TULHA_V4_N5_2018

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ISSN 2763-9258

TULHA

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PET ARQUITETURA E URBANISMO

TULHA

V4_N5_2018



TULHA

PET ARQUITETURA E URBANISMO


TULHA Conselho Executivo Editora Paola Hoehne Núcleo de Revisão Diretora Bianca Pereira Beatriz Engholm Isabelle Oliveira Vitoria Capeli Núcleo de Diagramação Diretor Adriano Bueno Bianca Pereira Beatriz Engholm Isabelle Oliveira Paola Hoehne Vitoria Capeli Conselho de Comunicação e Divulgação Ingrid Sanches Isadora Queiroz Adriano Bueno Edição de imagens Ingrid Sanches

Periodicidade: Anual Edição 5

out/2018

A TULHA é uma publicação digital produzida pelo PET Arquitetura e Urbanismo da PUC Campinas, que, desde 1992, desenvolve atividades de pesquisa, ensino e extensão. Tutor: Professor Dr. Luiz Augusto Maia Costa

revistatulha@gmail.com @petarquiteturapucc


EDITORIAL Produzir e publicar uma Revista tem sido uma tarefa árdua e intensa, de muito aprendizado a cada nova edição. A TULHA - revista produzida pelo PET Arquitetura e Urbanismo da PUC Campinas, chega a sua 5ª edição, a primeira e única de 2018 e daqui em diante com periodicidade anual. A Tulha passou por um período de reformulação e reestruturação a fim de aprimorar este importante veículo que garante visibilidade e incentivo à produção e divulgação não só de conteúdo acadêmico da área de Arquitetura e Urbanismo, mas artística, de experiências e conhecimentos, promovendo trocas e reflexões interdisciplinares. Afinal, a Revista vê como relevante o registro de trabalhos e/ou outros meios de expressão que se destacaram, mas que nem sempre tiveram a intenção ou oportunidade de divulgação. A presente edição é multidisciplinar e conta com a participação de autores de outros cursos e instituições. Há produções acadêmicas, trabalhos finais de graduação e trabalhos de pós graduação, além de fotografias e urban sketches. Agradecemos à todos, leitores e autores, que participaram dessa edição conosco. Em especial, aos autores das ilustrações da capa e quebra de páginas: Victor Lucena e Brunno de Palma, que contribuíram para tornar essa edição ainda mais bonita. Despeço-me da revista Tulha e do PET Arquitetura com muita gratidão a todos os petianos que conheci, pelo aprendizado e pela oportunidade de contribuir para o grupo. Esperamos o seu trabalho em 2019.

Editora Responsável








Sumário

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ENSAIOS TEXTUAIS

CINCO HAICAIS ___________________________________________________________________ 16

Felipe Ribeiro Pires

URBAN SKETCHERS CAMPINAS ______________________________________________________ 18

André Lopes, Fernanda Bonon, Jonathan Melo

A FENOMENOLOGIA APLICADA AO TERREIRO DE UMBANDA _____________________________ 26

João Vitor Araújo Schincariol

SOBRE CONCURSOS DE ARQUITETURA ________________________________________________32

Djuly Duarte Valdo, Leticia Sitta, Marina Violin, Raissa Gattera, Thais de Freitas

A CIDADE COMO ALTER EGO DO CONTEMPORANEISMO _________________________________34

Murilo Braga

36

ENSAIOS ACADÊMICOS

CONCURSO INTERNACIONAL DE ARQUITETURA PARA HABITAÇÃO EM MUMBAI_MUMBAI MIXED HOUSING ___________________________________ 38

Antonio Fabiano Junior, Leticia Sitta, Marina Violin, Raissa Gattera, Thais de Freitas

RESTAURO DE COMPLEXO DA FEPASA EM CAMPINAS - SP _______________________________ 44

Amanda Macarini, Bruna Terreri, Gabriel Beneduci, Giovanna Degasperi e Luiza Yuri

VILA BELA | CASA PÚBLICA __________________________________________________________ 48

Grupo TFG 2018 - orientadores: Antônio Fabiano Junior, Vera Santana Luz

PROJETO SOL NASCENTE TRECHO 3 __________________________________________________ 58

Alice Sallustro, Ana Carolina Alves, Daniela Fajer, Larissa Santos, Marina De Nadai e Raissa Gomes

UM SONHO, UMA EXPERIÊNCIA _____________________________________________________ 62

Ruan Miele

ESCOLA DE DANÇA KLEINE SEZENE ___________________________________________________ 64

Gustavo Ramalho

PROJETO FUNDÃO _________________________________________________________________ 68

Grupo TFG 2017 - orientadores: Antônio Fabiano Junior, Vera Santana Luz

CASA BRASIL - UM LUGAR PARA PERMANE|SER| ________________________________________96

Carina Lima - Orientação: Claudio Manetti


100

ENSAIOS GRÁFICOS

AVENIDA PAULISTA: ARQUITETURA MODERNA E CONTEMPORÂNEA ____________________________102

Maria Eliza Pita. Fotos: Giovanna Scotton Degasperi, Ingrid Sanches, Amanda Macarini de Paula

GALERIA DE FOTOS ______________________________________________________________________108

Júlia Barbosa Gurgel, Giovanna Gugliotta Kimaid, Bianca Silva Pereira, Jonathan Melo, Raissa Gattera, Pedro Paulo Mainieri

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ENSAIOS CIENTÍFICOS

O PATRIMÔNIO CONSTRUÍDO PELO BARÃO DE ITATIBA PALÁCIO DOS AZULEJOS E FAZENDA DUAS PONTES___________________________________________ 128

Vitória Ribeiro - 0rientação: Ivone Salgado

EU MORO, TU MORAS, NÓS MORAMOS: DIGNAMENTE?______________________________________ 134

Dayanna Klécia da Silva Barbosa

TRATAMENTO DE EFLUENTES - DO HIGIENISMO AO ECOLOGISMO ______________________________142

Beatriz Martins Arruda

ECOFEMINISMO, VULNERABILIDADE E A NECESSÁRIA LUTA CONTRA A COLONIZAÇÃO DOS CORPOS ____________________________________________________ 148

Bruna Pimentel Cilento, Julia Lopes da Silva - Orientação: Patrícia Samora

RESISTÊNCIA PELO DIREITO À CIDADE _____________________________________________________ 154

Fernanda Bonon, Laura Panetto Simon



ENSAIOS TEXTUAIS


vento: um deus de muitos nomes e um só lamento irreal o gato passeia entre duas luas

o silêncio vomita teias a mosca; a ceia Ensaios Textuais | 16


diluvianas águas onde minha face se perde em onda

yumê: fechar os olhos e ver a realidade voar sobre o corpo Cinco Haicais

Felipe Ribeiro Pires 2º semestre de Arquitetura e Urbanismo PUC Campinas

Haicai é um poema de origem japonesa, conhecido como "haiku". A palavra haicai é formada por dois termos “hai” (brincadeira) e “kai” (harmonia, realização), isto é, representa um poema humorístico e com uma linguagem simples. O tradicional haicai japonês possui uma estrutura fixa composta de três versos formados por 17 sílabas poéticas. Ensaios Textuais| 17


URBAN SKETCHERS CAMPINAS

Com qual intensidade nos relacionamos com as cidades? Palco dos maiores fluxos de pessoas, acontecimentos e transformações do mundo, as cidades se configuram em ambientes fundamentais para a compreensão da nossa história e cultura. Contudo, poucos são aqueles que se aventuram para observar e absorver o que elas têm para nos revelar. Em virtude disso, o coletivo global Urban Sketchers nasce e respira contrariando o exposto, uma vez que sua missão é propiciar momentos para que pessoas, por meio da arte, estreitem seus vínculos com as cidades.

Figura 1- Gabriel Campanario. FONTE: http://brasil.urbansketchers.org/p/sobre-o-urban-sketchers-br.html

1. A COMUNIDADE URBAN SKETCHERS Urban Sketchers é uma comunidade global que reúne pessoas interessadas em produzir e compartilhar seus desenhos de observação urbana. O termo “urban sketcher” significa desenhista urbano, aquele que não se limita a um ateliê fechado e sai pela cidade para desenhar e ter um contato mais íntimo com o meio em que vive. A comunidade, então, nasEnsaios Textuais | 18

Fernanda Bonon, Jonathan Melo e André Lopes

ceu após o jornalista espanhol e residente nos EUA Gabriel Campanario observar um número cada vez maior de pessoas compartilhando seus desenhos de locação (feitos ao ar livre), criando, em 2008, o blog www.urbansketchers.org para reunir entusiastas desse tipo de atividade artística. Desde então esse grupo vem crescendo rapidamente, contando hoje com mais de 200 grupos regionais oficiais em países diferentes que mantém as mais diversas atividades regulares envolvendo a prática e a divulgação do desenho de rua. A comunidade inclui pintores, arquitetos, jornalistas, publicitários, ilustradores, designers, educadores e quaisquer outros que se interessam, que publicam seus desenhos na web com a finalidade de mostrar sua visão e impressão sobre determinado local, trocando experiências e técnicas com os demais membros do movimento. Além de fundar o grupo, Gabriel Campanario criou também um manifesto, que passou a ser um elemento diferencial e agregador da comunidade. No manifesto, prega-se que os desenhos sejam feitos por observação direta, contem histórias do dia a dia, utilizem técnicas variadas e busquem fidelidade às cenas que estão retratando. A comunidade dos Urban Sketchers está crescendo e reunindo cada vez mais pessoas com vontade de mostrar suas próprias cidades por meio de traços no papel. Entretanto, o significado desse movimento vai além do desenho em si, tendo também a intenção de criar laços entre o grupo e ocupar espaços nas cidades que são desvalorizados ou pouco aproveitados, tornando-nos cidadãos ativos na construção de uma identidade para com a cidade em que moramos. Em 2011, através da iniciativa dos artistas Eduardo Bajzek, João Pinheiro e Juliana Russo, Urban Sketchers ganhou uma versão nacional oficial, contando com diversos grupos municipais em diversas cidades brasilei-


Figura 2- Feito no 3º Encontro USK Campinas- Centro de Convivencia. Por: Flávio Ricardo

ras, como Campinas, Salvador, São Paulo, São Carlos, Fortaleza, Brasília, entre outras. No ano de 2018, será realizado em Salvador nos dias 6 a 9 o Encontro Nacional Urban Sketchers Brasil, aberto para todo público. 2. O URBAN SKETCHERS CAMPINAS O Urban Sketchers Campinas nasceu no início de 2018

com o objetivo de valorizar a cidade, os espaços públicos e as pessoas, através do desenho urbano. O grupo foi criado inicialmente por Fernanda Bonon, aluna do curso de Arquitetura e Urbanismo da PUC Campinas, com o objetivo de desfragmentar a ideia de espaço público como algo banalizado, sem história e sem vida, reconhecendo ele como algo dotado de valores, de memória coletiva e de vivência, sendo assim, o Ensaios Textuais| 19


Figura 4- Equipe Urban Sketchers Campinas

desenho uma ferramenta essencial. Após a criação do grupo, alguns membros se interessaram em participar ativamente da organização e das propostas do Urban Sketchers Campinas, criando-se a equipe de administradores do grupo, sendo eles André Lopes e Jonathan Melo, alunos do curso de arquitetura e urbanismo da PUCCampinas, Luiza Bonon, formada em publicidade e propaganda e Vivian Hackbart, bióloga que sempre praticou desenhos feitos ao ar livre. O grupo realiza eventos mensalmente, sempre aos fins de semana em lugares emblemáticos de Campinas. A decisão do lugar é feita a partir de uma enquete no Facebook, na qual os membros do grupo votam, tornando as decisões democráticas. Após a realização dos desenhos, há uma reunião cujo intercâmbio de experiências eleva o encontro. É nessa reunião que o espaço escolhido se faz imenso, pois escutamos nas palavras e visualizamos nos desenhos as mais diversas percepções do mesmo meio. Além disso, nesse momento, compartilhamos técnicas e materiais usados para compor as obras, dicas, facilidades e dificuldades sentidas, entre outras trocas interpessoais. Dessa forma, o encontro acontece e nos aproxima dos espaços e dos seres que nos cercam. Ensaios Textuais | 20

Segue alguns relatos de participantes dos encontros do Urban Sketchers Campinas:


Figura 5- Reunião ao final do encontro

“Conheci o Usk Campinas através de uma amiga da faculdade, eu já seguia o Usk São Paulo, mas a distância era uns dos fatores que dificultava a minha participação, já com a criação do Usk Campinas, foi algo que facilitou, me deu mais ânimo e gerou uma vontade maior em sair desenhando os pontos marcante da cidade. A experiência que tive no primeiro encontro foi algo totalmente diferente de desenhar através de apenas imagens, tudo somava para o sketch, o lugar, a cena, a interação das pessoas, sendo assim um processo no qual se absorve todos aspectos ao seu redor. Resumindo, o urban sketchers está sendo uma experiência e aprendizado extremamente incrível, a cada encontro aprendendo novas técnicas e maneiras de melhorar a concepção da representação urbana. - RONAN GIANDOSO

Figura 6- Foto do 5º Encontro USK Campinas - Bosque dos Jequitibás

Figura 9 - Feito no 5º Encontro USK Campinas - Bosque dos Jequitibás. Por Ronan Giandoso

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Figura 7Feito no 1º Encontro Ensaios Textuais | 22 USK Campinas - Estação Cultura. Por Bruno Brizotti


“Desenhar a cidade é observar nela todo espaço até o menor dos detalhes. Campinas tem me feito pensar sobre as pessoas e como elas se apropriam do público, se relacionam e se divergem. A reunião do Urban Sketchers para decodificar o cenário urbano e trocar conhecimentos através de uma linguagem artística ilustrativa pode ser para a história um registro riquíssimo contado por nós, seres contemporâneos.” – BRUNO BRIZOTTI Ensaios Textuais| 23


Figura 9 - Feito no 4º Encontro USK Campinas - Pedreira do Chapadão. Por Carolian Frandsen

“Eu descobri o movimento Urban Sketching em 2016 num livro que ganhei de presente (com o autoexplicativo título “Urban Sketching”, do Thomas Thorspecken). Até então, achava que o livro me ensinaria um pouco sobre perspectiva e pintura rápida. Não fazia ideia de que iria descobrir um novo amor. Duas frases do manifesto dos USK me ganharam imediatamente: “Nossos desenhos contam histórias do dia a dia (...)” e “Nós mostramos o mundo, um desenho de cada vez”. Fui aderindo a ideia aos poucos, com Ensaios Textuais | 24desenhos rápidos em cafés e

restaurantes, mas não me atrevia a tentar desenhar paisagens ou construções. No geral, era uma atividade bem solitária e miniaturizada. Foi quando os encontros de Campinas começaram. Agora, toda a cidade mudou. Conhecer as paisagens de sempre com as tintas de outras pessoas é extremamente inspirador. E com tantos arquitetos ao redor, finalmente tive coragem de começar a esboçar os prédios e estruturas, e entender melhor o que via. As trocas de impressões a cada encontro são incríveis, e é muito bom integrar e aprender com um grupo tão talentoso.” - CAROLINA FRANDSEN


Figura 8- Feito no 4º Encontro USK Campinas - Pedreira do Chapadão. Por Alexandre Lot

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA: Sobre o Urban Sketchers Brasil. Disponível em: <http://brasil. urbansketchers.org/p/sobre-o-urban-sketchers-br.html> Acesso em: 09 jul. 2018

“Eu conheço a iniciativa do Urban Sketchers já algum tempo, por conta de uma matéria de design na facamp que abordou estudos da paisagem e do projeto urbano, que inclusive me incentivou a fazer grupo de passeios em Campinas com alguns colegas, e hoje atuamos como Coletivo Cidade e Memória. Foi encontrando uma amiga da FAU da PUCCAMP, Larissa Coelho, e convidando ela para participar de um dos nossos passeios, que ela me contou sobre a existência de um Urban Sketchers em Campinas, formado pela colega dela, a Fer. A cidade necessita de cada vez mais grupos que possam reconquistar espaços. Nos apropriar deles através de passeios como o Coletivo e práticas de desenho em contexto como o Urban Sketchers deve acontecer, isso promove o encontro entre pessoas, criação de cultura mesmo. Isso é muito valioso, considerando que cada vez mais as pessoas se distanciam umas das outras. Espero que o grupo chegue a ter muitos adeptos em Campinas, e que continue a fazer esse diálogo entre as pessoas e a cidade.” - ALEXANDRE LOT

Mais informações: Facebook “Urban Sketchers Campinas” Instagram: @USKCampinas Fernanda Alves Bonon, 10º semestre Jonathan Melo, 2º semestre André Lopes, 4º semestre Arquitetura e Urbanismo PUC Campinas

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A Fenomenologia aplicada ao terreiro de Umbanda

Relações arquitetônicas do terreiro com vivências pessoais e estudo de caso

A umbanda já tem, em sua formação, a segregação que carrega até hoje; dualidades que persistem e que adjetivam essa crença unicamente brasileira - branco e preto; rico e pobre; silêncio e barulho; espíritos de baixa energia e de mais energia. Fundada em 1908, ramifica-se da doutrina de Kardec, adicionando, assim, sua quarta linha de formação; linhas estas que são provas da sua brasilidade; a umbanda herdou tradições dos povos que carregaram o Brasil nos braços para que se tornassem o país de hoje - A cultura africana, que também se mostra no Candomblé e Quimbanda; A cultura dos indígenas, trazidos através das entidades hoje chamadas de caboclos e seus conhecimentos relacionados a ervas e curas; o sincretismo com o catolicismo, forma que o povo africano encontrou para continuar cultuando seus Orixás sem que fossem perseguidas religiosamente; forma-se, então, a faceta mais conhecida da Umbanda, São Jorge como disfarce para Ogum, São Sebastião para Oxóssi, Santa Bárbara para Iansã, Jesus Cristo para Oxalá, entre outros. De modo geral, a umbanda não apresenta uma uniformidade; há apenas uma federação que tenta, sem grandes resultados, uma padronização do culto, mas, na realidade, cada terreiro acaba por ministrar os ritos litúrgicos de maneira única e muito vinculada ao pai ou mãe de santo em exercício. Para valor de estudo, deve-se considerar o Terreiro Tenda de Umbanda Obaluaê e Caboclo Ventania, localizado aos arredores do Terminal de Integração da Trindade, na servidão Abílio Silva, facilmente identificado com as fachadas brancas comuns a todos os centros de axé e com a placa de identificação da instituição. A higienização presente em sua fachada estende-se para dentro do terreiro; paredes brancas com azulejos trabalhos na mesma cor Ensaios Textuais | 26

João Vítor Araújo Schincariol

com, quando presentes, detalhamentos em azul, também apresentados nas esquadrias de portas e janelas. O único local que foge desse padrão é a chamada Casa de Exu, que será abordada de maneira particular posteriormente. Esse conceito higienista também mostra-se numa faceta negativa para com o culto da umbanda. O higienismo urbano, iniciado na frança por Haussmann exclui os pontos de culto de origem africanos dos centros das cidades, marginalizando-os nas periferias - onde também foram excluídos os principais adeptos da religião; negros, pobres e analfabetos. É nesse contexto, aliado ao crescimento desordenado das cidades, que a Umbanda perde sua essência de integração com a natureza, os únicos poucos remanescentes foram algumas casas de axé do candomblé, que se transformaram em sítios de preservação dessa característica de contato direto com o natural e rural. O culto, então, adapta-se à rotina urbana, mas sem perder, contudo, o contato natural, agora, controlado e recluso à datas de maiores importâncias para o rito - cachoeiras, encruzilhadas, cemitérios, matas fechadas, campinas e parques floridos saem do dia a dia para datas pré-programadas e pensadas na melhor logística possível; mesmo longe dos centros, continuam sendo importantes locais de axé e de contato para com os orixás e entidades e, portanto, não podem ser facilmente ignorados. Sullivan Barros apresenta o seguinte trecho em seu artigo “Geografia e Territorialidades da Umbanda: usos e apropriações do espaço público”, onde discorre a respeito da vivência umbandista dentro do público urbano, trazendo detalhamentos de cada local de culto em meio à natureza, além da defesa do terreiro para com o “outro” de fora, -“[...] as cidades passam a ser pensadas como parte integrante do cosmos umbandista, que extrapola o domínio dos terreiros. Ao demarcar seu território com ações e práticas religiosas, o grupo religioso identifica-se com a cidade, criando


uma identidade vivida/espacial. Dessa forma, as cidades passam a se apresentar não apenas como o lugar da convivência dos homens entre si, mas também de convivência dos homens com os seus deuses, criados e invocados, principalmente, pelas suas oferendas rituais.”. Dessa maneira, sendo entendida como extensão dos terreiros e portadores do axé dos Orixás e entidades, os praticantes da Umbanda não podem ignorar tais locais e devem adequar seus ritos para, assim, possam continuar a realizar suas oferendas e homenagens um contexto urbano contemporâneo. Outro resultado do crescente desenvolvimento urbano é a relação dos terreiros para com os vizinhos, principalmente os imediatos, questão essa que ecoa até hoje, causando transtornos para ambas as partes. Devido ao “barulho” dos atabaques, instrumentos de percussão que tem, como objetivo litúrgico, induzir ao transe e, assim, “firmar” as entidades que trabalharão na gira, os centros precisam adaptar-se arquitetonicamente ao isolamento acústico, que necessita de materiais de alto custo, o que gera transtorno e dívidas para as instituições que têm um caráter de caridade sem fins lucrativos. Poucos são os que conseguem adequar-se a tais adaptações e, portanto, é comum acumular-se processos contra as instituições e seus tutores - os conhecidos pai/mãe de santo, ou, também chamados de zeladores de santos. Infelizmente, a lei ainda não protege as manifestações religiosas dos terreiros, realizar uma gira é, de maneira bruta, equivalente a realizar uma festa em uma casa particular. E é nesse quesito festivo que a umbanda se difere do Espiritismo Kardecista - vale apontar, resumidamente, a lenda que envolve a “criação” da umbanda: durante uma sessão espírita no Rio de Janeiro, a entidade Caboclo das Sete Encruzilhadas manifestou-se no médium Zélio Morais, porém foi abafado pelos outros espíritos presentes no local, com a afirmação de que ali, no kardecismo, eles não teriam fala, o caboclo decretou, então, que a partir daquele momento,

uma nova religião se fundaria e que ele e seus iguais, ou seja, pretos(as) velhos(as), outros caboclos, exús, pombagiras e demais entidades atuantes hoje na umbanda, teriam local de fala. Enquanto no centro espírita tradicional o que prevalece a ordem, o silêncio e, de certa forma, o mistério mais contido; nos ritos de umbanda a música, agitação, vícios bebidas alcoólicas, cigarros, charutos e cachimbos, e o esoterismo fazem-se presentes. Essa diferença litúrgica reflete no público que preenche os bancos de ambas religiões - o espiritismo recebia um público branco, de maior hierarquia econômica e social, letrados e “ordeiros”. A doutrina umbandista, assim como a do candomblé, não é repassada com a ajuda de livros ou escritos em sua função principal, mas sim pela sua vivência dentro das giras, participando das correntes e invocações em si. A Experiência vivenciada é tida como principal aprendizado, ou seja, para aprender e doutrinar-se é, necessário, em primeira instância, estar dentro do terreiro. E, desde o primeiro gesto ali dentro, começasse a adentrar o mundo espiritual através de símbolos e signos. Para um adepto do axé, a primeira coisa a se fazer quando se adentra o terreiro é saudar a Casa de Exu, ou, mais disseminada, a Tronqueira. Sempre localizada à esquerda de quem entra, é nela que reside os mensageiros dos Orixás, aqueles relacionados diretamente aos vícios e que tanto sofrem preconceitos para aqueles que não conhecem sua essência. O Exu é o responsável pela limpeza do local, quem abre os caminhos para as entidades se manifestarem de maneira plena e que encaminham os eguns, espíritos de baixa vibração que podem atingir os consulentes e médiuns tanto no plano espiritual quanto da Ensaios Textuais| 27


matéria, para o local a eles reservados no plano espiritual. Saúda-se Exu para uma boa gira, para que nele fiquem retidos qualquer possibilidade que possam atrapalhar os ritos. Quando o Exu é firmado em casa, deve-se sempre ficar do lado de fora, nunca dentro da residência. Em seguida, dirige-se à Casa das Almas, “habitação” dos Pretos Velhos e entidades relacionadas com a instrução do médium, vale ressaltar que, ao contrário da Casa de Exu, não é unânime aos terreiros. Apenas os iniciados batizados na umbanda podem adentrar essa casa. Durante ambas as saudações, as portas estão trancadas e permanecem assim durante as giras e dias comuns do terreiro. O médium só pode permanecer no espaço reservado ao terreiro quando está trajando branco, então, dirige-se rapidamente para uma sala reservada para a troca de roupas, que, em si, não traz nenhum valor religioso específico; mas de importância para essa transição entre o “fora” e o “dentro”, ou seja, das roupas mundanas, coloridas, para o religioso, o branco puro de Oxalá. Há, também, um local muito importante quando considerada a preparação da comida de santo - a cozinha de santo -, sempre com uma vela branca acesa e um copo d’água transparente e de vidro na entrada. Nada deve ser passado pela janela, utiliza-se unicamente a porta - regra que se estende por todos os locais. É desse local que saem as oferendas para os orixás e entidades até o altar, também conhecido como Congá, sempre num cortejo ininterrupto. O congá, referente ao altar umbandista, cria um ponto de fuga - tanto visual quanto espiritual. É o congar que concentra as energia emanadas e nele que a energia negativa é recolhida em uma gira, retirando, assim, o excedente energético resultante das benção, limpezas e Ensaios Textuais | 28

outras formas de equilibrar a energia dos médiuns e, principalmente, consulentes que procuram as casas de lei. É, em seu formato, que se cria o ponto visual físico, configurado em forma de um triângulo equilátero, encontra-se, nele, um único ponto onde as linhas dos volumes sólidos, quando prolongados e rebatidos além de seu teor limitante físico, encontram-se. É a parte mais importante do terreiro e, em sua configuração, conta-se a história do Pai ou Mãe de Santo responsável pelo local, tendo sempre Oxalá como hierarquia maior. Cada estatueta, seja ela puramente do Oxirá ou de seu imediato Cristão, possui uma vela branca que permanece sempre acesa, assim como uma copo d’água com as mesmas características ressaltadas na cozinha; os copos das entidades devem sempre ser equivalentes, nunca com diferenças muito extremas entre si. Essa padronização do Congá enaltece as linhas de fuga, então, aquele que frequenta o terreiro tem seu olhar sempre direcionado para os Santos da religião, independente de onde ele olhe. Há terreiros que, assim como o de estudo, guardam as guias de seus médiuns ao lado do Congá, na crença que possam absorver o axé das entidades e, assim, possam se fortalecer; lembrando que, dentro do rito umbandista, as guias servem como instrumento de trabalho mediúnicos, que se fortalecem e podem absorver as energias negativas dos consulentes e próprios médiuns, purificando-as e, em casos mais extremos, despachando-as quando a guia se rompe sem uma maneira física imediatamente explicada. São as guias, também que fornecem informações sobre seu usuário, seu grau hierárquico, quem são seus orixás regentes, etc. Em frente ao Congá há o centro energético do terreiro em si, onde os médiuns se concentram e foram a corrente, fileiras que respeitam a hierarquia da casa e onde os participantes compartilham sua energia. Esse local de gira é exclusivo dos médiuns, nenhum consu-


lente deve transpassar os limites da área de assistência sem que seja “autorizado”, nem mesmo entrar no local com calçados. No chão, há cinco pontos marcados, onde o médium deve “bater cabeça” antes e depois da gira ou depois que sua entidade “sobe”; sinal de respeito para com os orixás. Oxalá, Oxum, Oxóssi, Nanã, Iemanjá e Ogum representam, basicamente, esse ponto. Novamente, essa configuração muda de terreiro para terreiro, podendo também conter alguns pontos riscados espalhados pelo chão. Além de “bater cabeça” para os orixás, também deve-se “bater cabeça” para os atabaques, devido sua importância no transe e nos pontos cantados os quais são atribuídos o poder de “invocar” as entidades para o trabalho; assim como bate-se cabeça para aqueles médiuns que estão em maior grau hierárquico (babalaôs, pai pequeno, etc...) Há, então, a área de assistência, onde estão os consulentes, é a área neutra do terreiro. Nela, é permitido o uso de roupas comuns, de calçados e qualquer ligação com o mundo externo ao terreiro. Estar na assistência é não estar dentro, mas é também não estar fora. A assistência basicamente só interage em giras de Exus, pombagira, caboclos e pretos (as) velhos (as), esses últimos utilizando-se de passes e consultas mais íntimas, e os dois primeiros, a vertente da esquerda, conversam com conselhos quando acham necessário e distribuem goles de bebidas, transmitindo, assim, seu axé, sua força. “Essa bebida é para axé, é para aumentar sua força, essa bebida não é de ‘bebedô’, não é pra ficar bêbado, nem mal” - palavras do Exu João Caveira. Além da ambientação física-espacial, há também a ambientação através dos gestos; cumprimentos próprios para cada entidade presente no local, a exemplo, os punhos cerrados e cruzados para Exu, a mão direita levantada para Iansã, as mãos espalmadas enrijecidas e cruzadas como espadas para Ogum, etc, que, de certa forma, afastam os não frequentadores daqueles que já estão habituados com a etiqueta do terreiro. Essas facetas são importantes para aproximar

e afastar o público, para criar, de certo modo, uma identidade ritualística. Alguém que está no terreiro pela primeira vez pode se perder em meio a tantos gestos tão mínimos que podem passar despercebidos a olhos desatentos - e não é necessário dizer que, aquele que se sente perdido, encontra-se numa situação de desconforto relativo à personalidade pessoal de cada um, os mais extrovertidos podem lidar bem com a situação, mas para os tímidos pode ser uma vivência árdua que dificilmente irá se repetir; a não ser que sua curiosidade ou mesmo fé possa superar esse pequeno trauma. O uso do idioma Yorubá dentro dos ritos também exclui os não familiarizados, cada entidade e Orixá tem uma saudação diferenciada nesse idioma; exemplificando - Kaô é utilizado para Xangô, Ora ie iê ô para Oxum, Eparrei para Iansã, chamada de Oyá dentro do rito, Atotô para Obaluaê, Saluba para Nanã e Adorei as Almas para pretos (as) velhos (as). É a partir dessas três principais ambientações que o público é conduzido para o divino, para a estado de transe, sempre, lembrando, dos pontos cantados. Estar num terreiro é adequar-se, da maneira possível, ao rito e ser introduzido à doutrina.Aquele que ignora essas especificações não se está plenamente inserido e apto ao contato extra-corpóreo, seja pela invocação, no caso dos médiuns, seja pelos passes, no caso dos consulentes. A arquitetura dos centros em muito influenciam os visitantes, seja doutrinando, no caso do congá, seja pelo encantamento da uniformidade do branco das instalações. A própria fundação do terreiro está intimamente ligada ao conceito de Genius Loci pós-moderno que tem, como base, o conceito grego de espírito do local, que deve ser respeitado. Os gregos acreditavam que todo local possuía um Ensaios Textuais| 29


espírito que o guardava e que devia ser respeitado - no caso, para fundar um terreiro, primeiro deve-se consultar as entidades que o habitam, através de jogos de búzios, tarot ou qualquer oráculo que o pai ou mãe de santo está habituado, ou por conselhos através dos mentores espirituais. Não é todo, nem qualquer local que está apto para receber um terreiro, o axé acumulado na terra deve ser estudado e deve-se consultar se ele se adequa para a finalidade. um terreiro é nomeado segundo o Orixá regente do pai ou mãe de santo, ou seja, aquele que é dono da sua Ori, ou coroa, e também pode conter o nome do mentor espiritual do dirigente do (futuro) terreiro. Esse processo de adequação espiritual do local físico é descrito Daniele Ferreira Evangelista, em seu artigo intitulado “Fundando um axé: reflexões sobre o processo de construção de um terreiro de candomblé”, onde acompanha a fundação da casa da Ialorixá, ou Mãe de Santo, Carla, no Rio de Janeiro. Destaque-se dois trechos - “Passado alguns dias, em meio ao ‘matagal’ do terreno que já havia sido comprado pelo casal, Carla ‘virou’ com seu orixá. Ele – a divindade – deveria determinar o local onde seria construído o barracão: ‘Ele veio, mas falava comigo de um jeito que eu não entendia. Foi quando, de repente, foi embora e quem surgiu foi um encantado’, disse Paulo.” - e - “Ele é o dono disso aqui, é o proprietário chefe. Isso aqui tudo era uma fazenda e ele trabalhava aqui como escravo (...). Mas, ele não é um egum, ele é um encantado. Encantado é uma pessoa que continua aqui, só que ele não tem carga, não tem mais perna, tem que andar pela perna dos outros, mas ele não é egum. Egum são aquelas pessoas que ficam vagando por aí, que não conseguiram encontrar a luz. Ele não.

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Ele tem luz própria. E ele é daqui mesmo. É um ser que morou aqui, que viveu aqui e que estava aqui quando meu Pai passou e pegou ele; adotou ele como filho..”. A espiritualidade está, então, ligado ao terreiro desde a escolha do terreno até mesmo nas suas construções e giras praticadas. Respeitando esses ritos e características tão comuns da religião, induz-se a doutrina e ensinamentos para com os Orixás e demais entidades, mesmo no primeiro contato que um consulente pode ter. Seja pela imitação vazia que o visitante possa fazer apenas para integrar-se ao cotidiano das giras, seja pela crença religiosa que aqueles atos possam resultar. Todos os depoimentos e informações aqui contidas foram vivenciadas pelo autor dentro do terreiro Tenda de Umbanda Obaluaê e Caboclo Ventania, localizado na servidão Abílio Silveira, bairro Trindade no município de Florianópolis durante outubro, novembro e dezembro de 2016. Além de embasamento teórico nas críticas arquitetônicas ligadas ao pós-modernismo e movimento higienista francês do século XIX.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARROS, Sulliva Charles. Geografia e Territorialidades da Umbanda: usos e apropriações do espaço público. Disponível em: <http://revistas.ufpr.br/raega/ article/viewFile/12678/9916>. Acesso em dezembro de 2016. EVANGELISTA, Daniele Ferreira. Fundando um Axé: reflexões sobre o processo de construção de um terreiro de Candomblé. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-85872015000100063&lng=e n&nrm=iso&tlng=pt> . Acesso em dezembro de 2016.

João Vítor Araújo Schincariol 9º semestre de Antropologia Universidade Federal de Santa Catarina

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SOBRE CONCURSOS DE ARQUITETURA

“Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas. Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o vôo. Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em vôo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o vôo, isso elas não podem fazer, porque o vôo já nasce dentro dos pássaros. O vôo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado”. (Rubem Alves) POR QUÊ, PARA QUÊ, PARA QUEM FAZER CONCURSOS? Temos a tendência de nos acomodar naquilo que já conhecemos. Deixamos de pensar na origem dos problemas, na essência do processo. Dessa forma, nos automatizamos em hábitos tarefeiros. Todo projeto possui um programa de necessidades. Todo projeto serve a alguém. Dentro do ambiente acadêmico, preocupados com o produto

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Djuly Duarte Valdo; Letícia Sitta; Marina Violin; Raíssa Gattera; Thaís de Freitas

muito mais do que com o processo, frequentemente mantemos nossas ideias em gaiolas fechadas e padronizadas, produzindo resultados imediatistas e rasos. Participar de concursos é exercitar nossa forma de pensar; exercitar formas não tradicionais de se encarar um problema. Não necessariamente formas originais, exclusivas, mas formas que contrapõem os padrões, muitas vezes obsoletos, que não respondem ou nunca responderam de forma eficaz ao problema. Participar de concursos é ter menos restrições a essas formas de pensar, de entender oportunidades de criação que respondam às particularidades locais. Paramos para pensar na natureza do problema e nas reais necessidades daqueles a quem o projeto servirá. Afinal, qual o propósito do projeto? Qual o propósito do desenho? A quem ele serve? Qual a importância de cada traço? Fazer perguntas e continuar a fazê-las é fundamental. O produto final é consequência de pesquisas, discussões e reflexões, justamente como deveria ser encarado todo tipo de projeto dentro da faculdade. Mesmo que o problema seja corriqueiro. E geralmente, o problema é corriqueiro. Conseguir enxergá-lo de diferentes ângulos é o primeiro passo. A resposta do início de um projeto nem sempre é a mesma que se tem no final, mas saber para onde estamos indo, onde queremos chegar é essencial.


A SABER: O QUE SÃO CONCURSOS DE PROJETOS E COMO FUNCIONAM

ambiente construído (CHUPIN, 2015).

Os concursos de arquitetura colocam a discussão de um determinado problema, na qual soluções devem ser apresentadas seguindo igualdade de prazos e condições entre os concorrentes. Em outras palavras, um mesmo problema é oferecido a todos os participantes, que estarão submetidos a regras estabelecidas por um edital, abrangendo questões relacionadas aos requerimentos do projeto apresentado e ao comportamento dos concorrentes. Neste tipo de processo, o vencedor é escolhido por um júri independente, que deve ainda gerir o encaminhamento do processo de maneira a fornecer igualdade de condições e buscar a melhor solução de acordo com o edital fornecido (FIALHO, 2002).

Concursos de arquitetura são promovidos por diversas plataformas nacionais e internacionais, direcionados a arquitetos ou estudantes de arquitetura. Algumas plataformas reconhecidas nacional e internacionalmente são: Bee Breeders, Archicontest, Arch Out Loud, Young Architects Competitions, Arquideas, UIA (União Internacional de Arquitetos) - estas internacionais - e Projetar, IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil) - nacionais.

Os concursos podem ser classificados tipologicamente em: de ideias, de projeto, de projeto completo, e ainda direcionados apenas a escolha de um arquiteto e não de um projeto específico. Por outro lado, mais do que processos competitivos para escolha da melhor solução para um problema específico, os concursos são também campos de especulação criativa e de formação profissional, assim como espaços de debates sobre a produção e a gestão do

COMO ENCONTRAR E PARTICIPAR DE CONCURSOS?

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA CHUPIN, Jean-Pierre; et al. Architecture Competitions and the Production of Culture, Quality and Knowledge – An International Inquiry. Montreal, Potential Architecture Books, 2015. FIALHO, Valéria Cássia dos Santos. Concursos de Arquitetura em São Paulo. 2002

Djuly Duarte Valdo e Raíssa Gattera Arquitetas urbanistas formadas pela PUC Campinas. Letícia Sitta, Marina Violin e Thaís de Freitas 10º semestre Arquitetura e Urbanismo PUC Campinas Em memória de Marina Violin. A Equipe Editorial deixa seus mais sinceros sentimentos aos familiares e amigos.

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A cidade como alter-ego do contemporaneismo*

“Nós afirmamos que a magnificência do mundo se enriqueceu de uma beleza nova: a beleza da velocidade. Um automóvel de corrida com o seu cofre enfeitado com tubos grossos, semelhantes a serpentes de hálito explosivo... um automóvel rugidor, que parece correr sobre a metralha, é mais bonito que a Vitória de Samotrácia.” (Marinetti, 1909)

Filippo Marinetti ao declarar o manifesto futurista em 1909, por mais que desejasse ardentemente a sua efetivação, certamente não supunha a veracidade de sua concretude quase cento e dez anos mais tarde. Concretude esta que, ao contrário da tenaz reivindicação por velocidade de sua voz bradante, se construiu arraigando as suas raízes na vida dos seres humanos e estendendo seus braços entre nossas cidades para que se agrupem quantidades imensas de pessoas. Para algumas dessas, há um preço a se pagar, a exigência de locomover-se a bem mais que seus confortáveis 6km/h para cumprir demandas de uma rotina que luta para se encaixar em uma jornada diária. Vemos crescer a olhos nus

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Murilo Braga

as nossas rodovias, se alargam pelas marginais, faixas e faixas que demandam e não suprem. Locomover-se dez ou vinte vezes mais que nossas pernas, se tornou intrínseco ao humano, a necessidade privada gerando espaços cada vez mais restritos se comprimindo em locais cada vez mais segmentados. Nas bordas desses limites, construções que tentam remediar a demanda de moradia, muitas vezes grandes prédios com espaços cada vez menores aonde se agregam famílias inteiras separadas por uma parede física de 40 cm, mas uma cidade inteira de distância. Bairros inteiros desregrados, “cidades dormitórios” à beira das rodovias atendendo a sangria de mais um dia, desertas de vida, pousos eventuais. A cidade dá voz à urgência da locomotiva humana. Adianta seus dias, mas talvez, não vive nenhum deles. Corre-se para chegar aonde? Estamos todos atrelados à velocidade de alguma maneira. Temos que suprir as demandas insanas numa quantidade imensa de assuntos a resolver, como um computador responsivo. O impecável trabalho de nossas máquinas resolvem questões em menos tempo, não precisam refletir, assim como nós, aos poucos, também não o fazemos. Sufoca-se milhões de seres humanos por dia, todos os dias, para que se supere a lentidão do escutar alguém. BBC anuncia em reportagem no ano de 2017: Sobre em 10% a taxa de suicídio no Brasil entre jovens, desde 2002. A Organização mundial da saúde (OMS) alerta, ainda em 2017, para o aumento em cerca de 18% no número de pessoas que vivem com depressão no mundo.


No Brasil, a estimativa de pessoas em depressão é de cerca de 5% da população. A agência ainda ressalta em entrevista ao jornal Estadão que o Brasil tem a maior taxa de transtorno de ansiedade do mundo. Dados graves como estes não podem se simplificar a um único fator, certamente. Mas ainda na entrevista que a OMS cede ao jornal Estadão em 2017, o especialista ressalta que o estilo de vida em grandes cidades está presente entre os elementos contribuintes. Precisamos muito refletir sobre quem seremos nesse grande contexto. É claro que há a necessidade de aprumarmos nosso trabalho, aprimorar nossos conhecimentos, mas o que podemos fazer com essa grande empreitada profissional e pessoal? Tenho conhecido algumas pessoas ao longo de meu trabalho como professor, muitos estudantes de arquitetura, artes e licenciaturas, e é revigorante sentir seus pensamentos, seus questionamentos! O fato de se doar a sentir, deixar-se afetar pelo ser humano, questionar e propor soluções são as maneiras mais ricas de fazer florescer uma mudança! Essas questões podem surgir diariamente, no trabalho, no estudo, no conceito sobretudo. Mas, talvez a macro questão que gere todos os pormenores seja: As raízes que temos construído são fortes para que nos sustentemos em pé com toda a bagagem que queremos construir para justificar o que somos? *Usando a licença poética, contemporaneismo para mim, com a terminologia ismo se refere a um pensamento doentio, não à contemporaneidade, que se refere ao nosso tempo.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA Marinetti, Filippo. 1909. Le figaro, Paris, França. Da Escóssia, Fernanda. BBC Brasil, 22 de Abril de 2017. Crescimento constante: taxa de suicídio entre jovens sobe 10% desde 2002. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-39672513. Acesso em 04.07.18, 12:14h. Chade, Jamil e Palhares, Isabela. O estado de São Paulo. 23 de Fevereiro de 2017. Brasil tem maior taxa de transtorno de ansiedade do mundo, diz OMS. Disponível em https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-tem-maior-taxa-de-transtorno-de-ansiedadedo-mundo-diz-oms,70001677247. Acesso em 04.07.18 às 12:16.

Murilo Braga Formado em Artes Visuais PUC Campinas

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ENSAIOS ACADÊMICOS


ConcursO Internacional de Arquitetura para habitações em Mumbai _ Mumbai Mixed Housing RUNNER UP | Segundo lugar

Antonio Fabiano Junior, Letícia Sitta, Marina Violin, Raissa Gattera, Thais de Freitas

MEMORIAL Uma cidade constituída pelo desenho da concentração de renda e pela construção sobre a luta por habitação. Dois mundos, duas realidades dadas por diferenças de oportunidades e espaço. Cada porção dessa cidade dual tem sua lógica e dinâmica urbana próprias, cujo acesso às infraestruturas advém de um processo histórico desigual de distribuição de direitos e oportunidades. Entre eles um vazio que, por meio de sua permanência é transformado em dispositivo projetual de conquista de espaço de direito que reforça a ideia de vitalidade, diversidade e pluralidade urbana na regularização de cidadania e na transformação da cidade em espaço de experiência social. Respeitar o vazio é um ato de resistência. Nesta lógica, o trabalho coloca o campo da arquitetura como prática de sonho e construção capaz de enxergar no vazio condição de sociabilidade e revela, numa inversão de paradigma, a utilização dos baixos da ponte para programas de vida, transformando a linha infraestrutural da cidade em lugar expansível de experiência de cidadania. A ponte, elemento mo-

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nofuncional sobre o mar, ganha potência múltipla de habitabilidade. O que se faz como urgência através da apropriação de espaços residuais é partido em busca da vocação da cidade em existir de forma plena e plural. Como os pescadores de Worli que enxergam o mar como sustento da vida, o projeto inclui a água no todo urbano, não somente como infraestrutura, mas como cultura habitável. Assim nasce a linha sistêmica e expansível de abrigos que, verticalmente, liga as pessoas ao transporte coletivo por terra e aos pequenos barcos que nadam pelas águas. Junto a eles vazios em escalas múltiplas, dos pequenos pátios das habitações que recebem varais coletivos numa conexão direta ao desenho vernacular das casas que a história desenhou às pequenas pracetas criando pontos nodais de convívio. Na sua cobertura, entre o ar que circula por entre as casas e pequenos comércios locais que nascem por entre a estrutura de madeira e ferro, e a ponte, um grande parque livre, como um teto que une através da observação da vida o desejo de formar traço de cidade em linha múltipla e infinita, livre e viva, festiva e pulsante como chamamento que incita reflexão e ação à procura de um mundo justo para todos.


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Letícia Sitta, Marina Violin, Thais de Freitas 10º semestre Arquitetura e Urbanismo Raissa Gattera, arquiteta e urbanista formada Prof. Me. Antonio Fabiano Junior Faculdade de Arquitetura e Urbanismo PUC Campinas Em memória de Marina Violin. A Equipe Editorial deixa seus mais sinceros sentimentos aos familiares e amigos.

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Restauro no Complexo da FEPASA em Campinas, SP

Trabalho desenvolvido para a disciplina de Projeto F da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidae Católica de Campinas.

Amanda Macarini, Bruna Terreri, Gabriel Beneduci, Giovanna Degasperi e Luiza Yuri

MEMORIAL Ao analisar o contexto urbano onde a área de intervenção está inserida, optou-se por desenvolver o projeto de restauro com o programa de uma creche. Tal relação estabelece uma possível conexão entre os fluxos gerados pelo terminal rodoviário e central e a vila operária, conectando-os com a área da FEPASA e articulando principalmente a vila, onde existe um grande desnível em relação à área de projeto. A creche atende crianças de 03 meses a 05 anos e é composta pelo “antigo” (galpão existente) juntamente com o “novo” (anexo proposto). Além do programa convencional de salas, optou-se por concentrar áreas de convivência e de atividades livres para fazer a conexão entre os dois elementos construídos. Com o intuito de desenvolver várias experiências sensoriais, o programa ainda oferece salas de artes, música, cozinha, horta, cada uma com um ambiente desenvolvido para promover o contato com diferentes texturas e relação de sol/sombra.

Figura 1: Implantação. Ensaios Acadêmicos | 44

Os pavimentos do galpão existente surgiram com a intenção de criar vários pés direitos em um só edifício. Separados em berçário (segundo pavimento), patamar intermediário de entrada (primeiro pavimento), salas do maternal e primário (térreo) e diretoria (subsolo). A conexão com o anexo é feita pelo playground externo (subsolo), onde a diferença de altura com o nível da FEPASA cria uma barreira para trazer mais segurança para as crianças. Ainda no subsolo concentraram-se as atividades citadas anteriormente mais o refeitório e no pavimento superior as salas de artes e música. A cozinha infantil e horta se localizam no mesmo nível, mas na parte externa. Para desenvolver um traçado e desenho das elevações do anexo, foi necessário fazer um estudo das fachadas do “existente” e transferir esse resultado para o desenho do “novo”. As aberturas seguem um mesmo ritmo e juntamente com outros elementos de cobertura, os dois edifícios se interligam e percebe-se a harmonia visual entre ambos.


Figura 2: Mapa síntese.

Figura 3: Organograma.

Figura 4: Projeto explodido. Ensaios Acadêmicos| 45


Figura 5: Planta Pavimento Térreo.

Figura 6: Planta Primeiro Pavimento.

Figura 7: Planta Segundo Pavimento.

Figura 8: Planta Subsolo. Ensaios Acadêmicos | 46


Figura 9: Corte Longitudinal (AA).

Figura 10: Corte Transversal (GG).

Figura 11: Elevação Norte.

Amanda Macarini, Bruna Terreri, Gabriel Beneduci, Giovanna Degasperi e Luiza Yuri 6º semestre - Arquitetura e Urbanismo PUC Campinas

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VILA BELA | CASA PÚBLICA

Grupo TFG 2018 Antonio Fabiano Jr. e Vera Santana Luz

Localização e Contextualização Vila Bela

vila bela: brasil, são paulo, zona leste 2. região de forte histórico industrial; proletariado. abundante infraestrutura para a indústria, carros e caminhões. faltante para pessoas. estado ausente em educação, saúde, habitação, lazer; na celebração da vida. vila bela: ali está, mas àquele lugar não pertence. área desconectada da cidade; desconexa. ocupação em propriedade privada; assentamento informal. infraestruturas Ensaios Acadêmicos | 48

são barreiras; bens são fuga. água vira esgoto; morre. mata vira lixo; morre. pessoas viram números. morrem. 20 anos de muita luta e pouca conquista. água, luz; hábitos. muita conquista. o projeto é sobre o caminho do estar ao ser. não só estar ali, mas ali existir; resistir. práticas comuns são coletivas. lugares se juntam; pessoas também.espaços abraçam talentos, fazem viver, celebrar; a rua e as pes-


soas. a vida; a vila. a casa se torna pública, a cidade se torna casa. a cidade sonhada de todos, lutada para todos. como instrumento da constituição de cidadania.a cidade é de todos, para todos. a vida também. a vila também é bela. _ são paulo zona leste vila bela está inserida na zona leste 2 de são paulo, uma região historicamente reconhecida pela presença marcante de indústrias e trabalhadores. a infraestrutura pensada para a grande metrópole falha ao tentar acompanhar o crescimento para leste da cidade, e até outros municípios, resultando na grande região metropolitana de são paulo, que hoje abriga cerca de 21,2 milhões de pessoas. planos de avenidas e transportes coletivos ineficientes não ajudam quando o trabalhador, dentro de uma mesma cidade, perde 4 horas por dia se locomovendo para o trabalho. a densidade se torna tanta - resultado de um processo de expulsão das classes mais baixas do centro da cidade -, que surgem centros urbanos desconectados de todo o sistema existente. a vila bela se encontra ao lado de uma das maiores avenidas que cortam a zona leste: a jacú-pêssego, que surge no começo dos anos 2000 como um braço do rodoanel. uma cicatriz para a cidade, fruto de negócios violentos de quem não sofrerá com aquelas marcas. cicatriz como muitas outras, que dão a falsa impressão da busca por soluções de problemas característicos da periferia. o que acontece, e sempre aconteceu, é o esquecimento da classe trabalhadora, que move a cidade como um todo.

eixo férreo jacu-pêssego o eixo férreo jacu-pêssego, junto à via expressa, surge como o primeiro ato, fazendo com que essa cicatriz urbana se volte para a população que mora nas margens da avenida, através de uma estrutura de transporte de cargas e pessoas. a proposta se ancora em outros projetos da cidade assim como nas centralidades dessa região. em escala metropolitana, o eixo se conecta aos projetos do hidroanel - a metrópole fluvial -, através do rio tietê, e ao ferroanel, no trecho final do eixo, ao sul da cidade de mauá. ao mesmo tempo, se entrelaça com as estruturas urbanas pré-exis-

tentes, como em itaquera (principal centralidade da zona leste de são paulo), o parque do carmo (reunindo equipamentos de diversos segmentos) e algumas linhas de metrô e cptm, do transporte público da metrópole. no que diz respeito ao transporte de pessoas, a linha se coloca no sentido transversal às outras redes – norte-sul -, subvertendo a lógica de transporte radial da metrópole. já em relação à carga, essa estrutura é entendida como um meio de entrada e saída para tudo que se produz e consome na zona leste metropolitana. _ entre o rural e o urbano o modelo extensivo de urbanização de são paulo fez com que, ao longo dos anos, cada vez mais a cidade avançasse sobre as áreas rurais e ambientais. na zona leste não foi diferente: a avenida jacu-pêssego e a reafirmação do eixo de transporte ferroviário se consolidaram como a primeira barreira na contenção dessa urbanização, que se concretiza quase com uma linha de pressão na relação histórica entre o rural e o ambiental. no contexto da borda urbana, o instituto do campo surge como o segundo ato, um equipamento educacional de nível superior e técnico voltado às questões ambientais e rurais dentro da cidade. um modelo exemplar que ampara áreas de desenvolvimento sustentável com construções de baixo impacto ambiental, áreas de conservação, uso habitacional e produção agrícola. assim como o instituto da cidade (abrigado pela unifesp, campus localizado também próximo a jacu-pêssego) tem seu olhar voltado para a sociedade urbana como um todo, o instituto do campo tem como papel olhar e amparar as relações do ser humano com a natureza, na vivência, na produção, e em como isso se insere perto de grandes centros urbanos. um é complemento do outro, então, compreendendo a complexidade do território urbano ambiental.

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Proposta Eixo Ferroviário Jacu-Pêssego

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Proposta de Espaços Livres do Entorno Imediato Vila Bela)

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_ sistema de espaços livres

_ ônibus + lixo + mobilidade + educação + saúde

a zona leste de são paulo, no geral, é um retrato exemplar de urbanidade - ou a falta dela – nas periferias de grandes centros urbanos. altos índices de adensamento populacional e baixos índices de qualidade de vida. a urgência é o morar, e ele não costuma enxergar muitas barreiras, por isso espaços públicos e vazios qualificados são raridade. é pensado, então, um modelo de potencialização do sistema de espaços livres em regiões como estas, nos vazios não ocupáveis: elementos naturais e da infraestrutura urbana. no caso da vila bela, córregos, a adutora que corta o bairro e a avenida sapopemba, que está em sua margem. os córregos são, neste cenário, vistos como lugar para despejo de esgoto, até barreira, e não como um bem. assim, como a adutora, uma das únicas formas em que o estado se encontra presente ali. e a sapopemba, um elemento estruturador do fluxo da região, mas pensado para o automóvel, e não para as pessoas. nos corpos d’água e na adutora, os espaços são repensados, ressignificados, se tornando espaços de qualidade que fortalecem a relação entre o território e as pessoas. hora recebe permanências, com espaços de estar, de feiras e trocas comerciais, e hora potencializando as conexões com a malha existente, através de passeios e ciclovias, alcançando equipamentos existentes na cidade. na sapopemba, a proposta do vlt vem de encontro com a melhora do caminhar, associando o pedestre a meios de transporte coletivo menos agressivos. assim, costurando o território e criando conexões: o terminal de ônibus e estação de monotrilho de são mateus, o ceu são rafael, o novo eixo ferroviário jacu-pêssego e o instituto do campo.

internamente ao bairro, o primeiro ato é para a mobilidade. o caminhar aqui é essencial, visto que estamos numa periferia não conectada, fragmentada. o uso de ônibus convencionais e a falta de linhas de ônibus dificultam os percursos, por isso é proposto um anel de micro-ônibus nas vias de fundo de vale (ruas frutos de maio e pedro de medeiros) para conectar bairros mais distantes e a vila bela à cidade. além disso o lixo, questão central na discussão do gerenciamento de resíduos, usa desta mesma rota através de tuc-tucs, que conseguem rodar até pelas ruas mais estreitas. quando não é possível o acesso, devido a declividade - os pontos mais críticos chegam a 32% -, é proposto a implantação de plataformas elevatórias. estas, além de possibilitar a coleta de resíduos e ser financiadas por isto, transformam a dificuldade de caminhar num percurso agradável e acessível a todos. _vazios + água + lugares de afeto como os grandes equipamentos, o projeto olha e repara - reparar na perspectiva do olhar atento, para os vazios, para as pessoas. os vazios ainda existentes, agora são palco para dar continuidade as relações da vila bela e se criar novas, então, a propõem-se novos lugares de afeto, entendendo o mesmo como transversal ao pertencimento ao lugar e às transformações que ele comporta. estes lugares partem de uma premissa não programática, em que a comunidade será parte estrutural de um processo participativo desses projetos. os rios se tornam uma plataforma ambiental e social, propondo de imediato a limpeza dos mesmos através de sistemas alternativos de tratamento de águas pluviais e fluviais, e de esgoto, que legitima o projeto e as leituras como um todo.

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Síntese de Propostas para o Vila Bela

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_casa pública “tudo o que se pode ver, se torna público.” (ARENDT, 2007) o que acontece quando a cidade passa a ter novas conotações urbanas e sociais que são conjuntas e híbridas? a rua passa a ser não só caminho e não é apenas a casa o abrigo. a compreensão de abrigo e de público se expande, ao mesmo tempo que a noção de casa também, assim, a cidade se transforma em uma grande casa pública, de fato. talvez, uma das grandes necessidades das periferias é a consolidação de cidadania e a afirmação do seu território, sua consolidação. _recorte: nós conceito poético: caminhar, festa, espaços de afeto, celebração da vida. é preciso reencontrar o sentido dos espaços mistos e misturados, que são “lugares comuns” de conexão. é preciso refletir sobre

Vista Aérea do Recorte Ensaios Acadêmicos | 54

as condições de acesso oferecidas por esse espaço público, quando nem todo mundo de fato o acessa. a rua, posta na malha urbana, é vista aqui como potência e perpassa para o caminhar num estado de festa, onde esbarrar em espaços de afeto e encontrar-se em nós torna se real. a rua não é mais rua, mas sim uma extensão da casa. deixa de ser de um e passa a ser de todos. o projeto olha para o existente e o revigora, pensando no constructo participativo e valorizando os bens primordiais de vida. as lajes, as garagens, as empenas cegas e as conquistas são constructo para acontecimentos cotidianos: lavanderias, varais e cozinhas coletivas. espaços livres sem programas definidos, a necessidade e a casualidade os definem. água e vegetação são bens primordiais, passam a ser vida e a dar vida, e não tirá-la. a casa pública é, então, abrigo dos sonhos, das fantasias e da celebração desse conquistado, e agora novo, lugar.


Proposta de Espaço junto ao Córrego dos Machados

Proposta de Plataforma Elevatória

Proposta de Desenho para os Nós Ensaios Acadêmicos| 55


Proposta de Desenho Urbano

Esquema de Mobilidade: Tuc-Tucs Ensaios Acadêmicos | 56

Esquema de Mobilidade: Plataformas Elevatórias


Breno Pilot, Camila Godoi, Diogo Xavier, Felipe dos Santos, Higor Santos, José Camilo Carlos Jr., Luisa Vaccari, Marco Aurélio Arruda, Naomi Farinazzo, Rodrigo de Azevedo, Samira Batista, Thais de Freitas 10º semestre - Arquitetura e Urbanismo PUC Campinas Prof Me. Antonio Fabiano Jr. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Profª Drª Vera Santana Luz Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e PÓSURB + ARQ PUC Campinas Ensaios Acadêmicos| 57


PRO PROJETO SOL NASCENTE trecho 3

Alice Sallustro, Ana Carolina Alves, Daniela Fajer, Larissa Santos, Marina De Nadai e Raissa Gomes

O presente trabalho é a conclusão do segundo módulo da Pós-Graduação Latu Sensu “Cidade e Habitação” da Escola da Cidade. Nessa etapa, o conteudo adentra na realidade das politicas publicas brasileiras e nos Movimentos Sociais por Moradia. À 37 km do plano Piloto, Distrito Federal, o Conjunto Habitacional Sol Nascente, as margens sul da Ceilandia , surgiu da grilagem clandestina de chácaras cuja produção agropecuária abastecia a cidade satélite. Em cerca de 12 anos a região se tornou uma das maiores favelas da América Latina, contando com péssima infraestrutura, ausência de equipamentos; áreas de lazer; transporte publico, além de possuir residências com padrões construtivos questionáveis. O objeto de estudo foi o trecho 3 do conjunto, por possuir as piores condições físicas, sociais e econômicas, ademais estar ameaçado por um processo crescente de erosão ocasionado pela ocupação desenfreada e irregular dos trechos lindeiros a nascentes de córregos. O conceito do projeto gira em torno de 3 eixos: Borda, Viário e Respiros, juntos configuram o partido do morar.

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A diretriz Borda consiste em ações de preservação dos cursos d’água e meio ambiente através da criação de um parque, fruto de remoções de casas em área de APP’s, contornaráa área trabalhada delimitando o desenho urbano, com isso cria-se um cenário entre mata e a cidade muito acolhedor e participativo.

O procedimento conta também com obras de drenagem e saneamento básico, e educação ambiental com a proposição de uma escola do meio ambiente. Objetivando a melhoria do sistema viá-

rio, a segunda diretriz consiste em intervenções como a remoção de residências para a criação e ampliação de vias principais e secundarias, possibilitando um sistema de circulação tipo “anel viário”; mudanças no sentido das vias; rede de ciclovias, a ampliação e oferta do transporte público. Para controlar o adensamento da localidade, os procedimentos cujo objetivo é criar Respiros, apresenta a introdução de equipamentos e espaços públicos através de remoções nos “miolos” de quadra para a criação de uma estrutura de vizinhança com instituições publicas, praças e habitações novas para as pessoas removidas em todo o processo.


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Alice Sallustro, Ana Carolina Alves, Daniela Fajer, Larissa Santos, Marina De Nadai e Raissa Gomes Pós Graduação Habitação e Cidade Escola da Cidade - São Paulo

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UM SONHO, UMA EXPERIÊNCIA

Ruan Miele

A experiência de projeto se iniciou com uma simples conversa entre amigos, na cidade de Guaíra, município localizado no interior do estado de São Paulo, em 2017, quando um colega do meu pai veio perguntar a mim se poderia ajudá-lo a deixar um sonho mais próximo da realidade. Este sonho, por sua vez, era a simples ideia de uma nova unidade da Igreja Adventista de Sétimo Dia em uma região da cidade. No entanto, no primeiro encontro que tivemos, perguntei se ele havia algo em mente que pudesse me auxiliar no entendimento de seu pensamento para iniciar o projeto e revelou que tudo o que tinha era uma idealização deste sonho. Tal situação o impossibilitou de obter um auxílio por parte de profissionais da cidade para torná-lo algo mais palpável e concreto. Ao entender o contexto da

situação, atrelei o sonho deste amigo aos vários conhecimentos que adquiri e continuo adquirindo na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Campinas, onde aprendi que arquitetos projetam majoritariamente para as pessoas e para a sociedade. Assim, tomei a decisão de realizar este projeto e, em meio aos trabalhos da faculdade, sempre que havia algum tempo livre procurava pensar e desenhar esse projeto, que também havia se transformado em um sonho meu. Depois de vários encontros durante o ano dedicados à definição de um programa ideal para as necessidades da comunidade, ficou determinado o que a igreja deveria apresentar em seu programa: nave, salão de festas e encontros, banheiros feminino, masculino e para deficientes físicos, uma área comum com destino a organização dos cultos, sala de sonoplastia, salas de estudo bíblico, sala de música, além do púlpi-

Croqui 1.

Croqui 2.

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to e de um tanque batismal. Todo este programa deveria se encaixar em um terreno de 10 metros de largura por 20 metros de profundidade. Entre as demandas, havia também a necessidade de uma área reservada para os encontros pós culto que foi alocada na parte frontal do projeto, compartilhando assim uma parte do terreno da igreja com a cidade, através da ampliação da calçada situação pouco observada dentro da dinâmica urbana nos dias atuais. No final do ano de 2017 me encontrei com uma parte da comunidade para apresentar o projeto que ha-

via feito e me certificar se tinha atingido a expectativa daquele sonho. Ao final da apresentação e após cada agradecimento, abraço e comentário, veio a mim uma sensação única de uma imensa gratidão; e que mesmo possuindo apenas esperança consegui fazer do anseio de todos uma realidade mais próxima. A partir desse projeto desencadear novos sonhos embora não seja pautado como o projeto final, esse primeiro desenho foi fundamental para deixar ainda mais forte a possibilidade desse sonho se tornar realidade.

Imagem externa.

Croqui 3.

Planta Pavimento Superior. Ruan Miele 6º semestre - Arquitetura e Urbanismo PUC Campinas

Planta Terreo. Ensaios Acadêmicos| 63


ESCOLA DE DANÇA KLEINE SEZENE

Gustavo Ramalho

O presente trabalho consiste no projeto arquitetônico para uma escola de dança localizada no centro de Santo André. O entorno consiste em habitações residenciais de pequeno porte e um crescente desenvolvimento de comercio ao seu redor; a escolha da localização está fundamentada em duas estruturas de pensamentos a primeira consiste em uma memória do lugar, como Bergson acredita e resume: “Deste modo, existem duas formas de memórias teoricamente diferentes e independentes, uma sob a forma de imagem-hábito (eu superficial) e outra sob a forma de imagem-

Implantação.

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-lembrança (eu profundo), das quais uma imagina e a outra repete, sendo que a segunda pode substituir a primeira e frequentemente até dar a ilusão dela”. A segunda provém da leitura espacial que temos da implantação; decido aqui escolher está pois localiza-se em um eixo viário de alta fruição onde é justificado o acesso principal da escola. As duas justificativas estão embasadas nessas duas linhas de pensamento, por meio delas estruturo justificativas projetuais. Antes de começar as especulações volumétricas do partido arquitetônico da escola procurei estabelecer referências que poderiam me ajudar com os espaços públicos de alta concentração e permanência.


Abordo aqui de forma clara a introdução na dança no espaço escolar, tratando de uma escola de dança onde haverá aulas de ballet clássico que tem como cunho o aprendizado da dança em seu cerne retirando todo o preconceito que existe nas escolas de educação do ensino médio e fundamental, e que de alguma forma cria a sensação de um espaço de preconceito e ausência do lúdico nas disciplinas cientificas; tratando o aspecto do movimento corporal como uma repressão da criação por expressar com o corpo suas emoções e devido a sociedade atual em que esses indivíduos encontram-se acham que a dança ou qualquer tipo de expressão corporal é banal. Procuro resgatar um modelo de vivência escolar diferente do encontrado atualmente nas escolas, trazer essa consciência para os bailarinos e crianças que irão estudar a dança é importante para motivar a cultura em um âmbito nacional e retirar esse preconceito que paira sobre as cabeças das pessoas que o reflexo do ensino da arte é banal. É importante lembrar que a lei referenciada LBD 9393/36 garante o ensino da arte como componente curricular obrigatório na educação básica, o projeto não abordara somente uma escola que ensina o ballet clássico, mas uma consciência de arte. Procuro estabelecer um paralelo de ensino com que Jacqueline Robinson alega, bailarina e educadora francesa elaborou um diagrama onde indica as aplicações da dança no mundo contemporâneo:

Diagrama 1.

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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

Gustavo Souza Ramalho Centro Universitário SENAC.

STRAZZACAPPA, Márcia et al. A educação e a fábrica de corpos: a dança na escola. Cadernos cedes, 2001. ASSUMPÇÃO, Andréa Cristhina Rufino. O balé clássico e a dança contemporânea na formação humana: caminhos para a emancipação. Pensar a prática, v. 6, p. 1-20, 2003.

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PROJETO FUNDÃO Jardim Vera Cruz - São Paulo

Grupo TFG 2017; Antônio Fabiano Junior; Vera Santana Luz

INTRODUÇÃO A proximidade à água é um fator decisivo, primordial e indissociável ao surgimento das cidades. É uma configuração da própria condição humana. E é nesse cenário que está o Fundão do Jardim Ângela em São Paulo: nas bordas do verde, nas margens da água, às margens da sociedade. de comportamento das populações de origem açoriana, que ainda se mantinham conservados pelas comunidades nativas (PEREIRA, 2003).

Figura 1 Ensaios Acadêmicos | 68

O trabalho apresenta propostas urbanísticas de grande escala, abrangendo infraestrutura e transporte para a Região Metropolitana de São Paulo, além de desenvolvimento de desenho urbano para o Bairro Jardim Vera Cruz, no distrito Jardim Ângela e as margens da Represa Guarapiranga. A estrutura metodológica tem como busca novos paradigmas e exemplaridades na relação urbano x rural x ambiental na metrópole, onde lutar é cenário constante entre a necessidade de morar e a necessidade de preservar o meio ambiente. Seus desenhos buscam propostas de autonomia e independência à população que ali habita para a melhoria da qualidade de vida, aumento da participação social e valorização da cidadania, respeito aos tempos e formas do território, valorização de sua história e uso racional de recursos ambientais, trabalhando suas fragilidades com sensibilidade e entendendo que a dicotomia homem x natureza não existe, pois o homem é parte indissociável dela própria e a relação homem x homem em equidade é um dever. Ato é ação. Sempre agimos por algo. Nos aproximando ou nos distanciando, criamos fricção entre nós, atores primários, com o outro e entre nós com o meio. Por embate ou por comunhão, homem e natureza sempre se encontram. O compromisso deste trabalho, portanto, é real com o território. Paisagem vem do francês paysage, que se compõe do nome pays, “país”, e do sufixo age, análogo francês do sufixo português “ada”. Paisagem é portanto um bocado ou uma porção de país, assim como o seria a palavra “paisada”. É possível construir paisagem? É possível entender a construção da dinâmica urbana através da utilização de sistemas naturais como estratégia de desenho e planejamento regional? Que forma tem o nosso aparato intelectual nesse jogo todo? O arquiteto pensa em ambos – forma e uso. Atuações do constructo efetivo, sonho realizado, ato-em-ação.


A paisagem nada mais é do que um retrato de uma realidade ou a realidade em si mesma. A realidade de uma visão de mundo. A realidade de várias vidas. Porque, no fundo, tudo o que queremos é dar forma ao mundo para todo mundo. PROJETO URBANO Diretrizes Ambientais As diretrizes ambientais foram desenvolvidas a partir de um recorte tipo que poderia se desdobrar e ser reaplicado ao longo de toda a borda da represa

Guarapiranga, de acordo com as especificidades de cada local. A primeira diretriz surge da necessidade de uma preservação imediata, onde nada deve ser ocupado, desmatado e explorado, propondo um cinturão verde nas margens da represa. Além de ter como princípio a preservação dos grandes maciços arbóreos e o reflorestamento de clareiras, também foram localizados “equipamentos guardiões” do meio ambiente que se relacionam de forma direta com a água e com a vegetação, com o intuito de proteger sua área envoltória e de influência.

Figura 2 - Esquema realocação Ensaios Acadêmicos| 69


A segunda diretriz surge através da intensa ação do homem, unida com a necessidade de morar, com relação à natureza, ficando evidenciado que, nessa disputa, quem perde seu espaço primeiro é a natureza. Desta forma, convencionou-se o entendimento de uma linha de “pressão”, correspondente à borda entre o ur-

Figura 3 - Esquema linha pressão Ensaios Acadêmicos | 70

bano e o natural existente na qual a urbanização tende a avançar. (Figura 3) Com a urgência de barrar a pressão urbana em direção à área ambiental, foram criadas diretrizes de contenção, as quais têm como objetivo barrar essa invasão à Área de Preservação Permanente. (Figura 4)

Com a ocupação acelerada, as nascentes e a


mata perderam seu espaço primeiro. Foi estabelecida uma terceira diretriz que lhes devolve o espaço tomado. Nas áreas rurais, retoma-se a preservação mínima dos 30m de cada margem do rio. Nas áreas urbanas, o foco são os vazios e interstícios existentes e remanescentes da urbanização, que passam a ser de uso público, com taxa de ocupação extremamente baixa.

Os vazios seriam articulados aos equipamentos novos e existentes, através de maciços arbóreos, vias arborizadas, calçadas largas, e outras alternativas que gentilmente reestruturassem o lugar como propriamente natural, matizando a urbanização existente.mento de uma linha de “pressão”, correspondente à borda entre o urbano e o natural existente na qual a urbanização tende a avançar. (Figura 5)

Figura 4 - Casos contenções Ensaios Acadêmicos| 71


Figura 5 - Diretrizes Ambientais Ensaios Acadêmicos | 72


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Diretrizes de Transporte Tendo em vista que o sistema rodoviarista vigente não comporta a demanda da macrometrópole de São Paulo, propusemos em paralelo ao rodoanel, um sistema de ferroanel. A implantação do ferroanel articularia linhas da CPTM no sentido Santos-Jundiaí e desafogaria o trânsito de trens de passageiros e cargas. Também teria um papel importante em fomentar planos que potencializem ferrovias da macrorregião, que interligam ao interior, aos Portos de Paranaguá, Santos e Rio de Janeiro, como corredores efetivos de transporte de pessoas e mercadorias. A segregação do ferroanel permitirá aos trens de carga circundar a Região Metropolitana sem a necessidade de utilizar a rede da CPTM, que passará, então, por um processo de aumento acentuado da oferta de capacidade, com redução dos intervalos entre trens e melhoria da qualidade e da segurança do serviço prestado. A implantação do ferroanel reforça a hipótese de contenção do espraiamento urbano sobre as áreas de

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preservação, especialmente na região sul e da Serra do Mar. A linha férrea ramal da antiga da Sorocabana, que liga Mairinque ao porto de Santos, voltará a receber como principal vocação o transporte majoritário de cargas com o objetivo de potencializar o cinturão rural sul e facilitar o transporte de cargas, fora do tecido urbano da metrópole e direto para Santos. Nos entroncamentos das rodovias existentes com a linha de trem Mairinque – Santos, propõe-se estações de baldeação de carga e logística de armazenamento bem como paradas de passageiros em horários chave. Por outro lado, considerando o território de projeto como pertencente à matriz hidroviária de São Paulo, foram incorporadas também as premissas defendidas pelo grupo de estudo “Metrópole Fluvial”, para o hidroanel metropolitano de São Paulo. Além da incorporação dos portos propostos pelo grupo, propõe-se também a implantação de novos pontos, cujas conexões são feitas por linhas de mobilidade, priorizando tanto o transporte de pessoas, mercadorias e lixo como o lazer.


Figura 6 - Transporte Escala Macro

Ensaios Acadêmicos| 75 Figura 7 - Transporte Portos


Em uma escala mais aproximada ao distrito, pensou-se num meio de transporte binário, de alta capacidade no eixo da Estrada do M’Boi Mirim, o qual garantiria acesso rápido e direto de passageiros por toda a estrada até ligar-se, em ramificação à estação de metrô e CPTM. Ancorado nesse modal principal, os ônibus conti-

Figura 8 - Transporte Bolsões Ensaios Acadêmicos | 76

nuariam presentes, mas com função e rota alterada evitando a interferência no fluxo desse eixo principal. O novo trajeto dos ônibus consistiria em bolsões costurando o território, amarrando as partes que antes se mostravam desconexas e reinserindo essa população moradora da franja paulista no sistema sobre trilhos de mobilidade da cidade.


Para esse transporte sobre trilhos foi realizado estudo de cada trecho-tipo da Estrada do M’Boi Mirim, adotando-se para cada um, um modal compatível com o espaço disponível, evitando desapropriações em massa na faixa lindeira de urbanização consolidada. Os modais definidos foram: o VLT de superfície,

Figura 8 - Transporte Esquema Trilhos

deixando livre duas faixas para demais veículos e o monotrilho nos trechos mais críticos (onde não há espaço na calha viária) com estações de parada verticais a cada 500 metros - permitindo acesso ao nível das lajes de cobertura, que se transformam em espaço público.

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Figura 9 - Transporte Trilhos Cortes Ensaios Acadêmicos | 78


Figura 10 - Transporte Trilhos Paradas Ensaios Acadêmicos| 79


Figura 11 - Transporte Calhas Viárias

Para a escala do bairro foram identificados: as vias funcionais por onde passam as linhas dos bolsões de ônibus, as vias verdes, criando corredores permeáveis de vegetação e as vias

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compartilhadas onde o pavimento é único tanto para pedestres como para veículos - dado que o transporte público eficiente é garantido, desestimulando o uso de carros individuais.


PROPOSTAS APLICADAS NO JARDIM VERA CRUZ - ESCALA DE ABRANGÊNCIA

Figura 12 - Escala de Abrangência Ensaios Acadêmicos| 81


Desejos Diretrizes Dada a necessidade de qualificar a vida das pessoas da comunidade foram traçadas diretrizes que norteassem o projeto a fim de que as soluções implementadas causassem o menor impacto possível para a área de mananciais. As diretrizes são respostas para o suprimento de infraestrutura local de maneira alternativa ao

Figura 13 - Desejos Diretrizes Água

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modelo implementado pelo poder público, ou seja, o trabalho critica a aplicação de soluções sem a perspectiva local. Desta forma algumas das diretrizes trabalhadas abordam as esferas da conquista do território ocupado, da infraestrutura (esgoto, resíduos, energia e transporte), da ressignificação dos espaços construídos, dos vazios e da água e da economia colaborativa.


Figura 14 - Desejos Diretrizes Economia

Figura 15 - Desejos Diretrizes Vielas

Figura 16 - Desejos Diretrizes e Espaço construído

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Figura 17 - Desejos Diretrizes Energia

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Figura 19 - Desejos Diretrizes Esgoto I


Figura 20 - Desejos Diretrizes Esgoto II

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Figura 21 - Desejos Diretrizes Resíduos

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Figura 22 - Desejos Diretrizes Vazio

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Recorte Exemplar Para a aplicação em desenho dos desejos-diretrizes definiu-se um recorte exemplar próximo a CEI Vera Cruz, com importantes marcos locais, que após análise casa à casa foi dividido em três trechos denominados: o Território da Letra, a Cidade Brincante e o Espaço de Regeneração. O recorte urbano viabilizou um olhar mais aprofundado e diferente da escala regional, compreendendo assim as necessidades reais e as possibilidades diversas que cada lugar pode conter, fortalecendo ou ressignificando as pré-existências. É sobre entendermos o território como um espaço coletivo, em um entendimento que vem da vontade de diluir a fronteira entre o que é público e o que é privado. De entendermos a importância e a necessidade dos vazios, pequenos ou grandes, respiros em meio a tanta dureza, para a estruturação de uma rede distribuída e resiliente. (Figuras 23, 24, 25, 26 e 27.)

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Figura 23 - Recorte Exemplar Ensaios Acadêmicos | 90


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Figura 24 - Cortes Recorte Exemplar Ensaios Acadêmicos | 92


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Figura 25 - Imagens Trechos I

Figura 26 - Imagens Trechos II Ensaios Acadêmicos | 94


Figura 27 - Imagens Trechos III

Adriana Medeiros Pereira, Beatriz Chiacchio Michelazzo, Camila Borges de Oliveira, Danilo Pena Maia, Gabriel de Souza Ramires, Helder Ferrari, Isabelle Bertoloto Cocetti, Kaena Justo, Maria Clara de Oliveira Calil, Maria Kathelijne Vrolijk, Paloma Rodrigues, Pâmela Rodrigues Castro, Patricia Corrêa Desenzi, Priscilla Franco Guadaguini, Vivian Helena Peronti Procópio, Raissa Gattera Begiato Arquitetxs Urbanistas formadxs pela PUC Campinas Prof Me. Antonio Fabiano Jr. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Profª Drª Vera Santana Luz Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e PÓSURB + ARQ PUC Campinas Ensaios Acadêmicos| 95


CASA BRASIL

Um lugar para permane|ser| Permanecer. Continuar, durar, subsistir, perdurar, sobreviver, manter-se. Ficar, estacionar, estar. Persistir, seguir, insistir, perseverar. Eis a proposta de um edifício acolhedor de refugiados e migrantes em situação de vulnerabilidade social, o qual busca atender às diversas demandas urbanas e sociais contemporâneas atreladas ao tema. Localizado estrategicamente na Rua Jamil João Zarif, em Guarulhos/SP, o conjunto pretende oferecer qua-

lidade de vida e inserção aos migrantes, refugiados, visitantes e moradores da comunidade, combinando diferentes demandas sociais, educacionais e culturais. O programa visa a criação de espaços de convivência, permanência e transição, que oferecem a prática cultural e interação social dos indivíduos. Portanto, pretende-se que este trabalho ofereça um espaço de socialização atrelado a uma nova experiência arquitetônica e programática para a cidade, em vista de estimular a prática do multiculturalismo e o desenvolvimento urbano.

INTRODUÇÃO CONDIÇÃO Individual ou coletiva, a mobilidade humana contemporânea é motivada por diferentes circunstâncias e fatores ligados, de algum modo, a uma sociedade complexa, mais marcada pelos desequilíbrios socioeconômicos, pela violência e intolerância do que pelo respeito à igualdade e à dignidade humana. Os refugiados e migrantes, vulneráveis entre mais vulneráveis, são a crua expressão das desordens e desequilíbrios mundiais. Não querem deslocar-se, são compelidos ou constrangidos a tal. São homens, mulheres, idosos e crianças obrigados a deixar sua pátria por fundado temor de perseguição seja por motivos de raça, religião, nacionalidade ou opinião, seja pela própria violação de direitos e falta de proteção do seu Estado. “Liberdade de migrar, sim, mas não de fazer migrar”, denunciava Scalabrini, no final do século XIX.

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Carina Lima; Claudio Manetti

PROPOSTA O crescimento da população migrante e refugiada é uma realidade mundial. Seguindo o caminho de países considerados desenvolvidos, o Brasil está em uma fase de transição quando analisada a política de assistência social que o país está desenvolvendo. Embora a população migratória, seja esta nacional ou internacional, apresente um número menor se comparada à população consolidada, infelizmente hoje, não ocorre uma preparação para assistir a esta camada dos indivíduos. Há um caminho a ser traçado, seja este econômico e social, para que ocorra a recepção e orientação destes indivíduos. Prevendo a possibilidade governamental de suprir esta demanda com uma política assistencialista, surge a busca por um espaço que atenda, acolha, eduque e oriente migrantes e refugiados em estado de vulnerabilidade social. O projeto baseia a sua realização através de investimentos públicos e da automanutenção futura, através de contribuições financeiras simbólicas de


correntes das manifestações culturais, participações através de trabalho voluntário, e através do ciclo produtivo gerado pelas áreas de plantio do Plano Arco Baquirivú. A diferenciação do programa se dá pelo fato do espaço não se limitar a um uso, mas sim por integrar diferentes demandas em um espaço. A localização do projeto em um local o qual se encontra tanto na influência regional, como municipal, enfatiza a tentativa de inclusão desta população, permitindo sua mobilidade e diminuindo o isolamento perante à comunidade e à cidade. O programa parte, portanto, de 03 premissas as quais norteiam o projeto: a chegada, a experiência e a comunidade. Tais conceitos representam os estágios de inserção à uma nova fase de inserção social do indivíduo recém-chegado: a chegada, a experiência e a comunidade. A chegada demonstra a fase a qual o migrante busca por um espaço que o acolha inicialmente, apresentando instalações básicas para atendê-lo momentaneamente. Experiências é a etapa que, neste contexto, permite que ocorra trocas e atividades entre o indivíduo e a comunidade, sejam estas trocas culturais, educacionais ou sociais, possibilitando o contato direto e diário de pessoas distintas. Comunidade é o estágio consequente, o qual vai garantir a inserção social através da convivência diária com a comunidade e a cidade, e auxiliará na adaptação ao idioma e na inclusão no mercado de trabalho. Desta forma, o edifício torna-se um espaço verdadeiramente compartilhado, o qual envolve escalas de diferentes demandas, onde não só migrantes e refugiados podem usufruir, como a escala urbana pela qual o edifício se instala, pode se apropriar do mesmo. O programa também é pensado como um modelo a ser contemplado em demais áreas que recebam um número elevado de migrantes e refugiados, como um equipamento acolhedor para todas as idades, grupos sociais e culturas, abrigando instalações que incorporem os valores da igualdade de acesso à cultura, educação e recursos que são essenciais para construir e fomentar comunidades. ACOLHIDA Visto que o terreno se encontra em um importante eixo de ligação da malha urbana, há uma busca

pela permeabilidade para quadra proposta. Dessa forma, a proposta do projeto é de atuar nesse espaço, conectando a projetos e fluxos através de um equipamento que propicie um novo espaço requalificado como ponto de encontro e convivência à cidade. Consequentemente, por intermédio da movimentação de pessoas os espaços são (re) ativados, estimulando um novo desenho de permanência e sensação de segurança. Sendo assim, o partido do projeto nasce com a concepção do térreo em dois níveis, através de uma praça rebaixada que busca ser a extensão da calçada para dentro do projeto; e a implantação se configura em dois blocos que seguem o alinhamento longitudinal do terreno, permitindo a permeabilidade do térreo para o pedestre, e oferecendo espaços de convívios distintos espacialmente. A implantação do projeto Casa Brasil se deu por dois volumes os quais distinguem-se entre si pelos diferentes usos, no entanto, se conectam pelo pavimento inferior, a praça rebaixada, a qual contempla espaços coletivos e se torna a extensão do térreo. Para tanto, os espaços de transição procuram relacionar os dois volumes, induzindo pedestres, alunos, visitantes e residentes, a caminharem pelo espaço, ora para realizar atividades contempladas na quadra, ora como fluxo de passagem. O visitante é atraído para a quadra a partir do térreo, de livre acesso, o qual possui espaços para acolhimento do migrante recém-chegado, um pavilhão coberto o qual recepciona e torna-se espaço para manifestações e apresentações, um espaço contemplativo e o ensino de idiomas. Uma vez na quadra, a espacialização do programa, convida os usuários a conhecerem, se interessarem, e desbravarem mais momentos da Casa Brasil. O pavimento superior acolhe migrantes e refugiados, a partir de infraestruturas básicas que podem ser usufruídas por certo tempo, estima-se até 3 meses, ou até tais usuários serem realocados (por meio de programas públicos de assistência social) para uma habitação de longo prazo. Ensaios Acadêmicos| 97


A praça rebaixada, torna-se primeiramente o fluxo de passagem entre o PAM (Ponto de Apoio Intermodal) e o projeto CITA (Centro de Inserção à Tecnologia e Artes), porém tal eixo se decompõe através da inclusão de programas coletivos, os quais visam a atenção dos usuários e os chamam para adentrar à quadra. Tais programas contemplam um refeitório popular, salas de apoio profissional e um auditório. CONSIDERAÇÕES De um espaço de chegada e exibições culturais, incorporou-se uma escola de idiomas, o que mais para frente, mostrou-se de extrema necessidade a adição de dormitórios temporários para os indivíduos em situação de vulnerabilidade social. Além de questões técnicas de projeto, o grande desafio enfrentado no trabalho foi a incorporação de questões culturais e educacionais de forma coerente e qualitativa ao projeto. A partir deste momento, o projeto passou a ser lapidado através de traçados que buscam levar a todos os espaços, situações e espaços que cumpram a real motivação de seu esboço.

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Carina Lima é Arquiteta Urbanista PUC Campinas Prof. Dr. Claudio Manetti Faculdade de Arquitetura e Urbanismo PUC Campinas

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ENSAIOS GRÁFICOS


AVENIDA PAULISTA:

arquitetura moderna e contemporânea

Maria Eliza Pita

As fotos aqui apresentadas foram produzidas pelos alunos da disciplina de Atividade Complementar que propôs a visita e análise de edifícios da Avenida Paulista, no primeiro semestre de 2018, na FAU-PUCC. A proposta norteadora da disciplina foi a da discussão da origem da Avenida Paulista a partir da remoção dos casarões associada à opção por projetos modernos, a tipologia vinculada aos edifícios como sedes corporativas e a transformação contemporânea da avenida como corredor cultural. Foram construídos edifícios de habitação na década de 1950-60, muitos seguindo a lógica corbusiana dos “Cinco Pontos da Arquitetura Moderna”, que podem ser identificados no Edifício de habitação do Conjunto Nacional (1955-56), no Edifício Nações Unidas (1953), de Abelardo Reidy de Souza, onde também destacamos a presença de um painel de Clóvis Graciano fazendo a integração entre arte e arquitetura modernas e no Edifício Pauliceia (1956), de Jacques Pilon e Giancarlo Gasperini, que apresenta uma solução dinâmica para as janelas longitudinais, alternando aberturas e painéis de vedação. A Escola Carioca de Arquitetura, representante da formulação da Arquitetura Moderna Brasileira, pode ser destacada no Edifício Anchieta (1941), dos Irmãos Roberto, que apresenta forte semelhança com o Edifício do MES-MEC (1936-45), no Rio de Janeiro, devido à utilização de um revestimento em pedra e tijolos de vidro na proposição de um volume leve, e no Edifício Maria Cristina (1952), de Abelardo Reidy de Souza, que com a dinâmica das sacadas, o revestimento de pastilhas apresenta movimento e leveza em sua forma final. As empenas cegas são propostas em várias soluções de edifício lâmina, destacanEnsaios Gráficos | 102

do-se o Edifício do Banco Itau (antigo Edifício Sul-Americano) (1962), de Rino Levi, e o Edifício Quinta Avenida (1958), de Pedro Paulo de Melo Saraiva e Miguel Juliano, que se, por um lado, barram o sol de suas fachadas, por outro criam planos neutros revestidos de mármore - neutralidade desejável. Se as características modernas dos edifícios se multiplicam, no tocante à cidade elas serão engenhosamente tratadas. A cidade moderna, proposta na sua origem por Le Corbusier, propunha edifícios lâmina distribuídos em um parque; porém, esta solução não se confirma na cidade já edificada e constituída através de lotes. É através de uma solução de projeto para o edifício que a cidade de espaço contínuo proposta pelos arquitetos modernos vai se configurar. A proposição do edifício Torre e Plataforma será a resposta à articulação do edifício lâmina com a cidade presente em inúmeros projetos na Avenida Paulista a partir da solução original proposta para o Conjunto Nacional por David Liebeskind, onde a Plataforma se encarrega de estabelecer a relação com a cidade através de aberturas para todas as vias: marquises que criam qualidade de sombreamento e escala adequada para o pedestre na calçada, unificação dos pisos da calçada e do interior do edifício, área comercial e ampla circulação que não impõem limites entre o espaço da cidade e o do interior do edifício. A concepção de edifício segundo a articulação espacial Torre e Plataforma se firmará como tipologia para a Avenida Paulista com maior ou menor relação com o espaço da cidade, de acordo com as várias propostas. O Edifício Quinta Avenida também adotará a solução Torre e Plataforma; porém, com característica diferente do Conjunto Nacional, os arquitetos Pedro Paulo de Melo Saraiva e Miguel Juliano duplicaram o térreo, apresentando uma praça alta e outra baixa, relacionadas ao ingresso ao edifício, ampliando assim a reação do edifício com a calçada. Esta proposta encontra-se hoje prejudicada, pois houve o estreitamen-


Edifício: Conjunto Nacional Arquiteto: David Libeskind Foto: Giovanna Scotton Degasperi

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to da calçada, constrangendo assim o Edifício. Essa proposição de praças que alargam o passeio público pode ser encontrada na solução de projeto adotada por Paulo Mendes da Rocha para o térreo do Edificio FIESP, na transformação do térreo em programa cultural e Galeria FIESP (1998). O exemplo de cidade moderna pode ser experimentando no Edificio Cetenco Plaza (1984), de Rubens Carneiro Viana e Ricardo Sievres, na proposição de Edifícios Torre que liberam grande parte do lote para a praça de convívio. Completando o conjunto em uma solução pavilhonar, temos o Restaurante Spot (2012), projetado pelo arquiteto André Vainer, que parte do mesmo princípio estrutural das torres, agora em solução horizontal, e desdobra o conjunto das duas torres iniciais, ampliando a praça de convívio. Um importante parque, o Parque Trianon (1928-35), de Paul Villon, Burle Marx e Clovis Olga, se abre para a avenida formando conjunto com o MASP (1957-60), de Lina Bo Bardi, que também propõe uma experiência singular da cidade no vão livre de 74m e que pode ser interpretado como uma praça coberta seguida de um terraço que se abre para a Bela Vista, como indicava a proposição inicial do projeto. Pequenas praças se multiplicaram ao longo dos anos, como é o caso do jardim da Casa das Rosas, que abriga um dos últimos casarões da origem da Avenida. Uma praça linear proposta pelo paisagista Benedito Abbud no recuo do Shopping Cidade de SP, (2015), de Aflallo e Gasperini, mantém preservadas as ár Profª Drª Maria Eliza Pita Faculdade de Arquitetura e Urbanismo PUC Campinas

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vores do antigo terreno da Residência Matarazzo em uma praça escalonada que relaciona o edifício à rua. Resta pouco da Programação Visual (1973) proposta por João C. Cauduro e Ludovico Martino, que consistia em um sistema de objetos e sinalização para a Avenida; desta proposta, permanecem apenas os totens de sinalização, para confirmar a qualidade do desenho. A Avenida foi tomada por uma série de programas culturais que ajudam a manter sua vitalidade: o Itau Cultural (1992-95), de Ernest Mange; a Galeria FIESP (1998); a Japan House (2017), de Kengo Kuma; e, mais recentemente, uma nova unidade do SESC Avenida Paulista (2018), de Konigsberger & Vanucchi. O Instituto Moreira Salles se estabeleceu em São Paulo em um novo edifício na Avenida Paulista, construído a partir do projeto vencedor de Andrade Morettin, em 2017. O projeto apresenta a preocupação com a articulação entre o espaço público da Avenida e o interior do edifício na proposição de uma praça suspensa que toma todo o piso do edifício e oferece ingresso às áreas expositivas. O vão livre no MASP é reapresentado, segundo a descrição dos autores do projeto. Fechada para carros aos domingos, a Avenida Paulista se transforma em uma praça linear de apro ximadamente 3km, tendo na qualidade de sua arquitetura, que em grande medida propõe a relação do espaço público com o privado, seu sinal de distinção. As fotos que se seguem mostram a preocupação com o registro arquitetônico dos projetos estudados.


Edifício: Conjunto Nacional e Edifício do Banco do Brasil Foto: Ingrid Sanches

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Edifício: IMS Arquiteto: Andrade Morettin Foto: Giovanna Scotton Degasperi

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Edifício: Japan House e Grafite do Kobra Arquiteto: Kengo Kuma Foto: Amanda Macarini de Paula

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Av. Paulista Júlia Barbosa Gurgel 8º semestre Arquitetura e Urbanismo PUC Campinas

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Av. Paulista Júlia Barbosa Gurgel 8º semestre Arquitetura e Urbanismo PUC Campinas

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Galeria do Rock Júlia Barbosa Gurgel 8º semestre Arquitetura e Urbanismo PUC Campinas

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Galeria Metrópole Júlia Barbosa Gurgel 8º semestre Arquitetura e Urbanismo PUC Campinas

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Arquitetura e Reflexo Giovanna Gugliotta Kimaid 6° semestre de Arquitetura e Urbanismo PUC Campinas

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Igreja do Centro Administrativo da Bahia Bianca Silva Pereira 8º semestre de Arquitetura e Urbanismo PUC Campinas

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Estação do Metrô de Salvador Bianca Silva Pereira 8º semestre de Arquitetura e Urbanismo PUC Campinas

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Estação do Metrô de Salvador Bianca Silva Pereira 8º semestre de Arquitetura e Urbanismo PUC Campinas

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Fragmento de silêncio Jonathan Melo 2° semestre de Arquitetura e Urbanismo PUC Campinas

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Raissa Gattera Arquiteta e Urbanista formada pela PUC Campinas

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Atividade realizada no leito do rio Jaguari em Joaquim Egídio, coordenada pelo artista Marcelo Moscheta e inspirada na obra de Guimarães Rosa: “A terceira margem do rio”. 1) Desenhe o rio a partir da pedra. 2) Desenhe o rio a partir da água. O que é o rio? O que fica? As margens? A água que passa? Ensaios Gráficos | 122


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Prof. Dr. Pedro Paulo Mainieri Faculdade de Arquitetura e Urbanismo PUC Campinas

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ENSAIOS CIENTÍFICOS


O PATRIMÔNIO CONSTRUÍDO PELO BARÃO DE ITATIBA: Palacio dos azulejos e fazenda duas pontes

A pesquisa se insere numa investigação que procura com-preender a configuração e a reconfiguração de cidades, os fundamentos teórico-conceituais das transformações que elas sofreram ao longo de um determinado período e os princípios das transformações físicas e sociais que acabaram por reconfigurar o espaço urbano e que re-sultaram, entre outros aspectos, na sua morfologia. O objetivo específico da presente proposta de pesquisa é o estudo da formação do patrimônio histórico construído pela família do Barão de Itatiba - Joaquim Ferreira Pen-teado, com destaque para o Palácio dos Azulejos (casario urbano) e a Fazenda duas Pontes (“Hotel Fazenda Solar das Andorinhas) (casario rural) no município de Campi-nas.

A compreensão da produção da riqueza material expressa nas construções das casas senhoriais insere-se, portanto, no campo da história social e o estudo das for-mas de acumulação da elite paulista e paulistana, com suas estratégias de manutenção da riqueza nas mãos das mesmas famílias, através das relações de parentesco pelo matrimônio, orienta a abordagem metodológica da pesquisa. Palavras-chave: formação urbana, história urbano, ar-quitetura urbana, patrimônio histórico, técnicas constru-tivas. Área do Conhecimento: Ciências sociais aplicadas - Arquitetura e Urbanismo

INTRODUÇÃO A presente pesquisa pretendeu analisar a formação do casario senhorial urbano de rural da elite cafeeira pau-lista, com estudo de caso das propriedades do Barão de Itatiba – Joaquim Ferreira Penteado, que construiu belíssimo casario senhorial urbano em Campinas, em 1878, denominado Palácio dos Azulejos. O estudo se in-sere no campo da história social e visa analisar as relações e teias sociais que permeiam a formação do território com destaque para a análise das estratégias de manutenção pelo matrimonio das terras e propriedades nas mãos das famílias nobiliárquicas da região. O estudo também per-mitiu analisar a produção do espaço construído e de sua arquitetura. Na analise das casas senhoriais procuramos investigar as relações entre a tradição da arquitetura no contexto das relações sociais e culturais entre Brasil e Portugal, presente na formação da sociedade da Colônia e do Império.

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Vitória Ribeiro ¹; Prof. Dra. Ivone Salgado²

O BARÃO DE ITATIBA, ANTECEDENTES E SUAS POSSES Os ascendentes do Barão de Itatiba, sabe-se que eram descendentes de antiga linhagem originária de Cas-tella e se fixaram em São Paulo no último quartel dos seiscentos. Em 1757, os irmãos José e Ignácio de Camargo Paes casaram-se com Bárbara e sua irmã Anna Vicencia Paes de Barros respectivamente, filhas de Dona Rosa Maria da Luz Prado e Antônio Rodrigo Penteado, da união desses irmãos nasceu o sobrenome Camargo Pen-teado Dos noves filhos que Bárbara e José tiveram, destacam-se o Capitão-Mor Floriano de Camargo Pen-teado, casado, pela primeira vez, com Paula Joaquina de Andrade, pais de Francisca – futura Baronesa de Itatiba; O Capitão Joaquim de Camargo Penteado, casado com Dona Maria Luzia de Almeida Pinto, pais de D. Delphina de Camargo Penteado (casada pela primeira vez com Capitão Ignácio Ferreira de Sá, viúvo de D. Thereza de Camargo Penteado, tia de D. Delphina).D. Delphina e o Capitão Ignácio eram pais de Joaquim Ferreira Penteado – futuro Barão de Itatiba. D. Delphina casou-se pela se-gunda vez com


João Novais Dias (também descendentes dos Camargo) e, pela terceira vez, com o tio, Capitão Floriano de Camargo Penteado. D. Thereza, tia de D. Del-phina era irmã de Floriano e de Joaquim Ferreira Penteado (Floriano de Camargo Penteado se manteve no Engenho da Ponte Alta, onde passou a residir com Delphina de Camargo Penteado, sua esposa e também sobrinha e mãe de seu genro Joaquim Ferreira Penteado).[1] A família de Joaquim Ferreira Penteado era ex-tensa, com muitos filhos, onde quase todos eram grandes proprietários rurais monocultores, envolvidos com outras atividades comerciais, industriais, bancárias, de trans-portes, etc. Essa família dividiu seu tempo e sua atuação entre as fazendas e a cidade, tendo como seu sobrado inscrito na trama urbana de Campinas. Barões de Itatiba, Joaquim Ferreira Penteado e Francisca de Paula Camargo, tiveram treze filhos. Seus filhos mantiveram e ampliaram mais a riqueza da família com os casamentos endogâmi-cos, esses casamentos ocorriam entre primos, tios e so-brinhas e entre as famílias de elite fazendo com que per-manecessem e favorecessem a manutenção dessas terras na mesma família. Para a compreensão do patrimônio do Barão de Itatiba, começamos investigar a história das sesmarias e suas origens, para então entender seu desmembramento e a linha sucessória na família. Por isso tudo começa com a história de Floriano de Camargo de Penteado (ascendente do Barão de Itatiba), nascido em Cotia, e sua primeira esposa, Paula Joaquina de Andrade, nascida na Vila de Paraíba, habitantes de Jundiaí em 1792. Em 1793 passa-ram a habitar no bairro de Anhumas. Em 1798, Floriano foi identificado como alferes e proprietário de engenho, junto aos irmãos, no bairro de Ponte Alta. [2] O Capitão-mor Floriano de Camargo Penteado comprou do Brigadeiro José Joaquim da Costa Gavião a gleba da antiga sesmaria de Antonio Raposo da Cunha Leme, onde o Gavião fundou o Engenho de Nossa Sen-hora da Conceição do Sertão e o Sítio e Fazenda das Cabras. As fazendas advindas da subdivisão desta gleba permaneceram com os herdeiros de Floriano de Camargo Penteado. Ao adquirir as terras, Floriano de Camargo Penteado, dividiu a propriedade em duas áreas com inter-esses distintos: as do Engenho do Sertão permaneceram com a cana-de-açúcar e as terras adjacentes a estas, na região de Cabras, foram destinadas a “fazenda de criar”. Foi importante a compreensão do processo de

re-talhamento dessa gleba, cruzando ao mesmo tempo a lógica de aquisição das terras, sendo por compra e/ou herança, para que agora possamos focar nas fazendas relevantes à pesquisa, que dizem respeito diretamente aos Barões de Itatiba, Joaquim Ferreira Penteado e a esposa Francisca de Paula Camargo, para o esclarecimento do patrimônio do casal e, posteriormente, para focarmos os dois estudos de caso: o Palácio dos Azulejos e a Fazenda Duas Pontes. [3] CASARIO RURAL - FAZENDA DUAS PONTES (ATUAL HOTEL FAZENDA SOLAR DAS ANDORINHAS) A Fazenda Duas Pontes, pertencia ao Barão de Itatiba, a sede foi construída no início do século XIX, e hoje se tornou um Hotel Fazenda, denominado “Solar das Andorinhas”. Tudo começou quando o governou cedeu Sesmarias a certos Capitães, a iniciativa constava em incentivar o desenvolvimento no Brasil. Sendo assim rece-beram terras, em 1796, o Capitão-mor Inácio Ferreira de Sá (pai do Barão de Itatiba), em 1798, o Capitão-mor da Vila de São Caros, Floriano de Camargo Penteado (pai da Baronesa de Itatiba). O Barão de Itatiba, Joaquim Ferreira Penteado, casou-se com sua prima, Dona Francisca, em 1830, unin-do parte das sesmarias e fundando a Fazenda Duas Pon-tes. O décimo terceiro filho do casal, Sr. Inácio de Ferreira Camargo Andrade, casou-se com Dona Brandina Emilia Leite Penteado e foi o herdeiro da Fazenda Duas Pontes, falecendo jovem. O casal não teve filhos e D. Brandina, ainda moça, ficou viúva e muito rica. D. Brandina casou-se com Artur Furtado Albu-querque Cavalcanti, que possuía título de “Desembarga-dor”. Arthur Furtado Albuquerque Cavalcanti foi re-sponsável pela instalação de energia e iluminação pública em Campinas, além de algumas melhorias na Fazenda Duas Pontes como a Roda d`água, a Serraria e o Moinho de Fubá. A Fazenda também contava com uma estação de ferro da Companhia Mogiana, atualmente desativada, levara o nome do Desembargador Furtado em home-nagem ao pai.

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A casa Sede da Fazenda Duas Pontes (figura 1), foi construída entre o final do século XVIII e início do século XIX, seguia o estilo dos demais solares do açúcar, arquitetura colonial portuguesa, formada por cores azul e branco, com janelas retangulares (figura 2) e amplas, paredes externas construídas pela técnica de taipa de pilão (figura 3), reforçada com madeira entrelaçada e bastante espessa (80 cm de espessura), devido a taipa, já as paredes internas feitas de taipa de mão, um pouco menos espessa. [4]

Figura 1: Casa Sede da Fazenda Duas Pontes, fachada central avarandada. Fonte: Acervo da Autora.

Figuras 2 e 3: Detalhamento das aberturas trabalhadas em madeira e vidro, evidenciando as espessuras das paredes proporcionadas pela técnica construtiva da taipa. Fonte: Acervo da Autora.

No interior da casa senhorial encontramos ele-mentos de requinte originais como a pintura decorativa nas paredes, os forros em saia e camisa e piso de tábuas de madeira preservados. Aberturas, como portas e janelas, com duas folhas de vidro na parte externa já que no inte-rior é às escuras em madeira, vergas retas, Ensaios Científicos | 130

indícios dos casarios coloniais e os beirais externos se prolongam, pro-tegendo a taipa. [5] CASARIO URBANO – PALÁCIO DOS AZULEJOS Hoje popularmente conhecido como “Palácio dos Azulejos” localizado à Rua Regente Feijó, antigamente foi o Solar do Barão de Itatiba – Joaquim Ferreira Penteado, ganhou esse nome devido sua fachada coberta por azulejos portugueses, uma construção muito importante para o período imperial. Foi residência urbana da família do Barão, que antes morou na Rua Barreto Leme esquina com Barão de Jaguara, na antiga casa de Barreto Leme, onde hoje se localiza a sede o INSS em Campinas. O Palácio dos Azulejos foi um caso singular para o século XIX de duas ricas residências geminadas que foi edificada pelo para residência do Barão e da Baronesa e para a família de uma de suas filhas, casada com o Tenente Coronel Pacheco e Silva. Em 1908, as proprie-dades foram vendidas à Prefeitura Municipal de Campi-nas, a qual instalou ali o paço Municipal, unificando as construções.[6] A implantação do casario senhorial, um sobrado, foi feita sobre o alinhamento da via pública, das vias mais significativas da cidade, com as paredes laterais sobre o limite do terreno. A arquitetura residencial foi baseada em lotes definidos, com a construção alinhada a via, e sobre o limite do terreno. Foram elaboradas duas fachadas de generosas dimensões, trazendo um desenho de telhado diferenciado em formato de “U” com quatro águas. A construção foi feita por duas técnicas, a taipa e tijolos. [1] Para a família patriarcal paulista do século XIX, habitar em um sobrado urbano era sinal de riqueza, de poder e de modernidade, demostrados nas técnicas cons-trutivas e estilos de arquitetura, com influências portugue-sas. O Palácio dos Azulejos foi transformado em Paço Municipal, a partir de 1908, passando por diversas trans-formações arquitetônicas, adequando a nova função do espaço. Quanto da implantação do Plano de Melhora-mentos Urbanos de Campinas houve uma tentativa de demolição do mesmo, quando foi tombado pelo IPHAN. Mais tarde o CONDEPHAAT e o CONDEPACC também tombaram o edifício. Atualmente discute-se a questão da revitalização do centro de Campinas, adicionando a res-tauração do Palácio dos Azulejos.


Figuras 5 e 6: Ornamentanção e pinturas características das paredes, piso feito em pedra presente no pavimento térreo. Fonte: Acervo da autora.

CONCLUSÃO

Figura 4: Fachada do Palácio dos Azulejos. Fonte: Maria Regina P. Mattos e Correio Popular.

Como todas as residências da época, a implanta-ção do sobrado do Barão de Itatiba, era em um terreno com aproximadamente 1100 m², as paredes laterais sobre o limite do terreno (influência da tradição portuguesa), com a finalização da construção, passou a ter 2100 m² de área construída, tendo 1185 m² o sobrado da esquina e 915 m² o edifício geminado, destruídos em dois pavimen-tos. Momento de transição das técnicas de construti-vas tradicionais de taipa e as inovações proporcionadas pela técnica tijoleira, os construtores principalmente em edificações de grande porte como é o caso do sobrado, utilizavam a associação das duas técnicas. Primeiro que a taipa resistente e forte característica das residências cafe-sistas e segundo o uso do tijolo permitia maior versatilida-de na execução de maiores vãos, criando outros ritmos. O estilo neoclássico foi adotado no sobrado do Barão de Itatiba, gosto que a Corte ditava desde o final da década de 1820, apesar da utilização da técnica cons-trutiva tradicional. Os corpos de entrada salientes eram compostos por colunatas e frontões, cornijas e platiban-das, louças portuguesas, estatuas de louças virtuosa, fri-sos, dando um alto valor artístico à construção urbana, desde a simples fechadura à fachada monumental de azulejos.

A comparação entre o casario senhorial rural do Barão de Itatiba e o seu casario senhorial urbano permite acompanhar a formação de uma grande fortuna e a mo-dificação das exigências relativas a dois momentos histó-ricos distintos: originalmente, um engenho de açúcar, construído no início do século XIX, com largas paredes externas em taipa de pilão e paredes internas em taipa de mão, com grandes beirais e distribuição de cômodos típica das grandes casas rurais coloniais, contrasta com a sofisti-cação, tanto na técnica construtiva, como na ornamenta-ção do casario senhorial urbano construído pelo mesmo Barão de Itatiba, em 1878, o Palácio dos Azulejos. Este utiliza também técnica mista, mas nele já é empregado a tijolaria. As pareces externas em taipa de pilão foram encamisadas em tijolo e possuem embasamento de pedra e nas paredes internas tem-se tanto o uso da taipa de mão, em algumas paredes, como o tijolo, em outras. Mas o que se destaca neste casario urbano é a sua modernização. Nele é utilizado o estilo neoclássico, de grande repercussão na corte desde meados do século XIX; a azulejaria nas fachadas, inclusive na platibanda que é coroada com vasos brancos e compoteiras lhe é particular e incomum em terras paulistas; o uso do ferro nas sacadas e nas bandeiras; pisos internos em madeira ricamente marchetadas; ricas pinturas murais internas são alguns dos elementos arquitetônicos que valorizam o edifício. O casario urbano do Barão de Itatiba, o Palácio dos Azulejos, residência da família consEnsaios Científicos| 131


truída no auge da formação e sua fortuna, encontra-se tombado desde 1967 pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), e logo nos anos que se seguiram pelo CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio His-tórico, Arqueológico e Artístico do Estado de São Paulo) e CONPEPACC. Hoje este edifício pertence à Prefeitura Municipal de Campinas e abriga o Museu de Imagem e do Som (MIS). Atualmente, a casa senhorial rural do Barão de Itatiba, Fazenda Duas Pontes, utilizado hoje como Hotel Fazenda Solar das Andorinha, encontra-se tombado, des-de 1994, pelo Patrimônio Histórico municipal (CONDEPACC - Conselho de Defesa do Patrimônio Cul-tural de Campinas). Infelizmente, os dois casarios senhoriais, Fazenda Duas pontes e Palácio dos Azulejos, objetos deste estudo, possuem seus patrimônios ameaçados pelas dificuldades no processo de manutenção, reutilização e preservação dos mesmos.

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AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer em primeiro lugar a minha orientadora a Prof. Dra. Ivone Salgado por toda dedicação e paciência durante toda a extensão da nossa pesquisa de iniciação científica, por todo carinho e exce-lente orientação proporcionada por ela durante esse um ano. Em segundo, agradecer a diretoria e administração do Hotel Fazenda Solar das Andorinhas que nos proporci-onou uma visita de campo e informações que agregaram a pesquisa. E por fim agradecer, de modo geral, a todos que contribuíram de forma direta ou indireta no decorrer da nossa pesquisa, focando em um bom resultado.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [1] TONON, Maria Joana, Palácio dos Azulejos: de residência à Paço Municipal, 1878- 1968. Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de História Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas sob a orientação da Profª Dra. Cristina Meneguello, 2003. [2] PUPO, Celso Maria de Mello. Campinas, Município Império, 1983. [3] DOCENTES E PESQUISADORES, ex- alunos da Unicamp, coleção de livros Sesmarias, Engenhos e Fazendas: Ar raial dos Souzas, Joaquim Egídio, Jaguary (1792 -1930), 2016. [4] BRAGA, Danilo Augusto Teixeira. Fazenda Duas Pontes a Solar das Andorinhas: sua história, produção e seus ilustres proprietários. [5] PUPO, Celso. Maria de Mello.Campinas, seu berço e juventude. Academia Campinense de Letras, Campinas, 1969. [6] SILVA, Áurea Pereira. Engenhos e Fazendas de café em Campinas (séc. XVIII – séc. XX). Anais do Museu Paulista. São Paulo. N. Sér. V. 14 n. 1. P. 81-119. Jan-jun. 2006.

Vitória Ribeiro 8º semestre Arquitetura e Urbanismo PUC Campinas Profª Drª Ivone Salgado Faculdade de Arquietura e Urbanismo e PÓSURB + ARQ PUC Campinas

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EU MORO, TU MORAS, NÓS MORAMOS: DIGNAMENTE?

Estudo de caso sobre os conjuntos habitacionais: Jardim Elite e Heliópolis - Gleba G, em São Paulo, SP - Brasil.¹

Dayanna Klécia da Silva Barbosa

INTRODUÇÃO O presente trabalho analisa o processo de concepção e implantação dos conjuntos habitacionais: Jardim Edite e Heliópolis - Gleba G, construídos em São Paulo - SP, de modo a refletir sobre a qualidade projetual e a participação comunitária no processo. As análises são apoiadas em informações obtidas a partir de artigos acadêmicos e teses. Primeiramente será tomado como base um breve histórico do processo de provisão da habitação de interesse social no Brasil para melhor compreensão dos conjuntos habitacionais em análise. Tratar sobre habitação popular no Brasil é recente e não há precisão do início de seus estudos. Fraga (1999, p. 416), sobre a preocupação com a temática, afirma que “até as duas primeiras décadas do século XX, a questão central era a insalubridade da moradia popular, e a preocupação do poder público estava direcionada para garantir as condições sanitárias da habitação popular, com o objetivo de impedir a propagação de epidemias.” Posteriormente, na década de 30, com o Ensaios Científicos | 134

Estado Novo (1937-1945) e a valorização do trabalhador pelo Governo Federal, aplicam-se diversas medidas de apoio à habitação popular. Segundo Bonduki, (2002), na ditadura de Vargas - período compreendido entre 1930 e 1945 - a questão sanitarista deixa de ser prioridade e surgem temáticas convenientes com o projeto nacional-desenvolvimentista da época. É durante esse período também, que surge a primeira instituição pública de investimento na questão habitacional, os Institutos de Aposentadoria e Pensão - IAPs, com a finalidade de proporcionar benefícios previdenciários e assistência médica aos seus associados. Como também, é instituída a Lei do Inquilinato, na qual desestimula o aluguel e incentiva os trabalhadores a ter sua casa própria (RUBIN; BOLFE, 2014, p. 201). Já em regime ditatorial militar (1964-1985), o país recebe políticas habitacionais importantes, como o Banco Nacional da Habitação (BNH), extinto ¹ Este artigo é produto de um seminário acadêmico produzido e explanado na disciplina de Sociedade, Desenvolvimento e Meio Ambiente, no curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Alagoas, no semestre de 2017.1.


em 1986, objetivando a construção de moradias para a população baixa renda. A partir de então e com a contínua luta de movimentos sociais, instauram-se outros programas habitacionais e novas leis para garantia do uso social da propriedade, mesmo não suprindo o atual déficit habitacional quantitativo de 6 milhões e o déficit habitacional qualitativo de 12 milhões de moradias (Fundação João Pinheiro, 2015). Diante das várias lutas por moradia, individuais e coletivas, que se tem informações no Brasil, destacam-se aqui os casos dos conjuntos habitacionais: Jardim Edite e Heliópolis - Gleba G, construídos em São Paulo - SP. O CASO DE HELIÓPOLIS Segundo Soares (2011) a área onde hoje configura-se a favela Heliópolis (figura 1), foi adquirida em 1942 pelo Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários - IAPI, com o objetivo de construir residências para os associados ao Instituto e em 1967 vende-se uma área de 423.731m para a Petrobras. Posteriormente entre 1971 e 1972, são alojadas 153 famílias, pela prefeitura de São Paulo, após um movimento de desocupação da favela de Vila Prudente, em caráter provisório. Em 1978, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo - SABESP, adquire uma parte do território para a construção da Estação de Tratamento de Esgotos onde permanece até hoje. Desde então, a população cresceu e se desenvolveu através de lutas populares organizadas dentro de toda favela Heliópolis, pelo movimento Unas2 e outras lideranças.

Figura 1: Mapeamento da favela de Heliópolis, São Paulo - SP. Fonte: Adaptado de: http://mapab.habisp.inf.br/, 20052017. 2 Unas: União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região.

Para entender o movimento de luta por moradia dentro do conjunto, é importante destacar o relato da então presidente do Unas, Antônia Cleide Alves, no documentário “Heliópolis História do bairro de São Paulo/SP”: A nossa luta mesmo de organização começa nos anos 80. Na verdade, com a grande crise de desemprego que o nosso país naquele período atravessa, o pessoal começa a ocupar área vazia e aí a gente se organiza para poder permanecer nesse local aqui. Em 86 a gente consegue fazer com que a prefeitura compre essa área, foi na época do Jânio Quadros. Então nossa luta mesmo inicial pela luta da moradia. (...) Anos 90 a gente percebe que o morar não é só a casa. Que morar vem casado com a questão da cultura, com a questão do teatro que é um grande transformador, a educação… É um período que as mulheres precisam ir trabalhar fora, então na verdade, as crianças ficam na rua e aí a gente vai buscar creches e aí é quando a gente começa a buscar esses projetos voltados pra educação, pra cultura. A partir dos anos 2000 a gente tem batido nessa tecla, nesse sentido, que a gente quer ser incluído enquanto bairro. (ALVES, 2013) Em 2011, através do Programa de Reurbanização de Favelas da Prefeitura do Município de São Paulo, promovido pela Secretaria de Habitação - SEHAB, a população do território da Gleba G ganha a construção de um conjunto habitacional, idealizado pelo escritório Biselli Katchborian Arquitetos Associados, em uma construção que dura três anos, sendo inaugurado em 2014 (figura 2). Em um terreno de 12.000m² e área construída de 31.329,60m², o projeto apresenta-se com 420 unidades habitacionais, de 50m² cada, com 3 tipologias diferentes (figura 3), objetivando atender a famílias de 5 a 11 pessoas e portadores de necessidades especiais - cadeirantes. Os arquitetos responsáveis pelo projeto solucionam o número de unidades requeriEnsaios Científicos| 135


térreos, como também a assimilação direta dos moradores ao bloco que reside (figura 4 - b). O conjunto de esquadrias foram dispostos de modo que, abertas ou fechadas, fazem com que a fachada nunca se apresente contínua e semelhante (figura 4 - c). A apropriação dos desníveis naturais e a criação das passarelas-pontes permitem a construção de oito pavimentos sem a utilização de elevadores (figura 4 - d). Figura 2: Fotomontagem do pátio interno do conjunto habitacional Heliópolis - Gleba G. Fonte: Helm, 2011.

dos com a verticalização e o orçamento limitado contribui para a não utilização de elevadores. Aplica-se então uma estratégia projetual na qual são determinados diferentes térreos ao longo dos pavimentos, identificados por cores diferentes, permitindo de acordo com a lei vigente no Estado, a não utilização de elevadores em até 5 pavimentos acima do térreo. Também como estratégia projetual, utilizam-se como inspiração as quadras europeias, Figura 4: Análise dos elementos arquitetônicos externos do conjunto habitacional Heliópolis - Gleba G. Fonte: Adaptado de: Archdaily, 2011.

O CASO DE JARDIM EDITE

Figura 3: Divisão de cômodos por uso do conjunto habitacional Heliópolis - Gleba G. Fonte: Adaptado de: Archdaily, 2011.

com pátios internos e privilegiando os recuos, de interesse dos moradores, sem fluxo de carros e com espaços de convivência coletiva (figura 4 - a). As cores possuem significados importantes: identidade ao lugar e seus habitantes, demarcação das entradas dos bloco e pavimentos Ensaios Científicos | 136

Segundo Lacerda Júnior (2016), o bairro onde hoje encontra-se o conjunto Jardim Edite, teve início por volta de 1900, decorrente de uma parada de bonde elétrico que ligava os municípios de São Paulo e Santo Amaro. Posteriormente, em 1933, com a construção da autoestrada Washington Luís, estabelece-se a conexão entre o centro da cidade e o novo bairro, dando início a uma nova dinâmica de ocupação. Entre 1940 e 1970, com a retificação do Rio Pinheiros, intensifica-se o desenvolvimento industrial e a Cia. Light, proprietária da área, promove o loteamento e venda de terras, dando início ao processo de urbanização da área. Nasce em 1970 a favela Jardim Edite (figura 5), ocupando a área da várzea do Rio Pinheiros. Em 2005 com a construção de ponte estaiada e a criação do Programa de Urbanização de Favelas (PUF), pela Secretaria de Habitação - SEHAB, dá-se início a um processo de desocupação da favela por parte dos órgãos públicos gestores, que desapropria 199 famílias. Em 2007 mais 700 famílias deixam a favela após um incêndio.


Para melhor compreensão do processo de conquista desse conjunto habitacional, é importante ressaltar o depoimento do então presidente da Associação de Bairros, Gerôncio Henrique Neto, no documentário que leva seu nome, produzido pelo Museu da Pessoa:

Figura 5: Mapeamento da favela de Jardim Edite, São Paulo - SP. Fonte: Adaptado de: http://mapab.habisp.inf.br/, 2005-2017.

A nossa luta mesmo de organização coEm 2001 a Marta Suplicy como prefeita, fez a operação urbana. Que a Marta tinha um projeto na Câmara Municipal para urbanizar todas as favelas da operação urbana daquela região e dá direito de tudo permanecer no local. O projeto era moradia, saúde e educação e trabalho, isto tá no estatuto. Que não só moradia a gente precisa, a gente precisa trabalhar em alguma coisa. (...) Dentro daquela operação urbana a gente tinha o direito de permanecer no local, só que aí veio o DER e queria tirar, mesmo com a operação urbana. (...) A Marta deixou começada a obra

do Jardim Edite já pra fazer em 2003. Já tava feito o projeto. Só que quando o outro governo entrou, o Serra, esqueceu isso. Só existia a ponte pra ele. Tinha o projeto da ponte e das unidades, esqueceu das unidades. O próprio vereador que aprovou a operação urbana falou pra mim: vocês não vão conseguir, foi aprovado, mas vocês não vão conseguir porque a força da imobiliária é maior. Quer dizer, foi uma luta muito difícil pra conseguir aquilo ali. (...) Foi quando entrei na justiça. ( HENRIQUE NETO, 2010) A construção do projeto foi realizada através do Programa de Reurbanização de Favelas da Prefeitura do Município de São Paulo, promovido pela Secretaria de Habitação - SEHAB e idealizado pelos escritórios MMBB Arquitetos e H+F Arquitetos, em uma construção que dura dois anos, sendo inaugurado em 2010 (figura 6). O Conjunto Habitacional Jardim Elite localiza-se na convergência das Avenidas Jornalista Roberto Marinho e Engenheiro Luís Carlos Berrini, em um dos bairros mais ricos de São Paulo. Em um terreno de 18.000m² e área construída de 25.714m², o projeto apresenta-se com 252 unidades habitacionais, de 50m² cada, com 2 tipologias diferentes (figuras 6 e 7) divididas em dois volumes arquitetônicos: i) vertical, com 17 pavimentos e elevador, ii) horizontal, com 4 pavimentos e escada. Além dos elementos residenciais, conta com 3 equipamentos públicos: restaurante escola, unidade básica de saúde e creche, atendendo aos moradores e comunidade circunvizinha.

Figura 6: Representação digital do conjunto habitacional Jardim Edite. Fonte: Archdaily, 2013.

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Figura 7: Divisão de cômodos por uso do conjunto habitacional Jardim Edite. Fonte: Adaptado de: Archdaily, 2013.

ANÁLISE E DISCUSSÃO Como método de análise dos conjuntos, são abordados os quesitos: i) participação popular e ii) elementos arquitetônicos aliados às necessidades dos usuários. Sendo assim, percebe-se que: i) ambos os conjuntos possuem uma grande luta popular por moradia e permanência nos territórios. No conjunto habitacional Heliópolis, os moradores cresceram de tal forma, que se organizaram politicamente para conseguir direitos como: inserção da favela como bairro, equipamentos públicos de assistência ao morador, áreas de lazer e melhorias estruturais. No conjunto habitacional Jardim Edite, o feito se repete mesmo que em um território menor. A organização e mobilização dos moradores, dão a eles a chance de permanecer em um território Ensaios Científicos | 138

elitizado e com infraestrutura adequada. Sendo assim, é importante ressaltar o poder de uma comunidade organizada e em busca de seus direitos, para uma sociedade desenvolvida e adequada à todos. ii) no conjunto habitacional Heliópolis - Gleba G, os elementos arquitetônicos utilizados como: verticalidade, pátio interno com uso de passagem e lazer, estrutura metálica e dinamicidade das fachadas com elementos de esquadria e cores, trazem ao projeto um olhar mais sensível aos usuários de baixa renda, que em sua maioria, no Brasil, recebem um serviço de má qualidade. Além disso, a preocupação com a adaptação aos portadores de necessidades especiais demonstram ainda mais a atenção dada a esses usuários, que não deve ser tratada como excepcional, mas que é pouco visto em conjuntos habitacionais para população baixa renda. Porém, ao se analisar a tipologia do apartamento frente à demanda do número de moradores, observa-se que há deficiência de espaço para


atendê-los. Em uma família que varia de 5 a 11 pessoas, têm-se um espaço de 50m² com apenas 2 quartos, o que resulta em uma área de 10m² por pessoa e no máximo 4,5m² por pessoa, para transitar em um mesmo ambiente. No conjunto habitacional Jardim Edite, os elementos arquitetônicos utilizados como: verticalidade com uso de elevador, fachada com brises para proteção de insolação, inserção de equipamentos públicos, aproveitamento interior de elementos da fachada como mobiliário, aproveitamento de iluminação e ventilação naturais - sendo esta cruzada, áreas destinadas ao lazer e locação dos ambientes em posições favoráveis ao conforto térmico, demonstram o olhar mais criterioso dos arquitetos ao oferecer uma moradia de qualidade, independente da sua renda. É importante destacar a localização do mesmo, onde a estética do edifício se adequada à paisagem circundante, de edificações para usuários de maior poder aquisitivo. Vale destacar também, a inserção dos equipamentos públicos - restaurante escola, creche e unidade básica de saúde - pois dão aos moradores e à comunidade circunvizinha, o direito a se capacitar, deixar as crianças na creche enquanto os adultos trabalham e uma unidade de saúde próxima que não precisam se deslocar há muita distância, para utilizá-lo. Ao se falar de verticalidade, tem-se um claro exemplo de que podem ser utilizados elevadores para esse perfil de população mesmo que seja um equipamento que exija permanente manutenção. O ponto negativo, da mesma forma que o conjunto Heliópolis, consiste no tamanho do apartamento para o perfil da população, que tem em sua maioria mais de 3 residentes, em um espaço curto de 50m².

É necessário um olhar mais criterioso e aberto a novas práticas e parcerias, como no caso dos dois conjuntos aqui tratados, a de PP - Público Privado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS A temática da habitação social ainda é muito negligenciada no Brasil, principalmente no quesito da qualidade de projetos arquitetônicos e urbanos. É preciso repensar as práticas construtivas e políticas, respeitando o direito à moradia e dando à população mais do que abrigo, mas também dignidade e bem-estar, pois não se trata apenas de habitação, mas sim de cidade. De modo amplo, conclui-se que existem meios possíveis para construção de conjuntos habitacionais dentro do âmbito urbano e até mesmo onde os moradores já vivem, com infraestrutura próxima e adequada, como é o caso dos conjunto habitacionais estudados. Ensaios Científicos| 139


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, Antônia. Heliópolis - História do bairro de São Paulo / SP. 4:44 a 6:20. 2013. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=p7Z7WNEjnzs&t=413s> Acesso em 16 setembro 2017. BONDUKI, Nabil. Origens da Habitação Social no Brasil. Análise Social, V. XXIX (3.o), 1994 (n.o 127), p. 711-732. Disponível em <http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1223377539C9uKS3pp5Cc74XT8.pdf> Acesso em 23 fevereiro 2018. Conjunto Habitacional do Jardim Edite / MMBB Arquitetos + H+F Arquitetos. 2013. Disponível em <http://www.archdaily.com.br/134091/ conjunto-habitacional-do-jardim-edite-slash-mmbb-arquitetosplus-h-plus-f-arquitetos> Acesso em 20 setembro 2017. DELAQUA, Victor. SEHAB Heliópolis / Biselli Katchborian Arquitetos​. 2014. Disponível em < http://www.archdaily.com.br/br/625377/ sehab-heliopolis-biselli-katchborian-arquitetos> Acesso em 16 setembro 2017. FRAGA, Estefania. Eu tenho onde morar? A Habitação Social no Brasil. ​Revista PUC, São Paulo, V. 18, 1999, p. 413418. Disponível em <https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/11013/8133> Acesso em 16 setembro 2017. HELM, Joanna. HIS - Conjunto Heliópolis Gleba G / Biselli + Katchborian Arquitetos. 2011. Disponível em <http://www.archdaily.com.br/br/0116929/his-conjunto-heliopolis-gleba-g-biselli-mais-katch-borian-arquitetos> Acesso em 16 setembro 2017. LACERDA JÚNIOR, A. Habitação de Interesse Social: JARDIM EDITH da favela ao conjunto residencial​. 2016. 155 f. Tese (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) , Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, 2016. HENRIQUE NETO, Gerôncio. Gerôncio Henrique Neto​ . 2010. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=XjMm1VEFvPQ> Acesso em 21 setembro 2017. RUBIN, G., BOLFE, S. Ciência e Natura, v. 36 n. 2 mai-ago. 2014, p. 201–213. SOARES, Cláudia. A história de Heliópolis (anotações de pesquisa do mestrado)​. 1991. Disponível em <http://www.espiral.fau.usp.br/e-arquivos-projetos/heliopolis/heliopolis.pdf> Acesso em 16 setembro 2017.

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Dayanna Klécia da Silva Barbosa 8º semestre - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade Federal de Alagoas.

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TRATAMENTO DE EFLUENTES: do higienismo ao ecologismo

Este trabalho problematiza a adoção de sistemas convencionais de tratamento de efluentes como solução predominante nas cidades brasileiras. Inicia com um breve histórico sobre os sistemas de saneamento e levanta questionamentos relativos à inserção das ETEs (Estações de Tratamento de Esgotos) no meio urbano. Objetiva-se apresentar e divulgar o saneamento ecológico com definições e exemplos, de modo a demonstrá-lo como uma possibilidade complementar, ou até substitutiva, aos sistemas de tratamento de efluentes convencionais.

Abrir e fechar uma torneira é um ato naturalizado no meio urbano. Num único dia, pode ser realizado pela mesma pessoa dezenas de vezes, sem haver qualquer reflexão específica sobre o quão estupendo é obter água potável com tal grau de facilidade. Assim, de forma mecânica, a torneira é aberta sem qualquer questionamento sobre como a água chegou ali e nem para onde ela vai quando desce pelo ralo. O ato em si recebe pouca atenção, embora as atividades realizadas cotidianamente com água sejam inúmeras. O foco de atenção costuma repousar no que se está fazendo com a água e não na viabilização pelo sistema de encanamentos. Se pouco pensamos na maneira em que a água chega a nós, menos ainda consideramos o que acontece com ela depois que a utilizamos, não é mesmo? Entretanto, não há momento mais urgente do que o agora para colocarmos esta reflexão em pauta. Neste sentido, vamos observar mais de perto como lida-se com a água após sua utilização. Não cabe aqui colocar à prova os métodos de obtenção, pois é indiscutível que o acesEnsaios Científicos | 142

Beatriz Martins Arruda

so à água potável é necessário para a sobrevivência. Maravilhados que ainda estamos com o advento da torneira, o foco da atenção deste ensaio será o ralo e tudo que vem depois dele. Para começar, deve-se esclarecer de antemão a expressão “efluentes”. Genericamente, esta refere-se ao resíduo líquido produzido em decorrência das atividades humanas nas residências, comércios e indústrias. Os efluentes são lançados ou nas redes de captação ou diretamente nos cursos d’água, lagos e aquíferos, com ou sem tratamento prévio. Isto posto, cabe refletir, primeiro, sobre a destinação e as formas de processamento dos efluentes oriundos do meio urbano. Em seguida, apresentam-se algumas tecnologias de tratamento de efluentes que miram a sustentabilidade ambiental de modos menos convencionais. Os sistemas urbanos de esgoto são formados, grosso modo, por um conjunto de estruturas hidráulicas arranjadas em rede que capta os efluentes dos locais onde são gerados e encaminham-nos para as Estações de Tratamento de Esgotos (ETEs). A origem desses sistemas remonta às estratégias utilizadas pe


las sociedades industriais da era moderna para conter a proliferação de doenças transmissíveis pela água no ambiente urbano. O surgimento das fábricas estimulou uma rápida e desordenada concentração populacional e os detritos eram lançados nas vias de circulação, no flume mais próximo ou, na melhor das hipóteses, ao menos os dejetos humanos eram depositadas em fossas. Tais práticas colaboraram para a contaminação das fontes de águas superficiais e subterrâneas das quais a nova população urbana se abastecia. Este cenário tornava-se mais grave quando ocorriam inundações ou enchentes, situações em que os efluentes misturavam-se às as águas de chuvas acumuladas na cidade e favoreciam os surtos epidêmicos. Assim, a chamada abordagem higienista (TUCCI, 2008) criou sistemas de dutos e canais para captar e afastar rapidamente tanto as águas de chuvas, visando evitar alagamentos, quanto os esgotos, que eram transportados para longe das aglomerações populacionais. Tais obras tiveram imediato impacto positivo sobre as taxas de adoecimento e de mortalidade. Porém, no longo prazo, percebeu-se que a simples transferência dos poluentes para jusante dos mananciais urbanos não oferecia solução suficientemente eficaz. Referente ao combate às epidemias, a contínua impermeabilização do solo em decorrência da expansão ilimitada da malha urbana aumentou o volume de água e a velocidade de escoamento nos canais, gerando sobrecarga nos sistemas e condições para novas enxurradas e alagações. Além disso, o aumento populacional, notadamente após o fim da Segunda Guerra Mundial, resultou também num maior volume de efluentes, dificultando processos naturais de diluição e depuração dos rios e córregos receptores, evidenciando, portanto, a contaminação das águas. A sensibilização aos problemas ambientais emerge com mais força a partir dos anos 1960, colaborando para novas ações em saneamento urbano. A aprovação da Lei de Água Limpa (Clean Water Act) nos Estados Unidos em 1970 marcou o início da chamada fase corretiva das águas urbanas (TUCCI, 2008). A partir desta lei, foram aportados grandes investimentos financeiros para tratar efluentes domésticos e industriais previamente ao despejo dos mesmos nos cursos d’água, com vistas a impedir maiores degradações das fontes de abastecimento urbano. Doravante, tecnologias específicas para o tratamento de esgotos passaram a ser aplicadas em grandes complexos estrategicamente instalados para receber os

efluentes captados, numa tática centralizadora dos processos de salubrificação. Originaram-se aí as já mencionadas ETEs, ou também denominadas Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETARs). Nestes complexos, desenvolvem-se sofisticados processos químicos, normalmente com elevado grau de mecanização e alto consumo de energia para restabelecer certo grau de qualidade às águas antes de descarregá-las no meio receptor. Conjuntamente, observou-se a necessidade de rever as estratégias de drenagem a fim de minimizar o grande volume de águas pluviais que, sendo rapidamente direcionadas aos canais, excediam, com frequência cada vez maior, a capacidade dos sistemas já instalados. Para este propósito, foram desenvolvidas obras hidráulicas orientadas ao amortecimento da carga pluvial, ou seja, o foco na construção de canais que aceleram o escoamento foi alterado para obras que controlam o volume de pico, retardando o tempo de passagem das águas por todo o sistema, de modo a preservá-lo dos transbordamentos. Cabe observar que esta fase não considerava, ainda, o tratamento das águas pluviais, o que logo seria objeto de atenção, em virtude da poluição difusa percebida no escoamento superficial, que carrega consigo os resíduos existentes em seu decurso. Embora maiores avanços na compreensão e na lida com os problemas ambientais a partir da década de 1990 já tenham implicado em alterações significativas nas técnicas de saneamento empregadas em várias cidades de países europeus e da América do Norte, a abordagem da questão sanitária urbana no Brasil pouco avançou nesse sentido. No exterior, várias cidades já abrigam bons exemplos de saneamento ecológico, tais como: Estocolmo (Suécia), Viena (Áustria), Copenhagen (Dinamarca), Budapeste (Hungria), Honfleur (França), Arcata e o Condado de Orange (ambos na Califórnia, EUA). Em contraste, verifica-se, em nosso país, a prevalente persistência em estratégias situadas entre as fases higienista e corretiva, enquanto propostas mais contemporâneas podem ser encontradas somente em algumas poucas locali

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dades. Por aqui vale destacar as cidades fluminenses de Araruama, Saquarema e Silva Jardim, que tratam seus efluentes conjuntamente utilizando cinco ETEs, das quais duas utilizam sistema do tipo wetlands construídos. O sistema geral recebe efluentes mistos (águas pluviais e esgoto misturados) e é capaz de processar 200 litros por segundo. Atualmente, é o maior exemplar brasileiro no tratamento ecológico de grande porte. O uso de estações ecológicas para tratamento de efluentes no Brasil tem encontrado maior aplicação em pequenas comunidades, condomínios e parques industriais do setor agrícola. Enquanto isso, a urbanização brasileira segue expandindo, apoiada em sistemas hidrossanitários de baixa eficiência e ausentes de estratégias de reuso de água, acompanhados de vasta impermeabilização das superfícies e construção de canais artificiais (SOUZA; CRUZ; TUCCI, 2012), por meio de redes pouco confiáveis, com altos índices de vazamentos. De acordo com o diagnóstico apresentado no Plano Nacional de Saneamento Básico, a média de perdas no transporte de efluentes no país atinge 39% (BRASIL, 2016), configurando uma ampla fonte de poluição de solos e de águas subterrâneas invisível aos nossos olhos. Tendo em vista o exposto, o aspecto típico de uma ETE está ilustrado nas figuras 1 e 2. Este tipo de estrutura ocupa uma área de dimensões consideravelmente grandes, mas é pouco convidativa à visitação e, normalmente, produz fortes odores de difícil e dispendiosa neutralização. É por isso que estas instalações normalmente estão localizadas a uma certa distância dos loteamentos urbanos. Quando não o são, sujeitam os moradores de suas proximidades ao permanente desafio de permanecer dentro de casa ou fazer uma refeição e, não raro, há relatos de desconfortos como dores de cabeça, náuseas e vômitos devido ao mau cheiro. São numerosas as reportagens na televisão, mídia impressa e virtual que documentam essa incômoda realidade vivida por pessoas em todo o Brasil, em cidades de qualquer porte e situação econômica que se possa imaginar. Uma busca simples no portal de notícias G1 (http://g1.globo.com/) realizada em 22 de novembro de 2016 com a frase “estação tratamento de esgoto mau cheiro” resultou em centenas de reportagens. Ensaios Científicos | 144

Figura 1: ETE em Franca, SP, Brasil.

Figura 2: ETE em Londrina, PR, Brasil. Fonte: <http://meioinfo.eco.br/cidades-exemplos-saneamento-basico/>.

Portanto, uma ETE não parece ser o lugar mais adequado para um passeio no final de semana, certo? Mas poderia ser. Na verdade, já é uma realidade em alguns locais, como mostram as figuras 3 e 4. Na figura 3 observa-se um projeto de wetlands (alagados) construídos para saneamento ambiental em nível municipal, agregado à restauração ecológica do manancial urbano, o rio Shuicheng, cujas águas, margens e entorno próximo encontravam-se degradados antes da implantação do projeto. Esta obra exemplifica o planejamento integrado entre os níveis micro e macro, que agregou um parque público ao


projeto de saneamento e de recuperação do rio. Trabalhou-se desde a escala urbana para integrar o complexo sanitário à paisagem até os diferentes espaços de convívio espalhados pelo parque, integrados aos tanques de filtragem e aos variados volumes vegetais que marcam cada fase de purificação dos efluentes. Já a figura 4 ilustra um projeto de saneamento em nível local, numa instituição educacional, utilizando o sistema living machine (máquina viva). Este projeto buscou a integração ao terreno e à paisagem, criando jardins ao redor do edifício existente, sem comprometer a vista apreciável. A foto mostra o sistema recém instalado que ficará mais colorido e robusto com o tempo, conforme as plantas crescerem, alimentadas pelos nutrientes extraídos no tratamento.

Figura 3: Minghu Wetland Park em Liupanshui, Província de Guizhou, China. Fonte: <https://inhabitat.com/turenscapes-regenerative -wetland-park-cleans-up-a-post- industrial-landscape-in-china/>.

Vejamos, agora, como isso é possível. Partiremos do entendimento de que o esgoto é recurso, não é dejeto. Entende-se por “recurso” aquilo que serve para alcançar um fim, um meio. Os recursos aqui representam o conjunto de meios disponíveis na natureza que nos possam ser úteis. Os dejetos representam a sujeira, o detrito, o lixo, o excremento, tudo aquilo que é descartável, não possui mais utilidade. Os efluentes gerados nas atividades humanas podem ser encarados como algo aproveitável, útil, rentável, apreciável e, portanto, desejável. Como já observamos, a prática convencional de abordar o saneamento focaliza as ações na construção de redes físicas de captação, uso e afastamento rápido, valendo-se da água como meio de descarte de resíduos e convertendo os rios em canais de drenagem. Nas ocasiões em que há o devido processo tratamento, um grande volume necessita ser reunido nas fontes produtoras (residências, por exemplo) e direcionado para uma grande instalação, que esteja localizada a uma certa distância mínima desejável dos loteamentos urbanos. As ETEs, para onde são direcionadas, são infraestruturas caras, incômodas e que criam espaços de isolamento no território, configurando um lugar que é urbano, mas que não desperta interesse em ser frequentado pelas pessoas. Além disso, no Brasil, as redes de infraestruturas de transporte são de baixa confiabilidade, sendo importante pensar em melhorias para o desempenho dos sistemas de condução. Em contrapartida, coloca-se como igualmente relevante repensar a necessidade de transporte, principalmente, de efluentes por longas distâncias, já que perdas de resíduos líquidos pelo caminho implicam diretamente em contaminação de solos e lençóis freáticos. As figuras 5 e 6 abaixo ilustram outras possibilidades para as ETEs, na forma de enxergá-las, concebê-las, construí-las e interagir com elas. A figura 5 é uma living machine que opera no interior de uma estufa, tendo sido projetada para uma instituição educacional de localização isolada, ou seja, sem conexão com redes públicas de esgoto. Na figura 6 pode-se observar uma bacia de evapotranspiração (BET) junto a uma residência, viabilizando, ao mesmo tempo, a autonomia familiar no tratamento de seus efluenEnsaios Científicos| 145


tes e o provimento de plantas alimentícias, enriquecendo a pequena paisagem doméstica do jardim. No conjunto, as 6 imagens selecionadas demonstraram a aplicação do saneamento ecológico em variadas escalas, indo desde uma relação local e direta entre pessoa e processo em sua residência até parques públicos de lazer, numa relação mais harmoniosa entre cidade e meio ambiente no âmbito urbano.

Figura 5: Living machine confinada em estufa, Old Trail School, Bath, Ohio, EUA. Fonte: <http://livingmachines.com/Portfolio/Schools-Universities/Old-Trail-School,-Bath,- OH.aspx>.

Figura 6: Bacia de Evapotranspiração (BET) ou Fossa de Bananeiras em residência. Fonte: <http://www.ecoeficientes.com.br/bet-faca-voce-mesmo/>.

Pensar ecologicamente é considerar os processos buscando sua contínua renovação, de modo a colaborar com a prosperidade dos sistemas. Na contramão deste ideal está a entropia, um conceito acerca dos processos de desagregação. Então, o processo é entrópico quando a organização de um sistema tende a desfazer-se, Ensaios Científicos | 146

indo de um estado complexo para um simples. Enquanto os metabolismos são sistemas entrópicos em si, os seus elementos desincorporados podem servir a outros sistemas de forma vantajosa. Nessa perspectiva, o pensamento sintrópico encara os processos como oportunidades de induzir nos sistemas um balanço energético positivo pela assimilação de um recurso externo ao sistema. Busca, assim, otimizar o uso dos resíduos entrópicos e favorecer à sintropia. Ernst Göstch (1997) conceituou a sintropia a partir da observação dos sistemas florestais. Em seu trabalho, encoraja a prática de uma agricultura sintrópica, que colabore para o florescimento de um sistema, seja o de um vaso, seja o de uma mata. Desenvolve os chamados SAF, sistemas agroflorestais, nos quais a produção de alimentos é associada à dinâmica da floresta, numa agricultura integrada e limpa (sem agrotóxicos, sem desmatamentos ou queimadas, etc.). Muito se fala das relações entre saneamento básico e saúde. Entretanto, cabe aqui acrescentar que o saneamento ecológico gera outras variadas externalidades positivas quando comparado ao sistema de tratamento de esgotos convencional, ou seja, permite amplificar os benefícios do saneamento básico para além da sanitização. O conceito de sintropia descrito anteriormente dialoga com os esforços de ação próprios do saneamento ecológico, a partir dos quais desempenha nos ecossistemas a incorporação de recursos materiais aos ciclos de energia bioquímicos, buscando sempre gerar mais energia em forma de vida. Os projetos prevêem, além do necessário tratamento do esgoto para sua adequada disposição, também outras utilidades como: a produção de alimentos, flores, matérias-primas, ou a criação de espaços verdes nos quintais e espaços públicos, ou até um lago com peixes, por exemplo. Na perspectiva do saneamento ecológico, pode-se dizer que os efluentes constituem, então, não mais dejetos, mas recursos preciosos que são desperdiçados a cada acionamento de descarga, a cada metro cúbico de esgoto jogado fora. Além da perda de oportunidade de aplicação destes recursos em várias frentes, o não aproveitamento leva, muitas vezes, ao descarte indevido na Natureza. Os recursos, nesse caso, podem ser chamados de poluentes, contaminantes e outras nomeações que denotam o caráter inconveniente de sua existência no meio em que se encontram. Quando não são adequadamente assimilados, os poluentes desequilibram os sistemas que passaram a integrar, desencadeando processos negativos para o


meio ambiente. A teoria do Berço ao Berço (do inglês, Cradle to Cradle, C2C) desenvolvida por McDonough e Braungart (2014) argumenta em favor da elaboração de processos produtivos incorporando aos projetos a gestão dos resíduos decorrentes da produção de modo que, ao final, não sejam gerados resíduos, mas recursos que podem ser úteis ao próprio processo ou a outros, com finalidades diversas. Nesta lógica, pode-se atuar no design da produção para aumentar a eficiência do sistema quanto ao desperdício material e energético, bem como reduzir e, preferencialmente, evitar danos ambientais. Pressupõe-se que um sistema efetivo é aquele cujo processo é completo, que tende a minimizar o que é descartável a zero e otimizar o que é útil ao máximo. Essa atitude inspiradora pode ser traduzida para o saneamento básico com o uso de tecnologias pautadas no pensamento ecológico, na sintropia e no C2C. Tanto quanto a implantação dos sistemas e seus benefícios, é importante garantir a manutenção e a restauração contínua para que mantenham-se sempre em condições de adequada resiliência. Resiliência é um conceito da Ecologia que, na perspectiva do pensamento sistêmico, vem sendo aplicado em diferentes áreas da ciência. Refere-se à capacidade de um sistema não colapsar quando atingido por fatores externos, ou seja, absorver as mudanças provocadas de modo a não comprometer o funcionamento de seus processos internos e recuperar-se do abalo (BRASIL, 2015). Para os sistemas de saneamento, a resiliência é um objetivo a perseguir em dois sentidos. Por um lado, o de resistir aos distúrbios extremos, como situações de fortes chuvas, que sobrecarregam os sistemas, causando enchentes e alagamentos, por exemplo. Por outro, o de o sistema manter sua robustez sob um processo de transformação, como é o caso do aumento de demandas pelos serviços por conta do crescimento populacional urbano ou da escassez dos recursos hídricos para abastecimento. O saneamento ecológico, em muitos casos, não depende de uma grande rede de infraestrutura para operar, podendo ser implantado localmente, de modo que agrega versatilidade à resolução dos problemas relativos aos esgotos e à drenagem. Mostra-se uma oportunidade de descentralização do tratamento de forma a reduzir custos de implantação de sistemas de transporte de efluentes, bem como custos de manutenção dos mesmos. A adaptação nos modos de tratar os dejetos pode colaborar, também, para aumentar a resili-

ência de outros sistemas, como o de abastecimento de água (supressão de fossa negra ou esgoto a céu aberto que contaminam as fontes), de produção de água (com diferentes graus de pureza, conforme a sofisticação do sistema de tratamento adotado), da economia doméstica familiar (incremento na renda, uso racional dos recursos), aumento da produtividade em culturas intensivas (como a cana-de-açúcar e o eucalipto), para citar somente algumas aplicações. Este trabalho buscou refletir sobre a questão dos efluentes sanitários, tendo em consideração o processo histórico de desenvolvimento dos sistemas de saneamento. Também ressaltou a importância de ponderar métodos alternativos para o enfrentamento dos desafios sanitários. Em vista do que foi apresentado, conclui-se que é possível repensar e ampliar o leque de soluções para o tratamento de efluentes, com sistemas alternativos que objetivam a sustentabilidade e a resiliência e, ao mesmo tempo, agregam outros benefícios à sociedade nos processos de descontaminação das águas urbanas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL, Agência Nacional de Águas (ANA). Lista de Termos para o Thesaurus de Recursos Hídricos. Brasília: ANA, 2014. BRASIL. Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. PLANSAB - Plano Nacional de Saneamento Básico, Brasília, DF, 2014. Disponível em: <http://www. cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/PlanSaB/plansab_texto_ editado_para_downloa d.pdf>. Acesso em: 30 nov. 2016. BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Sustentabilidade urbana: impactos do desenvolvimento econômico e suas consequências sobre o processo de urbanização em países emergentes: textos para as discussões da Rio+20: volume 2 saneamento básico. (Org.) NUNES, Tarcisio et al. Brasília: MMA, 2015. BRAUNGART, M.; MCDONOUGH, W. Cradle to cradle: criar e reciclar ilimitadamente. São Paulo: Editora G.Gili, 2014. GÖTSCH, E. Homem e Natureza: cultura na agricultura. Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá, Recife: Recife Gráfica Editora, 1997. “recursos”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [2,9], 2008 - 2013, http://www.priberam.pt/dlpo/recurso [consul/tado em 22-112016]. SOUZA, C. F.; CRUZ, M. A. S.; TUCCI, C. E. M. Desenvolvimento Urbano de Baixo Impacto: Planejamento e Tecnologias Verdes para a Sustentabilidade das Águas Urbanas. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 17, n. 2, p. 9-18, 2012. TUCCI, C. E. M. Águas urbanas. Estudos avançados, v. 22, n. 63, p. 97112, 2008.

Beatriz Martins Arruda é Arquiteteta e Urbanista formanda pela Universidade de Campinas . Mestrado em Urbanismo na Pontifícia Universidade Catolica de Campinas. Ensaios Científicos| 147


ECOFEMINISMO, VULNERABILIDADE E A NECESSÁRIA LUTA CONTRA A COLONIZAÇÃO DOS CORPOS Nossa sociedade se caracteriza por uma relação utilitarista com a natureza, responsável pelo desencadeamento e aceleração da tendência global ao colapso ambiental. Logo, a reflexão acerca de caminhos e soluções para a atual crise, pautados nos princípios do movimento por justiça ambiental, se torna essencial. Este artigo se propõe explicitar a vulnerabilidade das mulheres e do meio ambiente frente à exploração capitalista dos recursos naturais e dos corpos, especialmente o das mulheres. Considerando que a adaptação às mudanças climáticas

se relaciona à redução da vulnerabilidade, a qual é determinada pela capacidade adaptativa das pessoas, a partilha injusta de direitos, recursos e poder entre diferentes grupos sociais se torna alarmante. Neste sentido, buscamos revisar as obras de autoras consideradas referência na área, como Vandana Shiva e Marilena Chauí, com o intuito de ressaltar a importância do papel da mulher na causa ambiental. Palavras chave: Ecofeminismo, mudanças climáticas, vulnerabilidade, justiça ambiental

Bruna Pimentel Cilento; Julia Lopes da Silva; Patricia Rodrigues Samora

INTRODUÇÃO A discussão a respeito da injustiça ambiental surge da constatação de que os riscos ambientais afetam de modo desigual e injusto as identidades socioculturais hierarquizadas em decorrência de classes sociais, de questões étnico-raciais e de gênero. Neste contexto, chama-se atenção para a vulnerabilidade das mulheres frente às mudanças climáticas globais e aos desastres naturais, os quais têm aumentado em número e intensidade em função das atividades antrópicas desenvolvidas no planeta ao longo das últimas décadas: se na década de 1960 foram registrados 50 desastres em todo o globo; em 2005 este número saltou para 500, bem como os prejuízos estimados aumentaram de U$6 bilhões em 1960 para U$300 bilhões em 2011 (EM-DAT, 2016). A figura abaixo ilustra o crescimento exponencial do número de desastres registrados entre 1900 e 2012:

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Gráfico 1: Registros de desastres no mundo, no período de 1900 a 2012.

Ainda que existam dispositivos legais que garantam a igualdade de tratamento perante a lei e a equidade de gênero, na vida cotidiana persistem inúmeros obstáculos para tal. Mulheres de todo o mundo sofrem violência de gênero


em suas várias expressões, seja através da partilha injusta de direitos, recursos e poder, seja através de regras e normas culturais repressivas que constranjam sua capacidade e potencial. Como a ONU ressalta em sua Nova Agenda Urbana, Habitat III (2016), há urgente necessidade de redução da vulnerabilidade dos países em desenvolvimento frente ao cenário de mudanças climáticas atualmente encontrado. A vulnerabilidade às mudanças climáticas, por sua vez, é determinada em grande parte pela capacidade adaptativa da população. Logo, ao negar espaços de fala, capacitação e participação às mulheres, a vulnerabilidade destas frente um desastre aumenta. Isto posto, tem-se que as lutas sociais possuem clara relação com a solução das questões ambientais, bem como se explicita como o relacionamento entre sociedade e natureza reflete assimetrias políticas, econômicas e socioculturais do sistema hegemônico de dominação, com base em um modelo ideológico de sociedade (ACSELRAD et al., 2008). O gráfico abaixo exibe os diversos componentes relacionados à vulnerabilidade de uma população frente um desastre, dentre eles o gênero:

Gráfico 2: Aspectos da vulnerabilidade. Fonte: Adaptado de LEÓN, 2006.

DESENVOLVIMENTO Ressalta-se a importância de problematizar o processo de colonização dos recursos naturais, responsável pelas mudanças ambientais globais hoje sentidas, e dos corpos das mulheres para melhor compreender o atual cenário de vulnerabilidade. De acordo com Chauí (2008), a ideologia ocidental foi responsável pela difusão do ideal de família, a qual tem por finalidade a reprodução de ideais e valores burgueses de acumulação, exploração e colonização

de riquezas. Ressalta-se que esta ideologia burguesa atingiu a todas as mulheres, sendo que às burguesas restou o confinamento à vida privada, sem o recebimento de vantagens econômicas pela execução de seus trabalhos no bojo familiar, e às proletárias restou as condições subumanas de trabalho, com jornadas exaustivas e baixos salários. Esta mesma estrutura familiar burguesa oferece ao pai uma autoridade substitutiva que o compensa de sua real falta de poder na sociedade, bem como dá à mãe um lugar aparentemente honroso, mas que a mantém em estado de dominação à um modo conveniente de apropriação pelo outro de seu corpo. A família burguesa tratou de manter a mulher fora do mercado remunerado de trabalho para que não competisse com o pai/marido e não lhe furtasse a autoridade ilusória. Contudo, independentemente da camada social a que pertencem, as mulheres sempre trabalharam e contribuíram para a produção de bens e serviços e para a subsistência da família, sobretudo as mulheres de camadas inferiores no trabalho industrial. Estas eram e ainda são submetidas à intensificação do trabalho, à extensão da jornada de trabalho e à salários menores que os dos homens, em razão do caráter ideológico de sua inferiorização social (SAFFIOTI, 2013). É justamente pelo fato de a família existir como uma unidade de produção que as mulheres estão condicionadas a encarnar um papel econômico para toda a sociedade, o ideal de Mãe e provedora. A sociedade capitalista tem de si uma imagem progressista, considerando um avanço seu modo de dominar o meio ambiente e outras culturas. Com esta supervalorização do “progresso”, a burguesia justifica o direito capitalista de colonizar a Natureza, considerada primitiva e, portanto, passível de dominação. Ou seja, existe uma convergência entre a forma como o pensamento ocidental hegemônico vê as mulheres e a Natureza, já que tanto a dominação do sexo feminino quanto a exploração dos recursos naturais são equivalentes ao estarem ambas a serviço da acumulação de capital (FLORES; TREVISAN, 2015). Tem-se que a violência contra as mulheres e contra a Natureza, extensivamente observadas no terceiro mundo, se origina no paradigma desenvolvi Ensaios Científicos| 149


mentista que vê o meio ambiente como um “recurso” separado e à disposição da humanidade algo inerte, passivo e inferior a ser explorado, assim como as mulheres. Esta forma de pensar foi, paralelamente, responsável pela exclusão das mulheres de seu papel protagonista com o meio ambiente, baseado na estabilidade e sustentabilidade. Com a quebra destas relações tradicionais, as mulheres perderam acesso aos recursos naturais e passaram a ter menos renda, emprego e acesso ao poder (SILIPRANDI apud SHIVA, 2001). Somado a isto, observou-se a ascensão do modelo de privatização dos lucros e da exploração ambiental: a monocultura. Com sua antiética de produção, o modo capitalista rejeita a liberdade que ele mesmo criou, já que esta só será válida se os corpos foram livres enquanto mercadorias, dando ares democráticos à exploração de seus recursos, a qual rejeita qualquer tipo de emancipação, seja a econômica e social da mulher, seja a superação da ideia de apropriação privada dos recursos da Natureza. Essa violência institucionalizada talvez seja o principal e mais eficiente instrumento da ideologia de dominação já que está presente nos acordos políticos, na formulação das leis, no planejamento e orçamento das políticas públicas, na atuação do Poder Judiciário, na tutela (ou na falha na prestação de tutela) do Ministério Público, no engessamento

das Defensorias Públicas, no sucateamento da educação e nos espaços e atividades culturais, no desaparelhamento dos coletivos de sujeitos (sindicatos, movimentos sociais, movimentos ambientalistas, reservas indígenas), na eliminação da divisão de classes e na desconstrução do empoderamento feminino. Um exemplo atual e simbólico dessa violência institucionalizada contra as mulheres é a Proposta de Emenda Constitucional – PEC 287/2016 (BRASIL, 2016), na qual o Governo Federal brasileiro encaminhou ao Congresso Nacional proposta de Reforma Previdenciária. Em referida proposta uma série de direitos das mulheres são precarizados. O mais pungente deles é o aumento da idade mínima para aposentadoria da mulher, que passou de 60 para 65 anos e é igualada à idade mínima dos homens, com tempo mínimo de contribuição de 25 anos. A regra é válida inclusive para as trabalhadoras rurais, cuja idade mínima atual para aposentadoria é 55 anos, o que invisibiliza a sobrecarga de trabalho à que são submetidas, com duplas ou triplas jornadas, em razão de ainda lhes ser atribuídas as funções domésticas e cuidados com os filhos. Após protestos de movimentos sociais de mulheres e outros segmentos por todo o país, o Governo Federal alterou a idade mínima das mulheres para 62 anos e deixou de estender essas regras às trabalhadoras rurais, mas a Reforma Previdenciária proposta segue onerosa para as mulheres.

Figura 1: Mulheres marcham pelos direitos de trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade. Fonte: Rádio Guaíba

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Outro exemplo também marcante é a soberania patriarcal no sistema judiciário criminal. Em caso recente, ocorrido em janeiro de 2018, uma mulher grávida de 9 meses foi presa preventivamente por furtar comida (VASSALO, 2018), mesmo existindo a garantia no Código de Processo Penal de que a gestante pode cumprir recolhimento em regime domiciliar. A situação é tão recorrente que o Conselho Nacional de Justiça divulgou que, até 31 de dezembro de 2017, 622 mulheres presas estavam grávidas ou amamentando (MAIA, 2018). Diante desta situação, o Coletivo de Advogados de Direitos Humanos ingressou com Habeas Corpus Coletivo (BRASIL, 2017), com o apoio da Defensoria Pública da União, para que todas as mulheres presas preventivamente (aguardando julgamento) que estejam grávidas ou que tenham filhos de até 12 anos de idade possam cumprir o recolhimento em regime domiciliar. O parecer da Procuradoria Geral da União, cujo dever deveria ser tutelar os interesses da União, foi desfavorável. Segundo a pesquisadora venezuelana Helena Katherina Nogales (2017), colocar a mulher e a natureza em um estado de vulnerabilidade, enfermidade, instabilidade - situações frequentemente testemunhadas, como nos exemplos citados - permite que fluam as estratégias econômicas tendentes a economizar a reprodução da vida. A autora destaca: La desvalorización de la mujer se enlaza con sus roles sociales y biológicos, que la visión patriarcal aso-

cia a la maternidad. Un hecho tan fundamental como el cuidado de la vida no parece merecer que se le confiera importancia, pues los roles masculinos que implican la utilización de la fuerza y la violencia son más valorados (Ortner, 1979). [...] Por tanto, la llamada feminización de la naturaliza o naturalización de la mujer ha sido doblemente prejudicial: “la naturaliza se ha convertido em ese ser vulnerable del que se puede abusar; la mujer por su parte ha sufrido las consecuencias de esa mecanización de lo orgánico y, al convertirse el hombre em el dueño de la técnica, el mundo femenino ha quedado subordinado a cuidar de lo orgánico, menos considerado económica y socialmente” (Tardón, 2011:538). (NOGALES, 2017, p. 10 - 11)

O pensamento ideológico ocidental identifica, do ponto de vista político, a mulher com a Natureza e o homem com a cultura, sendo a cultura, no pensamento ocidental, superior à Natureza, bem como uma forma de “dominação” desta. É a partir

desta lógica que se dá a necessidade de discutir o ecofeminismo. Herrero (2017) explica:

El término ecofeminismo fue acuñado por Françoise d’Eaubonne em 1974 y se popularizó em el contexto de las numerosas protestas contra la destrucción ambiental que tuvieron lugar a final de la década de 1970. De hecho, como movimiento social y político, el ecofeminismo se originó a partir de la hibridación de tres movimientos sociales: feminista, ecologista y pacifista. [...] Para las ecofeminista, el patriarcado no solo condiciona y somete los cuerpos, mentes y vidas de mujeres y hombres, sino que también ejerce poder sobre la naturaleza no humana y la somete. Así, la destrucción de los bosques, la contaminación de las aguas, los productos tóxicos del tecnoindustrialismo o el trato que se le da a los animales no humanos son temas profundamente feministas, pues entender cómo el sistema patriarcal influye em estas entidades ayuda a comprender una parte central del estatus oprimido de las mujeres de forma transcultural (HERRERO, 2017, p. 19).

Neste sentido, o mote da luta ecofeminista deve ter como seu mais importante viés a eliminação da ideologia de colonização dos corpos, visto que esta legitima uma dominação parasitária em nome de um imaginário progresso civilizatório, no qual se “humaniza” a Natureza, tratando-a como “mãe-terra”, ao mesmo tempo em que “naturaliza” o papel social da mulher na sociedade (CHAUÍ, 2008), de forma que tanto uma quanto a outra sejam provedoras de recursos para o acúmulo do capital. Nesse

Figura 2: Manifestação ecofeminista em espaço público Fonte: comambiental.com

processo, ilusoriamente evolutivo, se leva à exaustão a exploração de todos os corpos colonizados, tratando-os como mercadoria inesgotável e lucrativa e não como componenEnsaios Científicos| 151


tes essenciais ao meio ambiente equilibrado. Exposta a lógica da ideologia de dominação que gera a exploração das mulheres, chama-se atenção para como tais mecanismos contribuem para a vulnerabilidade das mulheres no contexto dos desastres naturais. Segundo dados da UNISDR (2012) mulheres e crianças têm 14 vezes mais chances de morrer durante um desastre, já que frequentemente estão em posições de subordinação, mobilidade restrita, menor poder de decisão e empregos mal remunerados, todos fatores que ampliam sua vulnerabilidade e que têm origem nos processos ideológicos previamente explicitados. Na busca por transformar tal cenário, documentos internacionais foram assinados por diversos países visando reforçar a necessidade de aumento da resiliência desta parcela da população frente aos eventos decorrentes das mudanças climáticas. Entre eles estão: Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável (2016), Acordo de Paris (2016) e Marco de Sendai (2015), que contém recomendações no sentido da proteção e do empoderamento das mulheres frente estes eventos. A redução dos riscos de desastre se torna, portanto, um compromisso assumido pelos países signatários, sendo obrigatória a internalização dessas alterações nos ordenamentos jurídicos de cada país. Ainda que muitos perigos não possam ser evitados, os riscos e os danos decorrentes de um desastre podem ser reduzidos ou mitigados através de políticas de prevenção e de preparação para o seu enfrentamento (SUASSUNA; RABELO, 2017).

da problemática socioambiental, visando a formação de novas mentalidades, conhecimentos e comportamentos (JACOBI, 2006), afinal a ideologia produz histórias imaginárias sempre narradas pelos detentores do poder (CHAUÍ, 2008). Isto posto, conclui-se que:

CONCLUSÃO

FLORES, B.; TREVISAN, S. Ecofeminismo e comunidade sustentável. In: Revista Estudos Feministas, vol. 23(1), 11 – 34, 2015.

A violência contra as mulheres e contra a Natureza se origina no paradigma desenvolvimentista, o qual, por um lado priva as mulheres de espaços de fala, capacitação e participação, aumentando sua vulnerabilidade frente um desastre ambiental e, por outro, justifica a exploração predatória dos recursos ambientais que tem induzido a aceleração de processos que conduzem ao colapso ambiental de nosso planeta. Tem-se, portanto, que o caminho para uma sociedade mais sustentável e justa se fortalece no desenvolvimento de práticas pautadas pelo paradigma da complexidade, que levem às esferas sociopolíticas uma atitude reflexiva em torno

HERRERO, A. Ecofeminismos: apuntes sobre la dominación gemela de mujeres y naturaleza. In: Ecologia Política – Cuadernos de debate internacional, v. 54, 18 – 25, 2017. JACOBI, P. Educação ambiental e o desafio da sustentabilidade socioambiental. In: O mundo da saúde, v. 30 (4), 524-531, 2006.

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Desvincular los esencialismos sobre la mujer y sobre la naturaleza, la visión utilitaria acerca de la reproducción de la vida y la superioridad del ser humano sobre los otros seres vivos son puntos clave para acercarnos a otros modos de mirar y vivir el mundo (NOGALES, 2017, p. 15).

Portanto, a universalidade do alcance da justiça ambiental e do bem-estar da população passa pela luta contra as desigualdades de poder estruturadas ao redor das diferenças sociais, sobretudo as de gênero. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACSELRAD, H. et al. O que é justiça ambiental? Rio de Janeiro: Garamond, 2008. BRASIL. Proposta de Emenda à Constituição no 287 de 5 de dezembro de 2016. Disponível em: http://www.previdencia.gov. br/wp-content/uploads/2016/12/PEC-287-2016.pdf. Acesso em: 28 de fevereiro de 2018. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus Coletivo no 143641/SP, de maio de 2017. Impetrante: Coletivo de Advogados de Direitos Humanos. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/HC143641final3pdfVoto.pdf. Acesso em: 28 de fevereiro de 2018. CHAUÍ, M. O que é ideologia? São Paulo: Brasiliense, 2008. EM-DAT: The Internacional Disaster Database - Centre for Research on the Epidemology of Disasters (CRED), 2017. Disponível em <www.emdat.br>, acesso em set. de 2017.

LEÓN, J. C. Vulnerability a conceptual and methological review. Bonn: United Nations University, no 4, 2006. MAIA, G. Em habeas corpus coletivo, STF concede prisão domiciliar a mulheres grávidas e mães presas. UOL Notícias Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimasnoticias/2018/02/20/em-habeas-corpus-coletivo-stf-concede-prisao-domiciliar-a-mulheres-gravidas-e- maes-presas.htm?cmpid=copiaecola>, 20 fev. 2018. NOGALES, H. Colonialidad de la naturaleza y de la mujer frente


a un planeta que se agota. In: Ecologia Política – Cuadernos de debate internacional, v. 54, 8-11, 2017. SAFFIOTI, H. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. São Paulo, Expressão Popular, 2013. SHIVA, V. Abrazar la vida: mujer, ecología y supervivencia (trad. Ana E. Guyer e Beatriz Sosa Martinez). Montevideo, Instituto del Tercer Mundo, 1991. SILIPRANDI, E. Ecofeminismo: Contribuições e limites para a abordagem de políticas ambientais. In: Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, vol. 1(1), 61 – 71, 2000. SUASSUNA, C.; RABELO, J. Vulnerabilidades e Justiça Ambiental no contexto dos desastres decorrentes das mudanças climáticas: Uma análise sobre as condições das mulheres. In: Mulher, vulnerabilidade e justiça socioambiental Cirne, L.; Claudio, M; Monteiro, R. (Org.). Recife, Instituto Humanitas UNICAP, 24 – 35, 2017. UNITED NATIONS CONFERENCE ON HOUSING AND SUSTAINABLE Urban Development, 2016. Habitat III. Quito. Disponível em <http://habitat3.org/the-new-urban-agenda/>, acesso em mai. de 2017. UNITED NATIONS OFFICE FOR DISASTER RISK REDUCTION. Estratégia Internacional para Redução de Desastres, 2012. O desastre sob o enfoque de novas lentes: para cada efeito, uma causa. São Paulo, CARE Brasil. Disponível em <http://www.bombeiros. go.gov.br/wp- content/uploads/2012/06/o-desastre-sob-o-enfoque-de-novas-lentes1.pdf>, acesso em out. de 2017. VASSALO, L. Com recém-nascido nos braços, presa por furtar comida deixa presídio. Jornal eletrônico Estadão. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/com-recem- nascido-nos-bracos-presa-por-furtar-comida-deixa-presidio/>, 23 fev. 2018.

Bruna Pimentel Cilento e Julia Lopes da Silva 2º semestre - Doutorandas de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo PUC - Campinas Profª Drª Patricia Rodrigues Samora Faculdade de Arquitetura e Urbanismo POSURB+ARQ PUC Campinas

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RESISTÊNCIA PELO DIREITO À CIDADE: Espaços públicos de convivência como protagonistas na formação de seus cidadãos Quando nos situamos em um espaço da cidade, desenvolvemos uma série de mecanismos e sistemas psicológicos e fisiológicos que permitem a apreensão do entorno e qual o seu significado. Os espaços públicos de convivência proporcionam experiências que resultam na transmissão de diversos sentidos através de signos, passíveis de abarcar funções que aguçam a intuição e a percepção. Assim, o espaço urbano reforça a importância do papel do espaço enquanto instância social, onde projeto e planejamento urbanos podem tornar os espaços públicos mais justos e igualitários, auxiliando na educação, na formação de cidadãos e no desenvolvimento socioeconômico. Se um ambiente facilita os convívios interpessoais e reforça a ideia de igualdade entre as pessoas, ele se torna um ambiente potencialmente educador. O espaço nunca é neutro, ele educa ou deseduca, e suas formas espaciais são informativas e formativas como concretude e simbologia, logo o espaço não pode ser apenas um mero espaço físico de requisito geométrico, pois os espaços de qualidade são mais educadores que os triviais devido às suas características inerentes que causam

estranhamento e desafiam a percepção do indivíduo através de mensagens não verbais que a arquitetura permite fazer conhecer. Utilizando como metodologia e procedimento de análise de um espaço potencialmente educador, foram embasados os conceitos ditados pela AICE (Associação Internacional das Cidades Educadoras), na qual formulou a “Carta das Cidades Educadoras” que inclui vinte princípios para que o meio urbano ofereça oportunidades de “educação permanente”. Se o espaço possui relações adequadas com o entorno, evidencia a história do lugar, tem capacidade de incitar as sensações humanas, oferece lugares que facilitam as relações interpessoais e mostram qualidades em seu design concomitantemente, este espaço é potencialmente educador. O objetivo é desvelar espaços potencialmente educadores na cidade, ampliando conceitos sobre as características espaciais vinculadas à percepção da poética do lugar pelo homem. Palavras-Chave: cidades educadoras; requalificação urbana; espaços públicos; espaços potencialmente educadores; qualidades do ambiente.

Fernanda Alves Bonon¹; Laura Panetto Simon²

INTRODUÇÃO O processo de globalização desde tempos remotos, tem resultado em lugares de produção de conhecimento e troca de saberes, transformando a cidade em uma grande sede do saber. A concentração de pessoas facilita e induz a relação humana, potencializando a cidade como um grande centro educador. O meio urbano é um espaço comum dotado de significado, que reflete a estrutura social e explicita o estágio de desenvolvimento das forças produtivas da sociedade que o produziu. Considerado como totalidade híbrida e indissociável entre sistemas de objeto e sistema de ações (SANTOS, 1996), o espaço deixa de ser palco de atos humanos e assume o status de instância social, em um processo contínuo e difuso de trocas de saberes, gerando outro tipo de formação para além da educação proporcionada pelas instituições formais. Buscando desvelar esta tendência de pensar o espaço urbano, buscando conhecer, problematizar e enfatizar seus atributos educadores, surgiu a AICE (Associação Internacional de Cidades Ensaios Científicos | 154

Educadoras), propondo que a cidade seja o fator que potencializa os elementos que a fazem se tornar uma grande escola a céu aberto, oferecendo infindáveis possibilidades educadoras. Durante o 1º Congresso Internacional de Cidades Educadoras, realizado em Barcelona 1990, surgiu a “Carta das Cidades Educadoras” que, apoiada pela UNESCO, propõe vinte preceitos para que o meio urbano ofereça possibilidades de “educação permanente”, adjetivo daquelas que se comprometem institucionalmente com a função pedagógica da cidade em todas as suas ações e intervenções Com o intuito de tornar as cidades mais acolhedoras e justas, objetivando a formação de cidadãos críticos e ativos, os principais conceitos das cidades educadoras são: trabalhar a escola como espaço comunitário; trabalhar a cidade como grande espaço educador igualitário; aprender na cidade, com a cidade e com as pessoas; valorizar o aprendizado vivencial; e por fim, priorizar a formação destes valores, para assim, viabilizar a melhoria na qualidade de vida para seus cidadãos. Quando nos situamos em um espaço da cidade, desenvolvemos uma série de mecanismos e sistemas fisiológico e psicológicos, que permitem a apreensão


do entorno, como ele se configura, seu significado, e como podemos desfrutar dele. Desta forma, o meio urbano interage conosco por meio de sensações ou emoções que são captadas e transformadas em conteúdo e significado, nos fazendo conhecer e explorar o espaço. Em suma, se trata de obtermos uma experiência ambiental, e o papel do arquiteto urbanista seria de transformar os espaços públicos e arquitetônicos, repetitivos e banalizados, em espaços educadores e inovadores, que ofereçam a possibilidade de informar e formar as pessoas que ali frequentam, criando novas relações entre os usuários, através de mensagens não verbais que a arquitetura permite fazer conhecer, despertando nossa noção de cidadania. . “Hoje não é suficiente apenas a discussão sobre espaço euclidiano dos ambientes, de seus acabamentos, mas também, a existência de qualidades que venham a atrair e a tocar a sensação de conforto, de acolhimento, atendendo às dimensões psicológicas do ser humano, propiciando o sentimento de prazer nos locais de atividade de sua existência, desenvolvendo o sentido afetivo ou a ligação prazerosa que enseje a permanência no local.” (OKAMOTO, 2002, p. 249)

Ao vincular uma série de fatores que transformam a cidade em um grande centro de educação permanente, os “Espaços” afetam o convívio social e a maneira de interagir com as pessoas e, quando são atribuídas características espaciais afetivas, nos colocam em acordo ou desacordo, transformando-se em “Lugares”, compostos por um sistema de barreiras e permeabilidades resultantes da urbanização, que está intrinsicamente relacionado à um sistema de encontros interpessoais civis, fazendo com que se gere uma identidade própria cidadã. Para identificar tais espaços, baseando-se na conceituação realizada por Merlin e Queiroga (2011), se o espaço possui relações adequadas com o entorno, mostra a história do lugar, tem capacidade de incitar as sensações humanas, oferece lugares que facilitam agregar pessoas e que, ao mesmo tempo, mostram qualidades em seu design, este espaço tornar-se-á potencialmente educador, sendo estes os cinco pontos cruciais para uma boa forma espacial. Para se apropriar de todos estes critérios, este trabalho propôs encontrar espaços diversificados que exemplifiquem a maioria destas características, ob-

jetivando avaliá-los enquanto indutor de processos educadores, apontando suas características mais específicas. Embora os edifícios não cumpram de maneira plena todos os requisitos enunciados anteriormente, o que os tornaria paradigmáticos, eles foram escolhidos por possuírem características particulares marcantes que cumprem melhor as funções educadoras. Ao verificar as potencialidades educadoras no âmbito dos espaços públicos das cidades, entendendo ambiência e qualidade, expõe-se características que lhes são intrínsecas enquanto artefato e linguagem, apontando seu potencial educador como documento subjacente passível de leitura. Baseando-se na empiria, nas proposições teóricas e na Carta das Cidades Educadoras, se buscou analisar parâmetros que sintetizam hipóteses acerca dos espaços potencialmente educadores. ANÁLISES Há algumas particularidades inerentes aos espaços apontadas como potencialmente educadoras, ou seja, os espaços públicos possuem capacidades de abrigar funções educadoras e promover encontros humanos, educando os usuários, como é o caso das escolas, ruas e praças que possibilita tais encontros e trocas de informação. Mais tênues e complexas, estas características estão relacionadas com as relações adequadas com o entorno, com a amostragem da história do lugar, com a capacidade de incitar as sensações humanas, e com a existência de lugares que facilitam agregar pessoas. Ao possibilitar esta interação, este se torna um espaço educador, pois se faz igualitário e democrático, promovendo o reconhecimento mútuo e o respeito entre os usuários, além da transmissão de conhecimento pelo exemplo de conduta do outro.

“(...) é muito mais importante abrir uma “boa” rua, criar uma verdadeira praça, do que construir uma escola cuja arquitetura esteja loucamente na moda, ou um magnifico centro cultural colocado num contexto urbano inexistente. (...) pois as crianças e adolescentes aprendem muito mais nas ruas do que nas escolas, e que

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a cultura proporcionada pela frequência nos espaços de nossas cidades é mais fundamental do que as das casas de cultura. ” (HUET, 2012, p. 151)

Não basta apenas apresentar um programa cultural e educador se o espaço não potencializar estes preceitos por meio do projeto que oferece uma qualidade espacial diferenciada, o que se torna outra característica relevante no processo de educação do cidadão, visto que as qualidades dignificam o lugar e condensam todos os demais atributos, levando em conta aspectos funcionais, técnicos, éticos, políticos e estéticos do local que favore“(...) hoje há uma forte tendência a pensar que para resolver problemas sociais fundamentais, como a educação e a cultura, basta multiplicar os educadores e os animadores, construir edifícios para acolhê-los e multiplicar as obras

Portanto, a arquitetura é vista como uma forma tácita de ensinar e educar, pois consequentemente molda a atuação e o papel de cada pessoa frente à sociedade, contribuindo para a formação de sua cidadania. Sendo a cidade o protagonista que abriga esta arquitetura e urbanização, reforça seu papel enquanto instância social e indutor de conhecimento.

uma obra-prima “revolucionária”, tornada perfeitamente insignificante pela sua incongruência.” (HUET, 2012, p. 150) resolver problemas sociais fundamentais, como a educação e a cultura, basta multiplicar os educadores e os animadores, construir edifícios para acolhê-los e multiplicar as obras de arte e os monumentos, sem fazer o esforço de pensar no espaço que condiciona a educação e a cultura no cotidiano, isto é, na “cidade”, no sentido mais convencional e mais tradicional do termo. ” (HUET, 2012, p. 151)

Infelizmente está sendo comum o fato do espaço público resultar de edificações que o rodeiam, sendo assim, um espaço residual das áreas privadas ou semi-públicas, se tornando um lugar de passagem e não de permanência. É preciso rever o modo de pensar a cidade e a arquitetura, restaurando o valor educador e civilizador destes espaços que possuem potencial de educar o cidadão, onde suas relações espaciais acontecem harmonicamente com seu entorno, fazendo-se uso do pré-existente como um partido para o projeto, formando barreiras e permeabilidades quando for

Relações adequadas com o entorno A informação protagonizada transforma o entorno de um lugar na cidade não mais numa área acéfala circundante sem apropriação da malha urbana, mas como agentes vizinhos e ativos, que formam e informam. Estes fatores têm sido mais aprimorados após a globalização, com o avanço dos meios tecnológicos que, junto da mobilidade urbana e a exacerbação dos sistemas de comunicação, permite a articulação social por meio de “redes”, que auxiliam na intercomunicação da cidade. Se uma obra arquitetônica não estiver inserida em um contexto urbano coerente com ela mesma, se perde/diminui a importância e seu impacto para o local, perdendo sua força e seu “A rigor, é melhor uma arquitetura de qualidade média, porém bem situada no um espaço público e que atenda a critérios de legibilidade perfeitamente precisos, do que

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Figura 1 e 2: Piscina de Marés – Leça da Palmeira, Portugal. Arquiteto: Álvaro Siza. Fonte: Fernando Guerra (2016)


necessário para que se atinja o seu objetivo.. Ilustrando este critério, o projeto da Piscina de Máres de Siza enfatiza a relação da natureza com o urbano e a arquitetura, onde o desnível não impede que a paisagem se esconda, visto que a arquitetura se encaixa neste desnível de forma sutil. A implantação mostra conhecimento do espaço a partir do uso que se tem nele, onde a piscina gera uma continuidade visual das águas do mar, além disso, explora as sensações nos indivíduos que ali frequentam. História do Lugar Quando os espaços relatam a história do lugar desvelando os eventos significativos pregressos, evidenciam como e quando foram concebidos e construídos; revelando intencionalidades dos propositores (agentes sociais, políticos, autores), apresentando sistemas de covariações históricas. Deve-se reconhecer que o espaço é dotado de significados e rugosidades, que transcendem a materialidade e revelam os vestígios de acontecimentos e eventos pregressos, agindo como se fossem palimpsestos, tornando-se objeto informativo e formativo, superando a ideia de “espaço físico” como algo geométrico, sem alma e história. O novo deve acontecer em harmonia com o pré-existente, ou seja, as relações adequadas com o entorno também estão relacionadas com este critério. Uma obra arquitetônica não pode simplesmente igno-

rar as edificações e a identidade que os projetos pré-existentes abarcam, desconsiderando o contexto em que se insere. É muito importante evidenciar esta relação de respeito entre o novo e o antigo, pois garante a preservação do passado histórico e das memórias que o lugar possui, educando através do olhar das tipologias arquitetônicas. Um grande exemplo deste critério é o SESC Pompéia, considerado uma “arquitetura a serviço da cidadania”, onde a antiga fábrica dos tambores da Pompéia deu espaço à requalificação urbana, se transformando em um centro cultural que abriga atividades de esporte e lazer, teatro e ateliês de artesanato, para quem quiser usufruir e participar. A s estruturas dos antigos galpões foram preservadas, e novos usos ao espaço foram atribuídos, onde também dois edifícios anexos foram construídos, se relacionando de forma harmoniosa com o pré-existente. Do ponto de vista sociocultural, o SESC é visto como um símbolo da identidade paulistana, um espaço de fuga e calmaria que se contrapõe à agitada metrópole paulistana, abrigando pessoas de todas as classes sociais que aprendem a trocar informações e conhecimentos num mesmo espaço, auxiliando na formação de seus frequentadores.

Figuras 3 e 4: SESC Pompéia – São Paulo, Brasil. Arquiteta: Lina Bo Bardi. Fonte: Pedro Kok (2013)

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Agregar pessoas Os espaços são marcados pelo uso que se fazem deles, sendo o SESC Pompéia um exemplo de como é importante o espaço visar a alteridade, viabilizando encontros e trocas de experiências. As escolas também são vistas neste aspecto, uma vez que seu espaço abriga eventos que permitem a educação formal, abarcando também a possibilidade de uma educação informal, o conhecimento que não se aprende em salas de aula, através da convivência entre as pessoas. Visando isso, os Centros Educacionais Unifica-

dos (CEU) em São Paulo são intervenções educacionais da Prefeitura nas regiões periféricas da cidade com alto índice de vulnerabilidade, em uma tentativa de amenizar as desigualdades sociais, tornando a escola um centro polarizador de conhecimento e um método de fundar uma nova urbanidade em seus bairros através de práticas esportivas, recreativas e culturais no ambiente escolar. Estes projetos constituem mais um avanço na interação entre arquitetos e educadores no desenvolvimento de ideias para combater o processo hostil de urbanização das nossas cidades, estabelecendo a escola como um instrumento de (re) estruturação da sociedade.

Figura 5: CEU Butantã - São Paulo, Brasil. Auto: EDIF (Departamento de Edificações do Município de São Paulo). FOTO: Nelson Kon (2004)

Os CEU’s são abertos aos finais de semana para beneficiar a comunidade, explorando os potenciais educadores do espaço, já que a população faz uso de seus equipamentos: piscinas, quadras, playgrounds, teatros/ cinemas, salas de computação e bibliotecas. Caracterizam também um processo de transformação urbana e inclusão social, onde a edu-

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cação e a cultura são os alicerces para a realização de mudanças sociais, e as infraestruturas físicas são responsáveis pela melhoria da qualidade de vida e a recuperação do espaço público e da coesão social, reforçando a convivência e integração das pessoas.


Incitar sensações Todo lugar causa uma sensação, seja ela positiva ou negativa. Considerando este poder vinculado à arquitetura. Ao incitar sensações faz com que o espaço não passe despercebido aos olhos do usuário, o que desafia sua percepção. O estranhamento é causado ao se deparar com o inédito, resultando em uma reflexão, fazendo com que a pessoa busque entender o que está acontecendo, dilatando o repertório do conhecimento sensível ao se deparar com o inédito. Ao avaliar a experiência sensível, além de compreender o conjunto de sensações captadas pelos órgãos do sentido, há a percepção do fluir nos espaços da cidade. Segundo Cristiane Rose Duarte (2015) este fenômeno implica na “Empatia Social”, conceito que elenca características espaciais como uma forma de relacionar com o mundo e tomar consciência dele a partir da experiência sensível. O estudo das ambiências abarca não somente os fatores sensíveis do lugar, ou as sensações de equilíbrio, amplidão, visão serial ou confinamento, mas também, sua capacidade de evocar memórias

e estabelecer afetos. A experiência espacial gera emoções e valores, que nos transformam em parceiros das ambiências e resultam na conexão afetiva com o lugar, incitando um novo modo de apreensão da realidade, tangenciados estruturalmente pelos meios de informação que disputam o local e o global. Um exemplo paradigmático é o Órgão do Mar, localizado na cidade litorânea de Zadar, na Croácia, onde o projeto tangencia o mar e propõe degraus extensos que funcionam como espaço coletivo, e que, com um sistema de tubos internos, são produzidos sons pela pressão do ar dentro dos tubos, criando acordes inéditos ditado pelo balancear das águas. Há também na cidade de Campinas - SP, um projeto criado por jovens arquitetos locais mestrado por Pedro Manieri, onde se propõe uma praça com esculturas feitas com tubos, que, orquestrado pelo movimento do vento, geram sons distintos, homenageando a musicalidade da cidade onde nasceu um dos mais importantes músicos do país, Carlos Gomes.

Figura 6: Órgão do Mar – Zadar, Croácia. Arquiteto: Nikola Bašić. Fonte: Tim Ertl (2015)

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Design inusitado A linguagem da arquitetura dignifica o lugar através de projetos que levam em conta questões funcionais, técnicas, éticas, políticas e estéticas, permitindo múltiplos usos e atividades, resultando em uma apropriação pública pela qualidade de seu desenho. É preciso pensar o espaço como arte que usa padrões estéticos que revelam o mundo ao usuário, aguçando o potencial educador da cidade, fazendo com que construa sua autonomia intelectual pela própria percepção. Cada projeto arquitetônico deve se valer do estímulo da mente de um indivíduo para que se vá além de suas abstrações familiares de espaço, tentando novas interpretações de uma arquitetura criativa, ampliando conceitos sobre visões de presente e passado, distinguindo atributos estéticos, tornando o espaço potencialmente educador por meio da leitura da arte de se projetar um lugar na cidade. Sendo assim, a arquitetura tem o poder de

criar símbolos que dão identidade ao território em sua concretude, como é o caso do MASP que se encontra em um ponto privilegiado da cidade, o cruzamento da Av. Paulista, uma das mais famosas, com o túnel da Av. 9 de Julho, na cidade de São Paulo. O edifício de arquitetura simples e de caráter monumental está suspenso do chão com o formato de pórtico, enquadrando a paisagem da cidade, se tornando cartão postal da mesma.

Figuras 8: MASP (Museu de Artes de São Paulo) – São Paulo, Brasil. Arquiteta: Lina Bo Bardi. Fonte: Wikiarquitectura (2012)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Figuras 7: MASP (Museu de Artes de São Paulo) – São Paulo, Brasil. Arquiteta: Lina Bo Bardi. Fonte: Wikiarquitectura (2012)

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O espaço urbano nos afeta independente da escala, seja no bairro, no edifício ou na praça. O trabalho tenta discorrer sobre as potencialidades educadoras inerentes ao espaço da cidade, ou seja, o espaço em si tanto como artefato quanto linguagem, gerando experiências que acabam fazendo parte do aprendizado pessoal do usuário. Além disso, a cidade oferece um ambiente desprovido de proteção, tornando necessário que o espaço tenha características que possibilitem o enfrentamento do inesperado. A educação por meio dos espaços da cidade é uma “forma silenciosa de ensino”, que molda o comportamento de cada pessoa face aos demais, resultando assim, na construção da cidadania. As cidades são indispensáveis para que ocorram processos de educação integral, onde se tem a possibilidade de se aprender a educação informal, aquela que não se aprende na escola. (MERLIN; QUEIROGA, 2011). Sendo assim, a cidade e a arquitetura afetam nosso convívio social, o modo de intera


gir com as pessoas, a maior ou menor facilidade que temos de nos reunirmos nos lugares, e as estratégias de vigilância uns sobre os outros. O meio urbano, como lugar que condiciona a vida, possui um potencial educador que lhe é inerente, desta forma, fica claro que o espaço nunca é neutro, ou seja, educa ou deseduca. Deve-se romper a ideia da concepção de espaços como “espaço físico” banalizado como mera concreção pragmática, sem vida nem história, quando se sabe que como condicionante da vida urbana, o espaço conta a história da civilização, e são objetos formativos e informativos, que extrapolam a mera materialidade através das experiências ambientais. Baseando-se na empiria, nas proposições teóricas e na Carta das Cidades Educadoras, se buscou consolidar parâmetros que sintetizam hipóteses acerca dos espaços potencialmente educadores: relações com entorno – quando permitem ampla acessibilidade, respeitando o meio em que está inserido, integrando os lugares; história do lugar – quando relatam a história do lugar desvelando os eventos anteriores como palimpsestos, evidenciam como e quando foram concebidos, revelando a ideologia que os norteou; encontros humanos – quando estimulam eventos sociais, promovendo relações interpessoais, trocas de experiências e respeito à alteridade; suscitar sensações – quando interiorizam percepções por meio dos os órgãos dos sentidos humanos, e exteriorizam em forma de experiências ambientais, resultando em afeto; qualidade do design – quando a arte explicitada no meio urbano por meio da arquitetura dignifica o lugar, e resulta em uma produção cultural, oferecendo espaços de qualidade. Há uma tendência mundial em considerar a cidade como espaço educador, desde as reuniões da UNESCO em 1970, até a fundação da Associação Internacional das Cidades Educadoras em Barcelona em 1990. É um processo ligado aos novos instrumentos técnicos produto da globalização para a formação da “sociedade do conhecimento”. Assim, o espaço urbano necessita ser pensado como lugar que condiciona a vida e interfere diretamente nas relações humanas, sendo assim, potencialmente educador, dependendo das qualidades que lhes são inerentes, além da cultura e informações próprias aos usuários.

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Fernanda Alves Bonon e Laura Panetto Simon 10º semestre - Arquitetura e Urbanismo PUC Campinas Prof. Dr. José Roberto Merlin Faculdade de Arquitetura e Urbanismo PÓSURB + ARQ PUC Campinas

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