Matérias da Void

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PoR PIERO BARCELLOS foToS MAURICIO CAPELLARI

O Maranhão é a típica região que desperta curiosidade, seja pelas praias, pela diversidade do ecossistema, pela rica cultura, ou pelo povo hospitaleiro. É um estado de contrastes, característica que se reflete nos seus dois principais produtos de importação: a família Sarney e o Reggae. Como nós já estouramos a cota de escatologia desta edição, vamos focar no famoso ritmo jamaicano. O correto seria pegar o primeiro vôo direto para São Luis, mas gastamos a verba da produção comprando merda (vide void #066). Qual não foi a nossa surpresa ao descobrir que aqui perto havia uma pequena embaixada informal do estado nordestino, localizada em Alvorada, cidade satélite de Porto Alegre. Joãozinho, conhecido no RG como João de Deus, veio do Maranhão passar as férias no extremo sul do país e gostou tanto que ficou por aqui. “Se tivesse vindo no inverno, não ficava, não”, disse, terminando em riso uma de suas muitas afirmações. Quem o conhece de primeira não diz que ele é um entusiasta do reggae, exceto pela camiseta com estampa do Bob Marley. No entanto, sua casa abriga um acervo inacreditável de discos, fitas, DvDs e laser-discs (se você não sabe o que é isso, significa que ainda está fedendo a leite materno). A coleção não se limita às músicas: recortes de matérias em jornais, revistas importadas, livros, ingressos, credenciais de shows e cartazes de muros compõem seu acervo. O eletricista (“trabalho remendando uns fiozinhos por aqui) conta como foi que o reggae se popularizou no Maranhão: “Dizem que tudo começou com um cara que foi até uma feira de discos no Belém do Pará e achou um disco de reggae. Gostou, e começou a tocar na sua radiola. Aí começou a cair no gosto do povo”. As radiolas são sistemas

de som montadas em salões de bailes ou áreas pra festas na periferia, onde o DJ manda o seu recado em cima da base da música. “Naquela época, o pessoal chamava a gente de maloqueiro, porque era o pessoal mais humilde que costumava curtir o som”, explica. Contrariando o estereótipo, Joãozinho não é usuário da cannabis, e explica que esta característica da cultura jamaicana não fez parte do movimento. “Lá as pessoas começaram a curtir a música pela música, pelo som ser gostoso de ouvir. Não havia ninguém que gostasse de reggae pela ideologia. Claro que, se você fosse num baile, ia encontrar os maconheiros, mas eles não estavam fumando por conta da doutrina Rastafari, ou porque são fãs de reggae”. As pessoas só foram conhecer a música a fundo, seus artistas e suas aspirações políticas e religiosas quando Fauzi Beydoun (vocalista da Tribo de Jah) começou a apresentar um programa de rádio na região e a falar sobre ícones como Isaac Hayes, Gladiator, Bob Marley, dentre outros. No Maranhão, os bailes de reggae (sim, bailes, com pessoas dançando agarradinhas como num bom e velho bate-coxa) eram vistos como redutos de marginais. “Era tal como o baile funk no Rio. Ir numa festa de regueiros era entrar em barra pesada. Quem tinha medo não ia”, explica Joãozinho. Porém, com a popularização da música, a elite também começou a curtir reggae, e o som passou a ser mais reproduzido em festas, mais radiolas foram surgindo, abrindo espaço para festivais do gênero. A proximidade com o Caribe fez com que os artistas jamaicanos passassem a se apresentar mais em São Luís. “Hoje o músico que faz show no Maranhão não precisa se preocupar com a banda. Ou ele já tem uma de apoio no Estado, ou ele canta em playback numa radiola, lotando ginásios e estádios”, explica.

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