AEROVISÃO 261

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Aerovisão

ARTE: Subdivisão de Publicidade e Propaganda / CECOMSAER

Aeronaves da FAB voaram mais de 1.200 horas durante o Exercício Operacional Tápio 2019, com o apoio do Primeiro Grupo de Comunicações e Controle (1º GCC)


Prepare seu plano de voo Sargento Bruno Batista / Agência Força Aérea

Edição nº 261 Ano 46 Julho / Agosto / Setembro - 2019

ENTREVISTA

Tenente-Brigadeiro do Ar Raul Botelho Chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas fala sobre os desafios de promover as capacidades individuais das Forças em um cenário de interoperabilidade

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Acervo UNIFA

Sargento Bianca Viol / Agência Força Aérea

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MEMÓRIA FAB

100 anos da Aviação Militar

A Escola de Aviação Militar, criada em 1919, passsou a se chamar Escola de Aeronáuica em 1941. No ano de 1969, recebeu a atual denominação: Academia da Força Aérea.

EXPEDIENTE Brigadeiro do Ar Paulo César Andari

Diagramação: Sargento SDE Santiago Moraes Moreira Sargento SDE Pollyana Dias Barroso Silva

Chefe da Divisão de Comunicação Integrada: Coronel Aviador André Luís Ferreira Grandis

Estão autorizadas transcrições integrais ou parciais das matérias, desde que mencionada a fonte.

Chefe da Subdivisão de Produção e Divulgação:

Distribuição Gratuita Acesse a edição eletrônica: www.fab.mil.br/publicacao/listagemAerovisao

Chefe do CECOMSAER: Publicação oficial da Força Aérea Brasileira, a revista Aerovisão é produzida pela Agência Força Aérea, do Centro de Comunicação Social da Aeronáutica (CECOMSAER).

Esplanada dos Ministérios, Bloco M, 7º Andar CEP: 70045-900 - Brasília - DF

Tiragem: 18 mil exemplares.

Período: Julho / Agosto / Setembro 2019 - Ano 46 Contato: redacao@fab.mil.br

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Tenente-Coronel Aviador Claudio Mariano R. Santana Edição: Tenente Jornalista Felipe Bueno de Andrade (MTB 5913/PE) Tenente Jornalista Jonathan Jayme (MTB - 2481)

Impressão: Gráfica Pallotti ArtLaser.


Sargento Bruno Batista / Agência Força Aérea

Veja a edição digital

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Exercício Operacional Tápio Edição de 2019 envolveu 28 Esquadrões, que voaram mais de 1.200 horas; a novidade foi a realização de pacotes noturnos

NOVA AERONAVE

KC-390

FAB se prepara para receber na Ala 2, em Anápolis (GO), maior aeronave militar já desenvolvida e produzida no Brasil

BUSCA E SALVAMENTO

Missão: salvar vidas

Esquadrões da FAB acumulam histórias de resgates que emocionam militares e vítimas

DESENVOLVIMENTO

Contratos de Offset

Acordos ligados aos projetos da Força Aérea Brasileira ajudam a trazer investimentos e fomentam o desenvolvimento da tecnologia na Base Industrial de Defesa (BID)

Sargento Johnson Barros / Agência Força Aérea

SAAB

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OPERACIONAL

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ESPAÇO

Acordo de Salvaguardas Tecnológicas Saiba mais sobre o Acordo assinado entre Brasil e Estados Unidos

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Aos Leitores VOOS MAIS ALTOS A nova edição da revista Aerovisão registra um marco importante no desenvolvimento da aviação no Brasil: a entrada em operação da nova aeronave multimissão da Força Aérea Brasileira, o KC-390, maior vetor militar já produzido no Brasil. É a primeira unidade das 28 que a FAB receberá e o 1º Grupo de Transporte de Tropa (1º GTT), sediado na Ala 2, em Anápolis (GO), será o primeiro Esquadrão da FAB a operar as aeronaves. Esta edição mostra todos os detalhes do novo vetor, que traz consigo uma grande evolução operacional e tecnológica para nossa instituição. A publicação também explica como as grandes aquisições da Força, como o KC-390 e o F-39 Gripen, impulsionam o investimento estrangeiro no Brasil por meio de acordos offset. E, ainda no viés tecnológico, a revista aborda o desenvolvimento do simulador do C-95M Bandeirante na Ala 10, em Parnamirim, região metropolitana de Natal (RN), um equipamento 100% FAB. Além disso, o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) entre Brasil e Estados Unidos, que foi assinado no mês de março, está em análise no Congresso Nacional e é pauta frequente de debates e reportagens jornalísticas. Para explicar os principais tópicos do tema à sociedade, a revista aborda alguns pontos sobre o assunto. Ainda nesse contexto, há um artigo assinado por Ricardo Sennes, Economista e Doutor em Relações Internacionais, que fala sobre a atuação da Força Aérea Brasileira na integração de políticas no campo da defesa e segurança com as políticas industriais, tecnológicas, educacionais, entre outras. A Aerovisão mostra como foi o Exercício Operacional Tápio 2019. Entre abril e maio, na Ala 5, em Campo Grande (MS), mais de 600 militares e 47 aeronaves simularam ações com vistas a adestrar as Unidades Aéreas e de Infantaria do Comando de Preparo (COMPREP), em um contexto operacional de missão de paz da Organização das Nações Unidas (ONU). Os treinamentos têm como objetivo aperfeiçoar as atividades desempenhadas pela FAB, como, por exemplo, o salvamento de vítimas de acidentes aeronáuticos, assunto também tratado nas páginas desta edição. A publicação traz, ainda, uma entrevista com o Chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, Tenente-Brigadeiro do Ar Raul Botelho. Ele explica como ocorre a interoperabilidade entre Marinha, Exército e Aeronáutica e qual o papel do Ministério da Defesa perante as Forças Armadas, no desempenho de suas funções. Na seção Memória FAB, celebramos os 100 anos da Aviação Militar no Brasil, que tem como berço a Base Aérea dos Afonsos. A partir de agora, você está convidado para embarcar nessa e em outras reportagens sobre a atuação da FAB para Controlar, Defender e Integrar os 22 milhões de quilômetros quadrados sob sua responsabilidade. Boa leitura!

Brigadeiro do Ar Paulo César Andari Chefe do Centro de Comunicação Social da Aeronáutica

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Nossa capa: Esta edição fala sobre a preparação da Força Aérea Brasileira para receber a maior aeronave militar desenvolvida e produzida no Brasil


Palavras do Comandante NOSSO BERÇO O ano de 2019 reservou um marco importante em nossa história: a Aviação Militar Brasileira completa 100 anos desde seu início no Campo dos Afonsos, no Rio de Janeiro (RJ). À época, a União doou uma área para que fosse construído o Aeroclube Brasileiro, inaugurado em 1911, que tinha como Presidente de Honra Alberto Santos-Dumont. Três anos depois, foi inaugurada, no mesmo local, a Escola Brasileira de Aviação (EBA). Mas, foi em 1919 que o Exército Brasileiro criou a Escola de Aviação Militar. Desde então, o Campo dos Afonsos se firmou como berço da aviação e da formação dos primeiros aviadores do Brasil. Foi nesse cenário que histórias marcantes para a Força Aérea Brasileira (FAB) tiveram seus primeiros capítulos, como a do Marechal do Ar Eduardo Gomes, integrante da primeira turma de observadores aéreos da Escola. Ainda como Major, ele comandou o Grupo Misto de Aviação após o nascimento da Arma de Aviação do Exército, em 1927, que, anos depois, junta-se à Aviação Naval para formar o Ministério da Aeronáutica. Se hoje recebemos o KC-390, maior aeronave militar já produzida no Brasil, e vemos a indústria aeronáutica nacional consolidar uma trajetória de sucesso mundial, lembremos dos primórdios da indústria aeronáutica nacional, também originária do Campo dos Afonsos: o então Capitão Antônio Guedes Muniz foi projetista do primeiro avião a ser construído em série no Brasil, o Muniz M7. Atualmente, a Guarnição de Aeronáutica dos Afonsos abrange organizações que zelam pelo passado e pelo futuro da FAB. O Museu Aeroespacial (MUSAL) é o maior e mais importante museu de aviação militar e civil do Brasil, com exposições permanentes e aeronaves históricas em uma área de mais de 15 mil metros quadrados. Já a Universidade da Força Aérea (UNIFA) e a Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica (ECEMAR) têm a missão de capacitar o efetivo do Comando da Aeronáutica para o preparo e emprego do Componente Militar do Poder Aeroespacial, desenvolvendo a ciência aeroespacial por meio de atividades acadêmicas. Destacar a importância do Campo dos Afonsos é reconhecer e dar valor à significativa história da aviação militar e do Poder Aeroespacial. Se hoje somos capazes de Controlar, Defender e Integrar uma área de 22 milhões de quilômetros quadrados, administrando recursos e modernizando meios operacionais, devemos muito à história que começou, em 1919, no Campo dos Afonsos. A todos que fazem parte dessa trajetória, parabéns!

Tenente-Brigadeiro do Ar Antonio Carlos Moretti Bermudez Comandante da Aeronáutica

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ENTREVISTA

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Interoperabilidade: sinergia a favor da Defesa Nacional

Sargento Bruno Batista / CECOMSAER

Tenente-Brigadeiro Botelho assumiu o Est ado- Maior Conjunto das Forças Armadas em janeiro de 2019

Ele é o Chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA) desde janeiro deste ano, quando foi incumbido de assessorar o Ministro de Estado da Defesa, tendo como metas o planejamento estratégico e o emprego conjunto das Forças Singulares. Natural de São Paulo (SP) e integrante da FAB desde março de 1973, o Tenente-Brigadeiro do Ar Raul Botelho fala sobre os desafios de chefiar o EMCFA e promover as capacidades individuais das Forças num cenário de complementariedade técnica e operacional. TENENTE JORNALISTA JONATHAN JAYME

Quais as atribuições do EMCFA nas atividades desenvolvidas pelo Ministério da Defesa? O Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, criado por meio da Lei Complementar nº 136, de 25 de agosto de 2010, tem como missão precípua o assessoramento ao Ministro de Estado da Defesa nos assuntos relacionados ao emprego conjunto das Forças Armadas do Brasil e à atuação de forças brasileiras em operações de paz. Esse emprego conjunto pressupõe uma integração harmoniosa das capacidades presentes e disponíveis na Marinha do Brasil, no Exército Brasileiro e na Força Aérea Brasileira. Ao se empregar meios singulares de forma conjunta promove-se o inter-

-relacionamento técnico e operacional das Forças Armadas, potencializando o conceito de interoperabilidade tão difundido atualmente. O EMCFA possui, também, a competência de elaborar os planejamentos e doutrinas de emprego; assessorar nos temas de política e estratégia nacional e setorial de defesa, de inteligência, de serviço militar; promover, em nível nacional e internacional, o relacionamento e a cooperação de defesa, logística, mobilização, tecnologia militar, operações de paz; dentre outras áreas. Nesse contexto, verifica-se, desde já, um excesso de atribuições e competências para um Estado-Maior que nasceu com vocação estratégico-operacional apenas. Aerovisão

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Como o EMCFA tem atuado para promover a doutrina da interoperabilidade entre as Forças Armadas? Inicialmente, acredito que interoperabilidade não seja exatamente uma doutrina e sim um resultado ou uma condição atingida por meio de ações desenvolvidas de maneira coordenada e integrada. Assim, as Forças Armadas, identificadas por uma estrutura de preparo e emprego singular, são acionadas para operarem num conceito de emprego conjunto, em que a compreensão clara das regras torna-se fator determinante para o sucesso de qualquer operação integrada. Nesse diapasão, o EMCFA vem promovendo atividades e exercícios reais e simulados em que as capacidades individuais de cada Força são inseridas num cenário de cooperação técnica e operacional, desde o conhecimento das doutrinas, passando pelo conhecimento mútuo das capacidades singulares e culminando com uma sinergia de ações integradas em prol do cumprimento da missão estabelecida. Não se pode deixar de evidenciar a necessidade de as Forças Armadas buscarem uma estrutura em que se simplifique e se potencialize o mecanismo de transição do emprego singular para o conjunto, de forma célere e eficiente, promovendo os aspectos de interoperabilidade. Em resumo, as Forças deveriam focar na segmentação de estruturas para preparo e outra para emprego, enquanto o EMCFA analisa o cenário, elabora os planejamentos e emprega os meios necessários para determinada missão. Acredito que a Reestruturação da FAB caminhou nesse sentido e, hoje, há um componente apenas de preparo, com o Comando de Preparo, e outro de emprego, com o Comando de Operações Aeroespaciais, o que torna o ciclo de comando e controle mais rápido e de fácil execução.

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Comandante da Aeronáutica, Tenent e- Brigadeiro do Ar Antonio Carlos Moretti Bermudez, acompanhado do Chefe do EMCFA


Quais as principais diretrizes de sua gestão para ampliar a capacidade de interoperabilidade das nossas Forças Armadas? O EMCFA foi criado há 10 anos, momento em que o Ministério da Defesa completava seu décimo primeiro ano de criação. Observa-se nesse período que se migrava de uma estrutura ministerial das Forças Armadas para uma de Comandos, subordinados a um único Ministro da pasta de Defesa. Acredito que o legislador pretendia inserir o Brasil no concerto de países em que um Ministro civil, com pretenso viés político, exercesse o controle objetivo das Forças Armadas, empreendendo um conceito de emprego conjunto que já vigorava em muitas Forças da época. Por certo, sob a influência da cultura militar brasileira do momento, a estrutura inicial implementada para o Ministério da Defesa não incorporou alguns paradigmas que se buscava superar, o que se pretendeu aperfeiçoar com a criação do EMCFA. Assim, um dos grandes desafios do EMCFA, à luz da diretriz do Ministro da Defesa, será acomodar uma estrutura que potencialize o emprego conjunto das capacidades de defesa das Forças Armadas, com vistas a causar o efeito desejado num cenário estabelecido. Por oportuno, minha diretriz principal é desenvolver uma estratégia que projete um conceito moderno de emprego conjunto, em que as capacidades de defesa sejam estabelecidas por metodologia adequada, orientadas por prioridades de defesa de consenso, alinhado à concepção e a doutrinas atualizadas, fazendo frente a qualquer hipótese projetada. Cumpre ressaltar que esse trabalho vem sendo realizado à luz da metodologia do Planejamento Baseado em Capacidade (PBC). Uma equipe dedicada vem cumprindo com empenho as etapas do método, conforme o mnemônico DOPEMAI, no sentido de potencializar a Doutrina, que orienta as ações para o emprego; Aerovisão

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a Organização, como melhor forma de estruturar o poder Militar para enfrentar os desafios; o Pessoal, na administração de recursos humanos qualificados; a Educação, na gestão de competências; o Material, com foco nos sistemas, nas plataformas e nos equipamentos; e, finalmente, a Infraestrutura, consistindo em todos os meios e serviços de apoio. Esse escopo contempla na sua plenitude, o sentido de Interoperabilidade. Num segundo momento, porém tão importante quanto a primeira diretriz, seria a construção de uma Estrutura de Inteligência de Defesa, que abarcasse todos os segmentos da inteligência, com vistas à produção de conhecimentos confiáveis e oportunos no apoio ao processo decisório e suporte na formulação e condução do planejamento estratégico militar. Essa tarefa ainda está nos estágios preliminares de estudo e concepção, porém denota elevada importância ao

“Não se pode deixar de evidenciar a necessidade de as Forças Armadas buscarem uma estrutura em que se simplifique e se potencialize o mecanismo de transição do emprego singular para o conjunto, de forma célere e eficiente”

considerar que as estruturas, meios e profissionais de inteligência estão em sua maioria atuando de forma segregada e com pouco sentido de integração. Qual a importância da realização de operações e exercícios conjuntos para a defesa e soberania de uma nação? A Soberania e a Defesa nacional representam a finalidade precípua para a existência de Forças Armadas constituídas como instituições nacionais permanentes, conforme previsão legal na Constituição Federal do Brasil. Si vis pacem, para bellum é um provérbio em latim que pode ser traduzido como: “se quer a paz, prepare-se para a guerra.” Assim, desde o tempo dos romanos que a Soberania Nacional e a Defesa da Pátria demandam das Forças Armadas preparo continuado, meios adequados e capacidade de pronta resposta.

Tenente-Brigadeiro Botelho: “Soberania e Defesa da Pátria demandam preparo continuado, meios adequados e capacidade de pronta resposta.”

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Oficial-General assumiu a Chefia do EMCFA em janeiro desse ano, em cerimônia realizada em Brasília (DF)

Esse estado de prontidão somente é atingido por meio da realização de exercícios e operações conjuntas, sejam reais ou simulados, com vistas a obter uma capacidade integrada de defesa, adequada aos ditames constitucionais e à estatura político-estratégica do Brasil. Por intermédio dessas operações e exercícios, levantam-se indicadores que visam a aperfeiçoar o processo e a metodologia aplicada, ampliando a cultura de emprego conjunto nas organizações e, principalmente, fomentando a criação de uma massa crítica com conhecimento e aprendizado desse tipo de emprego. Deve-se destacar que, nesse contexto, estão inseridos exercícios combinados com a participação de outros países, como o exercício FELINO, patrocinado pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Como o senhor avalia a evolução das operações conjuntas desde a

“Minha diretriz principal é desenvolver uma estratégia que projete um conceito moderno de emprego conjunto, em que as capacidades de defesa sejam estabelecidas por metodologia adequada, orientadas por prioridades de defesa de consenso, alinhado à concepção e a doutrinas atualizadas”

criação do EMCFA? Quais foram os desafios encontrados? Nestes quase nove anos de criação do EMCFA, acredito que houve significativa evolução, potencializada por meio da demanda exigida pelos grandes eventos que aconteceram nesse período. O amadurecimento do emprego conjunto veio no bojo da necessidade de coordenação e integração não somente das Forças, mas também de uma variada gama de agências e órgãos que se viram envolvidos nos eventos sem muita organização e sentido de governança. O aperfeiçoamento do processo de planejamento estratégico para o emprego conjunto das Forças Armadas colheu muitos ensinamentos desses eventos ao precipitar a revisão de doutrinas e concepções de emprego, regras de engajamento, dentre outras melhorias necessárias. Dentre os desafios que merecem destaque, pode-se identificar a existência de uma cultura de interoperabilidaAerovisão

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de ainda com muitas nuances a serem incorporadas pelo conjunto de atores envolvidos no processo. Observa-se, também, a fragilidade do modelo estrutural adotado para o EMCFA, em que não favorece os conceitos clássicos de atuação de um Estado-Maior Conjunto, voltado para a sua atividade fim, qual seja, empregar as Forças de forma articulada, integrada e sob sua coordenação superior, inserida num contexto de assessoramento estratégico militar ao Ministro da Defesa e ao Comandante Supremo das Forças Armadas. Com esse foco, acredito que as competências do EMCFA estão superdimensionadas e demandam uma análise consciente em todos os seus processos, na busca de uma estrutura vocacionada para atender ao objetivo síntese de garantia da defesa da pátria e da soberania nacional. O senhor é o primeiro militar da Força Aérea Brasileira a ocupar o cargo. Quais pontos de sua experiência na carreira da FAB o auxiliaram no EMCFA? Primeiramente, deixo a certeza aos integrantes da nossa gloriosa Força Aérea que no exercício do cargo de Chefe do EMCFA não faltará energia para este filho altivo dos ares, pois semeei em toda a minha carreira honradez, honestidade de propósito, lealdade e dedicação sem limites ao Brasil. Há um ditado que diz: “Não chores porque acabou, sorria porque aconteceu.” Assim iniciei as minhas palavras de despedida da Chefia do Estado-Maior da Aeronáutica (EMAER), após três anos de profícuos e gratificantes trabalhos realizados como Chefe do EMAER, registrados nos anais da Força Aérea Brasileira por ser um dos mais longevos Chefes daquele órgão de Direção-Geral. Ao finalizar esse período no EMAER, eu completava 46 anos de serviços prestados, dos quais 12 como oficial-general, condição que me oportunizou conviver,

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profissional e pessoalmente, com os demais oficiais-generais das Forças coirmãs. Desse modo, considero essa relação interpessoal um dos pilares que emolduram o desempenho de um cargo que tem um viés estratégico-militar, contracenando com um viés político-estratégico, em que a necessidade de tratar temas com-

“Deixo a certeza aos integrantes da nossa gloriosa Força Aérea que, no exercício do cargo de Chefe do EMCFA, não faltará energia para este filho altivo dos ares, pois semeei em toda a minha carreira honradez, honestidade de propósito, lealdade e dedicação sem limites ao Brasil” plexos demanda habilidade em harmonizar interesses nem sempre convergentes dos atores envolvidos na questão. Com efeito, além do aspecto interpessoal, a experiência adquirida nesses anos na Aeronáutica, potencializada pelos anos de EMAER, conduzem a um preparo profissional adequado e necessário para bem desempenhar o cargo que agora ocupo. As atividades desenvolvidas pelos diversos setores do EMCFA, por intermédio das Chefias de Operações Conjuntas (CHOC), de Assuntos Estratégicos (CAE) e de Logística e Mobilização (CHELOG), abordam temas que têm muita simila-

ridade e aderência com os tratados nos Estados-Maiores e demais órgãos das Forças Armadas e demandam uma interação continuada e permanente. Em adição, acredito ser um diferencial positivo a experiência adquirida em toda uma vida na Força Aérea Brasileira o que, definitivamente, contribuirá para o exercício do cargo de Chefe do EMCFA. De acordo com o Ministério das Relações Exteriores, o Brasil tem, atualmente, cerca de 300 militares atuando em missões de paz da Organização das Nações Unidas. Nesse contexto, como o EMCFA coordena a atuação das Forças? Desde o ano de 1956 que o Brasil participa de Operações de Paz. A primeira missão ocorreu quando o país enviou um Batalhão de Infantaria de Força de Paz, Batalhão Suez, para integrar a 1ª Força de Emergência das Nações Unidas (UNEF1), no conflito árabe-israelense, junto à Faixa de Gaza. Anos depois, contingentes brasileiros estiveram em Moçambique, Angola, Timor Leste e, por 13 anos, no Haiti. Em resumo, desde a primeira missão no Suez, cerca de 46 mil civis, militares e policiais brasileiros utilizaram o capacete azul em 41 operações realizadas sob a égide das Nações Unidas. A atuação do EMCFA é essencialmente de coordenação e ligação entre a ONU e as Forças Armadas. A Chefia de Assuntos Estratégicos (CAE) e a Chefia de Operações Conjuntas (CHOC) dividem a responsabilidade em nível político, estratégico e operacional para atender os mandados da ONU, seja para o envio de tropas e meios, seja para o cumprimento de missões individuais. O EMCFA também coordena a preparação de militares, policiais e civis brasileiros e de nações amigas para missões de paz e desminagem humanitária, por intermédio do Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil (CCOPAB), vinculado ao Exército Brasileiro, e da Escola de Operações de Paz de Caráter Naval


(EsOpPazNav), vinculada à Marinha do Brasil. Atualmente, apenas um contingente de tropa encontra-se desdobrado, compondo uma Força Tarefa Marítima (FTM), no contexto da Força Interina das Nações Unidas no Líbano (UNIIFIL), empregando meios navais da Marinha do Brasil, com a missão de conduzir operações de interdição marítima no mar territorial daquele país. Deve-se registrar que, entre os militares desdobrados, há seis mulheres compondo as estruturas da ONU em Operações de Paz mundo afora. O Brasil, como Estado-Membro da Organização da Nações Unidas, possui

“O aspecto interpessoal e a experiência adquirida nesses anos na Aeronáutica conduzem a um preparo profissional adequado e necessário para desempenhar o cargo que agora ocupo”

Missões Permanentes do Brasil junto à ONU com sede em Nova Iorque [nos Estados Unidos] e em Genebra [na Suíça], em que há um Escritório do Conselheiro Militar, ambos sob a coordenação do EMCFA, e chefiado por um oficial-general. Essa competência do EMCFA possui um relevante viés político-diplomático e coloca o Brasil em posição de destaque no concerto das nações do mundo. Como ensejo desta breve entrevista, permito-me parafrasear Mahatma Gandhi como motivação para o exercício do cargo: “Nas grandes batalhas da vida, o primeiro passo para a vitória é o desejo de vencer.”

Tenente-Brigadeiro Botelho foi Chefe do Estado-Maior da Aeronáutica por três anos

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MEMÓRIA FAB

100 anos de história

No Rio de Janeiro (RJ), a região do Campo dos Afonsos abrigou as primeiras organizações encarregadas de implantar a atividade aérea no Brasil. Na década de 1910, foram erguidos prédios e executadas intervenções que viriam a criar um campo de aviação, de acordo com as necessidades do então Ministério da Guerra. Os projetos aeronáuticos acabaram por revolucionar a história nos anos seguintes: há 100 anos, em 1919, a inauguração da Escola de Aviação Militar. TENENTE JORNALISTA JOÃO ELIAS* TENENTE JORNALISTA FELIPE BUENO

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o início do século XX, um dos grandes desafios do Exército Brasileiro era a modernização do material bélico e a formação do pessoal militar, adequando meios e recursos humanos para o novo período. Com o invento de Alberto Santos-Dumont, em 1906, a aviação se mostrava um caminho aberto para novas descobertas. Nas galerias do Congresso Nacional, nas páginas de jornais e revistas e nos salões de reuniões civis e militares, ocorriam intensos debates em favor do desenvolvimento aeronáutico militar, nascendo, assim, associações preocupadas com o domínio dos céus brasileiros. Agremiações como o Aeroclube Brasileiro e a Confederação Aérea Brasileira surgiram a partir de 1911, e campanhas como “Dêem Asas ao Brasil” foram lançadas - ações que cobraram do governo um esforço a fim de satisfazer essa demanda. Em 1912, a escolha de um espaço favorável ao estabelecimento de uma instituição dedicada à formação de pilotos e mecânicos permitiu o atendimento dos anseios nacionais, transformando parte da antiga Fazenda dos Afonsos no primeiro campo exclusivamente voltado para a aviação no Brasil. A inauguração da Escola Brasileira de Aviação (EBA), em 1914, lançou a pedra fundamental daquele espaço, que passou a ser conhecido como campo de aviação, na Fazenda dos Afonsos. Em 1916, a EBA foi substituída pela Escola de Aviação, administrada pelo Aeroclube Brasileiro, no mesmo local. A Primeira Guerra Mundial apresentou ao mundo a efetividade da aviação para fins militares. Em outubro de 1917, o Congresso Nacional decretou e o Presidente sancionou a condição de estado de guerra entre o Brasil e o Império Alemão. O Brasil enviou para a França um grupo de oficiais para fomentar parcerias no segmento, o que resultou em um acordo de cooperação militar. As lições aprendidas pelo mundo com o final do conflito

Em 1916, Aeroclube Brasileiro foi inaugurado nas instalações utilizadas pela antiga Escola Brasileira de Aviação


Acervo UNIFA

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Registro dos hangares e pátio de aeronaves da Escola de Aviação Militar no início da década de 1920

Vist a aérea da Escola de Aviação Militar no Campo dos Afonsos (RJ), registrada no início da década de 1930

apontaram para doutrinas militares vencedoras, e o Brasil, signatário do Tratado de Versalhes, contratou, ao final de 1918, a Missão Militar Francesa de Aviação. Enquanto isso, a Marinha organizou o primeiro Núcleo Militar de Aviação do Brasil. O então Presidente Wenceslau Braz fundou a Escola de Aviação Naval e o país negociou a aquisição dos primeiros aviões militares brasileiros. No mesmo período, Santos-Dumont foi ao Palácio do Catete, antiga sede do Governo Federal no Rio de Janeiro (RJ), oferecer seus conhecimentos e serviços em prol da aviação brasileira. Mas, implantar a Escola de Aviação Militar, a partir de 10 de julho de 1919, não foi tarefa fácil. O Ministério da Guerra criou regulamentos e diretrizes, importou material aeronáutico da Europa, preparou mão de obra e construiu novos hangares e demais estruturas adequadas ao novo momento da aviação militar no Brasil. A Missão Militar Francesa de Aviação esteve à frente da organização de 1919 a 1931, tomando como base as experiências da utilização em guerra de uma das armas mais modernas – o avião. O primeiro Comandante da Escola foi o Tenente-Coronel Estanislau Vieira Pamplona, e os primeiros aviadores lá brevetados pilotaram o Bréguet 14 A2/ B2. A infraestrutura militar dedicada à aviação e ao fomento do planejamento para o emprego de meios aéreos culminaram na criação da Arma de Aviação do Exército Brasileiro (1927). A aviação no Brasil ficou, por muitos anos, dividida entre o Exército e a Marinha. Entretanto, a criação de uma força nova e independente há muito fazia parte dos planos de alguns idealistas. O Ministério da Aeronáutica foi instituído em janeiro de 1941 e, logo após a sua criação, sentiu-se a necessidade de intensificar a formação de pessoal. Devido às necessidades da Segunda Guerra Mundial, a Força Aérea foi obrigada a criar um programa de aceleração de formação de pilotos e especialistas. Ao herdar as Aviações do Exército e da Aerovisão

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Acima, chegada do Graf Zeppelin ao Campo dos Afonsos em 1932

Marinha, a duplicidade de centros de formação deveria ser sanada. Extintas a Escola de Aviação Militar e a Escola de Aviação Naval, era criada, no Campo dos Afonsos, a Escola de Aeronáutica, que iria centralizar toda a formação de oficiais aviadores. Na ponta do Galeão, destinada à formação do pessoal de manutenção, foi criada a Escola de Especialistas de Aeronáutica, nas instalações da antiga Escola de Aviação Naval. No período pós-guerra, ocorreu a chegada de aeronaves mais modernas, como os Vultee BT-15 e North American AT-6D. Devido à intensificação de tráfego aéreo no Rio de Janeiro, foi necessário um novo local para voos de instrução de pilotagem militar. Uma comissão de oficiais foi formada para escolher esse local, isento das limitações do Campo dos Afonsos, para a constru-

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“A transferência para Pirassununga foi uma decisão estratégica de fundamental importância para a viabilidade da instrução aérea de cadetes nos moldes do que a AFA realiza nos dias atuais. No espaço aéreo do Rio de Janeiro, seria impossível alocar as áreas necessárias para realizar o voo de instrução”

ção da nova Escola de Aeronáutica. O interior de São Paulo foi eleito, destacando-se o trecho compreendido entre as cidades de Rio Claro e Ribeirão Preto. Em 1960, foi inaugurado, em Pirassununga, o destacamento precursor da Escola de Aeronáutica. O ano de 1968 foi coroado com a chegada das aeronaves a jato T-37C, que marcariam o início de uma nova era na instrução de cadetes. Em 1969, a Escola de Aeronáutica no Rio de Janeiro recebeu a denominação de Academia da Força Aérea e, em decorrência, o destacamento de Pirassununga passou a denominar-se Destacamento Precursor da Academia da Força Aérea. Em dezembro de 1970, o Campo dos Afonsos viu sua última turma de cadetes receber o brevê de oficial da Força Aérea. No ano de 1971, a Academia da Força Aérea foi transferida, definiti-


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somente por São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte. Anualmente, na TMA-YS, ocorrem mais de 130 mil movimentos de aeronaves, sendo que mais da metade desse movimento é justamente de aeronaves de instrução sediadas na AFA”, explica o atual Comandante, Brigadeiro do Ar David Almeida Alcoforado. Após a transferência da AFA, o Campo dos Afonsos abrigou o Grupo de Apoio dos Afonsos (GAP) e outras organizações até a criação da Universidade da Força Aérea (UNIFA), em 1983, quando recuperou a tradição de ensino da guarnição. Atualmente, o local abriga duas unidades de ensino além da UNIFA, a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais da Aeronáutica (EAOAR) e a Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica (ECEMAR).

Acervo UNIFA

vamente, do Campo dos Afonsos para Pirassununga, sendo o seu primeiro comandante o Brigadeiro do Ar Geraldo Labarthe Lebre. Desde então, a AFA formou mais de 6.500 Oficiais Aviadores, 2.100 Oficiais Intendentes, 450 Oficiais de Infantaria e cerca de 190 cadetes de nações amigas. “A transferência para Pirassununga foi uma decisão estratégica de fundamental importância para a viabilidade da instrução aérea de cadetes nos moldes do que a AFA realiza nos dias atuais. No espaço aéreo do Rio de Janeiro, seria impossível alocar as áreas necessárias para realizar o voo de instrução. Para se ter ideia do volume do tráfego aéreo gerado pela instrução de voo, a Terminal Academia (TMA-YS) é a quinta terminal mais movimentada do país, sendo superada

Passagem da Diretoria de Aviação do Exército no Salão Nobre da Escola de Aviação, em 1941.

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Nessa pรกgina, o Brigadeiro Clรณvis de Athayde Bohrer posa em monumento da UNIFA; ao lado, imagens histรณricas do acervo do Oficial-General

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Arquivo pessoal Sargento Johnson Barros / Agência Força Aérea

Arquivo pessoal

Oriundo da Escola Preparatória de Cadetes do Exército, em Porto Alegre (RS), ingressei na Escola de Aeronáutica em 1943, aos 18 anos de idade, em 8 de março. Minha turma foi a segunda inteiramente formada naquela organização e a primeira que nela realizou o curso completo, pois a anterior, face ao conflito mundial que então ocorria, teve seu período escolar reduzido. Até 1941, a Escola formava oficiais e graduados aviadores, observadores aéreos e graduados especialistas. Após a criação do Ministério da Aeronáutica, passou a formar apenas oficiais aviadores. O curso de especialista passou à Escola de Especialistas de Aeronáutica, localizada na Ponta do Galeão, Ilha do Governador (RJ). Naquela época, o curso da Escola de Aeronáutica compreendia três anos de atividades aéreas e culturais. O voo tinha três estágios: o primário e o básico eram desenvolvidos em aeronaves Fairchild PT-19 e Vultee BT-15. No estágio avançado, os cadetes eram divididos nas turmas das Aviações de Caça e de Bombardeio. Os que se destinavam à Caça voavam o North American T-6; já os de Bombardeio utilizavam o Cessna UC-78 bimotor, o Beechcraft AT-11 bimotor e o Beechcraft AT-7 bimotor. Além das partes cultural e aérea, a educação física tinha importante papel na vida do cadete, o que se devia, em grande parte, ao inesquecível Capitão Aviador Jerônimo Batista Bastos, extraordinário motivador. As competições com as demais escolas militares e entidades civis estimulavam a existência de um salutar espírito de corpo entre os cadetes. As atividades desportivas eram particularmente estimuladas pelo então Comandante, Coronel Aviador Henrique Raymundo Dyott Fontenelle, que deixou seu nome gravado com letras de ouro na história da Escola de Aeronáutica. Após ser declarado Aspirante a Oficial, como integrante da Turma de Pilotos de Bombardeio, fui classificado no 3º Grupo de Bombardeio Médio, sediado na Base Aérea do Galeão, equipada com aeronaves B-25 Mitchell.

Arquivo pessoal

Palavras de um veterano

- Brigadeiro Clóvis de Athayde Bohrer, Comandante da AFA de janeiro de 1976 a março de 1979.

*Com colaboração da Academia da Força Aérea e da equipe de pesquisa histórica da UNIFA Aerovisão

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OPERACIONAL

Prontos a qualquer hora No Exercício Operacional Tápio 2019, Esquadrões realizaram treinamento intenso voltado para missão de paz da ONU. TENENTE JORNALISTA CRISTIANE DOS SANTOS

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República Centro-Africana, ou República da África Central, é uma nação do continente africano. Sem fronteira marítima, seu território é rodeado pelo Sudão (a leste), República Democrática do Congo (ao sul), Congo (a sudoeste), Camarões (a oeste) e Chade (ao norte). O país é coberto por savanas e abriga reservas de animais selvagens. A nação africana se encontra em uma parte do continente onde o genocídio e a barbárie são

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uma triste rotina, sofrendo há anos com guerra após guerra. Ao avistar um cenário como esse, com necessidade de emprego da força para estabilização do país por meio de uma missão de paz da Organização das Nações Unidas (ONU), a Força Aérea Brasileira (FAB) adestrou, de forma intensa durante 25 dias, seus Esquadrões e Unidades de Infantaria. Com essa concepção, foi planejado o Exercício Operacional Tápio (EXOP Tápio), que ocorreu no

segundo trimestre de 2019, na Ala 5, em Campo Grande (MS). Na ocasião, foram cumpridas mais de 1.200 horas de voo na execução de 16 tipos diferentes de ações de Força Aérea, com envolvimento de mais de 600 militares da FAB e 47 aeronaves, entre aviões e helicópteros. A Marinha do Brasil, o Exército Brasileiro e a Força Aérea dos Estados Unidos (USAF) participaram do exercício para realizar intercâmbio operacional e alguns treinamentos.


Cabo André Feitosa / Agência Força Aérea

A novidade na edição de 2019 do Exercício Operacional Tápio foi a realização noturna de COMAO, com a utilização de equipamentos como Night Vision Goggles e flare

Para o ano de 2019, três cenários distintos são o foco do adestramento das equipagens, utilizados para nortear os exercícios operacionais: o EXOP Tínea, voltado para o treinamento de um conflito convencional com uma força aérea inimiga; o EXOP Caribides, também direcionado para um cenário de guerra regular, mas com foco na área marítima; e o EXOP Tápio, com viés de guerra irregular, ou seja, o combate é contra forças insurgentes ou paramilitares, comumente encontradas

em missões da ONU. De acordo com o Comandante da Ala 5 e Diretor do EXOP Tápio, Brigadeiro do Ar Augusto Cesar Abreu dos Santos, o treinamento foi baseado em capacidades e faz parte da doutrina operacional da instituição. “Nestes três cenários, temos o de guerra clássica de força aérea, voltado para a superioridade aérea; temos o cenário marítimo; e temos o cenário de guerra irregular, o Tápio, que, no nosso entendimento, é a hipótese mais provável de emprego da Força Aérea”, afirmou.

Todo o treinamento envolveu atividades que estabelecem a combinação adequada de pessoas e meios para alcançar determinado efeito. Nesse contexto, foram realizados oito Composite Air Operations (COMAO), traduzido na doutrina brasileira como Missão Aérea Composta, quando há envolvimento silmultâneo de várias aeronaves e Esquadrões em uma missão. Os COMAO aconteceram intercalados com workshops e voos para nivelamento de conhecimento. Aerovisão Aerovisão

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Os COMAO são complexos: podem envolver até 100 militares em 30 aeronaves de performances diferentes, que objetivam o cumprimento de diversas ações simultâneas, em tempo reduzido e espaço limitado. O desafio é unir os vetores de forma sinérgica, segura e complementar um ao outro, considerando as doutrinas e as peculiaridades de cada aviação. A intenção do exercício também é a integração das aeronaves, visando potencializar as capacidades de emprego e permitir que o ingresso no território inimigo ocorra de forma otimizada. No EXOP Tápio, o adestramento ocorreu também no período noturno, com a utilização de flare, equipamento usado para desviar mísseis guiados pelo calor, e NVG (óculos de visão noturna, do inglês Night Vision Goggles). Foram oito COMAO, sendo quatro após o anoitecer.

O Tenente Aviador André Affonso Vidal, integrante do Esquadrão Puma (3º/8º GAV), observou que a realização do voo noturno durante o EXOP Tápio cumpriu a missão do exercício - o adestramento em cenário de combate. “No voo noturno, a nossa intenção é negar a detecção visual pelo inimigo. Então, nós voamos baixo e com todas as luzes apagadas, dificultando bastante a identificação”, explica. O Major Aviador Edgar Barcellos Carneiro, integrante do Esquadrão Centauro (3º/10º GAV) e comandante de um COMAO noturno, ressaltou o desafi o de unir diversas ações às variadas aeronaves da Força Aérea. “Tivemos aeronaves de caça a jato e de caça turbo hélice, tanto para emprego quanto para designação de ataque contra outras aeronaves; de transporte, realizando coordenação aérea para

Ao todo, 50 aeronaves de asas fixas e rotativas cumpriram mais de 1.200 horas de voo nos céus do Mato Grosso do Sul durante os 25 dias de missão

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Cabo André Feitosa / Agência Força Aérea

Missões Noturnas


O Exercício Operacional Tápio 2019 reuniu 28 Esquadrões Aéreos e 600 militares entre abril e maio na Ala 5, localizada em Campo Grande (MS)

“É a oportunidade de unir todas as aviações e montar treinamentos baseados nos aprendizados que

Cabo André Feitosa / Agência Força Aérea

adquirimos; por isso, é essencial avaliar resultados”

infiltração e exfiltração de evasor e lançamento de paraquedistas e de carga; e helicópteros, no resgate e na escolta”, exemplificou. Além disso, também era considerada a tática de cada aviação, a segurança e, principalmente, a sinergia das ações. “Outro desafio foi conciliar a segurança da operação com a parte tática. Tinha que ser extremamente seguro e cumprir totalmente o requisito tático”, disse o Major Carneiro. Para cumprir a tarefa em meio à escuridão, a tripulação usou óculos de visão noturna. Praticamente todas as aeronaves voaram com NVG. Aquelas que não possuíam o equipamento, voaram separadas, em apoio, mas dentro do pacote. A complexidade do idioma também foi introduzida de forma gradativa nos COMAO: inicialmente, briefing, fraseologia, contato com a força no solo, conversação e debrifing foram feitos em português; a cada evento, o inglês foi gradativamente inserido, até chegar a 100% da língua estrangeira, como nas missões da ONU. Outro incremento foi em relação à avaliação. Cada ação foi aferida, por meio de equipamentos de gravação, sinal de GPS e relatórios, buscando o resultado, principalmente, do engajamento entre a antiaérea e a aeronave. O Chefe da Célula de Avaliação do Exercício, Major Aviador Arthur Ribas Teixeira, explica a importância de aferir as necessidades de preparo. “É um exercício diferente, se comparado com outros realizados pela FAB. É a oportunidade de unir todas as aviações e montar treinamentos baseados nos aprendizados que adquirimos; por isso, é essencial avaliar resultados”, disse.

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“Esse foi o grande desafio: reunir as unidades operacionais para analisar nossa aplicação, nosso preparo, e, com isso, utilizar da melhor forma nossas capacidades”

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Utilização de aeronaves de asas rotativas nas ações de Busca e Salvamento em Combate (CSAR) foi treinada no EXOP Tápio, com realização de Atendimento Pré-Hospitalar Tático (APH)

Até 2016, os exercícios aconteciam de forma isolada no âmbito das extintas Forças Aéreas (FAE). Desde o início do processo de Reestruturação da FAB, o Comando de Preparo (COMPREP) passou a adestrar os esquadrões em exercícios conjuntos. No Tápio, foi possível treinar, por exemplo, a aplicação de asas rotativas em ações de Busca e Salvamento em Combate (CSAR, em inglês Combat Search and Rescue). O Atendimento Pré-Hospitalar Tático (APH) foi um dos adestramentos do CSAR, inclusive com atividades noturnas. A proposta foi colocar os homens de resgate em situações hostis e sob ameaça para realização de atendimentos médicos. O Tápio procurou conciliar missões de ataque, de apoio aéreo aproximado, de reconhecimento e de CSAR. A Aviação de Transporte foi bastante requisitada nas ações operacionais. O C-95M Bandeirante, o C-130 Hércules e o C-105 Amazonas realizaram lançamento de cargas e de pessoal, em todas as modalidades e em várias áreas diferentes, onde foi preciso realizar um

trabalho integrado com a Aviação de Reconhecimento e com a tropa do Esquadrão Aeroterrestre de Salvamento (EAS), mais conhecido como PARA-SAR, para identificação de eventual obstáculo, por exemplo. O Tenente Aviador Matheus Cerutti Martins, piloto do Esquadrão Onça (1º/15º GAV), participou do EXOP Tápio e acredita que o sucesso de uma missão se deve não apenas às potencialidades das aeronaves e tecnologias empregadas, mas também às capacidades das tropas. “Temos a oportunidade de refletirmos sobre o poder da Força Aérea, que vai além das aeronaves e das tecnologias. É importante também contar com tropas coesas, treinadas e disciplinadas. É o que encontramos aqui. Esse tipo de exercício exigiu muita coordenação para que tudo ocorresse conforme planejado. Esse foi o grande desafio: reunir as unidade operacionais para analisar nossa aplicação, nosso preparo, e, com isso, utilizar da melhor forma nossas capacidades”, concluiu.

Cabo André Feitosa / Agência Força Aérea

Cabo André Feitosa / Agência Força Aérea

Integração entre Esquadrões

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NOVA AERONAVE

KC-390: a nova aeronave multimissão A Força Aérea Brasileira (FAB) se prepara para receber a maior aeronave militar desenvolvida e produzida no Brasil. O KC-390 chegará à Ala 2, em Anápolis (GO), e suas características multimissão contribuirão para a FAB desempenhar sua missão de Controlar, Defender e Integrar 22 milhões de quilômetros quadrados. TENENTE JORNALISTA RAQUEL ALVES

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nova plataforma multimissão da Força Aérea Brasileira (FAB), desenvolvida pela Embraer Defesa e Segurança, apresenta-se como uma das mais modernas propostas da categoria. As duas primeiras unidades, previstas para 2019, ficarão sediadas na Ala 2, em Anápolis (GO), e serão entregues em condições de cumprir diversas missões. Ao todo, 28 aeronaves adquiridas irão compor a frota da FAB. Robusto e de alta capacidade técnica, o KC-390 se concretizou a partir do conceito e ideais de pilotos e engenheiros da FAB que almejavam superar demandas acima das já cumpridas pelo C-130 Hércules. O novo avião, considerado a maior aeronave militar desenvolvida e fabricada no Brasil, tem cumprido todas as fases de testes nas mais diversas situações.

Produzidos com uma configuração para atuar em variados cenários e com tecnologia de ponta, os aviões cumprirão missões de transporte de cargas e de tropa, lançamento de paraquedistas, reabastecimento em voo, apoio a missões humanitárias, combate a incêndios florestais, busca e salvamento e evacuação aeromédica. Após a nova aeronave chegar a Anápolis, será iniciada a instrução aérea dos pilotos e demais tripulantes, para que, em seguida, estes possam atuar na operacionalidade e doutrina da aeronave. Devido à capacidade multimissão da aeronave, os primeiros pilotos de KC-390 foram selecionados conforme as competências adquiridas nas suas Aviações de origem, sejam Caça, Patrulha, Reconhecimento ou Transporte. Nesse sentido, um grupo

composto por militares de diferentes organizações da FAB foi criado com a proposta de atuar no projeto do jato e fazer sua implantação operacional. Além de pilotos, mestres de carga, operadores de equipamentos especiais e mecânicos também atuam no grupo. “A proposta é que possamos agregar os conhecimentos das aviações e consolidá-los à doutrina da aeronave para que ela esteja preparada para executar as ações que a Força Aérea Brasileira precisar”, destaca o Major Aviador Carlos Vagner Veiga, um dos integrantes do grupo. O KC-390 é o resultado de um esforço envolvendo a FAB e a Embraer, que apostaram no investimento em ensino e pesquisa para ter, em território nacional, profissionais altamente qualificados.

Sargento Bianca Viol / Agência Força Aérea

Testes de evacuação de tropa realizados na Ala 1, em Brasília (DF)

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Sargento Bruno Batista / Agência Força Aérea

As duas primeiras unidades do KC-390 devem ser entregues à FAB ainda em 2019

Capacidade e versatilidade Com capacidade de transportar até 23 toneladas, em velocidade máxima de 870 km/h, o jato redefine o modelo de operação de uma aeronave de transporte em ambientes diversos, pistas não preparadas e com uma autonomia destacável. Com 23 toneladas de carga a bordo, o KC-390 pode voar até 2.730 km de distância. Se a carga for de 14 toneladas, o alcance sobe para 4.914 km, o suficiente para sair de Manaus (AM) e ir até a Cidade do México ou Santiago, no Chile. Sem carga, em voo de traslado, é possível percorrer até 5.958 km de distância. Esses números são alcançados porque os tanques da aeronave podem levar 23,2 toneladas de combustível, além de o avião também poder ser reabastecido em voo. O compartimento de carga do KC-390 tem 18,5 metros de comprimento, 3,45 de

largura e 2,95 de altura, espaço suficiente para acomodar equipamentos de grandes dimensões, além de blindados, peças de artilharia, armamentos e até aeronaves. Possui, ainda, todos os acessórios necessários para facilitar o carregamento, a retenção e o descarregamento de cargas, como anéis para amarração, bandejas de roletes, trilhos e sistemas de travas eletrônicas de fixação, sendo totalmente compatível com os equipamentos de transporte aéreo militar já existentes. O jato também pode levar 80 militares equipados; ou 64 paraquedistas em uma configuração de transporte de tropa; ou, ainda, 74 macas e equipe médica em uma configuração de evacuação aeromédica. O KC-390 tem também os equipamentos necessários para transferir parte do combustível para outros aviões e helicópteros, podendo realizar duas operações de reabastecimento em voo

ao mesmo tempo. “Um KC-390 poderá reabastecer, inclusive, outro KC-390, ampliando a autonomia do segundo. Esse é um fator inédito na Força Aérea”, destaca o Capitão Aviador Anderson Dias Santiago, militar da aviação de caça que também faz parte do grupo do projeto. A capacidade de ser reabastecido em voo coloca a aeronave num patamar de alcance global e permite deslocamento logístico em tempo de paz ou de conflito, a ser realizado sem paradas em aeroportos intermediários, otimizando sobremaneira as operações aéreas. Tecnologia de ponta O KC-390 foi concebido para ser uma aeronave de transporte militar com tecnologia de ponta embarcada. O avião possui pilotagem facilitada por um sistema de comando de voo eletrônico fly-by-wire que, além de dar Aerovisão

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Sargento Bruno Batista / Agência Força Aérea Sargento Bianca Viol / Agência Força Aérea

Acima, KC-390 realiza ensaio em voo durante período de certificação civil; ao lado, detalhe da parte externa da aeronave multimissão

maior eficiência para pilotagem, também proporcionará uma integração com os demais sistemas. Um exemplo é o lançamento de carga. O uso dos controles eletrônicos vai mensurar o comportamento do avião durante a missão, que responde a essa dinâmica e repassa as informações ao piloto. A nova aeronave da FAB foi planejada para que todas as missões sejam realizadas com as capacidades e tecnologias existentes no avião. Na configuração do cockpit, são cinco displays, com telas que facilitam a navegação do piloto e a atuação nos

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comandos. O sistema de aviônicos foi desenvolvido pela empresa norte-americana Rockwell Collins, que dispensa o uso de relógios, medidores e termômetros. O KC-390 também é equipado com um avançado radar tático, com as funcionalidades Spot SAR, modos de meteorologia e ar-ar. A expressiva autonomia do jato também pode ser usada para missões de busca, com horas de voo dedicadas à localização de uma embarcação naufragada, por exemplo. Para essa missão, além de contar com postos de observação, o KC-390 é equipado

com o radar Gabbiano T20, instalado no nariz da aeronave. No modo de acompanhamento de alvos, o equipamento pode rastrear mais de 200 embarcações simultaneamente, podendo ainda ser usado no combate às atividades ilegais, como pesca predatória e pirataria. É possível também utilizar o radar para identificar manchas de óleo ou realizar o mapeamento de áreas terrestres. As aeronaves estão previstas para chegar à Ala 2 ainda este ano, mas, antes disso, a comissão de recebimento fará um check-list para a conferência


Sargento Bianca Viol / Agência Força Aérea

da aeronave, quando serão inspecionados todos os sistemas, equipamentos e funcionalidades. Ou seja, todo aparato do KC-390 será conferido para posteriormente ser executado o voo de recebimento com tripulação da Embraer e do Instituto de Pesquisas e Ensaios em Voo (IPEV). “Essa conferência é muito importante, pois caso seja detectada qualquer não conformidade, a empresa executará a devida correção para que a aeronave possa ser aceita”, explica o gerente operacional do projeto KC-390, Major Aviador Reinaldo Alves da Silva, do Comando de Preparo (COMPREP).

Certificação Em 2018, o KC-390 recebeu a certificação de Tipo de Aeronave da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), que permite que o avião possa ser comercializado e operado em todo o território brasileiro. A certificação de tipo é emitida pela ANAC quando o projeto da aeronave demonstra ter cumprido todos os requisitos operacionais, de segurança e de proteção ambiental obrigatórios para a operação. Isso evidencia que o nível de segurança da aeronave é compatível com padrões internacionais e permite que o modelo

certificado seja comercializado no Brasil e inserido no Registro Aeronáutico Brasileiro (RAB). Este ano, a aeronave passou por ensaios de certificação para o cumprimento de diversas missões, como Reabastecimento em Voo (REVO) e lançamento de carga pelos métodos Container Delivery System (CDS) e Combat Offload (saída da carga da aeronave durante o táxi, sendo depositada diretamente no solo por ação da inércia ou sobre tambores à medida que a aeronave se movimenta no solo).

KC-390 no pátio da Ala 1, em Brasília (DF), durante a cerimônia alusiva ao Dia do Aviador, no ano de 2018

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BUSCA E SALVAMENTO

Do drama ao final feliz Esquadrões da Força Aérea Brasileira acumulam histórias marcantes e emocionantes de resgates de sobreviventes em situações trágicas. TENENTE JORNALISTA JONATHAN JAYME

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Fuselagem de uma aeronave avistada pela tripulação de um H-60L Black Hawk da Força Aérea, em meio à vegetação fechada do ambiente amazônico

Esquadrão Pelicano

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e fosse possível descrever o som da esperança, provavelmente o piloto comercial Marcelo Balestrin, de 40 anos, diria que é como o som do rotor de um helicóptero. Prestes a se tornar estatística de tragédias aeronáuticas, esse foi o ruído que deu a ele e ao amigo Jhon Cleiton Venera uma chance para o recomeço da vida. Após quatro dias perdidos em mata fechada, feridos, sem alimento, água, abrigo ou expectativas de salvamento, os dois homens foram resgatados por militares da Força Aérea Brasileira (FAB) a bordo de um helicóptero H-60L Black Hawk. O acidente ocorreu em 30 de novembro do ano passado, em Cáceres (MT), a 220 quilômetros da capital Cuiabá. A aeronave, que saiu de Pimenta Bueno (RO), teria como destino Santo Antônio do Leverger (MT). Ainda em tratamento para curar as sequelas físicas da queda da aeronave PT-ICN, Marcelo também carrega as lembranças e o sentimento de gratidão. “Vou levar isso por toda a minha vida. Só posso agradecer por não terem abandonado a gente e continuarem com as buscas. Lembrarei disso eternamente”, diz. Os agradecimentos são direcionados aos tripulantes dos Esquadrões Pelicano (2º/10º GAV) e Pantera (5º/8º GAV), além dos integrantes do Esquadrão Aeroterrestre de Salvamento (EAS, também conhecido como PARA-SAR), pessoas que estão acostumadas a içar vítimas sem vida e que se emocionam ao cumprir missões de resgate com sobreviventes. “Nosso lema é nunca desistir, manter a chama da esperança acesa e dar um conforto para alguma família. Um Pelicano tem que ter essa abnegação.” Desde sua primeira fala, o Sargento Vinícius de Souza Melo, do Esquadrão Pelicano, integrante da missão que salvou as víti-

mas do PT-ICN, deixa claro como foram os dias de buscas. O militar estava a bordo do H-60L, engajado na missão na manhã do dia 3 de dezembro – uma aeronave SC-105 Amazonas já realizava buscas desde o dia 1º. As atividades do Black Hawk foram iniciadas a partir da capital mato-grossense. “Decolamos de manhã, bem cedo. Voamos até as 19h30 naquele dia com a ideia de não achar apenas destroços, mas sim os sobreviventes. Foi desgastante, mas ficamos atentos”, descreveu o sargento. No dia seguinte, os voos continuaram. A tripulação fez várias tentativas de encontrar sinais que indicassem a localização das vítimas. Ali, dentro da área de busca, mas ainda sem serem vistos, Marcelo e Jhon Cleiton lutavam pela vida. “Entramos no quarto dia de agonia. No primeiro dia eu tinha ficado preso nas ferragens. No segundo, sai de joelho e me joguei para fora”, conta o piloto comercial, que teve os dois pés, o braço direito e o maxilar fraturados, além de vários ferimentos pelo corpo. Naquele dia 4 de dezembro, ainda pela manhã, as vítimas ouviram o som do helicóptero de resgate. Tentaram sinalizar, fizeram barulho, mas ainda não foram avistados. No período da tarde, a tripulação, sem êxito, voltou à base e recebeu a ordem para fazer novas buscas. “Na primeira pernada [trecho de deslocamento pré-determinado], não avistamos a aeronave, mas alguém da tripulação teve a impressão de ter ouvido o sinal do ELT [Emergency Locator Transmitter, um sinalizador de emergência]. No retorno, passamos pelo mesmo local e um tripulante avistou a aeronave. Vimos que dois sobreviventes Aerovisão

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Marcelo Balestrin e Jhon Cleiton Venera foram resgatados após quatros dias perdidos na selva amazônica; o resgate foi realizado por militares dos Esquadrões Pelicano, Pantera e Aeroterrestre de Salvamento (PARA-SAR)

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acenavam”, relata o piloto da FAB que participou do resgate, Tenente Aviador Fábio Rachildes Pinto. Emoção O Sargento Vinícius se recorda da euforia que tomou conta da tripulação. “Foi muito bom saber que iríamos levar pessoas vivas.” O integrante do 2º/10º GAV ainda gravou o momento em que encontrou os dois pilotos acidentados. No vídeo, a emoção fica evidente nas palavras de Jhon Cleiton: “Vocês são anjos!”, gritou. As vítimas foram levadas ao Aeroporto de Cuiabá, onde foram recebidas pelo atendimento médico de urgência e pelos familiares. De lá, elas foram conduzidas até o Pronto-Socorro Municipal de Várzea Grande (MT) e transferidas para uma unidade de saúde particular de Cuiabá.

“Preciso parabenizar essa tripulação pela experiência e pelo treinamento que tiveram. Sinto-me tão feliz por ter sido resgatado por eles e sei que eles também se sentem assim. Vibramos muito e me emociono toda vez que falo sobre eles e queria muito encontrá-los novamente”, finaliza o piloto Marcelo. “Ela tinha que ir junto, também era uma sobrevivente” Quando os resgateiros do Esquadrão Harpia (7º/8º GAV), localizado em Manaus (AM), foram acionados para salvarem possíveis sobreviventes de um acidente aéreo próximo à fronteira com o Peru, certamente não esperavam encontrar a cadela Princesa entre as vítimas da queda. Em 17 de dezembro de 2018, a aeronave de matrícula PT-KIL caiu próximo à cidade de Tabatinga


Esquadrão Pelicano

assemelha ao caso de Mato Grosso quanto à emoção e aos sentimentos de missão cumprida dos militares e de alívio às vítimas, com a conclusão de mais um resgate com sobreviventes. O Capitão Waldyr descreve essa como uma das maiores alegrias que já sentiu. “Uma sensação indescritível. Quando o primeiro homem desceu e avisou que havia sobreviventes, vibramos muito

A aeronave PT-ICN foi localizada na tarde de 4 de dezembro de 2018, após quatro dias de intensas atividades de busca

Abaixo, registro das rotas de busca realizadas até a detecção da aeronave PT-ICN.

Esquadrão Pelicano

Esquadrão Pelicano

(AM) com Princesa e outros três ocupantes – o piloto José Adelmo Araujo Santiago, de 52 anos, e os passageiros Marinêz Ferreira de Souza, 35, e Francisco Sales de Souza, 16. Participante do resgate, o Capitão Médico Waldyr Moyses de Oliveira Junior lembra que a tripulação, apesar de não portar equipamentos específicos para o resgate de animais naquele dia, foi unânime quanto ao salvamento da cadela. “Uma concordância imediata: ela tinha que ir junto. Afinal de contas, ela também era uma sobrevivente”, conta ele, que é Chefe da Subseção de Saúde Operacional do Hospital de Aeronáutica de Manaus (HAMN). O militar disse que, para içar Princesa, havia ainda a dificuldade causada pelo estresse do animal. “No final, prendemos a coleira peitoral da cadela junto ao corpo do resgateiro. Ninguém ficou para trás.” A situação inusitada vivida no estado amazonense, no entanto, se

Serra do Mangaval, em Cáceres (MT): área onde o avião com dois sobreviventes foi localizado

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“Encontrá-los vivos foi uma sensação maravilhosa. Isso não tem preço para um médico, um enfermeiro, uma tripulação SAR. Em vez de resgatar corpos, encontramos sobreviventes”

Ao lado, cadela Princesa é resgatada pelo Tenente Edson Mendes da Costa; abaixo, efetivo do Esquadrão Harpia envolvido na busca do PT-KIL Esquadrão Harpia

e isso só nos incentivou a continuar a tirar aquelas pessoas dali”, relembra. Acostumado a participar de resgates, o militar relata que este era um caso que demandava ainda mais agilidade na prontidão das equipes. “Fomos informados de uma tentativa de pouso forçado, o que nos deixou com esperança de que houvesse sobreviventes. Pela possibilidade de vítimas vivas, tínhamos que agir rapidamente, decolar o quanto antes”, detalha. O helicóptero H-60 Black Hawk da FAB decolou na madrugada de Manaus para Tabatinga, uma distância de mais de mil quilômetros. “O tempo não era bom, chovia. A visibilidade era ruim, exigindo mais concentração de todos nós. Ao encontrarmos o local do acidente, verificamos que não havia condições de pouso e descemos no guincho. Primeiro foram os homens SAR [do inglês Search and Rescue, busca e salvamento], e eu desci em seguida para ajudar na condução das vítimas”, conta.

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Esquadrão Harpia Esquadrão Harpia

O Capitão ainda se lembra do cenário encontrado. De acordo com ele, José Adelmo estava mais ferido, com dores nas costas e pernas, escoriações no rosto, e precisou ser imobilizado. As outras vítimas estavam em choque. “O tempo de envolvimento no resgate foi de duas horas. Foi um nível de adrenalina muito alto, correndo contra o tempo, enfrentando chuva”, recorda o médico. Ao final, os ocupantes do avião PT-KIL foram recebidos pelo Hospital de Guarnição do Exército de Tabatinga. “Encontrá-los vivos foi uma sensação maravilhosa. Isso não tem preço para um médico, um enfermeiro, uma tripulação SAR. Em vez de resgatar corpos, encontramos sobreviventes”, emociona-se. Em alto mar Seja na terra ou no oceano, no Norte, Sul, Leste ou Oeste do país, os Esquadrões da FAB acumulam histórias de resgates de sobreviventes que marcam a vida das vítimas e dos militares. Uma missão de salvamento em alto mar, a aproximadamente 200 quilômetros da costa da cidade de Rio Grande (RS), aconteceu no dia 14 de maio de 2019. O Esquadrão Pantera (5º/8º GAV) resgatou um marinheiro de 60 anos que teve complicações cardíacas quando estava na embarcação. A Tenente Aviadora Maria Luisa Michelon Silveira fez o procedimento de içamento em convés em sua primeira missão real. “Para nós do Esquadrão, que vivenciamos situações de emergência em qualquer escala, foi indescritível a sensação de decolar para participar de um resgate real. Pessoal e profissionalmente, sinto-me realizada após o cumprimento dessa missão”, conclui.

Vítima da queda do PT-KIL sendo socorrida e transportada pelo H-60 Black Hawk da FAB Aerovisão

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ARTE: Subdivisão de Publicidade e Propaganda

Simulação de intercept ação de aeronave realizada por um A-29 Super Tucano do Esquadrão Flecha (3º/3ºGAV), sediado na Ala 5, em Campo Grande (MS)


TECNOLOGIA

Voando sem sair do chão Simulador da aeronave C-95M Bandeirante totalmente desenvolvido pela FAB, já está em uso na Ala 10 e representa economia de recursos para a Instituição. TENENTE RELAÇÕES PÚBLICAS JULIANA LOPES

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Sargento Marcella Perez / Ala10


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piloto. Nele, conseguimos simular muitas situações para estimular o raciocínio durante os procedimentos normais e de emergência. Possui a aviônica modernizada, visualização externa para os pilotos e uma melhor capacidade de monitoramento das ações pelo instrutor”, analisa o Tenente Aviador Victor Augusto da Silva, um dos instrutores. Para o Aspirante Christian Martins Pasini, o treinamento auxilia no ganho de confiança para iniciar as instruções aéreas. “As missões no simulador acrescentam muito na instrução, pois conseguimos praticar procedimentos e, principalmente, situações de emergência que não seriam possíveis de serem simuladas em um voo real”, constata. A necessidade do simulador surgiu depois que a Força Aérea Brasileira (FAB) recebeu os aviões Bandeirante modernizados, pois existem

simuladores da aeronave apenas no modelo original, em que os controles dos sistemas são analógicos, não compatíveis com a nova versão da aeronave. Para garantir o treinamento dos pilotos, a FAB mantinha um contrato de uso do simulador na versão do modelo original. “Nós temos uma série de demandas na instrução que são atendidas com a utilização do novo equipamento. Com certeza isso irá gerar um ganho operacional para os nossos aspirantes que, no futuro, vão mobilizar as Unidades Operacionais da FAB”, avalia o Comandante do Esquadrão Rumba, Tenente-Coronel Aviador Eduardo Fatme Michelin, responsável pelo Curso de Especialização Operacional no 1º/5º GAV e também pela doutrina operacional da aeronave C-95M Bandeirante na Força Aérea.

Sargento Marcella Perez / Ala10

s futuros pilotos da aeronave C-95M Bandeirante já contam com um novo equipamento que vai auxiliar na sua formação: o FTD (do inglês Flight Training Device, Dispositivo de Treinamento de Voo). A inauguração ocorreu no dia 22 de abril, na Ala 10, em Parnamirim, região metropolitana de Natal (RN). Nessa organização, os aviadores formados na Academia da Força Aérea (AFA), em Pirassununga (SP), fazem o curso de especialização operacional. O FTD reproduz exatamente a cabine do avião, os controles, os sistemas eletrônicos e as situações de emergência que podem ocorrer durante o voo. Ele é utilizado principalmente pelo Esquadrão Rumba (1º/5º GAV) na especialização operacional dos pilotos. “Como instrutor eu acho uma excelente ferramenta para o treinamento do

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Sargento Marcella Perez / Ala10 Sargento Marcella Perez / Ala10

Novo simulador do C-95M foi desenvolvido no CCA-SJ, em São José dos Campos (SP)

Soldado Macário / Ala 10

Aspirantes em especialização no Esquadrão Rumba, na Ala 10, já utilizam o equipamento

Desenvolvimento O projeto foi totalmente desenvolvido pelo Centro de Computação da Aeronáutica de São José dos Campos (CCA-SJ). Uma equipe especializada, composta por 13 militares, entre aviadores, engenheiros e graduados das áreas de tecnologia da informação e eletrônica, foi liderada pelo Chefe da Divisão Técnica do Centro de Computação, Coronel Engenheiro Sérgio Ricardo de Assis. “A capacidade técnica da equipe foi determinante para o desenvolvimento do equipamento. Realizamos um trabalho de engenharia extremamente complexo, com foco e comprometimento para entregar o necessário no prazo definido”, afirma o Coronel Sérgio Ricardo. O desenvolvimento do primeiro simulador operacional da FAB significa a aquisição de uma nova expertise pela Força Aérea, trazendo maior autonomia para a continuidade das atividades operacionais. Para garantir a adequada manutenção do equipamento, durante o período de implantação do simulador, uma equipe do Grupo de Logística (GLOG) da Ala 10 foi capacitada pelo CCA-SJ para realizar as manutenções rotineiras nas máquinas. Além de elaborarem o Manual de Utilização, os técnicos do CCA-SJ ministraram um treinamento que durou cerca de um mês aos graduados da Seção do Simulador do GLOG. “Nós fomos capacitados para realizar a manutenção rotineira da plataforma eletrônica responsável pelos comandos da aeronave. O maior desafio foi entender a linguagem específica da aviação, porque, sendo da área de informática, não havíamos trabalhado com aviação ainda. Mas, interagindo com os instrutores e estagiários, aprendemos”, ressalta o Sargento Jhonatan da Costa Sena, um dos integrantes da equipe.

Simulador desenvolvido pelo CCA-SJ reproduz cockpit modernizado do C-95M Bandeirante Aerovisão

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operacional no Bandeirante, e em um tempo menor do que o ofertado por outros fabricantes. “O mais importante é a capacidade de identificar o que é necessário para a FAB e tomar uma boa decisão entre comprar ou fazer. Para esse projeto, refletimos sobre até que ponto era interessante comprar e o que era melhor desenvolver, aproveitando soluções que já existem no mercado e as capacidades disponíveis na Força”, analisa o Chefe do CCA-SJ, Coronel Aviador Rainer Ferraz Passos.

Segundo o levantamento feito pelo Centro de Computação, comparando as etapas de aquisição ou pesquisa e desenvolvimento para construção do simulador, o custo do equipamento fabricado pela Força Aérea foi inferior a R$ 200 mil. Entre as propostas recebidas pela FAB, a de menor valor ultrapassou os R$ 6 milhões. Ao longo de 20 anos de operação, a estimativa é que o simulador do CCA-SJ tenha um custo final de cerca de R$ 2,65 milhões. Se o equipamento

Sargento Marcella Perez / Ala10

Comprar ou fazer? Em 2018, após tentativas de contratar empresas de tecnologia aeroespacial capazes de produzir o simulador do Bandeirante modernizado, o CCA-SJ elaborou um estudo de viabilidade incluindo como alternativa o desenvolvimento de um simulador de voo de baixo custo para o C-95M, produzido pelo próprio Centro de Computação. O estudo demonstrou que seria possível desenvolver um equipamento financeiramente viável, que atendesse às necessidades da formação e elevação

Além de ser mais barato que a aquisição de um equipamento, a construção de um simulador próprio propiciará também uma economia a longo prazo para a FAB: em 20 anos, é estimado que sua manutenção poupe mais de R$ 40 milhões comparado a equipamentos concorrentes

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Sargento Marcella Perez / Ala10

Após concluir o simulador do C-95M Bandeirante, o CCA-SJ se dedica a uma segunda unidade do equipamento e planeja, ainda, desenvolver um simulador para reproduzir o voo do T-27 Tucano, avião utilizado para instrução aérea de cadetes na AFA

tivesse sido fornecido por uma empresa privada, a FAB teria um gasto final estimado em mais de R$ 44,4 milhões. Além disso, a Instituição espera reduzir os custos com o contrato para uso em instituições privadas, com o transporte e com a estada dos instrutores e alunos fora de sede. Agora, o CCA-SJ tem como projeto se dedicar a uma segunda unidade do FTD C-95M Bandeirante. Ao mesmo tempo, a organização já começou a planejar uma nova proposta para simulação de voo do T-27 Tucano,

“O mais importante é a capacidade de identificar o que é necessário para a FAB e tomar uma boa decisão entre comprar ou fazer”

aeronave utilizada pela Academia da Força Aérea (AFA) para a instrução aérea dos cadetes aviadores. A ideia é explorar ainda mais as possibilidades. “Para o desenvolvimento desse simulador, pretendemos usar o cenário com cockpit, como fizemos para o C-95M, e, em paralelo, um dispositivo com óculos de realidade virtual. Os instrutores da AFA vão experimentar as duas opções e levantar os requisitos necessários para que cada modelo funcione na instrução, para definirmos qual a melhor solução”, antecipa o Coronel Rainer. Aerovisão

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DESENVOLVIMENTO

Projetos que compensam Acordos de compensação relacionados a projetos estratégicos da Força Aérea Brasileira (FAB) trazem benefícios para a indústria nacional de defesa. No caso dos projetos F-39 Gripen e KC390, mais de 20 empresas e instituições públicas nacionais são beneficiadas, principalmente, com transferência de tecnologia. TENENTE JORNALISTA EMÍLIA MARIA

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SAAB

O desenvolvimento do F-39 Gripen, em parceria com a Suécia, prevê a transferência de tecnologia para o Brasil

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Sargento Bruno Batista / Agência Força Aérea

A COPAC conta com assessoria técnica do Instituto de Fomento e Coordenação Industrial (IFI) para acompanhar e fiscalizar a execução de acordos

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pensação – ou Offsets – relacionados ao desenvolvimento e à fabricação das duas aeronaves. A COPAC é responsável por gerenciar os projetos de desenvolvimento, aquisição e modernização de equipamentos e sistemas aeronáuticos. Segundo informações apresentadas pela Comissão, a FAB formaliza o compromisso e as obrigações de cada fornecedor ou subfornecedor estrangeiro para compensar as importações realizadas. Relacionado ao Projeto F-39 Gripen, foi firmado um Acordo de Compensação diretamente

IFI

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róximas a terem suas operações iniciadas na Força Aérea Brasileira (FAB), as aeronaves F-39 Gripen e KC-390 representam benefícios que vão além das novas capacidades que trarão para as Forças Armadas. Para a indústria brasileira, os Projetos FX-2 e KC-390 – como são chamados no âmbito da FAB – possibilitaram uma série de acordos e vantagens. Segundo a Comissão Coordenadora do Programa Aeronave de Combate (COPAC), existem mais de 20 empresas e instituições públicas beneficiadas pelos Acordos de Com-

Equipe de Especialistas do IFI em visita técnica à fábrica da SAAB para acompanhamento dos Projetos de Transferência de Tecnologia


“Apenas no primeiro semestre de 2019, a COPAC realizou cinco processos relacionados a obrigações de compensação referentes aos projetos F-39 Gripen e

Sargento Paulo Rezende / Agência Força Aérea

KC-390"

Apenas com a SAAB, Projeto Gripen rendeu ao Brasil 63 contratos de Offset, beneficiando empresas e instituições nacionais

com a empresa SAAB, envolvendo a realização de 63 contratos de Offset, beneficiando empresas e instituições públicas brasileiras. No que se refere ao Projeto KC-390, são quatro Acordos com subfornecedores estrangeiros, totalizando 20 contratos de compensação. E as assinaturas continuam acontecendo, conforme explica o Chefe da Subdivisão de Acordos de Compensação, Tenente-Coronel Intendente Rodrigo Antônio Silveira dos Santos. “Apenas no primeiro semestre de 2019, a COPAC realizou cinco processos relacionados a obrigações de compensação referentes aos projetos F-39 Gripen e KC-390”, contabiliza. Um dos mais recentes, o Acordo de Compensação assinado com a International Aero Engines (IAE) – empresa responsável por componentes do KC-390, por exemplo, traz cinco projetos de Offset, implementados em diferentes Estados do Brasil, como São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Goiás e Amazonas. O objetivo é a capacitação nacional para a realização de serviços de revisão geral (overhaul) e inspeções do tipo HSI (Hot Section Inspection) de motores produzidos pela Pratt & Whitney Canadá (PWC). O valor total de créditos de Offset deste acordo é de mais de 900 milhões de dólares. “A PWC trabalha com motores e está capacitando empresas e instituições públicas nacionais para prestarem o apoio e realizarem a manutenção desses sistemas no futuro”, comenta o Tenente-Coronel Silveira. Ele explica que a frota de aeronaves civis e militares na América do Sul utiliza 7.200 motores PWC, sendo 3.400 somente no Brasil, em aplicações nas áreas militar, agrícola e comercial. Assim, com a conclusão de todos os projetos relacionados a esse acordo, a IAE e a PWC terão estabelecido no Brasil a mais extensiva rede de reparo e de revisão geral sul-americana, capaz de atender aos clientes militares e civis da região. Aerovisão

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Entenda os Acordos de Compensação Em 2002, o Ministério da Defesa aprovou a Política e as Diretrizes de Compensação Comercial, Industrial e Tecnológica, atualizada por meio da Portaria Normativa nº 61, de 22 de outubro de 2018. Entre as estratégias previstas no documento, está definido que devem ser utilizados “o poder de compra e o poder concedente das Forças Armadas para a negociação de práticas compensatórias, baseadas nas significativas importações do setor de produtos de defesa”. Portanto, os Acordos de Compensação, também conhecidos como Offset, referem-se a qualquer prática compensatória originada de uma importação de bens ou serviços por parte do governo, com a intenção de gerar benefícios de natureza industrial, tecnológica e comercial para o país comprador. As transações de Offset mais adotadas pelo Brasil, presentes em mais de 80% dos projetos, envolvem algum grau de transferência de tecnologia, concretizada por meio de treinamentos

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“O Offset se resume pela ideia de reciprocidade, ou seja, se o Brasil faz um grande investimento no exterior, precisa se beneficiar de alguma maneira. Então, o que se tenta fazer é aumentar a autonomia tecnológica das empresas da Base Industrial de Defesa (BID). Não há uma contrapartida financeira direta, mas os projetos são valorados para garantir que atinjam 100% da compensação acordada”

teóricos e práticos, cessão de documentação técnica, licenças, suporte técnico e transferência de hardware e software. Além da transferência de tecnologia, também é comum a contratação de mão de obra nacional, sendo o ideal que um projeto de Offset possua uma combinação dessas transações. “O Offset se resume pela ideia de reciprocidade, ou seja, se o Brasil faz um grande investimento no exterior, precisa se beneficiar de alguma maneira. Então, o que se tenta fazer é aumentar a autonomia tecnológica das empresas da Base Industrial de Defesa (BID). Não há uma contrapartida financeira direta, mas os projetos são valorados para garantirmos que atinjam 100% da compensação acordada”, reforça o Tenente-Coronel Silveira. A FAB também possui a Política e Estratégia de Compensação Comercial, Industrial e Tecnológica, documentada por meio da Diretriz do Comando da Aeronáutica (DCA) nº 360-1, que detalha a atuação da Aeronáutica nos processos de Offset.

COPAC

International Aero Engines (IAE) firmou Acordo em decorrência da aquisição do V2500-ES, motor empregado no KC-390


Acompanhamento Para acompanhar e fiscalizar a execução de cada acordo sob sua responsabilidade, bem como implementar Projetos de Compensação junto às empresas beneficiárias, a COPAC conta com a assessoria técnica do Instituto de Fomento e Coordenação Industrial (IFI), unidade da FAB subordinada ao Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA). O Instituto concentra especialistas para prover assessoria técnica de alto nível e orientar as organizações contratantes na condução das negociações e no cumprimento dos Acordos de Compensação. “Prestamos assessoria em todas as fases do processo, desde a emissão dos requisitos do instrumento convocatório, na seleção e análise dos projetos, na negociação do contrato e, posteriormente, na fiscalização da execução dos projetos e reconhecimento

dos Créditos de Compensação”, explica o Chefe da Subdivisão de Compensação Industrial, Comercial e Tecnológica do IFI, Major Especialista em Comunicações Alexander de Mello Lima. Para trabalhar diariamente com algum dos aproximadamente 170 projetos de Offset acompanhados pelo IFI, a unidade dispõe de profissionais de diversas áreas, como engenharia, administração e contabilidade, que se dedicam exclusivamente à atividade.“Só em 2018, emitimos mais de 50 pareceres sobre transações de Offset que somavam cerca de 1,2 bilhão de dólares. Esses pareceres são extremamente importantes para a certificação de que a transferência de tecnologia e demais benefícios fossem efetivamente concretizados”, ressalta o Major Mello. De acordo com o militar, o Offset representa uma ferramenta para inserir as empresas do Parque Industrial

Aeroespacial Brasileiro no mercado global. “Usando uma metáfora, é possível dizer que os benefícios advindos do Offset são como sementes entregues às empresas, que podem frutificar, dependendo do solo que as recebe (esforço da beneficiária) e das condições climáticas (condições do mercado em geral)”, exemplifica. O Tenente-Coronel Silveira reforça essa potencialidade. “O Offset não é da COPAC ou da FAB, é do Brasil. Estamos pensando no país e, para agregar valor à Base Industrial de Defesa, buscamos projetos que sejam sustentáveis. O melhor resultado, por exemplo, é aquele em que um projeto venha a gerar exportação. Ou seja, que nossas empresas montem estruturas de negócio que tragam para o país competências que futuramente se sustentem sozinhas e que sejam competitivas não apenas no mercado nacional”, defende.

Sargento Bianca Viol / Agência Força Aérea

Uma das atribuições do IFI é acompanhar ensaios de certificação, como foi o caso dos testes para evacuação de tropas do KC-390

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ARTE: Subdivisão de Publicidade e Propaganda

Aeronave C-97 Brasília pousa no aeródromo de São Joaquim (AM), para apoiar o Pelotão Especial de Fronteira (PEF) sediado na localidade


Sargento Johnson Barros / Agência Força Aérea

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Acordo viabiliza o uso comercial do Centro de Lançamento de Alcântara

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o início de 2019, os governos do Brasil e dos Estados Unidos da América assinaram, em cerimônia oficial em Washington (DC), o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST), que trata da proteção de tecnologias sensíveis e estratégicas na área espacial, com vistas a evitar a sua proliferação e que elas possam cair em mãos erradas. Tal Acordo tem o potencial de viabilizar a comercialização de operações de lançamento de satélites e outros artefatos espaciais que possuam tecnologia norte-americana embarcada a partir do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), organização da Força Aérea Brasileira (FAB). Após a ratificação do Acordo pelo Congresso Nacional, o CLA poderá realizar lançamentos de foguetes e espaçonaves, com fins pacíficos, de quaisquer nacionalidades, que contenham componentes americanos. Confira oito perguntas e respostas sobre o tema. TENENTE JORNALISTA FELIPE BUENO

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Sargento Johnson Barros / Agência Força Aérea

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Em linhas gerais, do que se trata o acordo? O Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) representa um compromisso entre dois países de modo que estes se comprometem a proteger e garantir que suas respectivas tecnologias e patentes estejam seguras contra a utilização ou a cópia indevida. Assegura, ainda, que, mesmo em uma operação envolvendo mais de um país, cada um terá sua tecnologia protegida e respeitada. Tal acordo é comum entre as nações que possuem ou operam centros de lançamento espaciais. O Brasil já tem um acordo dessa natureza com a Ucrânia; e os Estados Unidos têm com Rússia, China, Índia, Ucrânia e Nova Zelândia. Especificamente nesse AST, os Estados Unidos autorizam o Brasil a lançar foguetes e espaçonaves, nacionais ou estrangeiras, que contenham componentes ou tecnologias americanas. O Brasil, por sua vez, garante que a tecnologia norte-americana contida nesses artefatos esteja protegida. Assim, o AST propicia que as instalações do CLA possam ser utilizadas para o manuseio de tecnologias norte-americanas em atividades comerciais de operações de lançamento de foguetes, garantindo investimentos por meio de contratos comerciais com empresas nacionais e internacionais.

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Sargento Bruno Batista / Agência Força Aérea

Acima, detalhe da plataforma de lançamento; abaixo, instalações do serviço de meteorologia do CLA

Por que os Estados Unidos? Sem o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas com os Estados Unidos, qualquer centro espacial do Brasil ficaria impedido de operar artefatos que contenham algum componente ou tecnologia norte-americana, e esta é a barreira para a ampla atividade comercial no CLA. Atualmente, aproximadamente 80% dos artefatos espaciais em todo o mundo possuem algum componente norte-americano. Logo, sem o AST com os Estados Unidos, a atividade comercial seria economicamente inviável e o Brasil ficaria praticamente fora do mercado de lançamentos espaciais. É do interesse do Brasil fomentar esse tipo de atividade comercial, pois gerará recursos substanciais para o desenvolvimento local, regional e para o Programa Espacial Brasileiro. Para os Estados Unidos, o AST é uma proteção tecnológica. Para o Brasil, é a oportunidade de agregar recursos e viabilizar a consolidação do Programa Espacial Brasileiro, gerando desenvolvimento tecnológico, social e econômico para o País.


Alcântara será utilizada para atividades bélicas? Não. Além de ser direcionado para o uso comercial, o Acordo impede a atividade que não tenha cunho pacífico no CLA. No Artigo III do AST, o Brasil se compromete a não permitir o lançamento, a partir do CLA, de qualquer artefato de propriedade ou sob controle de países que estejam sujeitos a sanções estabelecidas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas ou que tenham governos que prestam apoio a atos de terrorismo internacional. Entre outros compromissos, o Brasil é signatário, desde 1995, do Regime de Controle de Tecnologias de Mísseis (MTCR, da sigla em inglês Missile Technology Control Regime). Criado em 1987 pelo Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e Estados Unidos, o MTCR é um acordo internacional de caráter político, entre 35 países, destinado a limitar a proliferação de tecnologias que possam ser utilizadas na confecção de armas de destruição em massa, químicas, biológicas e nucleares, e seus vetores, os mísseis. Por isso, o CLA não permitirá o ingresso de equipamentos, tecnologias, mão-de-obra ou recursos financeiros oriundos de países que não sejam membros do MTCR, exceto se acordado entre Brasil e Estados Unidos.

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Sargento Bruno Batista / Agência Força Aérea

O acordo coloca em risco a soberania do Brasil sobre o CLA? Não! O AST não é um acordo militar, tampouco está relacionado à implantação de uma base norte-americana em Alcântara ou ao uso exclusivo do CLA pelos Estados Unidos. O AST apenas autoriza o Brasil a lançar foguetes e satélites, nacionais ou internacionais, que contenham componentes norte-americanos. Toda a jurisdição e controle da área são brasileiros: transporte, processos aduaneiros, tudo será analisado por autoridades brasileiras, em conjunto com representantes norte-americanos. O Acordo prevê que todo transporte de veículos de lançamento, espaçonaves, equipamentos e afins, para ou a partir do território brasileiro, deverá ser autorizado e, se necessário, monitorado pelo Governo dos Estados Unidos. No Brasil, tais artefatos passarão pelo controle alfandegário de acordo com as leis e regulamentos brasileiros, serão acompanhados por uma declaração de conteúdo do Governo dos Estados Unidos e poderão ser inspecionados por brasileiros na presença de representantes do Governo norte-americano, garantindo que não haja nenhum equipamento não relacionado a atividades de lançamento. O acesso ao CLA será controlado normalmente pelo Ministério da Defesa, com a participação da Agência Espacial Brasileira (AEB), do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e de outras instituições. As áreas restritas, onde devem ser manipuladas as tecnologias americanas, serão designadas pelo Brasil e pelo Estados Unidos, sempre dentro da jurisdição do território nacional, inclusive com acesso permitido aos órgãos policiais, em casos de emergência. Cabe esclarecer que o Brasil pode aprovar ou restringir o acesso de pessoas credenciadas pelos EUA. Todas as situações sempre serão de comum acordo.

Sargento Bruno Batista / Agência Força Aérea

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Sargento Bruno Batista / Agência Força Aérea

O CLA possui estrutura para operar comercialmente e, à medida que diferentes veículos forem lançados, seu portfólio também aumentará

Quais os benefícios para o Brasil e para o Maranhão? O mercado espacial global movimenta cerca de US$ 350 bilhões anualmente, e estima-se que, até 2040, a cifra alcance US$ 1 trilhão anuais. A operação comercial de um centro espacial pode dar ao Brasil o potencial necessário para se inserir de forma contundente no setor espacial. Estabelecendo uma meta conservadora, após a aprovação do AST, se o Brasil obtiver 1% do volume negociado na área espacial global, isso representa-

ria uma receita de US$ 10 bilhões por ano a partir de 2040. Assim, o investimento no Programa Espacial Brasileiro (PEB) seria alavancado, beneficiando o País e, especialmente, a região onde o CLA está situado. Além de gerar empregos e impulsionar as atividades comerciais locais, a integração do Centro com a comunidade também gerará melhorias na educação local, com a formação de mão de obra especializada e no incremento da infraestrutura básica do município e da região, incluindo acesso à banda

larga, saneamento, segurança pública, entre outros. Estima-se que o Brasil perdeu aproximadamente US$ 3,9 bilhões (aproximadamente R$ 15 bilhões) em receitas de lançamentos não realizados, considerando-se apenas 5% dos lançamentos ocorridos no mundo nos últimos 20 anos, além de não desenvolver o potencial tecnológico e econômico da região. A atividade comercial do futuro Centro Espacial de Alcântara (CEA) será o indutor do surgimento de um polo tecnológico na região de Alcântara.

Sargento Johnson Barros / Agência Força Aérea

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A localidade de Alcântara (MA) foi selecionada pela Missão Espacial Completa Brasileira (MECB) na década de 1980 para abrigar o CLA

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Por que é tão importante que isso seja feito em Alcântara especificamente? O litoral norte do Brasil é uma localidade privilegiada para abrigar centros de lançamento. Próxima ao Equador, a área possui ótima capacidade para lançamentos de artefatos espaciais tanto em órbitas equatoriais quanto polares. No início dos anos 1980, especialistas membros da Missão Espacial Completa Brasileira (MECB) analisaram locais que pudessem atender aos requisitos técnicos e logísticos para sediar um centro espacial. A Força Aérea Brasileira, inclusive, já operava o Centro de Lançamento da Barreira do Inferno (CLBI), em Natal (RN), mas os estudos evidenciaram severas restrições para lançamentos de veículos maiores a partir daquele Centro. Assim, Alcântara (MA) se destacou entre as cidades concorrentes, ganhando um Centro de Lançamento em 1983.

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O CLA tem a infraestrutura necessária para tais operações? Sim. O CLA tem a infraestrutura necessária pronta para lançamentos. Porém, mesmo com equipamentos modernos, diferentes modelos de veículos lançadores demandam instalações específicas. Quando adaptações forem necessárias para o lançamento de determinado veículo, as modificações e investimentos necessários serão de responsabilidade das empresas interessadas. Quanto mais empresas utilizarem o Centro de Lançamento de Alcântara, maior será o portfólio do Centro para atender a cada situação específica.

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GOOGLE IMAGENS

O Acordo de Salvaguardas Tecnológicas não prevê a transferência de tecnologia entre Brasil e Estados Unidos, mas os investimentos obtidos por meio da utilização comercial do CLA fomentarão o setor espacial

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Os países vão trocar tecnologias entre si? Isso pode atrasar o desenvolvimento espacial do Brasil? O Acordo não trata da transferência de tecnologia entre os países e nada impede o desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro. No entanto, os investimentos e a experiência obtida com a utilização comercial do CLA podem impulsionar o setor no Brasil. Ainda em função da aprovação do AST e da inserção do Brasil no multibilionário mercado espacial internacional, será possível estabelecer cooperações internacionais com outros países, o que poderá alavancar o Programa Espacial Brasileiro, promovendo pesquisas científicas em tecnologias de ponta e alavancando o desenvolvimento sustentável da base industrial do setor espacial no Brasil. Aerovisão

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VOO MENTAL

Os artigos publicados nesta coluna são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam necessariamente a opinião do Centro de Comunicação Social da Aeronáutica

Arquivo pessoal

Força Aérea Brasileira combina defesa-ensino-inovação-indústria

Por, Ricardo Sennes. Economista e Doutor em Relações Internacionais. Senior Fellow do Atlantic Council (Washington, DC) e do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI)

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ão é trivial definir o papel estratégico e o desenho das Forças Armadas de um país. Pesam nessa discussão as ambições e o contexto geopolítico do país, as concepções dominantes e o histórico das lideranças militares, capacidade econômica e tecnológica disponíveis, grau de integração entre elites civis e militares, desafios colocados no campo da segurança interna, disponibilidade orçamentária, dentre vários outros fatores. Em contextos onde ameaças de guerras são reduzidas e o desafio geopolítico se concentra cada vez mais no diferencial entre as capacidades econômicas, produtivas e tecnológicas dos países, fica cada vez mais evidente que a definição do papel das Forças Armadas não se refere apenas ao componente militar e segurança stricto sensu. Essa definição pode, e deve, estar diretamente relacionada com outros temas de interesse do país. Nos dias de hoje, os componentes não militares dessa definição passaram a ser tão relevantes quanto os estritamente militares. Será na articulação e no mútuo refor-

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ço entre as políticas no campo da defesa e segurança com as políticas industriais, tecnológicas, educacionais, de segurança pública, de integração logística e territorial, de gestão de informação, que residirá o vigor e o sentido estratégico das Forças Armadas. A forma pela qual se estruturou e atua a Força Aérea Brasileira parece se aproximar a essa visão. Com o avanço dos acordos multilaterais – tanto na Organização Mundial do Comércio, como na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico –, que restringem os incentivos às empresas, o desenvolvimento de programas de tecnologia dual ganha ainda mais importância. A crescente necessidade de escolas voltadas à engenharia em áreas críticas faz dos investimentos na formação de quadros das Forças Armadas um importante vetor para isso. A estruturação de centros de pesquisas aplicadas trabalhando com tecnologias de ponta

A estruturação de centros de pesquisas aplicadas trabalhando com tecnologias de ponta e combinando projetos civis e militares é outro espaço para forte integração entre esforço militar e civil. e combinando projetos civis e militares é outro espaço para forte integração entre esforço militar e civil. Se o primeiro exemplo nos remete à Embraer e empresas coligadas, o segundo nos remete ao Instituto Tecnológico de Aeronáutica e o terceiro ao Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial e ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. O Brasil apresenta todas as condições para que esse conceito de integração

entre projeto de defesa e segurança e o projeto de desenvolvimento econômico, tecnológico e de integração do país seja implementado de forma enfática. Sendo um país continental com amplas fronteiras terrestres e marítimas, com enorme população embora concentrada em grandes cidades costeiras, com economia vultosa e com razoável grau de industrialização, mas com enorme atraso tecnológico, inserido em um contexto com baixíssima ameaça externa tradicional, mas com enormes desafios relativos à ameaças externas não tradicionais e segurança interna, existe um espaço significativo para fazer do esforço militar parte da agenda de avanço produtivo e tecnológico do país. Segundo o relatório de 2017 do Stockholm International Peace Research Institute, o Brasil tem gastos militares de cerca de USD 23 bilhões ao ano. É o 13º maior orçamento militar do mundo. Estamos atrás, obviamente, das grandes potências – Estados Unidos, Reino Unido, França, China, Rússia -, mas também atrás de países como Austrália (USD 25 bilhões) e Arábia Saudita (USD 64 bilhões). Em termos de gastos militares com o % do PIB, o Brasil figura em uma posição intermediária, com cerca de 1,3%. Bem longe de países como Estados Unidos, França, Índia – cujos gastos ficam entre 2,3 e 3,3% do PIB -, e da Rússia, cujos gastos são surpreendentemente de 5,3% do PIB. Porém, estamos acima de países como México (0,6%), Canadá (1%) e Indonésia (0,9%). Dessa forma, o contexto é favorável para o Brasil ampliar de forma decisiva o esforço de educação, inovação e empreendimentos em áreas críticas ao desenvolvimento do país, tendo as tecnologias duais de nova geração como eixo estruturador. A FAB já deu exemplo de que isso é possível. Trata-se agora de pensarmos em ampliar e aperfeiçoar esse conceito.




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