar, em vôo, por dentro de um círculo em chamas. O piloto argentino Theodoro Fels faz vôos em São Borja (Rio Grande do Sul). Ao final do ano, os jornais noticiam que Edu Chaves, Jorge Moller, Estelita Augusto Werner, Ricardo Kirk, Cícero Marques e Raul de Lemos ensaiam vôos de 'hidroavião (resultado da propaganda de McCulloch e Wildman).u Com a campanha nacional de coleta de fundos ainda em andamento , Kirk volta à França, 'em setembro de 1913 , para compra de aviões, contando também com o recebimento da verba de 30 contos de réis, destinada ao Aero-Club, através do orçamento do Ministério da Viação (ao qual, na época, ficavam afetos os assuntos de aeronáutica), Outra vez dificuldades surgiram, agora para o recebimento desse dinheiro, conforme iria ficar registrado em ata do Clube, datada de 1.°- 10-14, transcrevendo relatório do seu então Presiden te, General ' Müller de Campos, ao encerramento de seu mandato:

"Foi uma verdadeira campanha, vencida à custa de ingen· tes esforços durante mais de seis meses. Por esse tempo, o Ministério da Guerra tratava de criar também uma escola de aviação militar, e o titular dessa pasta considerava uma concorrência nociva à escola do Governo a existência de outra escola civil, mantida pelo Aero-Club, e por isso exercia a sua formidável influência no Governo no sentido de não sú dada aquela quantia ao Clube,,,13 Em 6 de abril de ' 1914, Kirk regressa dessa segunda viagem à Europa, tendo adquirido para o Aero-Club, com dinheiro da campanha, doi s aeroplanos Morane-Saulniers e hélices sobressalentes, na tentativa de fazer ru~cionar a escola de pilotagem. Porque o Aero390


-Club ainda não tinha recebido aqueles trinta contos de réis da verba orçamentária do Governo, os trabalhos de preparo do seu campo de aviação, na faixa que lhe fora concedida na Fazenda dos Afonsos, ficaram atrasados. Assim, quando chegaram da Europa, os aviões tiveram de ser guardados, mediante aluguel, em hangar particular que havia sido construído naquele local, sob concessão do Aero-Club, pertencente a um engenheiro italiano, Nicola Santo, que se propunha construir e reparar aviões . No entanto, o espírito entusiasta de Kirk não se abate com mais esse revés, e ele cada vez mais se dedica ao Aero-Club, divulgando-o e mantendo-lhe viva a imagem, fazendo vôos com seu amigo e antigo instrutor Ernesto Darioli, agora também pertencente ao Clube. Com ele di sputou, em maio prova aérea de velocidade (Morane-Saulnier x Blériot, ambos de 80 HP), num circuito de 200 km, abrangendo a área delimitada por Afonsos, Av. Rio Branco, Ponta da Ribeira, na Ilha do Governador, e Santa Cruz, com regresso aos Afonsos. Não houve vencedor desta prova, já que nenhum dos dois pilotos conseguiu completar o percurso,16 Em 12 de junho Kirk e Darioli voam sobre o Rio de Janeiro com os repórteres Paulo Cleto e Freitas Pitombo, de A Noite, os quais produziram uma reportagem aérea, considerada a primeira do gênero publicada no Brasil, em edição de 18 de junho de 1914.

Fig . 110 -

Nos Afonsos, o Blériot sobrevoa as primeiras instalações da Escola Brasileira de A viação .

391


3. Os Matriculados na Escola Brasileira de Aviação Em fins de 1913, Gino & eia. já ultimavam providências para a inauguração da Escola Brasileira de Aviação, ajustada com o Exér· cito, instalada também na Fazenda dos Afonsos: da Europa, recebem uma flotilha de aeroplanos para ministrar instrução de vôo; fazem vir da Argentina um famoso ' aviador. Ambrosio Caragiola, também mecânico; constroem oito hangares geminados e terminam a sua pista de pouso e decolagem. Finalmente, em 2 de fevereiro de 1914, é inaugurada a Escola Brasileira de Aviação. Constituindo a primeira turma, foram mat ri· culados 35 alunos do Exército e 25 de Marinha.Entre os do Exército estavam:51 1.° Tenente Alzir Rodrigues Mendes da Silva, 2.° Tenente Raul Vieira de Mello, Anor Teixeira dos Santos, João Morais de Niemeyer, Carlos de Andrade Neves, Sargento Manoel Augusto de Azevedo Falcão, Hastimphilo César Curado Fleury, Luiz Madureira Pinho, Augusto Barbosa, Antônio Rozeiro de Almeida. Entre os da Marinha:!] Capitão-Tenente Estanislao przevodowski, 1.° Tenente Raul Ferreira de Vianna Bandeira, Virginius Brito de Lamare, Affonso Celso de Ouro Preto, 2.· Tenente Fábio de Sá Earp, Belisário de Moura, Irineu Gomes, Guarda-Marinha Mário da Cunha Godinho, Victor de Carvalho e Silva, Heitor Plaisant. 392


A instrução de vôo iniciou-se enfrentando algumas dificuldades. Dos 11 aviões prometidos no ajuste, só 9 foram adquiridos: em lugar do monoplano Blériot para concursos, do Deperdussin, do Nieuport e do Hidro, chegaram apenas um biplano Farman e urp monoplano Aerotorpedo, ambos de 80 HP. Os únicos instrutores eram o próprio Gian Felice Gino e Ambrosio Caragiola; atuando como 'Fiscal do Governo, ficou mesmo o aviador Jorge Henrique Moller.

Fig , 111 -

Animada inauguração da Escola Brasileira de Aviação (02 lev 1914),

Neste ponto, é interessante serem observados todos os dados sobre a escola: a cláusula sobre os aviões não foi perfeitamente cumprida; embora brasileira, toda a sua diretoria era estrangeira; mesmo já existindo pilotos brasileiros brevetados 'nas melhores escolas da França, os instrutores de vôo eram um italiano e um argentino; o Ten. Moller, embora piloto militar, era da Marinha, enquanto o Ten. Kirk, mesmo já brevetado e sendo do Exército, não pertencia à Escola de sua própria Força, dedicando-se inteiramente ao Aero-Club, onde ocupava o cargo civil de Diretor Técnico. Por outro, lado, não se tem registro de qualquer tipo de currículo escolar que orientasse a instrução teórica ou prática. Pode-se supor como tais fatores teriam' influído na sistemática administrativa da Escola, Entretanto, é fato que, em junho, um epílogo inesperado teve lugar: Gino, BuceUi & Cia. cancelaram seu ajuste com o General Vespasiano, interrompendo as atividades da Escola Brasileira de Aviação. Coincidentemente, o cancelamento se deu no mesmo dia em que Kirk e Darioli divulgavam ainda mais a aviação, através da reportagem aérea: 18 de junho de 1914. 393


A Escola Brasileira de Alliação fruslrou alunos como: (de pé) Plaisant, Ouro Prelo, Bandeira, Niemeyer, Solusliano, Madureiro fi Fleury; (sentados) Godinho, Anor e Mouro,

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mais importante, contudo, foi o ensinamento tirado do insucesso, que ficou como lição, para impedir que outros semelhantes viessem a ter lugar. Acontece também que a Escola de Gino se ressentiu das dificuldades naturais da época: demora na importação de peças de reposição, para conserto e manutenção dos aeroplanos, o que os mantinha indisponíveis, parados, sem poderem ser utilizados, causando irrecuperáveis atrasos na instrução; escassez de mão-de-obra especializada em mecânica de aviões; carência de instrutores, ficando todo o ensino a cargo de Gino e Caragiola; problemas financeiros, decorrentes de atraso~ nos pagamentos, causados por escassez de recursos monetários, em face da retração do crédito brasileiro no mercado internacional, verificado no governo do Marechal Hermes, Tudo isso concorreu pará que 'Gino se descuidasse da Escola, passando a ' ser alvo de críticas pelos próprios alunos. A um deles, Ten. Virginius de Lamare, da Marinha, é atribuída a acusação, pela imprensa, de que "os aviões estavam velhos e mal reparados e que só Caragiola tinha interesse pelos alunos", Possivelmente a acusação de De Lamare era ditada por sua irritação, em face de um recente desastre que 394


bem "mostrou o estado precário dos aVlOes de Gino: o Tenente do Exército João Morais de Niemeyer, pilotando um Blériot, em instrução de vôo da Escola, teve desprendida a hélice do aparelho, precipitando-se ao solo, apenas não perdendo a vida por ter conseguido, sabe-se lá como, controlar a queda do avião, o que lhe permitiu pular tão logo encontrou o chão. enquanto o fogo destruía o pequeno aeroplano. Poucos dias após, o Tenente Niemeyer pedia seu desligamento da Escola (depoimento prestado por seu filho, Cel. Euler Niemeyer). Alguns meses depois do fechamento da Escola, noticia-se ainda que um piloto brasileiro, Luiz Bergmann, queria reabri-la. No entanto, só ficou a intenção, e as instalações dos Afonsos foram doadas ao Aero-Club. Não é dificil inferir o quanto de prejuízo representou para o desenvolvimento da aeronáutica brasileira a paralisação dessa Escola, a primeira a funcionar no Brasil com o apoio oficial do Governo, principalmente se tivermos em mente que, nessa época, a Europa "já se preparava para conseqüências de um iminente conflito, em face da beligerância entre a Áustria e a "Sérvia (Iugoslávia, hoje), que redundou na eclosão da I Guerra Mundial (28 de julho de 1914), vindo a envolver todo o mundo, inclusive o Brasil, e que durou até 11 de novembro de 19 t 8, quando foi assinado o Armistício. lnfelizmente, foi melancólico, pode-se concluir, o começo do ensino aeronáutico "no Brasil, tendo por berço o Campo dos Afonsos. Hoje, no entanto, passado quase um século após esse começo, aquele local abriga a modem •. Universidade da Força Aérea (UNIFA), oongregando organizações escolares onde se cultuam e se propagam as tradições de tenacidade, de firme propósito, de abnegação dos homens da av iação, como exemplo daqueles que fizeram dos Afonsos um local legendário e simbólico da Aeronáutica Brasileira. 4. Campo dos Afonsos: Sua História

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F. por demais interessante conhecer um pouco da existência daquela antiga fazenda, para que se possa realmente compreender as dificuld ades que o local trazia aos nossos pioneiros da aviação, e o quanto em esforço e dedicação deles "foi exigido. A mais antiga notícia que se possui data de 1650, quando Luiz. Paredes funda no local a Fazenda de "N.ossa Senhora do Desterro. Dona Inês Paredes, sua filha, casa-se com João Afonso de Oliveira, que vem a administrá-Ia. por morte de Luiz Paredes. Ao filho do casal, Manuel Vieira Afonso. passa a propriedade, cujo herdeiro foi o Sargento-Mor José Vieira Afonso. Em 1764, a antiga Fazenda Nossa Senhora do Desterro já é conhecida como Engenlw dos Afonsos, então de propriedade do Capitão Antônio de Oliveira Durão, com produção de açúcar. 395


No final do século XVIII, tem-se notícia de que a propriedade do Engenho dos Afonsos estava dividida entre vários herdeiros. Lá estabele:ceram residência, em épocas sucessivas, o Sr. José de 'Mesquita (1794), o cirurgião Isidoro Rodrigues dos Santos (\808) e o Sr. João Marcos Vieira (\823). No ano de 1876, o Engenho dos Afonsos é tido como pertencente a D. Ignácia Maria da 'Conceição Vieira, e, em 1883, consta ser moradora D. Maria José de Azevedo Magalhães. 13 Em 1906, para servir como invernada de seu Regimento de Cavalaria, a Polícia Militar propõe a compra das terras. Em 31 de março, paga a quantia de 40 contos de réis pelos 3.189 .639 rol da fazenda, "que vai da ponta do marco 5, até a Estrada Intendente Magalhães, marginando a Estrada Real de Santa Cruz até o lugar em que essa estrada começa". Na escritura, lavrada em 7 de outubro de 1907, constam como proprietários vendedores os menores Honório, Salvina, Leopoldina, !saura e Sylvia, filhos do Coronel Carlos José de Azevedo Magalhães, os quais receberam as terras por doação de D. Maria José de Azevedo Magalhães, conforme escritura de 20 de fevereiro e 6 de maio de 1902 .fi} No mês de novembro de 1912, o Ministério da Justiça, ao qual se subordinava a Polícia Militar, cede ao Aero-Club Brasileiro 725.000 m2 da Fazenda dos Afonsos, ao lado da invernada, a título precário, correspondente à área escolhida pela Comissão do Clube para instalar o seu campo de aviação. No ano seguinte, uma troca de terras foi efetuada com o Ministério ela Guerra: 970.000 ml , ainda no' lado leste da invernada, beirando a Estrada Real de Santa Cruz, foram cedidos para instalação da Escola Brasileira de Aviação; à Polícia foram entregues 580.000 m2, no lado oeste, onde o Exército mantinha campos de tiro, para os quartéis da Vila Militar.fi} Na época em que, lá nos Afonsos, foram . escolhidos os locais para o estabelecimento da Escola de Aviação do Aero-Club Brasileiro e para a Escola Brasileira de Aviação (1912-1913), aquelas áreas, por sua distância do centro da cidade, pelas dificuldades de transporte e de comunicação e ainda em conseqüência da abolição do trabalho escravo, estavam pouco ou nada aproveitadas, a não ser como invernada. Que contraste com o aspecto que apresentavam no 'passado! Dá-nos idéia do que foi o Campo nos seus primórdios, quando ainda era engenho, a narrativa escrita pela preceptora ' inglesa Maria Graham. que esteve no Brasil entre 1821 e 24, destacando-se como governanta da Princesa D. Maria da Glória e como intermediária de Lord Cochrane, em. Pernambuco, no episódio da Confederação do Equador. Talvez seja esta a mais antiga peça literária sobre o Campo dos Afonsos: 396


"( ... ) com .algumas penas infUngidas a meu cavalc para avançar, alcançamos a venda. Mas se é delicioso, d.epois de uma longa viagem a cavalo sob a chuva numa noite escura e tempes~ t.uosa, chegar a um lugar de repouso, é, pelo menos, tão deses~ perador ser r.ecebido na porta em que se esperav'a encontrar abrigo, com as roupas gotejantes e as pernas a tremer de frie; e tal foi a nossa sina. Não havia nada que comer, nem lugar para nós, nada para os cavalos, e assim saímos de novo a enfrentar a tempestade impiedosa. Poucas jardas além, contudo, surgiu-nos uma casa de campo baixa à beira da estrada e aí ·batemos. Um criado mulato veio cautelosamente dos fundos da casa para reconhecer-nos. Tendo-se certificado d.e que éramos realmente viajantes ingleses, molhados e surpreendidos pela noite, abriu-nos a porta da frente e nos encontramos diante de uma senhora de meia idade, muito simpática e de sua filhinha. Chamava-se Maria Rosa d'Acunha. ( ... 1 21 de agosto de 1823. - Esta manhã parecia ao menos tão ameaçadora como ontem, mas resolvemos ir até o engenho dos Afonsos, para cujo dono, Sr. João Marcos Vieira, tínha~ mos cartas de apresentação de um amigo na cidade. Em conse~ qüência, despedimo~nos de nossa amável anfitriã que havia feito café cedo para nós~ e metemo~nos por uma légua de estrada bem bonita em direção aos Afonsos. No lugar onde esta faz.enda limita com Campinho há um grande pouso com telhas, ande encontramos um grupo de viajantes, . vindos evidentemente de Minas, que secavam suas roupas e bagagem depois da tempes~ lade da última noite .( ... ) Uma rápida légua, desde a última casa de Campinho, trou~ xe-nos a Afonsos, onde apresentamos nossa carta e fomos recebidos de modo mais amável. A fazenda pertence de f(lto à avó viúva do Sr. loão Marcos que é nativo de Sta. Catarina. Sua mãe, irmã e irmão, e duas primas mudas, todos residem aqui," mas ele é somente um visitante ocasional, pois é casado e vive com a família da mulher. ( ... ) Depois do café, como o tempo continuava frio e chuvoso, fomos facilmente convencidos pelo nosso hospedeiro de que de):Íamos permanecer o dia todo em Afonsos. Fiquei realmente contente com a oportunidade de despender um dia inteiro com uma família do campo. O primeiro lugar que visitamos após o café foi o engenho de açúcar, que é movido por burros. A mÇlquinaria é bastante rude, mas parece corresponder aos intuitos. A fazenda emprega 200 bois e 180 escravos como lavra~ dores, além dos que fazem O serviço da família. A produção é de cerca de 3.000 arrobas de açúcar e 10 pipas de aguardente. As terras se estendem desde Tapera, onde encontramos os via397


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Um século depois: as mesmas colinas dos Ajamos que Maria Graham desenlulra.

jantes, e onde há 200 anos havia uma aldeia de índios mansos, até cerca de uma légua em direção a Piraquara. Há cerca de quarenta foreiros brancos, que mantêm vendas e outras úteis lojas nas margens das estradas e exercem as atividades manuais mais necessárias. S6 uma pequena porção da fazenda, porém, é realmente cultivada. O resto está ainda coberto com a floresta primitiva. Esta é utilizada como combustív'el para as fornalhas de açúcar, madeira para maquinaria e, às vezes, para vender. Os proprietários de fazendas preferem contratar ou negros livres, ou negros alugados pelos senhores (o salário é de uma pataca e meia a duas por dia, além da comida) para os serviços nas florestas, por causa dos numerosos acidentes que ocorrem na derrubada de árvores, especialmente nas porções escarpadas. A morte de um negro da fazenda é uma perda de valor; a de um negro alugado só dá lugàr a uma pequena indenização; a perda de um negro livre significa freqüentemente até a economia de seus salários, se ele não tiver filho para reclamá-los. O trigo não medra nesta parte do Brasil, ainda que nos distritos meridionais e montanhosos do interior viceje admiravelmente. O luxo do pão de trigo está introduzido por toda parte, com farinha proveniente da América do Norte. Por qualquer parte que se viaje nestas vizinhanças, pode-se estar certo de encontrar excelente pão duro em qualquer venda, ainda que o pão macio seja raro. 400


As canas~de~açúcar são plantadas aqui durante os meses de março, abril, maio e mesmo junho e julho. Nas filas entre elas plalltam~se pés de milho e de feijão, cujo cultivo é favo· rável à cana-<le~açúcar. O feijão é colhido primeiro quando o solo é mondado, Limpo e afrouxado em torno das raízes das canas; em seguida é arrancado o milho, fazendo~s e nova mon~ dação e limpeza. Só depois disso o açúcar está bastante alto, para ensombrar o terreno e evitar o nascimento das ervas más. (. .. ) O barro usado para refinação do açúcar é extraído perto do engenho. Dá a sensação de macio e grosso nos dedos. É colocado numa selha de madeira com uma quantidade de barrela feita pela embebição dos ramos de um pequeno arbusto com uma espécie de soda (é trazida dos engenhos da lagoa de Jacarepaguá. Não tive ocasião de ver a planta inteira). ( ... ) Quando acabamos de examinar o engenho de açúcar e ver o jardim eram duas horas, e fomos chamados para jantar. Tudo estava excelente no gênero, somente com um pouco mais de alho do que é o usado na cozinha inglesa. Na mesa lateral havia uma grande travessa de farinha seca, que a parte mais velha da família pediu e usou em vez do pão. Eu preferi o prato de farinha umedecida com caldo, não muito diferente da papa de aveia, que foi oferecida com O cozido e lingüiça em fatias, depois da sopa. O carneiro era da fazenda, pequeno, e muito macio. Tudo foi servido em baixela inglesa azul e branca. As toalhas e guardanapos eram de algodão [Q]lrado, e havia bastante prata usada, mas não exposta. Após o jantar alguns membros da família retiram~se para a sesta; outros dedicaram-se a bordados, que são muito belos e o resto entregou-se às ocupações da casa e à direção das escravas domésticas que, pela maior parte, nasceram na fazenda e foram educadas na casa da senhora. Vi crianças de todas as idades e cores, correndo de um lado para outro, que pareciam ser tão carinhosam.ente tratadas como se tossem da família. A escravidão, nestas. condições, é muito aliviada e se aproxima antes da dos tempos patriarcais, quando a criada comprada se tornava~ para todos .os fins, uma pessoa da famiLia . O grande mal está nisto: ainda que os senhores não tratem mal seus escravos) têm o poder de fazê-lo e o escravo está sujeito ao pior dos males contingentes, isto é, o capricho dos semi-educados, ou de um senhor mal-educado. F(Jssem todos os escravos bem tratados como os escravos domésticos dos Afonsos, onde a família reside constantemente e nada confia a estranhos, e a situação dessas pessoas poderia ser comparada, com vantagens, a dos criados livres. Mas o melhor é impossível, e O pior mais que provável~ desde que um poder 401


incontrolável de um ser falível pode se exercer sem censura sobre seus escravos. ( . .. ) Uma das mudas fez o chá e depois passamos um par de horas numa roda de jogo de cartas onde as irmãs se sentiram em perfeita igualdade com os falantes e conseguinamente, divertiram-se. ( . . . ) . O jogo abrira caminho para a ceia, refeição quase tão cerimoniosa e tão constante cOmo o jantar. Depois dela, foi servido queijo assado, com rodela's de bolo de farinha, torradas de pão fr esco e untadas com muito pouca manteiga irlandesa; são a mesma coisa que o pão de caçava das Indias Ocidentais, mas preparados aqui aproximam-se dos bolos de aveia escoceses. Quando fui para o meu quarto à noite, entrou uma bela jovem escrava com uma grande bacia de água morna e uma toalha franjada sobre o braço e ofereceu-se para lavar-me os pés. Pareceu desapontada quando lhe disse que nunca permitia que ninguém me fizesse isso, ou me ajudasse a despir em qualquer tempo. De manhã ela voltou, e tirando o banho dos pés, trouxe toalhas novas, uma grande bacia de prata la vrada e um jarro, cheio de água morna, que deixou sem dizer palavras. Disse sua senhora que eu era uma pessoa muito sossegada e que, pensava ela, não ser de seu pOvo e. portanto, não me incomodaria. Sexta-feira, 22 de agosto de 1823 . - O dia estava tão belc quanto possível, e depois do café prosseguimos nossa viagem a Santa Cruz. ( ... ) 25 de agosto. - Fiquei muito triste por deixar esta manhã a Mata da Paciência, já que era lempo de vollar. Mas, como chegou a hora, partimos para os Afonsos. ( ... ) Paramos na caminho para lazer alguns esboços e, na Campo Grande, para refrescar os animais. ( . .. ) Na nossa chegada aos Afonsos fomos recebidos como velhos amigos e muito instados a ficar uns dois dias, a fim de jazer excursões a alguns lugares pitorescos da vizinhança, que eu teria feito com prazer, mas meu jovem amigo, Mr. Dampier, não podia perder tempo. Tive pois, de contentar-me em ouvir, falar das belezas da lagoa de lacarepaguá, Nossa Senhora da Penha etc. 26 de agosto. - Deixamos Afonsos a tempo' esta manhã.

( .. .i Paramos, naturalmente, em Campinho, para ver nOssa amável hospedeira, Senhora Maria Rosa, e encontramo-la na casa de um vizinho, para onde jonws procurá-la e a surpreendemos cercada por quatro das mais belas mulheres que vi nO Brasil . Da varanda em que nos sentamos com elas algum tempo. 402


tiliemos ensejo de admirar o campo em torno de Campinho, que estava inteiramente escondido pela chuva da primeira vez que passamos. E do mesmo gênero de beleza do resto que havíamos visto, distinguindo-se por um novo forte de barro, agora em construção num outeiro isolado, que domina a estrada para a capital através dos morros e da planície. A falta de um tal ponto de delesa loi sentida quando Duclerc desembarcou na baía de Angra dos Reis, no começo do último século, e marchou sem parar para a cidade. Depois de alimentar os cavalos na muito linda estação do Rio Ferreira, dirigimo-nos para casa, e chegamos à residência de Mr. May a tempo de jantar, tentk leito uma excursão agradabilíssima e, quanto a mim, conhecendo melhor o Br.asil e os brasileiros, nesses poucos dias passados mais inteiramente fora de alcance dos ingleses, do que em todo tempo q.ue estive aqui antes. Ao chegar em casa encontrei notícÜls de Lord Cochrane . .. ,,)9 5. A Escola de Aviação da Força Pública de São Paulo: Origens

Na disputa eleitoral ao cargo de Presidente da República para o período 1910-1914, o candidato civil Rui Barbosa combateu o seu ·oponente militar Hermes da Fonseca, pregando veementemente a doutrina civilista, que tinha como premissa a "reivindicação para os civis das responsabilidades públicas para as quais estão capacitados pela sua própria formação";' em última análise, significava dever estar o exercício do governo sempre em mãos dos não-militares. Contudo, o General Hermes da Fonseca foi eleito. Com sua política das salvações, decretou intervenção em vários Estados do País, tendo havido até ataques armados, com bombardeamento de Manaus e Salvador, por flotilhas da Marinha. Isto lhe trouxe acirrada oposição. Prevendo que o mesmo poderia acontecer em São Paulo, Rodri· gues Alves, então eleito em 1912 para a Presidência do Estado, buscou medida visando a fortalecer o seu governo. Tendo recentemente regressado da Inglaterra, onde vinha servindo na Embaixada Brasileira, pudera sentir o valor do avião como arma, em face do desenvolvimento que os ingleses imprimiam à aeronáutica, para enfrentar as conseqüências da .guerra de 1914, que já se prenunciava na Europa. Por isso mesmo, em 17 de dezembro de 1913, sancionou a Lei Estadual t.395-A, criando, no artigo 14, a Escola de Aviação, com o fim de "preparar, na Força Pública, aviadores militares que estando convenientemente instruídos constituam uma seção de aviação".17 403


6 . Edu Chaves e Sua Participação na Escola Para organizar e dirigir a Escola. dentro do que preconizava o art. 15 da Lei que a criara, foi convidadq o aviador Eduardo Pacheco Chaves, mediante ordenado de dois contos de réis mensais . A sede da Escola· foi est~belecida em Guapira, mesmo local onde Edu já ministrava, particularmente, instrução de vôo. Para o ensino prático foram comprados os aeroplanos que Edu já vinha utilizando, ao mesmo tempo em que era contratado 120mo instrutor o hábil e ousado piloto Cícero Arsênio de Sousa Marques, brevetado em Etampes, 1912, que também fazia parte da escola de Edu. Com essas .providências, a Força· Pública pôde, de imediato, iniciar sua atividade aérea. Logo na primeira turma, foram matriculados 43 candidatos militares, entre oficiais e sargentos, e alguns civis. Visando a facilitar os vôos pretendidos pela Escola, cobrindo todo o território de São Paulo, as prefeituras receberam a incumbência de preparar campos que pennitissem aterragens e decolagens diurnas e noturnas, além de eventuais reparos dos aeroplanos . Dessa forma, ao assegurar-se para a Força Pública o alcance mais rápido

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Olcero Marques, instrutor da EJCola de AviDçüo da força Pública de sao Paulo (1913) .


do interior do Estado, incrementava-se também o apoio à aviação, permitindo a criação de rotas até então não viáveis. Apesar de todos esses cuidados, a Escola apenas funcionou por poucos meses . Com alguns dos mesmos problemas enfrentados pela Escola Brasileira de Aviação, de Gino, Bucelli & Cia., no Campo dos Afonsos, tais como falta de infra-estrutura, mão-de-obra mecânica especializada e dificuldade com importação de sobressalentes, de modo a suportar as exigências de pronto atendimento da instrução, a Escola de Aviação da Força Pública de São Paulo foi obrigada a interromper suas atividades em 1914, sendo os aviões removidos do campo de Edu para a Estação Oeste do Corpo de Bombeiros. Dessa fase da Escola, são poucos os dados hoje conhecidos, posto que grande parte da respectiva documentação, arquivada no Quartel General, viria a se perder em incêndios, nos @nos de 1924 e 1932 . Quanto à instrução, apenas se têm notícias de aproveitamento do Tenente Aristides Muza. 7. Rota Ri o--São Paulo: Inauguração Liberado de suas responsabilidades junto à Escola de Aviação da Força Pública, Edu Chaves volta aos seus vôos particulares. Adquirindo novo avião Blériot, de 80 HP, dedica-se a preparativos para uma nova tentativa do reide São Paulo-Rio de Janeiro. Estudando bem a rota que deveria percorrer, mediante observações e anotações obtidas em várias viagens de trem, procurou evitar outro fracasso, como o que ocorrera na sua primeira tentativa (28 de abril de 1912), quando, por falta de essência - como era chamada a gasolina combustível - , mergulhara no mar, a poucos quilômetros do Rio, tendo de alcançar uma praia, em Itacuruçá, a nado. Seu novo aeroplano, agora mais possante e de maior autonomia, permitiu-lhe concretizar o feito e aterrar no Campo dos Afonsos, levando cerca de 4h e 30min. de vôo, desde Guapira. Era o 5 de julho de 1914. Como curiosidade, conta-se que, naquele dia, realizava-se nos Afonsos uma festa aviatória do Aero-Club, com a presença do Presidente da República Hermes da Fonseca, e Edu cometeu a gafe de lá se apresentar sem paletó - imperdoável descuido para a época! O novo feito pioneiro de Edu Chaves, embora pegando todos de surpresa, pois· ele nada divulgara com antecedência, foi grandiosamente comemorado · pelos presentes ao Campo dos Mansos. Mesmo assim, estamos certos, essa comemoração seria ainda maior, naquela oportunidade. se pudessem prever que Edu acabava de inaugurar a que, hoje, vem a ser uma das mais importantes rotas aéreas: a Ponte Rio-São Paulo. 405


8. A Escola de Aviação Naval: Origens Já vimos que a Marinha Brasileira há muito tinha demonstrado interesse pela aeronáutica, formando o primeiro aviador militar brasileiro, Jorge Henrique Moller, brevetado na França, em 29 de abril de 1911, pela Escola Farma.p, sob o n.o 486, e que fora o Fiscal do Governo na Esc01a Brasileira de Aviação. Entretanto, a articulação entre atividade aérea e atividade naval vinha sendo ventilada desde há mais tempo . Em 1904, Santos-Dumont já divulgara o resultado das suas observações feitas em vôos sobre o mar, cujo relato já foi apresentado na Parte IH , mas que julgamos oportuno realçá-lo aqui: U( . • . ) Não posso, todal-'ia abandonar o assunto sem fazer alusão a uma vantagem maritima única da aeronave. Quero .referir-me à faculdade que possui o navegador aéreo de perceber os corpos em movimento sob a superfície das águas. Cruzando o mar, equilibrado à extremidade do gu ide-rope, à altura que lhe parecer conveniente, a aeronave passeia em todos os sentidos o navegador, permitindo a este, descobrir na sua corrida furtiva o submarino que, não obstante, é absolutamente invisível do passadiço do navio de guerra. E um fato de observação, conseqüência de certas leis da ótica. Dessa forma, caso verdadeiramente curioso, a aeronave do século XX pode tornar-se na sua estréa, o grande inimigo dessa outra maravilha do século XX, o submarino! Porque enquanto este é impotente contra a aeronave, esta, animada duma velocidade dupla, pode cruzar à sua procura, seguir-lhe todos os movimentos, assinalá-lo aos navios que ele ameaça. Nada impede enfim a aeronave de destruir o submarino, dirigindo-lhe longos projetis carregados de dinamite e capazes de penetrarem na água à profundidade que a artilharia não pode atingir de bordo dum couraçado.,,79

Em 1908, a imprensl,l carioca falara da possibilidade de a Marinha se equipar com dirigíveis e aeroplanos. para missões de esclarecimento.. marítimo e fluvial , na paz ou em guerra. Na mesma época, a Revista Naval editou estudo tratando da organização de um serviço aeronáu tico na Marinha Brasileira. A partir de 1910, já se tinham notícias de que a Marinha ·Americana previa disponibilidade de espaço em navios de guerra, adequado pata pouso e decolagem de balões dirigíveis e aVloes, o que representava efetivo ingresso daquela Armada na atividade aeronáutica . 406


Em 1913, quando até mesmo uma Força Auxiliar - a Força PÚblica de São Paulo - abrira uma escola para pilotos de avião, houve, afinal. tentativas para se organizar uma escola de aviação da Armada, cogitando-se do aviador Silvio Pettirossi para integrar sua direção. (aquele mesmo piloto paraguaio, a cujas demonstrações acrobáticas com um avião Deperdussin, sobre o prado do Jockey Clube, no Rio de Janeiro, já nos referimos); mas tal não se concretizou, em virtude da alta remuneração pretendida pelo aviador.Sl . Em 1914, quando o Exército fez inaugurar o primeiro curso de piloto militar do Brasil. na Escola Brasileira de Aviação. a Marinha imediatamente tomou a iniciativa de solicitar matrícula para alguns de seus oficiais. Assim, em 22 de agosto de 1914, é expedido o Aviso D.o 3.986, estabelecendo a organização de uma Escola de Submersíveis e Aviação, seguindo-se outro, n,o 4.805, de 24 de outubro, localizando na Ilha do Rijo a direção do Serviço de Submersíveis e Aviação. No entanto, não se tem notícia de providências efetivas para organizar essa escola. Enquanto isso, nos Estados Unidos, a Marinha Americana introduzia exercícios de tiro aéreo, fotografia aérea, localização de submarinos e lançamento de bombas, tudo feito com hidroaviões Curtiss, que decolavam de couraçados com auxílio de catapultas, culminando essas inovações com a construção, em 1915, do seu primeiro navio-aeródromo, o Langley.Sl

fig. 117 - Almle . Alexandrino proporcionou a terceira escola de alliação do Brasil

(23 ago 1916)

407


Sob influência de todos esses estímulos, a nossa Marinha de Guerra não poderia ficar impassível, ainda mais que o seu então Ministro, Almirante Alexandrino Faria de Alencar, era grande entusiasta da aviação. Foi ele quem, de fato, tomou a primeira iniciativa para concretizar a aviação naval. S~guindo o Aviso que criava a Escola de Submersíveis e Aviação, cuidQu em adquirir aviões, junto à Casa Farman, na França; porém, a importação não foi possível, em · face de ter eclodido na Europa a I Guerra Mundial, quando todo o esforço aeronáutico francês ficou voltado para o conflito. Dois anos foram passados sem que a Marinha conseguisse organizar a escola: a guerra dificultava tudo, e restrições de ordem f.inanceira, verificadas no governo do Presidente Hermes da Fonseca e ainda presentes durante o quadriênio de seu sucessor Wenceslau Braz, obrigavam à economia . Mesmo assim, a idéia não fora abandonada, e, em 1916, o Presidente Wenceslau Braz baixa o seguinte decreto: "O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, "Usando da autorização conferida pelo n. O VI/, do art. 26, da Lei n." 3.089, de 8 de janeiro do corrente .ano. RESOLVE: Criar, sem aumento de despesa, as Escolas de Aviação e de Submersíveis, para as quais serão expedidos, oportunamente, os respectivos regulamentos. Rio de Janeiro, em 23 de agosto de 1916, 95." da lnde. pendência e 28. 0 da República. (a) Wenceslau Braz P. Gomes Alexandrino Faria de Alencar."

Criava-se, portanto, a terceira escola· de aviação no Brasil. depois dos insucessos com a Brasileira, de Gino, Bucelli & Cia., e com a paulista, da Fórça Pública. Percebe-se, no entanto, que o aparecimento da Escola de Aviação Naval teve características diferentes em relação às suas desaparecidas co-irmãs: em lugar de ajuste, um decreto presidencial; em vez de origem política, origem na segurança nacional; substituindo o empirismo, a previsão de regulamentos. A par dessas características. nota-se que, do primeiro Aviso, de 1914, para o Decreto. de 1916, houve mudança na perspectiva com que foi enfocada a aviação: antes, numa s6 escola; agora, em escola independente da de submersíveis e, coincidência ou não, mencionada em primeiro lugar no Decreto. . 408


9 . Organização e Primeiros Brevetados Para a direção foi designado o Capitão-de-Corveta Protógenes Pereira Guimarães, ficando na vice-direção o Capitão-de-Corveta América José Cardoso. Enquanto eram feitas construções na Ilha do Rijo, local destinado à sua definitiva instalação, a Escola de Aviação Naval ficou, em caráter provisório, na Ilha das Enxadas, na Baía da Guanabara (RJ).

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fjg . 118 - Afmte . Prológe/U!$ Comandante da Escola de A~'iação Naval, quando Copilão-de-CoflJela .

Para evitar os problemas de importação do equipamento destinado à instrução de vôo, o Almirante Alexandrino havia entrado em contato, nos Estados Unidos da América, com a Curtiss Aeroplane Company, cujos aparelhos já· tinham sido objeto de propaganda no Brasil, com os aviadores McCulloch e Wildman, em 1913. Por intermédio do Cônsul Brasileiro em Nova York, Martins Pinheiro, foram adquiridos três hidroaviões de 90 HP (aerobotes, segundo o dizer da época), além de partes de reposição. Passou à 409


história que esses aparelhos teriam sido comprados com a verba do feijão: premido pela política de austeridade financeira, supõe-se

que, ao Almirante Alexandrino, não restou outra alternativa senão a de utilizar parte do dinheiro destinado à compra de gêneros para as refeições dos militares, e já incluído, portanto, no orçamento da Marinha.u Com os aerobotes adquiridos, veio o mecânico-piloto da Curtiss, Orthon Hoover, para montagem e experiência dos aparelhos a serem feitas na Carreira Tamandaré, no antigo Arsenal de Marinha (Arsenal Velho) , na Praça Mauá (R/).

Fig . 119 -

Carrejre; Tamandaré: berço dcn tris primeiros hidrcn da Escola de A viação Naval .

Prontos e testados os três aparelhos, foram em seguida incorporados à Esquadra, em novembro de 1916, com as matrículas Cl. C2 e C3, respectivamente . Orthon Hoover, contratado pela Escola, passou 8 ministrar a instrução . Integrando a primeira tunna da Escola, brevetados como pilotos aviadores navais, em fins de 1916, estavam: u 1.0 Tenente Antônio Augusto Schorcht, 1.0 Tenente Raul Ferreira de Vianna Bandeira, 2.° Tenente Victor de Carvalho e Silva, 1.° Tenente Virginius Brito de Lamare . 410


,,

Fig . 120 -

Aerobote de instrução da Escala de Aviação Naval, em 1916 .

f interessante observar que, à exceção ' do Ten. Schorcht. os demais já haviam pertencido à turma da Marinha matriculada na

Escola Brasileira de Aviação, do Exército, em 1914. 10. Atividades Aéreas A Escola de Aviação Naval começava, pois, alcançando vitórias; não apenas pela formatura da primeira turma, mas também pelo

sucesso em suas atividades aéreas: em 12 de outubro, realiza seu primeiro reide aéreo, quando o Comandante Protógenes e o instrutor Hoover, este pilotando o hidro C2, voam até as antigas instalações da Escola Naval. na enseada Batista das Neves, em Angra dos Reis (embora interrompendo o vôo em Itacuruçá, onde amerissaram, para reparar o motor); em 19 de novembro, os três aerobotes sobrevoam o palanque das autoridades, no Monumento a Barroso, na Praia do Flamengo, onde se realizava homenagem à Bandeira Nacional, quando se destacou o Ten. Schorcht com suas passagens rasantes. em companhia de um senhorita, Violeta Odete;,53 no dia 29 de 4\1


Fig . 111 - 1.- lurma da Escow. de A viação Naval e seu l"s(rulor. Da esq . para dir .: Ten . Carvalho e Silva, Ten . Bandeira; Hoover; Ten . De Lomare, Ten. Schorchl.

novembro, o Ten. De Lamare faz dois vôos com o C2, levando o jornalista Oscar Ramos e o fotógrafo Jorge Kfuri, ambos de A Noite , para reportagem aérea sobre a Baía de Guanabara, numa repetjção do que já haviam feito Ricardo Kirk e Ernesto Darioli, em 1914; e em 24 de dezembro, o Ten. Bandeira bate o recorde de permanência no ar com hidroplano no Brasil,. voando durante 3 horas seguidas sem pousar. pilotando o C3 sobre a cidade (Bandeira já era detentor do recorde de altura). J 1. Regulamento: Cursos e Provas Aéreas

Em 1917, a 17 de janeiro, o Decreto n.O 12.364 aprova o Regulamento da Escola de Aviação Naval. O seu Artigo 1.°. especificava.Uie a finalidade: "( .. .) A Escola de Aviação Naval, subordinada ao Chefe do Estado-Maior, tem por fim preparar aviadores para o desempenho dos seguintes serviços compatíveis com a natureza dos aparelhos: a) defesa dos portos, · vigilância do litoral e outros servi· ços que forem de caráter urgente, b) reconhecimentos es~ rat égicos; c) caça aos aparelhos mJmJgos; d) reconhecimento de forças inimigas; 412


e) operações ofensivas em pontos. fortificados, vias de comunicações, dep6sitos etc.; f) obserração de tiro de artilharia; g) conservação e reparo do material de aviação:-'

Observa-se que a preocupação maior era exclusivamente com o aspecto bélico, o que se justificava, pos~o que, na época, a I Guerra Mundial estava no auge, envolvendo inúmeros países da Europa, e suas conseqüências atingiam o mundo todo. Observa-se também que, já em 1917, se previa um emprego estratégico para a aviação, representando um grande avanço da mentalidade aeronáutica, se levarmos em conta a precariedade dos meios de apoio ao vôo e a própria construção dos aviões, ainda com tecnologia pouco desenvolvida . O Regulamento estabelecia dois cursos: um, com duração de três meses, para formação de Piloto-Aviador, e o outro, mais avançado, de cinco meses, para Aviador-Observador Militar, este s6 podendo ser feito após habilitação nas provas aéreas previstas no primeiro curso. As provas a serem executadas, ao término dos cursos, para a obtenção dos respectivos diplomas, eram as seguintes: SJ 1.0 Curso: "1.°, executar, dentro do tempo previamente fixado, cinco "8" no local designado, conservando-se a 50 metros de altura; 2.°, repetir a mesma prova, porém a 100 metros de altura, pousando ou aterrando em seguida, denlro de um círculo de 100 metros de raio; a velocidade do vento não sendo de mais de três melros por segundo,' 3.°, elevar-se nOl-'amente a 100 metros, fazendo um ou mais giros pousando ou aterrando em seguida com o nwtor parado; 4.°, voar uma hora sem pousar; 5.°, montar, desmontar e regular o motor do aparelho em que fizer as provas."

2.° Curso: "1.°, voar, sem pousar ou aterrar~ durante Ih e 30 min, :J-:ndo 30 minutos em uma altura mínima de 1.000 metros; 2.°, pousar ou aterrar, descendo em vôo planado de uma altura de 100 metros, não ultrapassando de 100 metrOs de uma linha determinada, não excedendo a velocidade do vento a três melros por segundo; . 3.°, levantar o ~'ôo com presteza, depois do recebimento da respectiva ordem; 4.°, conhecer perfeitamente os motores adotados, montando-os e desmontando-os. Corrigir-lhes qualquer defeito notado; 413


5.°, executar mtssoes táticas, estratégicas e reconhecimentos, que lhe forem determinados . A velocidade do vento não deve ser superior a 10 metros por segundo; 6.°, transmitir e receber mensagens por sinais e radiotelegrafia."

Dessa forma, cada vez mais se consolidava a instrução aérea da Marinha do Brasil. 12. Eventos e bxitos Iniciais Ainda neste mês de janeiro de 1917, os tenentes Raul Bandeira e Victor de Carvalho e Silva foram mandados aos Estados Unidos para realizar um curso de aperfeiçoamento e acompanhar in loco a 'construção de novos hidroplanos encomendados pela Marinha, bem como adquirir máquinas e material necessários para uma oficina de montagem de hi,droaviões, que se pretendia instalar na Ilha do Rijo. Em 25 de janeiro, a Escola é prestigiada com a visita de Santos-Dumont, que sobrevoa a Baía de Guanabara no e2, pilotado por De Lamare. Este vôo é considerado como o primeiro em que o Pai da Aviação viajou como passageiro, conduzido por piloto brasileiro.sl Em sua fala de agradecimento pela recepção, Santos-Dumont expressou sua grande satisfação por ver o desenvolvimento brasileiro da aviação naval, de que era grande apologista.

Fig. 122 - Foi na Escola de Aviação Naval, que Santos·Dumont fe: seu primeiro vôo como passageiro, no Brasil (25 ian 1917).

414


Enquanto essa visita acontecia, o Comandante da Escola realizava com o C3, pilotado pelo Ten. Schorcht, um atribulado reide à cidade de Campos (RJ), onde inaugurou o Clube de Aviação Campista. Em 27 de fevereiro, seguindo O Regulamento recém-adotado, recebem o diploma do curso inicial e brevê de Piloto-Aviador os tenentes Mário da Cunha Godinho (que já estivera matriculado na Escola Brasileira de Aviação, em 1914) e Fileto Perreira da Silva Santos. Um mês depois, brevetar-se-ia o Sargento "Antônio Joaquim da Silva Jr.53 Paralelamente à instrução, a operacionalidade aérea dos já brevetados mantinha-se em dia, tendo-se registrado, de 9 para 10 de março, o primeiro vôo noturno, com De Lamare e Hoover decolando às 21h e 30 min, no C2, com destino à Ilha de Paquetá, completando a missão de ida e volta apenas com pequena avaria, reparada na ilha mesmo. Em 2 de abril de 1917, para a cerimônia de entrega dos brevês à primeira turma do segundo curso (Aviador-Observador Militar). chegam à Escola de Aviação Naval, a bordo do hidro C2, pilotado por De Lamare, o Ministro da Marinha Almirante Alexandrino. e no C3, com Schorcht, o Presidente Wenceslau Braz. Embora o "Presidente já tivesse voado com De Lamare, em 24 de fevereiro, o vôo de 2 de abril é considerado como o primeiro de um presidente da república em avião militar do Brasil, já que o anterior fora de muito curta duração.53 Entretanto, já se informou anteriormente que o Presidente Marechal Hermes havia voado em um avião militar da França (1910), e em avião americano privado. no Brasil (1913). quando da propaganda dos hidroplanos Curtiss, feita por McCulloch e Wildman. Portanto, foi Hennes da Fonseca o primeiro presidente brasileiro a voar. O Presidente Wenceslau não se contentou em amerissar no litoral da Ilha das Enxadas, após o vôo desde a estação de Mauá, onde embarcara vindo de Petrópolis; por desejo seu, Schorcht fez nova decolagem para um longo sobrevôo da Baía de Guanabara e de Niterói. Tempos depois, respondendo a um repórter que O entrevistava, deu alegres impressões sobre aquele vôo, reproduzidas no matutino carioca O Globo, em 20.10.57:

"Achei ótimo. Era a mesma impressão que estar balançando numa rede . . . Pensei: se isto cair n'água não tem importância, pois sei nadar ... Eu estavq com óculos de aviador, mas vestia um longo fraque preto. Só lá em cima foi que compreendi que, caindo n'água, daquela altura, nem a minha habilidade de nadador poderia me salvar . .. Entretanto, confiei no destino, na máquina e na perícia do aviador." 415


Figs. 123/124 -

Wenceslau Braz vai ser o primeiro Presidente brasileiro a voar no Brasil, em avião militar da Escola de Aviação Na val (02 abr 191 7).

Após as emoções do passeio aéreo desse 2 de abril de 1917, Wenceslau Braz preside a cerimônia da entrega dos diplomas aos conc1uintes do curso avançado: SJ Tenente Virginius Brito de Lamare, Tenente Antônio Augusto Schorcht, Tenente Belisário de Moura, Tenente Fábio de Sá Earp, Tenente Mário da Cunha Godinho, Tenente Fileto Ferreira da Silva Santos, Tenente Heitor Varady . Dentre estes, Moura e Sá Earp também já haviam cursado a Escola Brasileira de Aviação, em 1914 . A Escola de Aviação Naval continua a formar pessoal especializado em aviação. Em junho, novos oficiais são brevetados no curso inicial de Piloto-Aviador, sob a 'direção de Antônio Augusto Schorcht, que, em fevereiro, fora designado para o cargo, tornando-se assim o primeiro brasileiro a ser instrutor militar de vôo. São três os oficiais da Marinha: sl Tenente Manoel Augusto Pereira de Vasconcellos, Tenente Armando Figueira Trompowski de Almeida, Tenenté Epaminondas Gomes dos Santos . 416


Também se formam Oficiais do Exército: Sl Tenente Tenente Tenente Tenen te Tenente Tenente

Aliathar de Araújo Martins, Bonifácio Tavares, Raul Vieira de Mello, Anor Teixeira dos Santos, Aroldo Borges Leitão, Mário Barbedo.

Além de militares, esta turma contou com um civil - J. d'Alvear .5l Ainda neste mês de junho de 1917, Schorcht passa a ser instrutor do curso avançado, enquanto De Lamare assume a instrução do curso inicial. Talvez para incentivar os alunos, talvez por possuírem espírito arrojado, talvez por ambos, o fato é que Schorcht vem a superar o recorde do vôo de maior altura (1.500 m), enquanto que De Lamare bate o recorde de maior duração em vôo (3h e 30min.), marcas até então em poder do Tenente Raul Bandeira, desde o ano anterior. O Ten. Virgínius Brito de Lamare, grande entusiasta da av iação e participante constante de suas atividades, não se limitou ao desempenho da função militar e ingressou no Aero-Club Brasileiro, passando a fazer parte da comissão técnica . A pretensão maior de De Lamare era incrementar o vôo civil com aerobotes, valendo-se dos hangares até então inaproveitados, existentes na Praia Vermelha (onde hoje se situa o Iate Clube do Rio de Janeiro), mandados construir por Santos-Dumont e doados ao Aero-Club, desde meados de 1916, para aquele fim . Para tanto, utilizou um dos hidroplanos da Marinha cedido condicionalmente ao Aero-Club , até que este pudesse adquirir um para uso próprio. E o desenvolvimento da Escola de Aviação Naval continua. Em agosto, sua sede é transferida para a Ilha do Rijo, como estava previsto; no entanto, porque as novas instalações não apresentaram condições satisfat6rias, dá-se o retorno à Ilha das Enxadas, em dezembro . Ao final de 1917, embora ainda s6 operasse com os três aerobotes Curtiss de 90 HP, a Escola possuía quatro hangares (dois nas Enxadas e dois na Ilha do Governador), além de oficinas mecânicas e de carpintaria . Chegou mesmo a montar, em 27 de maio, um hidroplano da marca Borel, de propriedade particular do Sr. Isidro Kohn . Este avião conseguiu realizar diversos vôos, com o aviador Elígio Benini, chegando inclusive a levar passageiros, como o Tenente do Exército Aliathar Martins, o fotógrafo de A Noite Jorge Kfuri e Thomé Rodrigues.53 417


CAPITULO 4

A CAMPANHA DO CONTESTADO E O EMPREGO DA AVIAÇÃO

1. A Região Contestada m 1853, [ora criada a província do Paraná, c{)m terras desmembradas de São Paulo . Essas terras não tinham, até então, seus limites bem definidos, pois eram objeto de sucessivas demarcações pelo Governo Imperial, passando a pertencer ora ao Rio Grande do Sul, ora a Santa Catarina, ora à própria província de São Paulo, conforme as conveniências políti cas do momento, por certo aind a sob influência das antigas questões de limites geradas no século XVIII com a Espanha, sobre a posse da Colônia do Sacramento e da área dos Sete Povos das Missões. Com a criação do Paraná, essas questões de limites se reacenderam, cam a reclamação de Santa Catarina quanto a áreas que o Paraná pretendia possuir, e vice-versa. Assim, no início ' do século XX, a região ainda em litígio. contestada por Paraná e Santa Catarina, abrangia uma vasta área de fl orestas e de terras férteis. clima ameno e próprio para a agropecuária . Estava compreendida pelos rios Papiriguaçu e Santo Antônio, a oeste; Uruguai e Canoas, ao sul; Marambas e Preto, a leste; Negro e Iguaçu, ao norte . Entretanto, uma linha hipotética dividia, entre os dois Estados, tácita e precariamente, o território contestado: partia das nascentes dos rios Papiriguaçu e Santo Antônio. seguindo para leste; alcançava o meio ,do percurso do Rio do Peixe; daí, subia para O norte, até Porto Uniãó . A área situada ao norte e a oeste dessa

E

418



linha, o Paraná considerava sob sua jurisdição indiscutível, se bem que reclamada por Santa Catarina; o restante das terras, também pretendido pelo Paraná, ficava sob jurisdição de Santa Catarina. O litígio acabou por gerar a existência de uma verdadeira terra de ninguém, cogitada inclusive para a criação de um novo Estado - Missões - por cidadãos. paranaenses, o que só não se concretizou, por interferência do Governo do Paraná.u O cultivo da erva-mate na região, o ouro-verde da época, bem como a construção da ferrovia São Paulo-Rio Grande, atra\;'essando as terras discutidas, foram dois fatores que contribuíram para que 8 região adquirisse certas características sócio-econômicas marcantes, e que vieram a redundar na chamada Campanha do Contestado. Grandes fazendas ali se foram formando, sob o regime ilimitado e forte do coronelismo do interior, que aproveitava como mão-de-obra no campo toda a população da área, gente humilde e inculta, devotada a crenças místicas que, por vezes, beiravam o fanatismo. O assentamento dos trilhos da ferrovia atraiu para a região toda sorte de gente, entre ela foragidos da justiça. . Em meio a esse ambiente rude e sem controle social, prevaleciam a força e as armas para resolver as questões que surgiam, desde simples discussões, até posses de terras. 2. Misticismo e Realidade: Confrontos Armados Em 1911, surge nesse sertão um ex-soldado do Exército e Cabo desertor da Força Pública do Paraná, intitulando-se Monge José Maria e dizendo-se innão de um outro, João Maria, que em épocas passadas (1882) perambulara por aquelas paragens, realizando pregações religiosas e curas milagrosas. A crendice popular acolheu esse novo Monge com santidade, não tardando a se formarem grupos de seguidores fanáticos, conhecidos como quadros santos. Em suas pregações místicas pela região, o Monge José Maria era protegido por guarda-costas, apelidados os Doze Pares de França (por influência da obra literária, de origem medieval, sobre Carlos Magno, muito divulgada no interior brasileiro pela literatura de cordel) .

Dia após dia, mês após mês, os quadros santos foram crescendo. De líder espiritual, José Maria promoveu-se a líder político, pregando restabelecimento da Monarquia, e a líder militar, adotando um estandarte branco com uma cruz verde, usado como bandeira. Dos fiéis exigia ,disciplina rígida, aplicando punições aos transgressores e armando pesadamente os seus pares e os integrantes dos quadros com garruchas e facões. Chegou a instituir a forma, espécie de revista da tropa, para verificar sua prontidão, novas adesões e eventuais deserções. 420


Em 1912, José Maria e sua força instalam-se em Taquaruçu, próximo à cidade de Curitibanos (SC), divulgando o propósito de ali organizar um foco pr6-Monarquia _ Por solicitação do Prefeito, que temia desordens inevitáveis, o Governo catarinense envia tropas policiais, e o Monge foge, levando seu partido para oeste, atravessando o Rio do Peixe e se estabelecendo em Irani, próximo à cídade de Palmas (PR). O Governo do Paraná, alegando tratar-se de uma invasão do seu território por um bando de "rebeldes catarinenses", envia tropas do Regimento de Segurança (Polícia) para combate aos invasores, comunicando ao Governo Federal tais providências e pedindo auxílio do Exército, no que foi atendido. Nos grandes encontros de Irani, Taquaruçu e Caraguatá, entre 1912 e 1914, os quadros santos obtiveram amplas vitórias sobre as tropas da Polícia paranaense e do Exército. Em superioridade numérica e conhecedores profundos da região, armavam emboscadas infalíveis, em meio à mata cerrada, e destroçavam impiedosamente as forças militares, provocando-lhes mortes ou fugas, com abandono de armas e munições, o que cada vez mais fortalecia os rebeldes, tanto moral como materialmente. Com isso, os fanáticos agora guiados pela Virgem Maria Rosa (que assumira a liderança em face da morte do Monge, no combate de Irani) dominavam uma área cada vez maior da região do Contestado, onde praticavam assaltos e saques, em busca de provisões . 3. Ricardo João Kirk: O Avião é Lembrado Em 16 de setembro de 1914, quatro dias após ter assumido o comando das forças operacionais no Contestado, o General Fernando Setembrino de Carvalho, comandante experiente, que já se notabilizara com as intervenções que chefiara contra o Ceará e Rio Grande do Sul, para pacíficação de revoltosos, solicita ao Ministro da Guerra, General Vespasiano Gonçalvt1s de Albuquerque e Silva, um novo reforço, como está registrado em um dos seus relatórios a esse Ministro: "Sabe-se já quão ),asla era a zona conflagrada e quão precários os caminhos que a sulcavam. E sabido, igualmente, que não havia cartas itinerárias minuciosas e precisas; tornava-se indispensável, para o serviço conveniente das explorações militares, uma cavalaria atrevida e bem montada. Ora, vimos em páginas anteriores, que a cavalaria não estava em condições de prestar, tão logo, semelhantes serviços. Mas era preciso reconhecer. Era preciso sob retudo assinalar a existência e posição dos redutos~ operação facílima para aviadores adestrados e valentes. 421


126 -

Gen. Setembrino levou a aviação Contestado (1914) .

Lembrei·me então da Escola de A viação e do Tenente Ri· cardo Kirk, a quem tocaria a primazia de inaugurar na Amé· rica, em operações de guerra, o delicado serviço de explorações aéreas . Pedi ao Sr. Ministro (16 de setembro) expondcrlhe estas razões; e três dias depois recebia um telegrama seu, comunican· dcrme a partida daquele oficial com o material necessário à tarefa gue se lhe exigia.' ....

Solicitação semelhante já havia sido feita meses antes, em abril de 1914, pelo General Carlos de Mesquita, então comandando as tropas do Contestado, como registrou ele em um de seus relatórios oficiais: "Levado pelo· desejo patriótico de coadjuvar a expedição para dominar o elemento sertanejo em armas contra a lei, o aviador Cícero Marquçs ofereceu a este comando os seus serviços prof.issionai.s gratuitos, apenas pedindo lhe fosse fornecido um

dos grandes aeroplanos que a Escola Brasileira de Aviação adqui· rira, pois que o motor da aeronave daquele aviador não desenvolvia a força suficiente para as necessárias e rápidas excursões de observação. Nesse sentido me dirigi ao Sr. Ministro da Guerra, secundando o pedido do jovem e arrojado aviador patrício; mas ares422


posta que obtive foi desoladora. O Sr. Ministro negarQ. o. seu apoio à idéia de semelhantes reconhecimentos por via aérea, por julgar improfícuo e contraproducente a utilização de aeroplanos na vasta zona de operações do Contestado: h3

E de se lamentar que o Ministro da Guerra anteriormente tivesse recusado o oferecimento de Cícero Marques, pois este, além de hábil aviador, conhecia bem a região do Contestado, tendo realizado vôos pioneiros para Curitiba e outras cidades do Sul ainda neste mesmo ano de 1914. De qualquer forma, a aviação haveria de estar presente na Campanha. O Ministro Vespasiano de Albuquerque, atendendo a solicitação do General Setembrino, designou não só o Tenente Ricardo Kirk, mas também Ernesto Daríoli, os inseparáveis amigos . A convocação de Kirk e a contratação de Darioli, se por um lado marcou a história de nossa aviação com o primeiro emprego militar bélico, não só brasileiro, mas também nas Américas, por outro representou mais um tropeço na caminhada da aviação civil, pois, lembramos, ambos pertenciam ao Aero-Club Brasileiro, ocupando os cargos de Diretor Técnico e Instrutor de Vôo, respectivamente. O afastamento deles, bem como o empréstimo dos aviões do Clube, r:equisitados pelo Governo para emprego no Contestado (junto com os disponíveis que sobraram da flotilha da fechada Escola Brasileira de Aviação, de Gino, Bucelli & Cia.), causaram novos atrasos nas pretensões do Aero-Club quanto a sua escola. 4. Preparativos da Operação Aérea Em 19 de setembro de 1914, Kirk e Darioli se dirigem, de trem, para a região conflagrada, acompanhando o transporte de cinco aviões, quatro Morane-Saulniers e um Blériot-Sit, além de material de reparo e algumas peças sobressalentes. Nessa viagem, fagulhas da maria-fumaça caem sobre os dois aeroplanos pertencentes ao Aero-Club (um Morane e o BLériot), causando a baixa dos aparelhos, por incêndio e explosão. Em outubro, com ajuda de soldados e mediante pagamento ao Coronel Amazonas de Araújo Marcondes, poderoso chefe político do Vale do Iguaçu, inicia-se a construção de hangares e pista, na localidade de Porto União. Em Canoinhas, na jurisdição de Santa Catarina, e Rio Negro, na do Paraná, sob a direção de Kirk, também foram construídos hangares, que não chegaram a ser utilizados na Campanha. Tão logo tudo fica pronto, os pilotos voltam ao Rio para buscar munição na Fábrica de Cartuchos do Realengo: eram granadas de obuzeiros, de 10,5 cm, adaptadas para serem lançadas dos aviõ.es, pois, obviamente nada se havia inventado no Brasil, até entãO', que servisse especificamente para bombardeio aéreo.9l 423


Fi,. 127 -

A vioção no Con /estodo: Morone-Saulniers e hanlOl'e, em Porlo Unido.

Acabava de entrar o ano de 1915, quando Kirk e DanoU retornam ao Contestado, com as bombas, com mais peças sobressalentes e com o mecânico italiano Zanchetti Franoesco, novo contratado para a missão . Em 4 de janeiro mesmo é realizado o primeiro vôo experimental de reconhecimento da região, que durou mais de uma hora, a partir de Porto União e sobre os Rios Iguaçu e Timbó . Se as dificuldades em terra já se mostravam grandes, no ar não eram menores, como deixa ver o relatório dos pilotos, após uma missão exploratória :

"Porto União, 19 de janeiro de 1915 Levamos ao vosso conhecimento que, segundo as instruções que nos destes, partimos, hoje, às 11 h e 50min no aeraplano biplace General Setembrino, em viagem de exploração sobre os Rios 19uassú e Timbó, durando o v60 de ida e volta uma hora de tempo. ( . . . ) Dahi voltamos, enregelados; na altitude de 2.200 metros em que nos achávamos, O thermometro estava abaixo de zero, e, imprevidamente, confiados no grande calor que fazia quando partimos, não nos agazalhamos com coberturas sul/icientes. ( ... ) (al Tenente Ricardo Kirk, aviador Ernesto Darioli, aviador."u Em princípios de fevereiro de 1915, quadros santos se estabeceram em Santa Maria, onde ofereceram grande resistência, causando pesadas baixas às forças do Governo, o que levou o General Setem.brino a se decidir, definitivamente, por duplicar a missão dos aviadores, acrescentando à de reconhecimento, também a de bombardeio. 424


Não seria fácil o cumprimento dessa nova missão. Para alcançar Santa Maria, a partir da base aérea em Porto União, dois grandes obstáculos haveriam de ser transpostos pelos aviões de Kirk e Dario· li: a Serra do Caçador (hoje Serra do Espigão) e a Serra da Taquara Verde, que formavam dois altíssimos paredões, escondendo e prote· gendo o reduto dos revoltosos. Mau tempo, brumas, terreno coberto de mata fechada, sem deixar entrever qualquer ponto de referência, tudo a desafiar perigosamente os pilotos. A solução eles encontraram por meio de seus vários vôos de reconhecimento: a incursão por en tre as duas montanhas, em direção às estações de São João e Cal· mon, da via férrea São Paulo·Rio Grande, até alcançar Caçador, onde um campo de apoio deveria ser construído. Mesmo assim, o deslocamento seria bastante difícil para os frageis Morane·SauLniers e arriscado para os aviadores, se bem que de curta duração, talvez quarenta minutos ou menos. Para maior facilidade de ação e apoio, Kirk deliberou construir ainda outro campo em Tapera dO Claudino, local bem mais próximo a Santa Maria, onde as bombas seriam armazenadas, permitindo ataques aéreos mais prontos e freqüentes. Em final de fevereiro, tudo estava ultimado para o início do bombardeio, com todas as providências já tomadas por Kirk e Da· rioli. Os três aviões Morane·SauLniers encontravam-se preparados para vôo, e até já batizados por Kirk: General Setembrino (o maior deles, 90 HP, biplace, com asa pára-sol), Iguaçu (monoplace, 80 HP) e Guarany (também monoplace, de 50 HP). A operação decisiva foi marcada para 1.° de março, dia escolhido pelo General Setembrino por coincidir com o 45.° aniversário da vi tória brasileira sobre Solano López, em Cerro Corá, na Guerra do Paraguai. Em 25 de fevereiro, porém, Ricardo Kirk acidentou-se seriamente com o General Setembrino, capotando, ao ter de fazer uma aterragem forçada, por quebra da hélice em vôo, deixando o Mo rane-Saulnier, totalmente destruído . Este fato repercutiu negativamente junto ao Comando da força militar, já que o aparelho perdido era o único aeroplano especial· mente equipado para o lançamento das bombas, e sua destruição tornava impossível o cumprimento da missão. Mas Kirk e Darioii, com a colaboração do mecânico Zanchetti Francesco, trabalharam sem cessar, até equiparem, da melhor forma possível, os dois monoplaces restantes, Iguaçu e Guarany, no extremo esforço de os deixar em condições aceitáveis para a missão de bombarde io de Santa Maria, que deveria levar ao término a Campanha do Contestado. Os esforços da equipe aeronáutica tiveram sucesso, e a confi ança nos préstimos dos aviadores voltou' a animar as tropas militares. 5. Missão Fatal Na data marcada, 1.0 de março de 1915, Kirk e Darioli decolam de Porto União, com a presença do General Setembrino. 425


Fig. 128 -

Por trás do grupo, o Moral1e-Saull1ier "Gel1. Sefembrino", cujo acidente qUOM! fira a aviação do Contestado.

Darioli foi O primeiro a partir, com o Guarany, de 50 HP; dez minutos após, decola Ricardo Kirk com o Iguaçu, mais possante, de 80 HP. Segundo o plano traçado, os dois aparelhos deveriam chegar no mesmo tempo no reduto de Santa Maria. Apesar dos vôos de reconhecimento da área anteriormente realizados, ainda era difícil divisar referências no solo que orientassem os pilotos na manutenção da rota : fogueiras para produzir fumaça e lençóis brancos sobre as copas dos pinheiros já até tinham sido utilizados por Kirk, idealizados como recurso precário para, do alto, localizar os campos. Talvez por essa precariedade, Darioli, inesperadamente, vê-se desorientado e ameaçado de queda por falhas no motor, tendo ainda de enfrentar fortes correntes de vento, sem encontrar o rumo de destino. Depois de mais de uma hora de vôo inseguro, decide regressar a Porto União, valendo-se de uma bússola e seguindo o curso da estrada de rodagem para Palmas. De Kirk não se tinha notícia. Às 16h, deste mesmo dia 1.0 de março de 1915, o Gen. Setemhrino recehe, do Suhdelegado de Polícia da Cólônia General Carneiro, a mensagem trágica : " General Setembrino Porto União O a.eroplano cahio no kilometro 42 estrada de Palmas Colônia General Carneiro PT Aviador morto PT Aguardo resposta PT.,,'U 426


Terminava assim o último vôo de Ricardo João Kirk, cuja morte representou uma perda significativa para o Brasil. para a Aviação. para o Exército Brasileiro, para . o Aero-Club. O Aero-Club iria ressentir-se da colaboração entusiástica que Kirk prestava para a consecução da escola de pilotos, da qual era Diretor; o Exército deixaria de contar em suas fileiras com um oficial disciplinado e de alto espírito patriótico, que a serviço do seu país dera a vida no primeiro emprego bélioo do avião nas Américas; a Aviação não veria mais os incentivadores vôos pioneiros daquele que fora o segundo piloto militar brasileiro brevetado em França, e que se tornou a primeira perda humana da aeronáutica militar brasileira; o Brasil reclamaria em luto a ausência entre seus filhos daquele que lhe marcou a História com um exemplar e heróico desempenho de cidadania. No local em que Kirk se acidentou fatalmente com o Iguaçu, uma cruz tosca de madeira foi fincada por um humilde carroceiro que removeu os destroços do avião. Chamava-se Ricardo Poh], esse que foi o primeiro a erigir uma homenagem ao piloto caído, inscrevendo. ele próprio, a ponta de faca, num dos braços da cruz, os seguintes dizeres que, se errados estão na grafia, certos ficam no significado da singela lembrança: " AQUI FALECE0 DE DESASTRE O AVIADOR KAP. RICARDO KIRQUEN - 1.' DE MARÇO DE 1915". Hoje. a inscrição está refeita em bronze e. ao lado da primitiva cruz de madeira, foi erigida uma outra. de concreto (conhecida como Cruz do Aviador), pela Prefeitura Municipal de General Carneiro (PR). Mas, de Ricardo Kirk, permanecem as glórias de seu pioneirismo e os lamentos por sua morte tão prematura, agourada numa profecia que se tornara voz corrente entre os quadros santos do monge-jagunço José Maria: "o gavião do Governo cairá quan.do pretender voar para nos jogar as bombas".9l Quem sabe não teria sido por influência dessa predição que o General Setembrino. no momento da decolagem de Kirk. despedindo-se dele, ofereceu-lhe aquela que seria efetivamente a ú1tima oportunidade de vida? E o próprio General quem relata a breve e melancólica passagem: " Um mau presságio, porém, compeliu-me a observar, que se não confiava no êxito da missqo, se algum receio pairava em seu espírito, que não seguisse, pois, de bom grado dispensaríamos sua cooperação. Não, General, tranqüilize-se, seremos felizes, foi a sua resposta.,,54 427


Em meio às serras que circundam o Campo dos Afonsos, no seu vértice nordeste, o nome de Ricardo Kirk honra uma das colinas,~ l em paradoxal associação: enquanto uma teria causado o desaparecimento de nosso pioneiro, outra perpetua seu nome. Nunca se soube exatamente os motivos do acidente de Kirk. parecendo ter sido causado por choque da asa do avião com um morro ou com as copas dos pinheiros, em decorrência de Uma aterragem, possivelmente tentada por desorientação na rota de vôo.9l Quanto à Campanha do Contestado, as forças do Exército logra· ram derrotar os quadros santos em Santa Maria, o principal reduto dos jagunços. Daí, até o final de 1915, os focos remanescentes foram todos aniquilados, voltando a paz na região. O traçado dos limites foi resolvido com um acordo, · assinado em 20 de outubro de 1916, entre os Governadores de Santa Catarina e do Paraná, dando fim à questão que motivou a trágica Campanha.

A cruz tosca de Ricardo Pohf ainda estd de péhomenageando Ricardo Kirk, hd mais de setenta anos.

Fig. 129 -

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CAPITULO 5

A EPOCA DA I GUERRA MUNDIAL

1. O Brasil Entra na Guerra

P

ositivamente, o ano de 1915 não foi dos mais felizes para a A viação BrasHeira. Além da morte de Kirk no Contestado, Qutros fatos negativos aconteceram.

O piloto argentino Ambrosio earagiaIa, que fora, junto com Giao Felice GiDo, instrutor na extinta Escola Brasileira de Aviação. sofreu acidente no Campo do Derby, no Rio, vindo a falecer em 7 de fevereiro. Até mesmo o Aero~Club Brasileiro foi outra vez abalado por ventos contrários, tendo de enfrentar as terríveis dificuldades finao· ceiras da época e tomando-se deficitário, justamente quando às voltas com a manutenção dos seus aviões (os que o Exército havia requi-

sitado para a Campanha do Contestado, e que só lhe foram devolvidos em novembro, embora liberados desde março), além de outros problemas na longínqua Fazenda dos Afonsos, coroo falta de luz, água, telefone, condições de acesso e conservação do campo (que o mato invadia e a chuva estragava) . Bem que Santos-Dumont havia desaconselhado o local escolhido: U( . . . ) Primeiro trataremos do Campo dos Ajonsos:

( ... ) O Aero-Club ahi instalou o seu Campo de A ldação. Convidado pela Diretoria deste Club, ha annos, para visitar e dar a minha opinião sobre o dito Campo, disse que o achava mais do que ruim: achava-o pESSI MO. Aconselhei que procurassem uma grande planície ou, melhor ainda seria, que o 429


Club se ocupasse primeiro da aviaçifu náutica, já que nos deu a natureza um aeródromo náutico, único no mundo. O Aero-Club não seguiu os meus conselhos. ( ... A negativa opinião de Santos-Dumont prendia-se às condições orográficas da região, onde inúmeras serras circundavam de perto a área em que se localizava a pista, oferecendo perigos aos pousos e decolagens. Para o nosso Pai da Aviação, um lugar ideal seriam as planícies do Curato de Santa Cruz, hoje um subúrbio, bem distante do centro da cidade, nas proximidades da Baía de Sepetiba. A referência ao "aeródromo náutico" era clara alusão à Baía da Guanabara, de águas calmas, extensão suficiente e segura para manobras de decolagem e amerissagem, e com a vantagem de sua excelente localização geográfica próxima ao centro do Rio de Janeiro. Apesar dos fatos adversos, nossos entusiastas de aeronáutica não desanimavam. Utilizando as instalações da Escola Brasileira de Aviação, cedidas pelo Exército, O Tenente Bento Ribeiro Carneiro Monteiro (que substituiu Ricardo Kirk na Direção Técnica do Aero-Club) e Ernesto D'arioli. organizaram uma tunna de alunos de pilotagem (dois oficiais do Exército e sete civis). Mas o campo e a pista maltratados impediam uma instrução regular, contínua. segura. Tanto Bento Ribeiro como Darioli sofreram acidentes, o que levou a Diretoria a aumentar as despesas, com admissão de mais quatro tratadores. Para melhor impulsionar a instrução. foi admitido também um novo aviador, Luiz Bergmann. Apesar de todos esses esforços. ainda não seria neste ano de 1915 que o Aero-Club, tão forte de idealismo, tão fraco de recursos materiais, conseguiria fonuar pilotos na sua almejada escola. Além de tudo isso. havia as conseqüências da Primeira Grande Guerra Mundial. Em 28 de julho de 1914, fora deflagrado o conflito europeu, ficando. de um lado, Alemanha e Áustria; de outro, Sérvia (Jugoslávia), Rússia, França, Inglaterra, Bélgica e Japão. Embora de imediato essa conflagração não envolvesse o Brasil, agora em 1915 já se sentiam seus efeitos. Nossa aviação foi logo bastante afetada pela impossibilidade de importações, tanto de aparelhos, como de sobressalentes, o que provocou marcante atraso no seu desenvolvimento. Os pilotos estrangeiros deixaram de fazer demonstrações, regressando aos seus países. Até o pr6prio Edu Chaves, brasileiro, mas que mantinha grande amizade pela França, partiu para lá, alistando-se, em luta contra os alemães, como voluntário na Legião Estrangeira (face ao impedimento legal de pertencer às forças governamentais. como era seu desejo). Entretanto, nossa situação frente ao conflito europeu permaneceu como a de nação neutra, até 1917, amparada essa situação por

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· convenções internacionais. Porém; por causa do torpedeamento, por submarino gennânico, do navio mercante brasileiro Paraná, quando, no dia 3 de abril, navegava próximo às costas da França, o Brasil vem a cortar relações diplomáticas com Alemanha, em 11 de abril de 1917. Dias antes, já os Estados Unidos da América lhe haviam declarado guerra. . O envolvimento direto de um país americano. de tradicional amizade para com o Brasil. tocou a opinião pública brasileira, fazendo surgir os anseios de apoio à posição do aliado. Por outro lado. outras violações alemãs à nossa neutralidade e deuespeito à nossa legislação, cometidos com freqüência, tais como utilização de por~os nacionais para reabastecimento de seus navios bélicos disfarçados em mercantes. incitação a distúrbios populares por meio de greves operárias. conclamação à guerra, dirigida aos integrantes das colônias germânicas no Brasil. tudo isso causava descontentamento e mal-estar. Como não podia d.eixar de acontecer, boatos alarmantes eram veiculados. chegando a ser publicado, no Diário de Pernambuco de 11 de fevereiro de 1917, que, segundo notícias do Rio Grande do Sul, os alemães escondiam no fundo de um matagal, em Gravataí, em terrenos de certo carpinteiro Júlio Ode, um avião Blériot. tipo militar.26 Novos torpedeamentos de navios mercantes brasileiros (Ti;uca, Lapa, Macau. Tupi, Acari, Guaíba) acabaram por levar o Governo do Presidente Wenceslau Braz ao reconhecimento da guerra que a Alemanha efetivamente iniciara contra o Brasil, sendo então assinado o respectivo Decreto. em 26 de outubro de 1917. Essa situação de ameaça a nossa integridade e segurança nacionais provocara uma série de medidas, visando ao melhor desempenho do País. 2. Preocupações Militares e a Aviação Ainda em abril de 1917, já o Comandante-Geral da Força Militar do Paraná, então denominada Regimento de Segurança, dirigira, no dia 14, o seguinte telegrama ao Ministro da Guerra. General José Caetano de Faria : "Em face momento grave atravessa Pátria Brasileira, Regimento de Segurança Paraná, com efetivo 870 homens, desejando mais uma vez lutar irmanado glorioso Exército Nacional, Pede V. Ex." fazer parte mobilização, de acordo aspiração oficialidade e vontade expressa digno Presidente Estado. Respeitosas Saudações. (a). Coronel Fabriciano do Rego Ba"os."'5 Acrescente-se que, ao final do ano, a milícia paranaense viria 431


a matricular dois Sargentos - Higino Perotti e Miguel Balbino Biasi - para cursarem a Escola de Aviação Naval. No Exército ressurgiram os ideais de aviação. Em julho de 1917, o Ministro José Caetano de Faria enviara à França três oficiais avia dores para se aperfeiçoarem em vôo e estudar diferentes tipos de aeroplanos, a fim de se incumbir da escolha do material para organização do Serviço Geral de Âviação do Exército. Os oficiais designados foram: Tenentes Alzir Mendes Rodrigues Lima, Bento Ribeiro Carneiro Monteiro e Mário Barbedo. Além dessa missão, esses oficiais deveriam solicitar o auxílio do Adido Militar Brasileiro em França, Tenente-Coronel Alfredo Malan D' Angrogne, para a elaboração do projeto de instalação do Serviço, cuja sede ficaria no Campo dos Afonsos. A idéia básica era a organização de três escolas: no Rio de Janeiro (Afonsos), no Rio Grande do Sul (Pelotas) e em São Paulo (Guarulhos). Malan, usando da experiência e conhecimento adquiridos junto à evoluída aviação francesa, caloborou efetivamente, conseguindo matricular os três ofi· ciais na Escola Farman, para os cursos ministrados por um instrutor militar da força aérea da França, Tenente Lafay. Quanto à organização tríplice das escolas, opinou ao Ministro contrariamente, por julgar dispersão de recursos, achando conveniente apenas uma. Aceita a opinião, o Ministro Caetano de Faria decidiu-se por locali zar a escola no Campo dos Afonsos; por isso requisitou de volta as instalações da antiga Escola Brasileira, que haviam sido cedidas ao Aero-Club Brasileiro. Era novo transtorno para O Aero-Club, justamente quando seu presidente em exercício, Maurício de Lacerda, visitava as cidades do Norte e Nordeste, disseminando idéias sobre aeronáutica e buscando a colaboração das prefeituras para organizar escolas de vôo. Pouco antes, a direção técnica do Clube havia sido desfalcada do Ten. Bento Ribeiro (enviado a França, pelo Exército). Seu substituto foi o Ten. De Lamare, permanecendo o auxílio de DarioJi e Luiz Bergmann. 3. O "Serviço de Defesa das Costas e Fronteiras do Brasil por meio de Engenhos Aéreos" Em 27 de outubro de 1917, por iniciativa dos deputados Augusto de Lima e Coelho Neto, foi criado o Serviço de Defesa das Costas e Fronteiras do Brasil por meio de Engenhos Aéreos, tendo a Câmara votado um crédito especial de 500 contos de réis, como orçamento inicial para suas atividades. Sua principal missão era O patrulhamento aéreo, vfsando a repelir ataques de submarinos alemães aos navios brasileiros em águas nacionais." Também a iniciativa popular juntou-se aos esforços de incre· menta à segurança nacional, em 1917. -Antônio Martins Lage Filho doou 600 contos de réis, "para oompra de uma numerosa esquadri432


lha de aeroplanos de escola e de aviões militares", quando da campanha O Renascimento da Aviação Nacional, encetada pelo "Aero-Club. O antigo proprietário do Cinema Parisiense, Sr. Staffa" adquiriu e doou um avião ao Aero-Club. O jornal paulista A Fanfulla promoveu subscrição entre os componentes da colônia italiana, visando a adquirir seis aviões para o Aero-Club, quando então contribuíram, entre outros, os Condes Siciliano, Francisco Matarazzo, Gino Crespi e José Martinelli, além da direção do jornal." Na área naval, o Ministro da Marinha, Almirante Alexandrino de Alencar, tomou as providências necessárias para o preparo adequado da Força sob sua responsabilidade. Para atender os objetivos do recém-criado Serviço de Defesa das Costas e Fronteiras por meio de Engenhos Aéreos, cogitou da recomposição do equipamento naval, basicamente submarinos e hidroaviões, construção de bases de aviação no Rio de Janeiro e ao longo de toda a costa atlântica do País, bem como do aprimoramento da instrução para o preparo de pessoal. Foi então organizada a"Divisão Naval em Operações de Guerra (D.N.O.G.), cujas missões de patrulhamento marítimo passaram a ser realizadas em coordenação com a esquadra inglesa.

4 . Aviadores Navais Brasileiros nos Céus da Europa e América do Norte No setor ~~ronáutico, a cooperação do Brasil ao esforço aliado foi representada pelo envio, em janeiro de 1918, de um grupo de aviadores navais à Inglaterra, para integrar o Royal Naval Air Service. Constituíram esse grupO:S3 Capitão-Tenente Vasconcellos, Tenente De Lamare, Tenente Sá Earp e Tenente Moura. Fez parte também desse grupo o Tenente Aliathar de Araújo Martins, do Exército. Um s~gundo grupo foi também enviado: S3 Tenente Varady, Tenente Eugênio da Silva Possolo, Tenente Olavo de Araújo e Tenente Lauro de Araújo. Destes, apenas Varady era brevetado. "A instrução e o treinamento do contingente brasileiro (na Inglaterra). foram desde o início intensivos, primeiramente na Escola de Aviação de Eastbourn e, logo a seguir, em Lee-on-Solent, para adaptação em aviões de curta patrulha . Em Calshout (Escola de Bombardeiro-Patrulha), o treinamento passou então 433


Fig.

no -

Brasil na I Grande Guerra - Pilotos da Aviaçi20 Naval em instrução na Inglaterra (EllSlbourne) .

a ser Jeito ao vivo, com todo o aparelhament'o~ munição e disciplina de guerra. No correr deste período, ocorreram duas baixas: o Tenente Olavo de Araújo, voando solo, em treinamento de acrobacia, sofreu grave acidente que, levando-o ao hospital, o incapacitou temporariamente para o serviço militar; e, noutro acidente ocorrido a 5 de setemt.ro de 1918, perdeu a vida o Tenente Eugênio Possolo. Este Oficial, tomando parte com seu avião numa formatura da RAF de cinco aparelhos, três dos quais pilotados por oficiais brasileiros (De Lamare, Varady e ele próprio, Possolo), teve morte instantânea com a queda e incêndio do seu aparelho, (Sopwith Camel), em conseqüência de colisão com um aparelho britânico pilotado pelo Tenente Sanders. Posteriormente, os demais oficiais, já brevetados como pilotos de caça, foram mandados apresentar ao 10. tI Grupo em Operações de Gl1erra da Royal Air Force, com sede em Plymauth. Formando uma esquadrilha mista, com aviadores ingleses e americanos, foram então empregados em missões de patrulhamento.,,5) Também com os Estados Unidos da América, a nossa Marinha efetuou missões de patrulhamento de guerra, com os Tenentes Godiobo e Fileto e o Suboficia\ Silva Jr. Em contrapartida, chega para a Escola de Aviação Naval, em março de 1918, a Missão Militar Americana, integrada pelos eapi434


tães·Tenentes P. A. Cussachs e Jayme Otiver, destinada a ministrar instrução aérea, e com a qual vieram a colabor!lr, ao final di:) ano, os Tenentes Schorcht, Maller (que voltara da Marinha Mercante), Victor de Carvalho e Raul Bandeira (estes últimos regressando dos EUA). As instalações da Escola foram grandemente ampliadas, bem como o equipamento de vôo, com a chegada de seis novos Curtiss HS-2, de 400 HP, para patrulha; quatro Curtiss F, de instrução; dois F.B.A., para reconhecimento, e dois Standards, de instrução. Além dos importados, um Curtiss de instrução foi construído nas ofi· nas da Escola, sob orientação do Tenente Victor de Carvalho.» Em fins de 1918 foram ainda enviados Oficiais e Praças às Es· colas Militar e Naval de Aviação da Itália, sob o comando do Capi· tão-de-Corveta Prot6genes Guimarães: Tenente ,Paulo de Souza Bandeira, Tenente Fernando Victor Savaget, Tenente Jayme Americano Freire, Tenente Epaminondas Gomes dos Santos, Sargento Arthur Cleveland Nunes, Sargento Antônio Tarcílio de Aruda Proença, Sargento Gelmirez Patrocínio Ferreira de Mello, Sargento Octávio Manoel Affonso, Cabo José Cordeiro Guerra e Cabo Pedro Antônio da Silva.Sl "Inicialmente cursaram a Escola de Observadores Militares em Centocelle. Seguiram depois para a Escola de Aviação Militar do Exército Italiano em Cerveteri a fim de realizarem curso em al-;ões terrestres, rumando depois para Roma, Furbara e Milão. Além Ms cursos de acrobacia e caça, realizados em Furbara e Roma, O grupo brasíleiro freqüentou a Escola de Aviação Naval em Tarento onde foi-lhe ministrado um curso em hidroaviões. ,>&)

Embora pequena, a colaboração brasileira aos esforços aliados contra o inimigo foi efetiva e durou até a assinatura do Armistício, em 11 de novembro de 1918.

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CAPITULO 6

ESCOLAS DE AVIAÇÃO APOS A GUERRA

1. Um Avião Polêmico na Força Pública do Paraná Itrapassando os limites do Rio de Jaoeira e de São Paulo, onde as atividades de aviação eram mais intensamente desenvolvidas, e entusiasmo pelo vôo alcança O Estado do Paraná. Já vimos no capítulo anterior que a Força Militar paranaensê chegou a oferecer sua colaboração para lutar na Guerra de 1914, ao lado do Exército . E possível que essa manifestação tenha sido ditada em decorrência do sucesso obtido na Campanha do Contestado , quando Exército e Polícia já se haviam unido para derrotar os jagunços dos quadros santos. Também as atividades aviatórias de Ricardo Kirk e Ernesto Darioli nessa Campanha, embora de final infeliz. devem ter aguçado nos policiais paranaenses o desejo de possuir sua própria aviação. Isso, sem esquecer os vôos de Cícero Marques no Paraná e a visita de Santos-Dumont ao' Estado, cuja presença simplesmente personificava a aviação . A guerra declarada aos países teu tônicos (Alemanha e Áustria) era um forte estímulo para a organização da arma aérea, no momento em que a soberania nacional estava ameaçada . Tudo isso levou a uma campanha pública em todo o Estado, empreendida pelo então Regimento de Segurança, visando a recolher fund os para aquisição de um aeroplano a ser doado ao Comando daquela Corporação, numa patriótica e valiosa ajuda para a defesa nacional .

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Injciada em abril de 1917, a coleta de numerano durou até janeiro de 1918, sendo arrecadada a vultosa quantia de dezoito contos de réis, inclusive com contribuição oficial do Estado. O sucesso dessa campanha deveu-se à seriedade com que foi realizada e ao apoio generalizado que obteve, tanto das autoridades como do público. Quem a idealizou foram Oficiais-Inferiores do Regimento: Sargento-Ajudante Estácio dos Santos, Primeiros-Sargentos João Mastech, Oscar de Barros Barbosa, João Dohms, Laurindo Olegário Dias, Orestes Fernandes dos Santos e Higino Perotti.7J De imediato tiveram O "Concordo" do Comandante-::Geral, Coronel Fabriciano do Rego Barros, e o "Autoriw" do Governador do Estado, Dr. Afonso Alves de Camargo, para a expedição de listas de contribuições. A adesão foi além das expectativas, incluindo não s6 os oficiais, como vários civis, que espontaneamente se juntaram ao movimento. S6 os cabos e soldados não puderam contribuir, por expressa proibição do Comandante-Geral, visando a não lhes diminuir o já pequeno soldo . O controle das importâncias recebidas foi feito com rigor, sendo publicadas em boletins do Regimento as quantias arrecadadas pela Comissão de Sargentos Encarregada de .Angariar os Donútivcs. Veja-se que quando, em 6 de outubro de 1917, o jornal Guaíra, de Guarapuava, denunciou procedimento irregular de um oficial, com relação ao dinheiro apurado em uma lista sob sua responsabilidade, foi de pronto instaurado inquérito, em cuja solução o ComandanteGeral determinou fosse remetido o processo à Polícia, posto que o crime cometido era de natureza civil. Com tais cuidados e com tal adesão, não havia dúvida: o avião certamente seria adquirido! Mas, quem o iria pilotar? . A resposta vem com a solicitação do Ce!. Fabriciano à Escola de Aviação Naval, para matricular dois sargentos no Curso de Piloto-Aviador Militar: Higino Perotti e Miguel Balbino Biasi. Ambos foram incluídos, em janeiro de 1918, no curso daquela Escola. O Sargento Perotti recebeu a incumbência de procurar o avião a ser adquirido com os dezoito contos de réis arrecadados. Encontrou-o com o piloto civil Elígio Benini, que possuía um Borel monoplano-biplace, motor Gnome de sete cilindros. 80 HP, aparelho versátil , de baixo custo operacional e fácil manutenção, com bom índice de eficiência. Examinada e aprovada a proposta de venda do aparelho pela comissão encarregada de estudar o assunto, vai ao Rio de Janeiro o próprio Cel. Fabriciano, a fim de concretizar a transação. Dessa forma, fazia da Força Paranaense a primeira organização militar, fora da Capital Federal e de São Paulo, a possuir um avião. 437


Fig. UI -

O Borel é recepcionado no Paraná.

Apesar dos cuidados com que se revestiu a compra do Bore/, um jornal do Rio considerou-a um péssimo negócio, afirmando que "quem tentasse voar nele seria homem morto" .lS Atribui-se ao Aero-Club BrasiJeiro a idéia da denúncia, em face do contido em ofício que, na época, um Capitão da Força, João Busse, dirigiu aos Oficiais da Guarda Nacional:

"( .. . ) Adquirido o aeroplano, que, para os profissionais competentes, era o melhor existente no país, começou, por interesses subalternos, uma campanha de descrédito que, infelizmente, foi apadrinhada pelo Aero-Club Brasileiro, que devia se cclocar acima das pequenas paixões e elevar bem alto os tentarnes gloriosos como o de que se trata.,m Na época, de fato, o Aero-Club era contrário a toda organização que, possuindo aeroplanos, a ele não se filiasse, embora, até então, não existisse legislação específica sobre tais casos. Diz-se, também, ter havido certa pressão do Exército, por não concordar com que força estadual tivesse aviação. O fato é que os comentários do jornal levaram o Cel. Fabriciano a exigir do Sargento Perotti comprovar a validade da compra. Para tanto, Higino Perotti, que ainda não era piloto, solicitou ao ex-proprietário do aparelho. Elígio Benini, que fosse a Curitiba voar O Borel, provando-lhe a segurança; não foi , porém, atendido pelo aviador, por ter assumido compromisso de exibições aéreas em outros estados. Perotti convidou, então, Luiz Bergmann (2 .0 piloto-instrutor do Aero-Club, há algum tempo sem voar, devido às dificuldades financeiras da entidade), que, em companhia dele, vai a Curitiba e realiza o tão esperado vôo de demonstração, a 17 de fevereiro de 1918, em meio a um clima de festa. O sucesso foi total, com o avião fazendo evoluções sobre o Prado Guabirotuba, do Jockey Club, 438


então lotado por uma multidão de curiosos e na presença de altas autoridades. indo até a cidade e regressando ao Prado. Em seguida, Bergmann faz mais dois vôos. levando a menina Emília Perotti (filha do Sargento Higino) e uma senhorita de nome Ilnah Rocha Guimarães. com o objetivo de atestar de maneira ine~ quívoca a segurança do aparelho. Uma outra demonstração foi proporcionada por Bergmann : lançamento de bombas simuladas. mostrando as possibilidades do em· prego ofensivo da aviação . Ao término dessa grande festa aviatória, três resultados pode~ riam ser verificados: o avião tivera comprovada sua eficiência e, portanto. validada a sua compra; Bergmann alcançara merecido sucesso entre os curitibanos, comprovando sua fama de hábil piloto; por fim, crescera ainda mais o entusiasmo pela aviação no Paraná . Perotti. agora tranqüilo. regressou ao Rio para continuar seu curso de pilotagem na Escola de Aviação Naval. Um velho barracão, utilizado por Cícero Marques em 1914, passou a servir de hangar, abrigando o avião Sargento, nome com que foi batizado o polêmico Borel, pela esposa do Presidente do Estado do Paraná, Sra. Etelvina Rebello de Camargo, naquela memorável tarde de 17 de fevereiro de 1918. 2. A Escola Paranaense de Aviação: Origens

Esses resultados positivos constituíram os alicerces sobre os quais veio a se erguer a Escola Paranaense de Aviação . Ainda sob o clima entusiástico dos vôos do Sargento. oficiais e sargentos da Força Militar reuniram-se no quartel do Corpo de Bombeiros (onde. hoj e. se situa a Biblioteca Pública), sendo escolhido o primeiro Conselho Administrativo da futura escola: 7S

Presidente: Tenente-Coronel Benjamin Augusto Lage - Comandante da Força Militar, Membros: Dr. Paulo Ildefonso de Assumpção - Diretor da Escola de Aprendizes e Artífices, Major Félix Mello - industrial, Capitão Bráulio Virmond de Lima - Comandante do Tiro de Guerra Rio Branco. Capitão João Busse - Ajudante do 1.0 Batalhão da Força Militar. PaTa Diretor-Instrutor, outro não foi o escolhido, senão o piloto Luiz Bergmann. ficando designado mecânico Afonso Perotti, irmão de Higino, que havia feito toda a regulagem do Sargento para o vôo experimental. 439


Fig. 1J2 - Ap6s ser balizado como "Sargento". o Borel licou sob Oli cuidados de Bergmann (d) e Alomo Pero/ti (eJ.

A primeira turma foi constituída pelos Capitães Waldemar Kost e João Busse, Sargentos Dohms, José Scheleder e Tancredo Martins de Oliveira. Para uma turma suplementar, foram indicados os Sargentos Anibal Camargo, Ary Saldanba da Cunha e Augusto de Almeida Garrett. Todos os indicados eram militares da Força. Apenas um civil foi excepcionatmente admitido, o Sr. Geraldo Zanicotti . A sede da Escola Paranaense de Aviação foi instalada no bairro do Portão, em propriedade arrendada de uma senhora, Viúva Júlio Biscaia. No local, um grupo de oficiais da antiga Guarda Nacional mandou construir um espaçoso hangar, com ·almoxarifado, oficina e alojamento para soldados que prestassem serviço de guarda. Com urna grande tarde aviatória, a Escola Paranaense de Aviação foi inaugurada num domingo, 24 de março de 1918. Aproveitando a oportunidade, os oficiais-inferiores da Força, organizadores da subscrição popular, fizeram entrega do Sargento à Corporação Militar, quando então Bergmann realizou novos vôos de demonstração. 440


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Figo 133 -

O "Sargento" torna prusível o funcionamento da prlmelrQ escola de aviação do Parand (março, 1918).

3. Dificuldades: Final Melancólico Um fato curioso já pode aqui ser constatado; a Escola fora inaugurada, tinha .diretoria, instrutor, alunos e instalações; mas não possuía avião! Note-se que o Sargento fora entregue à Força Militar, e a Escola era de natureza civil. Uma semana depois, esse problema seria contornado:

"Cessão Tendo sjdo criada nesta Capital a Escola Paranaense de Aviação, na qual foram matriculados, de preferência oliciais e inferiores desta Força Militar, resolve este Comando ceder à dita Escola O Aeroplano Sargento para o funcionamento da mesma. Este ato não é senão um complemento dos patrióticos intuitos dos dignos inferiores do meu comando, que angariando o aeroplano para a Força Militar, visaram a aprendizagem de seus camaradas que irão, em breve tempo, prestar eficaz concurso ao glorioso Exército Nacional, de que somos auxiliares imediatos. ,m Esse foi o ato do Tenente-Coronel Benjamim Augusto Lage, que, aliando sua autoridade de Comandante da Força Paranaense e de Presidente do Conselho Administrativo da Escola Paranaense de Aviação, tornou possível a atividade de instrução de vôo dessa Entidade. em 30 de mar90 de 1918 . ~ claro que a resolução do Comandante foi de encontro aos objetivos dos oficiais-inferiores, chocando-se com as pretensões deles, 441


que eram as de ver o Sargento realizando missões de específico caráter policial-militar, ainda mais que os dois companheiros Perotti e Biasi se estav,am preparando para tal e, em breve, concluiriam o curso de piloto na Marinha. Mas esse imprevisto foi superado, e a Escola pôde prosseguir. Nova dificuldade, porém . O avião Sargento, embora biplace, não possuía comando duplo, requisito desejável a um aparelho de instrução. Assim, após o ensino teórico, sobrevinha a necessidade de se deixar o aparelho exclusivamente nas mãos do aluno, para a parte prática . Sem poder o instrutor corrigir os inevitáveis erros de manobra do piloto estreante, o vôo se tornou inseguro, causando mesmo uma série de acidentes. O de maior proporção, embora com o avião no solo, felizmente, aconteceu com o civil Zanicotti : ao acionar o motor, não conseguiu controlar o aparelho, que, desgovernado, chocou-se com os restos de um tronco de árvore abatida; Zanicotti f Di cuspido, sofrendo ferimentos diversos, e o avião teve sérias avarias nas asas, na hélice e nas rodas. Somente alguns meses depois foi concluída a trabalhosa recuperação do Sargento, tendo a Escola ficado sem instrução prática nesse período. Em 3· de agosto de 1918, pouco antes de ser substituído por término de mandato, o Conselho Administrativo delegou poderes ao Governador do Paraná para que pusesse à disposição do Ministério da Guerra a Escola Paranaense de Aviação e seu inteiro acervo. Foi uma resolução incomum, que talvez encontre explicações na perspectiva contrária com que o Exército enfocava a existência de tão poderosa arma nas mãos de uma força auxiliar, quando nem mesmo ele ainda a possuía. O maior evento aeronáutico da Escola Paranaense, mas que outra vez a deixou sem instrução aérea, foi o reide intermunicipal feito com sucesso por Bergmann, pilotando o Sargento, abrangendo Curitiba, Ponta Grossa, Castro e Jaguariaíva, e que durou de 12 a 20 de setembro. No entanto, não se podendo citar por que motivos, a Escola entra em fase de declínio, sem ainda ter formado sequer um piloto aviador, e com os vôos, dirigidos por Bergmann, mais voltados a passeios turísticos do que à instrução aeronáutica . Até mesmo os jornais deixaram de prestigiá-la, dedicando-lhe raras referências. Por fim, o próprio Bergmann deixou a Escola . Em 11 de janeiro de 1919, os Sargentos Higino Perotti e Miguel 8albino BIasi concluíram o curso de pilotagem na Escola de Aviação Naval. Ao retomarem a Curitiba, encontraram a Escola Paranaense de Aviação totalmente inoperante, com seus objetivos bastante alterados e orientação bem diferente daquela para a qual fora criada, ou seja, a de formar pilotos aptos a servir a Força Mi442


litar do Paraná, realizando missões policiais. Até mesmo a doação de um novo Borel, com duplo comando, feita pela Marinha à Força Militar, não foi capaz de reacender o antigo entusiasmo, e o aparelho permaneceu por longo tempo encaixotado, exatamente como tora remetido. Perotti pede sua baixa da Força, passando à Reserva; Biasi, continuando na Ativa, foi promovido a Oficial, mas teve de dedicar-se à instrução acadêmica policial-militar. Encerrou-se, assim, essa tentativa de ensino aeronáutico no Sul do Brasil, apenas deixando à Força Militar o título de pioneira da aviação paranaense. O velho Sargento, que em suas asas acolhera tantas esperanças de uma Força POlIcial bem aparelhada e avançada para o seu tempo, ficou esquecido no hangar, até que um violento incêndio viesse a destruí-lo, junto com o outro Borel, em 5 de julho de 1927. 4. A Missão Francesa de Aviação Já vimos que o conflito europeu provocou consequencias no Brasil, e que uma delas foi o ressurgimento das idéias de se criar a aviação do Exército, tendo o Ministro José Caetano de Faria enviado a França, em julho de 1917, os Tenentes Alzir, Bento Ribeiro e Barbedo, com a missão de se prepararem junto à Força Aérea francesa, a fim de, no regresso, organizar o Serviço Geral da Aviação. Por ocasião do decreto de reconhecimento do estado de guerra que a Alemanha impunha ao Brasil (26 de outubro de 1917), o nosso Adido Militar em França, Tenente-Coronel Alfredo Malan D'Angrogne, logo no dia imediato, se apressa em telegrafar ao Ministro da Guerra dizendo de sua impressão quanto a uma boa acolhida pelo Estado-Maior francês a um pedido de Missão Militar para instrução ao nosso Exército. Esse telegrama foi seguido de uma longa carla, de 10 de novembro de 1917, em que Malan revelava haver sentido total indiferença nos meios militares franceses quanto à entrada do Brasil no Conflito, provavelmente em razão da conhecida inexperiência bélica das tropas brasileiras que, com certeza, iriam ser enviadas ao front, para cooperação com as forças aliadas. Nessa carta, o Adido acrescentou algumas opiniões, dizendo-se favorável aos entendimentos para a vinda de uma missão militar francesa ao Brasil, que instruísse adequadamente todo o Exército, desde as escolas de formação até o Estado-Maior, e modernizasse os serviços administrativos. Assim se expressou:

"Mas, para isso, é preciso reformar muita coisa, a começar pelos encostadores. E para que a instrução seja proveitosa, moderna, necessário é que seja logo dada por mestres. Pois bem: para a indicação das medidas mais práticas, para coordenação 443


dos esforços do Estado-Maior para os mil detalhes técnicos de atualidade, eu penso, acredito necessária uma grande missão. Eu penso precisarmos de uma Missão. não s6 para as Es~ colas, mas para o Exército, para o Estado-Maior e para a administração militar. E isto hoje, ainda mais do que ontem. Amanhã poderá ser tarde.'J5S E mais disse ainda. e com tal veemência e franqueza, que ele próprio preferiu submeter essa -carta a um amigo, Tasso Fragoso, a cujo critério ficarià levá~la ou não ao Ministro. Fragoso c:::mcluiu pela conveniência de fazê.la chegar ao General Caetano de Faria. Antes que dessa carta Malan obtivesse resposta, o Ministro, que dele fizera seu assessor para assuntos aeronáuticos, havia aceito aque~ le seu parecer quanto à organização de uma s6 escola de aviação, em vez de três. E volta a este assunto, em 15 de janeiro de 1918: .

"Estou resolvido a contratar o que for necessário e fazer as aquisições precisas. Mas temos dado tantas cabeçadas nessa questão 'de aviação militar, que tenho empenho em achar agora o caminho certo. Dê~me portanto in/armações minuciosas e, se possível, mande-me alguns regulamentos de escolas de aviação. ,Ó'S Sentindo a ansiedade do General Caetano, Malan logo providencia a oontratação de uma pequena missão, restrita aos assuntos aeronáuticos, composta de três oficiais - Coronel Etienne Magnin, Capitães Louis Etiennc Lafay e Edouard Verdier e mais nove subalternos técnicos. São também adquiridos trinta aviões . Em 2 de março de 1918, chega, finalmente, a resposta do Ministro à carta de Malan, de 10 de novembro, confiada a Tasso Fra~ goso. Vinha em termos cordiais, mas com a mesma franqueza de que se valera o Adido, e mostrava sua discordância às opiniões de Malan, quanto à vinda de uma grande missão, explicando as razões que o levavam a não ser "partidário de missão alguma estrangeira":

"Quando o Marechal Hermes esteve na Europa, e falou·se em uma missão alemã, que, dizem, esteve quase contratada, opus-me tenazmente a isso, e contribuí para O fracasso desse contrato. Nessa época ninguém sonhava que um dia estaríamos em guerra com a Alemanha, da qual já dependíamos militarmente pelo armamento, munição, etc.; se ela tivesse vindo, é claro que o espírito germânico se teria desenvolvido entre nossos oficiais e nossa situação seria agora muito melindrosa; na Amé~ rica do Sul pode~se mesmo encontrar exemplo de países que, influenciados pelas missões alemãs, têm sentido na atualidade sérias dificuldades _ 444


Fig_ 134/5/6 -

Coronel Magnin, Capiliks Lolay e

Verdie~.

445


Ora, uma Nação não pode cuidar somente do presente; e aquele exemplo mostra que o exército s6 pode ser nacional em suas doutrinas, teorias, no seu espírito e mesmo em sua tática . .Será muito razoável, indispensável mesmo, que se tivermos de mandar um contingente de tropa para aí, venham instrutores ensinar os métodos que atualmente se empregam aí na frente ocidental; mas, como {nstrução definitiva, como método geral de guerra, ainda não estou convencido de que o caso particular da guerra de trincheiras que aí se observa constitua uma doutrina geral. E essa dúvida é maior quanto tratar-se de guerra na América, principalmente do Sul, onde a pouca densidade de população, a disseminação dos núcleos serão empecilhos aos métoa()S ae combate que aí se estao praticando. Ainda uma outra d4vida: conheço muito a nossa tropa, sei que nossos oficiais são muito ciosos de seus direitos e não creio que eles se sujeitem ao comando de oficiais estrangeiros, principalmente tendo a seu favor nossa Constituição Política. Como sabe. o nosso Exército não admite o estrangeiro como soldado; como pois admitir que ele tenha função de oficial; nós somds subordinados aos nossos superiores hierárquicos, e o oficial estrangeiro tem essa superioridade?'Ld Diante de tais argumentos, Malan responde ao Ministro, dando o assunto por encerrado: UDe ora em diante, corre-me o dever de silenciar e, pois que uma decisão foi tonuzda, empenhar os meus esforços para que o resultado seja proveitoso ...lU 5. A Escola de

Avi~ção

Militar: Origens

Dessa forma , primeiramente veio ao Brasil uma pequena Missão Francesa, exclusivamente para ministrar instrução aeronáutica, aqui chegando em meados de 1918 . A idéia de trazer instrutores estrangeiros não era nova . Já havia entre nós o exemplo da Força Pública de São Paulo, que, desde 1906, vinha recebendo instMIÇão de militares do exército francês. Santos-Dumont reforçando essa idéia, dizia: " Penso que, sob todos os pontos de vista, é preferível trazer professores da Europa ou dos Estados Unidos, em vez de para lá enviar alumnos . .Estou certo que os rapazes brasileiros que fossem ao ex· trangeiro aprender a arte da aviação, se fariam esplendidos e 446


corajosos aviadores. Entretanto, não nos esqueçamos de que nem todo aviador é bom professor. Para ensinar uma arte não é bastante conhecer-lhe a technica, mas é preciso, tambem, saber ensinai-a. E possível que, dentre os 4 CJu 6 rapazes que forem estudar na Europa, se encontre um, bom professor; isso, porém, não passa de uma probabilidade. Mais acertado e mais seguro, portanto, seria escolher, desde logo, alguns bons professores, entre os muitos que ha na Europa e nos Estados Unidos, e contractalos para ensinar a aviação aqui, em território nosso."fIJ Mais recentemente, havia o exemplo dos EUA, que, para se incorporarem à I Guerra Mundial, também solicitaram à França uma Missão de Instrução Militar. Contudo, essa importação cultural tinha seus prós e seus contras, estes já realçados pelo Ministro Caetano de Faria. Se, por um lado, adquiríamos um saber atualizado, ministrado com seriedade e em meio à rígi·da disciplina européia, fazendo homens bem treinados e eficientes profissionais, por outro, as dificuldades de relacionamento, advindas da não fácil aceitação de estrangeiros intrometendo-se em nossas forças, traziam certas situações. inusitadas, vindo a ser criticadas irreverentemente pela imprensa. ora em verso: "LA BIEN VENUE

Os ofliciaes francezes tiveram feliz viagem, que vae dar á reportagem um prato pr'a muitos mezes. Agora o vocabulario no quartel, é desta vez, á custa do diccionario, feito sómente em francez. Falar O franeez é chie n'um quartel como O d'aqui, pois O soldado com lic deve dizer: - bien. merci . E lingua mui delicada e muito melhor que a ingleza, e p'ras damas rtão ha nada como essa lingua Iranceza:'" 447


Ora

~m

prosa: "Um oflicial francez instruindo um soldado de polícia: . - A la gauche! O soldado estupe/acto: - Que gancho~ seu tenente? - Eh bien à la · droite! - Aladroado, não, senhor, seu tenente; si V. S. pega nos insurtá eu arrequeiro bacha. Veja lá como fala, 'monsiú ( .. . Y'. Até incidentes graves haviam-se verificado, como o assassinato de um oficial da Missão Francesa na Polícia Militar de São Paulo, Tenente-Coronel Negrel, e do Alferes da Força Pública Manoel Moraes de Magalhães, ambos vítimas de tiros de fuzil disparados pelo temperamental Sargento PM José de Mello, no pátio de instrução do Quartel da Luz(SP), em 11 de junho de 1906, num criminoso ato de indisciplina. Talvez o bom senso, diante das críticas e das indisciplinas, tivesse levado o Gen. Caetano de Faria a optar pela pequena Missão Francesa de Aviação. . Ao final de 1918, com a morte de Rodrigues Alves, assume a Presidência Delfim Moreira, nomeando para a Pasta da Guerra o General Alberto Cardoso de Aguiar. O novo Ministro dá pronta continuidade aos anseios de aviação de sua força, expedindo, em 21 de novembro, o Aviso n." 1.463: "Sr. Chefe do Departamento do Pessoal da Guerra: Declaro-vos, para os devidos fins, que o Serviço de Aviação Militar fica subordinado à Repartição do Estado-Maior do Exército, competindo-lhe, portanto, organizar com urgência esse serviço e bem assim o regulamento da Escola de Aviação, cuia material acaba de chegar da Europa; sendo que ambos esses trabalhos deverão ser feitos de acordo com a missão francesa, para esse fim oontratada, à qual caberá a direção técnica da referida Escola. Saúde e fraternidade (a) Alberto Cardoso de Aguiar.""

Outras providências 'se seguiram, em 1919: Decreto n." 13.1~·16 , de 15 de janeiro - estabelece um uniforme exclusivo para os piloto-aviadores; Decreto n." 13.417, de 15 de janeiro - abre crédito especial de dois mil contos de réis para ('organizar o Serviço de Aviação Militar, fazer instalações, adquirir aeroplanos e o material necessário, estabelecer escolas de aviação, contratar professores e dar regulamento ao Serviço"; 448


Despacho de 22 de janeiro - o Ministro da Guerra aprova o quadro de pessoal efetivo da Companhia de Aviação da futura Es· cola de Aviação Militar; Decreto n,o 13.451 , de 29 de janeiro - cria a Escola de Avia· ção Militar, destinada a administrar, a oficiais e sargentos do Exér· cito ativo e oficiais da reserva de segunda classe de primeira linha, a instrução de piloto, de mecânico e de observador, para o Serviço Aeronáutico do Exército, aproveitando para o Curso de Aviação os serviços da Missão Militar Francesa. . 6. Organização e Primeiros Brevetados

Em 1,° de março, o Primeiro-Tenente Engenheiro Plinio Rauli· no de Oliveira é designado para dirigir os serviços de terraplenagem e drenagem do Campo dos Afonsas.

Fig. 117 -

OS

Fig. 118 -

VC /lIOS

IlOngarcs de Bucelli vi'em surgir o novo Escola de Aviação Militar. .

O T en. Plínio prepD.to o terreno pD.r(J o nova pista.

449


l1ig. 139 -

O Corpo da Guarda loi o primeiro prMio a ser colI$trufdo na '

Escola de A viação Militar.

Fig . 140 -

NOti novos hangurc$ da Escola de Aviaçi.io Militar. a tecnologia do concreto armado.

Em 12 de março, o Tenente-Coronel Estanislau Vieira PampIona é nomeado, por Decreto, Comandante da Escola de Aviação Militar . Em 15 de maio, os Capitães Verdier e Lafay, da Missão Francesa, o Capitão AIzir Mendes e os Primeiros-Tenentes Bento Ribeiro e Aroldo Leitão são designados, por Aviso Ministerial, Instrutores da Escola . Ao leitor não terá passado despercebida a presença do Ten. Aroldo Leitão nesse grupo, já que o Ten. Mário Barbedo é quem fora à França aperfeiçoar-se para a função. Aconteceu que, três dias antes da designação, Barbedo sofrera grave acidente aeronáutico, que o deixou hospitalizado e paralítico. pelo resto da vida {este trágico 450


~

Fig. 141 -

Ao T en-Cel. Pomplona (d), 1," Comandan le da EA M, coube organizar com O auxilio de Magnin (e), a 4," escola de aviação do Brasil.

evento dará origem, no ano a seguir, a importante legislação sobre vítimas de desastres de aviação). Em 10 de julho de 1919, dá-se a inauguração da Escola de Aviação Militar. Os aviões (bem como motores e peças sobressalentes para manutenção) eram todos novos, de fabricaçâQ francesa, sobras do estoque construído para a I Guerra Mundial, modelos Sopwith e Morane-Saulnier (com as asas reduzidas, para impossibilitar decolagens, usado apenas em treinamentos no solo) para instrução; Breguet 14 A2, biplace, com motor de 300 HP. armado com três metralhadoras, passível de receber porta-bombas, possuindo posto de radiotelegrafia e máquina fotográfica, adequado para bombardeio e observação; Spad 7, monoplace, de 200 HP, com duas metralhadoras sincronizadas com o giro da hélice. adequado para missões de caça. Em 22 de janeiro de 1920, após realizarem as provas aéreas previstas, obtêm brevê de piloto-aviador militar: S1 Capitão Raul Vieira de Mello, 1.° Tenente Anor Teixeira dos Santos, Pedro Martins da Rocha, José Felinto Trajano de Oliveira, Godofredo Franco de Faria; 451


2.° Tenente Gil Guilherme Christiano, Henrique Raymundo Dyott Fontenelle. Raul Luna, Ângelo Mendes de Moraes, Salustiano Franklin da Silva e Ivan Carpenter Ferreira.

Figo 142 -

Brcguet 14 -

Motor Rcnault, com 12 cilindros em "V" .

Figo 143 -

452

Spad 7 -

Motor Hispano.Suiza, com 8 cilindros em "V".


Ficou para se brevetar na turma seguinte o 2.0 Tenente Fernando Miguel Pacheco e Chaves . Aos concluintes deste primeiro Curso de Piloto da Escola de Aviação Militar, foi também concedido, pela primeira vez, o Diploma Internacional, pelo Aero-Club, cujo Presidente, Maurício de Lacerda, finalmente obtivera, em maio de 1919, a filiação à Federation Aeronau~ique lnternacionale (FAI).

Fig. 144 - 1.' Turma da Escola de Aviação Militar. De pé, da esq. para dir.; Ten. Trajano, Faria, Luna, Capo Mello, Ten . Guimarães, Ch ris/ia/1o, Mendes de Moraes, Rocha, Anar e Chaves; sentados: Ten. Salustiano, FOl1tenelle e Carpenter.

7 . Regulamento: Cursos e Provas Aéreas A Escola regia-se por um regulamento provis6rio, elaborado pelo Estado-Maior do Exército, adotado desde 28 de abril, por ordem ministerial. Nele estavam previstos cinco cursos: Aviador, Observador, Aperfeiçoamento, Mecânico e Operário Especialista, todos sob a direção técnica do Chefe da Missão Francesa, Coronel Etienne Magnin . As provas aértas para habilitação no Curso de Aviador, estabelecidas por Magnin, compreendiam:

"

Uma descida em espiral de 500 m em vôo planado; Um vôo durante uma hora, acima de 2,000 m; Um vôo em circuito fechado, de 60 Km de desenvolvimento, devendo aterrar na metade do percurso; - Uma prova de altitude. com obrigação de manter-se, durC4nte 15 minutos, acima de 3.000 m:>51 453


Para fazer estas provas, o aluno tinha de, preliminarmente, ser considerado apto pelo seu lnstrutor e pelo Diretor Técnico, ter feito 80 aterragens e ter voado um total de 25 horas. 8. Acidente Fatal não Interrompe "E.xitos Iniciais Diferentemente da primeira turma, onde s6 oficiais haviam sido matriculados, a segunda turma do Curso de Formação de Pilotos foi composta essencialmente de Sargentos, Cabos e Soldados, por proposta do Chefe da Missão Francesa, Coronel Etienne Magnin. Apenas três Oficiais, todos eles uruguaios, foram admitidos: PrimeiroTenente Tydio Larre Borges e segundos-tenentes Corálio Lacosta e José Luiz Ibarra.s1 Sob a orientação de um novo instrutor francês, o Cap, Hubert Charles Louis Dumont, que substituíra Edouard Verdier, em fins de 1919, e do já conhecido Lafay, auxiliados pelos brasileiros Capitão Vieira de Mello e Tenentes Gil Christiano e Ivan Carpenter, formaram-se, em 1920. na 2,· turma da Escola, os seguintes militares: s, 1,° Sargento Heráclito Teixeira da Silva, Raul Dinoá Costa, João de Moraes Pereira, Annand Pelicier; 2,° Sargento Belmiro Scarinci, Rodolpho Prates, Francisco Marinho Bandeira de Mello; 3,° Sargento João Menezes de Mello, Paulino de Carvalho Vasques, Annandó Levei da Silva; Cabo Arthur Fernandes da Cunha; Soldado Sylvio Edésio da Rocha. Foi nesta turma que se verificou o primeiro acidente aeronáutico fatal da Escola: com a instrução começando em 1.° de março, já no dia 11 houve uma colisão de aviões, no solo, de que resultou a morte do Primeiro-Sargento Theolino Leinhardt Peixoto. Ao final do ano de 1920, foi organizado o primeiro Curso de Aperfeiçoamento para os Piloto ~-Aviad ores Militares, com a utilização de aviões Breguet 14 e Spad 7, sob instrução do agora Major Dumont. . Ainda ao final do ano, outro militar francês vem juntar-se à Missão: Major Jean Roswag . Tudo indicava que, desta vez, o Exército teria sucesso com sua aeronáutica, A Escola progredia, sob a orientação da Missão Francesa, consolidando as antigas aspirações militares de em breve possuir uma aviação eficiente, que, ao lado da Infantaria, Artilharia, Cavalaria e Engenharia, iria formar como Quinta Arma. 454


9 . A Escola de Aviação Naval se Desemrolve Enquanto a aviação militar do Exército reiniciava suas atividaJes aéreas, com a Escola de Aviação Militar, inaugurada em 10 de julho de 1919, sob a direção técnica da Missão Francesa, composta por Magnin, Lafay e Verdier, a Escola de Aviação Naval continuava progredindo na sua instrução de vôo, tendo na consultoria técnica a Missão Americana, formada por Cussachs e Olivier, acrescida agora do Comandante W. Capehart e de cinco suboficiais da Marinha americana. Os Avisos n" 708 e 1.727, de 8 de fevereiro e 26 de março de 1919, introduziram modificações no funcionamento dos cursos, passando a haver neste ano apenas o de Piloto-Aviador, mas criando os de Mecânico Naval de Aviação e Marinheiro Especialista de Aviação, visando a formar infra-estrutura de pessoal especializado . Também neste ano, foram matriculados no Curso de Formação de Pilotos: Primeiros-Tenentes. Deodoro Neiva de Figueiredo e Caio Gaspar Martins Leão; Segundos-Tenentes Djalma Fontes Cordovil Petit, Jayme Dutra da Fonseca, Raymundo de Vasconcellos Aboim, Tosé Baker Azamor, Elias Demetrius Ajús, Tosé Augusto de Paiva Meira, Arthur Bustamante de Albuquerque, Roberto Henrique Sisson e José Carlos Alves de Souza.53 Com o término da I Guerra Mundial, tornou-se mais fácil a importação de aviões, e disso se aproveitou a Escola de Aviação Naval para ampliar sua flotilha, adquirindo em 1919: 2 Farmans F 41; 4 Curtiss N9; 2 Ansaldos ISV A; 1 Macchi M7 e 5 Macchis M9.

Fig. 145 -

Fmman F 41 -

Motor RenauIt, 80 hp, 8 cilindros em "V".

455


FiR. 146 -

Curtiu N 9 -

FiS. 147 -

456

Motor Hispono-Suiza, ISO hp, 8 cilindrru em "V".

Ansoldo I.S.V.A. - Motor SPA M , 205 hp, em linha.

(5

cililldros


Fi,. 148 -

Fi,. 149 -

Mocchi 7 -

Mocchi 9 -

Motor /solta Fraschini V.6B, 250 hp, 6 cilindros

Motor Fiol A _

~m linha.

12 bis, JOO hp, 6 dlindrOl

em linha.. 457


Ainda recebeu duas ofertas: 1 Macchi M7, do Governo italiano. e 1 AVRO 504, da casa inglesa de comércio de aviões HandIey Page,SJ

Fi,. 150 -

Avro 504 -

Avião terreJlrtl na Marinho..

Além disso, visando às operações de salvamento no mar, a Escola adquiriu um rebocador, cinco lanchas e um bote. Tais providências, embora onerosas, eram consideradas absolutamente indispensáveis pela Marinha, numa cabal demonstração da importância que se passara a dar ao poderio aéreo, como se pode verificar pelas palavras do Ministro Almirante Antônio C. Gomes Pereira, do Governo do Presidente DeUim Moreira: "Apesar de ser um serviço caro, acho que devemos desenvolver a nossa Aviação, estabelf!cendo bases de flotilhas de aviões em diferentes pontos da costa, porquanto, mesmo que se não acredite na profecia de Lard Fisher - 'Air fighting dominates Cuture war' - não é lícito desconhecer a importância crescente dessa arma Jormidável.'4J

Foi neste ano de 1919 que tiveram lugar dois importantes eventos para a história da aviação brasileira: o primeiro vôo aeropostal e a ligação aérea Rio-Santos . 458


10 . O Primeiro Vôo Aeropostal a Serviço da Esquadra Deixemos que a Revista Marítima Brazileira, por ocasião desse evento, nos conte o que ele representou, dentro do estilo original da época: " Excursão Aérea - Os hydroplanos da flotilha aérea da Marinha, HS-lO e HS-11 emprehenderam no dia 15 de agosto uma viagem á Ilha Grande~ onde se encontra em exercicios a 1." DiJdsão Naval, com o objectivo principal de iniciar uma correspondência semanal · com o comando da referida divisão. O hydroplano 10 pilotado pelo capitão-tenente Pereira Vasconcellos, tinha como tripulantes auxiliares o tenente Alves de Souza e o mecanico Silva Júnior, e o hydroplano 11 era pilotado pelo capitão-de-corveta Carlos Pereira Guimarães, actual director da Escola Naval de A v:.ação, tendo como tripulantes auxiliares os tenentes Mario Godinho e Vasconcellos Aboim. As duas machinas levantaram o vôo da Ilha das Enxadas, séde da Escola de Aviação, ás 11 horas e 15 minutos em direção á Ilha Grande. Na altura da Gavea, houve um desarranjo no motor do hydro 10 que foi obrigado a aterrar sem outro damno maior, no momento. O hydro 11, seguia a sua derrota em magníficas condições, chegando ao seu destino ás 12h e 40min. A officialidade da 1." Divisão Naval recebeu festivamente a chegada dos seus valentes camaradas, lamentando o accidente que retardava o outro hydroplano. As 13h e 45min., o hydroplano levantava novamente o vôo e depois de rapidas ev'Oluções sobre o ancoradouro da Divisão, fez-se de volta trazendo a correspondência do commando e oflicialidade, conseguindo aterrar na Ilha das Enxadas ás 15h e 25min. Ao passar pelo local em que se achava o hydro 10 fez-lhe signaes o/Jerecendo socorro. Os tripulantes deste responderam que o accidente não tinha importanda . "Tendo porém chegado ao conhecimento das autoridades de Marinha o que se passava, foram dadas ordens ímmediatas para a partida do rebocador 11 de Junho, Tenente Cláudio e cruzador Barroso em soccorro doS" naufragos do hydro 10. Voltaram ao porto esses navios sem terem encontrado o hydroplano ou seus tripulantes. E: que, feitos os reparos necessarios no motor, recomeçaram a viaJ!.em e na altura da Guaratiba um novo desarran;o no motor obrigou O hydroplano a descer em pleno mar. Nessa occasião deu-se uma explosão no motor, occasionando um principio de incendio. 459


o

commandante Vasconcellos conseguio extinguir o incendio, mas, sem meios de elevar-se novamente ao espaço, ficou com os .seus intrépidos companheiros à mercê das ondas agitadas durante algum tempo, até que um pequeno barco de pesca que passava próximo, solicitado. deu-lhe reboque . Chegando a noite e tornando-se arriscada a viagem, o mestre do barco propoz aos tripulantes do hydroplano que passassem para a sua embarcação. Não querendo abandonar o apparelho, essa proposta não foi acceita. Foi então cortado o cabo do reboque e abandonado em pleno mar o fragil apparelho e seus tripulantes. Sacudidos pelas vagas agitadas e arrastados pela corrente foram arremessados de encontro aos rochedos em fren te ao forte de Imbuhy. O apparelho espatifado submergia-se e os seus heroicos tripulantes fatigados, quasi exhaustos, conseguiram com grande custo alcançar a praia e chegaram até O referido forte, onde foram carinhosamente acolhidos pelo commandante capitão Loretti e oJ/iciaes, que lhes proporcionaram o conforto possivel . Avisado do occorrido, o Arsenal de Marinha fez seguir uma lancha para o 1mbuhy, a qual transportou os denodados naufragos.

Eis em ligeiros traços a odysséa do hydroplano 10, felizmente sem consequencias maiores e sem termos de lamentar a perda de vida de algum dos valentes companheiros, que se portaram brilhantemente em momentos tão angustiosos."

Vê-se que ~ "odysséa do hydroplano 10" chamou para si toda a atenção do episódio. Entretanto, foi com o hidroplano li , de Guimarães, Godinho e Aboim, que se registrou o fato histórico: com esse vôo de 15 de agosto de 1919 - que O artigo chama de "excu rsão aérea" - inaugurava-se o Correio Aéreo da Esquadra, precursor do Correio Aéreo Naval. que, junto com o Correio Aéreo Militar, viriam a se transformar posteriormente no importantíssimo CAN o Correio Aéreo Nacional. 11 . O Primeiro Vôo Rio-Santos

o segundo evento começa com uma decolagem do HS n,Q 13. Pilotado por De Lamare, auxiliado por Fileto, e levando como passageiro o Deputado César Vergueiro, deixou a Ilha das Enxadas e alcançou Santos (SP), após 4h e 20min de vôo. Pela primeira vez um avião de guerra visitava a Cidade. Mas a missão principal era estabelecer a primeira rota aérea para uma futura base naval de aviação, a ser construída na ilha santista, dentro da política de expansão 460


traçada pelo Ministro da Marinha. Segundo o jornalista J. Muniz Jr., em seu livro Episódios e Narrativas da Aviação na Baixada Santista, De Lamare vaticinou, na ocasião: "( .. . ) Santos há de ser um centro importante de Aviação; em breve futuro. e o povo paulista. com os progressos feitos em todos os ramos do conhecimento humano, não ficará atrás dos outros estados, sob o ponto de vista aeronáutico. C. . . )" Corria o mês de outubro de 1919. Com efeito, no ano seguinte, já uma comissão técnica, dirigida pelo próprio De Lamare, entrava em entendimentos com as autori~ dades paulistas para a escolha da área onde seria construída a futura Base Aérea de Santos. 12. Eventos e Novos Exilas na Escola de Aviação Naval Já com .quase quatro anos de cr-iação, a Escola de Aviação Naval ressentia-se de melhores e maiores instalações. Com a flo tilha de aviões aumentada a cada ano, a área de 6.000 ml ocupada na Ilha das Enxadas tornava-se insuficiente, incapaz de permitir a construção necessárias de novos hangares e oficinas, bem como de dependências condignas para as atividades didáticas e administrativas.

fig. 151 -

Enxadas: a evoluçóo da Escola de Aviação Naval lomou loda a drea.

461


Por outro lado, faltava à Escola uma r.strutura organizacional adequada, cujo trâmite da rotina burocrática e das ordens da direção fluísse facilmente. Seu pessoal orgânico era insuficiente, com conseqüências negativas, tanto no ensino como na administração. Até mesmo a instrução militar era deficiente. Como a Ilha das Enxadas fora considerada local provisório para as instalações, desde 1916, a Escola iniciou estudos visando a sua mud~nça para a Ponta do Galeão, na Ilha do Goyemador, onde já funCIOnava a Escola de Aprendizes-Marinheiros, próxima a urna colô-· rua de alienados.

Fig. 152 _

Galeão: espaço para mais progresso.

Nessa época, também se mudara para a Ilha o Aero-Club Brasileiro, posto que suas instalações nos Afonsas, cedidas pelo Exército, quando do fechamento da escola de Gino, Bucelli & eia., haviam sido retomadas em 1919, para a organização da nova Escola de Aviação Militar. Com a decisão da Marinha de ocupar o local. outra vez era desalojado o Aero-Club, e outra vez era prejudicada a organização de sua escola de pilotagem. Quem sabe não teria sido melhor se tivesse aceitado a oferta de Edu Chaves, feita dois anos antes, quando ao substituir De Lamare na direção técruca do Clube, quis transferir os aviões para sua escola em Guapira, onde sua guarda seria gratuita? Agora, a situação era mais complicada, pois o Aero-Club já até tinha assinado contrato com a firma inglesa Handley Page para o ~tabelecimento definitivo de sua Escola de Aviação Civil . .. 462


Na Escola de Aviação Naval houve atraso na instrução, e a turma de novos pilotos s6 foi brevetada em fevereiro de 1920:" 1.0 Tenente Deodoro Neiva de. Figueiredo; 2.0 Tenente José Augusto de Paiva Meira, Raymundo de Vasconcellos Aboim, José Baker Azamor, Djalma Fontes Cordovil Petit e Arthur Bustamante de Albuquerque.

Foi neste ano de 1920 que, pela primeira vez, a Marinha foi contemplada em seu orçamento com a verba de 30 contos de réis, para ç:usteio de despesas da sua aviação. Com esse dinheiro, foram . encomendados ·à Inglaterra quatro aparelhos Avros, tipo Gaspart. ~ interessante notar que esses aviões eram destinados a operações em terra, numa ampliação do campo de atividades da aviação naval, até então exclusivamente no mar, com os hidroaviões. Com efeito, em 1918, oficiais da Marinha haviam sido mandados à Itália, onde fizeram curso em aeroplanos terrestres na Aviação Militar do Exército, em Cerveteri. Coincidentemente à encomenda dos Avros, agora retornavam, apresentando-se na Escola em agosto. A flotilha de aviões foi aumentada, com o recebimento de dois Farmans F-51, quatro Curtiss N-9, quatro Aeromarines e um Curtiss MF, este doado pelo Governo Norte-Americano. Também foi ofertado um Macchi M-7, pelo Comadante De Lamare. Foi num desses aviões, Curtiss N-9, que, pela primeira vez, se realizou um looping com hídroavião no Brasil. O autur da proeza,

Fig. 153 -

Farman F-51 - Dois molores Lorraine Dielrich, 275 hp, 8 t;ilindros em "V",

463


Fig. 154 _ Aeromarine - Motor Curtiss OXX-6, 100 hp, 8 cilindros em "Y".

por muitos considerada impossível, em face do pe.so d~ avião e da resistência oferecida pelos flutuadores, foi o Tenente Ftleto, em 20 de abril de 1920." Em 11 de junho, nas festividades da Batalha do Riachue1o, foi realizada no Rio uma grande parada aérea sobre a Avenida Beira-Mar, da qual· participaram quase todos os aviões da Escola de Aviação Naval e ainda um biplano, Rio de Janeiro, pilotado pelo Capitão Lafay, da Missão Francesa de Aviação. Em setembro, quando da recepção ao Rei Alberto da Bélgica, outra revoada se verificou, com participação dos vários aerobotes da Escola. No HS n.o 12, pilotado por Varady, voou também Santos-Dumant. Nesta ocasião, o Curtiss F n.O 19 caiu no mar, felizmente só se registrando prejuízos materiais. E assim tennirÍava o ano de 1920, com a Escola de Aviação Naval e sua Missão Militar Americana em plena atividade, providenciando a ampliação de suas instalações e cogitando da construção de bases aéreas ao longo do litoral brasileiro. 13. A Força Pública de São Palllo Reabre Sua Escola Em sua primeira fase, esta Escola tinha funcionado por poucos meses, paralisando suas atividades em 1914, por motivos já apontados anteriormente. No entanto, o entusiasmo pela aeronáutica e a vontade de ter sua própria escola de pilotagem não haviam desaparecido das fileiras da Força Pública. Em 1919, o piloto americano Orthon William Hoover, antigo instrutor da Escola de Aviação Naval, que de lá se havia afastado 464


para lutar por seu país na I Guerra Mundial, voltava para o Brasil, representando a Fábrica Curtiss. Estabelecendo-se em São Paulo, constrói uma pequena escola particular de pilotagem em Indianópolis, onde, além de extasiar a população com sua extrema habilidade em vôos acrobáticos, empregava-se com afinco na instrução de pilotos, tendo diplomado, entre outros, Bráulio Ferraz, Albino Ferreira, . Amadeu Saraiva, Adolpho Caliera e Manoel de Lacerda Franco. Possivelmente a sua atuação nos céus de São Paulo, confirmando sua fama de grande piloto, granjeada nos céus europeus, onde combatera aviadores alemães, foi O ponto de partida do entusiasmo das autoridades paulistas, que culminou com o reinício das atividades aéreas da Força Pública.

Fi8. 1.55 -

Hoover (à dir.) loi instrutor também na Escola de Aviação da Força Pl1b/ica de São Paulo.

Em 9 de dezembro de 1919, a Lei Estadual n." 1.675-A restabelece a Escola de Aviação, com dotação de 280 contos de réis. E, como era de se esperar, Orthon Hoover assina contrato para nela ocupar o cargo de lnstrutor, na Direção Técnica. Em 7 de janeiro de 1920, é nomeado o Tenente-Coronel Chrysanto Guimarães para o comando da Escola, acumulando essa função com a que já desempenhava de Comandante do Regimento de Cavalaria. Cabe aqui uma observação: teria sido mero acaso a designação de um Oficial de Cavalaria para tratar dos assuntos de Aviação? Àquela época, havia a crença generalizada de que os cavalarianos e os praticantes de atletismo possuiriam maior propensão para a ati465


vidade aérea, em razão da pretensa facilidade que teriam com relação à aprendizagem de vôo. l ? Verdade ou não, o fato é que o primeiro aeronauta militar brasileiro, Ten. Juventino Fernandes da Fonseca, era da Cavalaria ...

Ao Ten-Cel. Chrysanto, coube comandar a EAFPSP,

Fig. 156 -

na sua segunda Jose.

A sede da nova escola foi estabelecida no Campo de Marte, à margem direita do Rio Tietê, aproveitando uma área plana utilizada para exercícios de equitação. Em abril de 1920, são comprados aos EUA, pelo Governo do Estado de São Paulo. três aviões Oriolles, de 150 HP, e cinco Curtiss JN, de 90 HP, montados por Hoover, auxiliado pelo Tenente Aristides Gonçalves Muza (que já fora aluno na primeira etapa da Escola), e abrigados em hangares solidamente construídos pelo Capitão Jannuário Rocco . . 14. Admissão, Provas Aéreas e Brevês da Primeira Turma Para admissão dos alunos ficou estabelecido: "Nos termos do artigo 19. 0 das instruções baixadas com o ato. de 31 de dezembro, do ano passado, os candidatos à matrícula para a escola de aviação serão submetidos. . no Hospital 466


Militar, a uma rigorosa e geral inspeção de saúde, merecendo atencioso exame os 6rgãos visuais, auditivos, respirat6rios e especialmente o nariz.,,11

Fig. 157 -

Curtiu JN (Jenny) -

Motor OX.S, 8 cilindros em "V".

o ato inaugural da Escola te.ve lugar no dia 26 de abril de 1920, embora seu funcionamento já estivesse ocorrendo desde 27 de fevereiro. l ? Já no dia seguinte, o estabelecimento era prestigiado com a visita de Santos·Dumont, a quem Hoover homenageou com uma demonstração de sua notável habilidade em acrobacias aéreas. Em cinco meses de instrução, estava a primeira turma apta a se submeter aos exames finais. As provas aéreas seriam julgadas por uma comissão composta de aviadores famosos: Etiene Lafay, Orthon William Hoover, Edu Chaves, Cícero Marques e Amadeu Saraiva. Representando o AercrClub Brasileiro, que IrIa conceder o brevê da FAI aos aprovados, estavam' os Srs. Antônio Prado Júnior e Domício Pacheco Silva. Além desses, estavam presentes o Dr. Washington Luiz, então Presidente de São Paulo, e diversas autoridades civis e militares. Foram aprovados em 1.0 de agosto de 1920: 11 467


Capitão João Busse; 1. Tenente Bernardo Espíndola Mendes; 2.0 Tenente Alvaro de Azambuja Cardoso, Antônio Reynaldo Gonçalves, Aristides Gonçalves Muza e Luiz Rabelo, 0

15 . Eventos e Exitos Iniciais Talvez para se dedicar exclusivamente a sua escola particular de pilotagem, em IndianópoHs, Hoover, tão logo brevetada a pri~ Meira turma, vem a solicitar rescisão de seu contrato com a Secre~ taria de Justiça e Segurança Pública, liberando~se das funções de Instrutor da Escola de Aviação da Força Pública. Entretanto, a im ~ prensa da época estabelece ligações dessa demissão inesperada com as denúncias· de irregularidades na concessão de brevês, feitas pelo Aero-Club,» As conseqüências óbvias da demissão foram dificuldades na rotina de instrução, bem como um arrefecimento no entusiasmo que vinha envolvendo as atividades nesses primeiros meses. Para subst i~ tuir Hoover, assumiram os encargos na direção técnica os Tenentes Alvaro de Azambuja Cardoso e Antônio Reynaldo Gonçalves, en~ quanto que nas atividades de mecânica ficou o Tenente Aristides Gonçalves Muza,

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Além do tropeço causado pela saída de Hoover (que, a essa altura, tentava licença para estabelecer um serviço aeropostal em São Paulo), havia as dificuldades enfrentadas na época das chuvas, quando, então, as águas do Tietê, chegando além da calha do rio, alagavam·lhe as margens, obrigando a que os aeroplanos fossem postos em barcos, evitando-se-lhes molhar os motores. Mas, ao se encerrar o ano de 1920, a Escola de Aviação da Força Pública de São Paulo cumpria sua missão, inclusive registrando vôos para Bauru, Piracicaba, Capívari, Campinas. Caçapava e até Santos, disseminando a mentalidade aeronáutica por todo o Estado, e levando muitas cidades do interior a construírem campos de pouso e pistas de aterragem. "Cidade importante era a que tinha essas pistas, com biruta enfunada ao lado do hangar, dando a direção do vento, pensava 'O homem do interior."17

469


CAPITULO 7

RElDE RIO-BUENOS AIRES

I. Aspectos da Segunda Década do Século XX

A

o chegar 1920, a aeronáutica já era um fato no Brasil. Os esforços pioneiros eram consolidados pelas escolas de aviação - a de Edu Chaves, 'em Guapira, a de Orthon Hoover, em indianópolis. as da Marinha e do Exército, no Rio de Janeiro, e a da Força Pública de São Paulo - e ainda pelas atividades do Aero-Club Brasileiro . Antes do ténnino do ano, ainda surgiu a Aer6dromo Brasil~ em São Paulo, escola, dos irmãos italianos João e Henrique Robba, onde Fritz Roesler, famoso aviador alemão (naturalizado francês), passou a dar aulas de pilotagem, como já o fazia na Escola Hoover, até abrir a sua própria, no bairro do Ipiranga . Os assuntos aeronáuticos tinham passado a constar da agenda política brasileira, tendo nosso País assinado em Paris, a 13 de outubro de 1919, junto com treze outros, a COnlJ'enção de Navegação

Aérea Internacional . Em 5 de fevereiro de 1920, o Decreto 1).0 14.050 reorganizou a Inspetoria Federal de Viação Marítima e Fluvial que, mais abran· gentemente, passou a se chamar Inspetoria Federal de Navegação, incluindo agora os encargos dos serviços civis de navegação aérea' de competência do Ministério de Viação e Obras Públicas . Em dezembro de 1920, o Decreto n.o 4.206, do dia 9, estabe· leceu as primeiras medidas de amparo pecuniário aos militares, classificados em navegantes e técnicos, vítimas dos acidentes de aviação. 470


2. Tentativas do Vôo Rio-Buenos Aires E o final deste ano de 1920 seria ainda coroado com as glórias do maior feito aeronáutico brasileiro até então realizado: a ligação aérea Rio de Janeiro-Buenos Aires, as duas capitais mais importantes da América do Sul. Várias eram as dificuldades que se impunham aos que resolvessem tentar esse desafiante vôo: os motores dos aviões ainda eram muito elementares, com potência insuficiente para o longo trajeto; os tanques de essência, pequenos, não permitiam grande autonomia; O instrumento básico para orientação do vôo era simplesmente uma bússola, sendo os mapas bastante precários; o auxílio em terra resumia-se a pequenos campos de esporte, tornando perigosas as aterrissagens e decolagens, já que os trens-de-pouso eram construídos com frágeis rodinhas de bicicleta, e estradas de ferro, para confirmar a rota - isto se as condições de tempo permitissem boa visibilidade cá para baixo .. . Contudo vários eram os arrojados pilotos que já se vinham dedicando à empresa . A primeira tentativa tinha sido de um militar italiano, Major Antônio Locatelli, considerado um dos maiores aviadores da Europa e que, por duas vezes, atravessara a Cordilheira dos Andes. Em 10 de setembro de 1919, decolou de Buenos Aires, pilotando um Ansaldo S.V.A.-I0, de 220 HP, iniciando o reide que lhe traria maior [ama. Conseguiu até mesmo alcançar Santa Catarina, onde tentou uma descida de apoio, para sanar pane; mas foi infeliz na aterragem, inutilizando o avião em Tijucas, pr6ximo a Tubarão. Sl Outro italiano, Mário Quaranta, parece ter-se aventurado nesse desafio, em 17 de outubro de 1919, mas não passou de Santos, após decolar do Rio de Janeiro:50 Consta também que o brasileiro Alfredo Corrêa Daudt, assistido pelo Comandante De Lamare e por seu instrutor de vôo Herculano Virgílio, teria tentado esse reide, partindo do Campo dos Afonsos em 27 de ' janeiro de 1920.!(I Outras notícias falam que sua tentativa era de apenas chegar a Porto Alegre. O fato é que Daudt s6 conseguiu alcançar Santos : perdeu a visibilidade em meio a forte cerração e foi obrigado a fazer pouso forçado na Praia José Menino, onde inutilizou o aparelho, um Ansaldo S.V.A ., de 270 HP, ao evitar cair sobre pessoas que freqüentavam o 10cal.26 Em 14 de agosto de 1920, A Tribuna, de Santos, publicou que os Tenentes Alvaro de Azam.buja Cardoso e Antônio Reynaldo Gonçalves haviam solicitado permissão ao Presidente do Estado de São Paulo para efetuarem o reide a Buenos Aires, partindo de São Paulo. Não se tem notícia da efetiva realização desse vôo, sendo mais de se crer não tenha passado do projeto. No entanto, é interessante ressaltar o entusiasmo e a coragem desses militares, pois ambos os 471


tenentes eram da turma de pilotos da Força Pública, que acabara de se brevetar na Escola de Aviação, uma semana antes!lI Mais dois candidatos à glória: o aviador inglês Joho Pinder e o brasileiro Tenente Aliathar Martins. Pinder se tinha destacado na I Guerra Mundial como exímio piloto; Aliathar Martins, do Exército, já nosso conhecido, realizava o Curso de Pilotc-Aviador na Escola de Aviação Militar. Solicita e obtém permissão para, em companhia de Pinder, tentar o reide a Buenos Aires, em agosto de 1920. Pela primeira vez, a viagem seria feita com hidroavião, um Macchi M9, de 030 HP, de fabricação italiana, cedido por uma nova empresa que se organizava no Brasil, a Companhia halo-Brasileira de Transportes Aéreos.sl No planejamento de Pinder constavam pousos em Santos (SP), Paranaguá (PR), Florianópolis (Se), Tramandai (RS) e Porto Alegre

(RS), até a aterragem final na capital argentina. Tudo correu como planejado, desde a decolagem no Rio, dia 9, até Florianópolis. Às 8h e 30min do dia 16 de agosto, deixaram a capital de Santa Catarina, rumo a Tramandaí. Não chegaram. O Macchi M9 foi encontrado na Lagoa "Esteves, próximo a Araranguá, ainda em território catarinense, abandonado, vazio, sem os tripulantes, com a hélice partida. Pinder e Aliathar haviam desaparecido. Por onze dias perdurou esse desaparecimento, até que, finalmente, em 27 de agosto, localizou-se Aliathar Martins: seu corpo estava afogado nas águas da lagoa; tinha os trajes de vôo em perfeito estado, mas um braço e o nariz estavam quebrados. Só no dia seguinte, Pinder foi também encontrado: o corpo e os trajes não traziam marcas que proporcionassem algum indício do acontecido. Conclui-se que, ao acionar manualmente a hélice do aparelho, Aliathar deve ter sido por ela atingido (o que lhe teria causado as fraturas), caindo n'água; Pinder, tentando salvar o companheiro, com ele deve ter-se afogado. Era o trágico epílogo de mais uma tentativa. Pinder, que chegara a ser Flight Commander da Royal Air Force de seu país, conseguindo vencer os riscos de vida em agitados combates nos céus europeus da I Guerra Mundial, perecia na tranqüilidade das águas de uma lagoa no Brasil. Aliathar não chegara a ter a fama de Pinder, não tendo, inclusive, conseguido habilitar-se nos cursos de pilotagem feitos na Inglaterra, em 1918, junto com os aviadores da Escola de Aviação Naval;51 mas era seu destino morrer na aviação, da qual sempre fora um grande propugnador, desde os tempos de aluno da Escola de Guerra. E o desafio do vôo Rio de Janeiro-Buenos Aires permanecia sem vencedor. O Tenente-Aviador Naval Virginius Brito de Lamare resolveu aceitá-lo, em outubro de 1920" Piloto experiente, com bastantes horas voadas, realizador do primeiro vôo noturno no Brasil, já se 472


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quase provocando seu afundamento. Com muito esforço, o naufrá· gio foi evitado, e o hidro rebocado até Florianópolis, para os repa· ros indispensáveis. As avarias em Cabeçudas tinham sido grandes, e a obstinação, que quase põe todo o sacrifício água abaixo, fora desastrosa. Já eram decorridos dez dias desde a partida do Rio, quando mais uma vez De Lamare e Silva Jr. levantam vôo, em busca de glória pioneira. Sem que sérios defeitos do motor ou graves desar· ranjas nos comandos chegassem novamente a ameaçar o alcance do objetivo, as etapas foram sendo cumpridas a contento, uma após outra, lenta, mas decisivamente: Laguna, pousando na Lagoa das Laranjeiras (SC); Porto Alegre, amerissando no Rio Guaíba (RS); Pelotas, baixando na Lagoa dos Patos (RS); e chegam até Rio Gran· de, no dia 30 de outubro. Nesse tempo, outros reparos no hidro· avião se faziam necessários, e ele foi retirado da água, içado por um guindaste do cais do porto-o Mas o peso do valente Macchi foi demais para o velho guindaste, que o deixou cair, quando já o ele· vara a uma altura de três metros. Os danos foram tais, que o avião teve de ser desmontado e transportado para oficinas do Rio de Ja· neiro. Visando à continuidade do reide e a compensar os esforços de De Lamare e Silva Jr., o vespertino A Noite conseguiu autoriza· ção do Ministro da Marinha para que a Escola de Aviação Naval cedesse um de seus hidroaviões. No entanto, fiel a regras éticas adotadas para reides, De Lamare não quis aceitar a oferta: o percurso deveria ser completado com o mesmo avião com que fora iniciado. 15 A Societá d'Aviazione Italiana viria ainda a homenagear De Lamare, dando-lhe de presente um avião Macchi M7, de caça, apa· relho que ele posteriormente doou à Escola de Aviação, onde rece· beu a matrícula n.o 35. Uma curiosidade pode ainda ser registrada. Na fuselagem dani· ficada do aerobote, chamava a atenção uma inscrição a piche do nome de guerra com que De Lamare e Silva Jr. carinhosamente ape· lidaram o aerobote: Cabeçudo. Era uma alusão ao inesquecível aei· dente na Ponta das Cabeçudas, coincidentemente relembrado pelo nome Cabeçuda, rabiscado na placa de uma tendinha de comércio, . existente no cais do porto onde despencara o avião. Mas era, sobretudo, uma homenagem à teimosia do valente Macchi M9 que, só derrubado, deixara de continuar resistindo nesta tentativa do reide RicrBuenos Aires. Com tantos fracassos, o desafio de chegar à capital argentina pelo ar empolgava cada vez mais. E essa empolgação acabou por tomar conta também de Hoover e de Edu Chaves. Em 4 de novembro, Orthon William Hoover, pilotando um de seus Curtiss Oricles decidiu chegar a Buenos Aires, partindo do Rio. Ficou em Santos, acidentado. 475


Eduardo Pacheco Chaves, em São Paulo, decidiu decolar para o Rio, nesse mesmo dia .4 de novembro, tentando a realização do reide. Para se assegurar da vitória,pilotaria um Caudron 0-4, biplano, provido de dois motores, ao qual Edu fez adaptar um tanque extra de gasolina, o que lhe daria mai.or autonomia de vôo. Sua tentativa seria por sobre o continente, deixando de lado as rotas dos hidros, até então desastrosas-. Edu nem chegou a sair de São Paulo: o excessivo peso do tanque extra impediu que o Caudron deixasse o solo, na decolagem, o que resultou num perigoso acidente que quase tira a vida do piloto paulista.71

fig. 162 -

o pesado Caudron

quase tira Edu da competiçiJo.

Entrava o mês de dezembro, findando o ano de 1920, sem que houvesse um vitorioso na luta do vôo até a Argentina. Italianos, brasileiros, um inglês e um americano se haviam empregado com denodo; um inglês e um brasileiro, até dado a vida. Mas a fronteira aérea continuava intransponível, por sobre a água, por sobre a terr.a. 3. Brasil e Argentina: ·Competição Decisiva Inesp.eradamente, a Argentina, até então simples espectadora, toma a iniciativa de participar do desafio . Afinal, ela era um dos países sulamericanos que, com Brasil e Chile, mais se vinham destacando em aeronáutica. 476


Chamava-se Eduardo Miguel Hearne o aviador que ma aventurar-se na rota até então impraticável. Em sua companhia, o mecânico Camilo Brezzi. O avião, um Bristol Fighter, biplano, de 300 HP, que o Exército argentil,lo pôs à disposição, demonstrando resoluto apoio à iniciativa . O início da viagem foi marcado para o dia 19 de dezembro de 1920, com a decolagem de Buenos Aires, em direção ao Rio de Janeiro . Para o povo brasileiro, que vinha acompanhando com bastante interesse as diversas tentativas, a realização do reide, agora com a participação do país pia tino, adquiriu o caráter de disputa internacional, excitando os sentimentos nacionalistas, especialmente tendo em vista a tradicional rivalidade entre os dois países. Seria, pois, um confronto da Argentina contra o Brasil. Foi para Edu Chaves que os brasileiros voltaram suas esperanças, reconhecendo nele o aviador nacional com maiores condições de trazer a vitória para o País ". Ele já era grande piloto no Brasil, onde, além da atividade de instrutor em sua escola de Guapira, tinha ocupado a direção técnica da Escola de Aviação da Força Pública de São Paulo; tinha adquirido experiência de guerra, no Exterior, quando alistado na Legião Estrangeira, e também voara ao lado de Roland Garros, conduzindo-o de retorno a São Paulo, após o célebre reide a Santos (9/3/1912); isto sem falar no seu vôo pioneiro, São Paulo-Rio (5/7/1914). Uma campanha teve início, através de cartas, abaixo-assinados e artigos na imprensa, apelando ao Governo de São Paulo, para que, a exemplo da Argentina, com Hearne, fosse dado a Edu todo o apoio oficial. Hearne, conforme planejado, deixou Buenos Aires no dia marcado (19 de dezembro), sobrevoando o Rio Uruguai até Paso de los Libres; daí, guinando para leste, já penetrou em ter~itório brasileiro, escalando em Cacequi (RS). A ansiedade dos brasileiros aumentava, na medida em que as notícias sobre Hearne e Brezzi davam conta do sucesso que vinham obtendo no cumprimento das etapas do vôo. Edu ainda permanecia em São Paulo, aguardando O apoio governamental de Washington Luiz que, em virtude da intensa pressão popular, cede ao aviadO'r brasileiro um Curtiss Oriole, de 150 HP, da Escola de Aviação da Força Pública" Enquanto isso, outra etapa vencida pelos argentinos: Cacequi a Passo Fundo. O próximo vôo seria de Passo Fundo a Ponta Grossa, no Paraná. Ficava aí a parte mais difícil do . reide, por causa da travessia sobre a Serra Geral, com picos de até mais de 1.000 m. Mas qualquer esperança de ver a tentativa argentina interrompida acabou, quando, em São Paulo, chegou a comunicação de que Hearne e Brezzi haviam alcançado Ponta Grossa. Na etapa imediata, inevi477


tavelmente alcançariam São Paulo e, com facilidade, entrariam vitoriosamente no Rio de Janeiro, logo em seguida. As esperanças brasileiras se esvaíam a cada pouso do Brístol Fíghter de Heame e Brezzi, enquanto Edu ainda preparava o Curtiss Oriole, com auxílio de seu mecânico Robert Thierry. Na véspera do Natal deste 1920, tudo ficou pronto para a decolagem, em Guapira. Mas Edu e Thierry ainda teriam de vir ao Rio, de onde iniciariam oficialmente o reide . E neste mesmo dia, Eduardo Miguel Hearne e Camilo Brezzi já estavam deixando Ponta Grossa, com destino a São Paulo. Parecia que a Edu e Thierry s6 restaria mesmo o segundo lugar na disputa . Madrugada do dia de Natal em 1920. Às Sh e 4Smin, Edu deixa o Rio, enquanto Hearne decola de Ponta Grossa, rumando ambos para o mesmo destino: São Paulo. Para Edu, o percurso ainda se estenderia por mais de 2.000 Km.; para Hearne, porém, já se resumira a pouco mais de 900. Sobrevoando Sorocaba, o Brístol Fighter deu sinais de que precisava de reparos, o que obrigou Miguel Hearne a um ' pouso de emergência, nos terrenos de uma fazenda. Edu Chaves chegou a São Paulo, onde esperava cruzar com o piloto argentino e apresentar a ele os cumprimentos antecipados pela vitória. Mas a pane do Bristol atrasou o encontro. Em Sorocaba, o mecânico Camilo Breizi tratou do avião, sanando-lhe cuidadosamente a pane com os precários meios de que se pôde valer na fazenda. Tão logo terminados os consertos, o avião foi acionado para a decolagem. reiniciando a corrida atrasada. corcoveando com esforço nos altos e baixos do terreno irregular, assustando animais no pasto e voando rasante sobre casas de cupins que se erguiam forte do chão, construídas de barro perigosamente endurecido pelo sol . Em São Paulo. Edu e Thierry recebem a notícia surpreendente: Hearne e Brezzi não mais prosseguiriam no rei de. O que acontecera [oi posteriormente comentado, em termos jocosos, por Cícero Marques, que aliava, à condição de piloto, a de jornalista:

"Bendita Sorocaba~ bendito pasto, bendita a terra que conta em seu seio com um cupim patriótico, altaneiro. qual sentinela impávida e alerta, que defende a passagem ao ousado que nos tentou arrebatar a glória de mostrar aos nossos irmãos argentinos a rota que une as duas mais belas capitais da América. Bendito sejas tu, cupim, eu te saúdo reverentemente ....,. Hearne e Brezzi pouco se haviam machucado, mas o avião ficara irremediavelmente inutilizado ... 478


4. Vitória Brasileira de Edu Chaves Com tal presente natalino, Edu e Thierry reiniciaram o percur· so. Agora, só a preocupação em chegar. Em 26 de dezembro: São Paulo a Guaratuba; 27 de dezembro: Guaratuba a Porto Alegre; 28 de dezembro: Porto Alegre a Montevidéu; 29 de dezembro de 1920: Montevidéu a Buenos Aires. Era a vitória brasileira, a glória de Edu Chaves e Robert Thierry na realização pioneira da rota que deixara de ser intransponível! Alegremente. o biplano Curtiss Oriole pousa no campo de San Fernando, levando seu.s orgulhosos ocupantes ao encontro da fama. Mas algo saíra errado : não havia qualquer pessoa para recebê-los; ninguém viera cumprimentar os aviadores brasileiros e dar-lhes as boas-yindas. como seria mais do que lógico esperar. Não teriam o povo e as autoridades tomado conhecimento do importante feito que acabara de ser realizado - o maior da aviação na América do Sul? Que vaidade seria essa. que levava os platinas à recusa de saudar a dupla vencedora? Tudo se esclareceu logo em seguida: a recepção estava preparada e seria festiva; porém, fora programada para outro campo, O de El Patamar, onde todos esperavam pela conclusão do comentado vôo. E a fria sensação da chegada foi então aquecida pelas calorosas demonstrações de amizade e júbilo com que os arrojados pioneiros da rota Rio-Buenos Aires foram cobertos, tão logo se dirigiram a El Palomar. De volta ao Brasil, Edu Chaves foi presenteado por Washington Luiz com o bravo Curtiss Oriole, além de receber um prêmio de 30 contos de réis .

Fig. 16J .

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Curtiu Oriolle que inougurou a rOIa aéreo Rio-Buenas Aires (29 dez 1920).

479


Cognominado Bandeirante do Azul e Argonauta do Espaço,'1 Eduardo Pacheco Chaves já tivera seu nome gravado no granito de um monumento, projetado pelo escultor De Mingo e erigido em 1914, no Prado de Corrida da Mooca, acompanhando os do Padre Bartolomeu de Gusmão e Santos~Dum o nt (atualmente, esse monumento está na Praça Coronel Fernando Prestes). Hoje. o antigo campo -da escola de aviação em Guapira está batizado com o nome Parque Edu ChaJ)'es, à semelhança da homena~ gem prestada ao célebre Roland Garros, em 1927, quando seu nome foi dado ao conhecido estádio francês, onde, anualmente, tem sido disputada a famôsa Taça Davis, de tênis .

Fig, 164 -

A velha Guapira de Edu foi o primeiro campo de aviação no Brasil.

Em 1947, segundo desenho do escultor Galileu Emendabile, um obelisco foi construído no Aeroporto de Congonhas. por inicia~ tiva de amigos do piloto, em mais uma homenagem prestada ao Pioneiro Paulista da Aviação Brasileira. Mais recentemente. quando Ministro da Aeronáutica o Brigadeiro Nero Moura. Eduardo Pacheco Chaves passou a integrar a Ordem do Mérito Aeronáutico. S. Fim da Segunda Década do Século XX

o ano de 1920 chegou ao fim. Por intermédio das mãos de Edu Chaves, com o Brasil ficava a maior prova da nossa hegemonia aeronáutica na América do Sul . Mas isso não poderia ser o fim; 480


o desenvolvimento da aviação brasileira apenas começava, com a coragem, e a tenacidade, e a audácia, e a irreverência diante do perigo, sempre demonstradas pelos nossos pioneiros. Ao desempe· nho deles cabe até hoje o destaque de seu exemplo; os seus feitos, aparentes ilustrações na história da nossa aviação, são lembranças reais de quanto sacrifício foi preciso vencer; suas vitórias formaram as bases sobre as quais foi construída a Aeronáutica Brasileira. Eduardo Pacheco Chaves, Cícero Marques, Luiz Bergroann, entre os aviadores civis brasileiros; Germano Ruggerone, Edmond Plauchut, Roland Garros, Ernesto Darioli, Orthon William Hoover, entre os estrangeiros; Irineu Marinho e Victorino de Oliveira, jornalistas que fizeram o Aere·Club Brasileiro; Jorge Henrique Moller, Ricardo João Kirk, Bento Ribeiro Filho, Virginius Brito de Lamare, entre os avjadores militares; Giulio Picollo, Alaor Teles de Queiroz, Aro· brosio earagiola, Eugênio Posselo e Aliathar Martins, que perderam a vida; sem dúvida, todos são apenas alguns poucos nomes dentre os que ficaram a caracterizar, nestas duas primeiras décadas de 1900, a responsabilidadedos que os seguiriam na continuação da notável rota traçada pele maior vulto . da Aeronáutica: Alberto Santos· ·Dumont.

Fig. 165 -

As linhas do Obelisco imilam o arrojo de Edu. .

481


CAP1TULO 8

INDÚSTRIA AERONAuTICA

1 . Sonhos de Colaboração averá quem considere impropriedade falar-se nessa indústria, remontando a um tempo em que a aeronáutica brasileira mal passara da aerostação com balões livres e aos vôos em rninús. culos e elementares aparelhos mais pesado do que o ar, quase todos de origem estrangeira. Dentro de um enfoque assim tão rigoroso e literal, talvez até a própria palavra aeronáutica não tivesse lugar, em se tratando da época dos nossos heróis pioneiros, dado que seus aviõezinhos eram rudimentares, e seu desempenho em aviação era ainda bastante primário ... Ressalte-se, porém, que a palavra " indústria", aqui, deve ser compreendida apenas em seu significado mais simples, de habilidade, de invenção. de especulação, ou outro qualquer que traduza a atitude daqueles que imaginaram fazer alguma coisa em benefício da incipiente aviação e da precária. aeronáutica. Houve os que projetaram; houve os que redigiram. Muitos sonharam; outros fizeram. Inicialmente serão aqui mencionados aqueles brasileiros dos quais restou a notícia de terem prestado alguma forma de colaboração para a nossa aeronáutica, mas cuja criatividade, talvez enriquecida por excessiva imaginação, ficou apenas no plano dos sonhos . Contudo, deixaram a marca da preocupação e do cuidado para com o vôo. e o desejo de vê-lo progredir . Se em nada de prático resultaram essas idéias, elas pelo menos contribuíram positivamente para a difusão da mentalidade aeronáu-

H

482


tica, comprovando a existência da inata vocação brasileira para o vôo. Em termos de pioneirismo, é justo que primeiramente aqui se faça menção àquele considerado o primeiro a voar no Brasil, gra· ças a uma criatividade lendária. Referirno·nos aos paraibano, de Marnanguape, Marcos Barbosa. Conta·nos Coriolano de Medei· ros, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (v. 2, 1910, p. 113-116):

"Mais ou menos na mesma época em que o Padre Gusmão cuidava da Passarola, num recanto do mundo, onde só a longos espaços chegaram notícias da metropole, onde a civilisação mal acabava de chegar, um homem sem ambições, ~em vaidade, para divertir os que lhe eram vizinhos, fendia os ares, plainava as alturas, rasava sobre as copas dos mais altos arvoredos, como um pássaro monstro, enamorado da opulência da natureza vir· gem que lhe sorria. Nessa época a nascente cidade de Mamanguape sahia, a céu aberto, contemplando ao lado dos caboclos, admirada e risonha, um homem que voava! E esta admiração tocava ao enthusiasmo, quando os ma· manguapenses notavam que o heroe dos espaços nascera aUi mesmo, alli mesmo chegara a homem e alli mesmo se fizera sabio, somente auxiliado por sua poderosa intelligencia. Marcos Barboza, (provavelmente da família de Fructuoso Barbosa) filho de Luiz Pereira Barbosa e Cecília Gomes, eis o nome do voador parahybano! A imitação do extraordinario Leo· nardo da Vinci, porém com resultado melhor, fabricou azas com que voou a "incríveis distancias o que nenhum outro homem conseguiu", conforme af/irmou o seu historiador. E não foi somente admirado pelo homem que conhecia a civilisação: um índio quiz voar tambem e deu tudo o que poude pela machina que o seduzia. Infeliz! Não tendo bem aprendido como se sus· pendia ' o vôo, galgou um dias os espaços onde deslisou algum tempo e foi cahir depois entre as marulhosas ondas do Atlantico que o tragaram . .. Balão Brazil Em 1955, a Divisão Legal da Diretoria -de Aeronáutica Civil publicou o "Coletânea de Legislação Aeronáutica", estampando logo em primeiro lugar a transcrição do Decreto n.o 8.505, de 3 de junho de 1882, publicado na "Coleção das Leis do Império do Brasil 1882 - Vol. I - Atos do Poder Executivo (pág. 730)". Assinado por Manoel Alves de Araújo, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, o Decreto con· cede, por dez anos, privilégio a José Passos de Faria, referente ao 483


"aparelho que diz ter inventado, destinado a dar direção e movimen· to aos balões aerostáticos, sem auxilio de leme, ao qual denominou - Balão Brazil - cujo desenho e descrição depositou no Arquivo Público I·· .i. Não mais se teve notícia desse invento, - O 21 de Abril Dentre as mais antigas invenções de que se tem notícia, figu· ram as de Leopoldo Corrêa da Silva, mineiro de Mar de Espanha,

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Fig. 166 -

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projeto do brasileiro Silva antecipolldo-se ao do alemõo Ferdinand Zeppelin


Em 1890, a 5 de julho, obteve a patente n.o 55.495, na Alemanha (posteriormente, também obteve outra na França). do projeto de um aeróstato, construído em Cantagalo (RJ), em março, a que denominou Cruzeiro do Sul. Impulsionado por duas hélices, que se moviam em sentidos opostos, e dotado de um leme vertical, o aparelho formava um sistema com o qual Leopoldo Silva se propunha a resolver o problema da dirigibilidade aeronáutica. A morte do inventor impediu que a realização comprovasse a sua teoria, embora tivesse chegado a realizar algumas experiências práticas. Leopoldo Silva (que também se destaca como pioneiro na organização de uma empresa de transporte aéreo - a Nav'egação Comercial Aérea ou Sociedade Particular de Navegação Aérea), ainda projetou o 21 de Abril, outro balão, que, além de lembrar o dia de nascimento de Leopoldo, no ano de 1849, foi considerado pela imprensa como o precursor do Zeppelin. - O Velo-Aéreo Um cearense de Fortaleza, Dr. Domingos 'José Nogueira Jaguaribe (1848-1926), projetou "dois balões com asas para a navegação aérea" , a que denominou Yelo-Aéreo, a fim de demonstrar sua teoria sobre a dirigibilidade no I Congresso de Aeronáutica, realizado em Paris, no ano de 1900. Este fato está registrado no Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Não há certeza, porém, de que o projeto Velo-Aéreo se tenha tomado realidade. _o_

'aburu Voador

Ainda em 1900, uma comissão do Ministério da Guerra, encarregada de estudar o projeto do Alferes de Infantaria Paulino Júlio de Almeida Nuro, opinou pelo arquivamento, por falta de fundamento científico. Tratava-se da invenção Jaburu Voador, uma espécie de planador, que Almeida Nuro, às suas próprias expensas, já tinha apresentado em Paris, sem sucesso . Nuro ainda recorreu do despacho da COI1)issão, em 1907, mas outra vez, sua petição não foi aceita, ficando arquivado no Superior Tribunal Militar mais um sonho . - O " Systema Ornichty<Jide" A imaginação fértil de um amazonense criou um tipo de alto-falante e uma nova serra elétrica, nos idos de 1900. Mas roão Autto de Magalhães Castro, esse amazonense, também se preocupou com o vôo, inventando o que ele chamou de Systema Ornichtyoide: um balão voador em forma de peixe, com o qual era possível navegar tanto na água, como no ar. Magalhães Castro morreu em 1926, e' seus projetos foram extraviados. Mas é certo que o Ornichtyoide jamais foi realizado. - Dirigível Brazil A notícia que se tem desse invento diz respeito a um novo lipo de balão com hélices propulsivas (na popa), hélices de manobra (em 485


SYSTEM' Fig, 167 -

Aeroplano ou Barco.

cima e em baixo) e fuselagem semi-rígida, atribuído, em 1901 , a Platão de Albuquerque. - O Multiplano Também não passou de sonho a "fusão de aeroplanos com a consolidação de todas as suas jorças", de que, no dizer de Sayão Lobato, se constituía sua invenção: o Multiplano. - A Aeronav'e Brazil Em 1902, nosso Governo concede a um brasileiro de 22 anos, Carlos de Rostaing Lisboa, os direitos da invenção do balão dirigível Aeronave Brazil, cujo projeto permitiria que se incluísse udentro de um balão de qualquer jorma, eixos que se cruzem, os quais saindo jora da superfície do balão, sustenham os aparelhos destinados a dar modmento e direção ao balão",S4 Tudo indica que, da invenção, ficou só a patente 0 .° 3.252, de 25 de fevereiro. - "Um Monoplano que Pára no Espaço" Na edição do Correio da Manhã, 22 de fevereiro de 1911, estava em manchete: "Um Aviador Brasileiro - Álvaro Cunha. Um 486


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1

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Vaie por qw;mlol Mroplano,?

Monoplano que Pára no Espaço." Infelizmente não foi possível obter Qutros pormenores sobre esse invento,-

Um Avião com Pára-Choques

Em 1911, apareceu na imprensa do Rio de Janeiro o jornal

A Noite, dando grande apoio à aeronáutica brasileira, inclusive proporcionando a fundação do Aero-Club Brasileiro. Foi estímulo para que mais inventores aparecessem, agora voltados à solução dos problemas de estabilidade dos engenhos aéreos, porquanto os da dirígibilidade já haviam sido resolvidos por Santos-Dumoot, em 1901. Eurico de Barros foi um dos que se dedicou a esse -assunto. Projetou um tipo de avião, introduzindo inovações que permitiriam alcançar uma estabilidade relativa do aparelho no ar, mediante uma espécie de braço automático que voe equilibrando o apparelho, com as correntes de ar, no caso duma parada súbita do motor ou da que· bra da hélice de propúlsão", conforme o inventor descreveu para A Noite, de 9 de outubro de 1911. O leme idealizado por Eurico de Barros era em forma de X, inteira novidade, "de maneira a dar todos os movimentos ao appa· relho: de subida, de descida e de viragem", segundo afirmou, Outra inovação: no projeto, o avião estava dotado de pára· ·choques duplos, visando à integridade do aparelho (um par semelhante foi doado pelo inventor ao piloto Plauchut. na 1.- Reunião do Aero·Club, "para ser usado na sua pr6xima ascensão")," U

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De tudo isso, o que mais entusiasmava o próprio Eurico de Barros era sua invenção dos comandos: "a vantagem principal do meu apparelho está no seu manejo: é facílimo dar-lhe direcção, e esta está apenas num único guidão donde dito todas as direcções". Apenas uma dúvida assaltava o inventor: "o meu apparelho tem ainda a qualidade de poder levantar-se do solo talvez sem correr. Mas isso só as experiências com motor, que ainda não fiz, o poderá demonstrar". A última notícia que se tem a respeito desta invenção acha-se registrada em ata do Aero-Club, de 13 de novembro de 1912: "O Sr. Romualdo Cerva participou que o aeroplano do im,"ento do Sr. Euri00 de Barros está por se concluir sendo, portanto, necessário que cuide de se conseguir um campo para as experiências. nU -

O "Ar-poly-espirol Brozil"

Em 30 de julho de 1912, A Noite dizia: "Domas hoie o título de curiosidade a photographia do apparelho inventado pelo Sr. Antônio de Borras ( . . .). Este opporelho Ar-poly-espiral Brazil comprehende apenas seis espiraes que darão todos os movimentos ao apparelho e lhe darão também a perfeita estabilidade no espaço segundo pensa o seu inventor. O apparelho é duma simplicidade rudimentar e talvez consiga dar algum resultado ao seu inventor." Não se conhece qualquer aproveitamento prático da invenção. O Aerotorpedo

Acha-se registrado na Ata de 19 de fevereiro de 1913, do Aero-Club, o compromisso do engenheiro italiano Nicola Santo em fazer conferência sobre um aparelho de sua invenção, denominado Aerotorpedo. Em abril, entrava ele com pedido para construir, no Campo dos Afonsos, hangar e oficinas onde realizaria o projeto da sua invenção . De fato, em 1.0 de julho é lavrado um contrato, mediante o qual, no seu artigo primeiro, "o Aero-Club Brasileiro confere ao Engenheiro Nicola Santo a faculdade de instalar no seu camPo. de aviação uma oficina mecânica para construção e reparação dos apparelhos de aviação que constam do seu brevê e um ou dois hangares, somente para que o mesmo senhor possa recolher os apparelhos de sua propriedade e proceder, nos mesmos, as reparações necessárias".&4 Embora se tenham notícias de imprensa sobre construções de Nicola Santo, elas devem ser entendidas como montagens. O pró~ prio engenheiro o confinnaria, posterionnente, referindo-se a aviões que teria fabricado: "Nunca os construí, por falta de dinheiro. Mas, em 1913, com patentes e desenhos estrangeiros, fiz montagens de aviões."&4 Mas o Torpedo Aéreo nem montado foi . . . 488


FIg. 169 - De NictJla Santo foi 56 Q primeirll oficinll organizada de montagem e manutençãGde DI/iõe,.

2 . Comissão do Aero-Club Examina Novas Criações Em 19 de março de 1913, "o Sr, Edmundo Meyer prometeu fazer novo modelo do apparelho de sua invenção para análise da Comissão Técnica", segundo consta em ata do Aero-Club. u Em 29 desse mês, consta também: "o Capo Estelita Werner apresentou um invento nacional denominado Aeroplano Deslandes, do Sr, I, Deslandes",u Outro registro, em 28 de maio: " Quanto ao invento do Sr. Amadeo Catão Lopes, o Sr. Presidente enviou..o à Comissão competente que estuda o Aeroplano D.eslandes" .I.l A comissão referida , designada em 16 de abril, compunha-se do General Inácio de Alencastro Guimarães (Presidente), 1. Tenente Eleotério Lopes do Couto e 2 .° Tenente Rodolpho Lima de Vasconcellos. Em 12 de julho de 1913, A Noite, chamándo a atenção para Os Progressos da Aviação, apresentava um novo inventor nacional, estampando a foto de um original aparelho de aviação, criado pelo Sr. Manoel Bernig. Esse aparelho ficou em exposição na Casa Humberto de Lima, n8 Avenida Rio Branco, estimando-se o custo de construção em sessenta contos de réis. O mesmo fez a edição de 25 de agosto, com relação ao invento do Sr. Lopes Cançado. denominado Monoplano Christina. Em atas de 6 a 30 de agosto, o Aero-Club registra a apresentação dos desenhos de um aparelho concebido pelo engenheiro-mecânico Coronel José de Sá Holanda Cavalcante, para o qual a Co· missão de Estudo solicita o respectivo modelo . Em seguida, o Coro· Q

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Os prosressos da aviacao •••

UM NOVO INVENTOR NAG04 'AL ••• os voos

Fig. 170 -

DE DE!'IEAU

Que nome caberia a este "aparelho de aviação" de Bemi,?

nel Holanda Cavalcante requer se lhe conceda licença para instalar no campo de aviação uma pequena oficina, onde iria construir o modelo exigido.u Até mesmo um novo tipo de pára-quedas foi apresentado à Comissão do Aero-Club, agora integrada também por Kirk e Darioli. O autor do projeto era o Sr. Higgins. tendo apresentado sua invenção em janeiro de 1915. motivo por que teve atrasado o exame da sua criação. até o regresso de Kirk e Darioli, que se encontravam no Contestado,U Sabe-se que Kirk jamais voltaria. Desde os princípios de 1915 até fins de 1916, as atas do Aero-Club contêm diversos registros .sobre a anacrô"nica invenção do Padre Joaquim Inácio Ribeiro, "para a direção dos aeróstatos", inc1usi· ve juntando parecer favorável do Major Engenheiro Alípio Gama , Como última notícia, tem·se que a "Comissão Técnica ficou de opor· tunamente apresentar seu parecer",U Em 1917 , o Sr. Arthur M. Pacheco comunica ao Aero·Club ter inventado um novo tipo de aparelho aéreo, a que denominou Hidro-· ·Térreo Biplano. Em 1918, a Comissão Técnica do Aro-Club, composta por Dr. Jorge Lage, Tenente Newton Braga, aviador Darioli e Sr. Gentil Filho, recebe o memorial do invento do Sr. Pimentel Lyd, curiosa· 490


mente chamado de Aeróstato Dirigível Misto Silencioso, conforme registrado em ata de 2 de janeiro. u Ao final de 1919, o Correio da Manhã noticia a patriótica de~ cisão do Sr. Estanislau Wajaiechowiski, de origem polonesa, nascido em Rio Negro (PR), de não ceder a estrangeiros, que insistiam na compra, O pri,.-ilégio de sua invenção sobre ascensão vertical e esta~ bilidade dos aeroplanos no espaço, cujo projeto já havia apresentado ao Aero~Club. Estanislau, que possuía curso de mecânica realizado em Varsóvia, era funcionário da Estrada de Ferro Central do Brasil. Parece que o tal projeto, um dos pioneiros em vôo vertical, veio a ter concorrentes na Europa: o A/erion, de Louis Lacoin e Deblanc (1920) e o Helicostat, de E/ienne Oehmichem . Fala-se ainda que Estanislau Wajaiechowiski teria sido autor de outro projeto: um Heliclapteroplano . .. Infelizmente, sobre estas criações oníricas, nada mais se pôde coletar, em face dos parcos registros na literatura aeronáutica e, principalmente, da destruição, por roedores, de muitas atas do Aero~Club, a fonte maior de dados sobre os que a ele buscavam como repositório confiável das idéias em benefício do vôo no Brasil. 3. Colaborações Reais Em termos de concretização dos sonhos brasileiros ligados à arte de voar, aqui só apresentaremos aqueles nomes que secundaram os feitos pioneiros de Bartolomeu Lourenço de Gusmão, Júlio César Ribeiro de Souza, Augusto Severo de Albuquerque Maranhão e Alberto Santos-Dumont, os quais já foram tratados com riqueza de pormenores em páginas anteriores. - Um Folheto Técnico Em 1889, um cearense de Paca/uba, nascido em 1874, aparece com uma publicação de sua autoria: Navegação Aérea, opúsculo de 52 páginas, impresso na Typ. Moderna a vapor Ateliers Louis, 71, Rua Formosa, Fortaleza, conforme registro à página 330 da Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (edição 1959, comemorativa do 50.0 aniversário do vôo de 1906, por Santos-Dumont, em Paris). Era Antônio Henrique da Justa, cuja atração pelo vôo manifestou-se desde a infância, quando, com interesse, observava os pássaros, o alçar das pandorgas e a subida dos balões de São João. Nesse seu escrito, com tiragem de 500 exemplares, paga por ele mesmo à custa de grande economia! A. H. da Justa expunha a estrutura e o funcionamento de uma máquina volante, invenção sua, denominada Aeroscapho, que, segundo afirmava, poderia elevar-se ou baixar em sentido vertical, enquanto que o deslocamento de um ponto a outro - o vôo - seria em sentido horizontal, mediante mu491


dança de poslçao da hélice. Outra idéia nova era o emprego do motor a carbureto (gasolina) no engenho. As idéias de A. H. da Justa , se bem que expostas ainda no século passado, são, hoje, consideradas viáveis e bastante avançadas para o seu tempo . Em suma, o Aeroscapho de Antônio Henrique da Justa teria lançado as bases do que, atualmente, vem a se denominar convertiplano, no dizer do engenheiro Romeu Corsini (que elaborou observações sob re o Folheto). Com habilidade, ele chegou a construir modelos rudimentares para observações e estudos sobre peso e equilíbrio. Infelizmente, Antônio da Justa veio a suicidar-se em 1909 (2 de julho), com 34 anos, deixando, porém, ainda manuscrito, um outro trabalho intitulado A Aeronáutica, com capítulos tais como As Origens da Aeronáutica, Teoria do Balão Livre e Construção de um Balão Aerostático. - O Santa Cruz e a Solda do Alumínio Por mais curioso que possa parecer, a criatividade nacional, em termos de aeronáutica, tem registrada sua marca na pessoa de um famoso político, jornalista, escritor, publicista e grande orador brasileiro, nascido em Campos (RJ), em 9 de outubro de 1853. Sua atuação no movimento anti-abolicionista granjeou-lhe lugar de destaque na História do Brasil. Trata-se de José do Patrocínio - por extenso, José Carlos do Patrocínio. Em 1900, ele patenteou a invenção de um dirigível, o Santa Cruz, dedicando-se em seguida à construção desse seu invento. O Santa Cruz, por si só, já lhe teria trazido notoriedade na aeronáutica; no enta"nto, foi a armação do dirigível, toda de alumínio, soldado peça por peça, que lhe deu renome e relevo também no campo da tecnologia industrial . ~ que, nessa época, a solda para alumínio não era conhecida, tendo sido pesquisada e inventada por José do Patrocínio e seu colaborador, o engenheiro francês Tiret. Infelizmente, o segredo da fórmula inovadora morreu com ambos" O Santa Cruz, construído em um improvisado hangar no quintal de sua casa, no Rio de Janeiro, ficou abandonado, sendo pilhado por ladrões, que lhe levaram a seda e o alumínio.~ - Um Livro: Aeronáutica Brasileira Contemporâneo de José do Patrocínio, foi o químico industrial Domingos Barros, pernambucano de Garanhuns, nascido em 1865" Quando Augusto Severo realizava experiências com seu balão Bartolomeu de Gusmão, Domingos Barros colaborou com o inventor, produzindo-lhe o gás em uma fábrica que veio a construir, no Realenga. Por sua dedicação ao trabalho e qualidade de caráter, acabou tornando-se amigo e confidente de Augusto Severo, com quem 492


veio a aprender muitas lições de aeronáutica . Entusiasmado com os conhecimentos que adquiriu, propôs-se a divulgar os avanços tecnológicos que passara a conhecer.

f interessante lembrar que, nesta época, estavam em voga as idéias da doutrina positivista, . realçando o valor da técnica científica na busca do conhecimento racional e objetivo. Foi sob essa influência positivista que Domingos Barros se dedicou à feitura de um livro, explicando: "Sinto-me habilitado a dar aos brasileiros, para a sua perfeita instrução e para a defesa exaustiva das creações com que instituímos a navegação aérea, uma obra de .valor real, tanto pela documentação positiva, rigorosamente selecionada, como, sobretudo, pela argumentação lógica e científica, que, penetrando o âmago das questões, esclareça e dissipe todas as dúvidas. ( . . . )'M

A obra foi denominada por Domingos Barros de Aeronáutica Brasileira. Nela, são lançadas as idéias de criação de instituições que deveriam dedicar-se à história da aviação, como já foi mostrado na Introdução deste volume. Porém, a característica mais relevante de seu livro (só publicado em 1940, quando o autor já falecera) é a veemência positivista com que apresenta as suas idéias, propugnando pelos estudos realmente científicos dos assuntos da construção aeronáutica, a partir de dados concretos, conhecidos, .experimenta" dos, o que, para a incipiente indústria aeronáutica da época, representou um importante marco. -

O Monoplano · São Paulo

A construção aeronáutica brasileira continuava, engatinhando, tendo nas montagens de aparelhos importados a maior atividade. E assim foi até 1910, quando apareceu o monoplano São Paulo. Desde 1908, um francês chamado Demetrie Sensaud de Lavaud, industrial radicado em Osasco (SP), e que sempre fora dedicado a atividades de mecânica", vinha-se entusiasmando pela aviação. Juntando-se ao mecânico brasileiro Lourenço Pellegati, deu início ao projeto de um avião, que inicialmente se chamou D.S.L. Começou por estudar o aeroplano Blériot e o motor Gnome, ambos de fabricação francesa, fazendo deles a base de suas idéias. Durante dois anos buscou as soluções "brasileiras que fariam voar o aparelho de sua criação. Finalmente, em 1910, estava pronto o primeiro avião totalmente brasileiro. Era um monoplace, com uma s6 asa, presa por cima da 493


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Primeiro pro;eto de avia0 naciotull com sucesso.

fuselagem com grampos e cabos de aço fabricados por uma empresa paulista. A estrutura, toda ela feita de pinho e peroba naeio-nais, era coberta externamente com teeido de cretOne envernizado. A hélice fora esculpida manualmente, em uma s6 peça de jequitibá brasileiro. pelo carpinteiro Antônio Damosso . Três rodas de bicicleta, reforçadas, sustentavam o aparelho. O motor, com seis cilindros em radial, fornecendo de 28 a 32 HP, e os tanques de essência e 6leo lubrificante também eram de fabricação nacional. Na manhã de uma sexta-feira, 7 de janeiro de 1910, o D .S.L., agora definitivamente denominado São Paulo, foi posto a voar, pilo-tado por Lavaud, e s6 caiu após ter percorrido 103 m, em 6, 18 seg, a uma altura que variou de 2 a 4 m (houve falha no motor, embora 494


figo 172 -

Sensaud confiava tanto na sua engenharia, que chegou mesmo a voar no "São Paulo".

seu funcionamento tivesse sido ininterruptamente testado por duas . horas, antes do VÔO). De qualquer forma, o monoplano São Paulo constitui·se no pri· meiro aeroplano de construção nacional. E, nunca é demais lembrar, esse avião voou. - Um Tratado: Navegação Aérea Em 1911 , Navegação Aérea, um "(ratado de aeronáutica sobre aerostaçõo·dirigíveis e aviação-aeroplanos" da. autoria de um médico brasileiro, Dr. Ribas Cadaval, foi livro que, sem dúvida, contri· buiu efetivamente para o desenvolvimento da indústria aeronáutica no Brasil. De cunho positivista, apresenta 400 gravuras e inúmeros dados técnicos sobre construção de aeroplanos, trazendo esquemas, gráficos, diagramas, tabelas e fórmulas matemáticas, e contendo capítulos tais como: Estabilidade e Distribuição de Pesos, Aerodynamica em Aviação, Fórmula de Hol/mann para Calcular um Aeropla· no, Technica e Construção das Aéronaves mais Pesadas do que o Ar, Os Materiais Usados em Navegação Aérea e Formulário Aeronáutico de Arithmetica, Geometria e Trigonometria". O Dr. Ribas, além de médico, possuía o Curso de Aeronáutica da Escola Superior de Aeronáutica e Construções Mecânicas de Paris, tendo até projetado e construído um Aerostoplano - dirigível meio aeroplano, meio aeróstato - bem como inventou o Dique· -Volante - uma espécie de hangar portátil para dirigíveis, que poderia ser transportado mesmo de automóvel e montado ou desmontado rapidamente. A ambos os inventos deu o nome de Cadaval. O tratado de Navegação Aérea, descrita pelo autor como "technica aeronáutica, para cooperação do desenvolvimento do enthusiasmo, no Brazil, pelas viagens aéreas e para auxílio á Defêsa Nacional brasileira pela NOv"a Arma", for premiado com a Medalha de 1,- classe da Exposição de Chicago, além de três Medalhas de Ouro na Exposição Nacional do Brasil de 1908, o que traduz a dimensão e importância dessa obra. J

495


o Estabilizador de D'Esooffier Chamou-se Leon Pierre D'Escoffier o francês que teve dois amores brasileiros: sua esposa e nossa pátria. Engenheiro-arquiteto, fez-se piloto e aqui no Brasil se radicou . Quando da I Guerra Mundial.. voltou à França, para se engajar em missoes de combate aéreo. No seu avião, carinhosamente gravado com o apelido Pequenina (homenagem à sua esposa brasileira), fazia questão de exibir as bandeiras de suas duas pátrias. E foi esse romântico piloto que, em janeiro de 1912, fabricou no Brasil

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Os argumentos de cUl1ha positivista buscam explicar o IUl1ciontmumto do Aerostoplano.


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Fig. 174 -

Um abrigo funcional para pequenos dirigíveis.

um monoplano, cuja estabilidade era automaticamente obtida através de um sistema de sua invenção, e por ele mesmo construído,lII Perpetuando-lhe a fama, seu nome consta na Sala dos Pioneiros do Museu Aeroespacial BrasHeiro, onde se encontram os projetos da sua criação, inclusive o de uma ponte ligando Rio a Niterói (Ponte

Brasil) . - O Estabilizador A viplano Ainda com relação aos problemas de estabilidade dos aVlOes, tem-se notícia de que os advogados Gastão Galhardo Madeira e Hilário Freire inventaram O Aviplano, aparelho capaz de controlar um aeroplano que viesse a ter parada de motor ou perdesse a héli ce em vôo, mantendo-lhe a sustentação em ângulo de descida suave, até tocar o solo em perfeito equilíbrio, mansamente, sem choque. O A viplano ou Estabilizador Madeira foi apresentado pela pri· meira vez ao Presidente Hermes da Fonseca, dele obtendo parecer favorável para que qualquer auxílio possível fosse prestado a Gas· tão Madeira, no sentido de desenvolver a invenção. Pela Lei n.O 1.412-A, de 30 de dezembro de 1913 , foi-lhe concedida passagem para França e uma ajuda de custo anual no valor de 18 contos de réis. Depois de ingentes esforços junto aos fabricantes franceses, inclusive enfrentando as dificuldades da guerra de 1914, Gastão 497


Madeira realizaria o seu sonho, e e estabilizador, considerado pela firma Rotmanof{ & Cia. como o melhor invento até então existente, veio a ser fabricado pela casa Regy Freres, sob patente francesa n.O 475.076, de Ii de julho de 1914, o que valeu ao Dr. Gastão Galhardo Madeira quantia considerável, pelos royaties da invenção.! Anteriormente. Gastão Madeira se notabilizara por suas teorias sobre a exeqüibilidade do vôo com O mais-pesado-que-o-ar, tendo projetado um aparelho que voava sem motor, baseado no resultado de seus estudos com relação ao vôo dos pássaros. Sua teoria sobre o assunto foi revolucionária, na época (1890), tendo sido elogiada por integrantes famosos do Clube de Engenheiros, como Paulo de Frontin, Álvaro Rodovalho Marcondes e Carlos Sampaio (este último bastante versado no assunto, já que combatia as idéias de Júlio César Ribeiro de Souza) . Comprovando o acerto das lições de Gastão Madeira, encontram-se afirmações de que o próprio Santos-Dumont chegou a delas se valer em seus projetos. - O Monoplano Alvear Depois do Monoplano São Paulo, de Sensaud de Lavaud (1910), somente quatro anos após é que outro aparelho viria a ser construído no Brasil. O mérito caberia ao carioca conhecido como J. d'Alvear. Descendente de família espanhola radicada no Brasil, dedicou-se aos estudos de Matemática, chegando a filiar-se ao Clube de Engenharia. Atraído pela aeronáutica, projetou e construiu o primeiro avião nacional a receber patente: o Alvear. O aparelho era monoplano, de asa média, utilizando motor e hélice fra nceses. Mas a fuselagem continha inovações, como annação de faia e pinho, madeiras nacionais até então jamais utilizadas para tal fim . Como base de cálculo de engenharia aeronáutica, J. d'Alvear valeu-se do tratado Théorie et Pratique de l'A viation, escrito por Victor Tatin . Mas para a solução de certos problemas técnicos não previsto por Tatin, utilizou-se do método de ninguém, expressão SUD. significando o emprego· de saídas práticas encontradas com seus próprios conhecimentos ou sugeridas por companheiros a quem consultava. Com a construção iniciada em agosto de 1914, o Alvear veio a voar pela primeira vez em 14 de novembro desse ano, dirigido pelo seu piloto de provas, o nosso já conhecido Ambrósio Caragiolla. O vôo foi realizado no Campo dos Afensos e assistido por uma Comissão do Aero-Club, composta de Jorge Moller e Estelita Werner. Pelo sucesso alcançado e pela reconhecida validade do projeto, foi concedida ao inventor a carta-patente n .o 8.564, de 23 de dezembro, assinada pelo Presidente Wenceslau Braz e referendada pelo Dr. João Pandiá Calógeras, então Ministro da Fazenda. Embora vitorioso no seu intento, J. d'Alvear logo abandonou a 498


Fig. 175 -

I. d'Alvear, o primeiro corutrutOt aerondutico brtUileiro.

construção de aVloes. aborrecido com a fàlta de apoio oficial para a continuidade de suas atividades. e também chocado com a morte do amigo Caragiolla, acidentado fat alme n~e em experiências com o Alvear, sobre o Derby Club, a 7 de fevereiro de 19 15. No entanto, não deixaria a aviação, vindo a receber brevê na Escola de Aviação

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Fig. 176 -

o segundo projeto de avião

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nacional com sucen o.

499


Fig. 177 -

Caragiola pronlO para decolar com o "Alvear" (14 nov J914,.

Naval. em junho de 1917, como anteriormente já tivemos oportunidade de registrar. - O Primeiro Fabricante de Hélices Uma das partes dos aeroplanos que então apresentava maior complexidade de construção era a hélice. Feita de madeira, necessitava ter grande resistência, tanto ao esforço de tração, quanto ao desgaste. Por outro lado, seu balanceamento exigia perfeição, sob pena de causar perigosa trepidação do eixo do motor, transmitida a todo o avião. Por isto mesmo, o fabrico de hélices constituía um desafio à incipiente indústria aeronáutica brasileira, que se via obrigada a importá-las. Foi um industrial português, sócio do Aero-Club, onde ocupava o cargo de Diretor-Tesoureiro, que, em 1916, primeiro aceitou esse desafio da construção de hélices no Brasil, com as características técnicas necessárias a um bom des~ mpenho. Chamava-se Joaquim Pedro Domingues da Silva. Grande conhecedor de madeira, pelo fato de ser proprietário da HRed Star", antiga fábrica de móveis no Rio de Janeiro. Este pioneiro chegou a construir algumas peças experimentais, com o apoio do Aero-Club, utilizando peroba e açoita-cavalo; mas as dificuldades se avolumaram e a iniciativa não progrediu. No entanto, algumas das hélices de sua fabricação chegaram a ser utilizadas em aviões do Aero-Club, na época em que as dificuldades de importação eram totais, por causa da guerra na Europa. Em 1917 , houve notícias na imprensa do Rio de que o Comendador Gregório Garcia Seabra, então na presidência do Aero-Club 500


Brasileiro, estaria diligenciando a fim de aqui instalar uma fábrica de aviões. Para tanto, urna comissão por ele designada, composta por Paulo de Frontin, Coelho Neto e Marechal Bormann, estudava a organização de uma sociedade anônima, com capital misto de mil contos de réis, metade dos quais seria integrada pelo Governo, como empréstimo, e a outra metade pelo povo, mediante o lançamento de ações ao portador, a serem vendidas ao preço unitário de vinte e cinco mil réis. Mas tudo ficou apenas no planejamento.

Fig. 178 -

A madeira brasileira na produção das hélices nacionais de Jooquim Pedro.

-

O Monoplano Aribu e O Biplano Alagoas Foi o vôo dos urubus que fascinou o pequeno Marcos. Deitado no chão, em Vila Mairus, município de Pão de Açúcar, de olho no céu alagoano, acompanhava as evoluções daquelas aves, imaginando quando poderia fazer igual. Não quis esperar muito: com as abas côncavas de um cacho de coqueiro amarrado aos braços, lançou·se do alto de uma escada. O baque brusco contra o chão duro trouxe·lhe escoriações, e uma surra de sua mãe; também lhe trouxe a certeza de que era preciso muito tempo de pesquisa e estudo até o vôo sem queda. E assim sonhou, até a idade de 37 anos, quando, em 1912, projetou o seu primeiro aparelho de voar. Porque então era Tenente do Exército, Marcos Evangelista VilleIa Júnior dirigiu·se ao Ministro da Guer~a, General Vespasiano, para apresentar sua colaboração em forma de projeto. Mas, não foi atendido. Mesmo assim, decidido a fazer seu avião, empenhou tudo o que tinha, a fim de custear as despesas da construção. 501


FiS. 179 d~dicou·se

Viflefa, desde criança, d indústria aeronáutica.

Morando no subúrbio carioca de Realengo, mas instalado com uma oficina e um hangar modestos no distante Curato de Santa Cruz (RJ), entregou-se à feitura artesanal do seu aeroplano, apoiado apenas pela dedicação de D. Caetaninha Villela, sua esposa. Baseado nos estudos de ornitologia, concluiu que, como os pássaros, seu avião deveria ser monoplano. Imaginou e criou-lhe as asas. A hélice, nos fundos da humilde casinha de Realengo, esculpiu-a ele mesmo, em peça de madeira inteiriça, segundo traçado original de sua autoria, tendo inclusive construído uma balança .especial para lhe estudar o equilíbrio. dentro dos quatorze coeficientes técnicos que deveria obedecer. HEnsaiando mais de oito carroças de diferentes madeiras nas minhas experiências", segundo declarou, Villela Júnior concluiu pela superioridade da inganna, divergindo mesmo do fabricante Joaquim Domingues da Silva (que aconselhava peroba e açoita-cavalo) e dos que indicavam a nogueira. Outro problema logo resolvido foi o da tela para cobertura da hélice e do esqueleto (também construído com madeira nacional, o trem de aterragem sendo de jenipapo): foram experimentados, na fábrica de tecidos Sapopemba, em Deodoro (RJ), vários tipos de 502


fibras, tendo apresentado melhores resultados a de algodão, enquanto que, usualmente, empregava-se a de seda ou a de linho. T~ foi a excelência do tecido, que a fábrica, pouco depois, iria enviá-la à Exposição de Buenos Aires, em 1918, onde ganharia Medalha de Ouro. Mais uma colaboração de Villeta: o verniz protetor para a tela de algodão. Produzido na Fábrica de Cartuchos e Artdactos de Guerra, no Realengo, sua qualidade foi também iniernacionalmente reconhecida, tendo o Aeroclub; do Uruguai manifestado intenção de comprar a fórmula. Respondendo a essa proposta, Villela escreveu: "Para a aviação nada vendo: COm muito prazer tudo darei para o seu progresso." Após tudo isso, e mais a adaptação de um motor francês rotativo, com cinco cilindros, de 50 HP, já poderia ser montado .0 aparelho. Seu piloto de provas era o Ten. Raul Vieira de Mello. Surgiu assim, em 1917; o avião de Marcos Evangelista ViIlela Júnior, o sonho de muitos anos do garoto Marcos, para imitar os urubus. E da maneira interiorana como se pronuncia o nome dessa ave, nasceu a denominação que seu aparelho recebeu: Aribu.

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As observações sobre os pássaros influiu nas lormas do primeiro projeto de ViIlela.

503


Em 16 de abril, voou o Aribu, no Campo do eurato de Santa Cruz. U( ... ) O nosso monoplano está em vôo em Santa Cruz, conforme prometemos, todo construído com o material nacional e em sua construção s6 cooperando a mão do operaria . nacional. ( . . . )U

Foram estas as palavras de Villela Júnior à revista Auto-Propulsão, de 1.0 de maio de 1918, como que a prestar contas públicas do compromisso tácito que assumira com a indústria aeronáutica brasileira. Ainda em 1918, agora com reconhecido apoio do Marechal Caetano de Faria, Ministro da Guerra, Villela constrói um biplano, de dois lugares, a partir do aproveitamento da fuselagem de um Blériot, à qual adaptou asas de sua invenção e se valeu de todos os recursos que anteriormente criara para o Aribu. Utilizou um motor importado Luckt, de 80 HP. Chamou·o de Alagoas, homenageando o Estado onde nasceram seus sonhos.

Fig. 181 -

504

Villela confiou ao Ten . Vieira de Mello as provas de võo do "Aribu".


BIPLANO 1ILAGÔAS· TlfO V1U.ELA

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O se8undo projeto de Vil/ela ,demonstra SUQ ellOJuçiio técnica.

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505


Em 11 de novembro de 1918, com a presença de autoridades, incluindo O Ministro da Guerra, o Alagoas decolou no Campo dos Afonsos, pilotado por Vieira de Mello. levando ainda o mecânico Benine. Fez um vôo de quinze minutos. executando acrobacias e rasantes. numa confirmação da eficiência do aparelho. Tanto o Aribu como o Alpgoas foram . em 1919, adquiridos pelo Exército para sua Escola de Aviação.f4 . A segunda década do século XX chegava ao final, cem a pequena indústria aeronáutica brasileira ainda tropeçando em dificuldades. O Alvear, o Aribu. o Alagoas eram realizações, mas. à custa de esforços pessoais dos seus criadores e construtores, que, tão Jogo concluídos os alegres sonhos, acordavam para uma realidade triste: a falta de apoio oficial para prosseguirem criando; o' desinteresse geral pelos projetos industriais de aviação; a escassez, senão mesmo a inexistência, de encomendas que sustentassem o estabelecimento de qualquer série de fabricação. E o entusiasmo dos abnegados pioneiros da indústria aeronáutica era apagado pelo desânimo, levando-os ao afastamento e abandono das atividades de criação. Assim foi com Alvear; assim foi com Villela. -

O Biplano Rio de Janeiro Antes, porém, do final do ano 20, um rico brasileiro, ligado à indústria de reparos e construções marítimas. concluiu: "No futuro. as cargas viajarão de navio e os passageiros de avião." Era Henrique Lage. Decidido a colaborar com a indústria aeronáutica, cedeu suas oficinas e emprestou todo o seu apoio à construção de um gqmde biplano nacional.

"Em 11 de junho de 1920, nas festividades da Batalha do Riachuelo, foi realizada uma grande parada aérea sobre a A venida Beira-Mar (RJ). da qual participaram quase todos os aviões da Escola de Aviação Naval. e ainda o biplano Rio de Janeiro, pilotado pelo Capitão Lafay, da Missão Militar Francesa." Este trecho, já anteriormente mencionado nesta História Geral, é agora repetido para comprovar o sucesso da iniciativa de Henrique Lage, pois o Rio de Janeiro foi o avião construído com seu apoio. E cabe ainda acrescentar: o construtor do biplano foi seu próprio piloto, Capitão Louis Etienne Lafay. Lafay juntara-se a um engenheiro francês. Bracannot, idealizando o mono pano à semelhança de um Caudron G4. Dotou-o com um motor Gnome de 80 HP. rotativo. A célula, toda construída com madeira nacional, possuía espaço para três pessoas. 506


Fig. 184 -

O "Rio de Janeiro", de L:l/oy. loi motivo de polimica com

I)

"Alagoos".

de Ville1a.

Em abril de 1'920, tão logo terminada a con!)trução, o aparelho foi transportado da Ilha do Viana, onde ficavam os estaleiros de Henrique Lage. para a Escola de Aviação Militar. no Campo dos Afonsos. A 15 de maio, Lafay decolou para o vôo inaugural do Rio de Janeiro. Total foi O sucesso, alcançando, com tranqüilidade, 2.200m de altitude em apenas 25 minutos! Vôos posteriores viriam confirmar a excelência do Cochon, como jocosamente foi apelidado o avião, cujas formas arredondadas lembravam a roliça figura de um suíno. Dentre esses vôos, marcantes se tornaram a viagem de ida e volta a São Paulo, e a de maior permanência no ar, quando bateu o recorde sul-americano (decolagem às 7h e 30min e aterragem às 18b). O aparecimento do Rio de Janeiro foi notícia na imprensa. Em 18 de maio de 1920, o jornal carioca A Rua, publicando reportagem sobre o vôo de apresentação do biplano de Lafay. promovido pela Casa Lage, assim se expressava: HA A );iação Nacional marcou um grande passo! - O primeiro avião brasileiro evoluiu com sucesso, sobre o Campo dos Alonsos." 507


o

eufórico jornal procurava assim o impacto entusiástico nos seus leitores. No entanto, um deles recebeu esse impacto de forma chocante. Foi ViUela Júnior. Não aceitando que ao Rio de JGneiro se;: desse o epíteto de primeiro avião brasileiro, chegou a redigir um artigo para publicação no dia imediato, o que só não fez <tem consideração à família Lage". Eis a sua réplica :'" "AVIAÇÃO NACIONAL - Um dever de patriotismo. Foram dadas a público, pelo noticiário dos jornais desta Capital, as experiências de um aV'ião construído pelo Capitão Lafay, com declaração de ser um avião nacional construído com material nacional e o primeiro que voara e fôra construído no país. E bem triste que me imponha o dever de patriota, dizer que tudo quanto foi dito pouco terá de verdade! Senão vejamos: Os primeiros aviões que sulcaram os ares brasileiros, construídos no país foram por mim idealizados e por minhas próprias mãos construidos com material nacional, madeiras, tela tipo Vil/ela n.· J, fabricada na Fábrica de Cartuchos, hélice Villela por mim construída, sendo os demais elementos adquiridos em nossa praça. Desafio que em meu tipo de aparelho Biplano Alagoas se descubram vestígios de características que o tornem um misto capaz de ilúdir os incautos figurando um novo tipo sem o ser. Felizmente conheço em um avião o que seja relação de aspecto, avanço, debordage, dngulo de incidência, corda de uma asa, flecha, envergadura e profundidade de asas, afastamento, etc. Que se diga serem nacionais a faia, o pinho sprusse, o de riga ou qualquer outra madeira européia ou americana; a tela de linho fabricada na França e o verniz francês Emaylite admito! Porém que o avião do Capitão Lafay seja genuinamente nacional e o primeiro aqui construído e que primeiro voou não. Esta glória coube ao biplano Alagoas e cumpre~me, como brasileiro, protestar, a bem da nossa capacidade, palri.olismo e del1er profissional, contra a primasia emprestada ao Capitão Lafay. Rio, 19-5-1920 (a.) V iIIela fúnior Capo de In/.·

De qualquer forma, o aVIa0 Rio de Janeiro foi a construção aeronáutica que marcou o final deste primeiro período da indústria da aviação no Brasil. 508


Ao encerrar este Primeiro Volume, deixamos o registro de A Noite, que, em sua edição de 24 de novembro de 1919. trazia um artigo sobre inovações de ordem fiscal. necessárias para adaptar a legislação da época do progresso tecnológico do país. em termos da realidade aeronáutica brasileira. "Uma Indústria Nova - Como Vai Ser Taxado o Fabrico de Aeroplanos. O Sr. Diretor da Recebedoria do Distrito Federal resolveu mandar classificar C estabelecimento do engenheiro Giulio Cappabrava, nesta Capital, para fabrico e venda de máquinas para aviação, como Aeroplanos - mercador e fabricante de transportes aéreos. para pagamento das taxas de 201000 (vinte mil réis) mais 5% sobre o valor locativo do prédio, para efeito de pagamento do Imposto de Indústria e Profissões. Essa decsião, que teve por objetivo beneficiar com taxas mínimas a indústria do fabrico de aeroplanos, foi submetida à apreciação do Sr. Ministro da Fazenda, visto tratar-se de espécie nova, não compreendida nas tabelas do respectivo regulamento. uU

Sobre o desenvolvimento dessa espécie nova trarão os próx.iximos volumes.

509



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INDICE REMISSIVO

A

"A Aeronáutica" - 492 "A Constituição" - jornal - 195 "A Encantada" - 351 "A FanfuUa" - jornal - 4lJ " A Noite" - 376 -

jornal - 372 - 374 - 37'; 384 - 388 - 391 - 473 -

475 "A Provincia do Par'" -

194 -

jornal -

172

199 -

214

195

"A República" 230

jornal -

.

"A Tribuna" - jornal - 471 "A Turbina" - navio - 208 Aboim, Raymundo de Vasconcelos _ 459 - 460 Abranles, Marquês de Fontes c - 82 - 83 - 91- 92 - 94 Academia Brasileira de Letras - J42 - 353 Academia de Ciências (de França) - 169 Acade mia do Ar - 20 Académie Aéronaulique BarthoJomeu de Gusmão - 69 - 190 "Aeari" - navio - 431 AdCT, Clemenl - 62 - 307 - 324 - 343 "Acro Club" - balio - 346 Aero-Club Brasileiro - 3j1 - 375 - 376 _ l83 - 384 - l8S - 386·- 389 390 - 391 - 393 - 395 - 396 - 405 _ 417 - 423 - 427 - 429 - 430 432 - 4JJ - 438 - 453 - 462 - 467 - 468 - 470 - 473 - 481 Aerodube da América - 339, - 340 - 351 Aero Clube do Brasil - vide Aero-Club Brasileiro A~ro Club de França 35 - 269 - 272 - 273 - 277 - 278 - 279 - 280 284 - 28S - 286 - 288 - 316 - 320 - 321 - 324 - 326 - 337 - 338 341 - 347 - 349 - 3.50 - 352 - 353 - 372

Aerodub do Re ino Un ido - 288 - 348 Aeródromo - 272 Aeródromo Brasil - 470 "Aeromarine" - avilio - 463 - 464 "Aeroná.utica Brasileira" - li vro - 18 492 Aeronautical Corps of lhe Brazilian Army (1867-1868) _ 140 Aeroplano - 304 "Aeroplano Deslandes" - 489 Aeroscapho - 49 1 Aeróstato Dirigfvel Misto Silencioso" 491

"Aerostoplano" - 495 "Aerotorpedo" - avião· _ 393 "Aerotorpedo" - Proje to - 488 Afonso, José Vieira - 395 Afonso, Manuel Viei ra - 395 Afonsos, Fazenda dos _ vide Campo dos Aronsos Aguiar, Alberto Cardoso de - General -

..,

Aguiar , Antonio Nunes de 135 - 138 - 139 Aileron - 324 Aimé, Emmanuel - 279 - 285 "Air Bus" - vide n .- la (balão) "AI Merito" - condecoração - 352 "Alagoas" - av ião - 501 Alaor de Queiroz - 370 - 372 - 481 Alberto, Rei - vide Rei Alberto " Albatroz" _ 206 Albuquerque, Amaro Barreto de - 198 Albuquerque, Henrique Cavalcanti de - 130 - 132 - 138 Albl,lquerque . José Joaquim Medeiros de vide Medeiros de Albuquerque Albuquerque, Platio de - 486 Alencar , Alexandrino Faria de - Vida AI· mirante Alexandrino Alencar, José de - vide José de Alencar "Alerion" - 491 ~17


"Aliee" - navio - 137 - 142 AUen, Eua S. - 132 - 133 - ns 138 -

139 -

Allen, ' ames -

140 - 141 n2 - 133 -

135 -

Augusto Severo n7 136

139 - 140 - 141 Almeida, Armando Figueira Trompowski de - vide Trompowski Al meida, Cindido Mendes de - Senador 137 -

138 -

Almirante

415 -

409

433

-

40')

Alvará - 85 Alvares, Simão - padre "Alvea r" - avião - 498 Amaral, Francisco C~sar da Silva -

136

Protógenes

Guimarães

1J7

Amarante, Manuel Peixoto Cursino do - 136 Amparo aos Militares Acidentados em Aviação - 470 Amundsen, Cristian - 226 - 227 Andrade, Manoel Bento de - 372 André - general - 296 Andrean i, Paulo Andrie, Salomon August - 145 - 250 "Ansaldo" - avião - 455 - 456 - 47 1 "Antoinette" - motor - 315 - 317 - 319 323 - 324 - 325 - 326 - 329 - 330 350 Anzani - 320 - 326 "Aparelho de AviaçAo" _ 489 Aquiles - 17 "Ar,Poly-Espiral Brasil" _ 498 Araripe Macedo - 20 - 22 Araújo - 183 Araújo, Maria Amélia Teixeira de 1,98 230

Araújo, Olavo de - 434 Archdeacon, Emest - 316 324 -

326 -

344 -

320 349 -

32 1 350

"Aribu" - aviA0 - 501 "Arinos" - navio - 140 Aristóteles - 17 - 57 Arlandes, Marquês de - 118 Arquimedes - 58 - 81 - 96 - 100 - 293 Arquivo da Biblioteca do Congresso Americano - 130 - n8 - 139 Arquivo do Arsenal de GueTTa - 137 Arquivo do Exército Brasileiro - 130 Arquivo Histórico - 130 - 138 Arquivo Nacional - 130 - 137 - 138 139

Ar$Cnal de Marin ha - 231 - 410 Arsenal Vel ho - vide Arsenal de ' Marinh:l Arte Milita r e Poder Aeroespacial - vide Coleção Aeronáutica ASA - 301 A ssem bl~ia Provincial do Pará 162 - 164 Assis, Machado de - vide Machado de Assis Associação dos Empregados do Comércio J51 Atlintida - 40 - 4 1 - 42 - 43 - 52 Audemars, Edmond - 377

518

19 - 22 - 198 205 - 206 - 211 2 16 - 217 - 222 228 - 229

- 67 199 - 207 212 - 2 18 224 -- 230

- 115 200 - 208 213 - 2 19 225 - 231

balão -- 223 -- 224 --

230

411

322 36 1

- 197 204 - 2 10 215 - 221 22; --

"Augusto Severo" -

161

Almeida, Gastio de - 363 - J64 Almirante Alexandrino - 407 _ 408 410 -

- 124 20 1 - 209 214 -- 220 226 --311

Avenida Central _ 374 Avénuc du Maine -- 215 - 219 Aves Remadoras - 156 Aves Veleiras - 155 -- 156 - 157 Aviação Comercial - 30 Aviação Desportiva -- 30 Aviação Militar -- 30 - 351 -- 362 -

384

389

AviaçAo Naval - 351 Avião -- 307 "Avião com Párachoqucs" - 486 Avignon, Juventino - 365 Avignon , Pedro - 364 "Aviplano" -- 497 "Avro" - avião - 458 -- 463 B

Baalbeck - 40 - 49 Bacon, Roger - 6 1 Bagatelle -- 35 - 267 -- 272 322 -- 324 - 326 - 327 - 348 - 349 -- 350

291 -- 320 337 - 344

"BaUadcuse A~rienne" - balão -- 290 "Ballon Poste" -- 123 Bandeira, Raul Ferre ira de Vianna -- 412414 -- 4 17 -- 435 160 - 161 - 162 - 163 -- 164 - 167 - 169 - 191 -- 192 -193 8erbedo, Mário - 432 - 443 -- '450 Barbosa, Marcos - 483 Barelli, Giova nni Alfonso -- 64

Barão de Tdé -

Barrier, Re né - 377 Barros, Antonio de -- 488 Barros, Domingos - 18 -- 176 208 -- 210 -

226 -

228 -

83 492

198

Barros, Eurico de - 486 " Barros, Fabriciano do Rego - 431 - 437 Barros, Moreira - 169 Bartolomeu de Gusmão - 19 -- 22 - 65 _ 66 _ 67 - 68 -- 69 - 70 - 71 ..:.... 72 _ 74 - 75 -- 76 -- 77 - 78 - 81 - 82 - 84 -85 - 86 - 89 - 90-92 - 93 - 94 - 96 -- 97 .:.... 98 - 99 __ 100 __ 101 -- 102 - 103 _ 104 -105 - 106 - t 07 - 108 - 109 - 110 -- 115 -- 118 -- 125 -- 143 - 145 159 - 190 -- 197 - 198 ~ 203 -- 225 - 294 - 480

"Bartholomeu de Gusmão" -- balão _ 209 __ 210 -- 213 '23 1 --372 -- 492

207

228 -- 230 -

" Bartolomeu de 'Gusmão" - Prêmio -- 372 Base A~rea de Santos __ 461 Bauer, Melchior -- 118 "Bayard" -- motor - 334


Be:tnini , EHgio - 417 - 437 B:ntcs - IS9 Btnto Ribeiro - 430 - 4J2 - 44J - 450 - 481 Btrgmann, Luiz - 395 _ 430 - 432 - 438 - 439 - 440 - 442 - 481 Bcmardes, Antonio da Costa - vide "Ferramenta" Bcrnig, Manoel - 489 Bemouilli - 116 Berta, Ruben Manin - vide Ruben Rert:! Besançon - 285 Besnier - 64 Bcville, Bario De - 260 - 346 Biblioteca Nacional - 162 Biblioteca Fluminense - 162 8i1ac, Olavo - vide Olavo 8i1ae Bladud - S9 Biasi, Miguel 8albino - 432 - 437 - 142 - 443 Blaue hard - 119 - 120 "81~riot" avião - 362 - 367 - 368 370 _ 376 - 377 - 378 - 379 - 381 - 382 - 386 - J87 - 391 - 393 395 - 405 - 423 - 431 " BJtriol" - escola - 367 - 372 - 378 BI~riot , Louis 279 - 316 - J2:> - 324 - 325 - 326 - J3 1 - 335 - 336 362 - 363 - 368 - 376 Bois de 8oulogne - 351 Bonaparle, Roland de - Príncipe - 280 Bonnetot, l ean-Francois Soyvin de - Marquês de 8acqueville - 1t 7 " Borel" - 8\'ilio - 417 - 437 - 438 439 - 440 - 443 Borges, T yd io Larre - 454 Donoan n, JOoSt Bernardino - Marechal 376 - 389 "80llin" _ revista - 248 80urdeaux - 296 Braconnot - 506 Bradley - 340 Brandio, Thomaz Pinto - 98 - 160 "Brasil" - balão - 258 - 261 - 262 264 - 266 - 346 - 48J " Brasil" - dirigível - 485 " Brasil" - navio - 224 " Breul" - Aeronave - 486 " 8 regue t" - aviio _ 451 - 452 - 454 Brelonne_ Ruslif de La - 11 8 Bre:zzi_ Camilo - 477 Brigadeiro Dcocl~cio - 20 - 22 Brigadeiro Eduardo Gomes - 22 Bris, Jean Marie de - 308 " Bristol Fillhter" - aviio - 477 - 478 BUC - 3SO Bueelli, Vitorio - 386 8uehel - 215 - 216 _ 23 1 - 276 - 277 Busse, Joio - 438

c Cabangu - 237 - 242 - 339 345 - 352 -'Cabeçudo" - avião - 475 Caçador - 425 Cadaval, Duque de - 82 - 83

140 -

Cndaval, Ribas - 495 car~ Cascade 285 - 294 - 295 Cailletel - 280 Caliera, Adolpho - 465 Camargo, Afonso Alves de - 437 Camargo, Anibal Camargo, Etelvina Re bello - 439 Campo de Marte ( França) - 272 - 280 Campo de Marte (Sio Paulo) - 466 Campo de Siio Crin6vio - 376 - 386 Campos dos Afonsos - 20 - 386 - 388 389 - 39 1 - 392 - 395 - 396 - 398 - 399 - 400 - 405 - 428 -- 429 432 -- 449 -- 462 Campos, Alrredo Müller de - G eneral -376 - 390 Campos Salles, Manuel Ferraz de - Prcsi· dente - 224 -- 358 Canal da Mancha (travessia) - 376 Canard - 317 Cançado, Lopes -- 489 Candehiria - 23 1 C.noinhas -- 423 "C.p Arcona" - na vio - 341 -- 353 Capehart, W. Cmte_ -- 455 Caproni (Escola) -- 386 Carqiola, Ambrósio - 392 - 393 - 394 - 429 - 481 - 499 Caraguatá - 421 C.rdoso, Álva ro de Azambuja - 468 - 471 Cardoso, A m~rieo losé - 409 Carreira T amandaú - 410 Carvalho, JoM; Carlos de - Almirante 375 - 376 Carvalho, Victor de - 435 Casa da (ndia - 96 Castro, 1010 Autlo de Mallalhiies - 485 "Caudron" - .vilo - 476 CavaJeante, Josl de Sá Holanda - 489 Cavendish, Hen ry -- 118 Caxias _ 125 - 129 -- 130 - 134 - 135 -- 136 -- 137 -- 138 -- 139 -- 140 -141 - 294 Caye, Geor8e - 212 - 215 - 223 -- 300 Cayley - 122 Cayley, George Sir - 12' "Centauro" - bailo -- 346 Cemit~rio Silo Joio Balista -- 352 Centro T~enieo Aeroes pacial - CTA - 31 Cesar Verllueiro, Deputado - 460 Chanute, Oelllve - lOS - 316 Chapet -- 243 Chapin. Alberl -- 266 - 267 -- 279 -- 320

- n.

Charles, 5. A. C. - 11 8 Charlres - Duque - 143 Chaves, Eduardo Pacheco -

245 vide Edu Ch:l-

'"

Christiano, Gil Guilherme - 454 Cleero __ Pad re __ vide Padre Cleero Cícero Marques __ 390 __ 404 - 422 423 - 436 - 439 _ 467 - 478 - 481 "Clément" -- motor -- 274 - 290 Clube de Aeronáutica -- 21 Clube de Aviaçlo Campista - 415 Cedos - 228 Coelho Ne tto - 35 1 - 432

519


Coleção Aeronáutica - 28 Col~gio Norton 240 Colin - 338 "Colliers" - revista - 328 Colônia General Carneiro - 426 - 427 Comissão Cientifica do Aero-Club de França - 273 - 271 - 280 - 282 - 284 285 - 286 - 288 - 316 - 32J - 324 - 347 - 350 ComiWo do Balão Júlio C~sar - 190"": 191 Companhia de Aviaçlio Militar - 449

Companhia halo-8rasilcira de Transportes Mreos - 412 - 473 - 475 Condessa d'Eu - vide Princesa Isabel Condor Syndicat - 341 Conferência Panamericana de Aeronáutica 340 -

351

Congresso Cientifico Panamericano -

35 1

_

274 -

Congresso Internacional Aeronáutico 275 -

339 273

216

Conselho Superior do Incaer - vide Inslituto Hist6rico-Cultural da Aeronáutica Conservatoire National des Arts el M~liers -

165

Contestado -

358 - 418 - 420 - 421 422 _ 423 - 424 - 425 - 426 - 428 - 429 - 436 Conti - Cardeal - 79 - 90

Contingente Naval Brasileiro na Inglaterra 431 -

434

Contingente Naval Brasileiro na Itália -

'"

Convencão de Navegação Aé rea Internacional -

470

"Convertiolano" - 49 1 Correia de Freitas - Deputado - J76 Correio Aéreo - 382 Correio Aérw da Esquadra - 460 Corn:io A~rw Militar - 30 - 460 Correio A~rw Nacional - 460 Correio A~reo Naval - 460 Cosia, D. Antonio de Macedo - 146 C05ta. Guilherme Antonio Magalhães - vide Magalhães Costa Crespi, Gino - 433 Crespi, Renata - 369 Cruz do Aviador - 427 "Cruzeiro" _ balão - 193 - 196 "Cruzeiro do Sul" - aeróstato - 485 Crystal Palacc - 348 "Culto li Ciência" - colEgio - 240 Cunha, Alvaro - 486 Cunha. Euclides da - vide Euclides dn Cunha Curtiu - 335 - 36J Curtiu _ avião - 390 - 407 - 415 417 _ 435 - 455 _ 466 - 467

06 -

Curtiss Aeroplane Company -

463 -

464

409 -

4 10

465 .

Cussachs. P. A. -

435 -

455

o O. A. C. _ Civil

520

vid~

Departamento de Avinção

Oacosta, Aida - 29 1 - 348 "Oaimler-Bentz" - motor - 247 O'Aion - 334 - 351 O'Alemberl - 116 D'Alvear, J. - 417 - 498 O'Amercourt, Ponton - 300 Damosso, Antonio - 494 Darioli, Ernesto - 316 - 377 -

383 385 _ 391 _ 393 - 412 - 423 - 42" - 425 - 426 - 430 - 432 - 436 481 D'Arlendes - Marquês - 108 " Danar" - motor - 333 - 314 Oaudt, Alfredo Corrêa - 471 - 473 De forest, Mie. - 260 - 346 De Mingo - 480 Debayem - 172 Deblanc - 491 Dédalo - 58 - 59 - 9 1 "Dêem Asas ao Brasil" _ campanha - 316

- 3"

Degen, lacob - 121 - JOO Delagrange - 33 1 De lamare - 394 - 410 - 4 12 -

414_ 41.5 - 417 - 432 - 460 - 461 - 462 - 463 - 471 - 472 - 413 - 475 -

'81 Delfim Moreira - Presidente "Demoiselle" - avião - 331 - 334 - 335 - 3JEi 367 - 368 - 377 Denneau , lucien - 390

448 - 458 332 - ll3 3.50 - 351

Depurlumento de Aviação Civil - 23 "Deperdussin" - aviA0 - 387 - 393 - 407 Dcrby Club - 365 - 370 - 316 - 429 Descarles, René - 63 - 116 O'Escorfier. lcon PierTe - 496 Deslandes, J. - 489 D'Eu Conde - 189 - 192 Dcutsch, Henri _ 222 - 231 - 273 - 274 _ 277 _ 278 - 279 - 280 -: 284 285 - 281 - 288 - 289 - 320 - 346 - 347 - 361 "Oi-'rio de Pernambuco" - jornal - 431 " Di-'rio do Grio Pará" - jornal - 160 Dion - 263 - 270 - 285 - 286 Dique Volante - 495

Divido Naval em Operações de Guerra -

m

O . Joio V - 65 - 67 -71 -72 - 7 4 78 - ' 83 - g5 - 90 - 92 - 94 - 96 _ 100 --:- 101 - 102 - 103 - 110 125 - 225 - 294 "D. Manuel" - balão - 372 Douhet - 362 Doyen, louis Desiré - 128 - 135 - !l7 - !lg - 140 Doze Pares de França - 420 Dozon - 269 Ou Hauvel - 183 - 184

Oumont, Alberto Santos vide Santos Dumont Dumonl , Francisca Santos - 231 Dumont, Henrique - 237 - 241 - 246 247 -

345

Dumant, Hubel1 Charles Louis -

4S4


E Edison, Thomas - 280 - 348 Edu Chaves - 22 - 378 - 379 - 380 _ 381 - 382 - 390 - 404 - 40S _ 430 - 462 - 467 - 470 - 475 - 476 _ 477 -

478 -

479 -

480 -

481

Embraer - vide Empresa Brasileira de Aeronáutica Emmcrndabili, Galileu - 480 Empresa Brasileira de Aviação - 370 Engenho dos Afonsos - 395 - 396 Escola Brasileira de Aviação - 381 _ 391 - 392 - 393 - 394 - 395 - 396 _ 405 - 406 - 407 - 408 - 411 - 415 - 416 - 422 - 423 - 429 - 430 _ 432 Escola Brasileira de Aviação - 1~ Turma - 392 Escola de A viação - 386 - 389 Escola de Aviação Civil - 462 Escola de Aviação da Força Pública de São. Paulo - 403 - 404 - 405 - 406 _ 408 - 464 - 465 - 468 - 469 - 470 - 471 - 477 Escola de Aviação da Força Pública de São Paulo - Turmas - 467 Escola de Aviação do Aero-Club - 396 Escola de A viação Militar - 353 - 446 _ 448 - 449 - 450 - 451 - 453 - 455 - 462 - 470 - 472 Escola de Aviação Militar - Uniforme 448

Escola de Aviacão Militar - Turmas - 453 - 454 Escola de Aviação Naval - 351 4Q8 409 - 410 - 411 - 412 - 415 - 416 - 417 - 432 435 - 437 - 439 - 442 - 459 - 462 - 464 - 470 - 472 ..::.... 499 Escola de A viação Naval - Turmas - 416 - 463 Escola de Submersíveis e Aviação -

-

451

406 - 414 434- 461 475 _

-

410

407 -

408

Escola Militar da Praia Vermelha - 167 169 - 194 Escola Paranaense de Aviação - 439 - 440 - 441 - 442 Escola Paranaense de Aviação - I'" Turma - 440 ·Escola Paranaense de A viação ' - Conselho Administrativo - 439 - 441 - 442 Escola Politécnica - 169 - 198'- 229 Escola Preparatória de Tática - 370 Escolas de Aviação e de Submersíveis - 408 Esmault-Pelterie - 331 . . Estabilizador de D'Escoffier - 496 Estabilizador Madeira - vide Aviplano Estacão de Hidro-Aviões - vide Instituto Histórico-Cuhural da Areonáutica Estendoux - 118 Estudo Sobre o VÕO dos Pássaros - 152 Etana - 55 Euclides da Cunha - 360 Eu~ênia, Imoeratriz 348 Euler - 116

ExposiçãO de Hygiene - 364 Ezequiel - 49 - 50 - 51 F Fábrica de Cartuchos e Artcfactos de Guerra - 370 Faria, José Caetano de - General - 431 432 - 443 - 444 - 447 - 448 Faria, Oswaldo T erra de - Brigadeiro - 27 "Farman" - avião - 368 - 369 - 387 390 - 393 - 455 - 463 Farman - escola - 367 - 406 - 432 Farman - fábrica - 408 Farman, Henri - 279 - 331 - 332 - 335 - 336 - 350 - 363 Ferman, Maurice - 279 - 282 Fazenda de Nossa Senhora . do Desterro -

395 Federação Aeronáutica Internacional - 378 - 386 - 453 - 467 Federação Aeronáutica Panamericana - 339 Fels, Theodoro - 390 Fequant, Alberl ' - 390 Ferber - 323 - 327 - 336 "Ferramenta" - 372 Ferraz, Braulio - 465 Ferreira, Albino - 465 Ferreira, Ivan Carpenter - 454 Ferreira,·Simão Tadeu - 77 - 78 Ferrovia São Paulo-Rio Grande - 420 , 425 Figueiredo, Alfredo Gomes de - 372 Fileto - 415 - 460 - 464 Fisher, Lord - 458 Fleiuss, Henrique - 22 Aoriano Peixoto - 209 - 210 - 230 Fonseca, HermC5 da - vi·de Marechal Hermes Fonseca, Juv·entino Fernandes da - 46~ Fontana, Ornar - 22 Fontenellc, Henrique Raymundo Dyott - 22 Fonvielle - 285 Força Pública de São Paulo - 446 - 448 464 - 465 Força Pública do Paraná - 420 - 421 431 - 436 - 442 - 443 Forçá Pública do Paraná - Comissão de Donativos - 437 Fraenbcl - 145 Fragoso, Tasso - vide Tasso Fragoso Francisco. Martim - 169 Franco, Batista - Almirante - 390 Franco, Manoel de Lacerda - 465 Freire, Antiocho dos Santos - 169 Freire, Hilário ...:.... 497 Freitas. Paula - vide Paula Freitas Friedericks, Bariío de _ 183 Frontin . A. G. Paulo de - vide Paulo dc Frontin ..... Fulton - 169 Fundação Santos Dumont - 108 G Gabinete Português de Leitura Galeão - 462 Galileu Galilei - 63

162

521


GameD, Padre - 118 Garcia - 248 Gamerin, Andrt-Jacques - 120 - 121 "Garnier" - almanaque - 322 Garros, Roland - 337 - 377 - 378 - 379 -

381 -

380 -

382 -

383 -

-

424 -

425 -

426 -

425 -

427

aviia _

424 -

426

General VespllSiano 389 -

393 -

Girfard, Henri -

173 -

385 _ 386 - 388 42 1 - 423 123 - 143 - 144 - 172

263

Gino, Bucelli & Cia. -

386 - 387 - .3'88 - 389 - 392 - 393 - 405 - 408 423 - 449 - 462 Gino, Gian Felice - 386 - 393 - 394 395 - 429 Girlo, Antonio Lobo Barbosa Ferreira - 80 Girardant, tmile - 123 Godinho-. Mário da Cunha - 415 - 434 45.'11- 460 Gomes, Eduardo - Brigadeiro - vide Bri-

gadeiro Eduardo Gomes Gomes, Manuel Antonio - Padre - 80 Gome. , Wenceslau Dral! - Presidente - vide Wenceslau Draz Gonçalves, Antonio Rey naldo - 468 - 47 \ Gonçalves, Domingas Goul!:, Res nier de - 12 1 Goursat - 279 Graça, Franci5CO Calheiros da - 171 "Gl1lde" - avião - 370 - 374 Graham. Mlria - 396 - 398 - 399 - 400 Grand Palais - 335 - 350 Grand Prix O'Aviation - 331 _ 332 _ 350 "Grande ExP05ição de 1900" - 273 _ 276 Grye, Bouquet de La - 280 Guabirotuba - 438 - 439 "Guafba" - navK> - 43 1 "Guafra" - jornal - 437 Guapira - 378 - 381 - 404 - 405 462 -

470 -

477 -

478 -

480

"Guarany" - avião - 425 - 426 Guerra Civil Americana - vide Guerra de Se=olio Guerra da Trlplice AJiança - 140 Guem de Secessio - 123 - 130 Guerra do Paraguai - 121 - 124 - 130 137 - 118 - 139 - 140 - 141 - 147 - 194 - 294 - 372 - 425 Guerra Mundial I - 29 - lO - 339 - 395 - 408 - 41l - 429 - 430 - 434 447 - 45 1 - 455 - 465 - 471 Guerra Mundial I I - 26 - lO "Guide-Ropc" - 254 - 259 - 262 _ 267 - 286 - 289 - 298 - 406 Guimaries, Carlos Pereira - 459 - 460 Guimaries, Chtisanto - 465 - 466 Guimaries, IInah Rocha - 439

Guimarães, Protógenes Pereira Protógenes Guimaries

522

vide Alm.

68 -

70 _ 7 1 -

Gusmio, Bartolomeu Lourenço de Bartolomeu de Gusmão

vide

H

477 -

430 - 481 Gasteau - 269 "Gauta de Noticias" - jomal - 161 General Setembrino - 42 1 - 422 - 423 "General Setembrino" -

,.

Gusmão, Alexandre de -

Handley Page - 458 - 462 Hargrave. Laurence - 316 - 3 17 - 329 Heame, Eduardo Miguel - 477 Hl!:lice - 299 - 500 - 502 " Heliclapteroplaoo" - avila - 491 Helicóptero - 118 - 30 1 " HeIiC05tat" - 491 Hcnson, SamueI - 303 - 304 Hemn de AJexandria - 58 Hertz - 329" Hidroavilio - .3JO - 350 " Hidroavião C t" - 41 0 "Hidroavião C2" - 410 - 411 - 4 12 415

414 -

"Hidroaviio C3" - 410 - 4 12 - 4 15 "Hidro-Tl!:rreo Biplano" - 490 Higgins - 490 "Hindenburg" - dirigível - 118 Hipódromo da Mooea - vide Prado da M_

Hirsehaver - 296 Hist6ria Geral da Acronáutica Brasileira 25 - 2 6 - 2 7 - 29-38

História vide Hobigcr Hoovcr,

Setorial da Aeronáutica Bruileira Coleçlo Aeronáu tica - .50 Ort hon - 410 - 411 - 41 5 - 464

- 465 - 466 - 467 - 468 - 469 470 - 475 Hotel de La Plalc - 3S4 Humait' - 127 - 128 - 136 - 142 Huygens - 116 I

late Clube do Rio de Janeiro - 417 Ibarra, ' olt Luiz - 454 fearo - 58 - 59 - 62 - 76 " IIUaçU" - aviio - 425 - 426 Ilha das Enxadas - 409 - 4 17 460 - 46 \ - 462 Ilha do Governador - 372 - 374 462 Ilha do RIJo -

91 427 459 -

4 17

-

409 -

4 14 -

417

t1ha Elefantina - 53 Incaer - vide Instituto Hist6rico-Cultural da Aeronáutica Tndian6poTis - 465 - 468 - 470 Injalbert - 348 . Inocêncio X III - 79 Instituto de Atividades Espaciais - 3 1 Instituto Histórico-Cultural da Aeronáuticll _ 17 - 20 - 2 1 ' - 22 25-26-27-28

23 -

24 -

Ins ti tuto Hist6rico e GeoRfáAco do Brasil -:IJO - 140 - 162 - 347 - 349 Instituto Nacional de Aeronáutica - 18 Instituto ~olytechn ieo - I SO - 16 1 - 162 163 - 164 - 166 - 167 - 169 - 17 1 _ 178 _ 189 .-,,; 190 - 19 1 - 192 193 - 195 - 196 - 222


lrani -- 421 Isabel, Princesa -- vide Princcsa Isabel Isabel Cristina, Princesa -- 92

J " 'aburu Voador" -- cspéeie de planador --

Landelle, G. de La -- 300 -- 301 "longlcy" -- navio-acródromo -- 407 longley, Samuel Pierpont -- 276 -- 303 J06 -- :ro7 -- 316 "Lapa" -- navio -- 431 Lavaud, Demetric Sensaud de -- 367 -- 369 -- 493

Lavenhe-Wanderley -- 22 Jaguaribe, Domingos Nogueira -- 485 "L..e 8allon" -- jornal -- 184 -- 185 , ardim da Adimaçlo -- 266 -- 272 "L..e Bré5il" -- jornal -- 182 -- 185 'oão Maria -- 420 "Le Figaro" -- jornal -- 187 Joaquim Nabuco -- 288 "Le Geant" -- balão -- 123 ' oekey Club (do Rio de Janeiro) -- 365 -- .Le Mans -- 344 ".Le Matin" -- jornal -- 333 -- 343 370 -- 311 -- 390 -- 401 "l.e Monde llIust~" -- 2 12 Jona, Artura -- 386 José do Patrocínio -- 349 -- 492 "Lc Telegraph" -- jornal -- 184 ".Le Temps" -- jornal __ 221 -- 322 José Maria (Monge) -- 420 -- 421 -- 421 Ler~b vre -- 336 -- 363 Joubert -- 183 -- 184 Justa, Antonio Henrique da -- 491 Lep;ião de Honra -- 342 -- 349 -- 3S3 Juventino Fernandes da Fonseca -- 310 -- .Leibnitz -- 116 371 -- 312 . ".Leipziger llIustriert Zeilung" -- revista 485

,osé

122 -- 171 K

Kfuri, Jorge -- 412 -- 417 Kirk. Ricardo ' oão -- 378 -- 383 __ 385 -386 -- 389 -- 390 -- 391 -- 393 -- 412 421 -- 422 -- 423 -- 424 -- 425 -- 426 -- 427 -- 428 -- 429 -- 430 -- 436 --

481 Kitty Hawk -- 344 Kohn, Isidro -- 411 Kopl:e -- 240 Krebs, Arlhur C. -- 145 -- 170 -- 111 -172 -- 178 -- 182 -- 185 -- 186 -- 187 -- 188 -- 190 -- 192 -- 196 -- 201 -202 -- 213 L

"L'Aéronaulc" -- 170 -- 182 -- 185 "L'Aérophilc" -- revista -- 201 -- 279 " L'Astronomie" -- jornal -- 186 "L'Aviadon" -- I'Cvista -- 244 La Casucha -- 353 "La Cicogne" -- balão -- 352 "La Follie" -- 118 "La France" -- balão -- 145 -- 110 -- 111 -- 196 -- 201 -- 284 " ü, Rcvuc" -- 212 __ 215 -- 216 -- 211 "La Savoic" -- navio . Lacerda, Mauricio de -- 432 -- 4S3 Laehambrc ~ 164 -- 168 -- 11(). -- 182 -183 -- 184 -- 186 -- 195 -- 210 -- 213 -- 2 15 -- 230 -- 231 -- 250 -- 252 -251 -- 258 -- 259 -- 261 -- 265 -- 266 -- 261 -- 279 Lacain, Louis -- 491 Lacoslll. Corálio -- 454 Lafay, Louis Eticnne -- 432 -- 444 -- 4-6 -- 450 -- 454 -- 464 -- 467 -- 506 Lagc, Benjamin Augus to -- 44 1 Lage, Henrique -- S06

Lagc. Jorgc LajtC Filho, Antonio Martins -- 432 Lalande -- 118 Lamare. Virginius Brito de -- vide De Lamate

Leitão, Aroldo Borges -- 450 Lemc -- 301 l.ennox, Conde de -- 143 Lcnorm ~nd. Louis Sebastien -- 11 8 "Leopoldina" -- navio -- 133 -- 135 -- 138 .Levavasseur. Léon -- 316 -- 317 -- 326 liRa das Nações -- 341 -- 3S3 Lilienthal. Oito -- 308 -- 309 -- 317 "L' lIIuSlration" -- jornal -- 322 __ 325 -326 -- 338

Lima, Alzir Mendes Rodrigues -- 432 Lima, Augusto de -- Deputado -- 432 Lima. Oetavio ' ulio Moreira -- vide Moreiru Lima Lindbergh, Charles -- 341 -- 353 Lisboa, Carlos de Roslaing -- 486 Lobato. Sayão -- 486 Locatelli, Antonio -- 471 Locke -- 116 "L'Officiet" -- jornlll -- 349 LOme, Dupuy de -- 172 -- 173 -- 188 -- 270 Lomonn<ov. Michel -- 118 Longchampl -- 279 -- 280 -- 294 -- 295

-3"

1.- --

"Looping", 463 Lopes. Amadeo Catão -- 489 Loubet -- 295 Lowc, T. S. C. -- 130 -- 132 -- 133 -- 138 -- 139 -- 140 -- 141

Luiz XV -- 117 "Lutêce" -- balão -- 3"i0 "Lutctia" -- navio -- 335 Luz. Jo~ Pereira {I~ - - vide Zé da Luz Lyd, Pimentel -- 490 M

Mae-Dowcll -- 161 Me Culloeh, David H. -- 390 -- 409 -- 415 "Macau" -- navio -- 43 1 "Maechí" -- avião -- 4S5 -- 457 -- 458 -463 -- 472 -- 473 -- 475

Macedo. Joelmir Campos de Araripe -- vide Araripe Macedo Mac hado, Anésia Pinheiro __ 22

523


Machado, Gabriel Militão de VilJanovn _ 138 Machuron, Alelt - 250 - 252 - 258 - 259 - 262 - 267 - 279 Madeira, Gutão Galhardo _ 497 Magalhães, Carlos ,~ de Auvedo - 396 Magalhães Costa, Guilherme Antonio _ 370 - 374 - 376 Magalhães, Manoel Moraes de - 448 Magalhães. Maria de Azevedo - 396 Maanin, Etienne - 444 - 445 - 451 - 453

-.54

,ost

Malan O' Angrogne, Alfredo _ 432 - 443 - 444 - 446 Malebra ncbe - 116 Ma ngin, Gabriel - 187 Maranhlo, Augusto Severo de Albuquerque - vide Augusto Severo Marcha de Flanco - 118 - 141 - 294 "Marciano" - 353 Marcondes. Amazonas de Araújo - 423 Marechal Oeodoro - 358 Marechal Hermes - 3Sg - 370 - 371 386 - 390 - 394 - 403 - 405 - 408 - 415 - 444 Marechal Aoriano - 358 Marechal Rondon - 361 Maria Afdà - 372 Maria R05a - 421 Marinho, Irineu - 372 - 373 - 375 474 - 481 Marquei , Cfcero Arsênio de Souza _ vid'! C(cero Marques Martinelli. J~ - 433 Marlins Pinheiro COnsul - 409 Martins, Aliathar - 384 - 385 - 417 471 - 481 ' Martins, Henrique Gen , - 383 Matarazzo, Francisco Conde - 433 Mauoa, Manuel A , de - 119 Maxim's - 283 Maxim, Hiram S , 5ir - 306 _ 307 _ 308 Medeiros de Albuquerque, José Joaquim da Costa - 205 Meira, Paiva - 377 - 378 Mello, ' ost de - 448 Mello, Raul Vi~ira de - ,454 - S03 "Memória" - 86 - 160 - 165 - 182 185 - 195 - 311 Menl icr, Gen , - 343 Mcurthc, Hcnri Deutsch de La vide Deutsch , Henri " Merrimac" - navio - 133 - 141 Mesquita, Carlos de, Ocn , - 422 Mesquita, Joaé de - 396 Meudon - 171 - 172 - 178 - 221 Meyer, Edmundo - 489 Ministério da Aeronáutica - 20 - 26 - 27 -J<l Ministério das Relações Exteriores - 359 Ministério de Agricultu ra, Indústria e Comércio - 352 Ministério de Viaçio c Obras Públicai 23 - 470 Miranda Bastoa

524

Misslio Francesa de Aviação - 443 _ 446 - 448 - 450 - 453 - 454 - 455 -

'0<

Misslio Militar Americana -

,O<

434 -

455 _

Missão Militar Frllncesa _ 443 - 447 _ 448 - 449 "Moção" - 169 Moller, [orle Henrique - 210 - 388 - 39'J - 393 - 406 - 43S - 481 MOnaco - 288 - 289 - 348 "Monoplano que para no espaço" - 486 Monteiro, Bento Ribeiro Carneiro vide Bento Ribeiro MonteneSro Filho. Casemiro _ 22 Mootesquieu - 116 78 Montgolfier. 'Irmãos - 65 - 68 81 - 108 - 109 _ 118 Montonl - 116 Mooca - vide Prado da Mooca "Morane.saulnier" - avião - 390 - 39] - 423 - 424 - 425 - 426 - 451 Moreira Lima - 20 _ 21 Mortane. ,acques - 380 Mourll. Nero _ vide Nero Moura MOf, 1bomal - 303 - 30S Multiplano - 486 Musal - vide Museu Aeroespacial MUJCu Aeroespacial - 20 _ 25 MUJCU de História da Aeronáutica Brasileira - 18 . Muza, Aristides - 405 - 466 _ 468 N Nabuco, Joaquim - vide Joaquim Nabuco "Nacional" - balio - 372 Nadar, A , - 300 Nadar, Félix - 123 Natalia - 205 - 206 - 21S _ 231 Navcgaçio Al!rea - 195 - 491 _ 495 Nazca - 53 - 54 - S6 Ncgrel. Raoul - 448 Nc iva. José Carloa de Barros - 22 Ncro Moura - 22 - 480 Ncwcomen - 11 6 ' Newton , haac - 6S - 116 " Nieuport" - avião - 377 - 387 _ 393 Nkmeycr, Conrado Jacob de _ 136 Nicmeycr, Joio Morais de - 39S Nobilc, Ocn , - 19 - 22(; - 227 "Norge" - dirigível - 226 - 227 "Nouveau Mondc" - jornal - 193 N,· I - bailo - 264 - 266 _ 267 - 268 - 269 - 270 - 346 N,· 2 - bailo - 269 - 270 - 346 N ,- 3 - bailo - 27\ - 272 - 273 - 346 N,- 4 - bailo - 274 - 275 - 276 - 277 - 346 - 347 N,- 5 -'balão - 277 - 279 - 280 - 281 - 283 - 284 - 347 N ,· 6 - bailo - 283 - 284 - 285 _ 288 - 289 - 347 - 348 - 361 N,w 7 - balão - 289 - 297 - 349 N,- 8 - balão - 289


N,- 9 - balão - 289 - 290 - 291 - 294 - 333 - 148 N,- 10 - balio - 291 - 297 N,- 1i - bailo -29 1 - 315 N,- 12 - balio - 291 - 315 N,- 13 - bailo - 291 - 349 N,- 14 - balão - 292 - 318 - 349 N,- 14-Bi. - avilo - vide "1+Oi," N,- 15 - Projeto - 329 - 350 N,- 16 - Projeto - 292 - 329 - 350 N,- 17 - Projeto - 329 N,- 18 - Projeto - v ide Hidroavilio N.- 19 - Vide "Demoixlle" N.- 20 - Projeto - vide "Demoiselle" Nuro, Paulino Júlio de Almeida - 485

o "O Liberal" - jornal - 167 O Renascimento da AviaçAo Nacional Campanha - ..33 Ode, Júlio - .. 31 Oehmiçhem ltlienne - 491 Olavo Bilac - 360 Oleirich, Henrique - J70 Oliveira, Alvaro Joaquim de - 162 - 164 O liveira, Joio Afonso de - 395 Oliveira, PUnio Raulino de - ""9 Oliveira, Victorino de - 375 - 376 - ..81 Oliver, Jayme - 435 - ..55 Onibu, Aéreo - vide N.- 10 - Oalão Ordem de Leopoldo 11 - 352 Ordem de 510 Tia80 da Espada - 352 "Oriental Cerro" - navio - 134 - 139 "Oriolle" - aviA0 - "66 - ..68 - .. 75 ..77 - 479 Orionne, Eduino - 386 Osasco - 367 - 369 p

Pacheco, Arthur, M , - 490 Padre Cicero - 358 Paiva, Bueno de, Deputado - 199 - 201 - 204 Palmas - 426 Pamplona, Estanislau Vieira - .. 50 - 4~ 1 Paneton, A , J, - 299 Papin - 11 6 "Paran'" - navio - ..31 Paranagui, Joio Lustosa de, Contelheiro 129 - 138 P6raqueda. - 11 8 Pare D'Aérostatio n - 217 - 252 - 260272 - 273 - 278 - 280 - 347 "Parecer" - 163 - 171 - 178 Paredes, Inês - 195 Parodes, Luiz - 395 Parque Antarctica - 365 - 380 Parque Edu Chaves - 480 " Passarola" - 65 - 68 - 77 - 78 - 80 -81 Passo da Pátria - 127 - I3S P~troçfnio, José Carlos do vide José do Patroçlnio Paula, Bento de Souza - 169

Paula Freito.s - 169 Paulham - 363 Paulo de Fronlm - 169 - 171 - 191 " Pax" - balão - 19 - 205 - 206 _ 207 - 210 - 211 - 212 - 21 .. - 21 5 216 - 217 - 218 - 219 - 220 - 22 1 - 223 - 225 - 226 - 227 - 231 Pedro 11 - 191 - 357 Pedroso, Feliciana Maria da Silva - 198 Peixoto, Floriano - vide Floriano Peixoto Peixoto, Theolino L..einhardl _ 454 PelegaHI, Lourenço - 493 Penaluilo, Conde de - 77 Penaud - 301 - 303 Penteado, Armando Alvares _ 365 Pereira, Antonio C, Gomes, Alm, - "58 P~ronne 259 Perotti, M onso -- 439 _ 440 Pcrolli, Emilia - 439 Perotti, Higino - 432 -- ..37 - ..39 - ..42 - ....3 PetiçAo de Privilégio - 82 -- 83 - 84 -225 - 294 Pettin - 187 Pettirossi - 390 - 407 Peugeot -- 247 Piazza, Carlos - 362 Pieeollo, Giulio - 368 - 370 - 481 Pileher, Perçy - 308 Pimentel, C , Galdino - 169 Pinder, John - 472 Pirassununga - 20 " Pirauslu" - livro - 148 Piri -4O- 52-53-55 Pi.schofl - 111 Pisco, Bara do -- 56 Planador -- 308 Plauehul, Edmond -- 372 -- 373 - 374 -376 -- 383 -- 481 Pohl, Ricardo - ..27 - ..28 Policia Militar (RJ) - 396 Polytheama - 367 Porta, lean Oaptisle DeU. - 62 Porto Unllo - 418 - 423 -- 424 -- 425 - 426 " Portulal" - balão - 372 Possolo, Eugenio da Silva - ..34 -- 481 " Potigoarinia" - balão -- 207 -- 230 Potomac, Ex~reito do -- 130 - 133 Praça Mauá - 374 - 410 Prado d. Mooca - 365 - 366 - 368 370 - 480 Prado, Edgard - 350 Prado Fluminense -- 165 Prado Jr, Antonio - 336 - 350 -- 353 -

4"

" Prlmio Acro,Club" - 325 - 326 " Prêmio de Estímulo" - 277 "Prêmio Santos-Dumont" - 278 Primeiro Vôo MecAnico do Homem -- 321 Princesa Isabel - 281 - 335 - 347 Princípio' da Entidade - 27 Prix des Escales - 379 -- 38 1 "Processo Verbal" - 166 -- 183 Prajeto Sonda - 31 Projetos do Ineler - vide Instituto Hisl~ rico-Cul tural da Aeraniulica

525


" Protesto" - 172 - 186 - 199 - 200 " Providence Sunday Joumal" - 140 Prudente de Moraes, Presidente - 358 " Pter6foro" - 299 Q

"Quadros Santos" - 420 - 42\ - 424 427 - 428 - 436 Quaranta, Mlirio - 471 "\+BIS" - avião - 35 - 115 - 292 31 0 - 314 - 318 - 319 - 320 _ 322 - 323 - 325 - 326 - 327 - 328 329 - 333 - 349 - 350 - 364 Queen Aviation Company, Lld . - 376 378 - 379 Queiroz, Alaor Teles de - vide Alaor de Queiroz Questão das Miuões - 358 - 359 "Ouinta Arma" - 384 R "R-Ia' " - dirigfvel 342 Ramos, Osar - 412 Rappini, Etena - 390 Rap pini, Imãos - 390 Realengo - 211 - 370 - 423 Rebimbas, Manuel, Padre - 80 Rebouças, André - 161 Reconhecimento Aerofoto - 362 Recordes - 335 - 338 - 412 - 417 Rego _ Fabio Hostnio de Morais - 162 164 Rei Alberto - 464 Reide Rio--8uenos Aires - 470 - 471 472 - 475 "Reide Rio-Santos" - 458 - 460 Reide Rio---Sio Paulo - 382 - 405 - 477 "Reide São paulo---Guarujli" - 390 " Reide São Paulo---Santos-São Paulo" 379 - 380 - 382 - 477 Reis, Alvaro Pereira dos - 21 5 - 218 Reis, Manoel Pereira - 169 - 209 Rcnard, Charles - 145 _ 170 - 171 172 - 178 - 182 - 185 - 186 - 187 - 188 - 190 - 192 - 196 - 20\ 202 - 22 1 - 222 - 273 - 284 Reportagem Aérea - I." - 39\ Revista de História da Aeronliutica - 28 -

30 Revista Marítima Brazileira - 459 Revolta dos Marinheiros - 358 Revolução Constitucionalista - 342 354 "Revue Scientifiquc" - 188 "Riaehuelo" - navio - 384 Ribeiro, Joaquim Ini cio, Padre - 490 Rio Branco, Barão de - 359 - 360 -'Rio de Janeiro" - avião - 464 - S06 Rio Nellro - 423 Rio do Peixe - 418 - 42\ Rios. Elfrida Engels - 340 Robba, Irmãos - 470 Rob ert, Nicolas·Louis _ 11 8 Rocco. Januário - 466 Rode. Franz - 370 - 374 - 376 Rodri gues, Thomé - 417

526

ROdrigues Alves, Francisco de Paula, Presidente - 358 - 403 - 448 Roessler, Fritz - 470 Rondon, Cândido Mariano da Silva _ vide Marechal ROlldon Roosevelt, Theodore - 348 Rostand, Edmond - 204 Rostovtzeff, M _ - 41 Roswag, Jean - 454 Royal Air Force (RAF) - 434 - 472 Royal Naval Air Scrvice - 433 Rozier, Pilitre de - 108 - 118 Ruben Berta - 22 Ruggerone, Germano (Eros) - 368 - 369 - 370 - 481 Ruy Barbosa - 403

S Snchet - 215 .- 219 - 222 _ 224 _ 23 1 Saint Cloud - 338 - 347 - 35 1 Saint Cyr - 329 - 333 - 334 - 335 - 350 Saint Louis - 349 Sala das Embaixadas - 96 Sala de Audiências - 96 Salgado Filho, Joaquim Pedro - 22 Sampaio, Carlos - 222 - 223 - 224 Sampaio, Paulo de Oliveira - 22 Sanders - 434 " Santa Cruz" - dirigfvel - 492 Santa Cruz - 374 - 430 Santa Maria - 424 - 425 - 426 - 428 "Santa Maria de Belém" - baliio - 162 170 _ 192 - 193 - 196 Santo, Nicola - 39 1 - 488 Santos-Dumont, Alberto - 19 - 21 - 22 _ 35 _ 67 - 115 - 143 - 199 - 200 201 202 203 204 205' 212 214 216 218 221 222 223 224 231 235 237 238 239 240 236 241 242 243 244 245 247 248 249 250 246 251 252 256 257 258 26\ 263 - ' 266 259 260 268 269 270 271 272 273 214 276 277 279 280 281 283 285 288 289 292 294 296 299 310 311 313 314 315 317 3\8 319 320 3 16 32 1 322 323 324 325 371; 3'7 31.8 3.'29 3"1 332 333 334 335 336 337 338 339 340 342 343 344 345 346 347 348 349 35 \ 352 361 362 363 365 367 372 376 377 378 406 315 414 417 - 429 430 436 446 464 467 480 481 "Santos-Dumont" - avião - 353 336 Santos-Dumont _ cartas de piloto Santos-Dumont - prêmio - 368 - 369 Santos_ Fileto Ferreira da Silva - Vide Fileto Santos, Isidoro Rodrigues dos - 396


510 Jo5t do Acan'i - 146 - 194 avião - 367 - 369 - 493 Slo Romlo, Matriz de - 105 - 106 - 107 Saraiva, Amadeu - 465 - 467 " Sargento" - avilio - 439 - 440 _ 441 - 442 - 443 Sarti, Oltoris - 300 5<:hmidlap, Johann - 62 Schorcht, Antonio Augusto - 411 - 415 - 416 - 417 - 435 Sehreiner, Luiz - 171 5<:011, Robert "-aloon - 227 Seabra, Gregorib Garcia, Comendador 316 Sem - 242 Semana da Aviação - 377 Seminário de História da Aeronáutica, J 25 - 26 - 152 Serra da Taquara Verde - 425 Serra do Barata - 370 Serra do Caçador - 425 Serviço Aeropostal - 469 Serviço de DeFesa das Costa e Fronteiras do Brasil por meio de Engenhos Aéreos - 432 - 433 Serviço Geral da Aviação - 432 - 443 -

"810 Paulo" -

44'

Serviço Militar Obrigat6rio - 360 Severo, Augusto - vide Augusto Severo Siciliano, Conde - 433 Silva , Alzir Rodrigues Mendes da - 443 450 Silva, Dolores - 370 Sil va, Domkio Pacheoo - 467 Silva, Joaquim Pedro Domingues da - 500 Silva, Josi Soarc.s da - 9 1 Silva , Leopoldo Corrêa da - 4&4 Silva, Ozira - 22 Silva, Vespasia no Gonçalves de Albuquerque - vide Gen , Vcspasiano Silva, Viclor de Carvalho c - 414 Sil va Ir " Antonio Joaquim da - 415 434 _ 459 - 473 - 475 Simlio, O Má8ico - 38 - 39 Siqueira, Deoclécio Uma de - v ide Brigadeiro Deoeltcio Sistema Omichtyoide - 485 Smidl, Hélio - 22 Smilhsonian Tnstitution - 276 - 306 Sociedade Aeronáutica da Grli Bretanha 301 Sociedade Aeros!!tica e Melereológica da Fr'ança - 123 Soeielé Française de Navigatio n Aérienne 165 - 166 - 170 - 182 - 183 - 185 - 195 Solda do Alumínio - 492 "Sond a IV" - 31 "Sopwilh" - avilo - 434 - 451 Souza, Ana da Silva Ribeiro de - 146 Souza, Ennes de - 376 Souza, José Carlos Alves de - 459 Souza, Josi Ribeiro de - 146 Souza, Júli,o Ctsar Ribeiro de - 67 - 115 124 145 146 147 149 ISO 151 152 159 160 _ 161 _ 162 163 164 165

166 171 19 1 197

167 168 169 170 172 182 183 189 192 193 194 196 198 206 226 250 284 - 3 11 "Spad" - avião - 451 - 452 - 454 Spinoza - 116 Spilsberg, Ilha de - 145 Slaffa - 433 Slonehenge - 45 - 46 Strimdbuf'l - 145 303 - 304 Stringrellow, John - 30 1

-

305

"Substitutivo" -

200 -

204

T Taça dos Aeronautas - 346 Talento Aeronáuti co - 25 " Tangage" - 20 1 - 208 Tapera do €Ia udino - 425 Taquaruçu - 42 1 Tasso Fragoso - #4 Ta tin, Victor - 316 Táxi Aéreo - vide N,- 9 - bailo Tefé, Barão de - vide Barão de Tefé Tela para Aviões - 502 Temple, F, du - 30 1 " The New York Herald" - jornal - 321 - 327 - 328 The Hispanie American H istoriea! Review - 140 Thier.'Y, Roberl - 478 - 479 "Ti juca" - navio - 431 Tiret - 492 Tissandier, Albcrt - 144 - 172 - 173 -

'"

Tissandier, Gaston -

144 -

172 -

173 -

'"

Tobias Barreto - 353 Topkapi - 52 - 55 Torre EiHel - 272 _ 273 - 278 - 280 - 282 - 293 - 336 - 347 - 361 Trem de Pouso - 327 Trípoli - 362 Trocadero - 280 - 282 Trompowski, Brigadeiro - 22 Tuiu-Cuê - 127 - B6 - 141 142 Tuiuti - 127 - 137 - 140 - 141 - 142 "Tupi" - navio - 43 1 " Turbo-Molor " - 207

u Universidade da Força Aérea - 395 Uni versidade de Bristol - 250 - .346

v Valenligney _ 247 Valle, ViCloria Philomena do - 14$ - 194 Valmo nt-Sur-Terrilel - 34 1 Varlldy, Heitor - 464 Vasconcellcx, Manoel Augusto Pereira de 459 - 460 Vaul,,", Conde de Lo. - 280 - 352

527


Vefculo Lançador de s.t~litcs (VLS) - J I Vel c>A~reo <48S Velódromo do Pare de Princes - 2<49 272 Velódromo Paulista - 36S - J68 Veranzio , Fausto - 62 "Verba do Feijão" - <410 Verdier, Edoua rd - #4 - <4<45 - <450 -

' 54

Verniz - S03 Versailtes - 33<4 "Victo ria" - balão - 162 - 165 _ 166 - 170 - 182 - 183 - 184 - 186 187 - 188 - 193 - 195 - 250 Vieira, Ignada Maria da Coneciçio - 396 Villares, lorge Dumont - 3-42 VilIela Ir . , Marcos Evangelista - SOl Vinci, Leonardo da - 6 1 - 62 "2 1 de Abril" - balão - <483 Violeta Odete - <411 Virailio, Herculano - 471 " Voisin" - av ião - 332 - ll5 - 336 350 - 363 - 364 - J65 - 367 Voisi n , Charles -- 320 - 377 Voisin, Gabriel - 38 - 316 - 320 - 323 - 32<4 - 326 - 33 1 Voltaire, Françoi. Marie Arquet - 11 6 Vôo Aeropostal - <458 - 459 VÔO Au tÔnomo - 3 1J - 323 vôo Notu rno, 1.- - <415 Vuia - 331

S2S

w Wajaicchowiski, Estanislau - 491 Wan Tov - 60 Wanderley, Nelson Freire Lave n~re -

Vide

Lave~re-Wander ley

Was hington Luix, Presidente - 461 - 41'/ - <479 Wellt - 111 We nceslau Braz, Pres idente - <408 <4 15 - <416 - <43 1 Wenham, F . H , - 304 Werner, Es teli ta Augusto - 390 "Whcn Shall We Ay?" - artigo - 32g Wildman - 390 - 409 - <415 WiJkins, Joban - 61 Wolf - 171 ''Wrigh'" - avilo - 335 - 336 Wright, Irmãos - 19 - 309 - 3 10 - 117 _ 32<4 - 321 J3 1 - 312 - 343

-

344 -

363

z Zanehelli, Francisco - <424 Zanicolli , Geraldo - <4<42 "U da Luz" - 372 "Zeppelin" - diriglvcl - 226 - 227 Zeppelin, Conde _ 19 - 2 10 - 211 214 - 226 - 284 Zuloaga - J40


Este livro HISTÓRIA GERAL DA AERONÁUTICA 3RASILEIRA - DOS P RIMÓRDIOS ATé 192O !o volume niJmero I da Süie História Gera l da Aeronáu tica Brasileira da Colcçlo Aeronáutica. Redigido por I«nicos do INCAER - Inst ituto Hist6rico-CultUl1l1 da Aeronáut ica. Foi composto com ti pos da FamOla Times Roman corpo 12J 12e notasemcorpo 818 da mesma famm.: A mancha tipogrifica ~ de 24 li 40 cfceros. em máquina UnQtipo. O papel, ~ de fabricaçlo nacional no formato 76 li 112 -90 Jlm 1 fornecido por Companhia Ind ustrial de Papel P irah)', 1 Rua São Salvador, 49 - CEP 22.23 1 - Rio de Janeiro. Capa de CUudio Manins. O. fotolitos da capa foram elle<:utados por Mullicor, 1 Rua Carijós, 840- Belo Horizon!c. Composiçlo e fotolitos do tellto rehos por U nolivro SIC Composições Grificas LIda., 11 Rua Dr. Odilon Ben6volo, 189 - BenrlCa - Rio de Janeiro. PlanejamcnlO grá rlCO e diagramaçio de Alceu Letal_ Impressa na Gráfica Bisordi Ltda. , i Rua Santa Clara, S4 _ Brás _ São Paulo, para a Editora Itatiaia Li mitada, 11 Rua S10 Geraldo, 67 - Belo Horizonte, em regime de co-edição com o INCAER - Institu to Histórico-Cul tural da AeronAulica. No Catálogo Geral lev. o ndmero 1051 •••• • •••••••••••••••••••••••••••••



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