Revista Visão Classista nº 5

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ENTREVISTA  Luiza Erundina cobra independência dos movimentos sociais

N­° 05 - Março de 2011

Sindicalismo em novo patamar

UMA NOVA JANELA CULTURA para a participação das mulheres no Brasil

em favor da cidadania e do desenvolvimento


índice Visão Classista é uma revista trimestral, publicada pela CTB – Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil. DIREÇÃO EXECUTIVA Presidente Wagner Gomes DIRETORIA Nivaldo Santana, David Wylkerson de Souza, Vicente Selistre, Márcia Almeida Machado, Pascoal Carneiro, Salaciel Fabrício Vilela, Vilson Luiz da Silva, Gilda Almeida, Celina Arêas, Joílson Antonio Cardoso, Carlos Rogério Nunes, Severino Almeida, João Batista Lemos, Eduardo Navarro, Raimunda Gomes (Doquinha), Paulo Vinicius Santos da Silva, Valmira Luzia da Silva, Maria do Socorro Nascimento Barbosa, Elias Bernardino, Sérgio de Miranda, Hildinete Pinheiro Rocha, Fátima dos Reis e João Paulo Ribeiro CONSELHO EDITORIAL Altamiro Borges, André Cintra, Augusto Cesar Petta, Eduardo Navarro, Fernando Damasceno, Gilda Almeida, Madalena Guasco, Joilson Antonio Cardoso, Márcia Almeida Machado, Nivaldo Santana, Umberto Martins, Wagner Gomes. REDAÇÃO Secretário de Imprensa e Comunicação Eduardo Navarro Equipe Cinthia Ribas, Fabio Ramalho, Fernando Damasceno e Láldert Castello Branco Colaboradores desta edição André Cintra, Joanne Mota, Luana Bonone e Lejeune Mirhan Diagramação e capa Márcio Lima Ilustração de capa Elifas Andreato Projeto gráfico Caco Bisol Impressão HR Gráfica Tiragem 10 mil exemplares

SINDICALISMO EM NOVO PATAMAR Conselho de Relações do Trabalho fortalecerá ação classista PÁGINA 4

PAUTA SINDICAL 1º de Maio unificado PÁGINA 32 ORGANIZAÇÃO SINDICAL Congresso da FSM reafirma compromissos classistas PÁGINA 36 ENTREVISTA LUIZA ERUNDINA Deputada cobra bandeiras políticas do movimento sindical PÁGINA 10 SINDICALISMO Portuários são desrespeitados em seus direitos PÁGINA 15 BRASIL Empoderamento das mulheres no mais alto cargo da nação PÁGINA 19

AGENDA SINDICAL As principais atividades do mundo sindical entre os meses de março a maio PÁGINA 42

MOVIMENTOS SOCIAIS UBM luta pela emancipação da mulher PÁGINA 24 ISSN 2179-829X Av. Liberdade, 113 – 4º andar - Liberdade São Paulo – SP CEP 01503-000 Fone: (11) 3106-0700 E-mail: imprensa@ctb.org.br

INTERNACIONAL A luta dos trabalhadores egípcios PÁGINA 40

PONTO DE VISTA Os desafios da cultura no governo Dilma PÁGINA 28

ARTIGOS CONJUNTURA SINDICAL Wagner Gomes PÁGINA 9 MULHER Raimunda Gomes PÁGINA 23 MUNDO DA COMUNICAÇÃO Altamiro Borges PÁGINA 27


Maturidade política

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cenário político do país tem possibilitado uma maior participação da sociedade civil, através de sua representação, os movimentos sociais, na elaboração de pautas de reivindicações, na formulação e cobrança de políticas públicas, bem como em sua participação ativa – como ator principal – na esfera pública de decisões, o que tem alargado o conceito de democracia no ideário popular. Esta participação de forma protagônica da sociedade civil, na definição de seus rumos, leva a transformação da própria arena política ao ampliar o número de personagens no tabuleiro do xadrez. Essa maturidade política se expressa na participação das centrais sindicais brasileiras em decisões importantes para a classe trabalhadora. Sua atuação unitária – entre o final de 2010 e o início de 2011 – na luta pela valorização do salário mínimo, que juntamente com o reajuste dos vencimentos dos aposentados e pensionistas e na correção da tabela de imposto de renda, demonstra o papel primordial que o movimento sindical deve ter em relação aos embates referentes ao processo de valorização do trabalho. De um lado está o capital e seus representantes políticos; do outro está o povo e suas organizações. No caso específico do reajuste do salário mínimo, ficou provado que em determinadas situações e em determinados momentos essa maturidade leva o movimento sindical a ter posturas de independência e autonomia não só aos patrões, mas também em relação aos governantes. Outra faceta dessa maturidade está na decisão das cinco centrais sindicais (CTB, FS, NCST, UGT e CGTB) em convocar um único ato nacional do dia do trabalhador deste ano. O 1º de Maio Unificado

deverá reunir, em São Paulo, mais de dois milhões de pessoas para ouvir as bandeiras de lutas contidas na Agenda da Classe Trabalhadora, aprovadas na 2ª Conclat, em junho de 2010. A CUT não aderiu ao chamamento conjunto das demais centrais sindicais alegando já ter definido outra estratégia para essa data. Os novos rumos se espraiam, também, para a participação da mulher no cenário político. Assistimos ao Brasil eleger a sua primeira presidenta após mais de um século de República, galgando o mais alto cargo de mandatária de uma nação. Diferentemente do que vem sendo insinuado pela grande mídia, a eleição de Dilma Rousseff não foi fruto da “esperteza” política do ex-presidente Lula, mas o resultado da luta cotidiana, tenaz e determinada dos movimentos sociais, notadamente, das organizações que lutam pela emancipação das mulheres. Este esforço para o empoderamento da mulher é consequência natural da ampliação da participação feminina nos espaços em que antes eram reservados apenas para os homens. Ações como a política de cotas para as mulheres, a luta pela igualdade de remuneração e ascensão profissional, ou mesmo a formação sindical voltada para as trabalhadoras, possibilitam a consolidação de novas lideranças nas organizações populares e de representação. Os exemplos de acerto desta diretiva nos chegam aos montes seja no próprio movimento sindical, com a eleição de presidentas de suas entidades, seja no parlamento com a eleição de vereadoras e deputadas por todo o país. A mulher, enfim, vai se ocupando de cargos e funções determinados pela sociedade, independentemente do critério gênero ou sexo.

EDUARDO NAVARRO

EDITORIAL

Essa maturidade política se expressa na participação das centrais sindicais brasileiras em decisões importantes para a classe trabalhadora

Eduardo Navarro Secretário de Imprensa e Comunicação da CTB

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CAPA

sindicalismo em novo Fernando Damasceno

“As ideias dominantes de uma época nunca passaram das ideias da classe dominante”. Karl Marx

À

primeira vista, a famosa frase de Marx soa um tanto quanto óbvia. No entanto, por trás da constatação de que ao longo dos tempos os mais poderosos sempre impuseram sua vontade, está a compreensão de que é a partir da luta de classes que a história se movimenta. Desde Marx até os dias atuais passaram-se quase dois séculos, e a cada ano a história insiste em dar razão ao pensador alemão. De acordo com ele, o papel que caberia aos sindicatos seria de extrema relevância para a sociedade. Sua organização e estrutura deveriam ter como propósito organizar, educar e emancipar uma classe operária destinada a protagonizar uma revolução social. A concepção sindical geral por meio da qual o sindicalismo é visto diz que sua estrutura deve ser, prioritariamente, um instrumento de luta para a conquista de melhores salários e condições de trabalho. A concepção marxista, por sua vez, vai além, ao defender que o sindicato também deve ser um instrumento para o desenvolvimento da luta política em uma sociedade. É a partir dessa concepção marxista que se move o sindicalismo classista no

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Brasil. Sua discussão, desde dezembro de 2010, ganhou um novo espaço: o Conselho de Relações do Trabalho, órgão tripartite criado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, composto por representantes dos trabalhadores, do governo federal e do empresariado. O Conselho nasce com a finalidade de promover a democratização das relações do trabalho e o entendimento entre trabalhadores, empregadores e governo federal a respeito de temas relativos às relações do trabalho e à organização sindical, além de fomentar a negociação coletiva e o diálogo social. Para Wagner Gomes, presidente da CTB, será possível conquistar avanços significativos com a criação do Conselho. “Era uma antiga reivindicação dos trabalhadores, especialmente dos classistas. Agora poderemos debater de forma ampla assuntos de primeira importância para o país e para a organização sindical”, afirma. Os trabalhadores serão representados no Conselho pelas centrais sindicais reconhecidas no país: CTB, Força Sindical, CUT, UGT, NCST e CGTB. No começo de janeiro, a CTB definiu seus dois nomes para o Conselho: o secretário-geral, Pascoal Carneiro, e o secretário de Políticas Institucionais, Joílson Cardoso. No último dia 15 de fevereiro foi realizada a primeira reunião do Conselho, em Brasília. Seus participantes reafirmaram a natureza orientadora do órgão e definiram suas cinco tarefas básicas para o andamento dos trabalhos: 1) apresentar estudos e subsídios com vistas à propositura, pelo MTE, de anteprojetos de lei e normativas que versem acerca de relações de trabalho e organização sindical 2) propor diretrizes de políticas públicas e opinar sobre programas e ações governamentais no âmbito das relações de trabalho e organização sindical; 3) constituir grupos de trabalho com funções específicas e estabelecer sua

Divulgação MTE

Criação do Conselho de Relações do Trabalho fortalecerá ação classista no movimento sindical do país

conquista O ministro do Trabalho, Carlos Lupi, em reunião com composição e regras de funcionamento; 4) pronunciar-se sobre outros assuntos que lhe sejam submetidos pelo Ministro de Estado do Trabalho e Emprego, no âmbito das relações de trabalho e da organização sindical; 5) auxiliar o MTE nas discussões acerca das categorias sindicais, bem como na discussão dos assuntos relacionados às relações do trabalho de modo geral.

Estrutura sindical Entre outros aspectos, há tempos a criação de um Conselho de Relações do Trabalho era uma demanda do


o patamar

as centrais sindicais, anuncia a instalação do Conselho de Relações do Trabalho sindicalismo classista pela necessidade de se discutir a estrutura sindical brasileira. Além de seu ideário particular, o sindicalismo classista destaca-se por sua estrutura baseada nos mais profundos elementos democráticos, de modo a colocar a organização e a participação de todos os trabalhadores como centro de sua atuação. A forma para que a democracia seja de fato exercida dentro de uma estrutura sindical é seu Estatuto. Seu conteúdo é fundamental para permitir que todos os trabalhadores filiados tenham o direito de participar da vida e das demais atividades do sindicato. Também é característica do sindicalismo classista o estímulo à

mobilização de seus trabalhadores, em contraposição a uma visão não-classista predominante em muitas entidades. Para estas, as negociações entre sindicalistas e patrões é suficiente para se chegar a algum acordo; para os classistas, a participação de toda a base é vital. Em termos práticos, é o Congresso a instância máxima para que a democracia seja exercida no sindicalismo classista. Augusto Petta, professor e coordenador do Centro de Estudos Sindicais (CES), recorda que até os anos 1980 os estatutos eram mais rígidos e não tratavam da organização de congressos – limitavam-se às eleições para diretoria e à assembleias formais. “Somente

com a Constituição de 1988 é que esse avanço tornou-se lei”, diz

Unicidade Grande parte da estrutura sindical classista também se sustenta no ideário da unicidade. A norma disciplinar consagrada pela Constituição de 1988 assegurou esse conceito, que tem por finalidade evitar a pulverização e a desorganização sindical por meio da multiplicação desordenada de suas unidades. “A pluralidade sindical, com a fragmentação das entidades desde a base até os níveis superiores, e o fim da contribuição sindical, são dois pilares da transposição das ideias liberais para a organização dos trabalhadores”, defende o vicepresidente da CTB, Nivaldo Santana, em artigo publicado em 2009. Para Augusto Petta, por trás do conceito da unicidade está a ideia fundamental para o sindicalismo classista: a unidade dos trabalhadores. “No capitalismo, a burguesia tem o capital e todo seu poder nas mãos. Isso é algo que se reflete na política e na sociedade como um todo. Os trabalhadores, por sua condição de maioria e por se identificarem, têm somente uma grande arma para se contrapor: a unidade”, diz. Marx dizia que quebrar a unidade dos trabalhadores significa a perda de uma grande força. A prática tem demonstrado que o sindicalismo se fortalece quando existe apenas um sindicato por ramo de atividade. “A unicidade é fundamental para a unidade dos trabalhadores. Por mais

Os trabalhadores, por sua condição de maioria e por se identificarem, têm somente uma grande arma para se contrapor: a unidade VISÃOClassista

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CAPA Maurício Morais

que a cúpula sindical se divida, com ela a base estará unida, pois sua força está no local de trabalho”, defende o secretário-geral da CTB, Pascoal Carneiro. O dirigente da CTB entende que a unicidade também é um instrumento para que os sindicatos contem com grande nível de trabalhadores em sua base. “Em outros países, nos quais a organização é plural, o índice de sindicalizados é muito baixo”, sustenta. Pascoal também aponta outro dado importante para essa discussão: segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), mais de 90% das denúncias relativas a violações de direitos trabalhistas ocorrem em nações onde a pluralidade é permitida. “Seja do ponto de vista do fortalecimento da luta sindical ou pelo viés da organização, a unicidade é o melhor modelo do mundo”, diz.

Melhorias Apesar da defesa que faz em relação ao modelo defendido pela Constituição do país, o secretário-geral da CTB entende que seu formato ainda pode ser aperfeiçoado pelo governo federal. Ele cita como exemplo de possível aperfeiçoamento a regulamentação do artigo 11 da Carta Magna, que garante

PROTAGONISMO  Para Pascoal, força está nos sindicatos

CTB: sindicalismo classista no DNA Em pouco mais de três anos de existência, a CTB tem procurado colocar em prática as características do sindicalismo classista, marca que faz parte de seu DNA e está impressa nos Princípios da entidade. Dessa lista de Princípios fazem parte a defesa da unidade da classe trabalhadora, a democracia, a independência classista e o internacionalismo. Além disso, a central tem defendido a politização e a pluralidade como elementos enriquecedores para o sindicalismo, além de apoiar com ênfase o artigo 8º da Constituição que consagra a unicidade sindical e garante

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a sustentação material de suas entidades. “Defendemos a liberdade e autonomia sindical. Queremos nossas entidades livres e independentes dos patrões, governos, credos religiosos e partidos políticos na definição dos seus objetivos e campanhas e na luta pela transformação social. É fundamental que o reconhecimento de nossas entidades venha da representatividade efetiva e da confiança nelas depositadas pela base e pelo conjunto da classe trabalhadora”, diz o texto dos Princípios fundadores da CTB. “Desde a sua fundação, a

CTB procura desenvolver, com independência e unidade, as lutas do sindicalismo brasileiro a partir de seu programa ancorado na defesa do desenvolvimento com valorização do trabalho”, afirmou Nivaldo Santana, vice-presidente da central, em artigo publicado na semana em que a CTB completou seu terceiro aniversário, no último mês de dezembro. Celina Arêas entende que a CTB vem cumprindo muito bem seu papel, pois “é imprescindível fortalecer e democratizar a organização sindical, com mudanças na conduta de dirigentes e na estrutura do movimento sindical para que o eixo


a presença do delegado sindical, com estabilidade, nas empresas com mais de 200 trabalhadores. “No Brasil, o sindicalismo tem direito à tutela, mas só os sindicalizados participam. Se houver essa presença no local de trabalho, isso poderá ser ampliado a todos os trabalhadores”, defende Pascoal. “É um tipo de mecanismo necessário para democratizar a organização nas fábricas, nas oficinas, etc. e fortalecer a classe”, diz. Para o dirigente cetebista, é importante que as centrais sindicais atuem no sentido de definir os sindicatos como os elementos mais importantes da organização da classe trabalhadora. A criação do Conselho de Relações do Trabalho, nesse sentido, poderá servir para que

São os sindicatos e seus dirigentes que estão ligados diretamente ao local de trabalho

pautas como essa sejam discutidas diretamente com o empresariado. “A força mais importante está nos sindicatos, e não nas federações ou nas centrais”, argumenta. “São os sindicatos e seus dirigentes que estão ligados diretamente ao local de trabalho, a questões como acordos coletivos e melhorias no interior da empresa”, destaca Pascoal. Ainda de acordo com o secretáriogeral da CTB, no cenário ideal para o sindicalismo, organizado a partir da unicidade, cabe às centrais sindicais o papel de aglutinação política e de discussões mais transversais, como a redução da jornada de trabalho, o reajuste do salário mínimo e o reajuste da tabela do Imposto de Renda. “Assim como em alguns aspectos as centrais não conseguem atuar diretamente, em questões de certa magnitude os sindicatos também nunca vão conseguir sozinhos”, completa Pascoal. A secretária de Formação e Cultura da CTB, Celina Arêas, relembra um dos textos do Congresso de fundação da central para destacar a importância da organização da base sindical. “O objetivo de fortalecer os sindicatos não será bem sucedido se não conseguirmos levar a ação sindical para dentro das empresas, onde se situa o alicerce da organização sindical”, cita.

Nas condições do Brasil, unicidade e unidade sindical caminham de mãos dadas Ideologia e política Augusto Petta lembra que, além do aspecto econômico, Marx e o sindicalismo classista defendem que a luta da classe trabalhadora também deve estar articulada à luta política e à luta ideológica de uma sociedade, visando à conquista do protagonismo da classe trabalhadora. Dessa maneira, esse protagonismo nas decisões políticas da sociedade é um elemento primordial do sindicalismo classista. Sua luta não deve se restringir aos âmbitos trabalhistas; ao contrário, é preciso identificar quais são as demais necessidades da população e incluí-la no acesso e na participação junto às demais políticas públicas. “É a luta política que leva a perspectiva classista a um novo

seja o fortalecimento dos sindicatos e o enraizamento da organização sindical no interior das empresas, com o desafio de aumentar a representatividade e a capacidade de mobilização”. A secretária de Formação e Cultura da CTB destaca ainda o papel desempenhado pela CTB junto a outras entidades de cunho social. “A organização do sindicalismo, na concepção classista, deve responder à necessidade de elevar o nível da luta do povo brasileiro por mudanças cuja perspectiva depende essencialmente de um crescente protagonismo dos movimentos sociais”, afirma.

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CAPA A segunda via da formação classista diz respeito à capacitação teórica do trabalhador, obtida por meio de estudos, pesquisas, produção de textos, participação em cursos e simpósios, etc. “Esse processo é mais avançado quando é possível articular dialeticamente a teoria e a prática. Lênin, o grande líder da Revolução Russa, ao mesmo tempo em que participava intensamente do movimento político, estudava e escrevia constantemente, refletindo sobre a história e a conjuntura nas quais vários acontecimentos de extrema relevância ocorriam”, discorre Petta.

Arquivo CTB

patamar”, defende Petta. “O aspecto econômico é muito importante, mas precisa de complemento”, defende. Grande parte desse complemento se dá a partir da formação e da capacitação dos trabalhadores, em geral por duas vias. A primeira diz respeito à prática, em experiências nas quais os sindicalistas enfrentam a luta de classes diretamente – em greves e passeatas, por exemplo. Nessas ocasiões, a contradição entre o capital e o trabalho se explicita de modo nítido. Com essa prática, o trabalhador toma consciência de sua alienação e começa a adquirir uma posição de classe.

PETTA   Unicidade é conceito fundamental

César Ramos

O exemplo da Contag Em março de 2009, os trabalhadores da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) deram um grande exemplo de unidade e defesa de sua classe, durante o 10º Congresso de sua entidade. Durante o histórico debate, a defesa da unicidade sindical foi aprovada por unanimidade pelos congressistas. Mesmo lideranças que advogam concepções contrárias –

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os partidários do pluralismo sindical – não ousaram se opor a essa norma legal, prevista na Constituição do país. Como resultado dessa decisão, a Contag decidiu se desfiliar da Central Única dos Trabalhadores (CUT), em resposta a determinadas concepções e práticas contrárias ao da unicidade sindical, criadas artificialmente por cutistas com o propósito de desmembrar as bases do sindicalismo rural, separando a agricultura familiar dos

assalariados e ameaçando a integridade e unidade do sistema Contag. Presente ao 10º Congresso da Contag, o presidente da CTB, Wagner Gomes, destaca a importância do posicionamento da Contag. “A vida tem demonstrado que, concretamente, nas condições do Brasil, unicidade e unidade sindical caminham de mãos dadas. O divisionismo só enfraquece nossa classe. A Contag deu um exemplo de sindicalismo de luta naquele Congresso”.


CONJUNTURA SINDICAL WAGNER GOMES

A política econômica é um obstáculo à valorização do trabalho

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batalha em torno do novo valor do salário mínimo foi rica em lições para o movimento sindical e a classe trabalhadora brasileira. O governo apresentou a proposta de R$ 545,00 e fechou questão, suspendendo a negociação com as centrais e desencadeando uma forte ofensiva junto aos parlamentares da base aliada no Congresso para evitar dissidências na votação da matéria. As centrais não recuaram e o resultado não poderia ser outro senão o confronto de posições. Alegou-se que o reajuste oferecido correspondia à política de valorização do salário mínimo acordada entre governo e centrais, que prevê a correção do valor do mínimo de acordo com a evolução do PIB de dois anos atrás. Como a produção recuou 0,6% em 2009, em consequência da crise exportada pelos EUA, não seria justo reivindicar aumento real. Mas o ex-presidente Lula prometeu aos presidentes das seis centrais durante a campanha, em São Paulo, com o endosso da então candidata Dilma Rousseff, que o mínimo teria aumento real em 2011, apesar do PIB negativo. O problema é outro. Ao longo da controvérsia ficou claro o motivo real da interrupção do processo de valorização do salário mínimo neste ano: a nefasta política econômica. A remuneração do trabalhador

está sendo sacrificada no altar do ajuste fiscal. Os cortes orçamentários anunciados pela Fazenda, estimados em R$ 50 bilhões, impedem o aumento real reclamado, que requer a ampliação das despesas da Previdência. A redução dos gastos públicos tem o objetivo de garantir o chamado superávit primário, destinado ao pagamento dos juros da dívida pública. Este constitui um dos três pilares sagrados de uma política econômica que privilegia os rentistas e conspira contra o desenvolvimento nacional e a valorização do trabalho. Ao seu lado, atuam a política monetária conservadora e o câmbio flutuante. Traduzem compromissos assumidos lá atrás, por ocasião da famosa Carta aos brasileiros. A orientação econômica não é um obstáculo apenas à valorização do salário mínimo. Contradiz um conjunto bem mais amplo de reivindicações da classe trabalhadora e dos setores produtivos da economia, notadamente da indústria, ameaçada pelos juros altos e pela liberação do câmbio e do fluxo de capitais. O Brasil tem as mais altas taxas reais de juros do mundo. E estas servem de base para remuneração dos títulos emitidos pelo governo. O resultado é que o Estado destina mais de 5% do PIB ao pagamento dos juros, comprometendo pelo menos um terço do orçamento público.

Como os recursos do erário são finitos, é preciso deslocar verbas destinadas a áreas como saúde, educação e infraestrutura, entre outros, para garantir o lucro dos rentistas. A Desvinculação dos Recursos da União (DRU) foi um instrumento criado no governo FHC para esta finalidade. Opera-se, por este meio, uma escandalosa e brutal transferência de renda da sociedade para a oligarquia financeira, como denunciou o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Luiz Aubert Neto. De quebra, o ganho elevado, fácil e seguro propiciado pelos juros altos atrai capital especulativo de todo o mundo e estimula a valorização do real, provocando desindustrialização nos ramos de atividade mais dependentes das exportações. A atual política econômica revela-se uma fonte de desequilíbrios e conflitos que conspira contra o crescimento da economia e obstrui o caminho ao novo projeto de desenvolvimento com soberania e valorização do trabalho, bandeira unitária da Conclat. É imperioso lutar por mudanças neste terreno e essas passam pela redução dos juros, fim do superávit primário, controle do câmbio e dos fluxos de capitais e forte taxação das remessas de lucros e dividendos.

A remuneração do trabalhador está sendo sacrificada no altar do ajuste fiscal

Wagner Gomes é presidente nacional da CTB VISÃOClassista

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entrevista 10

LUIZA ERUNDINA

Só com a luta econômic Fernando Damasceno

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artidos políticos, movimentos sociais, Lula e as centrais sindicais foram alvo de críticas da deputada federal Luiza Erundina (PSB-

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SP), nesta entrevista concedida a “Visão Classista”. Aos 76 anos e no início de seu quarto mandato em Brasília, a ex-prefeita de São Paulo (1989-92) demonstrou sua franqueza habitual ao apontar aspectos que considera como

incorretos no campo progressista do país, prejudicando a conquista de novos avanços para a sociedade. Ao falar das centrais sindicais, Erundina entende que é preciso ampliar suas bandeiras: “Só com a luta


ca não há avanços econômica não há avanços”; quando perguntada sobre a baixa participação das mulheres na política, disparou: “Todos os partidos, inclusive os do nosso campo, acabam se comportando como os partidos de direita”; sobre

Lula e os movimentos sociais, afirmou que o ex-presidente não estimulou a independência das entidades. Apesar das críticas, Erundina demonstra otimismo em relação ao governo Dilma Rousseff. Ela elogia Agência Câmara

a composição do novo Ministério, formado por nove mulheres – Lula chegou a ter no máximo cinco ministras, em seu primeiro mandato – e entende que o momento do país é propício para que os movimentos sociais ampliem sua participação política. Recentemente censurada pelo Grupo Bandeirantes, a deputada optou por não se manifestar a respeito desse tema, por orientação judicial. No começo de fevereiro, ela seria entrevistada para tratar de um projeto de lei, mas a conversa foi cancelada sob a justificativa de que “o veto é uma resposta aos ataques que a deputada vem fazendo à Rede Bandeirantes”. Erundina é uma das parlamentares mais atuantes na luta pela democratização das comunicações, que em muitos momentos contraria os interesses das empresas de radiodifusão. Nesta entrevista – sem qualquer censura – ela avalia, já com o intervalo de um ano, as conquistas da Confecom, chama os movimentos sociais para assumirem essa questão como bandeira de luta e define o Plano Nacional de Banda Larga como instrumento para aprimorar a democracia brasileira. Visão Classista: A composição do Ministério da presidenta Dilma é marcada pelo aumento do número de mulheres. Em sua opinião, por que o PSB e mesmo outros partidos progressistas do país ainda têm dificuldade para ampliar a participação feminina entre seus principais quadros? Luiza Erundina: Há uma cultura nos partidos e na política que não tem sensibilidade e compromisso com a igualdade que deve existir na sociedade, principalmente na ocupação de espaços públicos. O Brasil está no fim da fila nesse aspecto, inclusive em relação a nossos vizinhos – a Argentina, por exemplo, tem 40% de mulheres em seu Parlamento. Se observarmos a quantidade de deputadas no nosso Congresso, VISÃOClassista

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entrevista veremos que o número permaneceu estabilizado de uma legislatura para a outra, apesar da política de cotas e de toda a luta do movimento feminista. Por outro lado, a própria vitória de uma mulher para a Presidência é fruto dessa luta histórica. A sociedade assimilou a ideia de se ter uma mulher na Presidência. Mas, infelizmente, todos os partidos, inclusive os do nosso campo, não seguem essa linha e acabam se comportando como os partidos de direita. Não há protagonismo das mulheres nos partidos. Isso demonstra um déficit de democracia em nosso país. Visão Classista: A senhora tem sua trajetória política ligada a causas sociais e seus movimentos. Após dois mandatos de um ex-sindicalista na Presidência da República, qual sua análise sobre a relação do governo com os movimentos sociais do país na atualidade? Luiza Erundina: É preciso dizer que o governo Lula não estimulou muito a independência dos movimentos. Não foi um governo que tenha sido marcado por essa dimensão da democracia direta e participativa. Daí agora a nossa expectativa para que esse quadro possa se alterar. Até o momento podemos ver que a presidenta pelo menos teve a sensibilidade para compor seu Ministério com mais mulheres. Orlando Brito

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Se observarmos a quantidade de deputadas no nosso Congresso, veremos que o número permaneceu estabilizado

Mas é preciso que a presidenta também estimule o protagonismo dos movimentos sociais e populares para dialogar com o governo, tendo esse segmento como interlocutor, até para ter mais força com o Congresso. Se o governo ficar refém de sua base parlamentar, não vai conseguir avançar naquilo que é importante para o país. Não basta só anunciar o fim da miséria como meta. É preciso também incorporar os miseráveis à sociedade, inclusive dando-lhes a possibilidade de atuar politicamente. Visão Classista: A militância sempre foi um símbolo dos partidos progressistas no Brasil. Depois de mais de 25 anos de liberdades políticas, quais as dificuldades enfrentadas atualmente para atrair mais militantes para as bases desses

partidos? Luiza Erundina: Não há democracia partidária. O partido não cria espaço interno para que jovens, negros, mulheres, trabalhadores em geral se sintam atraídos e motivados para ocupar esse espaço. No passado, na época da fundação do PT, havia uma política partidária, orientada para esse segmento. Havia atividades para cada núcleo – jovens, mulheres, negros – e a base social popular dos partidos de esquerda era orgânica, organizada. Um partido de características socialistas não consegue avançar se não for por meio desses setores. Os candidatos saíam desse movimento. Havia um espaço reconhecido e legitimado pelas direções partidárias para que esses membros fossem ativos na base social do partido. Era isso que nos fortalecia e permitia que outros setores dos partidos fossem influenciados. Mas isso não existe mais. Quando existem reuniões são para apenas comunicar o que os caciques definiram. Não há democracia interna. Visão Classista: O início do governo de Dilma Rousseff ficou marcado por certo desentendimento com as centrais sindicais. Em sua opinião, qual deve ser o canal de diálogo ideal entre a presidenta e os movimentos sociais em geral? Luiza Erundina: A meu ver, o diálogo deve ser amplo e baseado na


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preservação do respeito à autonomia e à independência das entidades, sem cercear o que pensam os movimentos. Lula tinha uma característica própria: ele atraía as lideranças e as direções das entidades e resolvia os problemas, muitas vezes sem ouvir as bases. Eu participei da formação da CUT e do PT e me lembro da importância de haver certa distância entre governo e os movimentos. A respeito da relação com as centrais, eu entendo que não havia mais oposição sindical no Brasil e agora está ocorrendo um estranhamento. O canal com a Presidência não é mais o mesmo, e eu acho que isso precisará ser restabelecido para empurrar o governo para o lado certo e para ampliar a independência das entidades. A direita também empurra o governo para impor seus interesses e a classe trabalhadora deve fazer o mesmo, visando aos seus objetivos. Visão Classista: Que avanços a

senhora vislumbra como factíveis para a classe trabalhadora durante o governo da presidenta Dilma Rousseff? A redução da jornada de trabalho é um tópico que pode ter boa acolhida no Congresso? Luiza Erundina: Definitivamente, não. Nosso campo está tão descaracterizado e enfraquecido no Congresso... Eu entendo que essa representação dos trabalhadores não deve se restringir apenas ao Parlamento – é na forma e na politização do movimento. Numa

Não basta só anunciar o fim da miséria como meta. É preciso também incorporar os miseráveis à sociedade

sociedade de classes, ela só muda com o confronto e com as contradições entre capital e trabalho. Isso ainda existe, mas é mascarado. E tudo fica a depender do governante do momento. Eu entendo que há outras pautas que poderiam ser defendidas pelo movimento sindical. A reforma tributária, por exemplo, não é interesse apenas do empresário, mas do trabalhador também, que paga diversos tributos. No Brasil, quem paga mais, ganha menos. É um sistema errado, sem justiça fiscal. Sobra menos dinheiro para o trabalhador consumir e, por outro lado, o Estado não tem recursos para redistribuir. Reafirmo: não é só empresário que tem que se interessar por esse assunto. As centrais poderiam liderar um movimento nesse sentido. Se a renda é distribuída, se os tributos são pagos de forma mais justa, todos ganham. Vamos tributar a herança, o lucro. Essa é uma tese que caberia aos sindicatos. A ideia da reforma política também é uma pauta que afeta os trabalhadores, mas VISÃOClassista

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entrevista Renatto de Souza

não vejo muita mobilização em torno disso. Não vejo essas teses transitando nos palcos por onde passam os dirigentes sindicais. Só com a luta econômica não há avanços. Tem muita agenda para as centrais debaterem. Visão Classista: A senhora tem colocado seu mandato a serviço da democratização da mídia. Após mais de um ano da realização da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), o que ainda precisa sair do papel? E o que pode ser considerado como conquistas nesse período? Luiza Erundina: A conquista a meu ver foi no âmbito da sociedade, que pela primeira vez colocou em sua agenda a questão das comunicações. O governo Lula não queria convocar a Confecom – ela é uma conquista da sociedade, pois o ministro das Comunicações à época não a queria. Foi a pressão que a tornou possível. Houve tantas limitações por parte dos empresários, que por pouco não foi possível realizar a conferência. A mídia inibe a liberdade de expressão

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e não vejo luta contra isso por parte de muitos movimentos sociais. Mas de qualquer forma de lá saíram 633 propostas, a maioria interessante, e que hoje serve de referência – espero – para o governo. O atual marco regulatório das comunicações no país está superado. A atual tecnologia, com todo seu arsenal de conhecimento e impacto tecnológico e científico, precisa de uma nova regulamentação. É preciso que o governo assuma para si um projeto de lei que mude esse marco regulatório e que garanta a comunicação como um direito do brasileiro. Visão Classista: Ainda nesse tema da importância das novas mídias, que papel o Plano Nacional de Banda Larga pode ter para a democratização desse setor no país? Luiza Erundina: Esse processo é algo que ainda está demorando, mas acho que o novo governo ensaiou bem, parece estar preparado para enfrentar a posição das operadoras, que não querem ceder. A banda larga não chega a certos lugares distantes,

A atual tecnologia, com todo seu arsenal de conhecimento e impacto tecnológico e científico, precisa de uma nova regulamentação

as empresas preferem cobrar caro, concentrar tudo no Sudeste pela falta de concorrência e acabam optando por servir somente às regiões mais ricas. Aí o governo ensaia a recriação de uma empresa pública para levar a banda larga aos rincões do país, mas as operadoras preferem segurar o processo. Isso tem que chegar ao Acre, ao Amapá, aos excluídos do país, para que o conhecimento seja disseminado e a comunicação se torne, de fato, algo mais democrático.


sindicalismo

Portos sem milagres Mesmo com investimentos bilionários e movimentação recorde, o setor portuário continua a desrespeitar os trabalhadores André Cintra

D

epois de oito anos de governo Lula, os portos entraram, definitivamente, na agenda nacional. A movimentação de cargas, turbinada pela expansão da economia, teve alta de 51% na década e levou várias instalações portuárias a operarem no limite de sua capacidade. Só de importações e exportações, o crescimento foi de mais de 200% entre 2003 e 2010, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Desde 2007, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) autorizou o funcionamento de 21 terminais de uso privativo. Num país em desenvolvimento tal qual o Brasil — com mais de 7,4 mil quilômetros de costa litorânea e o posto de oitava economia mundial —, a modernização do setor se tornou um

imperativo. Os portos são responsáveis por 90% do comércio exterior do país, e seus municípios somam quase 20% do PIB nacional. A demanda deve crescer ainda mais com a realização, no Brasil, da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada 2016. Foi também na gestão do expresidente Luiz Inácio Lula da Silva que o país se tornou autossuficiente em petróleo e descobriu as reservas do pré-sal. “Com o barril de petróleo a preços superiores a US$ 90, até as avaliações menos otimistas de custos de produção do barril de petróleo do pré-sal talvez justificassem o investimento”, escreveu recentemente, na “Folha de S. Paulo, o físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite, professor emérito da Unicamp. A participação do setor de petróleo e gás no PIB nacional — que era de apenas 3% em 1997 — atingiu 10% em 2008 e deve chegar a 20% até 2020. Já no Nordeste, o incremento nas movimentações dos portos tem outras causas: o início das operações da refinaria Abreu e Lima, da Petrobras, e a construção da rodovia Transnordestina. Para distribuir as riquezas, o país terá de aperfeiçoar sua logística, que,

apesar dos avanços, continua a ter gargalos. Nos últimos quatro anos, o Brasil subiu 20 posições (de 61º para 41º) num ranking que avalia o desempenho dos portos em 151 países. Segundo o IBGE, 10% da produção agrícola se perde entre a colheita e armazenagem portuária. Há muito caminho a percorrer. Não por acaso, Lula criou a Secretaria Especial dos Portos em 2007, destinou para a área R$ 2,7 bilhões em recursos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e lançou o Plano Nacional de Logística Portuária em 2010. De acordo com o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o comércio internacional fará a movimentação nos portos brasileiros saltar de 761 milhões de toneladas no ano passado para 1 bilhão de toneladas em 2015. Com cerca de 40 mil trabalhadores, a base portuária acompanha essa conjuntura com preocupação. Na opinião de dirigentes sindicais do setor, as conquistas de ordem econômica não resultaram em melhores condições de trabalho para a categoria — que inclui estivadores, alvarengueiros, arrumadores,

Maurício Morais

As conquistas de ordem econômica não resultaram em melhores condições de trabalho para a categoria

PROTAGONISMO  Adilson cobra mais participação da categoria VISÃOClassista

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sindicalismo

DESAMPARO   Legislação do país reforça o lobby antissindical

Para fugir das regras, muitos empresários tentam utilizar, em suas operações, trabalhadores que não são reconhecidos como portuários

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VISÃOClassista

conferentes de carga ou descarga, vigias portuários e amarradores, além de trabalhadores do serviço de bloco e de capatazia. É uma realidade que faz jus aos versos do poeta maranhense jjLeandro: “Os homens /Trabalham o dia todo /No porto carregando navios. /E nessa labuta não se /Dão conta do extravio / De seus sonhos”. Até o final de 2010, a Justiça contabilizava milhares de processos trabalhistas no setor, sendo quatro mil apenas no Porto de Santos, o maior da América Latina em movimentação de contêineres, que responde por 25% do comércio exterior e 15% impostos arrecadados no país. As violações aos contratos e acordos coletivos estão entre as principais preocupações da Conttmaf (Confederação Nacional

dos Trabalhadores em Transportes Aquaviários e Aéreos, na Pesca e nos Portos) e das três federações do setor — a FNE (Federação Nacional dos Estivadores), a FNP (Federação Nacional dos Portuários) e a Fenccovib (Federação Nacional dos Conferentes e Consertadores de Carga e Descarga, Vigias Portuários, Trabalhadores de Bloco, Arrumadores e Amarradores de Navios, nas Atividades Portuárias).

Um golpe em forma de lei “Em termos de situação do trabalhador, nada avançou desde a Lei 8.630/93”, afirma Severino Almeida, dirigente nacional da CTB e presidente da Conttmaf. Conhecida como Lei de


Divulgação/Suape

Modernização dos Portos, a medida foi um dos maiores golpes sofridos pelas entidades sindicais do setor e atingiu em cheio o que Severino chama de “cultura portuária”. Historicamente, o trabalho avulso sempre predominou nos portos. Até 1993, os sindicatos eram responsáveis pela divulgação da demanda de trabalho e pela escalação da mão de obra. Os dados eram expostos nas chamadas “paredes” — seções portuárias atualizadas diariamente. “A maior parte da categoria não tinha vínculo empregatício. Praticamente não havia a figura da carteira assinada, com horários fixos de trabalho. Os portuários se apresentavam nas ‘paredes’ e manifestavam seu interesse em

trabalhar de acordo com a ordem de escalação.”, explica Severino. “Até hoje, há trabalhadores — inclusive dirigentes sindicais — que não trocariam essa liberdade nem por um bom contrato coletivo, por melhor que seja o salário. A questão é cultural.” Segundo o presidente da Conttmaf, esse modelo não só garantia a mão de obra no setor como também se tornou um grande trunfo para os trabalhadores e suas entidades. “Uma vez que a organização sindical controlava o registro da mão de obra nos portos, as federações e as confederações tinham uma capacidade de pressão imensa.” Foi para enfraquecer as entidades sindicais e flexibilizar a legislação do setor que empresários começaram a se articular no final da década de 1980. “Os principais usuários dos portos, como as confederações patronais da indústria e do comércio, se uniram a diversas forças na sociedade organizada no sentido de reduzir o controle do trabalho do portuário pela organização sindical”, detalha Severino. Assim, em 1989, 38 empresas tomaram a iniciativa de fundar a Associação Brasileira de Terminais Portuários. Nos anos seguintes, o lobby antissindical ganhou força no Congresso e foi decisivo para a aprovação da Lei 8.630/93, já no governo Itamar Franco. Um dos retrocessos da medida foi a criação de Órgãos Gestores da Mão de Obra (Ogmo) — que, sob influência do patronato, substituíram legalmente os sindicatos e as federações em várias atribuições, como a escalação diária dos trabalhadores avulsos. A lei também abriu o setor e autorizou a iniciativa privada a operar terminais, sem preocupação alguma com a convenção coletiva e as questões ambientais. De acordo com Severino, “o novo desenho do setor — todo esse escopo legal que permanece vigente — foi concluído no governo Fernando Henrique Cardoso”. As resoluções da Antaq não foram suficientes para reverter os danos provocados pela Lei de Modernização Portuária, e as dívidas acumuladas pelos Ogmo em causas trabalhistas e multas do Ministério do Trabalho ultrapassavam R$ 100 milhões em

“Não pode haver espaço para fragmentação nos setores e segmentos que representamos” 2010. “Os sindicatos não perderam representatividade, mas, sim, controle sobre a força de trabalho. Depois de 1993, houve uma luta para manter o controle. Somente algumas entidades conseguiram evoluir bem, junto à informatização, como o pessoal de Vitória (ES), onde a participação do sindicato ainda é extraordinária”. No dia a dia, porém, o caso do Porto de Vitória é exceção. “Vemos conflitos de vários tipos, sobretudo nos portos de Santos, Salvador, Suape (PE), Pecem (CE) e Itapuá (SC)”, denuncia Mário Teixeira, presidente da Feconvib, diretor de Relações Sindicais e Internacionais da Conttmaf e membro da direção nacional da CTB. “Onde há convenção coletiva, advogados tentam boicotar as entidades sindicais e vão à Justiça para questionar a convenção. Mas o problema mais grave está no relacionamento dos sindicatos com os terminais localizados fora da área do porto público. Esses terminais não aceitam nem convenção coletiva — só alguns acordos. Para fugir das regras, muitos empresários tentam utilizar, em suas operações, trabalhadores que não são reconhecidos como portuários.” Uma dos impactos da desregulamentação é a alta incidência de doenças ocupacionais entre os portuários. Segundo Mário Teixeira, “é muito difícil encontrar um trabalhador do porto com mais de 50 anos e sem nenhuma doença decorrente das más condições de trabalho — problemas de visão, de audição e até no pulmão, no caso de portos com cargas mais insalubres”. As empresas estabelecem entre si contratos rigorosos para a movimentação de cargas, e os abusos recaem sobre a categoria. “A lógica do sistema portuário é carregar, embarcar e navegar o mais rápido possível. Como há pagamento por produção, muitos trabalhadores aceitam abrir mão do equipamento de proteção para obter mais produtividade, deixando VISÃOClassista

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sindicalismo em segundo plano a higiene e a segurança do trabalho.”

Desafios

Os trabalhadores do setor foram pioneiros, em muitos estados, na criação de entidades que organizassem suas lutas

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VISÃOClassista

Maurício Morais

Outro empecilho para o bom funcionamento sindical é a dificuldade de adaptação às inevitáveis transformações do setor. “A organização sindical pode se enfraquecer menos pela lei e mais por falta de compreensão da necessidade de mudanças em determinadas regiões. Várias lideranças que compreenderam haver condições de avançar nas relações de trabalho, adaptando-se às novas regras, avançaram — e avançaram muito”, opina Severino. As expectativas se voltam, agora, para a política portuária do governo de Dilma Rousseff. Entre a eleição e a posse da nova presidenta, a Conttmaf realizou, de 29 de novembro a 1º de dezembro de 2010, seu 5º Congresso Extraordinário, em Rio das Ostras (RJ). O encontro reuniu 183 lideranças sindicais e aprovou uma série de deliberações e bandeiras de luta, como a filiação direta dos sindicatos do âmbito da confederação à CTB, a manutenção da unicidade sindical, o fim do fator previdenciário, a ratificação da Convenção 158 da OIT (que proíbe demissões imotivadas) e a redução da jornada de trabalho sem

SEM REGRAS  Teixeira denuncia abusos das empresas

redução de salários. Na mesa sobre “O Cenário Atual e Perspectivas no Setor Portuário”, o vice-presidente da Conttmaf e membro da direção nacional da CTB, José Adilson Pereira, defendeu a elaboração de uma política nacional ampla e articulada para os portos brasileiros. Segundo José Adilson, a categoria tem de participar mais ativamente das discussões com o governo federal sobre os rumos do setor e, ao mesmo tempo, manter a unidade na luta. “Estamos, através de diversas ações, estimulando isto e participamos destes debates junto a diferentes esferas de governo. Temos que, cada vez mais, agir conjuntamente para fortalecer nossa interlocução. Não pode haver espaço para fragmentação nos setores e segmentos que representamos.” “Agir conjuntamente”, num país das dimensões do Brasil, requer empenho. Duzentos e três anos após a Carta-Régia de dom João 6º — que, em 28 de janeiro de 1808, abriu os portos brasileiros “às nações amigas” —, o setor portuário nunca viveu, tal como vive agora, um período tão movimentado. Em quase nada lembra aquele modelo vigente até o começo do século 19, quando o Brasil exportava basicamente três produtos (cana-deaçúcar, fumo e ouro) para um único destino — a metrópole portuguesa. O que pesa a favor da categoria

é tradição. Os trabalhadores do setor foram pioneiros, em muitos estados, na criação de entidades que organizassem suas lutas. Ao que tudo indica, foi em 1891, no rastro da primeira Constituição republicana, que o segmento viu nascer sua primeira entidade de classe — o Sindicato dos Estivadores de Pernambuco. Mais sindicatos sobrevieram, às dezenas, sendo alguns deles centenários. Já a primeira das três federações da categoria, a FNE, nasceu em 1949, enquanto Conttmaf foi fundada em 1957. As entidades foram decisivas na expansão do sistema. Pelas docas nacionais, entram e saem hoje centenas de produtos — de minérios de ferro e produtos siderúrgicos até combustíveis e óleos minerais, passando por soja e seus derivados, açúcar e celulose. Só no porto de Santos, foram movimentados 96 milhões de toneladas de carga em 2010 — um crescimento de 15,4% sobre o total do ano anterior. A Autoridade Portuária prevê novo aumento em 2011, de 5,4%, totalizando 101 milhões de toneladas. O sistema ainda é composto por outros 36 portos públicos, 42 terminais de uso privativo e três complexos portuários que operam sob concessão à iniciativa privada. Pode-se dizer que nenhum deles respeita integralmente os direitos do trabalhador.


brasil

Agência Brasil

PIONEIRISMO   Dilma põe em evidência a capacidade feminina de liderar

Janela histórica Com a eleição de Dilma, Dia Internacional das Mulheres deste ano celebrará a presença de uma mulher no mais alto posto político do país Luana Bonone

P

ara além do simbolismo que este feito carrega, a eleição da presidenta Dilma Rousseff, apoiada pelo conjunto dos movimentos sociais e portadora de uma história política em que se destacam a luta pela democracia e um posicionamento alinhado com os setores mais progressistas do país, abre uma janela histórica para as possibilidades de avanço em termos de conquistas de direitos sociais que ampliem a participação das mulheres

na condução dos rumos do país. “Eleger a Dilma significa dizer que o país mudou sua postura em relação ao gênero feminino”, afirma a secretária da mulher trabalhadora da CTB, Raimunda Gomes, a Doquinha. A sindicalista acredita que essa vitória não seria capaz há dez anos, por conta do grau de preconceito e machismo no país. “Ainda temos muito o que enfrentar, mas avançamos, e a eleição da Dilma demonstra que essa nossa luta por melhores condições de vida VISÃOClassista

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brasil da população, pela superação das desigualdades, caminha no rumo certo. A própria luta contra a violência é uma expressão desse avanço: a mulher não aceita mais a condição de oprimida, de subjugada”, completa. A secretária da CTB afirma que a eleição de Dilma não é importante apenas do ponto de vista simbólico, mas tende a ser sensível às pautas do movimento, já que se trata de “uma presidenta que conhece todos os meandros da luta feminista”, como define Doquinha. “A Dilma é uma mulher que tem história de luta e que valoriza a participação das mulheres na luta geral e específica”, avalia. A eleição de uma presidenta não se deu por obra do acaso, apenas por alianças bem construídas ou sem um intenso processo de conquista de espaços. A batalha por mais protagonismo e a luta histórica para sair da condição de confinamento ao lar, ao espaço privado, a que foram (e ainda são) submetidas as mulheres, vem de muitas décadas.

Garibaldi, Maria Quitéria, ou artistas de vanguarda, como Chiquinha Gonzaga –, foi a partir da década de 1920 que as mulheres começaram a pautar de forma mais organizada a sua participação política. Em 1922, Berta Lutz, que é considerada, ao lado de Nísia Floresta, pioneira no feminismo brasileiro, fundou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, que lutava pelo voto, pela escolha do domicílio e pelo trabalho de mulheres sem autorização do marido, até então condição considerada em propostas de legislações. Alguns momentos históricos dessa época foram importantes no avanço da luta das mulheres, como as greves de 1917 e, em 1922, o surgimento do Partido Comunista do Brasil e a realização da Semana de Arte Moderna, que ajudou a consolidar um conjunto de ideias progressistas e nacionais, tendo como importantes referências mulheres como Tarsila do Amaral e Pagu.

Heroínas de ontem e de hoje

A primeira eleitora

Embora o Brasil tenha heroínas e referências de emancipação feminina de datas anteriores ao surgimento do movimento feminista de forma organizada no país – como Anita

A primeira eleitora registrada foi Celina Guimarães Viana, em 1927. Seu voto foi garantido por meio de recurso à justiça do Rio Grande do Norte. Além de autorizar Celina a votar, o juiz Israel

Ferreira Nunes encaminhou ao Senado Federal um pedido para que fosse establecido o voto feminino no Brasil. Entretanto, a atitude que mais repercutiu em nível nacional foi a denúncia feita pela escritora, advogada e feminista mineira Mietta Santiago, em 1928, de que a proibição ao voto feminino contrariava o artigo 70 da Constituição da República Federativa dos Estados Unidos do Brasil (24 de fevereiro de 1891), então em vigor. O artigo dizia: “São eleitores os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na forma da lei”. Como o artigo não estabelecia qualquer discriminação de sexo, Mietta impetrou, como advogada, Mandado de Segurança e obteve sentença que lhe permitiu votasse em si mesma para um mandato de deputada federal, fato inédito no país.

Alzira: a primeira mulher eleita Embora, obviamente, a advogada mineira não tenha sido eleita, o Partido Republicano do Rio Grande do Norte, a partir da jurisprudência aberta por Mietta, candidatou a potiguar Luiza Alzira Soriano Teixeira, que se tornaria a primeira mulher a ser eleita para um mandato político no Brasil. Ou seja, Alzira Soriano, em 1929, tomaria posse no cargo de intendente do município potiguar de Lages (RN). Divulgação

Divulgação

Salário igual para o trabalho igual. A CTB elegeu essa bandeira como eixo central da sua luta

BERTA LUTZ   À frente de seu tempo

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VISÃOClassista

CARLOTA   1ª mulher no Congresso


Renato Araujo

PARTICIPAÇÃO  Elza Campos (à dir.), com Rozina e Wagner Gomes, durante encontro com Lula O voto feminino em âmbito nacional, entretanto, só foi garantido em 1932. Na constituinte de 1934 houve uma representante do sexo feminino, a primeira deputada do Brasil: Carlota Pereira de Queirós.

Erundina, a primeira prefeita de São Paulo “Somam-se em mim várias características: eu sou mulher, nordestina e de esquerda”, costuma dizer a primeira mulher a comandar a prefeitura da maior cidade do país, Luiza Erundina, hoje deputada federal pelo PSB e coordenadora da bancada feminina na Câmara Federal. “Tudo isso dificultava as pessoas a enxergarem o momento histórico que era ter uma mulher na prefeitura de São Paulo”, conta, relembrando o período entre 1989-92. Para a parlamentar, os partidos e a sociedade brasileira evoluíram muito até a eleição de Dilma Rousseff. “São 20 anos, e 20 anos de muitas mudanças. Mas ainda assim é um processo lento. Da eleição da Alzira até hoje, são 82 anos”, calcula. Os avanços institucionais para garantir a participação da mulher também foram se consolidando. A lei eleitoral atual, por exemplo, prevê a indicação de ao menos 30% de mulheres nas chapas dos partidos para as eleições proporcionais.

Reforma política

Presidenta

No entanto, como essa regra é frágil – especialmente pela ausência de punição ao partido que a descumprir – a nova ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres do governo federal (SPM), Iriny Lopes, propõe acelerar a discussão da reforma política no Congresso com a inclusão de mecanismos que ampliem a participação feminina no poder. “As cotas de mulheres ainda não são respeitadas nas chapas, mas é importante saber que há uma orientação formal do Estado de que as mulheres devem participar do processo político”, afirma a secretária da CTB, Doquinha. “É necessária a presença das mulheres nos partidos, e para isso precisamos ter um sistema de listas com nomes alternados masculinos e femininos e principalmente recursos. As campanhas estão cada vez mais milionárias e as mulheres não conseguem competir”, defende a ministra. De acordo com a deputada Luiza Erundina (PSB-SP), coordenadora da bancada feminina na Câmara Federal, ainda faltam iniciativas de capacitação política voltadas às mulheres, e esse incentivo precisa vir também da família, da escola e demais instituições.

Pautando essa necessária mudança de cultura, o movimento feminista conseguiu consolidar junto às demais entidades dos movimentos sociais a importância da utilização do termo “presidenta” ao invés de “presidente” para se referir à primeira mulher que chegou ao posto de chefe de Estado do país. A defesa do termo presidenta é feita de forma bem-humorada, embora com argumentos sólidos, em uma outra situação. Em “José e Pilar”, um documentário sobre a vida do escritor José Saramago com sua esposa, a jornalista Pilar Del Rio, ela assume a presidência da Fundação José Saramago e, ao ser entrevistada, quando um repórter a chama de presidente, ela corrige de imediato: “Apenas os néscios me chamam de presidente”, e defende o

A luta pelo protagonismo tem sido um marco na luta das mulheres no nosso país

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brasil

uso do termo presidenta, alegando que antes o termo não era usado porque a função não existia, ou seja, as mulheres eram alijadas do poder. Essa é também a posição da coordenadora da União Brasileira de Mulheres (UBM), Elza Campos: “O termo ‘presidenta’ reforça a perspectiva do empoderamento das mulheres, e rompe com essa linguagem que privilegia os termos masculinos. Em que pese o termo ‘presidente’ ser unissex, a utilização de ‘presidenta’, vocábulo presente nos dicionários, é um reforço de que se trata de uma mulher. A linguagem que está presente historicamente no mundo no geral é sexista porque reflete o espaço maior reservado para o homem nas várias instâncias da sociedade” Elza considera, ainda, que a presidenta Dilma começou bem em relação a atitudes que ajudem na formação de uma nova consciência acerca do papel da mulher na sociedade, dando o exemplo: “A manifestação da presidenta, já indicando nove ministras mulheres é importante, porque são 34 ministérios, então as mulheres são 24% do total de ministros e ministras, o que demonstra uma mudança importante em relação ao governo Lula, quando apenas 11% dos ministérios eram chefiados por elas”.

Visão classista Com espírito combativo e visão classista, Elza e Doquinha fazem questão de apresentar desde já suas pautas: “Vivemos em uma sociedade de classes, em que um grande número de sujeitos vive em condição de vulnerabilidade social, e a parcela

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VISÃOClassista

Agência Brasil

Dilma é uma mulher que tem história de luta e que valoriza a participação das mulheres na luta

maior desses indivíduos é de mulheres, porque há uma feminização da pobreza”, destaca Elza. Doquinha pauta a luta pela superação da histórica diferença salarial entre homens e mulheres: “Salário igual para o trabalho igual. A CTB elegeu essa bandeira como eixo central da sua luta. Sem isso, as conquistas ficam pela metade. A maior qualificação das mulheres, comprovada por diversos estudos, tem que refletir em reconhecimento salarial”. A secretária da mulher trabalhadora explica que a Constituição brasileira e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) já definem a isonomia salarial entre homens e mulheres, mas alega que isso ainda não é uma realidade. A CTB luta pela aprovação do Projeto da Igualdade, que inclui: redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, sem redução de salários; aumento do número de creches e escolas públicas, para que as mulheres tenham condição de trabalhar com qualidade; aplicabilidade da Lei Maria da Penha na sua totalidade; salários iguais; reforma agrária, com prioridade de articulação da terra para a mulher, assim como financiamento também para as mulheres. “No movimento camponês a mulher é bastante protagonista, mas na hora de obter a titularidade da terra, é sempre o homem quem recebe. É preciso aprovar o Projeto da Igualdade, porque ele é uma forma de regulamentar, de detalhar e definir melhor os direitos da mulher no processo atual do Brasil”, argumenta Doquinha. A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher foi firmada pela ONU em 1967 e ratificada pelo governo brasileiro em 1981. Ficou acertado, nesta convenção entre os países signatários, o compromisso de eliminar todas as restrições contra a mulher trabalhadora. Entretanto, a desigualdade salarial ainda é uma triste realidade, assim como o alijamento da mulher dos cargos de chefia. “Hoje as mulheres são ampla maioria no mercado de trabalho e há muitas famílias chefiadas por mulheres. Chefes de família que administram suas vidas, estudam e buscam sua posição no mercado, apesar da diferença salarial.

DEMANDA   Iriny Lopes defende mais mulheres nos partidos A luta pelo protagonismo tem sido um marco na luta das mulheres no nosso país”, relata a sindicalista.

Empoderamento da mulher A principal pauta no sentido de tornar pleno esse processo de emancipação e equiparação dos direitos das mulheres com os dos homens é justamente o empoderamento da mulher, afinal, estando nos espaços de poder, as mulheres terão melhores condições de apresentar as suas pautas e fazer com que elas se efetivem. Esse é o mote do 8 de março em 2011. Com uma legítima representante no poder central do país, as mulheres vão às ruas pautar maior participação na política nacional, lutar por empoderamento e todas as bandeiras de luta que cabem nesta demanda: de superação da divisão social do trabalho em que as mulheres são destinadas às jornadas triplas de cuidar da casa e dos filhos, além de exercer a sua profissão, passando pela efetivação da isonomia salarial entre homens e mulheres, até a garantia real de participação das mulheres na política e nos mais diversos espaços de poder, nas universidades, empresas públicas e privadas e nas diversas instâncias dos três Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.


MULHER Raimunda Gomes

Valorização da mulher aprimora a democracia

A

o longo da nossa história foi atribuído à mulher o domínio da esfera privada, ou seja, o cuidado com a casa e a família, enquanto que ao homem foi atribuído o domínio da esfera pública, prover o sustento da família e controlar os meios de produção. Este fato vem sendo rompido e alterado gradativamente, seja pela luta imperiosa das mulheres em se tornarem protagonistas de sua própria história ou pela combinação da luta emancipacionista com a necessidade da mão de obra feminina no sistema capitalista de produção. Da conquista do voto aos dias atuais, a mulher brasileira tem protagonizado importantes papeis na disputa de espaços na vida profissional, pública e política. Com bastante dinamismo tem ocupado funções de chefia no mercado de trabalho, como dirigentes nas representações sociais e sindicais e, na esfera política, tem disputado cargos que vão da vereança à Presidência da República. O coroamento dessas disputas aconteceu com a eleição de Dilma Rousseff, a primeira mulher presidenta do Brasil, juntamente com Deputadas e Senadoras que nos representarão no Congresso Nacional. Para o movimento feminista, a eleição de Dilma aprimora a

democracia ao colocar a mulher num lugar que antes só havia sido ocupado por homens e, que se configura numa expressão de valorização da figura feminina não só pela beleza ou ternura, mas pela competência e compromisso com toda a nação, de homens e mulheres. A CTB, entidade classista e plural que expressa na formulação de sua nomenclatura a valorização da mulher na luta pela superação das desigualdades, reafirma seu compromisso de buscar junto ao novo governo, que possui em sua composição um significativo contingente de mulheres, mais espaço para a implementação de políticas públicas que melhorem a vida das mulheres e garantam qualidade de vida às famílias brasileiras. Num contexto em que a mão de obra feminina representa mais de 50% da força de trabalho no Brasil e ganha em média 30% a menos que os homens pela realização das mesmas funções, é duplamente explorada pelas superjornadas de trabalho e submetida há diferentes manifestações de violência, faz-se necessário o combate a todas as formas de opressão e discriminação. Nesse sentido, defendemos que o eixo da ação política para o ano de 2011 seja a unidade dos movimentos feministas

e progressistas em torno de políticas públicas que garantam, de fato, a igualdade entre homens e mulheres: como redução da jornada de trabalho para 40h semanais sem redução de salário, valorização do trabalho com igualdade de oportunidades, salário igual para trabalho igual em todos os setores da economia, reforma agrária com titulação e crédito para as mulheres, construção de creches e escolas públicas de qualidade, fim do fator previdenciário que dificulta a aposentadoria, efetivação da licençamaternidade para 180 dias em todos os segmentos e aplicação da lei Maria da Penha, dentre tantas outras bandeiras de luta. Neste ano, o dia 08 de março – Dia Internacional da Mulher, coincide com as festividades do carnaval, data importante na cultura brasileira que também deve ser comemorada. Então, a CTB propõe uma jornada de luta por todo o mês de março em todos os estados, com atividades que não se restrinjam ao combate às formas de opressão, exploração e violência, no lar e/ou no trabalho, mas, como perspectiva de emancipação enquanto sujeito social e a busca de superação do status quo. Fundamentalmente, na construção de novos hábitos, como pressuposto à formação do novo homem e da nova mulher com mais consciência social.

A eleição de Dilma aprimora a democracia ao colocar a mulher num lugar que antes só havia sido ocupado por homens

Raimunda Gomes, a Doquinha, é professora, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Educação do Amazonas e secretária da Mulher Trabalhadora da CTB. VISÃOClassista

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MOVIMENTOS SOCIAIS

Grito por igualdade Cinthia Ribas

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om o slogan “Por um mundo de igualdade contra toda a opressão”, em agosto de 1988, no 1º Congresso Nacional de Entidades Emancipacionistas de Mulheres, realizado em Salvador (BA), nasceu a União Brasileira de Mulheres (UBM). A iniciativa se deu a partir do esforço e da coragem 1.200 mulheres que firmaram um compromisso de unidade e de luta, em busca de um Brasil diferente, enfrentando as adversidades de uma época em meio à discussão de uma nova Constituinte livre e soberana. A Constituição de 1988 incorporou avanços significativos, na medida em que reconheceu a mulher como sujeito de direitos em seu artigo 5º, consagrando a igualdade de todos perante a lei, inaugurando um novo momento para os brasileiros. Nesse período, o Brasil passou por um intenso processo de revitalização da sociedade civil, que colocou em xeque não apenas o Estado ditatorial recém-derrotado, mas sobretudo a rede de relações autoritárias que atravessava a sociedade brasileira.

Nova fase A década de 80 foi palco de um amplo movimento de conquistas democráticas dos movimentos sociais, incluindo o movimento feminista. Sindicatos e entidades populares fortaleceram-se, as demandas populares ganharam visibilidade pública e as aspirações por uma sociedade justa e igualitária expressaram-se na luta por direitos, que acabaram se consubstanciando na Constituição de 1988.

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VISÃOClassista

A UBM surge num momento de ascensão do movimento social brasileiro, como uma entidade articuladora das uniões de mulheres existentes em vários estados, na perspectiva de constituir-se em entidade de massa na defesa do feminismo emancipacionista, que entende que a opressão específica da mulher está relacionada à opressão de classe, entrecortada com as questões de gênero, raça, etnia, orientação sexual e de geração. Atualmente deputada federal por Minas Gerais, Jô Moraes foi a primeira eleita para comandar a entidade que desde sua fundação já se forjou com a perspectiva classista, além de indicar a luta pelo direito ao trabalho e pela creche. A luta pela ampliação da representação feminina, o debate da política de cotas, a luta pela igualdade de salários, transformações do perfil da mulher trabalhadora, a importância da atuação com sindicatos e associações, foram temas e bandeiras levantadas ao longo dos anos, durante os sete congressos realizados até este momento. Hoje, quem coordena nacionalmente a UBM é Elza Campos, que iniciou sua militância na década de 80, dentro de sua categoria: assistente social. Do movimento sindical para o feminista, Elza percebeu que era um “pulo”. As questões estavam entrelaçadas. Daí, a partir de sua participação na UBM Curitibana – fundada em 1984 –, passou a atuar no movimento de mulheres, que culminou com sua nomeação à Coordenação Nacional da entidade em 2010.

A UBM surge, portanto, num momento de ascensão do movimento social brasileiro

UBM

UBM comemora 23 anos de luta em defesa dos direitos das mulheres, trajetória marcada pelo seu caráter classista e emancipacionista

EMPODERAMENTO  Apesar de avanços, desigualdade ainda é

Pelas mulheres daqui e de lá No Brasil, a entidade está organizada em todos os estados brasileiros. Sua representação, no entanto, já alcança patamares mais altos, já que atualmente a UBM conta com uma reconhecida trajetória dentro dos movimentos sociais internacionais. Essa participação fora do Brasil se deu a partir da preparação e adesão à Conferência de Pequim, quando em 1995 a ONU (Organização das Nações Unidas) promoveu a 4ª Conferência Mundial sobre a mulher, ocasião em que as organizações que trabalham com os direitos humanos das mulheres reivindicaram que os governos adotassem medidas concretas para combater os problemas de gênero. Como resultado, representantes dos


mulheres na sociedade. Cursos de capacitação e formação de mulheres para atuar frente aos diversos espaços de poder e decisão permitem o fortalecimento político feminino, aumentando o seu protagonismo e se somando a outras importantes ações em andamento com o intuito de avançar no combate às desigualdades e à discriminação. Contudo, apesar dos avanços e conquistas legais, as mulheres continuam enfrentando, em sua vida cotidiana, desafios no combate à discriminação no mercado de trabalho, desigualdade de oportunidades, dificuldades para se capacitar profissionalmente, exercício da dupla jornada de trabalho, pouca presença em posições de poder e de decisão, sobretudo, nas esferas do poder político. A superação do desafio da atuação feminina mais efetiva da mulher nos sindicatos é uma das preocupações da entidade, que luta para reverter o atual cenário através da exigência da adoção do sistema de cotas de representatividade feminina na direção dos sindicatos.

Maria da Penha e Ligue 180

gritante governos participantes, entre os quais o Brasil, assinaram a Plataforma de Ação, documento que incluiu um capítulo inteiro sobre a eliminação da violência contra as mulheres. É nesse período que a UBM se filia à Federação Democrática Internacional de Mulheres (FDIM). Desde então, suas representantes vêm participando de eventos internacionais como o Encontro Feminista realizado no Chile, em 1997 e o Encontro Internacional de Solidariedade entre as Mulheres, realizado em Cuba. “Quase dois bilhões de mulheres em todo o mundo não têm seu potencial profissional aproveitado pela falta ou dificuldade de acesso à educação, saúde, justiça. Tendo em vista que a luta da UBM se coloca na perspectiva de combate ao imperialismo, contra o colonialismo,

os fundamentalismos e a qualquer tipo de opressão contra as mulheres e os povos, a articulação do movimento feminista internacional e dos movimentos sociais ganha centralidade”, revela Elza.

Conscientização: participar é preciso A busca por elevar o nível de consciência e atuação política feminina é um dos caminhos seguidos para a mudança desse cenário de desigualdade. Na UBM, atividades de pesquisa sobre assuntos relacionados aos problemas enfrentados pelas mulheres, particularmente nas áreas de trabalho, saúde, violência e políticas públicas, dividem espaço com a promoção de seminários, cursos, palestras e debates sobre a questão de gênero, a atuação e a participação das

O combate à violência contra a mulher é outra bandeira histórica da UBM. A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece a violência doméstica como um problema de saúde pública, pois afeta a integridade física e a saúde mental, destrói a auto-estima, causa doenças, prejudica a qualidade de vida, interfere no exercício da cidadania das mulheres e no desenvolvimento da sociedade em sua diversidade. Essa luta vem sendo intensificada nas últimas três décadas por entidade feministas e movimentos sociais. Fato que comprova essa afirmação é batalha pela aplicação da Lei Maria da Penha e o aumento no número de denúncias através do Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180. A Lei 11340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, é uma das conquistas que atende a uma luta VISÃOClassista

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MOVIMENTOS SOCIAIS

UBM-Pernambuco

histórica do movimento feminista no Brasil. Sancionada em agosto de 2006, ela combate a violência doméstica e de gênero, prevê punições mais rigorosas para as agressões e, entre outros, garante direitos de proteção às mulheres vitimadas. No entanto, ainda encontra muitos empecilhos em sua aplicação e em seu entendimento. “Diante de tudo que vem acontecendo ainda se faz necessária uma grande mobilização para proteção e defesa da Lei Maria da Penha, em particular uma luta para que o Judiciário tenha papel relevante nesta proteção ao contrário do que tem sido feito por uma parte do Judiciário de tentativa de deslegitimar a Lei. É necessário lutar pelo impedimento da desconstrução da Lei Maria da Penha”, enfatiza a coordenadora da UBM. Há poucos anos, os casos de violência passavam despercebidos. Campanhas de entidades e governo têm motivado as mulheres a procurar apoio. Só em 2010, o serviço da Secretaria Nacional de Política para as Mulheres contabilizou um aumento de 128% no total de denúncias de violência contra a mulher em relação ao registrado no ano anterior, por meio do Ligue 180.

Desafios A UBM entende que, apesar dos avanços conquistados nos últimos anos, as desigualdades de gênero ainda são imensas, tanto no poder, na sociedade em geral, na política e no mercado de trabalho. O maior desafio se traduz no fortalecimento dos movimentos sociais, na democratização do acesso aos serviços públicos, na ampliação da participação nas instâncias de poder fortalecendo desta forma os processos de luta e de avanço na sociedade brasileira. Em 2011 acontecerá a 3ª

As mulheres continuam enfrentando, em sua vida cotidiana, desafios no combate à discriminação no mercado de trabalho 26

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Conferência de Políticas para as Mulheres, ocasião em que a UBM pretende reforçar as propostas do 2º Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, cujo principal objetivo será consolidar a pauta das mulheres como um assunto estratégico para nosso país. Antes disso, essa mesma discussão permeará o 8º Congresso Nacional da UBM, entre os dias 26 a 28 de maio deste ano, no Rio de Janeiro. Durante três dias, serão debatidos os avanços obtidos até agora e a ampliação das conquistas dos trabalhadores e trabalhadoras, particularmente no que

diz respeito ao novo projeto nacional de desenvolvimento e a participação das mulheres a partir desse momento de quebra de paradigmas no país. Para essas mulheres, romper com os padrões e papéis estabelecidos historicamente, do ponto de vista cultural, superando a subalternidade continuará sendo o maior desafio. “A meta a partir de agora é intensificar a convocação das mulheres para que se integrem nos quadros da UBM. Somando-se a nós, para que juntas possamos construir um Brasil de igualdade e justiça social de mulheres e homens livres”, explica Elza.


MUNDO DA COMUNICAÇÃO Altamiro Borges

EUA podem derrubar a internet?

N

a convulsão popular que contagiou o Egito no começo deste ano, um fato chamou a atenção. O ditador Hosni Mubarak, apavorado com a pretensa capacidade de mobilização das redes sociais, conseguiu tirar do ar a internet por alguns dias. O golpe contra a liberdade de expressão não surtiu os efeitos desejados, já que os manifestantes continuaram ocupando as principais praças do país exigindo a sua renúncia imediata. Mas a censura levantou suspeita sobre a real liberdade na rede. Vários estudos confirmam que a internet é, de fato, vulnerável. As corporações empresariais que dominam o setor já se utilizam dos dados que circulam pela rede para aumentar os seus lucros. Em momentos de maior tensão na luta de classes, os governos também possuem mecanismos para castrar o seu uso. Mas a simples derrubada de toda a rede ainda não tinha sido presenciada, o que indica que a liberdade na internet corre sérios riscos.

Os “bombardeios lógicos” do império Artigo recente publicado no sítio “Cuarta Generación” torna ainda mais preocupante este quadro. Ele evidencia que os EUA estão investindo

pesado para não serem mais surpreendidos pela rede. Segundo a reportagem, o Pentágono já desenvolveu os chamados “bombardeios lógicos”, que podem “desconectar a internet de países adversários” e até interromper a comunicação online. Além disso, os EUA podem interferir nas próprias transmissões das mensagens. “Através de uma central de transmissões, denominada ‘Comando Único’, o Pentágono é capaz de fazer transmissões de guerra psicológica em rádios AM, FM e UHF e TVs UHF e VHF. Sobrevoando uma área sem conexão à internet, o ‘Comando Único’ pode transmitir em uma grande zona de acesso Wi-Fi desprotegido”, revela a matéria. No caso de “ditaduras amigas”, como nas do mundo árabe, o império poderia bloquear as informações. Já contra “governos adversários”, ele poderia deturpar as mensagens na internet.

Guerra acirrada no mundo virtual “Temos como realizar essas operações, usando equipamentos via satélite, sem satélite e por meio de embarcações. Você pode até ter uma cyber-versão de uma rádio pirata”, explica o professor da

Naval Postgraduate Scholl, John Arquilla, ao sítio especializado, que apresenta vários outros recursos de interferência nas comunicações. O governo dos EUA já desenvolveu, inclusive, mecanismos de vigilância na própria telefonia celular. Através da tecnologia desenvolvida pela empresa estadunidense Textron, chamada de Fastcom (Forward Airborne Secure Transmissions and Comunication), já é possível utilizar drones (aeronaves nãotripuladas), balões ou via terrestre para acessar celulares e dados 3G. “Os militares usuários dessa rede podem receber dados de inteligência e reconhecimento, ter fontes de dados estratégicos e usar voz e dados por meio de satélites Viasat”. Em síntese, a guerra no chamado mundo virtual é cada vez mais encarniçada. A chamada convergência digital, que unifica de vez as comunicações e as telecomunicações, garante um papel ainda mais estratégico para este setor. Quem dominar esta tecnologia terá papel de relevo no futuro das comunicações. Quem patinar será presa fácil nas mãos das potências capitalistas e das corporações gigantes do setor.

As corporações empresariais que dominam o setor já se utilizam dos dados que circulam pela rede para aumentar os seus lucros.

Altamiro Borges é jornalista e presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé

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CULTURA

Em nome da cidadania e do Nova gestão do MinC inicia seus trabalhos a partir de patamar mais avançado, mas ainda incipiente Joanne Mota

O

cenário cultural brasileiro vive um grande momento, o que no olhar do ex-ministro da Cultura Juca Ferreira, só reflete o trabalho empreendido durante os dois governos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003–2010). Em entrevista à revista “Princípios” (edição de novembro de 2010, n° 110), ele disse que os objetivos principais da gestão foram alcançados. Dentre eles, o ex-ministro destacou o desenvolvimento cultural e da economia da cultura e o fortalecimento do corpo simbólico e a ampliação de acesso aos segmentos da cultura. Esses avanços sinalizam os desafios que a nova presidenta, Dilma Rousseff, e a sua ministra da Cultura, Ana Hollanda, terão que assumir nos próximos quatro anos. Em seu último

dia como ministro da Cultura, Juca Ferreira divulgou carta à imprensa na qual externava que muito foi feito, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido. “Fomos além do dever e das obrigações. Dedicamos-nos de corpo e alma. Mas não me iludo, sei que muito ainda se poderia fazer e que muito precisa ser feito pela cultura de nosso país (...) a cultura brasileira, na gestão do governo Lula, passou definitivamente a ser tratada como primeira necessidade de todos”, finaliza o ex-ministro.

Cenário atual e desafios do MinC O Brasil inicia a segunda década do século 21 com significativas mudanças. Economia mais sólida, intensificação da convergência entre os meios de comunicação, a digitalização e a organização dos movimentos sociais são fatores que contribuem para tais transformações. O que por um lado torna a cultura proativa e por outro intensifica a consolidação de um

Divulgação Ministério da Cultura

EVOLUÇÃO   De Gil a Ana de Hollanda, passando por Ferreira, MinC passa a ter novo papel na estrutura de governo

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sistema de cultura, que atualmente torna-se cada vez mais atrelado ao sistema de mercado. Tais transformações têm como ponto sensível a vitória de um metalúrgico para presidente da República em 2002, que rompe com modelo construído ao longo do século 20 e sinaliza a trajetória a ser seguida pelo país. Os movimentos sociais e sindicatos assumiriam seu protagonismo e influenciaram tanto o setor políticoeconômico como o setor cultural. Em entrevista a “Visão Classista”, o ex-secretário de Cidadania Cultural do Ministério da Cultura (MinC), Célio Turino, destaca que o governo Lula encontrou um Estado necessitado de reestruturação, especialmente na área cultural. Ele salienta que o Brasil tomou um novo rumo nesta primeira década, superando o cenário irregular no que se refere às políticas culturais. “Naquele momento era preciso pensar em uma mudança de paradigma no que se refere à política cultural no país, de forma a ver a cultura não


desenvolvimento só como expressão dos artistas e da Arte”, esclarece. Turino, que foi um dos idealizadores do programa ‘Cultura Viva’, acrescenta que quando assumiu seu cargo no MinC, em 2004, observou o que seria necessário para pensar a cultura a partir de uma concepção viva. “Nosso primeiro passo foi pensar a cultura como expressão antropológica, enquanto arte, mas também enquanto cidadania e economia. A partir daí iniciou-se a construção de um sistema orgânico de produção cultural, base da ideia dos pontos de cultura. Agimos para quebrar tradições históricas”, explica Turino. Reforçando esta ideia, o pesquisador da Universidade Federal de Sergipe, César Bolaño, organizou, em 2010, o livro “Economia da Arte e da Cultura”. A coletânea realizada por diversos pesquisadores da área deixa claro que o maior desafio do Estado era o de reescrever o cenário que antigos governos construíram. “Quando olhamos para as ações do MinC fica

claro que houve reestruturação. Um exemplo, são as ações culturais criadas na última década”, explica o pesquisador. Porém, ele acrescenta que exemplos como o governo do ex-presidente Fernando Collor de Mello (1990-1992), com suas reformas de corte neoliberal, vão na contramão do desenvolvimento do setor cultural. Um dado foi a “extinção de instituições como o Ministério da Cultura, da Fundação do Cinema Brasileiro e da Embrafilme. O governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) também promoveu mudanças, porém estas salientaram ainda mais as diretrizes neoliberais, que regularam o setor cultural pelo ritmo de mercado, as quais colocaram como maior fonte de investimento a renúncia fiscal, através da Lei Rouanet”, expõe. A pesquisadora da Universidade de Brasília, Dácia Ibiapina, comenta que desde o governo FHC as políticas públicas de renúncia fiscal vêm sendo adotadas como as únicas ou as mais

Naquele momento era preciso pensar em uma mudança de paradigma no que se refere à política cultural no país, de forma a ver a cultura não só como expressão dos artistas e da Arte importantes formas de fomento à cultura no Brasil. “A renúncia fiscal, por exemplo, tem sido uma das poucas fontes de investimento no cinema brasileiro. Elas têm vantagens e desvantagens. Uma das vantagens é que os produtores culturais têm pelo menos uma alternativa segura para viabilizar seus projetos culturais. A desvantagem é que pode gerar acomodação, tanto dos produtores,

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CULTURA quanto do público. São poucos os espectadores que se lembram que o filme brasileiro a que eles estão assistindo foi feito com dinheiro público. A renúncia fiscal deve ser uma das políticas públicas de incentivo à cultura, mas não a única.”, alerta ela.

Cultura e desenvolvimento social O debate entre governo, movimentos sociais e academia sobre os rumos que a cultura vem tomando torna-se mais saliente, sobretudo quando pensado a partir de um projeto de desenvolvimento social. De acordo com Manoel Rangel, diretorpresidente da Agência Nacional de Cinema (ANCINE), em publicação na revista “Princípios”, torna-se urgente pensar o campo cultural a partir da ideia de universalização do acesso, do fortalecimento da produção independente, da internacionalização e defesa da diversidade. Nesse sentido, o saldo do MinC sobre as políticas culturais implementadas na primeira década deste século demonstra a importância de como a articulação entre Estado, sociedade e setor econômico tornase importante para produção cultural

Garantir o protagonismo da sociedade, que se desenvolverá com o fortalecimento da autonomia da própria sociedade, e que levará ao empoderamento deste segmento e artística brasileira. Visto que de um lado, é possível ver produtores e gestores culturais em busca do apoio de técnicos na formulação de seus projetos e, de outro, o mercado percebe as possibilidades de um campo que se torna cada vez mais convergente com as novas tecnologias. Célio Turino comenta que o projeto da gestão Gilberto Gil/Juca Ferreira buscava ultrapassar aquele aspecto da cultura do iluminismo, da cultura dos padrões de consumo, ou mesmo de cunho meramente econômico. Nesse sentido, o Estado assumiu seu papel no processo de consolidação

Ítalo Rios

RESPONSABILIDADE   Para Turino, Estado assumiu seu papel sobre a cultura

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das políticas. Segundo ele, um dos objetivos é “garantir o protagonismo da sociedade, que se desenvolverá com o fortalecimento da autonomia da própria sociedade, e que levará ao empoderamento deste segmento. É interessante dizer que o tripé conceitual do programa ‘Cultura Viva’ apresenta esta mesma base: autonomia, protagonismo e empoderamento sóciocultural”, finaliza. Para Dácia Ibiapina as políticas públicas culturais dos governos de Lula deixaram de privilegiar apenas as elites e se voltaram também para a inclusão de setores sociais antes excluídos. “Os pontos de cultura, o programa ‘Cine Mais Cultura’ e a idealização de um vale cultura são bons exemplos de como as políticas culturais vêem se articulando com outros setores”, complementa a pesquisadora. Neste sentido, o ex-secretário do MinC lembra que no caso do programa “Cultura Viva”, os pontos de cultura assumem cada um sua forma, ou seja, apresentam-se de acordo com suas peculiaridades. Porém todos possuem uma característica em comum, a plataforma cultura digital, esta que supera a idéia do telecentro e garante


que quem faz o ponto de cultura tenha acesso aos meios de produção. “Levar a internet é muito importante, mas o que nós queríamos era garantir que quem fizesse cultura passasse por todos os estágios de produção. Então, estes pontos possuem pequenos equipamentos de gravação audiovisual, de gravação musical, três computadores operando como ilhas de edição e software livre. Todo esse aparato garante que a narrativa de quem faz cultura tenha o olhar da região onde foi produzida”, enfatiza Turino. Dácia Ibiapina acrescenta que os avanços observados ainda não são suficientes para que o setor cultural assuma um papel protagonista na história brasileira, mas é preciso ratificar o trabalho da última gestão do MinC. “Diria que alguns passos foram dados, mas ainda há muito por fazer. A diversidade cultural brasileira foi apresentada à população. Os dois começaram a namorar. Mas o casamento ainda está por acontecer. E deve ser mostrado para todo o Brasil: no rádio, na TV, no teatro, no cinema, na música, e, sobretudo, na Internet”, explica.

Fortalecimento da cultura no Brasil Entre 2005 e 2010, sociedade civil e Estado uniram-se para realizar duas conferências nacionais de cultura. O objetivo era construir um novo modelo de política pública de cultura que contribuísse para a formulação de diretrizes que modernizassem as políticas culturais até então desenvolvidas. De acordo com informações do site do MinC, o foco é ver a cultura como uma plataforma multidisciplinar, observando-a de forma estratégica em relação à indústria cultural. A pesquisadora Dácia Ibiapina

Os movimentos sociais e sindicatos assumiriam seu protagonismo e influenciaram tanto o setor político-econômico como o setor cultural

verifica que esse posicionamento deve ser refletido criticamente, pois as indústrias culturais, em sua maioria, são privadas e devem gerar lucro para os seus donos. Ela lembra que com a estabilidade econômica, o consumo e a demanda cultural assumem maior importância, pois geram emprego e renda, mas a presença do Estado torna-se fundamental para que esses produtos não se tornem matéria-prima da reprodução midiática de novas mercadorias. “É preciso ver que este novo setor se aliado à educação e aos esportes, por exemplo, pode contribuir para tirar as pessoas da exclusão sócio-econômica e político-cultural. Dessa forma, cabe ao Estado fazer a mediação, estabelecer critérios e cobrar resultados por meio de políticas públicas para o setor”, alerta. Toda essa dinâmica leva a esfera acadêmica e institutos de pesquisa a pensar no desenvolvimento da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas. Turino afirma que a gestão pública tem como grande desafio reduzir os entraves burocráticos de seus mecanismos de fomento e incentivo, para facilitar seus usos e o diálogo com grupos informais que antes não se relacionavam com o Estado. “É preciso que aprofundemos a discussão nessa esfera, sobretudo a partir do viés cultura/trabalho, pois o discurso das Indústrias Criativas e da Economia da Cultura apresentam, a meu ver, um peso, sobretudo pelo viés de apropriação da cultura pelo sistema capitalista, e como o capital transforma tudo em coisa, isso levaria a uma coisificação da cultura”, opina o ex-secretário.

Perspectivas Acompanhando as mudanças culturais por que vem passando o Brasil, em 2010 a sociedade elege

Dilma Rousseff como presidenta – a primeira mulher da história do país a ocupar esse cargo, em sucessão do primeiro operário. Ao compor seu ministério, Dilma nomeia outra mulher para a pasta da Cultura, Ana de Hollanda. Para Dácia Ibiapina “é provável e desejável que a gestão da ministra seja diferente da gestão do ex-ministro Juca Ferreira, assim como é desejável que o governo da presidenta Dilma Roussef seja diferente da gestão do presidente Lula. Acredito que a nova ministra vá avaliar as políticas culturais de seu antecessor e dar continuidade às que já foram avaliadas e tiveram comprovados sua relevância e seus resultados. Espera-se que seja uma ministra criativa, sensível e ciente de sua responsabilidade”, opina. Turino lembra que o desenvolvimento sócio-políticocultural não se apresenta de forma espontânea, ele se dá continuamente. “Hoje saímos do download para o upload, isso significa um ganho enorme para o setor. Tornamos-nos modelo para muitos países e criamos desafios para as próximas gestões. Mas é preciso alargar a visão cultural no Brasil, ainda temos encruzilhadas. E a maior delas é definir se o Ministério da Cultura é para a sociedade ou para os artistas”, finaliza o ex-secretário. VISÃOClassista

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SINDICALISMO

Unidade consolidada Maurício Morais

Celebração do 1º de Maio em 2011 reunirá cinco centrais sindicais; ato histórico intensificará a luta da classe trabalhadora no país Fábio Ramalho

E

m 2011, o ato em comemoração ao Dia do Trabalhador entrará para a história das lutas do movimento sindical brasileiro por reunir cinco das seis centrais sindicais reconhecidas do país. A Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) juntamente com a Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), Força Sindical (FS), Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST) e a União Geral dos Trabalhadores (UGT) visam reunir cerca de dois milhões, na Avenida Marquês de São Vicente, na cidade de São Paulo. “Este ano o 1º de maio unificado consolida uma decisão que nós (presidentes das centrais) tomamos durante a realização da 2ª Conclat, de atuarmos juntos pelos temas que norteiam a classe trabalhadora e, sendo assim, não haveria razão para

FORTALECIMENTO  Centrais esperam mobilizar 2 milhões de pessoas que cada central comemorasse o Dia do Trabalhador de forma individual, já que atuamos conjuntamente em

Arquivo CTB

CONTINUIDADE   A cada ano, mais centrais se unem para a celebração

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diversas lutas”, explica Wagner Gomes, presidente da CTB. O Dia do Trabalhador será um momento de confraternização em 2011, mas também de conscientização para que os trabalhadores e trabalhadoras do Brasil unam-se às centrais sindicais na luta pela ampliação dos direitos da população, por uma sociedade justa, democrática, igualitária, buscando o desenvolvimento do país com melhor distribuição de renda e valorização da classe trabalhadora. As comemorações contarão com apresentações artísticas e diversos atos políticos, momento em que serão levantadas as bandeiras de luta das centrais sindicais pela ampliação dos direitos da classe trabalhadora e da população em geral, como consta na Agenda da Classe Trabalhadora, documento aprovado em junho de 2010, em São Paulo, por aproximadamente 30 mil pessoas que


melhor distribuição de renda, melhoria para a saúde – com o fortalecimento do SUS – e educação de qualidade para todos. Exemplo disso são as marchas a Brasília e as manifestações realizadas em diversos estados, no sentido de demonstrar o propósito e o espírito de luta das entidades sindicais. “O Ato do 1º de Maio deste ano é importante para o movimento sindical, pois a unidade de cinco das seis centrais irá fortalecer e popularizar, cada vez mais, as propostas de desenvolvimento nacional que visam a garantir e ampliar os direitos da classe trabalhadora”, esclarece o secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o Juruna, que conclui: “É uma pena que a CUT não aderiu ao ato em 2011, mas nos próximos anos com certeza, ela estará conosco unida nessa atividade.”

A luta pelos estados Desde o congresso de fundação da CTB, em dezembro de 2007, em Belo Horizonte, um dos princípios fundamentais classistas é a luta pela unidade entre as centrais sindicais do Brasil. “No decorrer desses três anos, sempre buscamos a união de todo o movimento social e sindical para fortalecer a luta do movimento sindical brasileiro”, destaca o presidente Wagner Gomes. Na Bahia, a CTB ao longo dos anos vem desenvolvendo o trabalho de buscar a unidade entre o movimento sindical do estado. Há anos as ações conjuntas fizeram das comemorações do 1º de Maio um momento de lazer e descanso para a classe trabalhadora e sua família, mas também um dia de

participaram da 2ª Conclat, e que propõe medidas como desenvolvimento com soberania; democracia e valorização do trabalho; redução da jornada de trabalho sem redução de salário; reforma agrária; fortalecimento da agricultura familiar, fim do fator previdenciário, entre outros. O presidente da NCST, José Calixto Ramos, enfatizou que no atual cenário sindical do Brasil, as centrais já lutam conjuntamente por bandeiras que são comuns para todos, como o trabalho decente, o combate à exploração infantil, práticas antissindicais, as questões referentes às mulheres, entre outras. “O ato em comemoração ao Dia do Trabalhador desse ano ratifica essa união e fortalece a luta sindical”, diz. Esse acontecimento histórico para o movimento sindical brasileiro demonstra para a população como as centrais estão unidas em torno de um projeto de crescimento para o país, com VISÃOClassista

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SINDICALISMO reflexão e avaliação quanto aos anos de luta, as conquistas e o futuro do movimento sindical brasileiro. Em 2010, Pernambuco também fez das comemorações do Dia do Trabalhador um grande evento, que reuniu quatro centrais para a realização de uma grande passeata, no centro do Recife. O ato popularizou as principais bandeiras da luta do movimento sindical, como a redução da jornada de trabalho para 40 horas, o fim do fator previdenciário e a reforma agrária. A CTB de Goiás, por sua vez,

realizou uma homenagem à classe trabalhadora brasileira com uma sessão especial na Câmara Municipal de Goiânia e, juntamente com quatro centrais do estado, promoveu uma grande festa que contou com apresentações culturais, artísticas e atos políticos. Segundo o secretário geral da NCST, Moacyr Auersvald, a unidade das centrais fortalece a classe trabalhadora e, consequentemente, quem ganha é a população. “Com exceção das bandeiras históricas de

cada central, lutamos pelos mesmos objetivos. Então toda luta feita em conjunto se torna mais fácil – e isso é bom para a nação, para os trabalhadores e para as centrais, pois dessa maneira a população sabe que nunca estará sozinha” Já em São Paulo, o evento em comemoração ao 1º de Maio contou com a participação de três centrais sindicais que realizaram um concerto sertanejo, que reuniu milhares de trabalhadores, além de homenagear os 70 anos de criação do salário mínimo

Palavra dos presidentes das centrais sindicais

Wagner Gomes – Presidente da CTB “Desde a fundação da CTB, já vínhamos estabelecendo um diálogo, com todas as centrais sindicais, quanto à necessidade de termos uma atuação conjunta em relação às principais reivindicações dos trabalhadores, nós temos conseguido atuar unificadamente. Mas havíamos detectado um problema, pois nos atos do 1º de Maio, cada central estava realizando o seu evento. Já havíamos realizado o evento com uma parcela das centrais em 2009 e 2010, agora em 2011 conseguimos unificar cinco das seis centrais, desta vez somente a CUT não participará, mas no próximo ano esperamos reunir

todas as centrais, pois dessa maneira mostramos a força de uma ação conjunta para o avanço dos direitos trabalhistas”.

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Paulo Pereira da Silva (Paulinho) – Presidente da FS

José Calixto Ramos – presidente da Nova Central

“No ano passado, a Força realizou o ato junto com a CGTB. Desta vez, com certeza, faremos um dos maiores eventos do mundo, pois este é um importante momento de mostrarmos nossas bandeiras de lutas e reivindicações. Em poucos lugares do mundo o Dia do Trabalhador é comemorado desta forma, com envolvimento de diversas centrais representando todos os ramos de produção e essa unidade de ação mostra para a sociedade que estamos unidos

Este é um momento de interação muito importante para o movimento sindical e para a população brasileira. Na minha visão isso representa uma tentativa de entendimento entre as centrais em relação a questões comuns a todos os trabalhadores e trabalhadoras, independente de categorias profissionais, da central e do partido político que participam. Essa unidade representa o amadurecimento das centrais em torno do avanço dos direitos pa ra a classe trabalhadora e

em torno de um projeto que busca ampliar diretos e fortalecimento da luta da classe trabalhadora”.

Ricardo Patah – Presidente da UGT “Em todas as oportunidades que as centrais sindicais trabalharam de forma conjunta, quem saiu ganhando foram os trabalhadores e a sociedade. Tenho a esperança e a expectativa de que essa atividade conjunta continue para que possamos resolver uma serie de situações ainda adversas para a classe trabalhadora, como: a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, que entre outros fatores amplia a inclusão daqueles que estão fora do mercado de trabalho; a questão da convenção 158, que acaba com a festa de se trocar o trabalhador como se troca de roupa; e o fim

do fator previdenciário, que lesa o trabalhador na hora de sua aposentadoria”.

para a população de um modo geral.


e o septuagésimo aniversário do rei Pelé, um símbolo de persistência, garra e superação, assim como os trabalhadores e trabalhadoras do país. Para todos os estados da Federação, a direção nacional da CTB orienta suas estaduais a realizarem atos em comemoração ao 1º de Maio, unidas com as demais centrais, visando, acima de tudo, ao fortalecimento das bases para os trabalhadores e trabalhadoras tenham maior poder para reivindicar a ampliação de seus direitos.

O Dia Internacional do Trabalhador

Antônio Neto – presidente da CGTB “É um importante sinal de maturidade do movimento sindical. Pois a cada ano estamos conseguindo aprofundar a nossa unidade de ação, fato que tem contribuído para a união orgânica, em alguns casos. Temos agora o desafio de manter acesa a chama da união demonstrada durante a 2ª Conclat, de divulgar pelo Brasil a agenda aprovada pelo movimento sindical, criando consciência e mobilização suficientes para implantarmos as nossas propostas, sobretudo no que diz respeito aos direitos trabalhistas, redução da jornada de trabalho e

políticas sociais. Este é o caminho para a classe trabalhadora. O Brasil e o povo só têm a ganhar”.

Em meados do século 19, os operários das fábricas de Chicago, nos Estados Unidos, viviam condições de trabalho deploráveis. Os salários miseráveis e as jornadas de 12 horas diárias impossibilitavam o cumprimento das necessidades básicas de suas famílias. Essa situação, potencializada pela exploração do trabalho infantil, gerou revolta e indignação entre os trabalhadores. Em 1886, a recém-criada Federação dos Grêmios e Sindicatos Operários convocou uma greve geral, em todo o país, para o dia 1º de Maio daquele ano. Os 350 mil operários das fábricas cruzaram os braços, causando a ira aos patrões e do governo. Nos dias posteriores à manifestação, a polícia entrou em choque com os trabalhadores e nove pessoas foram mortas numa cidade vizinha e no centro de Chicago, num verdadeiro massacre no qual foram assassinados 80 operários. Devido a esse fato, o estado caçou, prendeu e num julgamento injusto e repleto de irregularidades, condenou os líderes da grave. Quatro dirigentes foram enforcados, um foi assassinado na prisão e outros três

pegaram prisão perpétua, o que os transformou em mártires da luta da classe trabalhadora pela melhoria das condições laborais. Dois anos depois, devido à onda de revolta que se espalhou pelo mundo, um novo júri foi constituído para reavaliar o caso e, desta vez, reconheceu a inocência dos réus e condenou o estado pelos assassinatos dos operários e dos líderes do movimento. Em homenagem aos operários mortos em Chicago, o Congresso Operário Internacional, reunido na França, em 14 de julho de 1889, para as comemorações do centenário da Queda da Bastilha, proclamou o 1º de Maio como Dia Internacional do Trabalho. Já em 1919, o líder da revolução russa, Vladmir I. Lenin, reforçou que o 1º de Maio deveria ser reconhecido como Dia Internacional do Trabalhador, o que os governos burgueses, ao longo dos anos, procuraram deturpar buscando transformá-lo, apenas, em um feriado festivo e insistindo em caracterizá-lo como Dia do Trabalho.

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organização sindical

Reafirmação em meio à 16º Congresso da FSM defenderá o protagonismo dos trabalhadores contra os interesses do capital Fernando Damasceno

“N

as circunstâncias atuais, sob as condições da globalização capitalista do mundo contemporâneo, que tipo de movimento sindical internacional é necessário para a classe trabalhadora?”. A complexa pergunta foi levantada por inúmeros dirigentes da Federação Sindical Mundial (FSM), durante seu 15º Congresso, realizado no final de 2005, na cidade cubana de Havana. Desde então a entidade passou por significativas mudanças, sempre norteadas pelo questionamento acima. Mais de cinco anos se passaram e agora a FSM se vê às vésperas de seu 16º Congresso, desta vez marcado para a cidade grega de Atenas, entre os dias 6 e 9 de abril. Em um dos documentos convocatórios para a atividade, o Secretariado da FSM provocou seus filiados a refletir sobre o que será discutido, a partir de uma análise a respeito do sindicalismo praticado ao redor do planeta. “Necessitamos de um mecanismo burocrático internacional que gaste dinheiro, que compre e venda sindicatos e sindicalistas, ou uma organização sindical baseada na ideologia, na estratégia política e social?”, questiona o documento.

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“Necessitamos hoje de um mecanismo burocrático internacional que coopere com as multinacionais e o capital, ou uma organização como a FSM, que decidiu avançar baseada a partir dos princípios, da cultura e dos valores do movimento sindical classista?”

CTB presente A delegação da CTB que participará do Congresso chegará à Grécia com a certeza de que os valores do movimento sindical classista precisam ser reafirmados. Para sua direção nacional, a luta em defesa dos interesses da classe trabalhadora contra a ofensiva capitalista, intensificada na crise, requer a mais ampla unidade de ação dentro do movimento sindical mundial. O secretário de Relações Internacionais da CTB, Severino Almeida, toca em ponto relevante para o fortalecimento do sindicalismo classista no mundo. Segundo ele, a principal contribuição a que CTB pode se dedicar no Congresso é convencer os demais membros da FSM a abrila à efetiva participação de um maior número de entidades sindicais, não necessariamente vinculadas a organizações de orientação socialista. “É evidente o esforço em direção à hegemonia promovida pela Confederação Sindical Internacional (CSI) e há, igualmente, evidente apoio a esta direção nos fóruns internacionais por parte de inúmeros governos”, argumenta. De acordo com Severino Almeida, grande parte do movimento sindical ao redor do planeta não está alinhada a nenhuma corrente de pensamento partidário, mas optariam por fazer parte de uma organização internacional com visão classista. “A FSM precisa ser não só democrática, mas também mais ampla e não sectária”, diz. O secretário de Relações Internacionais adjunto da CTB, João Batista Lemos, segue pela mesma linha, e afirma também que a FSM

iNDIGNAÇÃO  Trabalhadores gregos se negam a pagar pelos deve empreender uma estratégia de unidade de luta mais ampla. “É preciso que isso seja conquistado, ao mesmo tempo em que a FSM deve demarcar, em nível internacional, uma posição frente ao sindicalismo de colaboração de classe”, afirmou.

Prioridades Em janeiro de 2007, a FSM publicou um documento que serviu para direcionar sua plataforma de lutas para os próximos anos, já baseada nas resoluções do Congresso realizado em Havana dois anos antes. Destacam-se


crise

desmandos do sistema financeiro no texto as seguintes resoluções: - O movimento sindical deverá se guiar pelos princípios da luta de classes e orientados por ela. “Em nenhuma parte do mundo nenhum patrão ou governo capitalista resolveu, por iniciativa própria, os problemas da classe trabalhadora”, diz o documento. - A FSM crê na independência das organizações sindicais fora do marco dos monopólios e das grandes corporações. - É preciso combater o terrorismo realizado por governos e empresários que impedem a liberdade sindical em diversos países.

- A FSM luta pela participação ativa de todos os trabalhadores em seus sindicatos, como forma de combater a exploração do homem pelo homem em todo o planeta. - O movimento sindical deve reafirmar sua busca pela unidade de ação, respeitando as diferenças ideológicas, raciais, de credos, gênero, idioma e origem dos trabalhadores. “É preciso que nessa unidade de luta estejam incluídos os camponeses, os sem-terra, os autônomos e todos aqueles que têm a preocupação de tornar o mundo um lugar mais justo”. Além dessas prioridades, a FSM

também colocou em prática nos últimos anos a reafirmação da importância das chamadas UIS (União Internacional Sindical) – um instrumento classista para organizar as bases de trabalhadores de diversos segmentos. João Batista Lemos explica que o fortalecimento das UIS tem servido para aproximar a FSM às mais diversas categorias de trabalhadores ao redor do mundo. Ele cita a UIS-SP (servidores públicos), a UIS-Turismo (hotelaria) e a UIS-Metal (metalúrgicos) como exemplos de organizações que terão uma grande experiência a compartilhar no 16º Congresso. VISÃOClassista

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organização sindical

Europa em turbulência A realização do 16º Congresso da FSM se dará em meio ao turbilhão social no qual a Europa se transformou nos últimos dois anos, em

consequência à grave crise econômica iniciada nos Estados Unidos. Somente nos últimos meses, milhões de trabalhadores foram às ruas protestas contra as medidas “de austeridade” implementadas por governos como o da França, Espanha, Irlanda, Portugal e, principalmente, da Grécia, palco do encontro classista. Para George Mavrikos, secretáriogeral da FSM, as manifestações ocorridas por toda a Europa, em especial na Grécia, serviram de exemplo para o sindicalismo de todo o planeta. “Diante da difícil situação econômica e dos ajustes impostos pelo governo, os trabalhadores gregos deixaram claro, assim como em outros países, que ainda

João Zinclar

“A filiação de uma organização sindical a alguma UIS deve contribuir para fortalecer a autonomia dessas entidades, mediante o respeito à soberania de todas as entidades sindicais, com base em uma sólida unidade internacional, especialmente na luta contra governos e monopólios de caráter imperialista, antinacionais e contrários à organização sindical dos trabalhadores”, diz o dirigente cetebista.

SEVERINO   CTB defende FSM mais ampla

Entrevista |  Ramon Cardona, secretário para as Américas da FSM Jesus Carlos

Visão Classista: Que contribuições o sindicalismo da América Latina pode compartilhar com os companheiros do mundo todo no Congresso que está por ocorrer? Em “Nossa América”, como chamamos nosso continente, há uma dinâmica renovadora que tem levado a que a vontade popular instale no poder governos que se contrapõem ao neoliberalismo e à dependência nociva de anos de estrangulamento por parte do imperialismo norteamericano e das oligarquias nacionais subordinadas a seus desígnios. A luta em favor das mudanças a favor dos interesses do povo e contra a repressão ianque evidencia a existência de um movimento sindical que tenta fazer valer seus direitos. Esse combate por tornar realidade um mundo melhor, ao qual aspiram milhões de cidadãos, é o que nossa região compartilhará com os participantes dos 16º Congresso Sindical Mundial. Visão Classista: Como você analisa as recentes mudanças políticas na Europa? Com mais forças à direita, que tipo de sindicalismo pode emergir na região? Na Europa a FSM também se reanimou, o que é a expressão

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de que a vontade de luta se torna cada vez mais vigorosa. Da mesma forma, crescem seus filiados. Há sindicatos classistas que fazem valer sua luta histórica. Os trabalhadores europeus tendem a se livrar de um tipo de sindicalismo que assistiu inerte à retirada do proclamado “estado de bem-estar social”. Mas há também algumas organizações sindicais entregues aos interesses de multinacionais e dos governos que as sustentam, que se viram obrigadas a realizar manifestações sob pena de serem destituídos por aqueles que dizem representar. Outras, apesar do estado crítico de seus países, lamentavelmente permanecem inertes. Os eventuais giros à direita nessa região não poderão conter as ânsias de justiça de nossos irmãos europeus, injustamente golpeados pela cruel e insaciável ganância das empresas multinacionais que, sem limites para explorar, vão cavando seu fim. Visão Classista: Com o desenvolvimento das indústrias asiáticas, que papel o sindicalismo chinês e indiano poderão desempenhar nos próximos anos? Nos dois países, o movimento sindical classista é sólido. Na China, a ACFTU (All-China Federation

da organização de seus trabalhadores representados, sem o falso entusiasmo de contribuírem para a produção de um bolo que nunca nos será entregue para que seja dividido entre a classe trabalhadora. O lucro tem lado e interesses específicos e sabe disso”, diz. Para o dirigente da CTB, a realização do Congresso coincidirá com uma excelente data para a discussão da participação da classe trabalhadora nos rumos que serão tomados pelos governos da região. “É um bom momento para que todos os trabalhadores compreendam isso e, por sua vez, assumam um sindicalismo crítico e consciente dos riscos inerentes ao regime capitalista”, defende.

of Trade Unions, ou Federação de Sindicatos Toda-China, em uma tradução livre), respeitada pela FSM, com a qual mantém estreitos laços, contribui determinantemente para o avanço desse colosso, que em poucos anos emergiu social e economicamente, enfrentando com êxito a pobreza de seu povo. Recentemente, participei de uma delegação da FSM para um intercâmbio com a Federação de Sindicatos de toda a China, que agrupa cerca de 300 milhões de filiados, comprovando, com satisfação, o quanto a ACFTU progrediu nos últimos dez anos na defesa dos direitos de seus filiados. Na índia, a AITUC (All-India Trade Union Congress), poderosa central sindical filiada à FSM, enfrenta combativamente as políticas neoliberais que dilaceram os interesses de seus filiados, da mesma forma que a CITU (Centre os Indian Trade Unions), também vigorosa organização sindical que brinda seu aporta ao desenvolvimento sindical classista. Visão Classista: Em linhas gerais, qual sua expectativa para o próximo Congresso da FSM? Não há melhor mensagem que se possa brindar – mesmo antes de sua

Eduardo Navarro

persiste o orgulho pela história de sua classe. Impulsionados pelo movimento sindical classista, em particular pelo PAME, eles protagonizaram históricas jornadas que serviram de exemplos para outras nações que se negam radicalmente a continuarem sendo explorados”, sustentou o dirigente. Severino Almeida vê com preocupação a situação social da Europa, mas entende que esse cenário serviu para que a região acompanhasse o despertar de uma visão classista de suas entidades sindicais. “Acredito que as atuais gerações de dirigentes sindicais têm tudo para serem mais críticos nas relações entre capital e trabalho e acreditarem mais na necessidade

COMANDO   George Mavrikos, secretário-geral da FSM

celebração – a não ser o fato de que será um espaço de combate contra a imposição de medidas que tentam fazer com que os trabalhadores paguem pelas consequências de um modelo obsoleto e incapaz de das respostas às necessidades da humanidade. O 16º Congresso Sindical Mundial será um cenário no qual os trabalhadores, conduzidos por suas organizações sindicais classistas, não se resignarão diante da realidade que é imposta pelo modelo depredador que os avassala. Lutaremos! O Congresso se colocará à disposição para que os trabalhadores sigam reclamando por seus direitos, batalhando a favor da solidariedade e contra a ofensiva militar do imperialismo e de suas forças conservadoras e corruptas. Um relevante dirigente sindical de nossa região, reconhecido como intelectual marxista, o peruano (José Carlos) Mariátegui, nos deixou expressado que “o homem chega, para continuar de novo”. O 16º Congresso valorizará, como lhe corresponde, os êxitos obtidos até agora, mas somente como incentivo para refletir sobre o quanto é possível avançarmos quanto somos capazes de aperfeiçoar nosso desempenho.

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INTERNACIONAL

O EXEMPLO EGÍPCIO Sindicatos tiveram papel essencial na queda de Mubarak Lejeune Mirhan *

O

mundo foi pego, com certa surpresa, com as imensas manifestações ocorridas no final de 2010 na Tunísia, que resultaram na queda do ditador Zine El Abidine Ben Ali em 14 de janeiro e desde o histórico dia 11 de fevereiro na queda do ditador Hosni Mubarak, “presidente” do Egito desde 1981. Nos 18 dias de manifestações na Praça Tahrir (Libertação em árabe), que mobilizaram no Cairo e nas maiores cidades egípcias mais de 10 milhões de cidadãos – o Egito possui 80 milhões de habitantes – parecia que a revolução em curso não tinha nenhuma face, nenhum líder e nenhum rosto. Que era obra do espontaneismo. Quando muito, dizia-se que os “jovens estariam no comando”. Mas, e os trabalhadores egípcios, que papel jogaram e continuam jogando nesse processo? Sobre isso,

Foram registradas grandes mobilizações dos operários têxteis da região do Delta do Nilo

vale a pena tratar dessa temática, quase que completamente ausente nas grandes matérias que os correspondentes dos jornais da grande imprensa brasileira enviaram do Cairo diariamente.

Uma revolução em curso? Um debate que já se coloca no momento é se está em curso no Egito uma revolução. Como disse Lênin, as condições objetivas para que uma revolução aconteça é que “os de cima não mais conseguem governar como antes e os de baixo já na aceitam mais ser governados como antes”. Assim, objetivamente falando, há uma situação revolucionária criada no Egito. Resta-nos saber para que rumo ela pode pender neste momento e qual será mesmo o seu caráter. Mubarak renunciou no último dia 11 de fevereiro, mas o poder não foi transferido para um governo provisório, de união nacional, civil, que representasse, digamos, as forças que lideraram os protestos na Praça Tahrir. Muito ao contrário. Os Reuters

unidade   Cidadãos de todas as idades foram às ruas

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militares foram os que ocuparam o poder. Uma junta militar governa o país, sendo que todos, sem exceção, nomeados pelo ditador que se foi. O chefe dessa junta, marechal Tantawi, é o atual ministro da Defesa e era conhecido como o “poodle de Mubarak”. Tem fortes ligações com os EUA e Israel. Uma das suas primeiras declarações foi de que todos os acordos internacionais do Egito estão mantidos – em especial os de Paz com Israel assinado em 1979 por Anwar Sadat e o de cooperação militar com os EUA, que rende ao exército US$ 2 bilhões ao ano! De qualquer forma, há um processo revolucionário em curso. Sua liderança vem sendo disputada, basicamente entre três campos distintos. Um deles, ainda que defenda uma linha mais nacional e secular, tem estilo e propostas mais conservadoras. Como dizia o romance de Giuseppe Tomasi Lampedusa, “O Leopardo, “é preciso mudar para que tudo fique como está”. Tem forte presença militar e não alteraria o status quo em vigor, qual seja, de manter o Egito sob completo domínio dos Estados Unidos, como país estratégico em termos de área de influência americana e que protegeria Israel na região. Uma segunda linha, de caráter mais religioso, constitui de certa forma um campo. Pode ser polarizado pela Irmandade Muçulmana, fundada em 1928 e que está proscrita no país desde 1952 quando Gamal Abdel Nasser assumiu o comando do país. Quase não esteve na linha de frente dos protestos, mas é muito forte no país, pela assistência social que pratica. Com candidaturas avulsas ou por outros partidos, conseguiu, nas eleições de 2005, fraudadas, ainda assim, fazer 20% das cadeiras (algo como uns 80 deputados). Esse parlamento foi


EFE

coragem  Trabalhadores estiveram sempre na linha de frente dissolvido pela junta militar. Analistas estimam que em eleições diretas eles poderiam chegar a 30% dos votos. Por fim, há um campo chamado de nacionalismo mais laico, de caráter mais progressista e popular. Ele talvez pudesse reeditar o que um dia se chamou de pan-arabismo, criado por Nasser. Esse campo, ainda não de todo unificado, englobaria as organizações sociais de massa, de jovens, mulheres e sindicatos combativos, partidos mais progressistas, os socialistas e comunistas. Uma plataforma mais avançada chegou a ser esboçada por diversas organizações desse campo, mas ainda não pode ser implementada pelo desfecho da junta militar no país. Setores do Islã que não defendem o estado islâmico (sunitas) poderiam fazer uma composição que fortalecesse esse campo.

O papel dos Trabalhadores e dos Sindicatos Durante os quase 30 anos da ditadura de Mubarak, os sindicatos foram controlados a ferro e fogo. A central sindical oficial é extremamente moderada e pró-governo. Chama-se ETUF, que na sigla inglesa quer dizer Egipcian Trade Union Federation. Tal entidade não convocou nenhuma manifestação durante as mobilizações populares e em 27 de janeiro chegou a emitir uma nota dizendo que faria de tudo para “conter os protestos dos trabalhadores”. Houve um racha no movimento

sindical e uma nova organização surgiu nas lutas, capitaneadas pelos sindicatos independentes de servidores públicos, da área da saúde e alguns de origem operária. Desse movimento, surgiu a Federação dos Sindicatos Independentes do Egito. Os sindicatos de profissionais liberais – que são fortes nesse país e possuem modelo parecido com os que temos no Brasil – estiveram na linha de frente das manifestações. Em especial os sindicatos de médicos, advogados e engenheiros. A prova da força desses sindicatos é a nota da Junta Militar, em seu 5º comunicado, que exorta aos trabalhadores “operários e aos profissionais” a que voltem ao trabalho e encerrem as greves. É preciso destacar que num processo revolucionário geral que vive hoje o Egito, isso também se verifica na esfera sindical. A maioria dos sindicatos é controlada por sindicalistas ligados ao Partido do ditador Mubarak, o Nacional Democrático. Nesse processo, sindicatos foram ocupados e muitas direções foram destituídas. Novas entidade foram formadas. A grande imprensa escondeu, durante a maior parte do tempo, essas mobilizações operárias e proletárias em geral. Mas, foram registradas grandes mobilizações dos operários têxteis da região do Delta do Nilo na cidade de Mahalla, com milhares de operários (a maior concentração operária do Norte da África e mundo árabe); trabalhadores

em telecomunicações se mobilizaram; bem como os do setor de limpeza; professores universitários decretaram greve geral; jornalistas tomaram de volta seu sindicato histórico; ferroviários paralisaram atividades; fábricas e instalações industriais foram ocupadas; federação dos aposentados saíram às ruas. Tudo isso, de modo geral, podemos dizer que o processo revolucionário em curso chegou às fábricas e locais e de trabalho. Vários comitês revolucionários foram criados no processo. Os operários das cidades de Suez, Port Said e Ismaillia, metalúrgicos e siderúrgicos paralisaram a produção. Os seis mil trabalhadores públicos do Canal de Suez cruzaram os braços. Nessa região concentram-se grandes estaleiros, que interromperam suas atividades. Operários das empresas de Carvão e Cimento, no distrito de Halwan também suspenderam o trabalho. Papel de destaque tiveram os petroleiros, que desafiaram o ministro do Petróleo, Sameh Fahmy. São operários da estatal PetroTrade Companhy e as Petroment e Syanco. Ferroviários exigiram a participação nos lucros das empresas. Os motoristas e condutores das empresas públicas de ônibus do Cairo aderiram ao movimento paredista. Enfim, podese dizer que o processo em curso contou com elevada participação do proletariado egípcio. As reivindicações gerais das organizações sindicais em luta podem ser resumidas em: 1. Direito ao Trabalho; 2. Salário Mínimo de € 150; 3. Direito à Proteção Social (moradia, educação, transportes e saúde de boa qualidade); 4. Liberdade Sindical e 5. Libertação de todos os presos, em especial, sindicalistas. Do ponto de vista da solidariedade operária e proletária internacional, devemos somar nossas vozes do sindicalismo classista com a revolução no Egito, gritando em alto e bom som: Tirem as Mãos do Egito! Abaixo o Imperialismo! Solidariedade com a Revolução Egípcia! Nossos corações de trabalhadores batem forte com os egípcios. * Sociólogo, Professor, Escritor e Arabista. Membro da Academia de Altos Estudos Ibero-Árabe de Lisboa e da International Sociological Association. VISÃOClassista

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AGENDA SINDICAL

ABRIL 16º Congresso FSM

MAIO Dia do Trabalhador Grito da Terra Congresso UBM

16º Congresso FSM A cidade de Atenas, Grécia, será palco, entre os dias 06 e 09 de abril, do 16º Congresso Sindical Mundial. O evento, promovido pela Federação Sindical Mundial, visa a reunir trabalhadores de todo o mundo para se rebelarem contra as barbáries do imperialismo capitalista. Com o tema “Por um mundo sem exploração”, o congresso pretende intensificar a luta contra a exploração capitalista, o imperialismo, a miséria e por melhor distribuição de renda e justiça social.

1º de Maio A proposta classista de construir uma unidade sólida entre as centrais sindicais 42

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a cada ano se fortalece mais. A edição 2011 do ato em comemoração ao Dia do Trabalhador terá a participação de cinco das seis centrais sindicais reconhecidas no Brasil. CTB, CGTB, Força Sindical, Nova Central e UGT reunirão milhares de trabalhadores e trabalhadoras que assistirão ao comício que levantarão as principais bandeiras do movimento sindical brasileiro, tais como a redução da jornada de trabalho sem redução de salário, o fim do fator previdenciário, a valorização do salário mínimo, o reajuste das aposentadorias e a correção da tabela do Imposto de Renda, entre outras. (Para mais informações acesse: www.portalctb.org.br)

Grito da Terra Em 2011, a maior mobilização do Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais acontecerá de 09 a 13 de maio, em Brasília. O evento, promovido pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), com o apoio de sindicatos e federações,

reunirá camponeses de vários estados brasileiros para apresentar ao governo federal um conjunto de reivindicações provenientes das necessidades do agricultor familiar. Neste ano, as principais exigências a serem apresentadas durante o GTB estão vinculadas à proposta que o Movimento Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (MSTTR) entregou para a então candidata e hoje presidenta Dilma Rousseff. Na proposta, o MSTTR busca a valorização do campo brasileiro por meio do desenvolvimento rural sustentável.

Congresso UBM Acontece de 27 a 29 de maio, na cidade do Rio de Janeiro, o 8º Congresso Nacional da UBM (União Brasileira de Mulheres). O tema central do evento será “A participação política da mulher e o desenvolvimento do Brasil”. O Congresso visa ampliar a luta das mulheres pelo fortalecimento da valorização do protagonismo feminino, principalmente neste momento em que uma mulher ocupa o mais alto posto de decisões do país.




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