Revista Viisão Classista - Março de 2012

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ENTREVISTA  Marcio Pochmann: Presença do Estado é estratégica para a indústria do país

N­° 09 - Março de 2012

DESENVOLVIMENTO

QUANDO CHEGA O FUTURO?

REFORMA AGRÁRIA

Os trabalhadores rurais e sua luta por um novo projeto de país

8 DE MARÇO

O PL da Igualdade na ordem do Dia Internacional da Mulher


índice Visão Classista é uma revista trimestral, publicada pela CTB – Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil. DIREÇÃO EXECUTIVA Presidente Wagner Gomes DIRETORIA Nivaldo Santana, David Wylkerson de Souza, Vicente Selistre, Márcia Almeida Machado, Pascoal Carneiro, Salaciel Fabrício Vilela, Vilson Luiz da Silva, Gilda Almeida, Celina Arêas, Joílson Antonio Cardoso, Carlos Rogério Nunes, Severino Almeida, João Batista Lemos, Eduardo Navarro, Raimunda Gomes (Doquinha), Paulo Vinicius Santos da Silva, Valmira Luzia da Silva, Maria do Socorro Nascimento Barbosa, Elias Bernardino, Sérgio de Miranda, Hildinete Pinheiro Rocha, Fátima dos Reis e João Paulo Ribeiro. CONSELHO EDITORIAL Altamiro Borges, André Cintra, Augusto Cesar Petta, Eduardo Navarro, Fernando Damasceno, Gilda Almeida, Madalena Guasco, Joilson Antonio Cardoso, Márcia Almeida Machado, Nivaldo Santana, Umberto Martins, Wagner Gomes. REDAÇÃO Secretário de Imprensa e Comunicação Eduardo Navarro Equipe Cinthia Ribas, Fernando Damasceno e Láldert Castello Branco Colaboradores desta edição André Cintra, Deborah Moreira, Emanuel Mattos e Joanne Mota. Diagramação e capa Márcio Lima Projeto gráfico Caco Bisol Impressão HR Gráfica Tiragem 10 mil exemplares

QUANDO CHEGA O FUTURO? Classe trabalhadora tem papel essencial para o desenvolvimento do país. PÁGINA 4

FÓRUM SOCIAL

CTB discute a crise internacional e a integração latino-americana

PÁGINA 28 MOVIMENTOS SOCIAIS ENTREVISTA - MARCIO POCHMANN

Presença do Estado é estratégica para a indústria do país

PÁGINA 10 CAMPO

Trabalhadores rurais lutam para valorizar a questão agrária pelo viés do desenvolvimento

PÁGINA 16 INTERNACIONAL

Com a 4ª Frota, EUA escancaram sua política para a América Latina

PÁGINA 20

Com milhares de famílias acampadas, MLT segue na luta por um pedaço de terra

PÁGINA 32 8 DE MARÇO

PL da Igualdade permeia as mobilizações do Dia Internacional da Mulher em 2012

PÁGINA 36 AGENDA SINDICAL

Confira o que vem por aí entre março e maio

PÁGINA 41 CULTURA

Livro de Fernando Morais conta a história dos Cinco Patriotas Cubanos

PÁGINA 42 ARTIGOS EDITORIAL

Wagner Gomes

PÁGINA 3 TECNOLOGIA

ISSN 2179-829X Av. Liberdade, 113 – 4º andar - Liberdade São Paulo – SP CEP 01503-000 Fone: (11) 3106-0700 E-mail: imprensa@ctb.org.br

PAUTA SINDICAL

Problemas de saúde afetam milhões de trabalhadores a cada ano

PÁGINA 24

Divanilton Pereira

PÁGINA 15 MULHER

Raimunda Gomes

PÁGINA 40


EDITORIAL WAGNER GOMES

O projeto nacional da classe trabalhadora

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CTB foi pioneira na defesa de um novo projeto nacional de desenvolvimento, bandeira que levanta desde seu congresso de fundação. Em 2010, a Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), que reuniu as cinco maiores centrais sindicais do país, também a adotou, transformando-a numa palavra de ordem unificada do sindicalismo brasileiro. Conforme o documento aprovado na Conclat, o projeto nacional da classe trabalhadora deve ser orientado por três valores fundamentais: a valorização do trabalho, a soberania nacional e a democracia. Conforme notam muitos economistas, os salários auferidos pelos trabalhadores constituem parte significativa do consumo social e, portanto, do mercado interno das nações. A contração do mercado consumidor, consequente do aumento do desemprego e arrocho salarial, provoca uma redução correspondente no nível de produção, a menos que o excedente seja vendido no exterior. A experiência brasileira nas duas décadas perdidas (1980 e 1990) prova isto. Em oposição ao pensamento neoliberal, o projeto das centrais concebe a valorização do trabalho como fonte de desenvolvimento, o pleno

emprego e a distribuição mais justa e equilibrada da renda como alavancas do crescimento. Também neste aspecto a história corrobora o ponto de vista da classe trabalhadora. O aumento real do salário mínimo, a ampliação do nível de emprego, com a geração de 20 milhões de novos postos de trabalho desde o primeiro governo Lula e outras medidas de distribuição de renda, promoveram o fortalecimento do mercado interno e são apontados por economistas como fundamentais para amenizar os impactos da crise mundial do capitalismo na economia brasileira. É necessário reconhecer que há muito a ser feito, a começar pela mudança da política econômica, cujo tripé supostamente virtuoso (política fiscal restritiva, juros altos e câmbio flutuante), herdado de FHC, ainda guarda um forte viés neoliberal, é hostil ao crescimento e promove desindustrialização. Não abrimos mão da luta por mudanças na política econômica, pela redução das taxas de juros e do superávit primário, controle do câmbio e do fluxo de capitais, reformas estruturais, como a reforma tributária progressiva e democrática e defesa da indústria nacional. Diferentemente do neoliberalismo, o projeto

nacional dos trabalhadores prevê o fortalecimento do Estado, a ampliação dos investimentos públicos e a regulação e limitação do papel do mercado e do sistema financeiro na economia. A crise do capitalismo e a ascensão da China, que nunca aderiu ao neoliberalismo, são acontecimentos que sinalizam esta direção. O crescimento da economia nacional é uma condição necessária para a realização do nosso projeto, mas não é tudo. A sua principal base e objetivo é o crescimento a serviço do povo, a consagração de bandeiras classistas como a redução da jornada de trabalho, o aumento real dos salários, o pleno emprego, coibição das demissões sem justa causa, a manutenção e ampliação dos direitos sociais, o Estado de Bem Estar Social. A vida também nos ensina que só a luta da classe trabalhadora, em ampla aliança social que inclui empresários do setor produtivo, pode romper os obstáculos no sentido de um novo projeto de nação fundado nos valores apontados pela Conclat e, na sequencia, abrir caminho também à superação revolucionária do sistema capitalista e construção de uma nova sociedade. A crise mundial do capitalismo recoloca a luta pelo socialismo na ordem do dia da história humana.

Em oposição ao pensamento neoliberal, o projeto das centrais concebe a valorização do trabalho como fonte de desenvolvimento.

Wagner Gomes é presidente nacional da CTB. VISÃOClassista

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CAPA

Quando chega o futu Desenvolvimento se transforma em palavra de ordem no Brasil, mas seu modelo precisa ser debatido. Qual o papel da classe trabalhadora nesse processo? Fernando Damasceno*

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o menos três gerações de brasileiros cresceram ouvindo a promessa de que o Brasil é o país do futuro. Getúlio Vargas se suicidou, os militares tomaram e deixaram o poder, vieram Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva... e o futuro ainda não chegou. “Ainda somos um país subdesenvolvido”, lamenta o professor do Instituto de Política Econômica Aplicada (Ipea), Marcio Pochmann (confira entrevista à página 10), a despeito de certo ufanismo visto quando do anúncio de que os brasileiros, ainda em 2012, podem se tornar o quinto povo mais rico do mundo. “País rico é país sem pobreza”, tem dito com certa frequência a presidenta Dilma Rousseff, no intuito de destacar a importância do programa “Brasil Sem Miséria” e, ao mesmo tempo, colocar uma dose de ponderação sobre aqueles que se atêm apenas a determinados números para analisar a situação do Brasil. “É por causa de dados como esses, que colocam o Brasil entre as grandes potências do mundo, que lutamos por um tipo de desenvolvimento com

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distribuição de renda”, afirma o presidente da CTB, Wagner Gomes. O dirigente destaca o bom momento vivido pelo país, com baixo número de desempregados, altos níveis de consumo e de otimismo, mas faz um alerta: “Se não tivermos algumas mudanças importantes, podemos colocar todos esses recentes avanços a perder”, analisa.

Conclat e Conferência do Trabalho Decente A pauta sobre o desenvolvimento existe há décadas, mas ganhou um novo status junto ao sindicalismo nacional durante a realização da segunda Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), evento que reuniu cerca de 30 mil dirigentes em São Paulo para definir a política que seria encampada pelas centrais sindicais. Naquela ocasião, o documento resultante de toda a mobilização da Conclat já continha os

elementos que têm norteado as discussões sobre desenvolvimento entre os trabalhadores. Seu próprio título – “Agenda para um Projeto Nacional de Desenvolvimento, com Soberania, Democracia e Valorização do Trabalho – demonstra a vanguarda da CTB e das demais centrais participantes, assim como sua responsabilidade em relação ao rumo que o Brasil poderia tomar nas eleições de 2010. Em 2012, esse debate será travado em um palco mais amplo, com a presença do governo federal e do empresariado. A Conferência Nacional do Emprego e Trabalho Decente, marcada para o mês de maio, reunirá mais de mil delegados de todo o país, em Brasília, com o propósito de debater qual será a política nacional para essa questão. “A CTB claramente defenderá o desenvolvimento durante os trabalhos da Conferência, mas nãosomente pelo desenvolvimento. Nossa defesa é a do desenvolvimento com distribuição

DIFICULDADE  Em 2011, indústria teve crescimento de apenas 0,3%


ro?

COBRANÇA   Apesar do slogan, governo Dilma ainda hesita em sua política industrial de riqueza”, explica o secretário de Política Sindical e Relações Institucionais da Central, Joílson Cardoso.

Unidade contra a política macroeconômica A dimensão do tema do desenvolvimento, no entanto, não se restringe ao direcionamento político das lutas que já vêm sendo travadas entre a classe trabalhadora, o governo federal e o empresariado. Diante dos interesses que estão em jogo, a unidade de ação ganha uma dimensão inédita. “É justamente a partir da unidade, não apenas no Brasil, mas também em nosso continente, que teremos condições de dialogar

Para o debate... É na indústria que os empregos são gerados com maior vigor. É lá também que a tecnologia se desenvolve mais. Quando determinado conhecimento é aplicado, agrega-se valor às matérias primas. Fortalecendo a indústria, o Brasil pode deixar a histórica posição colonial de exportador de recursos naturais para se tornar um fornecedor de conhecimento e inteligência ao resto do mundo.

mais com os governos para que possamos avançar do ponto de vista dos trabalhadores e também do desenvolvimento”, defende o dirigente nacional da CTB e deputado federal Assis Melo (PCdoB-RS). O vice-presidente da CTB, Nivaldo Santana, entende que, diante do embate político sobre os rumos necessários para o Brasil se desenvolver, a mobilização da classe trabalhadora é fundamental. “Os trabalhadores têm que agarrar com força a bandeira do desenvolvimento nas mobilizações unitárias. Nós temos que fazer uma grande campanha nacional para derrotar a política macroeconômica que ainda persiste em nosso país”, VISÃOClassista

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CAPA

CONCORRÊNCIA  Sem estímulos, empresas nacionais se mudam para outros países defende. Para Nivaldo Santana, a bandeira das mudanças na política macroeconômica do Brasil tem a vantagem de colocar todo o movimento sindical no mesmo barco. “O fim do superávit primário também é uma parte fundamental na luta pelo desenvolvimento. Achamos que essas questões unificam o movimento sindical e devem servir de base para as movimentações unitárias”, argumenta o dirigente.

As consequências da desindustrialização Em setembro de 2011, o Centro de Estudos Sindicais (CES), entidade vinculada à CTB, preparou um trabalho a respeito da atual política industrial do Brasil e das bandeiras do sindicalismo classista para essa questão. O documento define a discussão sobre o tema como “estratégica”, por seu papel

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de dinamizar e impulsionar o crescimento de uma nação em longo prazo. Com essa mesma preocupação, estudo feito para o BNDES pelas pesquisadoras Sheila Najberg e Solange Vieira (“Emprego e

Para o debate...

A balança comercial da indústria brasileira registrou um déficit, em 2010, de US$ 37 bilhões. Entre 2005 e 2010, a participação dos produtos manufaturados tem diminuído, passando de 55% para 39%. Já os produtos básicos cresceram sua participação na pauta de exportações brasileira de 26% para 45%

crescimento econômico: uma contradição?”), mostra a diferença existente entre os empregos gerados a partir da indústria e aqueles gerados por setores distintos. O trabalho tem a mesma linha de autores norte-americanos como Thomas Palley, que defende o efeito multiplicador da vaga industrial. No Brasil e nos Estados Unidos, em média, cem empregos criados pela indústria têm a capacidade de gerar outros 450. Já o efeito multiplicador de cem postos de trabalho gerados no comércio resulta em 94 vagas em outros setores da economia. Por fim, a relação no setor de serviços é de cem para 147. Esses números se tornam mais preocupantes quando se observa que, em um período de apenas 25 anos, entre 1985 e 2010, a participação da indústria brasileira no Produto Interno Bruto (PIB) caiu de 31,8% para 18,3%, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia


e Estatística (IBGE). Enquanto isso, nesse mesmo intervalo o setor de serviços passou de 63% para 70,9%. Nota técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), publicada em junho de 2011, defende que a diminuição do peso da indústria em países como o Brasil acaba por criar uma dependência perigosa, “uma vez que todos consomem produtos industriais com mais qualidade e em quantidades cada vez maiores”. Os números são claros. Sem a criação de empregos industriais, qualquer nação pode enfrentar períodos de razoável crescimento, mas em médio prazo o cenário pode ser temeroso. Em seu discurso sobre o Estado da União no começo deste ano, o presidente norte-americano Barack Obama tocou nessa ferida, ao propor um pacote para criação de empregos industriais de seu país, a partir da aplicação de medidas comerciais, incentivos fiscais e programas de treinamento para trabalhadores. “Neste momento, temos uma grande oportunidade de recuperar o setor da indústria”, disse Obama em seu discurso, transmitido em cadeia nacional e para praticamente todo o planeta, em 6 de fevereiro. “Mas temos que aproveitá-la o mais rápido possível. Esta noite, a minha mensagem para os líderes do setor é bem simples: perguntemse o que vocês podem fazer para gerar empregos novamente para seu país e o seu país fará tudo que puder para ajudá-los a conseguir concretizar esse ideal”, disse.

O desenvolvimento e a crise internacional Para o Brasil, o risco de uma indústria fraca, por si só, já significaria um grande transtorno. Ao se analisar o cenário atual de crise econômica internacional,

As centrais e o Pacto pelo Desenvolvimento CTB, Força Sindical, CGTB, UGT e Nova Central começaram a o ano de 2012 com uma certeza: a necessidade de se mobilizar para garantir o desenvolvimento do país, especialmente após a confirmação de dados preocupantes sobre a desindustrialização nacional – houve apenas 0,3% de crescimento na atividade industrial no Brasil em 2011, contra 10,5% em 2010. Criou-se então um Pacto pelo Desenvolvimento, ao qual também se somaram algumas entidades empresariais, com o propósito de pressionar o governo por mudanças que garantam a continuidade do crescimento do Brasil, sem o comprometimento dos empregos de milhões de trabalhadores. A partir do Pacto, decidiu-se que todo o primeiro semestre deste ano será dedicado a mobilizações contra a desindustrialização, em defesa do emprego e da distribuição de renda. Wagner Gomes, presidente da CTB, destaca que, obviamente, existem diversas diferenças entre certas políticas das centrais sindicais e do empresariado, mas neste momento há também algumas causas que os unem. “Há alguns consensos que serão levados por nós para o debate nas ruas, no Congresso Nacional e junto ao governo federal. O declínio da indústria nos coloca em uma situação complicada, não apenas do ponto de vista econômico,

mas também sob o aspecto social”, afirmou. O dirigente entende que, a partir do momento em que a campanha ganhar as ruas, a presidenta Dilma Rousseff se verá diante de duas opções claras: “Ou ela nos ouvirá ou então ouvirá o sistema financeiro. E não poderemos, em momento algum, deixar de discutirmos isso sob a ótica do desenvolvimento e da distribuição de renda”, disse. Para o secretário-geral da CTB, Pascoal Carneiro, a atual política macroeconômica também precisa ser enfrentada. “Estamos nos unindo pela retomada do desenvolvimento, com geração de emprego e distribuição de renda. Estamos preocupados com os postos de empregos na indústria nacional que estão sendo fechados. É preciso que se faça algo nesse sentido. Com essa política macroeconômica vai ser difícil conseguir mudar esse cenário”, destacou o dirigente, durante reunião com as demais centrais sindicais. A ideia inicial das entidades é realizar ao menos um grande ato por região do Brasil até o final de junho. Em 15 de março, Porto Alegre dará início ao calendário. Em 5 de abril, o ato ocorrerá em São Paulo. O 1º de Maio Unificado das centrais sindicais, também na capital paulista, pretende reunir dois milhões de pessoas para festejar a data e, sobretudo, conscientizar a população a respeito dessa questão.

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CAPA a situação se torna ainda mais complexa. Nos últimos meses, o economista João Carlos de Assis tem repetido com frequência sua interpretação sobre as consequências do atual cenário político-econômico mundial. “A desindustrialização é um risco real, muito ligado à agressividade comercial da China. Mas há também o risco proveniente de países industrializados avançados, que estão com essa estratégia agressiva de comércio. Os Estados Unidos, por exemplo, colocaram como objetivo dobrar suas exportações em cinco anos. Isso tudo significa uma ameaça direta ao parque produtivo industrial brasileiro e sulamericano”, explica. O economista entende que a forma como os países da União Europeia estão lidando com essa questão é completamente equivocada. “Não se enfrenta a crise cortando gastos públicos, pensões e aponsentadorias. Isso agrava a crise. Essa postura deles cria um excedente que precisa ser exportado. Para quem? Para nós!

O retrocesso da privatização dos aeroportos A CTB e as demais centrais sindicais viram com preocupação do governo federal de conceder à iniciativa privada o controle dos aeroportos de Guarulhos (SP), Viracopos, em Campinas (SP) e Brasília (DF). “Se por um lado a modernização dos aeroportos no Brasil é fundamental para o desenvolvimento, por outro relegar sua administração a investidos que estão preocupados apenas com o lucro é preocupante”, afirmou Wagner Gomes. Para Nivaldo Santana, a transferência de bens públicos de um setor estratégico da economia nacional para grupos

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privados significa uma verdadeira mina de ouro para os empresários. “Nós temos convicção de que a Infraero tem todas as condições e qualificações técnicas para administrar os aeroportos. Somos contra a privatização”, afirmou o dirigente, em entrevista ao “Portal Vermelho”. Somados, os três aeroportos cujo controle foi cedido à iniciativa privada recebem cerca de 30% dos passageiros nacionais e internacionais que transitam pelo Brasil a cada ano. Os três aeroportos têm prazos de concessão diferentes (Guarulhos, 20 anos; Brasília, 25 anos; Viracopos, 30 anos).

Encerrado o processo, Wagner Gomes entende que caberá às centrais sindicais lutarem para evitar novas privatizações, além de fiscalizar as condições de trabalho dos funcionários desses três aeroportos. “Conhecemos bem o que se passa, por exemplo, no metrô do Rio de Janeiro, atualmente controlado pela iniciativa privada. O modelo de desenvolvimento que defendemos está na contramão de qualquer privatização. Precisamos de um Estado forte, capaz de controlar seus setores estratégicos de forma a garantir à população seus serviços essenciais”, afirmou.


NAS RUAS  Centrais se mobilizam e exigem mudanças na política macroeconômica E esse aumento de exportações não se restringe à Europa – temos que acrescentar também a China e outros países industrializados. Esse cenário coloca em risco a estrutura produtiva e o mercado de trabalho no Brasil”, alerta. Nivaldo Santana segue pela mesma linha. Durante o Fórum Social Temático, realizado em janeiro deste ano, no Rio Grande do Sul, o dirigente fez questão de defender a indústria nacional em prol do desenvolvimento. “Consideramos uma questão estratégica e importante a luta em defesa da nossa indústria. O país enfrenta um processo de desindustrialização que poderá inviabilizar o crescimento sustentável e duradouro da nossa economia. E todos nós sabemos – a história é rica em exemplos – que a indústria, os empregos de qualidade e com melhores salários são puxados pela nossa capacidade industrial”, afirmou. Para Divanilton Pereira, dirigente nacional da CTB e da Federação Única dos Petroleiros (FUP), cabe

ao Brasil, ao governo federal e à sociedade debater sobre que aspectos da economia nacional serão priorizados. “Vamos nos conformar e/ou ceder à restrição de sermos proprietários de recursos naturais e territoriais? Isso nos legará o papel de meros

Para o debate...

Em 2011, uma das maiores fábricas do Brasil, a Vulcabrás/ Azaleia, fechou uma unidade em Parobé (RS), demitiu seus 800 trabalhadores e abriu outra na Índia. A participação do setor têxtil nas exportações das indústrias brasileiras caiu de 7,4% em 1996, para 2,7% em 2010, de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

fornecedores de matérias-primas e de mercados importadores de produtos de maior valor agregado – caminho que retarda a prosperidade civilizacional de qualquer nação”, discorre. Para J. Carlos Assis, a saída está no posicionamento de cada setor interessado nesse debate. “Temos que enfrentar essa crise. A forma como ela está sendo tratada na União Europeia é equivocada, pois sacrifica os trabalhadores pobres, a maioria da população. O que propomos como saída para a crise, sobretudo na América do Sul, é a consolidação de um bloco econômico integrado, que reforce a capacidade de consumo aqui mesmo na região. [...] As centrais sindicais estão corretas em lutar contra a desindustrialização. Faço apenas uma ressalva: as pessoas ainda não se aperceberam totalmente do risco que vem da Europa, pois estão concentradas apenas na China”, afirma.

* Colaborou Emanuel Mattos VISÃOClassista

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entrevista

Marcio Pochmann

Presença do Estado é estratégica para a indústria do país Fernando Damasceno

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e o debate sobre desenvolvimento está na ordem do dia no país, boa parte dessa responsabilidade se deve ao professor Marcio Pochmann. Formado em economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e com mestrado e doutorado também em economia pela Universidade Estadual de Campinas, desde 2007 ele ocupa a presidência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão vinculado à Secretaria de Assuntos Estratégicos do governo federal. Ao longo dos últimos anos, mais especificamente a partir do segundo mandato do ex-presidente Lula, o Ipea, com Pochmann à frente, tem se destacado por servir de suporte técnico e institucional às ações governamentais “para a formulação e reformulação de políticas públicas e programas de desenvolvimento brasileiros”, conforme definição do próprio órgão. Nesta entrevista a Visão Classista, Pochmann reforça a necessidade da presença do Estado para o fortalecimento da indústria brasileira, analisa a crise internacional e seus contraexemplos para o Brasil, cobra do sindicalismo nacional uma atualização em relação às características do mundo do trabalho no século 21 e diz, de forma taxativa, que somente a partir de um projeto nacional ousado, baseado no crescimento e na transformação da estrutura produtiva, o Brasil terá condições de deixar para trás o subdesenvolvimento.

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Visão Classista: O Brasil tem assistido a um crescimento considerável de empregos nos setores de serviços e comércio, ao passo em que o setor industrial não tem acompanhado essa tendência. Quais deverão ser as consequências desse modelo em médio prazo? Marcio Pochmann: Em primeiro lugar, isso não é uma novidade no capitalismo. O avanço do setor terciário é praticamente uma trajetória de expansão daquilo que muitos chamam de uma sociedade pós-industrial. Ocorre que o perfil desse setor terciário depende muito da estrutura produtiva industrial agrária. Você pode ter uma expansão de serviços quando uma economia é débil do ponto de vista de uma indústria e agricultura fracas, mas isso tende a permitir uma expansão dos serviços vinculados à distribuição, serviços vinculados a famílias e trabalhos domésticos e a serviços cuja remuneração não está relacionada a um nível maior de escolarização ou conhecimento. Agora, um país com uma estrutura produtiva forte, uma indústria e agricultura fortes, vai demandar mais serviços, mas são serviços de produção, serviços que de certa maneira estão relacionados a essa atividade produtiva e, portanto, pagam em geral salários melhores e conectam a remuneração ao conhecimento. No Brasil de hoje, 70% dos empregos gerados são vinculados ao setor de serviços. Mas o futuro dos serviços depende da estrutura produtiva industrial e da agropecuária Visão Classista: Quando se pensa no papel que a indústria já desempenha e pode vir a desempenhar na sociedade brasileira, que lições da atual crise internacional devem servir como exemplos que precisam ser evitados? Marcio Pochmann: Certamente o que está acontecendo nos países ricos não serve de receita. O receituário atual está levando a uma decadência VISÃOClassista

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entrevista Fotos - Agência Brasil

dos países, é uma aposta no conservadorismo, que faz com que a desigualdade aumente e esvazie os mecanismos de auto-expansão. O Brasil não está vivendo esse quadro de escolha entre decadência e declínio. Em nosso horizonte cabe perfeitamente a continuidade do ciclo de expansão que estamos vivendo agora, um ciclo que aposta em maior soberania do mercado interno, acompanhado de uma trajetória de maior redistribuição da renda e expansão do emprego. Isso é possível, claro, mas depende de uma equação de natureza política, que depende da capacidade daqueles que governam e constituem a base do próprio governo, no sentido de terem clara a necessidade de o país continuar nesse ciclo. Entendo que a decisão tomada no final do ano passado, de encerrar o ciclo de elevação dos juros, algo

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que estava comprometendo o ritmo de expansão da economia, foi uma decisão não-somente da presidenta Dilma, mas também da sociedade, que não quer mais o chamado “voo de galinha”. O Brasil passou por isso nos anos 80 e 90, com voos de crescimento e queda – e a trajetória foi muito ruim. Portanto, essa maioria política que conduz o país é muito importante do ponto de vista de assegurar as condições materiais para que o Brasil não se perca em questões menores, tentando resolver pontos que muitas vezes inviabilizam essa trajetória de crescimento e distribuição de renda em longo prazo. Visão Classista: A inovação da indústria brasileira passa obrigatoriamente por mudanças nos setores de ciência e tecnologia. Como fazer para que esse processo não dependa tanto do Estado, mas

também tenha a participação de outros setores? Marcio Pochmann: Não me encontro entre aqueles que entendem que as forças do mercado, por si só, serão aquelas que levarão a um maior investimento em inovação tecnológica. A presença do Estado é estratégica. Na realidade as empresas que talvez invistam em inovação serão as grandes empresas – e grandes empresas nacionais são poucas, dentro do universo de cerca de 500 corporações que praticamente dominam qualquer setor de atividade. Portanto, a exemplo inclusive do que aconteceu na Ásia, desde o Japão, a Coreia e agora mais claramente na China, o papel do Estado para financiar o crédito ou para a definição da taxa de câmbio é parte importante desse processo, mas não é exclusivamente determinante.


Precisamos reconhecer que aqui no Brasil temos um capitalismo hoje internacionalizado, com a presença de grandes empresas estrangeiras que não tomam suas decisões em função das orientações da política econômica. Nesse circuito, precisamos olhar o tema da inovação dentro de uma perspectiva mais ampla, a partir de seu entendimento, num quadro de reposicionamento do Brasil no mundo. Nós ficamos marcando passo no mesmo lugar nos anos 80 e 90, e de certa maneira em determinados setores ficamos de forma muito arcaica – e é difícil recuperá-los. Mas, em outros, isso ainda pode acontecer. Se analisarmos a postura do regime militar em relação à informática, por exemplo, muitos consideram sua política equivocada, mas outros acham que nem tanto, pois aquilo permitiu que constituíssemos uma base de recursos humanos invejável nesse segmento. Mas, ao deixar a livre-iniciativa do mercado, o Brasil se distanciou muito mais das oportunidades existentes, especialmente nessa quadra do

capitalismo operada cada vez mais por grandes corporações, que muitas vezes são maiores do que os próprios países. Visão Classista: Em diferentes espaços e oportunidades, o senhor tem procurado trazer para o debate o conceito de trabalho imaterial. Como o senhor enxerga o futuro desse tipo de relação trabalhista? O sindicalismo brasileiro está preparado para entrar nesse debate? Marcio Pochmann: Estamos em uma circunstância em que a direção do sindicalismo, de maneira geral, está sustentada na “velha classe trabalhadora”, na agricultura, na indústria, na construção civil, que são setores que têm essa perspectiva do trabalho material, que produz algo concreto, palpável, tangível. No entanto, o que se expande no Brasil, como já dissemos, é o setor de serviços, com postos de trabalho vinculados à tecnologia de informação – e isso implica na construção de uma nova classe trabalhadora. Essa transformação da estrutura social brasileira vem se dando

No Brasil de hoje, 70% dos empregos gerados são vinculados ao setor de serviços. Mas o futuro dos serviços depende da estrutura produtiva industrial e da agropecuária desacompanhada das instituições da democracia – e não apenas os sindicatos têm dificuldade de compreender e envolver esse segmento, mas também os partidos políticos, associações de bairros e outras organizações clássicas da democracia, que estão tendo dificuldade para atrair esses segmentos. Há um processo de envelhecimento no sindicalismo. Não estamos conseguindo ampliar os índices de sindicalização – especialmente nos setores que mais crescem – e isso evidentemente é uma questão que precisa ser considerada cada vez mais, especialmente em um país como o Brasil, que não tem tradição democrática. É preciso que se faça um investimento para compreender essa nova dinâmica social, entender quem é esse trabalhador, qual seu perfil e encontrar uma forma de como chegar até ele. Guardada a devida proporção, é algo parecido com o que ocorreu na transição do século 19 para o 20, quando saímos de um sindicalismo de ofício para um sindicalismo geral, da grande empresa. O velho sindicalismo, como era conhecido, se organizava apenas para os trabalhadores que constituíam a elite da classe operária. O próprio Lênin dizia, ao analisar o sindicalismo do século 19, que era uma organização muito aguerrida e forte, mas representava apenas os interesses dos que VISÃOClassista

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entrevista subdesenvolvimento, com uma política baseada em um projeto nacional de crescimento e de transformação de sua estrutura produtiva, poderá nos criar condições favoráveis para fazer com que parcela significativa dos brasileiros deixe de ser prisioneira de uma situação tão primária.

tinham ofícios. A mudança do capitalismo, de concorrencial para monopolista, com o surgimento das grandes corporações, viabilizou o surgimento de uma nova classe trabalhadora, que cresceu à margem da estrutura sindical passada. Houve uma mudança no sindicalismo que entendeu não ser possível a presença e a representação se fosse mantida a velha prática sindical. Isso de certa maneira foi muito importante para o avanço da democratização e para o estabelecimento de um padrão civilizatório que foi basicamente aquele oriundo do chamado Estado de bem-estar social. Visão Classista: Em recente artigo, o senhor diz que “o Brasil segue com parcela substancial de sua mão de obra ainda prisioneira de atividades meramente de subsistência”. Que tipos de política de inclusão são necessários para alterar esse cenário? Qual o papel de um órgão como o Ipea nesse sentido?

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Marcio Pochmann: O Ipea não faz política, é apenas uma instituição de pesquisa. E pesquisa não muda a realidade, apenas permite conheçala um pouco mais. O primeiro passo para mudar a realidade é conhecê-la. Nossa missão é produzir esse conhecimento, difundi-lo e disseminá-lo. O papel do Ipea também tem sido o de fornecer informações para a sociedade civil. O quadro que nós temos – de ainda ver um enorme contingente de brasileiros submetido a um tipo de trabalho cuja produtividade é tão baixa que lhe permite apenas a sobrevivência – é resultado de uma situação mais ampla, vinculada ao próprio subdesenvolvimento. O Brasil ainda é um país subdesenvolvido, infelizmente. E esse subdesenvolvimento não expressa apenas a desigualdade de renda, mas também a forma como a classe trabalhadora é inserida no mercado de trabalho. Somente o enfrentamento do

Visão Classista: Por esse aspecto, como o senhor tem visto os debates sobre a redução da jornada de trabalho no Brasil? Tem havido algum avanço por parte do empresariado ou de outros setores da sociedade, além do movimento sindical? Marcio Pochmann: Temos uma interpretação de que há um excesso de jornada de trabalho, que não é percebido porque há um quadro geral de alienação, pois só se identifica o trabalho que é exercido de fato num local específico. Mas o advento das novas tecnologias permite que as pessoas trabalhem fora de casa. E até por isso reconheço um avanço na lei estabelecida recentemente, por iniciativa da Presidência da República, no sentido de identificar o uso de telefonia celular fora do trabalho, por intermédio de telefone corporativo. Isso é apenas um exemplo de como precisamos aprimorar a legislação do mercado de trabalho, especialmente para essas modernidades, que propiciam não-somente uma intensificação do trabalho, mas também uma extensão. Se está havendo mais trabalho, está havendo mais riqueza – que não está sendo distribuída de forma adequada. A luta sindical não se encerra apenas em si própria, pois isso implica evidentemente em uma mudança cultural da sociedade para perceber que a redução da jornada é um elemento-chave não apenas para viabilizar o melhor uso do tempo, mas também como mecanismo para capacitação e qualificação, quando se imagina que o futuro depende cada vez mais do conhecimento.


TECNOLOGIA Divanilton Pereira

Ciência, tecnologia e inovação: elementos fundamentais para o desenvolvimento

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m país dotado de uma ciência avançada, capaz de introduzir tecnologias e inovações de forma constante, tem uma arma decisiva para enfrentar esse acirrado ambiente capitalista imperialista atual. Trata-se de uma condição indispensável para promover um padrão de desenvolvimento que valorize o trabalho e eleve as condições materiais, sociais e culturais de uma nação. Atualmente, com a transição no centro dinâmico do mundo dos EUA para a Ásia, principalmente para a China, estar bem estruturado nessa questão potencializa o sucesso em torno das oportunidades que tal passagem ascende. Essa nova configuração concentra e centraliza mais capitais, elevando o estágio da globalização e, dessa forma, alterando as condições de concorrência e competitividade em escala global. Nesse cenário, um dos pilares centrais para a efetivação de projetos nacionais de desenvolvimento é uma efetiva política de Estado que garanta o investimento em ciência, tecnologia e inovação (CT&I). Cada vez mais o desenvolvimento econômico dos países está sustentado nas políticas de CT&I. Exemplos são os Estados Unidos, Coreia, Japão e China, que as

têm colocado como eixos centrais de suas estratégias para a retomada e a ampliação dos seus crescimentos. Em relação às nações atrasadas nesses processos, suas estratégias dão ênfase à capacidade de gerenciar as políticas públicas que reforcem a relação entre a universidade e a indústria, além de melhorar a qualidade do ensino superior e a pesquisa nacional. A partir dessa caracterização, constatase a defasagem atual do Brasil, fato que exige uma mudança em sua lógica de país econômica e tecnologicamente dependente e tardio. Se para um país desenvolvido, assim caracterizado pelo seu maior domínio na ciência e na tecnologia, a continuidade de investimento nessa fronteira deve ser uma diretriz permanente, nos países como o Brasil, torna-se uma necessidade inadiável torná-la como um eixo estruturante, para que seu estágio de subdesenvolvimento seja superado. O Brasil também teve seu despertar tardio para tal necessidade. Seus primeiros passos datam a partir de 1960, com a institucionalização da pós-graduação, mas ainda hoje sofre com as restrições orçamentárias e as limitações de foco e alcance do setor

empresarial produtivo brasileiro. Portanto, o Brasil, diante dessa nova crise capitalista, precisa adotar uma postura de maior ousadia, aproveitá-la como nova oportunidade para impulsionar também a produção do conhecimento e de inovações na economia, superando nosso atraso tecnológico. Nessa direção, efetivar no país uma política de Estado em torno da CT&I, inserida num planejamento estratégico nacional de desenvolvimento integrado, viabilizado por uma robusta taxa de investimento de largo período, é dotar o país de uma condição que possibilite promover o efetivo desenvolvimento nacional e inseri-lo soberanamente nas relações políticas, econômicas e comerciais com o novo mundo. Com o potencial brasileiro e o seu novo papel na quadra internacional, é uma exigência nacional transformar a insistente condição de uma economia primarizada exportadora em uma industrializada, mergulhada na era do conhecimento e da informação, produtora de bens de capital e de produtos de maior conteúdo tecnológico. O desafio está mais uma vez lançado. Mãos à obra.

O Brasil, diante dessa nova crise capitalista, precisa adotar uma postura de maior ousadia

Divanilton Pereira é membro da Direção Nacional da CTB, da FUP e do Conselho Nacional da Ciência, Tecnologia e Inovação do MCTI VISÃOClassista

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CAMPO

A terra prometida Entidades de trabalhadores rurais lutam para valorizar a questão agrária na pauta de um projeto nacional de desenvolvimento André Cintra

Q

ual é o papel a ser desempenhado pela agricultura num projeto de desenvolvimento para o Brasil? A questão não é nova, mas volta a sobressair nestes tempos de crise internacional do capitalismo e desaceleração da economia brasileira. Segundo o Banco Central, o PIB do país avançou 2,79% em 2011 – um índice ainda superior à média das nações desenvolvidas e suficiente para levar o Brasil ao posto de sexta

economia mundial. Ao mesmo tempo, trata-se de uma cifra preocupante para um país que, apenas um ano antes, ostentou 7,5% de crescimento, seu melhor desempenho desde 1986. Entidades patronais, centrais sindicais e o próprio governo federal concordam que o centro do problema está no fenômeno da “desindustrialização”, que atinge em cheio a economia brasileira desde meados de 2010. Mas os impactos da crise, pelo menos no Brasil, foram ainda maiores para o chamado setor primário (agricultura, pecuária e extrativismo). No ano de 2009, enquanto o conjunto da economia brasileira encolheu apenas 0,2%, o PIB da agropecuária despencou 5,2%, devido sobretudo à queda no preço dos alimentos e a problemas climáticos. Os dados são do IBGE. Já o avanço do setor em 2010 (6,5%), a exemplo do crescimento

PRESSÃO  Trabalhadores sem-terra exigem reforma agrária e desenvolvimento

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industrial, perdeu força e se desacelerou significativamente até outubro do ano passado. O governo reconhece a necessidade de fortalecer o setor produtivo nacional e elevar as taxas de investimento. Mas, para combinar crescimento e desenvolvimento, é imperativo que o Brasil tire lições da crise. Um desses ensinamentos pode ser definido como “o paradoxo das commodities”. O país é o terceiro maior exportador agrícola do mundo, atrás somente dos Estados Unidos e da União Europeia. Carne de frango, café em grão, soja e milho estão entre as mercadorias brasileiras mais vendidas para outras nações. Os produtos agrícolas e minerais respondem por 70% do valor das exportações do país. Por sua natureza, essas matériasprimas são chamadas commodities – ou seja, mercadorias produzidas em larga escala, sem valor agregado,


Agência Brasil

com preços definidos no mercado financeiro internacional. É o caso, aliás, da maioria dos produtos egressos do setor primário, como alimentos in natura, petróleo e outros metais. Em tese, quando os preços estão em alta, países exportadores de commodities, como o Brasil, poderiam ganhar competitividade. É nesse ponto, porém, que reside o tal paradoxo. Quanto mais depender de commodities, tão mais distante uma nação estará de sua soberania, permanecendo sempre à mercê dos humores e caprichos do mercado internacional. Além disso, como bem recordou o presidente em exercício da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, o país se transformou num “exportador de empregos”, para a alegria dos chineses. “Vendemos a matéria-prima para a China, que transforma essa matéria-prima e vende o produto manufaturado para o mundo. E, eventualmente, para o próprio Brasil. Só que os empregos são gerados lá”, declarou Castro à “Agência Brasil”. Sem uma política

ARTICULAÇÃO   Broch entrega reivindicações a Dilma de Estado para a área – que vá além de medidas pontuais –, o dirigente da AEB estima que o “paradoxo das commodities” ainda prejudicará o Brasil por pelo menos cinco anos. Quem compartilha dessa opinião é o economista chileno e professor da Universidade de Cambridge, Gabriel Palma, especialista em América Latina. Ele alerta que o Brasil precisa criar condições para aproveitar melhor sua riqueza agrícola, promover a indústria nacional e, assim, estabelecer novas bases para um crescimento sustentável. “O país cresce impulsionado, principalmente, por pontos que fogem de seu controle. Os preços muito elevados das commodities, que sustentam enormes saldos comerciais desde 2004, não vão ficar nesse patamar para sempre. Na realidade, vivemos a fase final da era de boom nas commodities”, disse Palma ao “Valor Econômico”.

A voz dos sem-terra Diante desse impasse, entidades do campo, como a Contag (Confederação Nacional dos

Trabalhadores na Agricultura), a Via Campesina e o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra), também se pronunciam. Há consenso entre elas de que, mais do que nunca, a luta pela reforma agrária – principal bandeira histórica do movimento – deve se dar nos marcos de um novo projeto nacional de desenvolvimento. Essa preocupação está presente, por exemplo, na “Plataforma da Via Campesina para a agricultura”. Com 21 propostas para um “Programa para a Agricultura Brasileira”, o manifesto é assinado por dez entidades – entre elas, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e o próprio MST. Focado na “soberania alimentar”, o texto defende uma política agrícola que “estimule a produção de alimentos sadios, a diversificação da agricultura, a Reforma Agrária, como ampla democratização da propriedade da terra, a distribuição de renda produzida na agricultura e fixação da população no meio rural brasileiro”. Segundo a Via Campesina e suas entidades, é preciso “impedir a concentração VISÃOClassista

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CAMPO da propriedade privada da terra, das florestas e da água”, além de “assegurar que a agricultura brasileira seja controlada pelos brasileiros”. A base desse modelo é “a organização de agroindústrias na forma de cooperativas”. Para João Pedro Stedile, membro da direção nacional do MST, há pouca “sintonia” entre essas propostas e os primeiros rumos da política agrária do governo Dilma. Em janeiro, ao se reunir no Fórum Social Temático de Porto Alegre com a presidenta Dilma Rousseff, Stedile cobrou “novas agendas programáticas” para o campo. “Lembrei à Dilma que o Brasil vai realizar em junho a Rio+20 (Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável). Se quisermos ter credibilidade para emitir alguma mensagem ao mundo, precisamos fazer o dever de casa. Um bom começo seria olhar para as 180 mil famílias que estão acampadas nas beiras das estradas”, afirma o dirigente do MST. Stedile contestou também o relatório do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) sobre os assentamentos do governo federal. O Plano Plurianual previa para 2011 a inclusão de 40 mil famílias no programa de reforma agrária. Mas, de acordo com o Incra, a gestão Dilma assentou, no ano passado, 20,6 mil famílias, numa área de 2,5 milhões de hectares. Pelos cálculos do MST, no entanto, os resultados são ainda mais modestos: teriam sido apenas 5,7 mil famílias assentadas em não mais que 328,2 mil hectares. Os sem-terra acusam o Incra de manipular os números, ao incluir na conta antigos assentamentos que foram reocupados. “É uma tentativa de mascarar que a reforma agrária parou”, dispara Stedile. Diante do anúncio de que o Ministério da Integração Nacional irrigará 200 mil hectares no Nordeste, o MST propôs ao governo

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ASSISTÊNCIA  Mais do que terra, trabalhadores lutam por dignidade e cidadania uma política de reflorestamento para a agricultura familiar, com prioridade para as mulheres, na proporção de dois hectares para cada trabalhadora rural. Segundo Stedile, “com esse único gesto, Dilma pode viabilizar assentamentos para cem mil pequenas agricultoras da região, garantindo alimento, água e emprego”. No Fórum Social Temático, Dilma se comprometeu com vários itens da pauta do MST e da Via Campesina, mas sublinhou que a prioridade de sua gestão é o combate à miséria. “Não há possibilidade de desenvolvimento sustentável sem redução da desigualdade social. Num país desigual como este, você tem de crescer e ter um nível de desenvolvimento a mais para poder distribuir renda”, afirmou Dilma, na reunião em Porto Alegre com cerca de cem lideranças de 70 entidades nacionais e internacionais.

Ao tratar especificamente da questão agrária, a presidenta fez um mea-culpa: “É necessário retomar a reforma agrária num ritmo eficaz, e eu quero assentamentos mais decentes neste país. Não vou aceitar que o nível dos assentamentos seja o que é hoje, nem quero ninguém vivendo em condições sub-humanas como ocorre nos assentamentos. Faço absoluta questão de que a reforma agrária aqui seja de qualidade.” A propósito, o documento final do Fórum Social Temático aponta claramente os responsáveis pela crise: “As transnacionais, as instituições financeiras, os governos e organismos internacionais a seu serviço (...) tentam nos impor a ‘economia verde’ como solução para a crise ambiental e alimentar, o que, além de agravar o problema, resulta na mercantilização, privatização e financeirização da vida. Rejeitamos todas as ‘soluções’ para essas


crises”, diz o documento das entidades participantes do encontro. “Comprometidos com nossas lutas históricas, defendemos o trabalho decente e a reforma agrária como único caminho para dar impulso à agricultura familiar, camponesa e indígena, e passo central para alcançar a soberania alimenta e a justiça ambiental.”

Na perspectiva da agricultura familiar Já a Contag, entidade máxima do sindicalismo rural, defende um projeto de desenvolvimento para o Brasil em que a polícia agrária se baseie numa “ampla e massiva reforma agrária”, com “valorização e fortalecimento da agricultura familiar”. Tendo uma base de 27 federações, mais de quatro mil sindicatos rurais e 20 milhões de trabalhadores, a Contag ressalta que o desenvolvimento nacional

tem de se amparar em três pilares: “soberania, segurança alimentar e sustentabilidade”. Desde o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (20032010), os pequenos agricultores são beneficiários de uma das mais bem-sucedidas iniciativas oficiais, o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar). Proteger a produção é o principal objetivo do Pronaf, que oferece um Seguro da Agricultura Familiar para trabalhadores rurais que solicitam empréstimos, com juros de apenas 2% em caso de perdas superiores a 30% da produção. A despeito disso, é preciso “ousar mais”, diz o presidente da Contag, Alberto Broch. “Dilma não chega a ser insensível aos trabalhadores rurais, mas a reforma agrária mal saiu do papel”, resume o líder sindical. Tal como o MST, a Contag reclama que o governo não pode “dar com uma mão e tirar com a outra”. Segundo dados do Incra, 13% das famílias beneficiadas em 2011 já foram descredenciadas, por supostas irregularidades, como abandono ou venda do lote. Com isso, a ação do Incra já excluiu, apenas no ano passado, 103 mil famílias do programa da reforma agrária. “Essa política baseada no ‘dáe-tira’ não tem futuro. Além do assentamento, as famílias precisam de assistência e crédito para se instalar. As circunstâncias desfavoráveis é que levam boa parte dessas famílias a vender suas terras e procurar uma nova área”, diz Broch. De janeiro a agosto de 2011, o Incra contabilizou 159 ocupações. “O governo evitaria parte dessas migrações se assistisse melhor as famílias assentadas.” Para a Contag, outro item essencial na pauta de reivindicações é o acesso à saúde e à educação. Entre as 200 reivindicações do 17º Grito da Terra, em maio de 2011, uma das prioridades era a construção de escolas de qualidade

para as famílias dos agricultores e a instalação de creches em áreas rurais. Além da manutenção dos recursos para o Plano Safra 2011/2012 e da redução das taxas de juros para certos créditos, uma das vitórias, anunciadas pela presidenta Dilma, foi a adequação do Sistema Único de Atenção à Sanidade Agropecuária. Já na 4ª Marcha das Margaridas, em agosto passado, a categoria conquistou dez Centros de Referência de Saúde do Trabalhador (Cerests), 16 unidades básicas de saúde fluviais na Amazônia, fomento à inclusão produtiva das mulheres e implantação de programas como o “Rede Cegonha” no campo e na floresta. Tanto no Grito da Terra quanto na Marcha das Margaridas, Alberto Broch frisou que os trabalhadores rurais seguem na luta por “um novo modelo de reforma agrária e agricultura familiar”, com políticas públicas para o campo, visando ao “desenvolvimento sustentável” do país. As mobilizações devem prosseguir neste ano, no rumo do 11º Congresso Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, que acontecerá em 2013, nos 50 anos da Contag. O que os trabalhadores rurais põem em xeque é o destino da terra para a sociedade brasileira – um debate que começou tão logo a esquadra de Pedro Álvares Cabral chegou ao país. Em relato ao rei de Portugal, o escrivão Pero Vaz de Caminha assegurava que o Novo Mundo dispunha de uma terra das mais fecundas para a atividade agrícola. “Até agora, não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro. Contudo, a terra em si é de muito bons ares frescos e temperados (...). É graciosa de tal maneira que, querendo-a aproveitar, tudo se dará nela”, festejava Caminha, no texto de 1º de maio de 1500. Passados 512 anos, a luta para viver com qualidade nesta terra “graciosa” e prometida continua. VISÃOClassista

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INTERNACIONAL

FORÇA  Com a 4ª Frota, continente é vigiado de perto

Os Senhores da Guerra Com a 4ª Frota, EUA escancaram seus interesses sobre a América Latina Joanne Mota

“A

guerra, no século 21, poderá não ser tão sangrenta quanto foi no século passado. Mas a violência armada, criando sofrimento e perdas desproporcionais, continuará onipresente e endêmica – ocasionalmente epidêmica – em grande parte do mundo. A perspectiva de um século de paz é remota”. Essa foi a conclusão proposta pelo historiador Eric Hobsbawm, no ensaio Guerra e Paz no século 20, que foi publicado no jornal britânico “The

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Guardian”, em fevereiro de 2002. Uma década depois, essa afirmação nunca pareceu tão atual nestes tempos de imperialismo agressivo, que tem nas potências belicistas mundiais sua maior fonte de poder. A militarização norte-americana se converte como o maior símbolo desse processo, que gera insegurança e se conforma como uma ameaça constante às soberanias nacionais dos países menos desenvolvidos, sobretudo os que possuem grandes potenciais energéticos e de recursos naturais. Em meio a esse projeto de recolonização mundial, o capital monopolista se internacionaliza, vai além de suas fronteiras. Para tanto, necessita e obtém o que Vladimir Lênin denominou de fenômeno da dependência, advindo do entrelaçamento do domínio econômico-financeiro com o

político e territorial. Não foi por acaso que, no final do século 20, o então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, cria a chamada “Nova Ordem Mundial”, uma estratégia que se converteria em um plano de dominação global. Em artigo publicado durante a Conferência Internacional “A integração Latinoamericana e a Luta pela Paz”, organizada pelo Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz), o jornalista e escritor José Reinaldo Carvalho discute as estratégias norte-americanas para a recolonização do mundo. Segundo ele, criar a “nova ordem” nada mais foi do que consolidar meios e modos que se converteriam em um projeto que percorreria “o novo século americano”. Esse projeto implicou em diversos conflitos e


agressões que destruíram nações e reorganizaram o cenário geopolítico mundial. O jornalista frisa que o contexto atual se caracteriza por uma “acumulação militar global”, guiada por uma superpotência mundial que está utilizando seus aliados para desencadear numerosas guerras regionais. Alguns exemplos citados são as agressões ao Afeganistão e ao Iraque. “Países independentes, como a Síria, o Irã e a República Popular Democrática da Coreia, por motivações diversas foram alvo de campanhas e ameaças de agressão. Todos os acontecimentos que estão em curso no mundo ligados a conflitos políticos e militares estão relacionados com uma luta, a luta das potências imperialistas, sobretudo as capitaneadas pelo imperialismo estadunidense, que exerce controle e dominação sobre o mundo”, diz José Reinaldo.

Quarta Frota De acordo com Igor Fuser, professor da Faculdade Cásper Líbero, a América Latina não ficou de fora desse processo. O relançamento da Quarta Frota, por exemplo, simboliza um novo olhar das nações imperialistas sobre esta região. “A Casa Branca sempre considerou a América Latina como um ‘quintal’ dos Estados Unidos e durante muito tempo logrou estabelecer na região um domínio amplo e relativamente estável, alicerçada em forte aliança com as classes dominantes domesticadas. O controle político e econômico do ‘quintal’ está ligado ao acesso a ricas fontes de recursos naturais e energéticos, com destaque para o petróleo”. Segundo ele, a questão energética é estratégica para as nações imperialistas. “Já na época do ex-presidente Jimmy Carter, a doutrina militar norte-americana estabelecia que qualquer tentativa de impedir o fluxo de petróleo

DENÚNCIA  Para Socorro Gomes (centro), política dos EUA precisa ser enfrentada para os EUA seria respondida com a guerra. Venezuela e Brasil, por exemplo, são países ricos em petróleo, e as suspeitas de que a reativação da Quarta Frota tem a ver com a descoberta do présal e com a revolução bolivariana na Venezuela são procedentes”, elucida o pesquisador.

Corrida armamentista Dados dos últimos 50 anos, publicados em 2008 pela Organização das Nações Unidas (ONU) revelam que há ações militares dos Estados Unidos em praticamente todos os países do globo. Segundo o relatório, 55 países possuem bases militares sendo utilizadas pela Aeronáutica, Marinha ou Exército norte-americano. Além disso, o relatório aponta a existência de mil bases norte-americanas no exterior, destas 268 estão na Alemanha e 124 no Japão. O relatório também apontou que, no final de 2008, os EUA mantinham aproximadamente 550 mil soldados no exterior. Esse

número é 10% superior ao de 1985, no auge da chamada Guerra Fria, o que demonstra que o complexo industrial-militar norte-americano encontrou justificativas para a manutenção, e mesmo expansão do poderio bélico do país, ainda que em fase de distensão do quadro político internacional. Segundo dados da ONU, publicados em 2011, os gastos militares dos EUA representaram cerca de 50% dos gastos globais em 2010. Seus aliados, vinculados à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), despenderam aproximadamente 28% dos aportes em defesa, no mesmo ano. Assim, os EUA e aliados responderam, em 2010, por aproximadamente 80% dos dispêndios militares globais. Sobre essa militarização em massa, Socorro Gomes, presidente do Conselho Mundial da Paz e do Cebrapaz, destaca que as nações antiimperialistas têm no seu caminho um desafio, sobretudo no que se refere à luta contra as guerras e pela paz. “É preciso ter consciência e entender a natureza do sistema que há, VISÃOClassista

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INTERNACIONAL

COBIÇA  Com mar de petróleo, EUA voltam seus olhos para o Brasil hoje, nos EUA e nas grandes potências da OTAN. É preciso ter consciência da sua prática de domínio, de terror e de saque infringida às nações menos desenvolvidas, ou menos poderosas militarmente. Uma das respostas que podemos dar contra essa ofensiva se materializa nas campanhas contra as bases militares e contra a OTAN, nas denúncias contra essa política militarista e agressiva dos Estados Unidos e dos seus aliados”, explana Socorro Gomes.

Mare Nostrum: um olhar ianque sobre a América Latina Desativada por mais de meio século, a Quarta Frota da Marinha

“(...) Uma guerra sempre avança a tecnologia Mesmo sendo guerra santa Quente, morna ou fria Prá que exportar comida? Se as armas dão mais lucros Na exportação (...)” (A Canção do Senhor da Guerra, Legião Urbana, 1992)

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dos EUA, poderoso instrumento de intervenção bélica criado durante a 2ª Guerra Mundial, em 1943, para patrulhar o Atlântico Sul e que inclui vários navios de diversos tamanhos, submarinos e um portaaviões nuclear, foi restabelecida em junho de 2008 com o propósito “anunciado” de combater o tráfico de drogas, auxiliar em desastres naturais e atuar em missões de paz na América Latina e no Caribe. No entanto, para o deputado Ángel Barchini, representante do Paraguai no Parlamento do Mercosul (Parlasul), a reativação da Quarta Frota foi desnecessária. Segundo ele, “a presença militar norte-americana foi e é entendida como ameaça à soberania da região. Além de demonstrar a preocupação estratégico-militar de Washington para com a América do Sul e África Ocidental, e como os interesses norte-americanos tendem a se fazer ainda mais presentes nessas regiões em um futuro próximo”. Socorro Gomes afirma que a reativação da Quarta Frota, bem como todo o processo de militarização, se dá justamente

na busca de controlar os recursos naturais das nações menos desenvolvidas. Ela cita como exemplo a questão da Amazônia, região rica em biodiversidade e que estimula a cobiça por parte de diversos países. Segundo ela, “a biodiversidade, a água, os minérios nobres, e agora o pré-sal, são fatores mais que suficientes para estimular a ambição das nações desprovidas destes recursos”. A dirigente acrescenta que, além da Quarta Frota, é preciso refletir sobre o papel da OTAN no mundo. “Um braço extremamente armado dos EUA, dono de aparatos militares modernos, que se coloca acima da ONU, como se possuísse um mandato para realizar suas incursões. Essa organização está presente em diversos países, e um exemplo latente de sua força é a sua presença nas Ilhas Malvinas”, ressalta Socorro.

Quarta Frota e o Pré-sal O ex-presidente da Agência Nacional do Petróleo, Haroldo Lima, em entrevista à “Agência Brasil”, no final de 2011, externou sua


preocupação com a ofensiva norteamericana e com a possibilidade de os EUA contestarem a posse brasileira sobre as enormes reservas petrolíferas na chamada ZEE (Zona Econômica Exclusiva). Segundo a Convenção da ONU sobre a Lei do Mar (acordo internacional que estabelece o limite dos mares territoriais de cada nação costeira firmada em 1994), os Estados litorâneos têm direitos exclusivos sobre todos os recursos naturais do seu litoral numa faixa de até 200 milhas náuticas (370 km). No entanto, os EUA não são signatários da Convenção da ONU sobre o Direito do Mar, o que abre brechas para discussões. Socorro Gomes afirma que o nãoreconhecimento das definições da ONU sobre o Direito do Mar, por parte dos Estados Unidos e das demais potências imperialistas, faz parte do posicionamento estratégico dessas nações, que por meio de ameaças, de terrorismo e pressões tentam sanar seus problemas e controlar e saquear os recursos das nações menos desenvolvidas militarmente. Ela acrescenta que a

militarização e a proliferação de bases militares, em diversas regiões do globo, sinalizam às nações latino-americanas a necessidade de concentrarem esforços para repensar suas políticas de segurança e garantir sua soberania frente a uma possível ameaça de agressão. “Hoje, se alguém encostar aleatoriamente o dedo sobre o mapa do mundo, por certo indicará alguma base militar das grandes potências. São tantas as instalações belicistas dos Estados Unidos e da OTAN que todos os países do mundo são vigiados e intimidados de perto a todo instante”, declara a presidente do Cebrapaz.

Soberania Nacional Ao passo em que as nações imperialistas empreendem sua estratégia de agressão, a América Latina há mais de uma década vive um processo de mudanças. Cresce a luta por sua soberania, por direitos e o bem-estar de seus povos. Para José Reinaldo, esse processo de mudança está intimamente ligado ao processo de mudança do

CONTROLE  Atenção sobre riquezas da Amazônia já é histórica

quadro político, com a ascensão de governos progressistas. ”A renovação do quadro político na América Latina, que tem como marco de formação a vitória de Hugo Chávez, em 1998, e depois a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, além das sucessivas vitórias das forças progressistas latino-americanas, mudaram, inteiramente, o quadro político do continente. Essa mudança foi essencial para que a nossa região perdesse, em definitivo, a qualificação de ‘quintal’ dos Estados Unidos”, explana. Segundo ele, diante de todo esse cenário, os EUA reativaram a Quarta Frota como fator de chantagem e de pressão. “Uma violência latente, que manda um recado: ‘Não avancem tanto, pois nós estamos aqui’”. Socorro Gomes reafirma que “a ampliação da presença militar americana na região busca, além de intimidar os processos políticos de transformação na região, posicionar sua força bélica em zonas estratégicas de grandes riquezas naturais. Trata-se de um verdadeiro atentado à paz, à segurança e à soberania de todos os países da região. Por isso, a América Latina tem avançado na busca da integração solidária, na busca de construção de políticas de segurança conjuntas. O reflexo dessa busca pode ser visto na ascensão de governos comprometidos com estas posições, comprometidos com esta soberania”. Sobre a ascensão dos governos progressistas, a presidente do Cebrapaz afirmou que esta só se concretizou graças às lutas populares empreendidas pelos povos de nosso continente. “Essa mudança no cenário político abre caminho para a luta, para a resistência a essa hegemonia e para a construção de possibilidades, de soberania, de independência, de desenvolvimento social, de progresso e de integração entre as nações que sofrem com os mesmos problemas”, finaliza. VISÃOClassista

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PAUTA SINDICAL

S.O.S. Trabalhadores Problemas relacionados à segurança e à saúde no ambiente profissional afetam milhões de brasileiros a cada ano

pensões por morte de trabalhadores e trabalhadoras vítimas das más condições de trabalho. Resumindo, no Brasil ocorreu uma morte motivada pelo risco dos fatores ambientais do trabalho a cada cerca de 3,5 horas, e ainda cerca de 83 acidentes e doenças do trabalho reconhecidos a cada hora hora na jornada diária. Observa-se, portanto, uma média de 43 trabalhadores/dia que não retornaram ao trabalho devido à invalidez ou à morte.

Cinthia Ribas

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epressão, distúrbios mentais, lesão por esforço repetitivo, surdez, intoxicação. Essas são apenas algumas das muitas doenças ocupacionais que fazem parte do cenário enfrentado no Brasil há anos por milhões de trabalhadores submetidos a precárias condições, pressão e excesso de horas extras, entre outros fatores. Em todo o planeta, a cada ano ocorrem cerca de 270 milhões de casos registrados em decorrência de lesões graves não mortais, além de outros 160 milhões de registros relacionados a doenças de curta ou de longa duração, em virtude de fatores vinculados à vida laboral. Os números são da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Atualmente, as doenças ocupacionais se dividem em dois grupos: as doenças profissionais, que são causadas por fatores inerentes à atividade desempenhada (surdez, intoxicação, cegueira, entre outras); e as doenças do trabalho, que são causadas por circunstâncias como ler, distúrbios mentais, hipertensão e estresse. No mundo, ainda segundo a OIT, dois milhões de cidadãos morrem a cada ano em virtude de doenças ocupacionais e acidentes ocorridos no ambiente de trabalho. De maneira geral, o número de mortos diários é superior a cinco mil pessoas.

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Pressão constante

Esse crescimento está relacionado ao aumento do ritmo e da intensificação do trabalho exigidos pelos novos padrões de acumulação estabelecidos nas últimas décadas. Submetidos a tarefas repetitivas (e pressionados pelas metas de produtividade), milhares de trabalhadores no Brasil e no mundo sofrem com o trabalho degradante. Só no ano de 2009, segundo informações da Previdência Social, foram registrados cerca de 723 mil acidentes de trabalho, além de aproximadamente 13 mil trabalhadores inválidos, 2.496 óbitos e prejuízos de cerca de R$ 56 bilhões com assistência médica, benefícios por incapacidade temporária ou permanente e

Para o diretor de Saúde do Sindicato dos Bancários da Bahia, José Barberino, esses números estão ligados à forma com que o Ministério da Previdência trata o tema. “O Nexo Epidemiológico Previdenciário (NDEP) traz em seu bojo a possibilidade de punição ou benefício daquelas empresas que fizeram ou não a prevenção. No entanto, não há transparência. Esses dados deveriam estar disponíveis para todos os setores da sociedade, inclusive à população, não só no que diz respeito à fiscalização, como também na correspondência com a realidade”. Apesar dos números expressivos e incontáveis pesquisas voltadas para o tema, as consequências causadas pelo excesso de trabalho e os impactos na vida do trabalhador ainda são invisíveis aos olhos da sociedade, porque em regra é visto como um problema individual. Na maioria das vezes, o


trabalhador é responsabilizado pelo acidente por desatenção, descuido ou desrespeito às normas de segurança. Até mesmo quando o cansaço é o fator determinante do acidente, a culpa é atribuída ao trabalhador que decidiu duplicar a jornada de trabalho para aumentar sua renda. No caso das chamadas doenças ocupacionais, com a alegação de disposição genética ou maus hábitos, novamente o problema é tratado como uma questão individual e depositado sobre os ombros do trabalhador. Dentro deste cenário preocupante, nos últimos anos houve um grande aumento das doenças do aparelho locomotor, em especial da Lesão por Esforço Repetitivo (LER) e dos Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (Dort), inflamações que danificam músculos, tendões, nervos e ligamentos e que podem levar o trabalhador à invalidez permanente. Dados divulgados pelo

Ministério da Saúde do Brasil indicam que a LER representa 70% das doenças relacionadas ao trabalho. Considerada como uma enfermidade específica de determinados setores, como o bancário, por exemplo, ela atinge atualmente os setores na indústria e de serviços. Os bancos, ainda assim, ocupam o primeiro lugar no ranking de registros.

Superexploração do sistema capitalista Além disso, outros fatores são determinantes para o agravamento do quadro de saúde dos trabalhadores do setor financeiro, como estresse e a pressão para cumprir metas de produtividade exigidas pelas empresas. Os dados da pesquisa mostram que esses trabalhadores correm um risco duas vezes e meia maior de se afastarem do trabalho por mais de 15 dias consecutivos por problemas

mentais. A depressão é uma das principais causas dos altos índices de suicídio na categoria. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a depressão é a causa de 850 mil suicídios por ano em todo o mundo. A exposição dos trabalhadores a situações humilhantes e constrangedoras dos chefes, as cobranças de metas abusivas, o terror das demissões, a sobrecarga de trabalho e o desrespeito aos direitos do trabalhador são alguns dos artifícios do sistema de opressão no trabalho, resultado da superexploração capitalista. “Doenças afeitas ao mundo do trabalho, como de distúrbios mentais, ficaram correndo em paralelo, mas sem diagnósticos definitivos, embora latente. Porque quando se abre a CAT (Comunicação de Acidente do Trabalho) se prioriza o código (CID) da doença principal. E se a LER/Dort carrega um componente forte de preconceito, imagine no caso de uma doença VISÃOClassista

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PAUTA SINDICAL

MOBILIZAÇÃO  CTB segue na linha de frente contra os abusos mental? Então na hora de escolher o trabalhador, opta pela declaração da LER por conta do preconceito que vai enfrentar no ambiente de trabalho”, destaca Barberino.

Construção civil O aumento das horas de trabalho e o crescimento da competitividade têm desenvolvido ou agravado problemas de saúde nos profissionais que cumprem jornadas extensas jornadas. Outro resultado desse cansaço são os acidentes de trabalho, que ocorrem em grande número no setor da construção civil. O setor é campeão na ampliação de vagas no mercado de trabalho no ano passado. Somente em 2011, foram contratados 925.537 empregados, conforme dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Em contrapartida, o número de acidentes com morte na construção civil ainda é muito grande. Dados do Anuário Estatístico da Previdência Social de 2009 revelam que ocorre em média um acidente de trabalho a cada três minutos. No Brasil, foram 78.564 acidentes ocorridos no trajeto para o trabalho;

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20.756 casos de doenças decorrentes do trabalho; 414.785 acidentes ligados à profissão. Estima-se que cerca de 30% dos acidentes atinjam mãos, dedos e punhos. Na opinião de especialistas, o aumento na geração de empregos no país não está acompanhando as medidas de segurança no trabalho. Preocupados com os altos índices de acidentes, sindicatos têm promovido diversas campanhas a fim de reivindicar o fim das mortes e acidentes de trabalho, dentre outras bandeiras pela melhoria da qualidade de vida e de trabalho no setor, que têm crescido a cada dia devido aos preparativos para a Copa 2014.

Quadro defasado de funcionários Se por um lado os acidentes de trabalho na construção civil são consequência do descaso e da falta de responsabilidade das empresas com os funcionários, por outro estudos comprovam que trabalhadores que cumprem uma jornada de mais de 8 horas diárias podem ter problemas que afetam sua vida profissional e pessoal. Distúrbios do sono, cansaço constante, dificuldade de

resolução de problemas cotidianos, irritabilidade, dores de cabeça e dificuldade de concentração. O aumento da ocorrência de doenças causadas pelo excesso de trabalho está diretamente relacionado à diminuição do número de trabalhadores empregados. Uma categoria que comprova essa afirmação é a metroviária. A jornada máxima da categoria deveria ser de oito horas diárias, mas o limite é ultrapassado constantemente. “É importante ressaltar que o número de usuários quase triplicou nos últimos anos e a quantidade de metroviários permanece praticamente a mesma. Na década de 90, chegamos a mais de dez mil metroviários e transportávamos em média 1,6 milhão de usuários. Hoje a realidade é outra. Transportamos quatro milhões de usuários e temos aproximadamente 8.900 mil funcionários. Incluindo os metroviários que estão de licença ou afastados”, critica o diretor da CTBSP, Flávio Montesinos Godoi. Ex-presidente do sindicato da categoria e OTN III- supervisor da linha 3-Vermelha, na estação Patriarca, em São Paulo, Godoi


acredita que o metrô não se preocupa com o bem-estar dos trabalhadores. “Devido à adoção do Bilhete Único e à expansão da malha metroviária, hoje o sistema metroviário apresenta uma demanda muito grande. As falhas técnicas são diárias e o descontentamento da população também. O metrô não investe no quadro de funcionários, apenas contrata “Jovens Cidadãos” (trabalhadores terceirizados que recebem menos de um salário mínimo). Só que eles não são trabalhadores especializados. Não estão qualificados como os funcionários para atender à população. É tapar o sol com a peneira”, revela o dirigente.

Insensibilidade da Previdência Social De olho nessa situação e preocupados com a saúde dos trabalhadores, as centrais sindicais criaram o Fórum de Saúde do Trabalhador, que reúne os representantes dos departamentos de saúde das entidades, técnicos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e do Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho (Diesat). “O Fórum integra as discussões sobre o Conselho Nacional de Saúde, comissões tripartite, Agência Nacional de Saúde Suplementar e Observatório de Saúde do Trabalhador. No entanto é preciso que se coloque em prática as decisões, as propostas. Não adianta só aparecer com o projeto.”, alertou Elias Bernardino, secretário de Saúde do Trabalhador da CTB e representante da entidade no Fórum. Outra crítica feita pelos sindicalistas é direcionada às perícias médicas e ao Ministério da Previdência Social. Muitos trabalhadores que vão ao INSS em busca de afastamento por doença ou acidente enfrentam humilhações

e dificuldades causadas por má conduta de parte dos peritos que lá prestam atendimento. Entre as dificuldades encontradas estão a suspensão dos benefícios antes mesmo que o trabalhador se recupere, o não-reconhecimento da relação de causalidade de inúmeras doenças com o trabalho (em especial as LER-DORT e doenças mentais que atualmente acontecem em dimensões epidêmicas e são os principais motivos de afastamento do trabalho) e principalmente o descompasso de tempo entre o fim do benefício e a consulta com a perícia para avaliar um pedido de prorrogação ou de reconsideração, o que deixa os trabalhadores por meses sem qualquer rendimento.

“Os trabalhadores ficam de três a quatro meses sem receber, esperando pela perícia. É um absurdo. Nos últimos anos nada mudou. Não abriram novos concursos para contratar mais peritos. Isso demonstra o nível de preocupação do governo e ministério com a saúde dos trabalhadores”, destacou José Barberino. Barberino avalia que é preciso retomar essa discussão dentro das centrais sobre quais estratégias podemos utilizar para nortear o trabalho. “Por meio do próprio Fórum de Saúde do Trabalhador podemos viabilizar esse debate e retomar as ações no sentido de reverter esse cenário”, concluiu.

Perigo no campo Não são apenas os trabalhadores da cidade que sofrem com acidentes e doenças causadas pelo trabalho. No Brasil é bastante elevado o número de trabalhadores rurais que adoecem ou morrem por intoxicação com agrotóxicos, precárias condições de trabalho e excesso de horas extras. Segundo o Ministério da Saúde, os agrotóxicos estão em sétimo lugar em número de acidentes com substâncias químicas e em primeiro no número de mortes no Brasil. O excesso de trabalho, o ritmo acelerado de produção e o aumento da carga de trabalho individual representam os principais fatores dos acidentes e morte de trabalhadores nos canaviais. Esses dados revelam que seja no campo ou na cidade as novas formas de organização do trabalho têm cobrado um preço demasiadamente alto para alcançar os altos índices de produtividade e sucesso no mercado. Outro problema que tem afetado uma parcela dos trabalhadores do campo e preocupa os especialistas é a questão do crack. O crescimento do consumo transformou-se em um problema de saúde pública em cidades do interior, onde a droga, desconhecida até 1994, saiu da periferia, bateu à porta de casas de famílias das classes média e alta e chegou até a zona rural. De acordo com o relatório apresentado pela Frente Parlamentar de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas, os usineiros estão incentivando o uso da substância entre os cortadores. O objetivo é aumentar a produtividade, já que em muitos casos o trabalho nas lavouras se estende por até 14 horas, sem interrupções. “Há muita gente que ainda morre por exaustão. Ou seja, por efeito negativo e danoso na saúde a partir da exploração do trabalho. O crack vem para anestesiar, sendo uma droga potente e extremamente aditiva, que causa dependência rapidamente”, diz o relatório. VISÃOClassista

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FÓRUM SOCIAL

Militância nas ruas No Rio Grande do Sul, CTB discute a crise internacional e a necessidade da integração latino-americana Emanuel Mattos

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ais de 40 mil pessoas participaram de palestras, oficinas, debates e shows durante o Fórum Social Temático (FST), realizado em Porto Alegre e cidades da Região Metropolitana do Rio Grande do Sul entre os dias 24 e 29 de janeiro. No total, 650 atividades promovidas por grupos ou Organizações Não Governamentais (ONGs) fizeram parte da programação do FST. A presença de vários ministros e, principalmente, da presidenta Dilma Rousseff – que nem compareceu ao Fórum Econômico de Davos, na mesma semana – atraiu a imprensa de todo o mundo. Ao todo foram credenciados 3.356 jornalistas, sendo 1.866 brasileiros e 1.490 estrangeiros. Pela abrangência alcançada, o Comitê Organizador Local confirmou a realização da edição descentralizada do FST de 2014 novamente para Porto Alegre. Desde o primeiro dia, já durante a tradicional Marcha de Abertura, a CTB se destacou com sua militância. Na avaliação do presidente da CTBRS, Guiomar Vidor “a marcha serviu para a CTB dar uma demonstração

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VISÃOClassista

Marcia Carvalho

de força de seus integrantes, que lideraram a manifestação, com um samba tão contagiante que as pessoas cantavam nas ruas, o que para nós teve um significado muito importante”. O dirigente gaúcho destacou também a integração dos movimentos sociais junto à CTB, principalmente os jovens da UNE, UBES e UJS. “Todos estão aliados ao projeto que a CTB defende. Foi bonito ver a participação aguerrida da militância da CTB”.

Crise capitalista  Entre os eventos realizados, a CTB esteve presente ou patrocinou atividades marcantes no FST. O vice-presidente nacional, Nivaldo Santana, foi um dos palestrantes do Seminário “Crise Capitalista Mundial, Movimento Sindical e Perspectivas para os Trabalhadores”, promovido pelo “Mundo do Trabalho”, segmento que reuniu as seis centrais sindicais do país. Outro evento marcante patrocinado pela CTB reuniu os dirigentes latino-americanos da Federação Sindical Mundial (FSM), coordenados pelo vice-presidente da FSM e diretor-adjunto de Relações Internacionais da CTB, João Batista Lemos. Entre os temas discutidos, as táticas e estratégias que cada central sindical tem usado, além de encaminhamento de sugestões para a atuação unificada das centrais latino-americanas. “Foi uma reunião muito rica de intercâmbios,

DESTAQUE  Militância da CTB fez bonito na abertura do FST em que debatemos temas que devem ser aprofundados no campo da luta de ideias, como o trabalho decente

Essa crise não é apenas financeira; é uma crise do sistema capitalista


no capitalismo, o desenvolvimento sustentável e a distribuição de renda, que precisa ser colocada no seu nível correto do ponto de vista de classe”, disse Batista. Para o vice-presidente da FSM, não cabe adotar uma só estratégia para países que têm realidades distintas e históricas. É necessário, antes, debater a relação com o desenvolvimento

e o socialismo. “Devemos nos preparar para enfrentar essas ideias em nosso continente. Por isso será preciso aprofundar esses temas tão importantes”, projetou o dirigente cetebista.

“Nuestra” América Foi o que aconteceu no seminário

“Integração Latino Americana”, patrocinado pela CTB, pelo Encontro Sindical Nossa América (ESNA) e o Instituto de Estudos Estratégicos da América do Sul (Intersul). Com apoio do Centro de Estudos Sindicais (CES), a atividade foi dividida em dois paineis: “Razões Macro Econômicas, Políticas e Sociais” e “Alternativa VISÃOClassista

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FÓRUM SOCIAL concreta para a classe trabalhadora diante da crise capitalista”. Pautados pela crise capitalista que atinge os países ricos, os debatedores Ramon Cardona, secretário para as Américas da FSM, o senador Inácio Arruda (PCdoB/ CE) e o economista José Carlos de Assis, presidente da Intersul, defenderam a necessidade de maior integração entre os países da América do Sul. Entre elas, ampliar e fortalecer o Mercosul, para maior integração econômica, política, produtiva, educacional e cultural. E enfrentar o capitalismo com a resistência e a luta sistemática dos

trabalhadores. “Precisamos proteger nossa região que tem condições de se desenvolver e trazer distribuição de renda e qualidade de vida para os nossos povos” discursou o senador Arruda. “Chega de sermos dirigidos, controlados e orientados pelo imperialismo dos Estados Unidos”. “Esta não é uma crise cíclica, mas uma crise profunda, a maior da história do capitalismo porque atingiu o coração do capital financeiro mundial”, afirmou o especialista José Carlos de Assis. “Acreditamos na unidade para fortalecer os trabalhadores e o

Eduardo Navarro

CONSCIENTIZAÇÃO  Para Batista, é preciso debater a relação entre desenvolvimento e socialismo

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movimento sindical e para enfrentar a concentração de renda, porque sem justiça social não haverá paz social. Outro mundo é possível e os trabalhadores o merecem”, defendeu Cardona.

Desenvolvimento  No debate sobre o posicionamento dos trabalhadores frente à crise mundial, a mesa foi composta pela CTB, representando o Brasil, a PIT/ CNT (Uruguai), CST (Venezuela), CTC (Cuba), por representantes da Argentina e Paraguai e pelo deputado federal Assis Melo


(PCdoB-RS), que também é presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Caxias do Sul. Em todas as intervenções, os dirigentes sindicais apontaram a necessidade da industrialização com sustentabilidade, porque, segundo o consenso, com indústrias fortes haverá emprego e desenvolvimento econômico com distribuição de renda. Em referência à crise mundial, observaram que o perigo no mercado globalizado não é a China, mas os Estados Unidos e a Europa, onde os países em crise profunda querem exportar para o Brasil e demais países sul-americanos, o que poderá afetar a economia interna do nosso continente. “Há um consenso entre nós de que essa crise não é apenas financeira; é uma crise do sistema capitalista, que não se sustenta, ao contrário, se nutre dessas crises extraindo recursos que poderiam estar sendo investidos em desenvolvimento, em melhor qualidade de vida para as nações, para investir no sistema financeiro com grandes efeitos pirotécnicos e que já consumiu nesta crise US$ 16 trilhões”, informou o secretário de Políticas Sindicais e Relações Internacionais da CTB, Joílson Cardoso. “A solução da crise do capitalismo para sustentar a especulação financeira é retirar recursos para realimentar esse sistema, sob as vistas não muito atentas de certos setores sindicais, mas, para nossa satisfação, também de olhos atentos e ações efetivas de lideranças da classe trabalhadora dos países da América Latina. Temos que buscar a unidade para a luta com uma visão progressista – e porque não revolucionária – e estabelecer ambientes e fóruns de diálogo para convencermos a todos que o sistema capitalista é fadado a crises constantes, que exaure os recursos do Planeta e proporciona a infelicidade das populações”, analisou o secretário da CTB.

Pontos de vista É importante estarmos presentes em todos os locais onde é possível debater as ideias e construir propostas para o desenvolvimento social dos povos. Ainda mais agora que estamos tocando em um tema tão importante para a humanidade como a crise estrutural do capitalismo. É necessária a integração dos trabalhadores para dar uma resposta à crise e sugerir soluções para os governos progressistas diante desse quadro. A Venezuela está unida com os irmãos do Brasil, Uruguai, Paraguai, Chile, etc., a fim de elaborar para 2012 uma rica agenda de trabalho para enfrentar essa crise e trabalhar pela unidade dos trabalhadores do nosso continente”.

Jacobo Torres de Leon, dirigente da Central Bolivariana Socialista de Trabalhadores da Venezuela. A crise do capitalismo exige uma discussão profunda, tanto dos trabalhadores organizados quanto dos movimentos sociais. Ressalto principalmente o esforço da CTB para organizar esse painel em que discutimos a crise e buscamos alternativas para enfrentá-la. A integração dos povos passa pelo esforço que devemos fazer com o objetivo de buscar tudo que nos une e não as diferenças. Para isso, esse debate foi muito frutífero por ter contado com a presença de todos os países do Mercosul”.

Leonardo Batalla, da Plenária Intersindical de Trabalhadores (PIT) e Convenção Nacional de Trabalhadores (CNT), do Uruguai.

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MOVIMENTOS SOCIAIS

À espera da terra Em torno do MLT, 2.400 famílias de todo o país seguem acampadas em busca de um direito ignorado pelo governo

Fotos: MLT

Cinthia Ribas

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oa parcela da sociedade só os conhece pelo noticiário televisivo, quando as grandes emissoras dão destaque para ocupações e conflitos resultantes da ação violenta da polícia. Mas poucos conhecem suas verdadeiras reivindicações, que vão desde a urgente efetivação da reforma agrária, com o fim da concentração de terra, até melhores condições de vida para os trabalhadores do campo e seus filhos. São milhares pessoas que travam uma luta sem igual, de sol a sol, convivendo em acampamentos em busca de uma terra para plantar e fincar suas raízes. Famílias inteiras, com dois, três, até quatro filhos que esperam por políticas de saneamento rural, de habitação, de investimentos, entre outras. Um acampamento pode durar anos sem a conquista definitiva da terra, sem condições de trabalhar com tranquilidade e sem poder construir suas casas – os acampados vivem em barracas de lona. No Sul do Brasil, em pleno inverno, a temperatura chega a -8ºC. “Pra mim, ser acampado não é bom. Bom é ser assentado. Mas para conquistarmos nossa terra temos que ser acampado. Morar em barracas de lona muito difícil. Convivemos com ratos, cobras, aranhas... No frio, muitas vezes o plástico da barraca sua e molha a gente sem nem mesmo

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DESCASO  Acampados vivem em condições delicadas chover. Durante o dia o calor é horrível. Muitas vezes pega fogo nos barracos e temos que estar por perto para apagar. Então, é isso... Vivemos numa espera. Mas com certeza nossa hora vai chegar”, desabafa em depoimento o esperançoso Valdelino Rocha Viana.

Lutar, resistir, reforma agrária já! Assim convivem quase cinco mil famílias acampadas Brasil afora, defendidas pelo Movimento de Luta pela Terra (MLT). Só na Bahia, em uma das áreas de atuação da entidade, são 2.400 famílias acampadas à espera de um pedaço de terra para plantar, colher e prosseguir com a vida. São trabalhadores assim que o MLT defende. Seu trabalho começou a se formar entre 1993 e 1994, no auge da criminalização dos movimentos sociais, promovida pelo governo Fernando Henrique Cardoso. A necessidade de organização surgiu, a princípio, em Itabuna (BA), a partir das dificuldades enfrentadas pelos cacaueiros baianos assolados

pelo endividamento e pela praga da “vassoura de bruxa”. Na época, foram muitos os que ficaram desempregados ou perderam todo seu patrimônio com a crise que se instalou na região. De acordo com dados do MLT, foram mais de 240 mil desempregados. Desses, 90% eram de trabalhadores rurais. Desalojados, os trabalhadores da região deram início a um movimento, no começo chamado de “Desempregados do Sul da Bahia”, que incluía, além dos rurais, também bancários e estudantes. A partir daí passou a se desenhar o Movimento de Luta pela Terra. “Começamos a nos organizar pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itabuna e aos poucos nos espalhamos pelo Brasil. No começo, nossa luta prioritária era pela reforma agrária. No entanto, com o passar dos anos vimos que as bandeiras começaram a dividir espaço com outras reinvindicações, inúmeras necessidades do homem do campo. Não adiantava conquistar a terra se não tínhamos estrutura para nos manter e produzir”, lembra


Aldenes Meira dos Santos, um dos coordenadores do movimento na região da Bahia. A partir dessa constatação, passou a fazer parte da pauta da entidade a defesa pelo saneamento rural, a educação de qualidade no campo, o sistema único de saúde para o povo do campo e da floresta, o acesso ao crédito rural, o cooperativismo, entre outros. Educação, inclusive, é uma das pautas prioritárias do movimento que estimula a formação universitária. “Não é só jogar as famílias numa determinada área e esquecer. Ela precisa de escola, posto de saúde, energia, saneamento. O Pronera, que é o programa de educação e reforma agrária, neste ano não firmou nenhum convênio. As universidades não abriram turmas. No ano passado foram abertas vagas só para pedagogia da terra. Nós queremos que o trabalhador tenha formação em direito, assistência social, engenharia agronômica. Estamos pleiteando isso para formar o

assentado e seus filhos”, revela o coordenador nacional em Sergipe, Dayvid Souza Santos. Outra defesa feita de forma ferrenha pelo movimento é o acesso ao crédito rural para o fomento da produção. O crédito rural, aliás, é um dos pontos mais importantes para esses trabalhadores depois da concessão da terra. Um desses créditos é o Pronaf B (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), voltado para pequenos produtores. O programa do governo federal financia projetos geradores de renda da agricultura familiar e de assentados pelo reforma agrária. O limite de crédito vai até R$ 2,5 mil por operação, na qual o beneficiário pode acessar até três operações, totalizando R$ 7,5 mil. No entanto, segundo dirigentes, o problema está no valor repassado aos camponeses. “A metodologia do crédito no país é muito equivocada. O valor é baixo e não leva em consideração as diversidades climáticas das regiões. No Sul é uma realidade, no Nordeste outra.

Mas eles usam metodologias iguais para regiões diferentes. Assim, o agricultor muitas vezes perde a produção e se endivida muito. É uma bola de neve”, revelou Santos. De acordo com o sindicalista, todo ano o movimento trava uma verdadeira luta para negociar o endividamento da agricultura familiar. “Aqui na região, por exemplo, o trabalhador pega parte do crédito para fazer uma aguada (reservatório de água para o cultivo). Então, se ele pega o dinheiro e não chove, não tem produção. Ele perde o investimento e aumenta o endividamento”, garante o coordenador sergipano.

De assentado a acampado Com uma trajetória de 17 anos comprometidos com a luta em prol da reforma agrária, atualmente o movimento está consolidado nos estados da Bahia, Roraima, Rondônia, Amazonas, Goiás, Sergipe, Minas Gerais, Alagoas, Mato Grosso, Rio de Janeiro e

AVANTE!  Apesar das dificuldades, famílias seguem na batalha VISÃOClassista

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MOVIMENTOS SOCIAIS Arquivo MLT

Distrito Federal. Falando em números, a entidade comemora a conquista obtida ao longo dos anos. Possui em torno de 18 mil assentados, cinco mil acampados e milhões de pessoas em potencial para serem assentadas. Só em Roraima são nove mil famílias assentadas e mais de 400 acampadas. Acampado e assentado, aliás, são condições distintas. Acampadas são famílias que habitam terras improdutivas, em barracas de lona à espera da terra para firmar o assentamento. Alguns acampados residem à beira de estradas ou rios, sem as mínimas condições de vida. Já houve casos de acampamentos que duraram 15 anos à espera de uma solução. Famílias inteiras ficam expostas ao frio e calor excessivo e à falta de comida. O próprio coordenador do movimento na Bahia já vivenciou essa situação. Nascido na cidade de Brumados, localizada no sertão baiano, Aldenes hoje é assentado da área Manuel Chinês (nome em homenagem ao companheiro que faleceu durante a luta), casado, pai de três filhos e técnico em contabilidade. Mas, antes disso, viveu dois anos como acampado. “É difícil. É muita fome e sofrimento que passamos”. Já os assentamentos são formados por famílias, antes acampadas, que já tomaram posse da terra,

aguardando apenas a liberação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a efetivação do projeto para a área. Nos assentamentos as famílias se organizam em cooperativas A aquisição de áreas é feita por meio de desapropriação, compra direta ou por meios não dispendiosos, como a destinação de terras públicas e o reconhecimento de territórios. Mas o problema desses camponeses não está resolvido a partir da obtenção da terra – essa é apenas uma etapa da luta. A partir daí serão construídas as comunidades, com escolas, postos de saúde, uma rede de saneamento.

Unificar a luta Esse é o quadro de dificuldade que o MLT luta para reverter. Um cenário espantoso de descaso, no qual os interesses do agronegócio falam mais alto, em detrimento do bem-estar do pequeno agricultor. Os dirigentes confessam que é difícil, mas está sendo possível com a unidade construída em torno do movimento. “O problema maior é a falta de reconhecimento do próprio governo, que não enxerga a urgência de promover a reforma agrária, em combater o latifúndio. O governo de Lula foi uma grande esperança, mas acabou violentando a esperança da

FORÇA  Estratégia contra o agronegócio é a unidade

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HISTÓRIA  Entidade está prestes a completar 20 anos de gente”, desabafa Aldenes. Dados do Incra revelam que 2011 foi um ano ruim no que diz respeito à reforma agrária. O primeiro ano do governo de Dilma Rousseff teve o índice mais baixo desde 1995 – apenas 21,9 mil famílias foram assentadas, número 44% inferior a 2010. O auge dos assentamentos aconteceu em 2006, com 136,3 famílias beneficiadas. Na opinião do MLT, faltou iniciativa do governo para lidar com os interesses do agronegócio. “A gente pensou que uma das principais bandeiras do governo seria a bandeira da reforma agrária, a defesa dos camponeses brasileiros. Mas o governo priorizou o agronegócio. Todo investimento do governo é para incentivar o aumento da produção do agronegócio no modelo agroexportador. Mas quem põe a comida na mesa do no Brasil é a agricultura familiar. No entanto, não temos a mesma atenção que tem o agronegócio. Enquanto a agricultura familiar pega R$ 10 milhões de crédito, o agronegócio pega R$ 70 milhões”, analisa Django Alves da Silva, coordenador do movimento em Minas Gerais e ex-presidente do


já que a organização e o debate na realização de ações coletivas, o planejamento e execução de políticas públicas estatais e não estatais motiva a conformação de uma força maior para dialogar com as esferas governamentais”, defende o MLT. “Temos que unificar as agendas do campo e da cidade. Porque se o campo não planta, a cidade não come. Essa iniciativa vai ser muito importante para quebrarmos a espinha dorsal do agronegócio e intensificar a luta pela reforma agrária. Sem falarmos nas demais bandeiras, como da redução da jornada de trabalho, que vai melhorar as condições tanto a vida do homem do campo, como da cidade. Como é o caso do cortador de cana, dos

avicultores, suinocultores, que trabalham até 14 horas por dia”, salienta Django da Silva. Já no dia 5 de março, as entidades promovem o Dia de Luta do Movimento pela Terra. Um dos temas será o fortalecimento da rede de saúde voltado para o campo. “Lutamos para que o campo tenha direito a um sistema de saúde decente. Com especialistas e assistentes sociais, para que não tenha que percorrer longos trajetos em busca de um atendimento com qualidade. É preciso criar uma agenda positiva com as centrais sindicais e os movimentos sociais. Fazermos uma luta conjunta para que possamos impulsionar nossa pauta no governo”, declarou o dirigente mineiro.

luta Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Uberlândia. Sob a batuta do governo Dilma, o movimento segue na luta. Em março deste ano acontece o 1º Congresso Nacional da entidade, que promete ser mais um passo rumo à luta dos camponeses. “A consolidação do MLT Nacional possibilita um cenário positivo para a luta pela reforma agrária e o melhoramento da qualidade de vida de milhares de famílias do campo,

DECEPÇÃO  Militantes esperavam mais do governo Lula

Geração de produção e renda O MLT desenvolve parcerias com outros segmentos da sociedade, tais como o Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais - MSTTR, sindicatos urbanos, universidades, e ONGs, no sentido de melhorar a qualidade de vida e renda no campo e nos assentamentos. Tais parcerias rendem projetos de sucesso como o Programa Nacional para Produção de Biocombustível (PNPB). Firmado em 2007, por intermédio de uma parceria entre

cooperativas, Petrobras e governo federal, o convênio garante a prestação de assistência técnica a dez mil agricultores familiares, com contratos de produção e entrega de grãos de mamona e girassol, por meio de suas cooperativas de produção. Essas ações, em conjunto, contribuem consideravelmente para o aumento da produtividade e, consequentemente, para o aumento da renda. Tendo em vista que o programa de produção de

oleaginosas na agricultura familiar é uma inserção complementar em sua produção, esse processo gera cerca de 30% a mais de lucro. “O programa é muito bom porque beneficia a terra com a aplicação de calcário, além de ser mais uma opção para aumentar a renda familiar, sendo que o plantio pode ser intercalado com outras culturas, como laranja e maracujá”, relata o agricultor José Ailton dos Santos, do Assentamento Sete Brejos da Cidade de Indiaroba, em Sergipe. VISÃOClassista

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DIA DA MULHER

Bandeira de luta de t PL da Igualdade permeia as mobilizações do 8 de Março em todo o país Deborah Moreira

O

8 de Março de 2012 promete ser um divisor de águas na luta pelo empoderamento das mulheres. No mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, muitas atividades estão marcadas para pressionar pela votação, no Congresso Nacional, do Projeto de Lei 4.857/2009, conhecido como o PL da Igualdade. A ideia é incluí-lo na pauta unificada das centrais sindicais e torná-lo a principal bandeira deste ano. O projeto cria mecanismos para coibir e prevenir a discriminação contra a mulher, garantindo oportunidades iguais às dos homens no mercado de trabalho, com pena de detenção e multa para os infratores. Estudos têm comprovado que, apesar de a mulher ter conquistado mais espaço, a igualdade entre cargos e salários ainda está muito distante. As mulheres estão nas empresas que pior remuneram. Em 2011, ganharam, em média, 28% a menos que o sexo oposto segundo Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A média do ganho delas foi de R$ 1.343,81 contra R$ 1.857,64 deles. Por conta dessa disparidade, uma comissão tripartite (governo, empregadores e empregados) redigiu um projeto, tendo como base a Constituição Federal, e em consonância com a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência

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LUTADORAS  Mulheres das centrais sindicais se articulam por avanços contra a Mulher, da Organização dos Estados Americanos (OEA), ratificada pelo Brasil. O resultado foi o PL 4.857, de 2009, do deputado federal Valtenir Pereira (PSB-MT). No mesmo ano, a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA) apresentou um novo texto (6.653), que tramita junto com o primeiro. No Senado, foi apresentada uma proposta semelhante, do senador Inácio Arruda (PCdoB-CE). “Os três textos dão condições de igualdade à trabalhadora e, se algum for aprovado, vai refletir em sua vida. A mulher valorizada em seu ambiente de trabalho produz mais, tem mais segurança e vontade de participar do debate político sobre sua condição. Temos que levar ao conhecimento do grande público a sua importância. É fato: homens ganham mais que mulheres, exercendo a mesma função”, afirma

Raimunda Gomes, a Doquinha, secretária da Mulher Trabalhadora da CTB, que já se comprometeu a encampar a bandeira. “A criação de um estatuto legal é importante, haja vista a Lei Maria da Penha, de combate à violência contra a mulher, de 2006. Ela não diminuiu a violência, mas fez com que a mulher tivesse condições de sair das sombras e tomar coragem de denunciar e buscar justiça, além de regulamentar a própria ação policial com relação à mulher”, completa Márcia Machado, vicepresidente da CTB. Na Câmara, o projeto passou por diversas comissões, como a de Seguridade Social e Família (CSSF), pelo Plenário e sua mais recente atividade foi em agosto de 2011, quando o deputado federal Romero Rodrigues (PSDB-PB) solicitou sua inclusão na ordem do


odas e todos não se confirmou. É preciso traçar uma estratégia para entrar em pauta. O fórum está propondo incluí-lo como bandeira de luta do 1° de maio e em toda a agenda do movimento sindical. Muita mobilização vem por aí. Precisamos contar com toda ajuda possível, desde a militância de base dos movimentos até a SPM”, declara Cassia Bufelli, secretária da Mulher da UGT. Eunice Lea de Moraes, coordenadora de Ações e Programas do Trabalho da SPM, argumenta que a Secretaria vem cumprindo seu papel de desenvolver projetos e apoiar políticas de igualdade e promoção social. “Falta os deputados e as deputadas votarem. Temos uma expectativa de que

dia para votação. “Chegou a ser retirado da pauta em 2010, ano eleitoral. Em 2011, voltou a tramitar. No Senado, como incluímos as mulheres trabalhadoras rurais, está parado na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária. Criamos um fórum entre cinco centrais especialmente para discutir o PL”, explica Doquinha. Além da CTB, as centrais que integram o fórum são Nova Central, Força Sindical, Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB) e União Geral dos Trabalhadores (UGT). Neste ano, o grupo, formado pelas secretárias da Mulher de cada central, pretende convidar movimentos sociais para enriquecer o debate. “No ano passado, houve uma tentativa de unificar esforços com a SPM [Secretaria de Política para Mulheres] para pressionar, o que

CONQUISTA   Arlete crê em mais avanços

seja votado neste semestre. Já fizemos muitas reuniões com os parlamentares, bancadas. É um projeto do legislativo, que teve muitas emendas, e não podemos interferir”, explica.

Iniciativa governamental Uma das políticas da SPM para promover a igualdade de gênero em empresas públicas e privadas é o Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça, em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem). Uma das colaborações da secretaria na elaboração do PL foi a inclusão do selo. Desde quando começou, em 2005, certificou 92 das 122 que se inscreveram no programa. O número é pequeno, tendo em vista que o país possui cerca de seis milhões de empresas formais, segundo dados do IBGE, de 2006. Para a quarta edição, 95 organizações estão inscritas, sendo 81 públicas e 14 privadas. Todo o processo de certificação leva dois anos. Uma das empresas públicas que fazem parte da quarta edição é a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, que assinaram um termo de cooperação no final de 2011. O convênio é fruto de uma série de encontros entre trabalhadoras e empresa. “É uma conquista das mulheres da CTB, entre outras, como o afastamento da mulher grávida do serviço de rua no quinto mês de gravidez”, afirma Arlete Miranda da Silva, secretária da Mulher Trabalhadora da CTB-SP. Outro dado, de junho de 2007, demonstrado em pesquisa realizada pela Catho, constata que as maiores porcentagens de ocupação por mulheres estão em VISÃOClassista

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MULHER de receber incentivos fiscais e financiamentos de instituições bancárias públicas.

Diferença salarial

VALORIZAÇÃO  Para Doquinha, PL pode reparar erro histórico níveis hierárquicos mais baixos. Nos cargos de gerente, diretor, presidente e vice-presidente elas representam 16%, 13%, 8% e 7%, respectivamente. Nos Correios, dos nove membros da diretoriaexecutiva, somente um é mulher. Até na área administrativa, onde se espera encontrar maior quantidade de trabalhadoras (62%), a maior parte é formada por homens, 9.126 contra 7.081. A empresa não divulgou os salários.

Pontos polêmicos As dirigentes sindicais ouvidas pela Visão Classista destacam dois itens do PL que geram mais polêmica entre os membros das

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bancadas de empresários no Congresso Nacional. O texto prevê a criação da Comissão Interna de Promoção da Igualdade (Cipi) nas empresas de médio e grande porte. Outro instrumento para o controle das políticas de igualdade é o Cadastro de Empregadores Responsáveis por Atos Discriminatórios (Cerad), uma espécie de lista suja das organizações que praticarem atos discriminatórios contra as trabalhadoras, que ficará sob a responsabilidade do Ministério do Trabalho. Se comprovado ato discriminatório, as organizações ficarão sujeitas a multas, sanções e, em alguns casos, proibidas

A pesquisa da empresa Catho, de recursos humanos, também revela que existe uma quantidade maior de mulheres (46%) empregadas em empresas de pequeno porte (com faturamento de até R$ 15 milhões), nas quais estão os salários mais baixos. Nas grandes empresas, que pagam salários maiores (com faturamento acima de R$ 300 milhões), a porcentagem de mulheres é bem menor (28%). Além disso, elas estão nos setores que pagam menos (Saúde e Hospitalar), representando 66% da mão de obra ocupada. No ramo Químico e Petroquímico, onde os salários são mais altos, apenas 36% de seus quadros são ocupados por mulheres. A desigualdade entre os sexos foi comprovada em outro levantamento feito pela Fundação Seade e pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), na região metropolitana de São Paulo, divulgado em 2011. Nele, constatouse que as mulheres ganham 75,7% do valor pago aos homens para desempenhar as mesmas funções. Nos cargos com nível superior completo, a diferença de remuneração entre homens e mulheres é maior: elas recebem 63,8% do valor pago a eles para as mesmas funções, menos que em 2000, quando esse percentual era de 65,2%. Na última década, o nível de profissionais com nível superior aumentou de 12,9% para 17,1%. “Isso demonstra que nós estamos tendo que estudar mais para alcançar os cargos já conquistados por homens sem formação qualificada”, analisa Doquinha. Cerca de 13% deles possuem nível


superior completo. Já a participação da brasileira no mercado (proporção das mulheres com idade acima de dez anos

ocupadas), entre 2009 e 2010, teve um ligeiro aumento de 55,9% para 56,2%, segundo o estudo da Fundação Seade e do Dieese, na região metropolitana

de São Paulo, divulgado em 2011. Entre os homens, o indicador praticamente se manteve, passando de 71,5% para 71,6%.

Os 80 anos do voto feminino e a reforma política Também será motivo de comemoração no 8 de Março os 80 anos do voto feminino, que inicia o marco legal na conquista dos espaços de poder nas instâncias políticas da brasileira. Foi em 1932 que o presidente Getúlio Vargas promulgou o novo Código Eleitoral, legalizando o direito de voto às brasileiras. Décadas depois, em 1995, surge a primeira versão da Lei de Cotas, revisada e ampliada em 1997, por meio da qual cada partido ou coligação deve reservar o mínimo de 30% para candidaturas de cada sexo. Porém, não vem surtindo efeito. Na eleição mais recente nenhum partido conseguiu atingir a porcentagem de candidatas. “As cotas não estão funcionando porque não há sanções. A forma de garantir é aplicar sanções nos partidos que não e estender as cotas para os outros poderes. O partido que não colocar na lista os 30% deveria ter seu registro suspenso”, defende a deputada federal Alice Portugal.

Reforma política Tanto a deputada quanto as dirigentes sindicais ouvidas pela Visão Classista defendem a reforma política como instrumento tão importante quanto o PL da Igualdade. Nos últimos anos, parlamentares e partidos políticos discutem propostas para uma reforma política que, entre outros pontos, leve em conta a equidade de gênero. A deputada comunista lembra outra reivindicação feminista sobre os partidos. A eleição proporcional por lista partidária préordenada (ou fechada), pela qual eleitores votam apenas nos partidos, que passam a definir uma ordem de candidatos que receberão os votos. “O Brasil com uma presidenta da República, com um desenvolvimento inquestionável, ter apenas 45 mulheres em 513 deputados é um vexame. A nossa proposta na reforma política, já oferecida ao relator,

DISPOSIÇÃO  Alice Portugal cobra punição a partidos o deputado Henrique Fontana (PT-RS), prevê que nas listas partidárias, pré-ordenadas, tenhamos uma alternância, um homem e uma mulher”, explica Alice Portugal, que atribui a desigualdade nos espaços de poder político à entrada tardia da mulher no mercado de trabalho, que levou a um retardo nas participações no mundo do trabalho e da política. “Não podemos fechar o ano sem aprovar uma política de promoção da equidade salarial entre homens e mulheres no Brasil. Esse é o projeto prioritário da bancada feminina, feito a muitas mãos. Esperamos que a mesa diretora paute imediatamente para dar às brasileiras a garantia de que, somos diferentes, mas iguais”, ressalta a deputada. O relator acolheu em parte, colocando uma mulher pra cada dois homens, como uma espécie de transição. A proposta ainda será discutida em plenário e pode ser revertida diante da pressão popular.

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Raimunda Gomes

MULHER MULHER

Desenvolvimento, autonomia e igualdade

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Enquanto as mudanças não ocorrem, as mulheres do campo e da cidade seguem com muita disposição, articulando ações de enfrentamento a todas as formas de violência e discriminação

Raimunda Gomes, a Doquinha, é secretária da Mulher Trabalhadora da CTB.

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s transformações no mundo do trabalho impostas pelos processos de reestruturação produtiva expressam contradições e complexidades que transversalizam conceitos de classe social, gênero, étnico/racial e geracional. Considerando que homens e mulheres vivenciam de maneira diferenciada os problemas sociais e que a matriz das desigualdades no Brasil reside na distribuição de renda ou na ausência dela, pode-se, então, elegê-la como eixo estruturante do processo de promoção da igualdade e valorização da pessoa humana. Nesse sentido, defender um projeto nacional de desenvolvimento com geração de emprego e distribuição de renda torna-se uma via de superação da pobreza, com real possibilidade de promover a igualdade de oportunidade no mundo do trabalho, haja vista que as mulheres ainda ocupam a base da pirâmide salarial e recebam em média 28% menos do que recebem os homens pela realização do mesmo trabalho. De modo que o círculo vicioso da desigualdade, gerado pela obrigatoriedade social do trabalho doméstico, especialmente o de cuidado, feito pelas mulheres, explica em grande medida a necessidade de políticas públicas de valorização do trabalho reprodutivo e nãoremunerado, além da divisão das responsabilidades familiares. Autonomia e participação política das mulheres nos espaços de poder são questões que merecem destaque em 2012. O segundo ano do governo da presidenta Dilma Rousseff sinaliza para o conjunto dos movimentos sociais e sindical – e especialmente para o movimento feminista – a necessidade de unidade de todos esses movimentos, com a finalidade de exigir a aplicabilidade de políticas para as mulheres.

A discussão do PL da Igualdade no mundo do trabalho também permanece estagnada nas duas casas legislativas por falta de apoio para sua tramitação. Esses dois projetos de lei expressam o conservadorismo e o caráter sexista do parlamento brasileiro, no sentido de tolher a participação e a autonomia das mulheres, bem como a igualdade com os homens nos espaços de poder. Enquanto as mudanças não ocorrem, as mulheres do campo e da cidade seguem com muita disposição, articulando ações de enfrentamento a todas as formas de violência e discriminação, como foi a “Marcha das Margaridas” realizada pela Contag – que em 2000, na sua primeira edição, reuniu 20 mil mulheres e na mais recente, em 2011, reuniu 80 mil lutadoras, denunciando a violência no campo, o trabalho escravo, o uso indiscriminado dos recursos naturais e propondo, como solução desse problema, a reforma agrária. Entre as mulheres urbanas, a saída foi constituir o “Fórum das Mulheres das Centrais Sindicais”, composto por CTB, UGT, CGTB, Nova Central e Forca Sindical, cujo foco busca unificar as bandeiras comuns do movimento das mulheres, promovendo o slogan “Mulheres unidas pela promoção da igualdade em todos os espaços”. Portanto, a luta das mulheres na quadra atual está focada em aglutinar força para exigir a aprovação dos PL’s citados e pela implementação das metas do 3º Plano Nacional de Politicas para as Mulheres aprovado na 3ª Conferência Nacional, realizada em dezembro de 2011, entendendo que medidas dessa natureza corroboram para a diminuição da pobreza, no combate às desigualdades e na geração de riqueza com distribuição de renda no Brasil.


AGENDA SINDICAL Março Debate da Reforma Política

Com o objetivo de debater a ampliação da participação feminina nos espaços de poder, o Fórum das Mulheres Trabalhadoras das Centrais Sindicais vai promover um Seminário sobre “Reforma Política”. A atividade acontece no dia 2 de março, a partir das 14h30, no Plenarinho da Câmara Municipal, Viaduto Jacareí, São Paulo.

Dia Internacional da Mulher

No dia 8 de março, o Movimento de Mulheres, composto por entidades feministas e centrais sindicais, vai realizar uma caminhada pela região central da cidade de SP. A novidade deste ano está na adesão de todas as centrais sindicais, que participarão imprimindo sua marca na defesa da Reforma Política, dos PL’s da Igualdade (Câmara e Senado) e em comemoração aos 80 anos do voto feminino.

Fórum de Educação Ambiental

A CTB vai participar, entre os dias 28 e 31 de março, do 7º Fórum Brasileiro de Educação

Ambiental, em Salvador (BA). Sob o mote “Rumo a Rio +20 e às Sociedades Sustentáveis”, o Fórum visa reunir e fortalecer a Rede Brasileira de Educação Ambiental (REBEA).

Encontro Nacional da Mulher Trabalhadora Já tem local e data o 1º Encontro Nacional das Mulheres Trabalhadoras da CTB: acontece em Brasília, nos dias 30 e 31 de março. O objetivo é reunir sindicalistas para debater a realidade da mulher no mercado de trabalho e na sociedade, bem como definir as ações para o próximo período. Acompanhe as novidades pelo site da CTB: www.ctb.org.br

Oficina da CTB A CTB vai realizar, entre os dias 27 e 28 de março, uma Oficina preparatória para a 1ª Conferência Nacional de Emprego e Trabalho Decente (CNETD). A oficina pretender organizar a militância e qualificar a intervenção da CTB na etapa nacional, que acontece entre os dias 2 e 4 de maio.

Abril Pacto pelo Desenvolvimento

Está marcada para o dia 5 de abril a manifestação que pretende balançar São Paulo por desenvolvimento, juros baixos e contra a desindustrialização. A atividade faz parte do calendário unitário do “Pacto pelo Desenvolvimento, Geração de Emprego e Distribuição de Renda”, construído pelo Fórum das Centrais e apoiado

pela Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). Porto Alegre abre o calendário no dia 21 de março e ao longo de abril o ato acontece nas demais regiões do país.

Maio 1º de Maio Unitário

As centrais sindicais estão preparando um grande ato unitário para marcar o Dia do Trabalhador – 1º de Maio. Neste ano, o evento acontece no Campo de Bagatelle, zona norte de São Paulo, e, além de atrações musicais, trará a defesa mudança na política macroeconômica do país com o tema “Desenvolvimento, com menos juros, mais salários e emprego”. A celebração acontece também em outros estados simultaneamente.

2ª Conferência Internacional da Juventude Entre os dias 29 e 30 de abril, Havana (Cuba) será palco da 2ª Conferência Internacional da Juventude Trabalhadora. A juventude cetebista já está preparada para participar do evento, que acontece às vésperas do 1º de Maio e será promovido pela Federação Sindical Mundial (FSM). VISÃOClassista

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CULTURA

Justiça à moda yankee Obra de Fernando Morais revela ao grande público a luta pela libertação dos 5 Cubanos Eduardo Navarro

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República de Cuba, no início dos anos 90, sofre uma série de atentados terroristas perpetrados por organizações criminosas dirigidas por anticastristas – cubanos contrários ao governo de Fidel Castro que se exilaram na cidade norte-americana de Miami, na Flórida. Essa escalada de violência se dá em um momento de grandes dificuldades econômicas para a pequena ilha caribenha, que além de enfrentar as agruras do criminoso bloqueio econômico dos Estados Unidos, vê somar-se o fim da parceria com os países do leste europeu, devido à desintegração da União Soviética. A solução encontrada para manter-se de pé foi investir no desenvolvimento da indústria turística e atrair reservas cambiais daqueles que desejavam conhecer as maravilhas da ilha. Organizações como “Hermanos Al Rescate”, “Alpha 66”, “Movimento Democracia”, dentre outros – todos regiamente financiados pelos dólares do governo norteamericano e dos milionários exilados – urdiram os ataques terroristas contra alvos turísticos visando estrangular financeiramente o governo cubano,

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desestabilizar o sistema socialista e reimplantar o capitalismo na ilha. Esse é o cenário em que se desenrola o mais novo livro de Fernando Morais, Os Últimos Soldados da Guerra Fria, lançado no final de 2011, pela Companhia Das Letras, que narra o drama dos cinco heróis cubanos: Gerardo Hernández, Ramon Labañino, Fernando González, René González e Tony Guerrero. O livro, apesar de utilizar o formato de romance, é em essência um verdadeiro trabalho jornalístico de fôlego, fartamente documentando, que nos permite acompanhar toda a trama das provocações sem nos esquecer da dura realidade vivida por aqueles que queriam preservar sua nação e proteger seus compatriotas. Esse, aliás, foi o sentimento dos órgãos de inteligência cubana ao desenvolverem a Operação Vespa: infiltrar agentes secretamente nas organizações radicais de Miami

para, a par dos detalhes dos atentados, evitar danos a inocentes. A partir daí acompanhamos, inloco, o planejamento das ações como o sobrevoo sobre Havana para jogar panfletos provocativos ou espalhar pragas nas lavouras; colocar aviões comerciais em perigo ao atrapalhar transmissões da torre de controle; disparar rajadas de metralhadoras contra turistas ou explodir bombas em hotéis. As coisas se inverteriam para os agentes cubanos em setembro de 1998, quando a Rede Vespa é destroçada pelo FBI, seguindose a prisão de todos os envolvidos em celas solitárias. O processo 98CR721/Lenard enquadrouos como espiões promotores de atentados contra instalações militares, conspiração para assassinato, coleta e informações de defesa, falsificação e uso de documentos de identidade e uso indevido de vistos e permissões de entrada nos Estados Unidos. De heróis do povo cubano, eles se viram acusados de terrorismo. O julgamento foi montado para condená-los e agradar à poderosa organização dos exilados. No final de 2001, eles foram declarados culpados com penas que vão de 15 anos para René, 19 anos para Fernando, perpétua para Tony, perpétua mais 18 anos para Ramón e duas perpétuas mais 15 anos para Gerardo. A farsa do julgamento e as pesadíssimas penas têm mobilizado opiniões nos Estados Unidos e em todas as partes do globo – e levado artistas, personalidades e entidades como a CTB e o Encontro Sindical Nossa América a se somarem ao movimento pela liberdade para os cinco patriotas, que se tornaram, em pleno século 21, os últimos soldados da guerra fria.




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